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Tradução de Eric NEpomucENo
Eduardo GalEano
Os filhOs dOs dias
9
Gratidões
Não posso agradecer a todos os amigos que fizeram este livro possível, nem aos autores das muitas obras que consultei. Os amigos e os autores não lotariam um está-dio, mas quase.
isso, sim: não posso deixar de dedicar o resultado a quem teve a paciência de ler e opinar sobre as primeiras versões, que queriam ser últimas e eram sempre penúl-timas, porque sempre havia alguma coisa a ser corrigida ou mudada ou suprimida ou acrescentada: Ramón Akal, Mark Fried, Karl Hübner, Carlos Machado e Hector Ve-larde.
Este livro é dedicado a Helena Villagra. Sem palavras.
Em Montevidéu, no final do ano de 2011.
11
E os dias se puseram a andar.E eles, os dias, nos fizeram.E assim fomos nascidos nós,os filhos dos dias,os averiguadores,os buscadores da vida.
(Gênesis, de acordo com os maias)
Janeiro
15
Janeiro
1
Hoje
Hoje não é o primeiro dia do ano para os maias, os judeus, os árabes, os chineses e outros muitos habitantes deste mundo.
A data foi inventada por Roma, a Roma imperial, e abençoada pela Roma vaticana, e acaba sendo um exa-gero dizer que a humanidade inteira celebra esse cruzar da fronteira dos anos.
Mas uma coisa, sim, é preciso reconhecer: o tempo é bastante amável com a gente, seus passageiros fugazes, e nos dá permissão para crer que hoje pode ser o pri-meiro dos dias, e para querer que seja alegre como as cores de uma quitanda.
16
Janeiro
2
Do fogo ao fogo
Neste dia de 1492 caiu Granada, e com ela caiu a Espanha muçulmana inteira.
Vitória da Santa inquisição: Granada havia sido o último reino espanhol onde as mesquitas, as igrejas e as sinagogas conseguiam ser boas vizinhas.
No mesmo ano começou a conquista da América, quando a América ainda era um mistério sem nome.
E nos anos seguintes, em fogueiras distantes, o mesmo fogo queimou os livros muçulmanos, os livros hebraicos e os livros indígenas.
O fogo era o destino das palavras que nasciam no inferno.
17
Janeiro
3
A memória andante
No terceiro dia do ano 47 a.C., ardeu em chamas a biblioteca mais famosa da Antiguidade.
As legiões romanas invadiram o Egito, e duran-te uma das batalhas de Júlio César contra o irmão de Cleópatra o fogo devorou a maior parte dos milhares e milhares de rolos de papiro da Biblioteca de Alexandria.
Um par de milênios depois, as legiões norte-ameri-canas invadiram o iraque e, durante a cruzada de George W. Bush contra o inimigo que ele mesmo inventou, vi-rou cinza a maior parte dos milhares e milhares de livros da Biblioteca de Bagdá.
Na história da humanidade inteira, houve um e só um refúgio de livros seguro e à prova de guerras e in-cêndios: a biblioteca andante, uma ideia do grão-vizir da Pérsia, Abdul Kassem ismael, no final do século X.
Homem prevenido, esse viajante incansável leva-va sua biblioteca consigo. Quatrocentos camelos carre-gavam cento e dezessete mil livros, numa caravana de dois quilômetros de comprimento. Os camelos também serviam de catálogo das obras: cada grupo de camelos carregava os títulos que começavam com uma das trinta e duas letras do alfabeto persa.
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