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Panorama do mercado empresarial de produção de moradias
na Região Metropolitana de Belo Horizonte
Relatório Final
Relatório final do Projeto de Pesquisa “Papel da atividade imobiliária na constituição da dinâmica de organização social do território da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH)”, parte integrante da Linha II: Dimensão sócio-espacial da exclusão/integração nas metrópoles: estudos comparativos - Sub-linha: Descrição, análise da dinâmica e evolução da organização social do território das metrópoles - 1980/2000, do Projeto Milênio - Observatório das Metrópoles Território, Coesão Social e Governança Democrática.
UNIVERSIDADE FERAL DE MINAS GERAIS Escola de Arquitetura
2008
1
EQUIPE
Coordenação Prof. Dra. Jupira Gomes de Mendonça
Depto. de Urbanismo da Escola de Arquitetura/UFMG Núcleo de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo/EAUFMG
Arquiteta Urbanista Júnia Maria Ferrari de Lima Mestranda do NPGAU da Escola de Arquitetura da UFMG
Mariana Maia Martins
Guilherme Araújo Grochowski Bolsistas de Iniciação Científica da Escola de Arquitetura da UFMG
Organização do relatório final: Junia Maria Ferrari de Lima
Outubro de 2008
2
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................05
2 CONSTATAÇÕES ...........................................................................................06
3 HIPÓTESES ......................................................................................................07
4 SÍNTESE DA EVOLUÇÃO URBANA E DO MERCADO IMOBILIÁRIO
NA RMBH ........................................................................................................08
4.1 Do planejamento até o processo de metropolização nos anos 70 .................11
4.2 Anos oitenta: expansão do mercado concorrencial ......................................24
4.3 Anos noventa: expansão do mercado monopolista ......................................31
4.4 Anos 2000: uma nova polarização do mercado capitalista de provisão de
moradias...............................................................................................................40
5 CONCLUSÕES .................................................................................................47
6 REFERÊNCIAS ................................................................................................49
3
RESUMO
O texto apresenta um panorama sucinto da dinâmica de produção capitalista de
moradias na Região Metropolitana de Belo Horizonte, identificando suas
transformações face às alterações socioespaciais. São pressupostos do trabalho: o papel
chave do Estado na produção de condições para o desenvolvimento dessa dinâmica e a
existência de três sub-mercados no interior do mercado capitalista, tendo sido
escolhidos para análise os sub-mercados concorrencial e monopolista, dada a sua
relevância em termos quantitativos e o seu papel na estruturação do espaço urbano e
metropolitano. São fontes principais dos dados analisados: os Censos Demográficos do
IBGE, o cadastro do IPTU de belo Horizonte, as pesquisas do IPEAD, bem como dados
colhidos junto às prefeituras dos municípios e aos representantes do segmento
imobiliário, como o SINDUSCON-MG e a Câmara do Mercado Imobiliário. Tendo em
vista a intensidade com que se expande o mercado imobiliário para os municípios da
Região Metropolitana de Belo Horizonte, são levantadas como questões principais
aquelas relacionadas à origem dos novos capitais imobiliários, os novos padrões de
empreendimento e seus impactos na constituição de um novo padrão de urbanização,
bem como as possíveis articulações entre os segmentos de mercado.
PALAVRAS-CHAVE: Urbanização. Dinâmica Imobiliária. Região Metropolitana de
Belo Horizonte
4
1 INTRODUÇÃO
A crise das grandes cidades do final do século XX e começo do século XXI têm
alterado o perfil das metrópoles de todo o mundo e, particularmente, dos países da
América Latina. Associado a mudanças profundas no sistema produtivo capitalista
desde o último quartel do século passado, uma nova ordem socioespacial
fundamentalmente gregária e desigual, vem se configurando nessas metrópoles.
Interessa-nos aqui aprofundar a compreensão das alterações na configuração
socioespacial da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), tendo em vista o
contexto da reestruturação produtiva e as novas estratégias do capital incorporador, que
cumpre papel relevante nesse processo, na medida em que, de um lado, reforça a auto-
segregação das elites em regiões específicas da cidade e, de outro, promove uma
expansão territorial, com incorporação de novos segmentos para o mercado imobiliário.
A análise está associada a mecanismos específicos dessa dinâmica, sob a ótica das
estratégias da incorporação imobiliária e suas relações com a mobilidade residencial,
entendida como forma de luta pela apropriação dos recursos urbanos disponibilizados
pelo poder público. São objetivos desta análise avaliar se as mudanças na estrutura de
provisão de moradia da RMBH estão ou não redistribuindo a população de baixa renda
no território; identificar alterações recentes, a partir do reaquecimento da economia e da
abertura de crédito; e associar as alterações da dinâmica imobiliária às transformações
socioespaciais em curso.
Esta pesquisa se insere no Projeto Milênio como um estudo sobre o papel da atividade
imobiliária na constituição da dinâmica de organização social do território da
Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) e é parte integrante da Linha II:
Dimensão sócio-espacial da exclusão/integração nas metrópoles: estudos comparativos
- Sub-linha: Descrição, análise da dinâmica e evolução da organização social do
território das metrópoles - 1980/2000, do Projeto Milênio - Observatório das
Metrópoles Território, Coesão Social e Governança Democrática, coordenado em nível
nacional pelo Prof. Luiz César Queiroz Ribeiro (IPPUR/UFRJ).
5
2 CONSTATAÇÕES
O estudo da mobilidade residencial na Região Metropolitana de Belo Horizonte
(RMBH), a qual expressa os movimentos e as lutas pelo posicionamento na hierarquia
socioespacial, mostrou que o crescimento populacional negativo ou abaixo da média
metropolitana nas áreas centrais e pericentrais e o simultâneo adensamento das áreas
periféricas foram resultado de um movimento populacional interno à região
metropolitana. De um modo geral, a intensa mobilidade residencial ocorrida nas
décadas de 80, 90 e 2000 resultou em nova mescla de grupos sociais no território, com
alterações na organização socioespacial metropolitana. Destacam-se o transbordamento
territorial das categorias dirigentes, simultâneo ao esvaziamento relativo dos grupos
operários e populares das áreas mais centrais; o espraiamento das categorias médias,
mesclando-se ao operariado industrial moderno e mudando o perfil socioespacial
principalmente das áreas situadas no eixo industrial; a expulsão de parte do operariado e
do sub-proletariado do território do município sede da região metropolitana em direção
a municípios cada vez mais distantes.
Até os anos noventa, a capital era o lócus preferencial do capital incorporador, enquanto
os municípios imediatamente periféricos constituíam mercado de terra promissor, nem
sempre realizado dentro das normas legais. Os anos 2000 presenciam dois movimentos
importantes: a expansão do mercado imobiliário concorrencial para os municípios a
norte e oeste da região metropolitana, incorporando novos segmentos, e a expansão do
mercado monopolista, na continuidade da zona sul de Belo Horizonte, área
tradicionalmente reduto dos grupos de alta renda, entrando no município de Nova Lima
e configurando uma localização diferenciada.
A análise do mercado de provisão de moradias aqui apresentada tem como premissa que
no interior do mercado capitalista, distinguem-se três sub-mercados: as cooperativas e
companhias estaduais de habitação1, o sub-mercado normal e o monopolista (RIBEIRO,
1997, p.124). O sub-mercado normal, ou concorrencial, é delimitado por zonas da
cidade onde a diferenciação de moradia pelo efeito de localização é menor. A sua
1 Não vamos aqui tratar desse segmento de mercado e tampouco do segmento de produção não capitalista, constituído por diversas formas de auto-construção. Marques (2005) distingue quatro esquemas de produção de moradia: autoconstrução, construção por contrato, produção estatal de moradia e incorporação imobiliária.
6
característica fundamental, diz ainda Ribeiro, é o fato de que são as condições de
produção que regulam a formação do preço de mercado. Há micromercados no interior
das diversas áreas que correspondem a esse sub-mercado. No entanto, a diferenciação
dos preços encontra limites na capacidade de pagamento das camadas médias, que
constituem um segmento mais homogêneo e caracterizado pela menor disponibilidade
de pagar pela diferença (Ibidem:126).
O sub-mercado monopolista, ao contrário, é definido pelo fato de que o preço de
mercado não é regulado pelas condições de produção, mas de circulação, dependendo
apenas das quantidades produzidas, da capacidade de pagamento dos compradores e do
grau de diferenciação real ou simbólica das moradias. “O que funda o preço de
monopólio é a não-reprodutividade de uma das condições de produção, ou seja, a terra
enquanto localização na divisão social e simbólica do espaço urbano, além de
descontinuidade da produção no tempo e no espaço” (Ibidem:126).
Desta maneira, é interesse do capital de incorporação a permanente diferenciação do
espaço urbano, tanto do ponto de vista físico, como social e simbólico. A recriação do
sub-mercado monopolista depende da recriação de condições não reprodutivas de
produção.
3 HIPÓTESES
As alterações na organização socioespacial manifestas na RMBH não representam
ruptura, mas ao contrário, consolidam tendências expressas desde os primórdios da
formação metropolitana: se, no nível micro, há maior mistura social e um continuum
espacial, que vai se proletarizando e tornando mais popular na medida em que se avança
para as áreas mais periféricas, no nível macro reproduz-se a dinâmica centro-periferia,
com crescente auto-segregação das categorias sociais superiores e crescente
distanciamento social manifestado no território. Destacam-se nesse contexto a histórica
presença do Estado e a consolidação de uma estrutura industrial vinculada aos recursos
naturais da região.
7
4 SÍNTESE DA EVOLUÇÃO URBANA E DO MERCADO IMOBILIÁRIO NA
RMBH
Belo Horizonte foi a primeira capital planejada no Brasil, o que já lhe conferiu algumas
peculiaridades, ou seja, um plano que pressupunha uma ocupação ordenada. Assim,
atendendo aos princípios urbanísticos da época2 e à função de centro político-
administrativo, ambos em caráter prioritário à topografia, a nova capital é inaugurada
em 12 de dezembro de 1897, depois de eliminar os vestígios do velho arraial, pois,
segundo a Comissão Construtora, era incompatível com a grandiosidade do arrojado
projeto de Aarão Reis (Ver FIG.1).
FIGURA 1 – Plano de Aarão Reis para Belo Horizonte. Fonte: Museu Abílio Barreto – Belo Horizonte.
Segundo Bolthauser (1961), o Plano de Aarão Reis propunha a adoção de dois traçados
superpostos para a área central, que ele denominou zona urbana, tal como em
Washington e La Plata, ou seja, uma malha de ruas ortogonais se sobrepondo a uma
rede de avenidas em diagonal, que por sua vez era delimitada pela Av. do Contorno.
Este tipo de ordenação determinou quarteirões quadrados e idênticos, com lotes de
2 O plano de Aarão Reis é fortemente influenciado pelos padrões barrocos da época, amplamente usados na Europa e no Plano de Washington. Para mais detalhes ver BOLTHAUSER, 1961.
8
pouca frente e maior profundidade. Para Goitia (1982, p.169), este tipo de traçado foi
muito utilizado no século XIX, pois era mais compatível com a especulação de terrenos
urbanos e seu aproveitamento máximo. “Qualquer outra solução funcional para além da
simples quadrícula teria prejudicado seus interesses. Se as ruas não fossem todas de
tráfego e aproximadamente da mesma hierarquia, os valores dos terrenos seriam
perigosamente afetados”.
Fora da área reticulada da zona urbana, a cidade ainda abrigava mais duas grandes
áreas: um anel pericentral para além da Av. do Contorno, “com ruas retilíneas, mas não
regulares e quadras irregulares sem nenhuma medida padrão” (BOLTHAUSER, 1961,
p.29) denominada zona suburbana e destinada a sítios e chácaras – e uma zona rural,
onde se estabeleceriam as Colônias Agrícolas, cuja função seria a de “cinturão verde”
para abastecimento da cidade. Note-se que à classe trabalhadora não foi designada
qualquer área no Plano de Aarão Reis, inaugurando, desde o início da história da cidade,
uma controversa e segregada ocupação.
O plano de construção da nova capital trazia a pretensão de controlar a expansão da
cidade no sentido centro-periferia, para isto o Estado fez grandes investimentos em
infra-estrutura na região central, inclusive com sistema de bondes e a construção do
Viaduto Santa Tereza, que ao transpor o Rio Arrudas facilitou a ligação Centro-Leste
(COSTA, H., 1983).
No entanto, os altos preços dos terrenos na zona urbana, bem como uma legislação bem
restritiva determinaram a ocupação da cidade no sentido inverso, ou seja, a população
de alta renda que se estabelece na zona urbana (funcionários públicos e proprietários de
terra em Ouro Preto) representava uma minoria e a área central fica sub-utilizada. Em
contrapartida, a área suburbana é ocupada pela população de baixa renda, que era a
grande maioria, chegando a representar em 1912, 68% da população recenseada em
Belo Horizonte, segundo o PLAMBEL (1985) apud COSTA, C. (2006). Esta ocupação,
no entanto, se dá de maneira desordenada, procurando apenas obter-se o maior número
de lotes, sem qualquer planejamento.
A metropolização do município dá seus primeiros sinais na década de 40, quando é
criado o Distrito Industrial de Contagem com posterior ampliação da Av. Amazonas3 e
3 Permite o acesso a esse novo vetor de expansão do município a oeste.
9
com os investimentos na região da Pampulha, inclusive abertura da Av. Antônio
Carlos4. Delineiam-se assim os primeiros contornos da Região Metropolitana de Belo
Horizonte, que se consolidará na década de 70 com a instituição do Plano de Ocupação
do Solo, elaborado pelo órgão metropolitano de planejamento, concretizado e detalhado
pela Lei de Uso e Ocupação do Solo em 1976. A década de 80 marca o início da
abertura política e o crescimento vertiginoso da construção de apartamentos na cidade,
como veremos.
Nos anos 90, devido às altas taxas de lucro do mercado financeiro e às limitações do
sistema de crédito (o BNH foi extinto em 1988), o mercado imobiliário passa a
depender de recursos próprios e seu nível de atividade passa a ser determinado pela
capacidade de poupança do comprador (GOMES, 2007, p.12). A partir daí aprofunda-se
o padrão segregador na RMBH, com o mercado imobiliário voltado para a produção e
comercialização de unidades compatíveis com o segmento de alta renda.
Nos anos 2000 o mercado imobiliário brasileiro inaugura um novo momento com dois
marcos regulatórios importantes: a exigibilidade de aplicação de recursos da poupança
em financiamentos habitacionais – por força da Resolução 3.177 de abril de 2004, e a
promulgação da Lei 10.931 de agosto de 2004, que instituiu o Patrimônio de Afetação5,
ou seja, uma série de garantias a incorporadores e clientes possibilitando transações
imobiliárias mais seguras. Belo Horizonte também recebe positivamente esses novos
impulsos que, associados à estabilidade econômica do país e à conseqüente recuperação
da renda real do cidadão, ampliaram a oferta de crédito a outras camadas da população
democratizando o acesso ao mercado imobiliário. A Lei de Uso e Ocupação do Solo de
1996 também teve papel importante, na medida em que disponibiliza mais zonas de
verticalização na cidade.
Apesar desse fôlego que habilitou um novo segmento de renda até então à margem
desse mercado, o que se percebe é que as alterações na organização socioespacial de
4 A abertura da Av. Antônio Carlos, antiga Av. Pampulha, agiliza o acesso à região, inaugurando o vetor Norte de crescimento. Na época já existia o Distrito de Venda Nova, que mais tarde seria incorporado como bairro de Belo Horizonte. 5 Com esta lei cada empreendimento tem orçamento e contabilidade próprios, o que oferece mais transparência e garantia nas negociações. Além disso, a Lei 10.931/04 dispõe sobre Letras de Crédito Imobiliário, Cédulas de Crédito Imobiliário e Cédulas de Crédito Bancário, de maneira a oferecer mais garantia às transações e aos investidores. Em conseqüência, as linhas de crédito se multiplicaram.
10
Belo Horizonte não representaram ruptura, mas, ao contrário, consolidaram as
tendências de ocupação delineadas desde a sua fundação, ou seja, áreas centrais
ocupadas por um segmento de alta renda e com desconcentração demográfica em
contraposição à crescente periferização da população de baixa renda com altos índices
de adensamento.
4.1 Do planejamento até o processo de metropolização nos anos 70
Desde o momento de sua fundação, a nova capital contou com o papel fundamental do
Estado, que logo se configurou como o indutor básico de sua expansão, não só pela
responsabilidade na estruturação de seu espaço, mas também pelo fato de ser o maior
detentor das terras do município e o responsável por sua distribuição. A nova capital foi
concebida para o poder que nela se exerceria6, assim, os lotes foram distribuídos para os
segmentos da população diretamente ligados ao aparato estatal e aos proprietários de
terra em Ouro Preto, como forma de estimular a “elite ouropretana”, ainda reticente a
essa transferência.
Assim, o Estado assume papel relevante na conseqüente especulação que se seguiu a
essa distribuição, uma vez que a maior parte dos terrenos da área urbana ficou retida nas
mãos de proprietários que não tinham interesses imediatos em sua ocupação. A idéia
das colônias agrícolas na zona rural também não foi efetivada devido ao desinteresse do
Estado em subsidiá-las, o que levou os colonos a vender suas glebas aos incorporadores
e construtores. Neste cenário, surgem os especuladores imobiliários.
... não faltaram espíritos negocistas de vários pontos do Estado, que foram ou mandaram a Ouro Preto adquirir, na ‘bacia das almas’ grande quantidade daqueles terrenos, o que lhes proporcionou godos lucros. Para exemplo, citaremos o Sr. José Francisco de Macedo que [...] recebeu a cognominação que lhe deu a inventiva popular de José dos Lotes (Abílio Barreto, apud Penna, 1997). Em 1902, no relatório de sua administração, o Prefeito Bernardo Pinto Monteiro afirma que assunto de igual relevância é o preço dos terrenos urbanos ainda alto de forma a afugentar os que demandam a cidade para a zona suburbana, cujos lotes têm sido vendidos com facilidade, dispersando assim as construções e ampliando o centro (Idem:109).
No final dos anos 20 acontece o primeiro boom imobiliário da cidade com o lançamento
de diversos loteamentos periféricos. Aproveitando-se da oferta de crédito e da crise do
café, o capital financeiro acaba migrando seus investimentos para o setor imobiliário,
6 Isto pode explicar a opção pelo padrão barroco de desenho urbano empregado na cidade.
11
em busca de maior rentabilidade. Esta alternância de investimentos também será
identificada em diversos momentos posteriores.
Segundo Lemos (2002), a administração municipal adota medidas que estimulem o
adensamento das áreas centrais, bem como a concentração de atividades, em função da
desproporção entre a demanda de serviços acarretada por área tão extensa e a sua
capacidade de arrecadação tributária. Segundo a Lei 0226 de outubro de 1992, foi
autorizada a verticalização na zona central, com maior aproveitamento dos terrenos:
Art2.o Nas construções ou reconstruções de prédios urbanos ou suburbanos, situados no alinhamento das ruas, a altura será: a) no mínimo de cinco metros; b) no máximo duas vezes e meia a largura da rua, quando esta for de menos de doze metros; c) no máximo três vezes a largura da rua, quando esta for de mais de doze metros;
Além disso, foi proibida a construção de prédios de um só pavimento em diversas vias
da região central, estimulando o adensamento e reafirmando a ocupação da área central
pelos segmentos sociais de mais alta renda. A princípio a nova legislação não teve
impacto sobre a verticalização, pois as medidas superavam a demanda do mercado
local, mas é o início de uma ocupação que traria, posteriormente para a zona central
edifícios do porte do Ed. Acaiaca, Banco da Lavoura, Ed. Dantes, SULACAP, dentre
outros. Segundo Mendonça (2002, p.14) estabeleceu-se o início de uma “era de
intensificação da ocupação como forma de superar a lógica da renda fundiária e
viabilizar o mercado imobiliário”.
Ainda assim, em 1931, a zona urbana comportava apenas 30% de seu potencial de
habitantes e os técnicos da Diretoria de Obras descrevem o problema ao então prefeito
Luiz Penna:
Nestas condições a administração é obrigada a prover os serviços públicos de uma cidade capaz de comportar 500 mil almas apenas com os recursos fornecidos pelos seus 140 mil habitantes atuais, resultando desse fato a impossibilidade de manter em dia serviços que reclamam importância três vezes maior que a arrecada atualmente (BELO HORIZONTE, 1931 apud PEREIRA; FARIA, 1997, p.12).
A expansão na zona suburbana, entretanto, continuava a superar, em muito, a ocupação
das áreas centrais cada vez mais valorizadas. Contrapunha-se ao acelerado processo de
ocupação do eixo leste-oeste grandes vazios nas regiões Norte e Sul, além de manchas
ociosas na região central (PEREIRA; FARIA, 1997). A fim de estimular a ocupação
12
dessas áreas centrais ociosas institui-se, através da Lei n° 363 de setembro de 1930, o
“Regulamento Geral de Construções em Belo Horizonte” que amplia a proibição das
“construções de prédios de um só pavimento” para 23 vias da área central da cidade e
em “todas as avenidas asfaltadas, ou calçadas a paralelepípedos rejuntados a asfalto”. A
cidade também altera sua divisão original e passa a ser organizada em quatro novas
áreas: zona central, zona urbana, zona suburbana e zona rural.
O relatório relativo ao exercício de 1931, apresentado pelo Diretor de obras Municipais
ao então prefeito Luís Pena, identifica essa desproporção com relação à ocupação e
expansão da zona suburbana, e descreve a cidade sendo circundada “de maneira
asfixiante por um emaranhado de vielas de 10 a 14m de largura”. Este mesmo relatório
faz menção à existência de 24 bairros e vilas “clandestinos” na cidade, como um
prenúncio do intenso processo de periferização que se agravaria ao longo de sua
história.
Uma nova legislação, em 19337, associa a função comercial à zona central e a função
residencial à zona urbana e reitera as proibições, instituídas na Lei 363/1930, com
relação à construção de edifícios de um só pavimento em algumas vias da área central,
além de 03 pavimentos mínimos para os demais edifícios da cidade. A novidade fica por
conta da diferenciação das edificações da zona suburbana, cujas larguras deveriam estar
entre 3,5 e 6 metros, para edifícios recuados e alinhados, respectivamente,
diferentemente daqueles situados na zona urbana, que poderiam ter suas larguras entre 6
e 7metros, sendo o último para o caso dos edifícios no alinhamento das vias. A década
de 30 é marcada por intervenções do Estado no sentido de estimular o adensamento das
áreas centrais, entretanto, o que se vê ainda é a predominância na ocupação das zonas
suburbanas e vilas para população de baixa renda. Segundo Camila Costa (2006), o
adensamento e a verticalização da cidade “relacionava-se explicitamente à categoria
social”, pois nos bairros tradicionais (em geral para população de mais alta renda),
permitia-se edificações com três pavimentos, ao contrário dos conjuntos habitacionais
com dois pavimentos e apenas um pavimento nas residências para segmentos de baixa
renda na zona suburbana.
7 Decreto 0165 de 01 de setembro de 1933, que vem modificar a Lei n.o 363, de 1930
13
Em outubro de 1936 é criada a Zona Industrial de Belo Horizonte8, no Barro Preto,
numa faixa de 150 metros compreendida entre o Ribeirão Arrudas e as linhas da
E.F.Central do Brasil e Oeste de Minas. As indústrias da cidade, até então concentradas
próximo à Praça da Estação, deslocam-se para a região, junto à Av. do Contorno9. Das
inúmeras indústrias que ali se instalaram, destaca-se a Cia. de Cigarros Souza Cruz10
(ver FIG. 2), hoje Av. Augusto de Lima. A região, a princípio de perfil industrial, se
consolida posteriormente como área comercial e assim permanece até os dias atuais, em
área central da cidade.
FIGURA 2 – Companhia de Cigarros Souza Cruz, na zona industrial do Barro Preto.
Fonte: FIEMG
No ano de 1938 se dá o início das atividades da Cia. Renascença Industrial (ver
FIG.03), em área de aproximadamente 21 mil m² no local denominado por Villa
Renascença, o que provoca a expansão da região nordeste da capital. Suas instalações
incluíam não só a indústria têxtil, mas um grande empreendimento imobiliário para
implantação da vila operária para cerca de 1.000 trabalhadores, dentro do espírito
predominante da época de provisão de moradias operárias pelo segmento industrial.
8 Lei Estadual n.º 98/36, e Decreto n.º 104/36 9 Estava inserida onde hoje se encontra o Barro Preto. 10 Dados coletados no site da FIEMG http://www.fiemg.com.br/bh100/index.htm, consultado às 16:45h de 05/11/2008
14
FIGURA 3 – Companhia Renascença Industrial, na Villa Renascença. Fonte: FIEMG
Em 1937, Belo Horizonte já somava 603 estabelecimentos industriais empregando
9.766 pessoas. Entretanto, eram núcleos ainda dispersos, sem um parque industrial que
concentrasse e fortalecesse a indústria mineira, que perde sua hegemonia no setor
siderúrgico com a instalação da Companhia Siderúrgica Nacional no Estado do Rio de
Janeiro em 1942 (GOULART,1999). A consolidação desse Parque se daria somente na
década seguinte.
Em 1934, na gestão do prefeito José Soares de Mattos (1933-1935) é instalada a
Comissão Técnica Consultiva de Belo Horizonte, para formatação de um plano de
expansão racional para a cidade. A comissão era liderada pelo engenheiro Lincoln
Continentino, especialista em saneamento e urbanista, além dos profissionais Luiz
Signorelli, Ângelo Murgel e Fábio Vieira Marques. O plano não foi integralmente
implementado, mas tratou de questões importantes tais como: estabelecimento de
grandes avenidas fazendo a ligação entre as zonas urbanas e suburbanas; substituição de
arruamentos por outros mais adequados à topografia da cidade; zoneamento com a
divisão da cidade em zonas residencial, comercial e industrial; além da elaboração do
código de obras11, até hoje em vigor no município (GOMES; LIMA, 1999, apud
COSTA, C, 2006).
Em 1937, com a inauguração da Penitenciária Agrícola em Ribeirão das Neves, o que
estigmatizou o município desde então, delineia-se um novo vetor de crescimento a
noroeste de Belo Horizonte. Como a prática comum nas grandes cidades brasileiras era
a de deslocar populações de favelas centrais para áreas fora do município, Ribeirão das
11 Decreto 0084 de 21 de dezembro de 1940
15
Neves se constitui, nos anos 70 principalmente, como a periferia precária da RMBH,
por excelência. Os números chegam a 27% de crescimento na década de 70.
Em junho de 1940, o professor e urbanista Agache foi convidado por JK para conceber
um plano urbanístico que permitisse a integração da Pampulha ao conjunto urbano de
Belo Horizonte. Já prevendo um déficit habitacional para população de baixa renda na
cidade, Agache reconhece na Pampulha uma das áreas disponíveis para esta demanda.
Entretanto, ao contrário da visão funcionalista do urbanista francês, JK prefere o modelo
de Continentino, cujos lotes e padrões de moradias eram mais condizentes com seus
planos para a elite econômica e cultural da cidade:
Discordei do ilustre urbanista. O que tinha em mente era capitalizar, em benefício de Belo Horizonte, a beleza daquele recanto, com a formação de um lago artificial, rodeado de residências de luxo, com casas de diversão que se debruçassem sobre a água (KUBITSCHECK, 1975, p.34).
O padrão deveria ser o mesmo utilizado na concepção das “cidades-jardim”, já
implantadas em algumas capitais brasileiras, nos moldes das garden-cities inglesas. O
modelo do tipo “jardim” definiu uma qualidade urbana, respaldada pelo poder
econômico de seus moradores, capaz de enfrentar a especulação imobiliária circundante
(IEPHA, 2003). A abertura da Avenida Antonio Carlos viabiliza o acesso à região e
inaugura uma série de outras ações para o “embelezamento” da Pampulha na década de
40, ou seja, o conjunto modernista de Niemeyer: Cassino, Iate Clube e Casa do Baile
(1942-1944). Era uma tentativa de constituir uma região elitizada na capital que, no
entanto, se manteve como reserva de um mercado que recentemente vem se realizando
orientado para o segmento imobiliário concorrencial.
A implementação de todo aquele aparato arquitetônico se deu de forma diferenciada
para a população da “Pampulha Velha” 12, cujo caráter agrícola e religioso pouco
interagiu com aquele novo e audacioso projeto: “ocupadas em tempos distintos e com
diferentes intenções, as duas espacialidades tiveram, desde a década de quarenta,
representações autônomas” (LEMOS, 2002). A região se consolidaria com a chegada do
Aeroporto em fins da década de 30, e se tornaria grande pólo do segmento imobiliário
concorrencial a partir da década de 80, com ênfase no adensamento a partir da LUOS de
96.
12 Hoje corresponde à região do Bairro Jaraguá e adjacências.
16
Na mesma época, dentro do espírito de desenvolvimento nacional via industrialização
que se estabelece com o governo Vargas, Belo Horizonte finalmente consolida sua
vocação industrial, com a implantação da Cidade Industrial de Contagem (1941) e sua
respectiva hidrelétrica de Gafanhoto, na região de Ferrugem, a 9 km de Belo Horizonte.
O prolongamento da Av. Amazonas até o novo parque a oeste da capital, definiu,
portanto, o eixo industrial do que seria a região metropolitana de Belo Horizonte. Nesse
mesmo contexto, há um aumento significativo na demanda por habitações para a
população operária. As próprias indústrias assumem o papel de provedores, uma vez
que o Estado não dispunha de uma política habitacional que desse suporte. Segundo
Heloísa Costa (1983), como o fornecimento de moradias estava diretamente atrelado ao
emprego – os valores relativos à habitação eram retirados diretamente dos salários dos
trabalhadores – criou-se uma forma de controle político da força de trabalho.
Em seguida, a fim de viabilizar o novo Distrito Industrial de Contagem, é criada a
CEMIG (Centrais Elétricas de Minas Gerais, em 1952), solucionando a demanda de
energia elétrica da cidade. É um novo impulso à economia mineira, que, associado a
uma rede de transportes efetiva, possibilita a consolidação da infra-estrutura necessária
ao seu crescimento.
No que diz respeito ao mercado imobiliário de Belo Horizonte, segundo o Plano Diretor
- Estudos básicos (1995), a maior empresa do ramo na época era a COMITECO, que
comercializava quase que exclusivamente loteamentos, pois a preferência por
residências unifamiliares ainda prevalecia. Um outro nicho do mercado que
representava investimento seguro era a compra de casas para aluguel. Os
empreendimentos eram modestos, sem grandes empresas ou grandes investimentos
constituídos para este fim, apenas pequenos financiamentos junto aos bancos locais.
“Era comum o consórcio entre firmas e bancos para abertura de novos loteamentos”
(Idem, p.44), entretanto esses loteamentos eram oferecidos, em sua maioria, sem
qualquer infra-estrutura, o que gerava pressão sobre o Poder público, bem como
retenção especulativa.
Em 1958, com a construção do Edifício JK, consolida-se a tendência para os grandes
edifícios residenciais em Belo Horizonte e as pequenas construtoras vão surgindo em
busca desse novo nicho para os setores de renda média e alta. É o início do mercado
empresarial da provisão de moradias impulsionado a partir de alterações na legislação
17
urbanística13, que prevê ampliação da zona urbana, ao mesmo tempo em que abre
espaço para verticalização fora dos limites da Av. do Contorno.
Se no primeiro momento há um adensamento dessas regiões adjacentes à Av. do
Contorno, logo em seguida, em conseqüência de um intenso processo de especulação
imobiliária, acaba havendo expulsão de parte da população para novas áreas. Amplia-se
assim, o mercado de terras, com a anexação de extensas áreas sem qualquer infra-
estrutura, muitas vezes além dos limites do município, dando início ao processo de
metropolização e ensaiando os contornos da Região Metropolitana que se consolidará
na década de 70.
De acordo com o PLAMBEL (1978) apud PLANO DIRETOR (1995), “a década de 50
corresponde ao período áureo dos loteadores: 48% dos lotes aprovados no Aglomerado
Metropolitano entre os anos 1950 e 1976, o foram nesta década”. A mesma pesquisa
registra um aumento significativo no valor dos terrenos. Segundo Heloísa Costa (1983),
em 1950 a região central tinha lotes com preços até 5 vezes superiores aos seus vizinhos
e somente na década de 60 começa a se formar um anel pericentral com preços
equivalentes.
Na gestão do prefeito Américo René Gianetti (1951-1954), foi contratado o Plano
Diretor de Belo Horizonte, através da Lei 0232 de setembro de 1951, estabelecendo
uma Comissão que tratasse igualmente, do “Distrito de Venda Nova e povoados”.
Foram convocados profissionais de renome, dentre os quais Niemeyer e Burle Marx,
para compor a referida comissão, entretanto, não se tem notícias de sua implantação.
Entretanto, esta iniciativa deixou preparada uma estrutura administrativa que seria
utilizada na gestão seguinte pelo prefeito Celso Mello de Azevedo (1955-1959).
Nessa época foi contratada uma equipe que levantou, de forma minuciosa, a estrutura
urbana de Belo Horizonte. A SAGMACS (Sociedade de Análises Gráficas e
Mecanográficas Aplicadas aos Complexos Sociais), veiculada ao movimento Economia
e Humanismo, do Padre Lebret (França), registra em seu diagnóstico: “a grave situação
da maioria da população, a deficiência de equipamentos urbanos e infra-estrutura e o
alto grau de especulação imobiliária” (MELO,1991,p.55).
13 Lei 0592 de novembro de 1956
18
A proposta do Plano Diretor elaborado pela mesma equipe apontou para a necessidade
da descentralização dos setores de comércio e serviços e, para conter a especulação
imobiliária, a taxação progressiva dos terrenos, conceito só utilizado posteriormente.
Portanto, ações como hierarquização viária, instrumentos urbanísticos de controle do
uso do solo e descentralização da cidade, que foram implementados posteriormente, têm
suas bases lançadas a partir dessa contratação significativa na gestão Mello de Azevedo.
No início da década de 60 o mercado financeiro tornou-se mais atrativo por causa da
inflação e o mercado imobiliário entra em crise, também pela dificuldade em se manter
obras a preço fechado14. As políticas habitacionais patrocinadas pelo capital industrial
até então, entram em declínio em função de grandes contigentes migratórios, e
conseqüente disponibilização de farta mão-de-obra. Há portanto, uma estagnação na
produção imobiliária.
A partir de 1964, quando se dá o início do Governo Militar, as decisões relativas às
políticas urbanas e de habitação até então subordinadas ao município, passam a ser
centralizadas em nível federal. É criado o Banco Nacional de Habitação (BNH) como
uma alternativa para reaquecer esse mercado, até então estagnado.
O governo federal, entretanto, já atuava através de legislação específica desde 1937,
quando, a fim de conter a expansão dos loteamentos clandestinos, institui o Decreto-lei
58/1937 que obrigava o loteador a registrar o negócio em cartório. Em 1964, além do
BNH cria a Lei 4504/64 que regulamenta a subdivisão das áreas rurais, em no mínimo
5000 m² e o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). Entretanto,
seu alcance era reduzido tendo em vista a dificuldade para fiscalização de tantas novas
áreas. A partir de 1967, com a Lei 27115, ficam estabelecidas as responsabilidades por
equipamentos e serviços urbanos aos loteadores, como um prenúncio para a Lei
6766/79, ainda hoje utilizada para fins de normatização dos parcelamentos do solo no
Brasil.
14 Os primeiros construtores não tinham esta atividade como permanente, pois o mercado ainda não dispunha de recursos do governo para subsidiá-lo. No princípio eram prédios pequenos, de três andares, sem elevador (perfil amplamente utilizado em BH), e com preço fixo e fechado. Desta forma, o construtor executava a obra com recursos próprios somados a uma parcela de sinal paga pelos futuros proprietários, e só viria a receber seu lucro no final do pagamento de todas as demais parcelas (normalmente 60) (PLANO DIRETOR, 1995). 15 Que substitui o decreto-lei n° 58 de 10/12/37
19
Desta forma, o pequeno investidor recua, pois não dispõe de recursos para cumprir
todas as exigências da nova legislação. Em contrapartida, os loteamentos mudam de
perfil em Belo Horizonte: o tipo de loteamento comum na década de 50 sem qualquer
infra-estrutura é substituído por outros com alguma infra-estrutura, demonstrando que o
rigor da legislação apresentava resultados positivos. Acreditava-se que, através de uma
parceira público-privada, os novos loteamentos poderiam apresentar, não apenas a infra-
estrutura urbana, mas também a incorporação de edifícios voltados para os segmentos
médios (PLANO DIRETOR,1995).
Em Belo Horizonte, o bairro Cidade Nova (1966) nasceu dentro desse espírito.
Entretanto, dificuldades na agilização dos procedimentos do BNH impediram que as
moradias fossem construídas simultaneamente. Assim, os lotes foram vendidos a
particulares e construtores, que os repassaram ao mercado imobiliário posteriormente.
Por outro lado, há um considerável aumento na demanda por lotes populares, pois, em
função das novas exigências para parcelamentos, os pequenos investidores, até então
responsáveis pelo provimento dos loteamentos de baixa renda, mudam sua estratégia.
Segundo Heloísa Costa (1983), esse deslocamento é proposital e acarreta o surgimento
de novos loteamentos além do perímetro urbano, “onde a terra era barata e a legislação
não valia”. Há portanto uma “explosão” de novos bairros distantes com conseqüente
adensamento, que caracteriza a segunda metade da década de 70.
Betim e Contagem já tinham legislação de parcelamento com certo rigor, o que não
acontecia com Ribeirão das Neves e Igarapé, que acabam se tornando as principais áreas
de concentração da população de baixa renda e dos loteamentos sem infra-estrutura.
Criam-se então, as chamadas cidades-dormitório, cuja função era puramente a de
garantir um local para dormir após a jornada de trabalho na metrópole. Estes
intercâmbios pressionam as capitais no que diz respeito à transporte, saúde, educação e
saneamento, tornando urgente a tomada de medidas em âmbito mais regional.
A partir da década de 70, é finalmente constituída a região metropolitana de Belo
Horizonte e de outras capitais16 (a RMBH foi criada em 73 pelo governo federal e
16 Em 1973 a Lei Complementar n°14 criou as regiões metropolitanas de Belo Horizonte, São Paulo, Porto Alegre, Recife, Salvador, Curitiba, Belém e Fortaleza. Em 1974, a Lei complementar n°20 cria a Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
20
regulamentada pela Lei Estadual 6303/74). Além desta ação em nível nacional, a
questão urbana assume maior relevância também no cenário municipal, pois a capital já
apresentava níveis de saturação em termos de ocupação horizontal e os primeiros
indícios de conurbação com alguns municípios da região metropolitana já podiam ser
notados. Nesse sentido, é instituído o PLAMBEL em 1976, que propõe uma
regulamentação em nível regional através do Plano de Ocupação do Solo da
Aglomeração Urbana – POS, que por sua vez seria a base da primeira Lei de Uso e
Ocupação do Solo de Belo Horizonte17.
Segundo o PLAMBEL (1976) apud COSTA, C. (2006) a nova Lei deveria promover e
ordenar o território, em prol do bem estar da coletividade, mesclando as classes sociais
tanto quanto possível, de maneira a provocar uma melhor distribuição dos equipamentos
e infra-estrutura urbana. Entretanto, a prática não se manteve alinhada com esse
discurso inicial.
O zoneamento proposto pela LUOS/76, ao invés de socializar acabou consolidando
áreas específicas para as diferentes classes: para o segmento de alta renda, lotes maiores
com densidade baixa (ZR-1 e ZR-2); para as camadas populares potenciais construtivos
relativamente baixos e média densidade (ZR-3); verticalização para as classes média
(ZR-4) e alta densidade para o centro da densidade (ZR-5 e ZR-6). Novamente a
histórica tentativa do Estado em ocupar os vazios urbanos e melhorar o aproveitamento
da infra-estrutura central através da indução à verticalização das áreas centrais.
As novas propostas vieram ao encontro aos interesses do mercado imobiliário, pois
ampliaram as áreas de verticalização nas adjacências da Av. do Contorno (COSTA, C.,
2006) e o adensamento através dos coeficientes de aproveitamento. Assim, segundo
Mendonça (2000), esse modelo de legislação, ao mesmo tempo em que significou
avanço no que diz respeito ao conforto ambiental para as edificações, cristalizou a
segregação existente na medida em que instituiu um zoneamento que distribuiu
vantagens e privilégios de forma desigual no território municipal. Em síntese, a
17 Esta é a primeira Lei de Uso e Ocupação do Solo de Belo Horizonte. Até então, o Código de Obras de 1940 era a única referência em termos de legislação urbanística para o município.
21
regulamentação do potencial construtivo cria a possibilidade de alteração do perfil de
cada área e, como conseqüência, o sobrelucro de localização18.
Legislação urbanística e obras viárias constituem importantes instrumentos de
planejamento, pois promovem a distribuição do potencial construtivo no território e
permitem a inserção de novas áreas através da acessibilidade, respectivamente. Assim,
além da criação da primeira Lei de uso e ocupação do solo, nesta mesma década foram
relevantes as obras viárias da Av. Cristiano Machado, da Via Expressa, do Conjunto
Elevado Castelo Branco, do 1.o Túnel Lagoinha-Concórdia, da Av. Raja Gabaglia e do
viaduto do Barreiro, que ampliaram as conexões da área central com as demais
regionais, abrindo novos vetores para o mercado imobiliário concorrencial.
Na Região Centro-sul, a abertura da Av. Prudente de Moraes e o prolongamento da Av.
Afonso Pena até o bairro Mangabeiras estenderam os acessos a regiões pericentrais que
viriam a se tornar novos redutos dos segmentos de alta renda.
O mercado imobiliário reage positivamente a estas ações e, aliado à crise no mercado
financeiro após a queda da Bolsa em 1970, passa a oferecer boas oportunidades para o
Capital financeiro. Novamente registra-se o mercado imobiliário alternar com o
mercado financeiro um ciclo de bons investimentos. O pico desse novo boom
imobiliário se dá em 1976, com a construção de um grande volume de apartamentos
para as famílias de renda média. O BNH tem participação direta nestes números, na
medida em que disponibiliza os recursos necessários para financiar esta faixa de renda.
Toda esta movimentação possibilitou, não apenas uma expansão na oferta de novas
áreas para as classes média e alta, como também uma expulsão das famílias de baixa
renda para áreas ainda mais distantes, reforçando o processo de periferização da cidade.
Abrem-se também, dois novos vetores de crescimento: um no eixo sul (estrada BH-
Nova Lima) voltado para o segmento de média e alta renda e um outro, de caráter
popular e sem infra-estrutura, nos interstícios entre as sedes de BH e dos municípios que
compõem a Região Metropolitana, especialmente aqueles que não dispunham de maior
rigor na legislação - Ribeirão das Neves e Igarapé. A Lei Federal 6766 de 1979, foi
18 O sobrelucro de localização surge quando um incorporador consegue comprar o terreno por um preço estabelecido por um determinado uso, para nele realizar um empreendimento que permite um uso mais rentável (RIBEIRO,1997,p.129).
22
criada com o intuito de estabelecer maior controle sobre o parcelamento do solo, de
maneira a dar suporte também a esses municípios que ainda não dispunham de
legislação própria, restringindo as ações do pequeno capital imobiliário, responsável
pelos loteamentos sem infra-estrutura.
Ainda nos anos setenta, com o “milagre econômico”, há um aporte do capital
estrangeiro industrial para a RMBH, a partir de mecanismos de crédito e isenção fiscal
oferecidos pelo governo do Estado. Através de órgãos como o BDMG, o INDI e o CDI,
o poder público assume o custo de implantação das fábricas e o capital estrangeiro
assume todo o investimento relacionado ao maquinário, material elétrico e transportes
(COSTA, H., 1983, p.103). Indústrias como a FIAT e a FMB se implantam em Betim,
reforçando o eixo industrial a oeste de Belo Horizonte, e determinando o surgimento de
novos bairros residenciais para a população de operários e funcionários. É a
consolidação de um vetor de expansão que hoje ultrapassa o município de Betim e
avança em direção a áreas mais distantes como Mateus Leme e Juatuba.
A região metropolitana, portanto, passa a crescer demograficamente mais do que seu
núcleo urbano (GOMES, 2007, p.10) demonstrando um novo tipo de migração até então
inédito, ou seja, deixam de ser do tipo rural-urbano e passam a ser do tipo urbano-
urbano entre os municípios metropolitanos (ver TAB. 1). A população de renda mais
alta ocupa espaços cada vez maiores na capital e a população de baixa renda desloca-se
para os municípios vizinhos, ou para as vilas e favelas19.
TABELA 1
Perdas populacionais entre BH e os demais municípios da RMBH
MUNÍCIPIOS 1975 - 1980 1995 - 2000 CONTAGEM 50.020 23.879 RIBEIRÃO DAS NEVES 29.348 27.931 BETIM 8.398 13.044 SANTA LUZIA 9.701 12.298 IBIRITÉ 6.550 10.251 VESPASIANO 2.184 6.514 SABARÁ 9.015 5.801 OUTRAS DA RMBH 2.053 9.289 TOTAL 116.952 123.758
Fonte: GOMES, 2007, p. 10
19 Segundo Gomes (2007), atualmente estima-se que 60% da migração intrametropolitana tem Belo Horizonte como origem.
23
4.2 Anos oitenta: expansão do mercado concorrencial
O início da década de 80 é o ápice do mercado imobiliário, que chega a lançar 17.034
novos apartamentos em 1982, segundo Gomes (2007). Entretanto, com o início da crise
econômica em 1983, esses números recuam para 2.229 em 1985 e se mantém neste
patamar por toda a década. É um período de desaquecimento da economia que tem
efeito imediato sobre a renda dos segmentos médios e baixos da população, diminuindo
substancialmente a demanda agregada nessas faixas sociais.
Com o fim do BNH em 1988, os recursos disponíveis à habitação são reduzidos
drasticamente pois a Caixa Econômica Federal assume o enorme passivo deixado pelo
sistema financeiro da habitação. Assim, sem demanda agregada e sem produção de
moradias o mercado imobiliário entra em declínio em níveis constantes até a década
seguinte, segundo Gomes (2007).
O mercado de terras, cuja lógica acompanha o mercado capitalista de provisão de
moradias, apresentou, durante a década, duas características principais: de um lado, a
expansão territorial dos loteamentos populares para periferias mais distantes, mantendo
o movimento de periferização e, de outro, inaugurou um novo padrão de auto-
segregação das categorias dirigentes, na forma dos loteamentos fechados, cuja expansão
ocorreria com mais intensidade na década seguinte, a partir de áreas contíguas aos
espaços valorizados da zona sul de Belo Horizonte.
Podemos destacar como características principais da evolução da estruturação
socioespacial da RMBH nesse período (ver FIG. 4):
a) os espaços centrais e peri-centrais se elitizaram e passaram a ocupar um território
maior, simultaneamente com a diminuição relativa de população nas áreas mais centrais
da capital;
b) nos lugares onde houve elitização, as classes médias em geral (pequenos
empregadores, profissionais de nível superior e parte das categorias de ocupações
médias) aumentaram sua participação;
c) os segmentos populares, de um modo geral, foram sendo empurrados para as
periferias mais distantes;
24
d) como novidade ressalta-se o crescimento populacional ao sul de Belo Horizonte, na
extensão da chamada zona sul elitizada, em especial as áreas ao longo da BR-040, em
direção ao Rio de Janeiro, ocupando partes dos municípios de Nova Lima e, em menor
escala, de Brumadinho, região em que, preponderantemente, estão os loteamentos
fechados, autodenominados “condomínios”, para onde tem se dirigido parte das elites
dirigentes e intelectuais de Belo Horizonte.
FIGURA 4 - Região Metropolitana de Belo Horizonte: Evolução da estrutura socioespacial 1980-1991.
P/ Rio de Janeiro
P/ Vitória
P/Brasília
P/São Paulo
3015
Elaborado por: MENDONÇA, Jupira Gomes de.
Esse espraiamento de categorias médias e superiores, nos anos oitenta, correspondeu à
expansão das fronteiras do segmento concorrencial do mercado imobiliário. Em que
pese aquela ter sido uma década de expansão também do segmento monopolista, este
permanece contido nas fronteiras dos espaços mais valorizados, onde as categorias
dirigentes se concentravam cada vez mais. A expansão territorial do segmento
concorrencial, na realidade, criou as condições para a mobilidade das classes médias na
direção das áreas peri-centrais.
quilômetros
0
BH
Contagem
Betim
Raposos
CaetéSabará
Ribeirão das Neves
Santa Luzia
Nova Lima
Rio Acima
Ibirité/Sarzedo/
Mário Campos
Vespasiano
Pedro Leopoldo
Lagoa Santa
Evolução socioespacialNão eram da RMBH em 1980AburguesamentoMais classes médiasDiversificação ascendenteDiversificaçãoProletarizaçãoMais popularPermanece
25
O mercado de incorporação atuava predominantemente em Belo Horizonte, com a
produção de apartamentos. No final da década de 1980, o município concentrava 92,5%
dos apartamentos da região metropolitana20 (Censo Demográfico de 199121). Destes,
73% estavam por sua vez concentrados na área central e sua vizinhança imediata.
Contagem era o segundo município em percentual de apartamentos22: aí estavam
localizados, em 1991, 6,1% dos apartamentos da RMBH, quase todos concentrados na
região industrial. Finalmente, distante no terceiro lugar, Betim detinha, em 1991, 0,6%
dos apartamentos da RMBH, quase todos concentrados na sede do município23 (ver
FIG. 5).
Foi fundamental nesse resultado o desempenho das prefeituras de Belo Horizonte e
Contagem na implantação do Projeto CURA – Projeto Comunidade Urbana de
Recuperação Acelerada -, programa com recursos do BNH, cuja meta era a implantação
de infra-estrutura viária e de saneamento em áreas residenciais nas proximidades da
Cidade Industrial de Contagem, cujo alcance se deu até o município de Betim. A
iniciativa resultou em urbanização e conseqüente requalificação dessas áreas, com
destaque para a região do Eldorado (Contagem).
20 O município continha, em 1991, 62,5% de todos os imóveis residenciais da região metropolitana. 21 O Censo de 1991 classificou a localização dos domicílios particulares em “apartamento isolado ou de condomínio”, “casa isolada ou de condomínio”, “casa em conjunto residencial”, “apartamento em conjunto residencial”, “casa em aglomerado sub-normal”, “apartamento em aglomerado sub-normal” e “cômodo” (Domicílio localizado em um ou mais cômodos de uma casa de cômodos, cortiço, cabeça-de-porco, etc.). Ainda que estas variáveis sejam limitadas como representação mais precisa dos vários segmentos do mercado imobiliário, elas podem fornecer uma visão aproximada da estrutura desse mercado. 22 Contagem possuía, em 1991, 12% do total de residências da região metropolitana. 23 O município possuía 4,2% de todos os imóveis residenciais da RMBH.
26
FIGURA 5 - Belo Horizonte e Contagem Concentração de apartamentos em 1991. Elaborado por: MENDONÇA, Jupira Gomes de.
27
Nova Lima
quilômetros
52.50
ECidadeIndustrial
Belo Horizonte
mEldorado/Jk
fiCEASA
Contagem
Cidade Nova
SagradaFamília
Centro
CPrates/Santo André
Novo Eldorado
PEustáquio/CEucarístico/
DCabral
Floresta
Santa Tereza
Jardim América Mangabeiras/
Serra
Santa Cruz/ Glória
Eldorado/JK
Mansões/S.Lúcia/S.Bento
Sion/Belvedere
Avenida Amazonas
Anel Rodoviário
Av. N
.S.C
arm
oBR-040
Apartamentos = 90% das moradiasou maisApartamentos = 75 a 90% das moradias
Apartamentos = 50 a 75% das moradias
Apartamentos = 30 a 50% das moradias
Apartamentos = até 30% das moradias
Concentração de apartamentos emContagem (entre 27 e 53% das moradias)Vias principais
Fonte: IBGE, Censo Demográfico de 1991Elaboração: Jupira Mendonça
PROPORÇÃO DE APARTAMENTOS EMRELAÇÃO AO TOTAL DE MORADIAS
Sabemos que apartamento não é uma categoria que necessariamente diz respeito às
formas capitalistas de provisão de moradias. A sua produção pode ser resultado de
diferentes formas, variando desde a organização de usuários que compram o terreno e
contratam os serviços de projeto e construção, cujo produto é um valor de uso, até a
ação do capital incorporador, que vai articular os diversos serviços necessários à
produção de um valor de troca, a mercadoria-moradia. No entanto, a produção desse
tipo de moradia exige a mobilização de um montante relativamente grande de recursos
financeiros, o que dificulta os processos de produção não-mercantil. Desta maneira, a
moradia-apartamento pode ser tomada como indício de uma forma capitalista de
produção, embora nem todos os apartamentos se enquadrem nesta situação.
Entre 1980 e 1991, houve crescimento na participação dos apartamentos em todas as
áreas da região metropolitana. Chama a atenção, no entanto, as áreas que se
transformaram para um perfil “mais classe média”, cuja participação de apartamentos
no total de moradias triplicou – ver FIG 5 e TAB. 2. Também nas áreas de
aburguesamento, o crescimento da participação desta forma de moradia cresceu 50%.
Nas áreas de “diversificação ascendente”, apesar de o crescimento ter sido
extraordinário (cinco vezes), a participação dos apartamentos ainda era pequena, em
1991 (5,4%).
TABELA 2
Região Metropolitana de Belo Horizonte
Distribuição do tipo de moradia por tipo de evolução socioespacial
1980 e 1991
1980 1991 Tipo de evolução socioespacial Casa Apartamento Casa Apartamento
Aburguesamento 81.1% 18.9% 70.6% 29.4%
Mais classes médias 95.8% 4.2% 85.5% 14.5% Diversificação ascendente 98.8% 1.2% 94.6% 5.4% Diversificação 98.8% 1.2% 96.4% 3.6% Proletarização 99.4% 0.6% 96.2% 3.8% Mais popular 99.6% 0.4% 97.6% 2.4%
Permanece 24 77.0% 23.0% 76.2% 23.8%
Fonte: IBGE, Censo Demográfico, 1991 – dados trabalhados.
24 Nas 43 UEH que permaneceram, em 1991, com o mesmo perfil sócio-espacial apresentado em 1980, 9 são do tipo superior (todos os existentes em 1980), 3 do tipo médio-superior (entre os onze existentes em 1980 - sete evoluíram para aburguesamento e uma para mais classes médias), 8 médios (as outras 7 evoluíram para aburguesamento), 5 operários (entre as 26 existentes em 1980 – 19 delas evoluíram para mais classes médias, quase todas se transformando em operário-superior), 9 operário e popular (entre as 32 existentes), 4 do tipo popular (entre as 9 existentes) e a unidade de tipo superior-polarizado.
28
As únicas áreas que não tiveram aumento da participação de apartamentos no total das
moradias foram aquelas que permaneceram, em 1991, com o mesmo tipo socioespacial
apresentado em 1980. À primeira vista, parece que a expansão dos apartamentos está
relacionada à substituição de grupos sociais nas diversas áreas onde houve
transformações socioespaciais25. Fundamentalmente, parece que a expansão deste
mercado está associada ao espraiamento das classes médias e superiores pelo espaço
peri-central metropolitano, isto é, as áreas de aburguesamento e de transformação para
mais classes médias.
Em síntese, o mercado capitalista de provisão de moradias expandiu-se nas áreas que
sofreram transformações socioespaciais decorrentes da entrada de grupos socialmente
superiores – áreas de aburguesamento e de mudanças para mais classes médias –, e
também nos espaços superiores e médio-superiores que não sofreram mudanças
socioespaciais na década.
Além da conjuntura mais geral, conjunturas urbanas locais, vinculadas à modificação do
mapa social da cidade podem contribuir para refazer os limites espaciais do mercado.
Em meados da década de oitenta surgiu uma conjuntura mais favorável no nível
nacional26 - o “Plano Cruzado” e, no nível local em 1985, a revisão da primeira lei de
ocupação e uso do solo de Belo Horizonte, criada em 1976, com alterações que
resultaram na maior permissividade de uso e maior potencial construtivo nas áreas
centrais e peri-centrais de Belo Horizonte. O resultado foi um significativo crescimento
do mercado de incorporação e construção de apartamentos. Outros fatores podem ser
levantados para explicar essa expansão destacando-se, em primeiro lugar, a enorme
concentração nas áreas mais centrais, encarecendo o solo e provocando mudanças no
seu uso27. Em segundo lugar, como vimos, obras viárias possibilitaram novas
acessibilidades, não apenas na Zona Sul como, principalmente, na sua periferia
25 Em Mendonça (2002) pode-se ver mais detalhadamente os resultados da mobilidade residencial na RMBH na década de 1980. 26 “O ‘Plano Cruzado’ faz aumentar extraordinariamente a demanda por moradias. Por um lado, porque aumentam os salários, solvabilizando a demanda; por outro, porque aumenta a procura de moradias como reserva de valor, na falta de outro ativo confiável” (Ribeiro, 1997:318). 27 A legislação urbanística contribuiu para esta concentração – para maiores detalhes sobre este processo ver Mendonça (2000).
29
imediata, a oeste e noroeste28 - tratam-se de ações estatais que funcionam como
mecanismos de alterações na distribuição dos recursos urbanos e, consequentemente, na
hierarquia de preços do solo.
A atividade imobiliária tem estratégias diferenciadas de captação do sobrelucro,
dependendo do segmento de atuação. A produção capitalista concorrencial busca captar
o máximo de renda diferencial, através da alteração do uso e da ocupação do solo. Os
preços neste segmento são regulados pelas condições gerais de produção, e há um papel
menos destacado da localização na formação do sobrelucro. Neste sentido, o setor vai
pressionar pela ampliação dos limites da legislação urbanística, com elevação dos
parâmetros de ocupação e de uso.
A produção monopolista, por outro lado, depende da diferenciação dos imóveis. Assim,
a observação do padrão de acabamento pode ser indício desse tipo de produção29. Neste
caso, os apartamentos de padrão luxo ou alto são tomados como representativos desse
mercado – é importante ressaltar que não apenas o padrão é importante para distinguir
esse segmento de mercado, mas também as condições de localização, diferenciadas real
ou simbolicamente.
Em Belo Horizonte, o mercado monopolista apresentou extraordinária expansão durante
a década de oitenta. Mais de 80% dos apartamentos de padrão luxo e alto, existentes em
1991, foram construídos durante os anos oitenta – ver TAB. 3. Nos demais padrões, a
maior produção é anterior a 1980. Isto pode ser explicado pela indisponibilidade de
crédito, ou seja, o mercado imobiliário se volta para os segmentos de luxo capaz de se
manter com recursos próprios.
28 Pode-se citar, como exemplo, abertura, alargamento e prolongamento de avenidas nos anos setenta e oitenta como Uruguai, Bandeirantes, Guaicuí, Francisco Sá, Pedro II, Renascença, Silva Lobo, Barão Homem de Melo, Atlântica, Américo Vespúcio, Petrolina, Via do Minério, Via Expressa Leste-Oeste, Dom Pedro I, além de obras de melhorias de acessibilidade, como o complexo de viadutos da Lagoinha e as trincheiras da Av. Raja Gabaglia e da Rua Rio Grande do Norte. 29 Possível a partir da observação do Cadastro do IPTU, onde cada unidade residencial é pontuada segundo o tipo de revestimento, de esquadria, de piso, forro, áreas e equipamentos complementares (“equipamentos residenciais” e “equipamentos gerais”). São fator de elevação da pontuação revestimentos de granito, de pedras especiais, metálicos e de vidro, esquadrias de madeira trabalhada, pisos de granito, metálicos e especiais, forro metálico e de fibrocimento e três ou mais vagas de garagem. A soma da pontuação corresponde ao padrão – luxo, alto, normal, baixo e popular –, o qual, por sua vez, corresponde a um preço de construção por metro quadrado, referenciado em tabela do Sinduscon-Sindicato das Indústrias de Construção.
30
TABELA 3
Distribuição dos apartamentos por período de construção
segundo o padrão de acabamento
Padrão do Imóvel Apartamentos construídos até
1979
Apartamentos construídos de 1980 a 1991
Total
Luxo 18.4% 81.6% 100.0% Alto 19.1% 80.9% 100.0% Normal 52.6% 47.4% 100.0% Baixo 58.3% 41.7% 100.0% Popular 63.2% 36.8% 100.0% Total 53.7% 46.3% 100.0%
Fonte: Prefeitura de Belo Horizonte, Cadastro do IPTU – dados trabalhados
Naqueles anos, anunciou-se a expansão do segmento monopolista para fora de Belo
Horizonte, processo que se intensificaria no final dos anos noventa.
4.3 Anos noventa: expansão do mercado monopolista
A partir dos anos 90, o que se percebe é uma nítida opção do mercado imobiliário pelos
compradores que possuem recursos próprios, em face às limitações do Sistema
Financeiro de Habitação. Em novembro de 2006 o Instituto de Pesquisas
Administrativas – IPEAD/MG registra um percentual de 77,98% dos empreendimentos
em comercialização com origem em recursos próprios. Nesse processo, aprofunda-se a
desigualdade na apropriação do solo urbano na região. Entre 1990 e 2006, o número de
apartamentos em Belo Horizonte mais que dobrou (de 115.362 para 242.383), segundo
o cadastro do IPTU (GOMES, 2007, p. 15). A produção de apartamento de luxo foi o
dobro da produção de apartamentos de padrão popular (respectivamente 5.894 e 2.435).
A evolução da estrutura socioespacial metropolitana na década de noventa consolidou a
concentração das elites na chamada zona sul da capital e em sua expansão na direção sul
o contínuo espraiamento dos grupos médios pelos espaços peri-centrais de Belo
Horizonte, incluindo áreas localizadas no chamado eixo industrial da RMBH30.
30 Para análise mais detalhada da estrutura socioespacial da RMBH na década de 1990, ver Mendonça, 2008.
31
FIGURA 6 - Região Metropolitana de Belo Horizonte Estrutura socioespacial em 2000 (Unidades Espaciais Homogêneas e Municípios) Elaborado por: MENDONÇA, Jupira Gomes de.
32
Esse quadro é resultado de transformações ocorridas na estrutura socioespacial, que têm
se constituído, de modo geral, de processos de mudança ascendente de forma centrífuga
no território. Na década de 1990, chamam a atenção, em primeiro lugar, o processo de
elitização do eixo industrial, a sudoeste da região metropolitana – regiões do Barreiro e
Califórnia, em Belo Horizonte, e sua continuidade em direção a Contagem e Betim (ver
FIG. 6). São regiões onde diminui a concentração de trabalhadores (embora estes sejam
ainda predominantes) e aumenta a concentração de grupos médios, com participação
também de profissionais de nível superior. Com evolução também semelhante
encontram-se os municípios de Brumadinho, Mateus Leme e Juatuba. O primeiro está
situado no chamado eixo sul de expansão de Belo Horizonte, onde têm se implantado
loteamentos fechados para grupos de alta renda, particularmente nas proximidades da
BR-040. Os dois últimos encontram-se no eixo industrial, onde os demais municípios
também apresentaram alterações ascendentes, em geral acompanhadas de forte
diminuição da participação dos operários industriais na composição da população
ocupada, com o crescimento da participação dos trabalhadores do setor terciário,
destacando-se os prestadores de serviços especializados e de serviços auxiliares.
As favelas da zona sul de Belo Horizonte e do eixo industrial, também apresentaram
alterações ascendentes na estrutura social, com maior participação de operários e menor
participação de categorias populares (prestadores de serviços não especializados e
trabalhadores da construção civil).31
31 A oeste do município, a implantação do Centro de Arte Contemporânea de Inhotim (CACI), de expressiva importância no cenário nacional, provavelmente tem atraído também novas formas de produção do espaço urbano.
33
FIGURA 7 – Transformações na estrutura socioespacial – 1991-2000
30
quilômetros
150
Tipologia de evolução1991-2000
ABURGUESAMENTOASCENDENTE COM MAIS CLASSES MÉDIASDIVERSIFICAÇÃO ASCENDENTEDESCENDENTE COM MAIS CLASSES MÉDIASDIVERSIFICAÇÃOPROLETARIZAÇÃOPERMANECENÃO ERAM DA RMBH EM 1991
Elaborado por: MENDONÇA, Jupira Gomes de.
A nordeste e a noroeste de Belo Horizonte encontram-se também áreas,
predominantemente operárias e populares, de diversificação ascendente. Na região
imediatamente a norte do pólo metropolitano encontram-se os municípios que
historicamente configuram o padrão de periferia precária: Ribeirão das Neves e
Vespasiano, somando-se a eles a região de General Carneiro, a oeste do município de
Sabará. Nessas áreas, houve mudanças na composição social, sem alteração, entretanto,
da configuração popular e operária. Trata-se de uma diversificação de áreas operárias e
populares, onde a alteração vai na direção da terciarização, com diminuição da
participação dos operários industriais e aumento da participação dos prestadores de
serviços, especializados e não especializados.
Em Belo Horizonte, permanece o movimento de elitização das áreas imediatamente
periféricas à Área Central10 e da Pampulha.
34
No nível macro, pode-se dizer que se aprofunda o padrão centro-periférico dos
processos de segregação socioespacial, com tendências à concentração dos grupos mais
populares na periferia norte e a concentração dos grupos superiores na hierarquia social
na região centro-sul. Observam-se, ainda, os seguintes movimentos gerais:
a) Manteve-se o processo, já presente na década de 1980, de urbanização das periferias,
com diminuição da participação dos trabalhadores agrícolas;
b) Intensificou-se a alteração na composição sócio-ocupacional, em direção à
terciarização, com forte diminuição da participação dos trabalhadores da indústria no
conjunto da população ocupada.
c) Belo Horizonte mantém-se como lócus dos grupos dirigentes e intelectuais de alta
renda.
Tabela 4
Região Metropolitana de Belo Horizonte Distribuição do tipo de moradia* por tipo de evolução socioespacial
1991 e 2000
Tipo de evolução 1991 2000 socioespacial Casa Apartamento Casa Apartamento Aburguesamento 83,6% 16,4% 67,0% 23,0% Ascendente com mais classes médias 88,5% 11,5% 86,4% 13,6% Descendente com mais classes médias 64,0% 36,0% 53,0% 47,0% Diversificação 96,8% 3,2% 94,2% 5,8% Diversificação ascendente 95,0% 5,0% 95,8% 4,2% Permanece 74,6% 25,4% 71,2% 28,8% Proletarização 99,6% 0,4% 98,3% 1,7% Num. absolutos 676.212 139.655 820.394 198.512
(*) Excluídos os cômodos, que representam 0,7% do total de domicílios da RMBH Fonte: IBGE, Censo Demográfico, 2000 – dados trabalhados por Mariana Maia Martins Esse processo teve rebatimento na dinâmica imobiliária: de um lado, pela intensa
produção de apartamentos e casas em toda a RMBH (ver TAB. 4), principalmente em
Belo Horizonte; de outro, pela intensificação da produção de loteamentos fechados no
eixo sul de expansão metropolitana, com destaque para Nova Lima. Trata-se da venda
de um novo modelo cultural, que vai orientar a escolha de alguns grupos sociais
superiores, valorizando o contato com a natureza, a tranqüilidade e a segurança do
acesso controlado através de portaria. A particularidade desse novo modelo na Região
35
Metropolitana de Belo Horizonte é a sua centralidade física: ao contrário de regiões
como São Paulo, onde os condomínios surgem em áreas periféricas e caracterizadas
pela moradia de trabalhadores, aqui a sua proximidade com a área central é muito
grande32 e sua implantação ocorreu basicamente em território contíguo aos espaços de
moradia dos grupos de alta renda na capital. Trata-se de áreas localizadas a sul da região
metropolitana33, no eixo da rodovia BR-040, que segue para o Rio de Janeiro34. A
produção desse tipo de loteamento não é recente: até 1990 havia, no município de Nova
Lima, 26 loteamentos cuja área média dos lotes era superior a 1.500 m2, enquanto nos
anos noventa foram produzidos 8 loteamentos com essa característica. “A década de
1980 havia marcado o início da transformação dos loteamentos destinados ao lazer de
fins de semana em loteamentos de moradia definitiva, ocupados então em grande
medida por profissionais liberais pertencentes aos estratos de renda média alta, que os
vêem como uma alternativa de fuga dos “males da cidade”” (REZENDE; COSTA,
2006, p. 453)35. Quanto mais próximos à zona sul de Belo Horizonte, mais
intensamente ocupados se tornaram os condomínios de Nova Lima.
Aprovado em 1998, o Condomínio Alphaville Lagoa dos Ingleses inaugura um novo
conceito, em relação aos condomínios existentes, com a presença de comércio e de
serviços. “Com estratégia semelhante àquelas utilizadas em shopping centers, o
empreendimento contou com “âncoras”, ou seja, estabelecimentos de renome que dão
suporte ao conjunto, a saber: o Minas Tênis Náutico Clube, a Fundação Dom Cabral e o
Colégio Pitágoras, posteriormente substituído pelo Colégio Marista” (REZENDE;
COSTA, 2006, p. 454-5). Entretanto, segundo Ariano Cavalcanti, presidente da Câmara
do mercado imobiliário de MG, o Alphaville foi um grande sucesso de vendas em sua
primeira fase, mas um grande fracasso de marketing nas etapas posteriores, pois sua
ocupação não se deu como era esperado36. O alto índice de investidores que adquiriram
32 A viagem entre a região dos chamados condomínios e o Centro de Belo Horizonte é realizado em um tempo médio de trinta minutos, em veículo auto-motor. 33 Os condomínios implantados nas áreas periféricas a norte tinham, e ainda têm, a conotação de sítios de recreio, lugar de lazer nos fins de semana – ver Souza e Teixeira (1999). 34 Para a análise do processo de formação dessa particular forma de produção do espaço, ver, entre outros, COSTA et. al. (2006), ANDRADE (2003) e MENDONÇA e PERPÉTUO (2006). 35 Nas décadas de 1980 e 1990, a área exterior à sede do município de Nova Lima cresceu a taxas próximas de 6% ao ano. 36 Ariano acredita que o fracasso do empreendimento se deve a vários fatores como a distância do centro, a precariedade do sistema viário que, por ser passagem obrigatória de caminhões de minério, sofre rápida deterioração. Segundo ele o Alphaville é viável e irá adquirir vida própria depois que BH 2 (Belo
36
os terrenos no lançamento à espera de sua valorização também explica, em parte, o
fracasso do empreendimento, ou seja, parece que a grande maioria de compradores não
tinha como intenção a ocupação dos lotes, sugerindo retenção com fins de especulação.
Em Belo Horizonte, consolida-se a concentração do segmento monopolista em alguns
bairros da Área Central e da Zona Sul (destacam-se os bairros Lourdes, Santo
Agostinho e Funcionários), com intenso processo de substituição do parque imobiliário
antigo. São projetos diferenciados que apresentam novos tipos de serviços de lazer,
além de tecnologia de ponta e segurança, além de grande área por unidade residencial37.
“A mudança qualitativa não é meramente nos serviços e confortos que tais imóveis em
si oferecem, mas nos preços milionários que atingem, na grande valorização imediata
dos terrenos ao seu redor tão logo são anunciados (os chamados “efeitos de vizinhança”
que vão se diluindo à medida em que aumentam as distâncias)”(GOMES, 2007, p.14).
Importante registrar que os resultados apresentados pelo mercado imobiliário estão
diretamente ligados à nova Lei de uso e ocupação do solo38 de 1996 que, apesar de já
estar em sintonia com os novos preceitos da Constituição de 1988 - como a busca da
função social da propriedade e da cidade – ainda se mostrou “pouco eficaz para intervir
na histórica tendência do mercado imobiliário de Belo Horizonte”. (COTA; MOL,
2008, p.245).
Isto significa que os novos zoneamentos, baseados em critérios de adensamento,
continuam a estimular o mercado para os segmentos de alta renda – ZA (zonas
adensadas e, portanto sujeitas a diminuição dos coeficientes de aproveitamento) e
ZCBH (zona central de Belo Horizonte, com altos índices de adensamento). No caso da
ZA, o que se percebeu na prática foi uma retração no numero de projetos aprovados em
relação ao período anterior, na medida em que os coeficientes de aproveitamento foram
reduzidos. Entretanto, através de estratégias do mercado e de uma exceção da Lei, para
lotes com área superior a 800m² e testada superior a 20m, o CA aumenta para 2, o que
acaba por incentivar a junção de lotes para se obter as condições necessárias para o
melhor aproveitamento, e assim promover o adensamento dessas áreas. A ZCBH, Horizonte compreendida do Ponteio adiante) estiver realmente consolidada, mas acredita que antes dele o Jardim Canadá “decola”. 37 Para a concentração do segmento monopolista do mercado imobiliário em Belo Horizonte, ver Mol (2004). 38 Lei No 7166/96 (LUOS) e No 7165/96 (Plano Diretor), posteriormente revisadas no ano 2000 – Lei No 8137/00.
37
apesar de apresentar alto nível de saturação, permanece como a área de melhor potencial
construtivo em função do CA mais permissivo e das áreas não computadas para efeito
de cálculo de área líquida (varandas, garagens, etc) (COTA; MOL, 2008).
Ainda que de modo menos expressivo, a LUOS 7166/96 contribuiu para a abertura de
novas frentes de ocupação do território, com a implantação das ZAPs (zonas de
adensamento preferencial) em bairros que atendem aos segmentos de média e baixa
renda. Assim, o que se percebe é que a implantação de infra-estrutura urbana associado
à legislação urbanística (ambos de responsabilidade do Estado) continuam a definir o
tipo de ocupação do território em BH, ou seja, ZA e ZCBH para os segmentos de renda
média e alta e ZAP para os segmentos de média e baixa renda.
A FIG. 8 permite visualizar a correlação entre a produção imobiliária de apartamentos e
as obras viárias no município de Belo Horizonte, em diferentes períodos – 1976, 1985 e
1996, anos marcados pela aprovação de novas leis de uso e ocupação do solo.
38
FIGURA 8 – Apartamentos construídos e obras estruturantes em Belo Horizonte. Fonte: COSTA, C., 2006, p. 17
39
4.4 Anos 2000: uma nova polarização do mercado capitalista de provisão de
moradias
A Região Metropolitana de Belo Horizonte inaugura o século XXI, com uma estrutura
socioespacial profundamente desigual, e a prevalência, no nível macro, do padrão
centro-periférico, reforçado pela expansão do segmento monopolista em décadas
anteriores, nas áreas centrais. O mercado imobiliário toma um fôlego e chega a produzir
11.380 unidades de apartamentos em Belo Horizonte no ano de 2001, índice bem
próximo dos números de 1981/1982 (11.032 e 17.034 unidades respectivamente).
Entretanto, logo em seguida há um desaquecimento e estes números despencam para
apenas 2.756 unidades em 200539 (GOMES, 2007).
A partir de 2004, com a implementação de dois marcos regulatórios importantes, há
uma alteração significativa no mercado imobiliário nacional: a Resolução 3.177 de abril
de 200440, e a promulgação da Lei 10.931 de agosto de 2004, que instituiu o Patrimônio
de Afetação41. O volume de recursos alocados no mercado aumenta
significativamente42 (ver GRAF. 1) devido à retomada do crédito pelos agentes que
integram o SBPE (Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo), o que insere o
mercado imobiliário em um novo ciclo de crescimento. Com mais segurança, os agentes
financeiros passam a oferecer vantagens tais como prazos melhores, com menores taxas
de juros e maior percentual financiado por imóvel (cerca de 80% do valor do imóvel).
Estas vantagens viabilizam o crédito para um numero maior de usuários, ampliando o
acesso ao mercado imobiliário. Segundo o SBPE, foram financiadas 195.900 unidades
em 2007, contra apenas 28.900 unidades em 2002, em todo o Brasil.
39 Dados da pesquisa elaborada pela Gerência de Tributos Imobiliários da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, cuja fonte é o lançamento do IPTU de maio/2006. Referem-se a apartamentos prontos e, portanto iniciados em anos anteriores. Já a pesquisa elaborada pelo IPEAD para a Câmara do Mercado Imobiliário, aponta números bem diferentes uma vez que trabalham com dados do ITBI, ou seja, referem-se ao numero de transações efetuadas no ano (não se referem necessariamente a unidades residenciais prontas), e que o IPTU só vai registrar posteriormente. 40 Esta resolução institui a exigibilidade para aplicação de recursos da poupança em financiamentos habitacionais. 41 Os empreendimentos construídos sob este regime não respondem por dívidas tributárias do incorporador, com orçamento e contabilidade próprios, o que oferece mais garantias aos clientes. 42 Há portanto, um aumento da ordem de 680% no volume dos investimentos – de 289, milhões de Reais em 2002 para 195,9 milhões em 2007.
40
GRÁFICO 1 – Financiamento imobiliário – SPBE Fonte: Banco Central do Brasil e ABECIP in SNIC <http://www.snic.org.br/pdf/relat2007-8web.pdf>
A recuperação da renda real do cidadão devido à estabilidade econômica do país,
também contribui para o aumento significativo da demanda solúvel. Associado a maior
oferta de crédito e com uma legislação que disponibiliza mais zonas de verticalização na
cidade, o mercado imobiliário na RMBH também reage positivamente em busca das
perdas por tantos anos de desaquecimento. A construção civil também responde em
movimento ascendente, através de um maior numero de contratações e de consumo de
materiais.
Segundo Ariano Cavalcanti de Paula, presidente da Câmara do mercado imobiliário de
Minas Gerais (CMI), “é natural esse reaquecimento, pois o mercado imobiliário ficou
20 anos parado, pagando o rombo que o BNH deixou, sem política habitacional em todo
o Brasil. O mercado se autofinanciava, com as construtoras funcionando como “bancos”
para seus clientes. Nem todas as construtoras podiam financiar seus clientes, assim, o
mercado ficou muito pequeno e cresceu pouco em face do tamanho do país”. E
continua, “apenas o mercado voltado para o segmento de alta renda se manteve sem
abalos em todo o período, exatamente porque trabalha com recursos próprios”.
Em outros momentos da história vimos, repetidamente, o capital alternar suas
preferências: ora se aproveitava o aquecimento do mercado imobiliário, ora se apostava
nas altas taxas de juros do mercado financeiro. No momento atual, entretanto, o quadro
que se delineia é bem diferente: o capital imobiliário e o capital financeiro se unem no
41
sentido de aproveitar o momento favorável. Diversas empresas ligadas a construção
civil fizeram IPO43 desde o ano passado, obtendo elevados volumes de recursos no
lançamento de suas ações, pois os investidores nacionais e estrangeiros também
identificaram este promissor ciclo de investimentos.
Entretanto, passada a euforia inicial, inclusive de fusões e aquisições44, há empresas que
valem hoje bem menos do que valiam no momento da abertura do capital, algumas são
incorporadas por grupos maiores45, e outras resolvem vender seu land bank46, em busca
de capitalização. Em suma, um novo tipo de negócio, que merece uma investigação
posterior, se delineia no cenário financeiro, sugerindo novos caminhos para o mercado
imobiliário, no que diz respeito aos ganhos de capital. Interessa-nos aqui, apenas
identificar os seus desdobramentos na estruturação socioespacial das cidades.
A nova lógica é: grandes grupos lançam grandes empreendimentos, a fim de garantir
ganhos em escala. Segundo o economista José Pereira Gonçalves, em matéria publicada
na revista Construção & Mercado: negócios de incorporação e construção47, o mercado
aponta para um déficit habitacional significativo nos segmentos de média e baixa renda,
ou seja, empreendimentos que envolvem muitas unidades e grandes áreas para
implantação.
Assim, a dinâmica imobiliária empresarial se configura, nesta década, com um novo
padrão de desigualdade: de um lado, o segmento monopolista, cuja produção tem um
perfil específico - grandes áreas construídas e altos preços (chegando a cerca de
R$5.000,00 por metro quadrado, em 2006) – na região centro-sul da cidade e no vetor
sul da RMBH e de outro lado, o segmento concorrencial de renda média-baixa, se
expande cada vez mais nos municípios vizinhos a norte e oeste, de Belo Horizonte.
Dos 2.435 apartamentos de luxo construídos depois de 1990, 83% estão situados na
região constituída pelos bairros Santo Agostinho, Lourdes e Funcionários (incluindo a
43 IPO é uma sigla para a expressão Initial Public Offering que significa a abertura do capital de uma empresa no mercado acionário. Grosso modo, a empresa é avaliada, divide esse valor em ações e disponibiliza uma parte na bolsa de valores para serem vendidas, e assim capitalizar. 44 Em Belo Horizonte, por exemplo, foi criada a MASB (união das empresas mineiras Sta Bárbara, Alicerce e Metro – pertencente ao grupo Asamar); 45 É o caso da Construtora Tenda, que foi integrada à Fit Residencial Empreendimentos Imobiliários, uma divisão da GAFISA de S. Paulo, também focada no segmento de construção de habitações para segmentos de média e baixa renda (FOLHA de 02/09/2008, p.B7) 46 Termo utilizado para o “banco de terras” das grandes incorporadoras. 47 Publicada em agosto/2008, pela editora PINI.
42
Savassi) com limites na Av. do Contorno, Timbiras e Av. Afonso Pena e a confluência
desta com a Av. do Contorno (GOMES, 2007); mais da metade destes apartamentos têm
área igual ou superior a 300 m2.
À produção imobiliária belo-horizontina, acresce-se a altíssima intensidade com que são
implantados novos empreendimentos em Nova Lima. No entorno das Seis Pistas, na
região dos Bairros Vila da Serra e Vale do Sereno, mais de 500 novas unidades
habitacionais estão em fase de implantação ou foram recentemente aprovadas na
Prefeitura de Nova Lima, quase todas em edificações verticais. Segundo informações
de empresários que atuam na região, se somados todos os empreendimentos
recentemente lançados ou em fase de lançamento, aprovados ou em fase de aprovação
no município, estima-se uma projeção de cerca de 4.700 novas unidades residenciais em
curto prazo.
Segundo a arquiteta Virgínia Maura Jardim da Silveira Borges, da Secretaria de
planejamento do município de Nova Lima, foram aprovados, de 1991 para cá,
aproximadamente 190 novos empreendimentos, dos quais 50 apenas nos últimos doze
meses:
Esta ocupação mudou o perfil da cidade, já que antes as construções eram destinadas, em sua maioria, às residências unifamiliares (nos condomínios de recreio). Este crescimento dividiu o município em dois núcleos distintos: o centro com características de interior e o dos Bairros Vale do Sereno e Vila da Serra (conhecido como 6 pistas) que passou a ser um prolongamento de Belo Horizonte. Um terceiro núcleo está surgindo na região de Alphaville e Jardim Canadá.
O adensamento excessivo da região centro-sul e seu conseqüente esgotamento
deslocaram o segmento monopolista para a região do Belvedere, que se encontra no
limite com o município de Nova Lima. Assim, segundo Ariano Cavalcanti48, “o
transbordo natural se daria pela Serra do Curral, ficando claro, há muitos anos, que
aquele seria o vetor de ocupação para o segmento de renda alta”. E continua,
“Nessa região há dois grandes proprietários de terras que, sabendo disso, retiveram suas propriedades por mais de 50 anos, até que se valorizassem suficientemente. Esses terrenos estão onde se localizam hoje os bairros Vila da Serra e Vale do Sereno. O último está sendo hoje reurbanizado, sofrendo readequações (já que sua aprovação data de quase 60 anos atrás) como alargamento de ruas. Essas adequações estão sendo feitas com recurso dos próprios incorporadores”.
48 Presidente da CMI, em entrevista concedida à autora.
43
A região de Nova Lima, até então tradicional reduto dos condomínios de recreio para
população de renda média-alta, vem se configurando como o novo “canteiro de obras”
da RMBH para o segmento monopolista, inclusive introduzindo novos padrões de
empreendimentos. A novidade são os grandes loteamentos fechados, com diversidade
de usos e de tipologia arquitetônica, incluindo edifícios verticais. O primeiro destes foi
o Vale dos Cristais, em processo de implantação desde o início dos anos 2000 pela
Odebrecht Empreendimentos Imobiliários, em parceria com a Anglogold (empresa de
mineração, proprietária das terras)49.
Outras parcerias foram feitas no intuito de se aproveitar a expansão do vetor sul. São
fusões entre grupos tradicionais mineiros e grandes companhias paulistas e cariocas,
como a Even Brisa e a Inpar. Esta última com lançamentos na região do Alphaville,
cujo perfil se assemelha aos empreendimentos que fez na Barra da Tijuca, no Rio de
Janeiro, ou seja, padrão diversificado (casas e apartamentos) para classe média e média
alta.
Essas novas formas de ocupação e uso do espaço, que passaram a ocorrer com maior
intensidade desde os anos noventa, na divisa entre Belo Horizonte e Nova Lima,
conhecida como Seis Pistas50, caracterizam-se, em primeiro lugar, por configurar um
espaço contíguo à área central de Belo Horizonte, lugar preferencial de residência da
população de alto poder aquisitivo e alta qualificação. Em segundo lugar, no que diz
respeito à mobilidade residencial de parte da elite dirigente para esses espaços, pode-se
afirmar que se trata de um fenômeno que atinge parcela muito pequena desta população
(apenas 1,4% dos dirigentes da RMBH residem nas áreas caracterizadas pelos
condomínios de Nova Lima). As alterações na estrutura socioespacial metropolitana têm
consolidado o distanciamento físico entre ricos e pobres, estes últimos continuamente
empurrados para as periferias mais distantes, a norte, noroeste e oeste.
É o caso de Ribeirão das Neves, município a noroeste de Belo Horizonte, o mais
sacrificado na década de 70 pelo conjunto de carências ali observadas: falta de infra-
49 Segundo Ariano Cavalcanti, para se falar de Nova Lima hoje é necessário conhecer o que será o empreendimento Vale dos Cristais que, quando implantado, mudará por inteiro as características da região. Para ele, foi justamente a posse de aproximadamente 70% das terras do município de Nova Lima por parte das mineradoras que permitiu a “preservação” (grifo meu) da região para esse momento de expansão imobiliária. 50 Trata-se de região que apresentou grande crescimento comercial e de serviços, a partir de incentivos fiscais concedidos pela Prefeitura de Nova Lima, surgindo como uma importante centralidade do terciário avançado no início da década de 2000.
44
estrutura, ilegalidade dos loteamentos e alto índice de adensamento da população de
baixa-renda, “deslocadas” das zonas urbanas de Belo Horizonte.
Apesar das novas exigências da atual legislação municipal51, estão tramitando na
Prefeitura cerca de 3 empreendimentos da Probase, com média de 36 unidades cada e 2
da Tenda, além de um da Passos com 528 unidades habitacionais, esse último em obras.
A tipologia dessas edificações é, predominantemente de conjuntos verticais com 04
pavimentos52 e área de aproximadamente 45m² por unidade. Uma nova tipologia está
sendo lançada no município pela Construtora Probase, são os condomínios horizontais
em grande escala (50 unidades em média), com o mesmo padrão dos condomínios
verticais, ou seja, unidades residenciais de aproximadamente 45 m², para população cuja
renda está entre 3 e 6 salários mínimos. Até então o que se praticava na região era a
implantação de, no máximo 3 casas, em terrenos reduzidos, pelo pequeno construtor.
Assim, a julgar pelas características que definem este tipo de produto, maior
concentração de unidades residenciais em áreas também maiores, é previsível uma
dispersão urbana nas grandes metrópoles, pois, as áreas centrais já não dispõem de
terras com este perfil, o que provoca a expansão desses empreendimentos para áreas
cada vez mais distantes.
Isto explica a expansão do vetor oeste da RMBH em busca de novas oportunidades para
a provisão do mercado de terras, como suporte aos grandes empreendimentos para o
segmento de média-baixa renda. Identificamos esse novo padrão do segmento
concorrencial atuando em municípios, até bem pouco tempo de tipologia basicamente
51 Segundo José Mateus Costa - Superintendente de Regulação Urbana da Prefeitura municipal de Ribeirão das Neves e Jane Marcelino Amaral – arquiteta da Prefeitura, com a Lei municipal 012/97 o empreendedor passa a ser o responsável pela execução da infra-estrutura necessária aos seus empreendimentos, devendo concluí-la antes da expedição do Habite-se. O empreendedor também deve apresentar laudo de viabilidade de atendimento das concessionárias de Água/Esgoto e Luz para os empreendimentos com mais de 16 unidades, além de repassar 2,5% do seu valor à Prefeitura. Estas ações visam dificultar a implantação de empreendimentos que tragam ônus para o município, além de conter a crescente taxa de migrações decorrentes dos grandes condomínios. 52 Segundo os técnicos da prefeitura, os prédios que compõem os conjuntos têm normalmente 4 pavimentos (devido à limitação feita pela Lei do Uso do Solo) e os apartamentos têm em média 45m². Anteriormente à criação da LUOS, a construtora Tenda fazia prédios de até 6 pavimentos sem elevador, nos quais a entrada se localizava no centro da edificação, descendo e subindo três andares a partir do patamar central. Agora já não é mais possível aprovar esta tipologia.
45
rural, tais como Sarzedo53 , Juatuba e Mateus Leme, todos dentro do vetor oeste da
RMBH, cuja expansão tinha alcançado até então, apenas Contagem e Betim .
Contagem foi a pioneira no segmento concorrencial de renda média-baixa. Hoje se
encontram em tramitação na prefeitura local estudos da empresa MRV, com previsão de
implantação de cerca de 11.000 novas unidades residenciais em curto prazo. O perfil
desses empreendimentos, também é: grande densidade construtiva, com cerca de 100
unidades residenciais cada um, e área média de aproximadamente 55 m² por unidade.
Como estratégia de venda, os projetos reproduzem fatores criados pelo mercado
monopolista, como áreas de lazer, salão de jogos, espaço gourmet, fitness, etc. Também
atuam em Contagem as construtoras Tenda e Probase, sendo a última com sede no
próprio município.
Segundo o arquiteto Eustáquio Tito da Prefeitura de Betim, estão hoje em aprovação no
município, 5 projetos de conjuntos habitacionais, cujo perfil não se difere de Contagem:
“predominam os conjuntos habitacionais (com roupagem de condomínios verticais),
com mais de 100 unidades habitacionais e apartamentos entre 50 e 70m², com dois ou
três quartos. Geralmente são edifícios de quatro pavimentos por bloco com quatro
unidades por pavimento e uma vaga por unidade, além de espaços de uso comum para
lazer e festas e portaria/guarita”.
Betim, diferentemente de Ribeirão das Neves, já dispõe de legislação urbanística desde
1969, por isso sua ocupação foi mais ordenada. Até hoje, para conter as “brechas” que a
legislação ainda deixou, criou-se uma comissão do Plano Diretor, que tem como uma
das atribuições analisar empreendimentos de impacto. Com isso, o ritmo de aprovações
diminuiu e começou-se a exigir compensações por parte dos empreendedores, segundo a
arquiteta Raquel Tomanik, da Secretaria de planejamento de Betim. Entretanto,
completa Raquel, a cidade vem se expandindo em direção às bordas, onde a legislação
ainda é mais permissiva: “locais onde sobraram áreas de 20 mil m² e 10 mil m². A
região dos Sítios da Baviera e Bairro Amoras são algumas das áreas que se enquadram
nessa definição”.
A preocupação com os impactos dos grandes empreendimentos, não só pelo aspecto
físico-ambiental, mas principalmente pelas conseqüências sociais, fez com que o 53 Estes municípios da RMBH estão distantes de Belo Horizonte, respectivamente: Sarzedo (30km), Juatuba (45km), Mateus Leme (60km), Contagem (21km) e Betim (30km).
46
município mapeasse os novos empreendimentos e aqueles em aprovação para “sentir” a
dimensão desse impacto. Uma análise nas demandas por transporte, saúde e educação
fez com que o município negasse a aprovação de alguns desses projetos.
5 CONCLUSÃO
A hipótese inicialmente levantada de que a organização socioespacial de Belo Horizonte
vem consolidando, ao longo de sua história, a segregação e a ocupação desigual do seu
território desde sua fundação, se comprova ao longo desse trabalho. A prevalência, no
nível macro (RMBH), continua a ser do padrão centro-periférico, com distanciamento
físico cada vez maior entre ricos e pobres, a partir da incorporação de espaços cada vez
mais distantes da sede, para onde são empurrados os segmentos de baixa renda.
Um agente importante na consolidação desse quadro continua a ser o Estado, através de
uma legislação incapaz de conter as ações perversas do mercado imobiliário, que avança
sempre em busca de novas frentes lucrativas no território metropolitano. Assim,
ampliam-se as áreas de abrangência dos segmentos monopolista e concorrencial no
âmbito da RMBH: o primeiro em busca das renovações dentro da região Centro-sul, ao
mesmo tempo em que abre novos caminhos em direção à Nova Lima e Brumadinho
(vetor sul). Por outro lado, o segmento concorrencial encontra possibilidades cada vez
maiores de expansão a norte e oeste da RMBH, inclusive alterando os antigos padrões
de residências para população de baixa renda, em busca de reproduzir nas antigas
periferias, elementos de identificação com a zona sul.
Belo Horizonte continua a ser o lugar preferencial da população de alto poder aquisitivo
e alta qualificação, enquanto as áreas mais periféricas vão absorvendo a população de
média e baixa renda, e com menor qualificação, num crescente distanciamento social.
Entretanto, a partir do reaquecimento da economia e da abertura de crédito, amplia-se o
acesso dessa população ao mercado imobiliário e novos eixos vão sendo incorporados
ao território, alterando significativamente a estrutura socioespacial da RMBH. Novos
padrões também são utilizados como estratégia do capital incorporador para captar esse
público, principalmente nos municípios a norte e oeste da RMBH. É visível, entretanto,
uma nova tipologia, cujos modelos apresentam ruptura com os antigos padrões de
conjuntos habitacionais, abrindo-se cada vez mais espaço para os empreendimentos que
buscam compensar as diferenças locacionais utilizando tipologias até então exclusivas
47
do mercado monopolista, tais como: espaço gourmet, fitness, portaria, fachadas
neoclássicas, áreas de lazer, etc.
A opção pelos condomínios horizontais é cada vez mais crescente, talvez por assimilar
uma tipologia mais próxima do imaginário desse público. Segundo informações da
Probase, os lançamentos são campeões de venda e, uma vez adquiridas, estas unidades
são entregues em até 90 dias, demonstrando a agilidade na produção54. Assim como nos
condomínios verticais, assimilam-se diferenciais do tipo áreas de lazer ou espaço
gourmet.
Por fim, sugere-se uma nova agenda de investigações que possa aprofundar o
esclarecimento sobre estes novos padrões construtivos do segmento concorrencial.
Esses novos modelos significam ou não ganhos qualitativas para a população residente?
Há uma alteração ascendente no padrão de moradia das nossas periferias. Podemos
ainda nos referir às nossas periferias nos mesmos moldes excludentes dos anos 70, ou
estas alterações já apontam na direção de áreas mais estruturadas, com dinâmicas
econômicas locais próprias capazes de absorver a mão-de-obra da região? Novos
núcleos urbanos menos polarizados estão configurando novas cidades?
54 Os fatores tempo e economia são fundamentais na produção das moradias de media e baixa renda.
48
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