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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
A SOBREVIVÊNCIA DA ANTROPOFAGIA DE OSVALD DE ANDRADE
NO TROPICALISMO1
Prof. PDE: Ilza Cristina Gawlik Silva2
Orientação: Dr. Caio Ricardo Bona Moreira3
RESUMO
O objetivo desde artigo é promover a reflexão sobre os estudos desenvolvidos no PDE, em que se intentou mostrar como as ideias da antropofagia oswaldiana preconizaram a transformação da arte, cultura e estética, e como esse movimento serviu de inspiração para outros: Concretismo, Tropicalismo e Mangue Beat e apresentar Paulo Leminski e Wally Salomão e suas composições poéticas, observando resquícios antropofágicos. Foi desenvolvido com alunos do 3º ano do Ensino Médio, por meio de momentos de leitura e discussão, para que pudessem entender as conexões entre as produções desses movimentos, despertando assim as afinidades entre movimentos de tempos diferentes.
Palavras-chave: Antropofagia; Concretismo; Tropicalismo; Poesia marginal.
1 INTRODUÇÃO
Desde as culturas mais remotas a humanidade sempre buscou, por meio da
arte, maneiras diferentes para representar o mundo, mostrando seus pensamentos,
crenças, experiências de vida, sentimentos mais profundos e inquietações de sua
época.
A literatura é umas das formas de manifestação da arte e utiliza uma
linguagem propositadamente elaborada para produzir efeitos por meio da criação e
recriação da realidade, traduzindo a necessidade de compreender melhor o mundo.
Segundo Coutinho (1978), por meio das obras literárias, tomamos contato com a
vida, nas suas verdades eternas, comuns a todos os homens e lugares porque são
as verdades da mesma condição humana.
1 Artigo apresentado para conclusão do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE). 2 Ilza Cristina Gawlik <ilzagawlik@seed.pr.gov.br> Professora de Língua Portuguesa do Colégio
Estadual Duque de Caxias do município de São Mateus do Sul, Paraná. 3 Orientador: Professor Dr. Caio Ricardo Bona Moreira, da Universidade Estadual do Paraná,
UNESPAR – Campus de União da Vitória, Paraná – FAFIUV.
Nesse sentido, ao se trabalhar com a literatura na escola, o professor
contribui no processo de formação de leitores de obras literárias, pois quanto mais
experiência de leitura os alunos tiverem, maiores condições terão para compreendê-
las e interpretá-las por meio da análise dos textos lidos, percebendo o estilo literário
empregado, ampliando sua visão de mundo.
O projeto voltou-se, particularmente, para o estudo do Movimento Tropicalista,
procurando analisar a sobrevivência da Antropofagia de Oswald de Andrade nesse
movimento.
Entende-se que é importante pensar na arte de uma forma anacrônica, visto
que ela é retomada por outros autores em momentos distintos. Mostrando que na
sua sobrevivência há uma dinâmica cultural dos fenômenos artísticos.
Para Lima (1988), uma era imaginária pode ser um afloramento dentro de
uma cultura. Acontece ocasionalmente, ou coincide eventualmente com ela, sempre
que o fato converte-se em “vivente causalidade metafórica” (LIMA, p. 32).
Afirma ainda que uma era imaginária tampouco desaparece: traços, restos do
seu tipo de imaginação sobrevivem, reaparecem reconfigurados noutras eras
imaginárias.
Oswald de Andrade metaforizou o modo de ser brasileiro, que foi recriado
pelos tropicalistas.
A música é uma das manifestações artísticas que mais exerce influência
sobre os jovens. Com o trabalho pretendeu-se aproveitar essa vertente dialógica,
para analisar a pervivência da Antropofagia oswaldiana e evidenciar os conceitos
estéticos que se fizeram presentes no Movimento Tropicalista:
A reflexão da poesia de Caetano Veloso, povoada de indagações e autoquestionamentos, procurando sempre mais sobre si mesma e sobre a tradição, parece encontrar um razoável equilíbrio entre os ensinamentos do passado e a busca do novo. Tropicália é um resultado feliz desse procedimento, é o “passo livre,” cujos desdobramentos vêm sendo construído por Caetano Veloso e, pelo visto, ainda terão continuidade. Felizmente para nós (TEIXEIRA, p. 100).
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 A Antropofagia Oswaldiana
Com o início do modernismo no Brasil, a geração de 22 sedimentou o
processo de independência cultural do país e partiu em busca da identidade cultural:
“A poesia existe nos fatos. Os casebres de açafrão e de ocre nos verdes da
Favela, sob o céu azul cabralino, são fatos estéticos” (ANDRADE, 1924).
Oswald de Andrade procurou valorizar na poesia a simplicidade, um
sentimento de uma existência natural e neológica. O Manifesto da Poesia Pau Brasil,
conforme Nunes (2011), inaugurou o primitivismo nativo, no sentido de traduzir o
máximo afastamento da arte nova em relação às tradições e convenções do
passado.
“O trabalho contra o detalhe naturalista – pela síntese contra a morbidez
romântica – pelo equilíbrio geômetra e pelo acabamento técnico; contra a cópia, pela
invenção e pela surpresa” (ANDRADE, 1924). Em seu manifesto Oswald faz uma
crítica às escolas até então concebidas procurando substituir a perspectiva visual e
naturalista por uma de ordem sentimental, intelectual, irônica e ingênua: uma língua
sem arcaísmo e erudição.
Nesse sentido, conforme Nunes (2011), Oswald tanto penderia para o
primitivismo de natureza psicológica quanto para a experiência da forma externa na
estética do cubismo. Pelo primitivismo psicológico, valorizou os estados brutos da
alma coletiva que representam os fatos culturais: a natureza pictória (“Os casebres
de açafrão e de ocres da favela...”), a formação étnica rica, as belezas vegetais, a
culinária, o folclore, enfim, todas as formas de manifestações culturais; quanto a
estética cubista, que deu relevo àquilo que é simples, puro e que melhor
representaria a originalidade nativa. Princípios que também podem ser observados
em pinturas de Tarsila do Amaral desse período.
Nunes (2011), ainda afirma que o ideal do Manifesto da Poesia Pau Brasil é a
conciliação da cultura nativa com a cultura intelectual renovada – a floresta com a
escola. Nessa perspectiva a poesia deixaria de ser a matéria-prima do exotismo e
passaria a ser vista como um produto de exportação.
O Manifesto Antropofágico, segundo Maltz (1993), foi inspirado na obra de
Tarsila do Amaral, batizada de Abaporu, “Antropófago” em Tupi-guarani, de 1928.
Oswald escreveu o manifesto que foi publicado na Revista de Antropofagia.
Consagra na literatura modernista o tema e o tratamento da Antropofagia.
Com a intenção de aprofundar a ideologia da Poesia Pau Brasil, que desejava
criar uma poesia de exportação, o movimento antropofágico brasileiro tinha por
objetivo a deglutição (daí o caráter metafórico da palavra “antropofágico”), isto é,
“deglutir o velho saber, transformando-o em matéria-prima do novo” (MALTZ, 1993,
p. 11).
Conforme Maltz (1993), a antropofagia foi uma resposta a uma consciência de
país que trazia em sua gênese valores burgueses transpostos que impediam o
reconhecimento da cultura autóctone. O gesto do colonizado, dessacraliza a
herança cultural e inaugura uma nova tradição: não mais incorporar o velho saber de
forma mecânica, contudo absorvê-lo dialeticamente na tentativa de abrasileirar a
nossa cultura, dando-lhe uma identidade.
“Tupy or not tupy, that is the question” (ANDRADE, 1928).
Parodiando o dilema hamletiano “que parece ter sido a célula verbal originária
do manifesto” (NUNES, 2011, p. 22), Oswald subverte o inglês shakespeariano
deixando no ar uma irônica questão sobre as raízes e a identidade de nosso povo.
Ironia que perpassa todo o texto. Em ótimas tiradas como em: “Nunca fomos
catequizados” diz o manifesto num refrão. “Vivemos através de um direito
sonâmbulo. Fizemos Cristo nascer na Bahia. Ou em Belém do Pará” (NUNES, 2011,
p. 23), em que critica o conservadorismo, o apego às tradições, a começar pela
igreja católica e seus ícones, como o padre Vieira e José de Anchieta.
A transformação de tabu em totem, “De William James a Voronoff. A
transfiguração do tabu em totem. Antropofagia” (ANDRADE, 1928), essência desse
ritual antropofágico, em que Freud, para explicar a passagem do estado natural ao
social, da Natureza à Cultura, fixou a mítica hipótese do parricídio canibalesco –
devoração do pai tirânico – como Superego coletivo que proíbe o incesto.
Segundo Petrônio (2013), era o reino da indistinção simbólica, ou seja, da
distinção arbitrária realizada não mediante regras, mas pela violência. Tal pai arcaico
ainda é notado até nos limiares da história, por exemplo, na figura de Gilgamesh,
que antes de sua viagem em busca da imortalidade, era um rei tirano, violador voraz
das mulheres de nobres e plebeus.
Para Freud, conforme Petrônio (2013), o nascimento da cultura se deu com
uma primeira transgressão dessa ordem patriarcal primitiva, mediante o gesto literal
de assassinato e devoração do pai totêmico pelos filhos, membros da comunidade.
Em outras palavras, enquanto os animais se unem e se distinguem entre si por meio
de comportamentos constantes que seguem as leis da natureza, ou seja, obedecem
ao tabu de não comerem membros da mesma espécie; apenas o homem, ao
cometer a primeira transgressão: transgredir o tabu do assassinato do líder do
bando, entra na ordem da cultura.
Contudo, Oswald abandona a conotação psicanalítica de Freud e atribui ao
fato uma função metafórica de destituir da arte, da história de colonização e do
sistema organizacional patriarcal, o seu caráter sagrado, próprio do tabu
(Maltz,1993).
Conforme Nunes (2011), com a vinda dos padres católicos institui-se o
matrimônio como sacramento, cujo modelo é fornecido por Roma: Pater est quem
nuptiæ demonstrant. Nesta fórmula está a chave do Patriarcado. O que importa é a
conservação da herança paterna e na consequentemente acumulação de riqueza
em mãos de um grupo e, portanto, de uma classe. “O pater famílias e a criação da
Moral da Cegonha. Ignorância real das coisas + fala (sinc.) de imaginação +
sentimento de autoridade ante a prole curiosa” (ANDRADE, 1928).
Segundo Petrônio (2013), a celebração da deglutição do bispo Sardinha,
oficiada por Oswald, mais do que um arrivismo antirreligioso, deve ser vista como a
perspectiva de um novo ecumenismo planetário. Ao fazer do índice do cristianismo o
corpo do sacerdote, o selvagem profanou sua carne, mas sacralizou seu espírito,
pois não comeu Sardinha como Sardinha, mas o Modelo enquanto Modelo. Na
deglutição do bispo Sardinha, o Deus cristão, materializado no sacerdote, deixou de
ser o supremo interdito transcendente. Nesse caso, ao literalizar a eucaristia, o
desejo mimético se instaura como desejo metafísico. Desse modo, a profanação do
selvagem potencializou a mensagem cristã, pois a tirou do domínio representacional
da linguagem cênico religiosa e a devolveu para a mais profunda experiência da vida
concreta e orgânica.
Assim como Deus se fez carne para se tornar Cristo, Cristo se fez Deus ao se
fazer carne. E só se fez Deus e Carne para habitar entre nós. Tal como a Trindade é
triunívoca, o mistério da Encarnação também o é. Não há prioridade ontológica entre
os termos, pois trata-se da própria Unidade divina. A pura univocidade rege todos os
termos implicados no Mistério (PETRÔNIO, 2013).
“O objetivo criado reage como os Anjos da Queda. Depois Moisés divaga.
Que temos nós com isso?” (ANDRADE,1928).
Depois da Queda, tivemos a percepção da fratura. Para Petrônio (2013), isso
nos levou ao sagrado como polo de restauração, precária, porém eficaz, da ordem
anterior. Em nossa época, vivemos aquilo que Eliade4 definiu como a segunda
Queda: não percebemos mais o profano enquanto profano, a Queda enquanto
Queda. A saída talvez seja inverter a orientação e os postulados: aprofundar ainda
mais o não-sentido como o modo apto a produzir o sentido. “É preciso passar por um
profundo ateísmo para chegar à ideia de Deus” (ANDRADE, 1928), ou seja,
“somente quem nega certos „deuses‟ pode ter fé no verdadeiro Deus” (BONINO,
1975, p.17).
A psicanálise custou a compreender que era preciso atacar o Superego
paternalista. Segundo Petrônio (2013), durante muito tempo as soluções
apresentadas pela escola de Freud não viram senão nos remédios negativos do Eu
(recalque, regressão, anulação e isolamento) a maneira de liquidar os conflitos
internos do homem. “Contra a realidade social, vestida e opressora, castrada por
Freud – a realidade sem complexos, sem loucura, sem prostituições e sem
penitenciárias do matriarcado de Pindorama” (ANDRADE,1928).
Para Nunes (2011), deve-se a Bachofen5 as primeiras pesquisas acerca do
Matriarcado. Estudos confirmam que a cultura humana se dividia em dois
hemisférios – Matriarcado e Patriarcado. Afirmações de Frobenius6, feitas na África,
estabelecem claramente que o Matriarcado precedeu ao Patriarcado em toda a terra.
O filho, de direito materno, deriva do fato de que primitivo não ligava o amor ao ato
da geração, sendo este, por excelência, um ato individual e seu fruto pertencente a
tribo. A Grécia nos aponta também o testemunho dessa cultura em que todos eram
iguais, possuíam as coisas em comum e não havia domínio do homem sobre o
homem.
Pode-se chamar de Alteridade o sentimento do outro, isto é, de ver-se o outro
em si, de constatar-se em si o desastre, a mortificação ou a alegria do outro. A
4 Mircea Eliade expressa simbolicamente, que a primeira queda de Adão teria resultado uma
consciência despedaçada, de modo que o homem tem de achar escondidos nos elementos do mundo fora do paraíso a presença do sagrado. A segunda queda efetuada pela secularização, teria atirado o sagrado a um lugar muito mais distante e profundo, dentro do inconsciente humano.
5 Johann Jakob Bachofen (1815-1887) antropólogo suíço. 6 Leo Viktor Frobenius (1873-1938) etimologista e arqueologista alemão.
Alteridade é no Brasil um dos sinais remanescentes da cultura matriarcal (NUNES,
2011).
A periculosidade do mundo, a convicção da ausência de qualquer socorro
supraterreno, produz o “homem cordial”, que tem, no entanto, dentro de si a sua
própria oposição. “Ele sabe ser cordial como sabe ser feroz”. No contraponto
agressividade – cordialidade, se define o primitivo em Weltanschauung7. A cultura
matriarcal produz esse duplo aspecto: compreende a vida como devoração e a
simboliza no rito antropofágico, que é a comunhão (NUNES, 2011).
No entanto, o primitivismo nativista de Oswald, saindo em busca das raízes
genuínas da raça e cultura brasileiras, não significou um retorno ao estado arcaico
da História ou um neoindianismo, contudo ao estado natural. Seu indianismo,
diferentemente da interpretação que o Romantismo deu ao homem natural de
Rousseau, resgata deste, o primitivo socializado, vivendo em equilíbrio com a cultura
e a natureza (“a floresta e a escola” do Manifesto da poesia Pau Brasil) numa
sociedade que não conhecia a privatização da terra nem o poder do Estado. Um
primitivo que sabia ser piedoso e agressivo, solidário e violento (MALTZ, 1993).
As vanguardas europeias lançaram mão do primitivismo como meio de
combate à tradição passadista, o fizeram pela valorização do “pensamento
selvagem” – “pensamento mitopoético, que participa da lógica do imaginário e que é
selvagem por oposição ao pensar cultivado, utilitário e domesticado” (NUNES, apud
MALTZ, 1993). Portanto a imagem oswaldiana do antropófago e o conceito
respectivo de assimilação, subordinam-se a uma forma de concepção que os vários
canibalismos literários da época reunidos não podem preencher. Há muita riqueza
nessa loucura sem método.
Se o Modernismo abriu as portas à pesquisa literária, a Antropofagia de
Oswald de Andrade saiu em sua defesa com um incansável experimentalismo,
irreverência e humor, ora criticando a História do Brasil e as consequências de seu
passado colonial, ora estabelecendo um horizonte utópico, em que o matriarcado da
comunidade primitiva substitui o sistema burguês patriarcal.
Oswald quis com sua antropofagia foi, como ele mesmo disse: “uma arte
nacional, extraída da obra dos antepassados, mas que também contemplasse as
conquistas do século XX” (MALTZ, 1993, p. 23).
7 Weltanschauung: termo alemão que significa cosmovisão ou mundividência, é a orientação
cognitiva fundamental de um indivíduo ou de toda uma sociedade.
2.2 Tropicalismo
O ímpeto e a essência da antropofagia foi restaurada no final da década de
60 com o Movimento Tropicalista, cujo período incide entre setembro de 1967 a
dezembro de 1968. Embalados por uma efervescência político-cultural: ditadura
militar; a encenação de “O Rei da Vela,” escrita por Oswald de Andrade, encenada
depois de 30 anos de “ostracismo”, por Celso Martinez Corrêa; o filme de Glauber
Rocha, “Terra em transe” e as obras provocativas de Hélio Oiticica, consistiriam num
grande caldeirão que contribuiu para a deflagração do movimento:
Se o tropicalismo se deveu em alguma medida a meus atos e minhas ideias, temos que considerar como deflagrador do movimento o impacto que teve sobre mim o filme Terra em transe, de Glauber Rocha. [...]. Meu coração disparou na cena de abertura, quando, ao som do mesmo cântico de candomblé que já estava na trilha sonora de Barravento, [...] se vê, numa tomada aérea do mar, aproximar-se a costa brasileira. E, à medida que o filme seguia em frente, as imagens de grande força que se sucediam, confirmavam a impressão de que aspectos inconscientes de nossa realidade estavam à beira de se revelar (VELOSO, 1997, p. 63).
O presente tropicalista, segundo Maltz (1993, p. 58), começa em 1967,
quando Domingo no Parque de Gilberto Gil e Alegria, alegria de Caetano Veloso
conquistavam, respectivamente, o segundo e o quarto lugar no Terceiro Festival de
Música Popular da Record.
Caetano, acompanhado dos Beat Boys; Gil, dos Mutantes, escandalizariam os
nacionalistas misturando o som das guitarras com ritmos nordestinos.
Campos (1993), afirma que Alegria, alegria e Domingo no Parque
representam duas faces complementares de uma mesma atitude, de um mesmo
movimento no sentido de livrar a música nacional de um “sistema fechado” de
preconceitos supostamente “nacionalistas”, mas na verdade, solipsistas e
isolacionistas, e dar-lhe, outra vez, como nos tempos da Bossa Nova, condições e
liberdade para a pesquisa e experimentação.
Alegria, alegria, conforme Caetano (2005), era um começar a mexer no lixo
(mesmo se tratando de uma alegria real), e dar mais eficácia ao tema que
fundamenta também Superbacana e Geleia geral, cujo intuito era mostrar a visão
autodepreciativa da nossa vida cotidiana e seu quase nenhum valor no mundo,
perante a hegemonia da cultura de massa americana. A estética tropicalista com sua
reprodução paródica do olhar do estrangeiro sobre o Brasil, parecia a princípio
insuportável, não deixando de ter um teor de humilhação. A letra composta por
fragmentos da realidade e as imagens evocadas – como elementos visuais – pelos
crimes-espaçonaves-guerrilhas-Cardinales bonitas-bomba-Brigite Bardot remetem a
uma ação cinematográfica e de caráter ambíguo, porque sugere um
descompromisso com a situação política da época, observado em “sem lenço, sem
documento e eu quero seguir vivendo”, e ao mesmo tempo evidenciando fatos da
realidade consumista, como em “eu tomo uma coca-cola”.
Em Domingo no Parque, segundo Teixeira (1993), Gil narra o assassinato de
Juliana e João por José, de modo quase festivo. Corresponderia às manchetes
sensacionalistas do sol, manchetes que o sujeito de Alegria, alegria apenas observa
“por entre fotos e nomes”. Ele próprio, classe média, não fornece assunto para “tanta
notícia”.
Curiosamente Gil também usou recursos poéticos que parecem inspirados
pela linguagem cinematográfica. Os tons vermelhos de um sorvete e de uma rosa,
que acabam se transformando em sangue, lembram as fusões de imagens dos
filmes de Eisentein, outro insight bem sacado de Décio Pignatari (CALADO, 1997).
No auge do sucesso, Caetano, Gil e os Mutantes eram atrações luminosas no
programa Discoteca do Chacrinha, que fora escolhido por Torquato Neto como
“gênio” da Tropicália em sua tese para principiantes (VAZ, 2005).
No ano seguinte, os tropicalistas assumiriam a condição de movimento de
vanguarda com o lançamento de Tropicália ou Panis et Circencis, composto por
Gilberto Gil, Caetano Veloso, Os Mutantes; com letras de Capinam e de Torquato
Neto. Com Parque Industrial, Tom Zé; Vozes de Nara Leão e Gal Costa, arranjos de
Júlio Medáglia e Rogério Duprat (TEIXEIRA, 1993).
O nome Tropicália, segundo Veloso (2005), é um homônimo da obra de Hélio
Oiticica, que intitulou também o disco e a música, predestinada a ser uma espécie
de manifesto. Recebeu a bem sacada e espontânea contribuição do percussionista
Dirceu, que, para testar o som do microfone, começou a narrar, em tom de gozação,
o lendário episódio da descoberta do Brasil: “Quando Pero Vaz de Caminha
descobriu que as terras eram férteis e verdejantes, escreveu uma carta ao rei [...]. E
o Gauss da época gravou”. A tirada do percussionista transformou-se na introdução
de Tropicália.
Favareto (1996), salienta que o disco manifesto Tropicália é dialógico: cada
imagem parodia certas imagens do Brasil, deixando entrever todas as outras num
sistema de interferências e relações, onde cada música é um efeito de linguagem.
Como é polifônico, o disco opera a passagem da diacronia (as séries culturais, por
meio das citações) para a sincronia das músicas, tendo também a fala de um sujeito
que se dirige a outro - ouvinte). Realiza-se, assim a interação de diversos níveis: o
da música, o das paródias e o do contexto sociocultural.
O vinil trazia seis faixas de cada lado. Torquato contribuiria com Geleia Geral
e Mamãe Coragem, ambas em parceria com Gil; Baby de Caetano, fazendo dueto
com Gal Costa; Coração Materno de Vicente Celestino (recriação do tradicional), por
Caetano e Duprat; Bat Macumba e Miserere Nobis, assinadas por Gil, Lindonésia,
cantada por Nara Leão, Panis et circencis, Os Mutantes, Três Caravelas, Enquanto
seu lobo não vem, Hino ao Senhor do Bonfim, cantam: Caetano, Gil, Gal Costa e os
Mutantes (VAZ, 2005).
Imaginada como uma paródia do álbum dos Beatles, “Sgt. Pepper’s Lonely
Hearts Club Band”, a capa adquiriu um formato final do underground tropicalista,
coberta de alegorias do Brasil. Na contracapa, o texto de um suposto roteiro
cinematográfico feito por Caetano Veloso, em que as personagens são os próprios
tropicalistas a travarem um diálogo irreverente e sem nexo (MEDDI,2014).
Segundo Campos (1993), a influência da estrutura literária do concretismo no
tropicalismo, foi importante porque a partir daí houve o emprego de versos mais
livres e soltos, através dos quais se buscava uma linguagem crítica em relação à
sociedade de consumo, à política brasileira do período e a todos os problemas que
estavam ocorrendo. Para Haroldo de Campos, a Tropicália era uma visão brasileira
do mundo sob a espécie de devoração, para uma assimilação crítica da experiência
estrangeira e sua reelaboração em termos e circunstâncias nacionais, alegorizando
nesse sentido, o canibalismo de nossos selvagens.
Além do experimentalismo, em que misturavam instrumentos elétricos
(internacionalização), o violão (Bossa Nova), o berimbau (instrumento regional), a
diversidade de canais de gravação, sonoridades estranhas como uivos, gritos, sons
desconexos, ainda exploravam aspectos visuais, como roupas de plásticos, os mise-
em-scènes e os happenigs que produziam uma espécie de provocação.
Incomodavam porque suas letras não pertenciam ao código conhecido do público.
Enfatizavam o cafonismo e o humor, contribuindo para o impacto das construções
paródico alegóricas. O corpo era um elemento na canção que junto com a voz, a
roupa, a letra e a dança formava a dramatização (CALADO, 2011).
Durante o III Festival Internacional da Canção, no teatro TUCA, Caetano
Veloso é vaiado com a canção É proibido proibir. Logo na introdução da canção, os
primeiros ovos, tomates e bolas de papel começaram a cair sobre o palco. O público
virou as costas para o palco, sem parar de vaiar e gritar. Os Mutantes não pensaram
duas vezes, para retribuir o gentil tratamento que estavam recebendo. Sem parar de
tocar, também deram as costas ao público. Frente a agressividade do público, a
indignação de Caetano acabou explodindo sob a forma de um longo e ferino
discurso, transformado em happening (CALADO,1997).
Mas é isso que é a juventude que diz que quer tomar o país? Vocês têm coragem de aplaudir, este ano, uma música, um tipo de música que vocês não teriam coragem de aplaudir no ano passado! São a mesma juventude que vão sempre, sempre matar o amanhã o velhote inimigo que morreu ontem! Vocês não estão entendendo nada, nada, nada, absolutamente nada. Hoje não tem Fernando Pessoa, Eu hoje vim dizer aqui, que quem teve coragem de assumir a estrutura de festival, não com o medo que o senhor Chico de Assis pediu, mas com a coragem, quem teve essa coragem de assumir essa estrutura e fazê-la explodir foi Gilberto Gil e fui eu. Não foi ninguém, foi Gilberto Gil e fui eu (CALADO,1997, p. 221-222).
Para Campos (1993), Caetano, Gil e os Mutantes tiveram coragem e a
inteligência de lançar esse desafio, e de romper, deliberadamente, com a estrutura
do Festival de Música Popular Brasileira, dentro da qual os compositores
procuravam agradar ao público, subserviência ao código do ouvinte e na indulgência
desses.
A fala de Caetano, integrada ao happening de sua música, mostra-se um
documento crítico, cuja importância transcende a área da música popular, para se
projetar na História da Cultura Moderna Brasileira, como um desafio de criação e de
inteligência na linha dos pioneiros da Semana de Arte Moderna de 1922 (CAMPOS,
1993).
2.3 A Antropofagia e o Tropicalismo
Os tropicalistas utilizam o conceito de antropofagia de Oswald de Andrade
como proposta cultural e integrando, paralelamente, procedimentos de vanguarda. O
simbólico da devoração é na verdade, utilizado como estratégia para alcançarem
seu objetivo: uma revisão cultural em oposição às correntes nacionalistas e
populistas.
Conforme Veloso (1997), a ideia de canibalismo servia aos tropicalistas como
uma luva, na medida em que estavam “comendo” os Beatles e Jemi Hendrix.
Contudo reafirma que nunca perderam de vista as diferenças entre a experiência
modernista dos anos 20 e os embates televisivos e fenomecânicos dos anos 60. A
ideia de antropofagia, por eles popularizada, tendeu a ser inovada e teve
implicações maiores devido as correlações com o que se deu, na época, com o
cinema, o teatro, a literatura e as artes plásticas.
Ver com olhos livres – a máxima modernista oswaldiana era retomada pelos
tropicalistas. Contudo não se tratava de basear-se na música regional, mas na
procura de uma nova forma que pudesse incluir o Brasil de Norte a Sul. Com isso
assumir Os Beatles não excluiria Vicente Celestino, nem a Bossa Nova ou a música
de vanguarda ou o iê-iê-iê. Todos esses elementos seriam deglutidos pelos ritmos
locais (TEIXEIRA, 1993).
Na análise da música Tropicália, a primeira estrofe em que aparecem os
versos, “sobre a cabeça os aviões, sob os meus pés os caminhões aponta para os
chapadões, meu nariz”, há uma construção sincrônica que remete a imagens
fragmentadas obtidas pela técnica cinematográfica. Também há uma associação do
particular para o genérico, como por exemplo, falar de Brasília e Brasil,
respectivamente. Ou contrapor o arcaico com o moderno pela paródia do
nacionalismo sentimental (FAVARETO,1996).
Observam-se, referências literárias: Catulo da Paixão Cearense de Luar do
Sertão, os termos românticos estilizados – “olhos verdes e cabeleiras negras” –
remetem a José de Alencar e Gonçalves Dias.
No texto construído como uma colagem cubista, diz-se que “uma criança
sorridente feia e morta estende a mão. É impossível imaginar uma combinação de
palavras com tamanha carga de dor sem esperança” (VELOSO, 2005, p. 50). Essa
expressão se intensifica quando lembra que o “monumento” a que se alude no texto
está ali naquele lugar nenhum, como um marco nacional que pudesse representar o
Brasil.
Também aparecem signos do subdesenvolvimento dentro do
desenvolvimento, como em Tropicália: “no pátio há uma piscina com água azul de
amaralina, coqueiro, brisa e fala nordestina, e faróis”. Os elementos que indicam a
natureza referem-se a nacionalidade e os artificiais à modernização. O caráter de
carnavalização e desmistificação da política de direita é visto na manipulação dos
códigos da natureza quando aparece na mesma canção: “na mão direita tem uma
roseira, autenticando eterna primavera, e nos jardins os urubus passeiam, a tarde
inteira entre os girassóis”. Em contraposição, dão um sentido figurado com “no pulso
esquerdo um bang-bang”, “acordes dissonantes” e “olhos grandes sobre mim”. Na
última estrofe, há um sentimento de alívio das pressões políticas que se encerram
com três músicas de Roberto Carlos: Mexericos da Candinha, Quero que vá tudo
pro inferno e Meu bem (FERREIRA, 1993).
As saudações dos refrões que complementam as estrofes, são marcadas pela
presença dos opostos. Remetem respectivamente: na primeira, “bossa”, expressão
ligada ao movimento musical Bossa Nova, representando o lado urbano e “palhoça”,
habitação rústica interiorana.
Na segunda; a “mata” é uma alusão a canção Luar do Sertão, ligada ao
folclore regional, e “mulata”, símbolo de sensualidade e brasilidade, ligada ao
urbano. Em “Maria” e “Bahia” no primeiro, faz menção a todas as mulheres; e no
segundo, representa o Estado, por ser, junto com o Rio de Janeiro, um dos “cartões-
postais” brasileiros, principalmente aos olhos dos estrangeiros. “Iracema”
representando o tradicional, através do livro e personagem de José de Alencar e
“Ipanema”, bairro e praia de classe média urbana carioca. Em “banda”, faz uma
homenagem a música A banda, de Chico Buarque, vencedora do II Festival da MPB
e em “Carmem Miranda”, simboliza a MPB do passado, em que ela era a intérprete
de clássicos autores como Ary Barroso, Lamartine Babo e Dorival Caymmi
(FERREIRA,1993).
Segundo Veloso (2005), em Tropicália, o compositor quis criar o mito da
miscigenação em que todos nós somos negros, índios e brancos ao mesmo tempo e
que a nossa cultura nada tem a ver com a europeia, apesar de estar submetida a
ela. Que essa herança deve ser absorvida antropofagicamente, pela negra e índia
da nossa terra, que são as únicas significativas, pois a maioria dos produtos da arte
brasileira é híbrida, intelectualizada ao extremo e vazia de um significado próprio.
Em Geleia geral, segundo Favareto (1996), o Brasil de hoje é mais do que as
somas das manifestações folclóricas com a natureza. O Brasil é plural, aponta para
um tipo de cultura caleidoscópica. Essa percepção, que interpreta o Brasil como um
enorme mosaico cultural, já a tinha Oswald de Andrade. Basta que se retome os
manifestos da Poesia Pau Brasil e Antropófago para encontrar as culturas nativa e
urbana industrial apontadas cá e lá.
Conforme Favareto (1996), é nítida a apropriação que Geleia geral faz dos
textos de Oswald, desde as mais evidentes (“Pindorama”; “Alegria é a prova dos
nove”,do Manifesto Antropófago), as estilizações (“Hospitaleira amizade/Brutalidade
jardim”, remetendo ao Manifesto da Poesia Pau Brasil e a João Miramar).
O discurso descritivo ou narrativo é substituído pelo imagístico: da favela, da
cultura de massa, do folclore, da natureza tropical, do mestiço, da arte colonial
brasileira, da psicologia do povo (alegria e cordialidade, resíduos das virtudes
naturais de que falam o primitivismo e o matriarcado de Pindorama) e a sociedade
industrial (MALTZ,1993).
Nos versos “a manhã tropical se inicia / resplandente, cadente, fagueira”, a
composição desconstrói o discurso do poeta passadista, cantador adjetivoso de seu
país. O mesmo acontece em “Geleia geral brasileira / que o Jornal do Brasil
anuncia”. Desmonte que se faz também pela ironia antropofágica de “minha terra é
onde o sol é mais limpo” e salve o pendão dos meus olhos”, versos que parodiam a
Canção do exílio, de Gonçalves Dias e o Hino à bandeira (MALTZ,1993).
Segundo Petrônio (2014), a música Miserere Nóbis de Gilberto Gil e
Capinam, interpretada por Gil, traz em seu introito um solo de órgão de igreja com o
tilintar de pequenos sinos, que dão passagem para o violão, perdendo-se do sacro
inicial ao profano épico da voz de Gilberto Gil, numa desritualização da missa
católica, bem ao gosto oswaldiano, que ironizava a igreja católica e seus ícones. A
canção, quase arrancada de um momento de silêncio, não está longe de ser uma
crítica à força bruta imposta pela ditadura militar. O cantor assume um canto em
ritmo de marcha militar, repetindo a invocação “É no sempre será, ó iaiá / É no
sempre serão” ao final de cada estrofe, numa metáfora ao imobilismo da situação
política vivida e de nele intervir. A canção termina com tiros de canhão abafados,
silenciando o protesto.
A letra da canção Panis et Circencis de Gilberto Gil e Caetano Veloso,
interpretada pelo grupo Os Mutantes, sugere a ruptura entre o cotidiano secular e o
desejo de liberdade, o contraste entre o nascer e o morrer, não só dos costumes e
tradições, como dos sonhos e das utopias juvenis (PETRÔNIO, 2014).
Em Parque Industrial (Tom Zé), continua a temática do urbanismo cubista do
tropicalismo. É interpretada por Gilberto Gil, Gal Costa, Caetano Veloso e Os
Mutantes. A inspiração do título é de um livro homônimo de Patrícia Galvão, a Pagu,
escritora modernista e agitadora cultural das décadas de 1920 e 1930. A letra é uma
crítica ao ufanismo do desenvolvimento e aos fantoches por ele gerado, em um
discurso de deboche e ironia típicos do universo mimetizado da canção de Tom Zé,
um redemoinho na poeira da natureza urbanizada. A canção inicia com metais a
reproduzir os timbres de uma banda de coreto. Intervêm as vozes de Gilberto Gil,
Caetano Veloso e Gal Costa separadamente, até que entra Tom Zé a trazer uma
entonação ufanista. O refrão Made in Brazil realça o tom de paródia da canção, que
mescla o que se vem de fora com o que se tem dentro do país. A música é uma
sátira tenaz do Brasil que se fazia na época (MEDDI, 2008).
Favareto (1996), afirma que a Antropofagia oswaldiana não ficou perdida,
como julgou Raul Bopp, nem inúteis, como queria Drummond, foram seus
manifestos. Guardados seu caráter anárquico utópico e a ênfase na dimensão étnico
cultural que deu a originalidade nativa, o tropicalismo amplia a dimensão para o
aspecto político e econômico, visando à questão da indústria cultural. O que se viu é
que a Antropofagia foi algo mais que um grande estardalhaço ou um mero modismo
importado. Geleia geral que o diga.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O projeto de intervenção pedagógica foi desenvolvido com alunos do 3º ano
do Ensino Médio, com idade entre 17 e 19 anos. A intenção foi de organizar
momentos de leitura e reflexão sobre o movimento modernista, pós-moderno e
contemporâneo. Dentro dessa perspectiva foram considerados os conhecimentos
prévios que os alunos tinham sobre a literatura e a música, servindo de fundamento
para iniciar o estudo proposto.
A base teórica que sustentou o trabalho é o Método Recepcional o qual é
sugerido nas Diretrizes Curriculares, como encaminhamento metodológico para o
trabalho com a literatura. Segundo Bordini e Aguiar (1993 apud DCE) este método
tem como objetivos a realização de leituras compreensivas e críticas tornando o
aluno receptivo a novos textos e leitura de outrem, o questionamento das leituras
efetuadas em relação ao seu próprio horizonte cultural, transformando os próprios
horizontes de expectativas, bem como os do professor, da comunidade familiar e
social. Numa primeira etapa é o momento de determinação do horizonte de
expectativa do aluno/leitor – perceber o que os alunos têm de conhecimento sobre o
assunto. No segundo momento, ocorre o atendimento do horizonte de expectativas,
em que o professor apresenta textos que sejam próximos ao seu conhecimento e às
expectativas dos alunos. Em seguida acontece uma ruptura do horizonte de
expectativas. É o momento de mostrar que nem sempre a leitura é o que se espera.
Este momento pode ter suas certezas abaladas. E por fim, a ampliação do horizonte
de expectativas, em que as leituras oferecidas e o trabalho efetuado a partir delas,
possibilitem uma reflexão e uma tomada de consciência das mudanças e das
aquisições, levando-o a uma ampliação de seus conhecimentos.
Inicialmente foi trabalhado o Filme “Tempos Modernos”, de Charles Chaplin,
em que é apresentado o conjunto de transformações, em todos os domínios das
atividades humanas, pelo qual passava a Europa no início do século XX. Invenções,
desenvolvimento científico e tecnológico, lutas sociais, guerra mundial, revolução
comunista – tudo isso formando o cenário em que surge a arte moderna, um dos
movimentos mais radicais de renovação artística.
Foi apresentado um vídeo sobre as Vanguardas Europeias cujo propósito era
o de mostrar o desejo de libertar-se das amarras do passado e buscar uma nova
forma de expressão artística, de acordo com a mentalidade do século XX.
Após, foram apresentados os dois Manifestos: da Poesia Pau Brasil e o
Manifesto Antropofágico e o seu idealizador, Oswald de Andrade, com comentários a
respeito desses e seus ideais. Também foi apresentada a obra Abaporu de Tarsila do
Amaral, inspiradora do manifesto antropofágico e que serviu de base para que os
alunos produzissem releituras da obra.
Na sequência das aulas foram apresentados os poemas: “erro de português”,
“brasil” ambos de Oswald de Andrade, e o “Poema tirado de uma notícia de jornal”
de Manuel Bandeira. Os alunos fizeram interpretação dos mesmos.
Os alunos assistiram ao filme “Macunaíma” de Mário de Andrade e teceram
suas considerações.
Numa próxima atividade foi proposto aos alunos a produção de uma paródia,
visto que é uma das características marcantes dos Modernistas. Para essa atividade
foi utilizado o poema “Canção do Exílio” de Gonçalves Dias, por retratar em sua
temática a questão da identidade nacional, que sempre foi uma preocupação dos
modernistas. O Romantismo introduziu essa discussão, que foi retomada e
aprofundada por escritores do século XX, como Mário e Oswald de Andrade e
retomada, nos anos 60, pelos tropicalistas.
Nas atividades seguintes, foram apresentadas as poesias do Movimento
Concretista da década de 50 com seus respectivos representantes: Haroldo e
Augusto de Campos e Décio Pignatari e também poesias contemporâneas de Paulo
Leminski e Wally Salomão, que de certa forma participaram do movimento
tropicalista, através de seus poemas musicados e contemplaram atividades no
decorrer do projeto resultando na produção de um livro com poemas concretos e
haicais.
Foram analisadas algumas músicas do disco “Tropicália” ou “Pannis et
circencis” que retomaram a Antropofagia oswaldiana, presentes em suas letras e
arranjos musicais: Tropicália, Geleia geral, batmacumba, Panis et circensis. Os
alunos puderam escutar o som do vinil e também foram contemplados com
apresentação ao vivo de algumas músicas desse movimento com a participação do
professor, Gelson.
As demais aulas foram utilizadas para a gravação de programas radiofônicos
apresentando uma síntese do projeto. Nesse trabalho foram feitas declamação de
poemas dos poetas modernistas, montagem de entrevistas com alguns tropicalistas,
como: Rita Lee, Gilberto Gil e Caetano Veloso que contaram um pouco sobre o
Tropicalismo, além de músicas desse movimento.
Outro fator que enriqueceu o trabalho e o desenvolvimento do projeto foi o
GTR (Grupo de Trabalho em Rede), em que um grupo expressivo de professores da
rede estadual, durante os meses de março a junho de 2014, participou ativamente
de questões relacionadas ao desenvolvimento do projeto e da preparação do
Material Didático. Houve questionamentos, curiosidades, sugestões de temas e
atividades. O interesse destes profissionais demonstrou a possibilidade de realizar
as atividades para os alunos em questão. Após este resultado, criou-se o Material
Didático dentro de objetivos claros, com vídeos, imagens, poemas e músicas. A
divulgação do projeto foi em forma de feira cultural onde foram apresentados os
livros de poemas por eles confeccionados aos moldes de “Therezinha Cartonera”
com capas confeccionadas pelos alunos e na apresentação dos programas
radiofônicos apresentados nos intervalos das aulas, durante uma semana.
Pode-se perceber um entusiasmo por parte dos alunos na elaboração das
atividades, visto que boa parte delas eram mais lúdicas permitindo que os mesmos
se expressassem mais livremente.
Com o trabalho foi também possível repensar uma nova forma de se trabalhar
os conteúdos de literatura, fazendo com que o aluno não seja apenas um mero
expectador, mas um apreciador e produtor de suas obras poéticas.
REFERÊNCIAS
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NUNES, Benedito. A antropofagia ao alcance de todos. In: ANDRADE, Oswald. A utopia antropofágica. São Paulo, Global, 1995 PETRÔNIO, Rodrigo, Oswald de Andrade e a devoração universal. Rascunho, Gazeta do Povo, Disponível em: <http://rascunho.gazetadopovo.com.br/oswald-de-andrade-e-a-devoracao-universal>. Acesso em 21 de mar. 2013. VAZ, Toninho. Pra mim chega: a biografia de Torquato Neto. São Paulo: Editora Casa Amarela, 2005. VELOSO, Caetano. O mundo não é chato. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. VELOSO, Caetano. Verdade Tropical. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
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