View
218
Download
0
Category
Preview:
Citation preview
OS DESAFIOS DA ESCOLA FRENTE À DIVERSIDADE:
Estudo das Relações Étnico-raciais no Ensino da Geografia
para a Formação de Docentes em Nível Médio
Autora: Marelise Perondi Casaril1
Orientadora: Najla Mehanna Mormul2
Resumo
O presente artigo, pretende realizar uma discussão acerca da educação para as relações étnico-raciais, através do ensino da Geografia, buscando identificar os entraves e possibilidades para a efetiva implementação da Lei Federal 10.639/03, absorvida pela Lei 11.645/08 que inclui no currículo oficial de ensino, a obrigatoriedade da temática: “História e Cultura Afrobrasileira e Indígena”. Tendo como base a percepção das manifestações sócioespaciais e culturais que produzem o preconceito e a discriminação na sociedade e no ambiente escolar, pretende-se com o debate das políticas de ações afirmativas em relação às populações afrodescendentes, trazer para o âmbito escolar, a importante discussão das relações étnico-raciais no Brasil e o combate ao racismo, tantas vezes silenciado ou desqualificado pelas avaliações de que o Brasil é uma democracia racial. Objetiva-se ainda, promover o resgate da autoestima e a consolidação da identidade do povo brasileiro. Para isso, foram desenvolvidas diversas atividades como: pesquisas, debates, trabalhos em grupos, visando a construção de um “Kit Pedagógico” com materiais que poderão servir como apoio e subsídio aos educandos e professores nos trabalhos com a temática. O estudo foi realizado com alunos do curso de Formação de Docentes em nível médio, do Colégio Estadual Leonardo da Vinci no Município de Dois Vizinhos sob a perspectiva de contribuir na formação do cidadão.
Palavras - Chave: Relações étnico-raciais; Ensino de Geografia; Racismo.
1 Especialista em Ecologia e Educação Ambiental e em Supervisão Escolar. Graduada em Geografia e
Professora no Colégio Leonardo da Vinci – Dois Vizinhos – PR 2 Mestre em Educação e Doutoranda em Geografia .Docente do Colegiado de Geografia da Universidade
Estadual do Oeste de Paraná – Campus de Francisco Beltrão.
Abstract
This article intends to hold a discussion about education for the ethnic-racial relations, through the teaching of geography in order to identify barriers and opportunities for effective implementation of Federal Law 10.639/03, 11.645/08 absorbed by the Act which includes the official curriculum of education, the compulsory theme: "History and Culture Afrobrasileira and Indian." Based on the perception of socio-spatial and cultural events that produce prejudice and discrimination in society and the school environment, it is intended with the discussion of affirmative action policies in relation to populations of African descent, bring to the school, the important discussion of ethnic-racial relations in Brazil and combating racism, so often silenced or disqualified by the ratings that Brazil is a racial democracy. The purpose is also to promote the recovery of self-esteem and identity consolidation of the Brazilian people. For this, various activities were developed as research, debates, group work, aiming at building an "Educational Kit" with materials that could serve as support and subsidies to students and teachers in the work with the theme. The study was conducted with students of Teacher Training in high school State Leonardo da Vinci in the city of Dois Vizinhoss from the perspective of contributing to the formation of the citizen.
Keywords: Racial-ethnic Relations; School of Geography; Racism.
1 Introdução
Na sociedade brasileira ainda persistem sérias questões étnico-raciais
decorrentes de uma história mal contada, da qual sempre prevaleceram os
interesses da classe dominante. Urge a necessidade de corrigirmos muitos erros,
passados de geração em geração e valorizarmos os protagonistas de nossa história,
que dedicaram sangue, suor e trabalho no decorrer do processo de formação do
povo brasileiro.
Assumir e reconhecer as raízes africanas de nossos descendentes nos
estimula a conhecer mais sobre a grande contribuição dos negros na formação da
sociedade brasileira.
Precisamos reconhecer que somos parte de uma sociedade complexa e
multicultural. Assim, buscar nossas raízes para ocupar um lugar nesta sociedade e
assumir a estética que veio dos ancestrais é uma forma de resistência e de
pertencimento, é uma maneira de assumir nossa identidade diferenciada.
O ambiente escolar reflete as mazelas da sociedade, e por ser mais restrito
manifesta com intensidade a falta de respeito, a discriminação frente à diversidade
que o compõe. O preconceito e o racismo são manifestados através de piadas e
brincadeiras de mau gosto, práticas discriminatórias, por parte de professores, de
alunos, da equipe escolar e da comunidade, ainda que de maneira involuntária ou
inconsciente.
Abordar conteúdos que trazem para a sala de aula a história da África e do
Brasil africano é o primeiro passo no sentido de reconstruirmos uma face do nosso
passado que ainda precisa ser entendida e é também uma forma de cumprir parte
de nossos objetivos como educadores que é conduzir estudos que levem à reflexão
sobre a discriminação racial, compreender e valorizar a diversidade étnica, gerar
debates, estimular valores e comportamentos, como respeito, solidariedade,
tolerância, bem como, promover a autoestima e valorização do ser humano.
Neste sentido e com vistas a compreensão e percepção das manifestações
sócio espaciais e culturais que reproduzem as desigualdades na sociedade, foi
realizado este trabalho, com discentes do Curso de Formação de Docentes, em
nível médio do Colégio Estadual Leonardo da Vinci, localizado no município de Dois
Vizinhos. O público escolhido para desenvolvimento deste estudo se justifica pelo
fato do curso ser uma primeira fase de preparação para futuros educadores, onde os
conhecimentos repassados ajudarão na formação de cada um como cidadãos e
também contribuirão para o despertar de uma educação mais comprometida com a
transformação social.
O presente trabalho pretende realizar discussões acerca de importantes
conceitos, como: diversidade, multiculturalismo, identidade, bullyng, preconceito,
discriminação racial e outros, buscando compreender a heterogeneidade
sociocultural da qual a escola, de modo geral e, cada indivíduo em particular é parte
integrante. Pois, como dizia Paulo Freire: “Reconhecer a diversidade presente na
escola torna rico o saber e o fazer educação”.
Através de estudos, discussões metodológicas, análises e seleção de
materiais didáticos pedagógicos com vistas à educação para as relações étnico-
raciais através do ensino da Geografia, o presente trabalho busca identificar os
entraves e possibilidades para a efetiva implementação da Lei Federal 10.639/03,
absorvida pela Lei 11.645/08 que inclui no currículo oficial de ensino, a
obrigatoriedade da temática: “História e Cultura Afrobrasileira e Indígena”.
Temos consciência de que o debate das políticas de ações afirmativas em
relação às populações afrodescendentes pode trazer para o âmbito escolar, a
importante discussão das relações étnico-raciais no Brasil e o combate ao racismo,
tantas vezes silenciado ou desqualificado pelas avaliações de que o Brasil é uma
democracia racial.
O brasileiro reafirma seu preconceito já ao afirmar categoricamente que não
tem preconceito. Além disso, o preconceito é constantemente reforçado pela mídia
que mantém os negros em lugares sociais subalternos, percebido na televisão, em
livros, revistas, periódicos, textos e ilustrações, que geralmente enfatizam o lado
negativo da história e cultura da África e dos africanos, deixando explicita a
dificuldade e/ou intencionalidade em se lidar com esta temática.
Reconhecemos hoje, que o descaso e a falta de conhecimento da história e
cultura afro-brasileira são fatores que contribuem para reforçar o preconceito, a
desigualdade social e racial na escola e em nossa sociedade.
O presente artigo está organizado de forma a discutir num primeiro momento
a questão étnico-racial no contexto histórico brasileiro, na sequência no contexto
escolar e por último no ensino da geografia. Após estes três momentos serão
apresentados os resultados alcançados na implementação pedagógica com os
alunos e com professores que participaram de forma direta e/ou online
Portanto, muito além da obrigatoriedade estabelecida pela lei, temos a
necessidade de trabalhar com a temática em todos os níveis de ensino, buscando
novas e variadas fontes para o trabalho em sala de aula. É importante, refletir sobre
a forma de abordagem do tema nos conteúdos disciplinares trabalhados pela escola,
para que visem além de ampliar conhecimentos, reconhecer e valorizar a história e a
cultura africana e assim possam ajudar a elevar a autoestima e resgatar a identidade
e o orgulho do povo em ser brasileiro.
2 As Relações Étnico-Raciais no Contexto Histórico Brasileiro
Ao longo da história brasileira a presença negra foi omitida. Setores da
sociedade se empenharam em promover um “branqueamento” da população e da
cultura brasileira. Esse é um dos fatores que contribuiu para a exclusão social e o
aumento do preconceito em relação à população negra.
A ciência já serviu nos séculos passados para justificar o processo de
exploração e dominação. A ideia de raça3 surgiu quando os europeus, que
dominavam os povos africanos, asiáticos e americanos, resolveram criar uma
hierarquia que dividia os povos em inferiores e superiores de acordo com suas
características físicas. Para justificar sua dominação colocaram a raça ariana
(branca) acima das outras.
Hoje sabemos que somos uma única espécie humana. Temos todos, uma
origem em comum e as diferenças entre os tipos físicos (fenotípicas) de cada
continente aconteceram por uma adaptação às características ambientais.
Os diferentes tipos humanos se miscigenaram desde os tempos mais
remotos. As diferenças no tipo físico não implicam em nenhuma superioridade ou
inferioridade intelectual, moral ou estética.
Rever a história com olhar de sujeito envolvido e manter a memória é sem
dúvida preservar heranças. Isto acontece com a preservação de objetos, danças,
histórias contadas oralmente, no vestuário, na música tocada ou cantada, na
maneira de trabalhar e de se alimentar.
No sentido de preservar a cultura, é importante reconstruir a memória dos
afro-brasileiros a partir de referenciais positivos. O negro, o indígena precisa ser
valorizado e recuperar os laços sociais que foram rompidos.
O antropólogo Darcy Ribeiro (1995), é muito duro ao comentar as
consequências desumanizadoras sobre os negros, provocadas pela empresa
escravista. Diz ele que os africanos foram desapropriados de si mesmos deixando
de ser eles próprios para transformar-se em ninguém. Isso levava muitos africanos e
índios a optarem pelo suicídio ou pela fuga que muitas vezes transformava-se em
mortes. Os castigos, as mutilações de dedos, os furos nos seios, os dentes
quebrados e o corpo queimado por brasas marcaram a gênese do povo brasileiro.
3 Conforme Dicionário do Pensamento Social do Século XX (1996), do ponto de vista científico não existem raças humanas; há apenas uma única espécie humana. Do ponto de vista social e político é possível reconhecer a existência do racismo, enquanto atitude, baseado nas desigualdades que se estabeleceram e se reproduzem voltadas ao fenótipo das pessoas, especialmente nos países que escravizaram africanos (as), concordam com a manutenção do termo raça como uma construção social que abrangem essas diferenças e os significados a elas atribuídos, que estão na base do racismo.
Nenhum povo que passasse por isso como sua rotina de vida, através dos séculos, sairia dela sem ficar marcado indelevelmente. Todos nós, brasileiros, somos carne da carne daqueles pretos e índios supliciados. Todos nós brasileiros, por igual, a mão possessa que os supliciou. A doçura mais terna e a crueldade mais atroz aqui se julgaram para fazer de nós a gente sentida e sofrida que somos e a gente insensível e brutal que também somos. Descendentes de escravos e de senhores de escravos seremos sempre servos da malignidade destilada e instalada em nós, tanto pelo sentimento da dor intencionalmente produzida para doer mais, quanto pelo exercício da brutalidade sobre os homens, sobre mulheres, sobre crianças convertidas em pasto de nossa fúria (RIBEIRO, 1995).
A mais terrível de nossas heranças é esta de levar sempre conosco a
cicatriz do torturador impressa na alma e pronta a explodir na brutalidade racista e
classista. Ribeiro (1995), no entanto deixa as portas abertas para o futuro, pois
acredita que a dinâmica cultural possibilita a construção de novas identidades.
O espantoso é que os índios como os pretos, postos neste engenho deculturativo, consigam permanecer humanos. Só o conseguem, porém, mediante um esforço inaudito de auto - reconstrução no fluxo do seu processo de desfazimento. [...] Ela, porém, provocando crescente indignação nos dará forças, amanhã, para conter os possessos e criar aqui uma sociedade solidária (RIBEIRO, 1995).
Nesse início do século XXI conhecer a história e a cultura afro-brasileira é
tornar comum, conhecimentos que ficaram restritos a uns poucos especialistas, mas
que socializados contribuem para que todos tenham uma consciência histórica mais
elaborada.
3 A Questão Étnico-Racial no Contexto Escolar
As relações étnico-raciais sempre foram negligenciadas nas escolas. Grande
parte da história foi omitida, sabemos que a formação do povo brasileiro antecede e
muito a colonização europeia. Hoje, buscamos superar lacunas de nossa formação,
através da pesquisa.
Ao discutir o tema sobre as relações étnico-raciais e o respeito à diversidade
presente na escola e na sociedade, prevalece a ideia de que o fator predominante
das desigualdades é a condição financeira, porém, não há dúvidas, que as várias
formas de discriminação e de preconceito, especialmente o racial, independem da
condição econômica.
Atentos a essas discussões cabe também à Escola, como instituição
educativa, semear consciência e coibir situações de preconceito4, discriminação
racial5 ou violência simbólica6, o que tem vitimado muitos estudantes. Portanto, é
fundamental que se desenvolva um trabalho sério quanto às relações étnico-raciais,
com ênfase ao respeito e valorização das várias matrizes étnicas que constituem as
sociedades e que formam o povo brasileiro.
Trabalhar com a História e a Cultura Afro Brasileira não é restrito aos
militantes dos movimentos negros. É parte integrante da formação de qualquer
cidadão.
A concepção de igualdade jurídica dos seres humanos pressupõe também a
criação da igualdade de oportunidades. Portanto, a Escola deve primar pela
promoção de um ensino universal (para todos sem distinção).
Os dados a respeito da escolarização dos afrodescendentes indicam que ela
não acompanha proporcionalmente a distribuição populacional. Os indicadores
apontam que a criança negra e mestiça tem uma vida escolar mais difícil e
4 O preconceito é uma opinião que se emite antecipadamente, a partir de informações acerca de pessoas,
grupos e sociedades, em geral infundadas ou baseadas em estereótipos, que se transformam em julgamento
prévio, negativo. “Os preconceitos são opiniões levianas e arbitrárias, mas que não surgem do nada. Nem, ao
contrário do que se possa pensar, são opiniões individuais. Em geral nascem da repetição irrefletida de
prejulgamentos que já ouvimos antes mais de uma vez. Finalmente, à força de tanta repetição, terminamos por
aceitá-los como verdadeiros. E os repetimos sem sequer nos preocuparmos em verificar quão certos são”
(Instituto Interamericano de Direitos Humanos, 1995).
5 Ação, atitude, ou manifestação contra uma pessoa ou grupo de pessoas em razão de sua raça ou “cor”. A
discriminação acontece quando o racista externaliza seu racismo ou preconceito e age de forma que prejudica
a pessoa ou grupo (MULLER, 2005). De acordo com a Convenção da ONU de 1966, discriminação racial
“significa qualquer distinção”, exclusão, restrição ou preferências baseadas em raça, cor, descendência ou
origem nacional ou étnica, que tenha como objeto ou efeito anular, tornar invisível ou restringir o
reconhecimento, o gozo ou exercícios, em condições de igualdade, dos direitos humanos e liberdades
fundamentais do domínio político, social ou cultural, ou em qualquer outro domínio da vida pública (ONU apud
SANT’ANA, 2004)
6 Segundo o sociólogo e antropólogo francês Pierre Bourdieu (1999) é a violência invisível às suas próprias
vítimas, que se exerce por vias puramente simbólicas da comunicação e do conhecimento.
acidentada que outras crianças, resultando num índice maior de abandono e
fracasso.
Ainda hoje, apesar de se passar quase dez anos, muitas escolas têm
grandes dificuldades para o efetivo cumprimento da Lei Federal 10.639/2003 que
veio alterar a LDB e que mais tarde foi complementada pela Lei 11.645 de 10 de
março de 2008, que visa incluir no currículo escolar, e estabelece a obrigatoriedade
do ensino da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Esta Lei, no
seu Art. 26-A 1, determina que:
O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes a história do Brasil.
Com as possibilidades de trabalho dentro da Lei 11.645/08, pode-se
estabelecer a relação entre as diversas práticas pedagógicas, como também
possibilita a construção de identidade e o sentido de cidadania dos alunos.
Ao trabalhar esta temática deve-se ter cuidado com a pedagogia que
organiza eventos: “Dia disso”, “Dia daquilo”, “Espaço na Feira do Conhecimento”.
Estes projetos e eventos somente têm eficácia quando se transformam em uma
ponta de lança que se incorpora ao cotidiano escolar. A temática afro-brasileira
deverá fazer parte da totalidade dos conteúdos. Não é um momento à parte.
A exemplo do que acontece com a questão indígena, o professor deve voltar
toda a atenção para não transformar a história dos africanos no Brasil numa
manifestação apenas “folclórica”. Utilizar expressões e verbos no passado que falam
de eventos isolados do contexto histórico. Isolar elementos como a culinária, a
capoeira e a religião tornando o assunto uma “feira de curiosidades” exóticas.
O princípio que deve nortear as ações pedagógicas é a busca pelas
semelhanças e diferenças como um sinal de igualdade. Diferença não significa
inferioridade. É preciso crer que as diferenças socioeconômicas que causam a
exclusão, evidenciam a falta de oportunidade e não a falta de capacidade ou
competência de quem quer que seja.
É fundamental que se faça sempre uma análise criteriosa das imagens
utilizadas pela escola. Seja no livro didático ou nos cartazes. Deve-se estar atento
para não reproduzir a ideia da África ou dos negros apenas em situações negativas.
O trabalho escolar deve sempre buscar referenciais positivos da
ancestralidade africana e enfatizar pensadores, artistas, intelectuais e empresários
negros. Precisamos ter o devido cuidado para não ficar apenas em ídolos
esportistas e outras celebridades.
O professor pode e deve utilizar diferentes recursos pedagógicos, como:
contar histórias em que apareçam crianças negras como protagonistas; buscar
epopeias de povos africanos com seus heróis; nos seus cartazes utilizar imagens de
famílias negras em situações felizes (nada de só doença e miséria) ou profissionais
negros bem sucedidos (cientistas, médicos, escritores, empresários) lado a lado com
pessoas de outras etnias.
É importante que a escola não silencie frente ao preconceito. Deve estar
atenta a situações de cunho discriminatório e agir, demonstrando equidade na
valorização dos alunos e desta forma estará contribuindo pró ativamente, no sentido
de prevenir em vez de punir.
A falta de conhecimento na área, ou seja, na temática, não deve ser uma
desculpa para o imobilismo. Trata-se de um desafio à capacidade de pesquisa e
estudo do professor. Com o estudo e a experiência, possivelmente se desenvolverá
um olhar crítico e atento para perceber obras que apresentem algum desvio do
objetivo de promover a aceitação das diferenças e a busca da igualdade.
A escola poderá ainda construir com ajuda dos docentes e de alunos um
acervo que contemple a diversidade. Este acervo deverá ser constituído de textos e
outros materiais pedagógicos em que: Os personagens negros não sejam
representados de maneira estereotipada; Abordem conteúdos que remetam ao
universo cultural africano e afro-brasileiro; Apareçam histórias com reis e rainhas
negras, deuses africanos, com mitos afro-brasileiros; Haja possibilidade de as
crianças negras construírem uma imagem positiva sobre sua ascendência; Não seja
reforçada nenhuma situação de preconceito incluído o étnico-racial.
Existem situações, por exemplo, ainda na educação infantil, em que uma
criança vem queixar-se a professor(a) que uma colega está xingando de negro(a).
Diante disso o educador simplesmente responde que isso não é xingamento, pois
ela realmente é negra e que ser negro é bonito. Com isso acaba se eximindo de agir
pró ativamente, pois, no contexto social, sabe-se o significado que está implícito
nesta expressão. Segundo a pesquisadora Eliane dos Santos Cavalleiro (2007):
Há uma ausência de preocupação com a convivência multirracial no interior da pré-escola, o que colabora intensamente para a construção de indivíduos preconceituosos e discriminadores. Tal fato leva inúmeras crianças e adolescentes a cristalizarem aprendizagens baseadas no comportamento acrítico dos adultos (CAVALLEIRO, 2007, p.227)
Romper com o ciclo de comportamentos preconceituosos ou simplesmente
acríticos e descomprometidos envolve atitudes simples do cotidiano escolar de
grande alcance na construção de valores de todos os alunos e principalmente na
introjeção de uma autoimagem positiva dos alunos negros.
Quanto à construção positiva da identidade, a professora Ana Lúcia Lopes
nos explica como esta se processa:
Consideramos como prática pedagógica um conjunto de ações envolvidas no processo de aprendizagem. Fazem parte desse conjunto de estratégias, os materiais e os pedidos que mobilizam o fazer do aluno tanto do ponto de vista da aproximação de conceitos, como da experiência com procedimentos ou da reflexão acerca de valores e opiniões. Por outro lado, é preciso entender a identidade como construção contrativa: Ela se dá na medida em que eu me diferencio e reconheço minha diferença em relação ao outro e aos vários outros que, ao mesmo tempo, me dizem quem sou eu, fornecendo assim parâmetros para o sentido de pertencimento. Este sentido de pertencimento realiza-se por meio de uma rede de relações que envolvem o sujeito, traçando representações que, interiorizadas, dialogam todo tempo com o exterior (LOPES, 2007, p.257).
Não obstante nossa Constituição Federal defina que todos são iguais
perante a lei e dessa interpretamos que todos têm o direito de se verem
representados historicamente, no entanto as práticas demonstraram o contrário.
Sub-representado nos materiais gráficos escolares o grupo negro aparecia em
imagens ocupando posições subalternas e de pouco prestígio social. Os livros
didáticos eram ricos de imagens de negros somente nos capítulos sobre Escravidão
em situações de aviltamento humano.
Os personagens das histórias infantis sempre foram princesas e príncipes
louros. Os cartazes escolares com mensagens do “dia das mães” ou do “dia dos
pais” apresentavam a imagem da família feliz e bem sucedida com pais e mães
apenas brancos.
Tanto os autores de livros, quanto professores têm a tendência de
naturalizar os problemas. Não se pode só trabalhar com a aparência, sem
considerar a essência. Na Sociedade, a discriminação e o preconceito aparecem de
forma maquiada devido à maior espacialidade, porém, na Escola, onde o espaço é
mais restrito, o problema aparece e muitas vezes, se maximiza.
O grande problema da sociedade e da escola está na construção de
identidade dos alunos. Como os alunos se identificam? Precisamos nos reconhecer
enquanto sujeitos de nossa história. O professor enquanto pesquisador, de que
forma pode intervir para que os alunos sintam-se importantes dentro da construção
da identidade, sintam-se responsáveis e se reconheçam como sujeitos pertencentes
ao local, ao território em que vivem? Temos dificuldades de pertencimento e de
reconhecimento, pois ficamos sem resposta diante do questionamento: Quem é o
brasileiro? O europeu não se reconhece brasileiro, o negro também não.
Diante desta reflexão, precisamos lembrar que faz parte do ideário da escola
fazer a transformação social e agir pró ativamente na formação da identidade
possível e que não faltam momentos para a apreciação e discussão crítica e
contextualizada da realidade, utilizando para isso textos e imagens. Portanto, a
escola e os professores precisam estar atentos e cuidadosos em relação às
escolhas feitas para a prática pedagógica, pois as nossas ações transcendem o
planejado.
4 A Questão Étnico-Racial e o Ensino da Geografia
De acordo com as Diretrizes Curriculares da Educação Básica do Paraná
(2008), “As manifestações culturais perpassam gerações, criam objetos geográficos
e são, portanto, parte do espaço, registros importantes para a Geografia.” A
sociedade é formada por complexos e diversificados grupos culturais (sociais e
econômicos) que criam e recriam espaço geográfico mediante as determinações das
forças políticas hegemônicas e contra hegemônicas.
Seguindo a visão desta nova Geografia e dentro da dimensão cultural e
demográfica do espaço geográfico proposta pelas DCE, 2008, entende-se que, para
formação de um aluno consciente das relações sócio espaciais de seu tempo, o
ensino de Geografia deve assumir o quadro conceitual das abordagens críticas
dessa disciplina, que propõem a análise dos conflitos e contradições sociais,
econômicas, culturais e políticas, constitutivas de um determinado espaço. Tais
estudos permitem que sejam evidenciados problemas sociais, voltados à etnia,
religião, gênero, faixa etária, densidade demográfica, migrações, entre outros,
existentes numa sociedade.
Apesar de perdurar durante muito tempo a ideia de que no Brasil era o
melhor exemplo de democracia racial, sabe-se que isto nunca passou de um mito,
firmado nos dizeres: “O Brasil é um país onde não há discriminação racial. Somos o
país do futebol e do carnaval [...]”. Segundo Florestan Fernandes: “Os mitos existem
para esconder a realidade [...]”.
A ausência do quesito cor nos censos populacionais de 1900, 1920, 1960 e
1970, só presente em 1950 e a partir de 1980, demonstra claramente que as
desigualdades raciais eram naturalizadas. O racismo sempre existiu, embora de
forma velada, não manifestada abertamente. Os indicadores sociais demonstram
isso, na maioria das pesquisas, os negros e pardos ganham menos que os brancos
e tem menos escolaridade. Além disso, a origem racial dificulta a colocação no
mercado de trabalho. Também são os mais atingidos pelo desemprego e na maioria
das vezes exercem atividades de baixa qualificação e baixo prestígio social.
Após séculos de ativa participação no espaço geográfico e fazendo a história
do nosso país, o negro brasileiro ainda não conseguiu adquirir condições mínimas
de dignidade como cidadão. Vários setores da população brasileira são vítimas de
discriminação e preconceitos de toda ordem. Entre os vários tipos de discriminação,
a racial, que atinge particularmente o negro brasileiro, é sem dúvida a de maior
expressão social territorial, devido ao grande contingente populacional. Os
problemas se revelam desde quando se quer saber o número real de negros que
compõem a população brasileira
Os critérios de aferição racial oficiais levam à subestimação do número real
de negros brasileiro que integram o país. O Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística – IBGE, têm agrupado os indivíduos em brancos, pretos, amarelos e
pardos. Porém, diferente dos dados estatísticos oficiais, é importante ressaltar que
existe um consenso nas entidades negras representativas de que 70% da população
brasileira é negra ou mestiça com algum grau de ascendência africana. Observe o
gráfico:
Imagem 1: População residente, por situação do domicílio e cor ou raça
Fonte: Resultados Preliminares Censo 2010 - IBGE
Conforme representação gráfica acima, no Brasil dos 190.755.799
habitantes (censo 2010), tem mais de 91 milhões de pessoas que se declaram
brancas; 82,2 milhões que se declaram pardas e 14,5 milhões se declaram pretas,
entre pretas e pardas - somando temos 96,7 mestiços.
O Documentário de Darcy Ribeiro, apresentado na TV Cultura sobre o Povo
Brasileiro – Matriz Afro (dividido em seis partes) abre um leque para através da
geografia se fazer uma ampla abordagem sobre a formação do povo brasileiro.
A população brasileira, multiétnica, perdeu um dos atributos mais
importantes de toda a nação, que é o sentimento de pertencimento, de ter sua
identidade. Esse termo relaciona-se com a imagem que as pessoas têm de si
próprias a partir da língua, do lugar em que vivem e de um passado comum que une
umas as outras. O sentido de identidade nos torna humano e a destruição desta
pode nos desumanizar.
Nesse sentido, o grande antropólogo Darcy Ribeiro (l995) fala da triste falta
de identidade de grande parcela do povo brasileiro:
O filho da Índia gerado por um estranho, branco ou preto, se perguntará quem era, se já não era índio, nem tampouco branco ou preto. [...] O filho do negro escravo nascido na terra racialmente puro ou mestiçado, sabia-se não africano como os negros que via chegando, nem índio e seus mestiços. [...] O brasilíndio, como o afro-brasileiro, existia numa terra de ninguém, etnicamente falando, e é a partir dessa carência essencial, para livrar-se da ninguedade de não-índios, não-europeus e não-negros, que se vêem forçados a criar sua própria identidade: a brasileira.
O Brasil é a segunda maior nação negra do mundo, porém sobre esta
população ainda pesa a herança da escravidão e de um longo período de
invisibilidade, que se traduz em preconceito, discriminação e exclusão social.
Com a diáspora africana, chamada também de diáspora negra que foi um
fenômeno sociocultural e histórico ocorrido em países além África devido à
imigração forçada de negros ou afrodescendentes, por fins escravagistas mercantis
que perduraram da Idade Moderna ao final do século XIX. Assim, muitos negros
nesta época da escravatura, foram destituídos do que lhes conferia identidade, além
de ser privados das condições objetivas de prosperar na própria sociedade, do
respeito como seres humanos e da chance de constituir família.
A dinâmica do tráfico de povos negros dos diferentes países africanos foi
realizada indiscriminadamente nos territórios da América. O sistema escravista no
Brasil tem particularidades substanciais em relação às demais regiões da América. A
permanência dessa estrutura por quase quatro séculos no território brasileiro e a
quantidade de africanos importados até 1850, não devidamente quantificada,
mostram como a sociedade escravista conseguiu manter-se e desenvolver-se.
Fazendo uma análise da diáspora africana apresentada através do mapa e
tabela abaixo, pode-se ter uma noção da numerosa presença do negro no Brasil e
em outros países da América e possibilita a percepção da dimensão do que isto
significa na história, nas origens e na cultura da sociedade brasileira.
Na tabela é possível comparar e conferir o número de africanos que vieram
para o Brasil e para os demais países.
Imagem 2: Mapa da Diáspora Africana Fonte: Boletim do Mundo Árabe.com
Os povos africanos não foram responsáveis somente pelo povoamento do
território brasileiro e pela mão de obra escrava, eles marcaram decisivamente, a
nossa formação social e cultural.
É importante não perder de vista que existiram várias formas de resistência
criadas pelos povos negros e configuradas na forma de lutas urbanas e rurais, nas
País População Posição
Brasil 85.783.143 1
Estados Unidos 38.499.304 2
Colômbia 9.452.872 3
Haiti 8.701.439 4
Republica Dominicana 7.985.991 5
Itália 3.220.000 6
França 3.000.000 7
Jamaica 2.731.419 8
Venezuela 2.641.481 9
Reino Unido 2.080.000 10
Cuba 1.126.894 11
Peru 875.427 12
Canadá 783.795 13
Equador 680.000 14
Trinidad e Tobago 610.000 15
Nicarágua 520.786 16
Tabela 1: Diáspora Africana Fonte: Wikipédia.org.pt
quais merecem destaque os quilombos, sítios geográficos presentes em quase todo
o território brasileiro e onde se agrupavam principalmente os negros escravizados
que se rebelavam contra o sistema escravista.
A realidade vivenciada pelo negro no Brasil e os consequentes movimentos
de resistência podem ser conferidas no documentário –“Quanto vale ou é por
quilo?”. Um filme brasileiro, editado em 2005, do gênero drama, dirigido por Sérgio
Bianchi, faz uma analogia entre o antigo comércio de escravos e a atual exploração
da miséria pelo marketing social, que formam uma solidariedade de fachada.
No currículo da Geografia, além da diáspora africana, da formação do povo
brasileiro, abre espaço para um conhecimento mais aprofundado sobre o território
africano, o que é fundamental para uma maior compreensão das questões que
envolvem o papel do negro na sociedade brasileira. Mesmo sendo considerada o
berço das civilizações e da humanidade, é relevante lembrar que a África foi
marcada por vários séculos de opressão, presenciando gerações de exploradores,
de traficantes de escravos, de missionários, de seres humanos de toda ordem que
acabaram de fixar uma imagem hostil dos trópicos, cheio de forças naturais
adversas. Esses conhecimentos ajudam abrir os horizontes no sentido de
reconhecer valorativamente o povo africano e sua cultura, bem como, tomar
consciência do legado das civilizações africanas para a humanidade.
A África atual é formada por países ou estados que começaram a romper
com a condição de colônias européias há poucas décadas. Do ponto de vista
histórico trata-se de fato recente. De 1957 a 1990 a África realizou a sua
descolonização, dando origem aos 53 países ou Estados Nacionais que abrangem
um vasto território e apresentam grandes diferenças nos aspectos físicos,
econômicos, culturais e sociais.
Portanto, entende-se que o ensino de Geografia dentro do contexto que
envolve a temática da História e Cultura Afro-brasileira e Africana, poderá contribuir
de maneira significativa com abordagens críticas, bem como com análises dos
conflitos e contradições sociais, econômicas, culturais e políticas, que constituem
este espaço geográfico, bem como, ajudar na formação de um aluno consciente das
relações sócio espaciais vivenciadas em seu tempo.
5 Resultados Alcançados com a Implementação Pedagógica
Diante do exposto sobre a questão étnico-racial nas escolas, passamos a
descrever a proposta de intervenção desenvolvida com alunos do Ensino Médio do
Curso de Formação de Docentes, no município de Dois Vizinhos. O estudo ora
apresentado investigou a abordagem da temática, analisando a visão dos alunos
com relação às questões referentes à história e cultura afro-brasileira e africana,
especialmente nesse nível e modalidade de ensino, em que os alunos se preparam
para atuar como educadores.
Para maior conhecimento da turma, na qual foi realizada a implementação
da proposta didática pedagógica, fez-se uma “investigação inicial”, que permitiu
traçar o perfil dos alunos. Assim, constatou-se que a turma da 1ª. Série do Curso de
Formação de Docentes, do período da manhã, do Colégio Estadual Leonardo da
Vinci é composta por 44 alunos, sendo na maioria jovem, na faixa etária entre 15 e
17 anos de idade, sendo uma turma homogênea, isso se reflete na maneira de
pensar e ver a realidade.
Outro dado interessante da turma se refere ao gênero, do total de alunos da
turma, apenas um é do sexo masculino. Acredita-se que isso se deve ao fato do
curso ser profissionalizante e preparar especificamente para o magistério, com
direito a atuar na educação infantil e nas séries iniciais da educação básica, sendo
que, o trabalho com esta faixa etária, requer cuidados maternais.
Ao ser lançado o tema, foi possível perceber que praticamente todos
desconheciam a legislação que veio alterar a LDB com referência a diversidade
cultural e especificamente no que se refere às questões étnicas raciais – História e
Cultura Afrobrasileira e Africana. Diante dessa realidade, foi entregue a cada aluno
uma cópia das Leis Federais, 10.639/03 e 11.645/08 para leitura e interpretação.
Também foi repassado o endereço eletrônico para que os interessados pudessem
buscar mais informações sobre a legislação que dispõe sobre a temática.
Visando o melhor desempenho na implementação da Proposta Didático
Pedagógica, foi realizado um breve diagnóstico para conhecer a visão e/ou opinião
dos alunos na questão étnico racial. Nesse sentido, foram lançadas para turma, as
seguintes questões: Na sua visão, o Brasil é ou não um país racista? Você acredita
que vivemos numa democracia racial? Você se considera racista?
Diante das respostas às questões propostas, ficou visível a ideologia da
maioria, que não foge a regra, pois somos todos frutos do mito da democracia racial,
que ao longo do tempo vem sendo difundido pela mídia e pela própria sociedade. A
maioria da turma, disse que não é racista e que no Brasil o racismo não é
acentuado. Somente alguns admitiram que o racismo ainda esta presente entre eles
e que o Brasil é um país desigual e racista.
Dentre as ideias e opiniões levantadas, cabe registrar a afirmação enfática
de uma aluna: “Nunca fui e não sou racista”, e disse ainda ser de família de origem
italiana e no calor do debate falou: “Já tive um namorado negro e até que ele era
bem bonitinho”. Com a expressão “até que ele era bonitinho” abriu-se um leque de
discussões que demonstram que o racismo está presente nas entrelinhas do nosso
falar e de nosso agir.
Utilizando-se de outras expressões, piadas, brincadeiras e dizeres sobre
negros, tais como: “Isso é coisa de preto!”; “Preto se não apronta na entrada,
apronta na saída...”; “Olha a cor... Só podia ser...”; “Isso é coisa daquele cabelo
ruim”, e assim por diante, foi feito um debate interessante sobre o racismo velado
presente nos lares, escolas e na sociedade.
A crônica de Luis Fernando Veríssimo sobre “Racismo” veio ilustrar e dar
suporte aos debates, pois de forma irônica e bem humorada, ele denunciou há mais
de 30 anos o preconceito racial existente no Brasil. Após analisar todas as
expressões racistas presentes na crônica, os alunos ensaiaram e dramatizaram a
mesma na sala de aula e posteriormente foi apresentada no Seminário realizado
sobre a temática que teve a participação da Escola. No mesmo sentido, tem grande
significado a charge “Racismo” de Rodrigo Vianna, na qual se observa um político
abraçando um negro e há um balão de diálogo com a expressão “Racista, eu!? De
jeito nenhum...”.
Outro recurso metodológico que subsidiou e enriqueceu os debates foi a
música “hap” de Gabriel O Pensador, ”Lavagem Cerebral”. Os alunos fizeram a
interpretação da letra e depois apresentaram a música coreografada quando da
participação no Seminário.
Foi explorado e também deu suporte às discussões sobre o racismo e
preconceito presente no ambiente escolar, o filme documentário –“Vista a minha
pele” de Joel Zito Araújo, que é uma paródia da realidade brasileira, mostrando a
história invertida, sendo os negros a classe dominante e os brancos escravizados. O
filme ajudou muito na reflexão sobre certas atitudes que ocorrem no cotidiano
escolar, que são impensadas e inconsequentes.
A partir da tomada de consciência da turma de que somos um povo e um
país ainda muito racista, foi dado sequência aos trabalhos, com a utilização de
textos e slides, trazendo dados concretos de pesquisas estatísticas que demonstram
as grandes desigualdades entre brancos e negros que ainda persistem na
educação, saúde e outros setores da sociedade. Os dados contidos no Atlas Racial
Brasileiro colocam os negros como maioria dentro da população pobre: 64% na faixa
da pobreza e 69% na indigência. Essas desigualdades também são percebíveis na
área educacional, com os negros apresentando o maior índice de analfabetismo
funcional, com menos anos de estudos e com nível de escolaridade inferior se
comparados à população branca.
Com a apresentação dos dados, surgiram questões polêmicas e de
interesse dos estudantes, como a política de “Cotas nas Universidades e nos
Concursos” o que conduziu para uma reflexão sobre a imensa dívida da sociedade
brasileira com o povo negro, dívida esta, que vem sendo acumulada ao longo de
mais de 500 anos de história deste país.
Estas discussões levaram o grupo a perceber que as políticas de ações
afirmativas que asseguram alguns direitos à população negra são apenas uma
questão de justiça.
Foi assistido o Filme: “Mãos Talentosas História de Benjamin Carson”, que
apresenta a história de um menino negro e pobre que se tornou médico -
neurocirurgião de fama mundial, com seus dons conquista seu espaço, trabalhando
lado a lado com pessoas de outras etnias. Este filme conduz a reflexão sobre o
preconceito e no final valoriza o ser humano muito além de sua raça ou cor.
Os materiais trabalhados com os alunos e outros sugeridos por eles, tais
como: livros, textos, músicas, poemas, filmes, e outros, foram reunidos e
catalogados passando a compor um “Kit Pedagógico” que ficará na Biblioteca do
Colégio Leonardo da Vinci para servir como material de apoio e subsídio para
pesquisa e estudos de alunos e professores no que se refere a temática abordada.
Paralelamente ao trabalho feito com os alunos do curso de Formação
Docente em nível médio, a Produção Didática Pedagógica, foi apresentada à vários
grupos de professores e funcionários de Escolas Estaduais do município de Dois
Vizinhos, atendendo convite de diretores e equipes pedagógicas. Este interesse dos
professores demonstra a necessidade de aperfeiçoamento profissional frente aos
desafios da sociedade e a carência de material específico dentro do tema em
questão.
A temática foi também objeto de estudo e de troca de experiências, através
de um Grupo de Trabalho em Rede - GTR desenvolvido com professores da rede
estadual de ensino em ambiente virtual. Como professora-tutora, buscou-se
promover a interação entre os participantes. Este trabalho permitiu conhecer a
realidade de escolas de várias partes do estado do Paraná. Os participantes tiveram
acesso ao Projeto e a Produção Didática Pedagógica sobre o tema em questão e
todos compartilharam sugestões e atividades e também puderam colocar em prática
em suas escolas algumas atividades propostas e através do ambiente virtual,
socializar os resultados obtidos.
Através deste curso online foi possível constatar que as dificuldades em se
trabalhar com a temática na maioria das escolas é a mesma, pois o material
disponível é pouco e ainda apresentam concepções forjadas que caracterizam os
povos africanos a partir de uma ótica unilateral, contribuindo para que os mesmos
sejam identificados com o subdesenvolvimento, esvaziando sua história cultural.
A escassez de material didático e a falha na formação dos profissionais da
educação aparecem como principais fatores que dificultam a ação no que determina
a Lei federal 10.639/03. Alguns professores se manifestaram da seguinte forma: “A
África, sendo o segundo maior continente do planeta, aparece nos livros didáticos,
na maioria das vezes nos últimos capítulos e geralmente não há tempo para ser
trabalhado e em outros casos, o tema é abordado somente quando se trata da
escravidão ou pobreza, o que ajuda a diminuir ainda mais a importância e a
autoestima dos afrodescendentes”;
[...] Somente nos últimos anos percebemos essa preocupação com o estudo e compreensão do tema relacionado com a cultura africana e afro-brasileira, de forma proativa, sempre abordamos somente a escravidão e as formas de resistência. A história e características dos países africanos aparecem de
forma muito superficial nos livros didáticos.
Ainda nesta mesma linha de pensamento, alguns professores dizem:
Felizmente, hoje já é possível encontrar produções nesta área, apesar de escassa, mas com uma linha de pesquisa diferente daquela que apresentava o negro na história brasileira, apenas sob o viés da escravidão.
Apesar de hoje termos mais materiais dentro da temática, disponíveis na escola, na interação com os professores participantes do Grupo de Trabalho em Rede - GTR, pode-se perceber que mesmo previsto na Lei a inserção da História e Cultura Afrobrasileira e Africana no currículo escolar, percebe-se que, infelizmente a inserção acontece de forma forçada e desconexa do conteúdo e ainda fica restrito à disciplina de História.
5 Considerações Finais
A pesquisa bibliográfica e as atividades apresentadas neste artigo visaram
enriquecer o trabalho realizado em sala de aula, com alunos da 1ª série do Ensino
Médio do Curso de Formação de Docentes, com o intuito de realizar uma discussão
acerca da educação para as relações étnico-raciais por meio do ensino da
Geografia
Através dos estudos teóricos e práticos, buscou-se desenvolver junto aos
educandos um novo olhar sobre as manifestações sócio espaciais e culturais que
produzem o preconceito e a discriminação na sociedade e no ambiente escolar.
A realidade escolar, nos mostra que ainda persistem sérias questões étnico-
raciais decorrentes de uma história mal contada, da qual sempre prevaleceram os
interesses da classe dominante. Urge a necessidade de corrigirmos muitos erros,
passados de geração em geração e valorizarmos os protagonistas de nossa história,
que dedicaram sangue, suor e trabalho no decorrer do processo de formação do
povo brasileiro.
Apesar das produções didático-pedagógicas serem escassas e nem sempre
estarem disponibilizadas nas escolas ,é importante a mudança de mentalidade por
parte dos profissionais da educação , que ainda mantêm certa resistência ao
assunto, acreditando na ausência do preconceito racial.
A partir do momento em que o conhecimento folclorizado e preconceituoso
for questionado, desmistificado e confrontado como conhecimento ético e científico,
as barreiras ora postas para esta mudança serão superadas com qualidade e
eficiência.
Assim, em todas as atividades propostas, procurou-se ampliar os
conhecimentos, reconhecer e valorizar a história e a cultura africana, visando
promover o resgate da autoestima e da identidade do povo brasileiro.
6 Referências
ANJOS, Rafael Sanzio Araujo dos. A Educação Brasileira e a Geografia. In: SECAD-MEC (Org.) Educação anti-racista: Caminhos Abertos pela Lei Federal 10.639/03. Brasília-DF: MEC/BID/UNESCO, 2005.
BRASIL. Ministério da Educação/Secretaria da Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. Orientações e Ações para Educação das Relações Étnico-Raciais. Brasília: SECAD, 2006.
BRASIL. Ministério da Educação. Gênero e Diversidade na Escola: Formação de Professoras/ES em Gênero, Orientação Sexual e Relações Étnico-Raciais. Livro de Conteúdo. Versão 2009. Rio de Janeiro: CEPESC; Brasília: SPM, 2009.
CAVALLEIRO, Eliane dos Santos. A educação pré-escolar: o inicio do fim da intolerância. In: Educação, Africanidades, Brasil. Brasília: Editora UNB, 2007.
DIÁSPORA AFRICANA. Imagem. Disponível em
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Di%C3%A1spora_africana#Di.C3.A1spora_africana_popula.C3.A7.C3.A3o> Acesso em 29/06/2012.
FATOR AFRICANO. Tabela. Livraria Mundo Árabe Disponível em <www.libreria-mundoarabe.com/Boletines/n%BA45%20Ene.07/FactorAfricanoUSA.html> Acesso em 29/06/2012
LOPES, Ana Lúcia. A Prática pedagógica e a construção de identidade. Educação, Africanidades, Brasil. Brasília: Editora UNB, 2007.
PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes Curriculares da Educação Básica - Geografia. Curitiba: SEED, 2008.
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo:
Companhia das Letras, 1995.
RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro (Matriz Afro). Documentário TV Cultura.
Disponível em: <http://www.youtube.com/results?search_type=search_playlists&search_ query=O+Povo+Brasileiro+%28Encontros+e+Desencontros%29&uni=1> Acesso em 15/12/2010.
SANTOS, Marcos F. Ancestralidade e Convivência no Processo Identitário: A
Dor do Espinho e a Arte da Paixão entre Karabá e Kiriku. In: MEC/SECAD. Caminhos Abertos pela Lei 10.639/03. Brasília, 2003
ZANON, Marcos Afonso. História da África e Cultura Afro-brasileira. In: Pedagogia 11: FAPI – Faculdade de Pinhais, Centro Tecnológico de Desenvolvimento Educacional Pró-Escola. Curitiba (PR), Edição Especial.
Recommended