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SEVÁ F, A.O e FERREIRA, A.L. – Parecer sobre o projeto de uma usina termelétrica de grande porte, a gás e a vapor, em Americana, SP, em maio de 2001. Contratante: Prefeitura Municipal de Americana/SEPLAMA.
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PARECER TÉCNICO RESPONDENDO A QUESITOS FORMULADOS PELA PREFEITURA MUNICIPAL DE AMERICANA SOBRE O
PROJETO DE UMA USINA TERMELÉTRICA DE GRANDE PORTE, A GÁS E A VAPOR, EM AMERICANA, SP, EM MAIO DE 2001.
VERSÃO COMPLETA, RE-EDITADA EM JULHO 2002
Autores:
Engenheiro Mecânico Arsênio Oswaldo SEVÁ Filho ( Professor do Departamento de Energia e da Área de Pós - graduação em Planejamento Energético,
Faculdade de Engenharia Mecânica, Unicamp, Campinas, SP )
Engenheiro Mecânico André Luis FERREIRA ( Professor do Curso de Especialização em Gestão Ambiental, Unicamp, Campinas
e do Curso de Engenharia Mecânica, Unimep, Santa Bárbara d’Oeste, SP )
SEVÁ F, A.O e FERREIRA, A.L. – Parecer sobre o projeto de uma usina termelétrica de grande porte, a gás e a vapor, em Americana, SP, em maio de 2001. Contratante: Prefeitura Municipal de Americana/SEPLAMA.
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APRESENTAÇÃO
Atendendo à solicitação do Secretário de Planejamento Controle e Meio Ambiente da Prefeitura
Municipal de Americana - PMA, Dr. Fernando Vaz Pupo, em oficio no. 021 de 26 .03. 2001, os
autores encaminharam em 29.03, proposta para elaborar parecer técnico acerca do Estudo de
Impacto Ambiental – EIA – da Usina de Geração de Energia Carioba II elaborado pela ERM e
encaminhado pela INTERGEN DO BRASIL à SMA- Secretaria de Meio Ambiente do Estado de
São Paulo. Com o acordo da PMA, em oficio no. 032 de 19.04.2001, foram respondidos três dos
quesitos formulados, conforme a estrutura do texto a seguir :
PARTE I : IMPACTOS NA QUALIDADE E DISPONIBILIDADE DE ÁGUA PARTE II : POLUIÇÃO ATMOSFÉRICA DECORRENTE DAS EMISSÕES GASOSAS PARTE III : PROBLEMAS DECORRENTES DOS RISCOS TÉCNICOS COLETIVOS
Conforme o acordado nas correspondências, a divulgação pública da íntegra deste parecer
será feita em comum acordo, no período de realização das Audiências Públicas já convocadas pela
SMA. A responsabilidade é exclusiva dos autores e não inclui, nem é compartilhada com qualquer
instituição ou entidade.
Os autores consideram que os EIAs devem ser avaliados tendo como referência básica a
Resolução 001/86 do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA:
Artigo 5: “O EIA...obedecerá às seguintes diretrizes gerais: I. contemplar todas as alternativas tecnológicas e de localização do projeto, confrontando-as com a hipótese de não execução do projeto”
Artigo 6: “O EIA desenvolverá, no mínimo as seguintes atividades técnicas: (...) II. Análise
dos impactos ambientais do projeto e de suas alternativas através da identificação, previsão da magnitude e interpretação da importância dos prováveis impactos, discriminando:
• Impactos positivos e negativos (benéficos e adversos), • Diretos e indiretos, • Imediatos e a médio e longo prazo; • Temporários e permanentes; • Seu grau de reversibilidade; • Suas propriedades cumulativas e sinérgicas; • A distribuição dos ônus e dos benefícios sociais
SEVÁ F, A.O e FERREIRA, A.L. – Parecer sobre o projeto de uma usina termelétrica de grande porte, a gás e a vapor, em Americana, SP, em maio de 2001. Contratante: Prefeitura Municipal de Americana/SEPLAMA.
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Além disto, em tempos de “globalização”, é fundamental que os processos de licenciamento
ambiental no Brasil sejam tratados, no mínimo, com o mesmo rigor verificado nas legislações,
diretrizes e acordos internacionais pertinentes. Por exemplo, a Diretiva Operacional O.D. 4.01 do
Banco Mundial sobre EIAs, (EAS UPDATE, dez. 96, Nro 17, WB) :
“A análise de alternativas no EIA destina-se a incorporar as considerações sociais e
ambientais em todas as etapas de planejamento de um investimento, desde a fase de identificação
do projeto, seleção dos locais e de tecnologias até as fases posteriores de implementação.
Na ausência de tal análise de alternativas, as decisões são tomadas apenas com base em
viabilidade técnica e econômica e em opções políticas. Neste caso, o EIA tende a ser direcionado
para apoiar ou reafirmar a proposta do projeto e, na melhor das hipóteses, se torna um exercício
de limitação de prejuízos, com os benefícios se resumindo à identificação de medidas de
mitigação”.
Como estudiosos e moradores da região, estamos conscientes de que há uma crise recorrente
de recursos hídricos e um agravamento geral da contaminação atmosférica, com situações sazonais
agudas.
Como pesquisadores na área de energia e meio ambiente, sabemos que existe disponível
uma grande variedade de tecnologias de geração elétrica (e mesmo de tecnologias para usinas a gás
e vapor, como o projeto em foco) e de sistemas de resfriamento; várias escalas e famílias de
tamanhos e configurações de usinas. Tais tecnologias, por sua vez, são adequadas ou não, mais ou
menos poluentes, mais ou menos arriscadas, dependendo das distintas situações geográficas,
hidrológicas e ambientais e sociais onde se pretende instalá-las.
Infelizmente, neste caso, a avaliação da adequação das diferentes possibilidades tecnológicas
e locacionais com vistas a ampliação da geração de eletricidade no Sistema Sudeste, não pode ser
incluída no escopo deste parecer. A decisão quanto à tecnologia, porte e localização, já estava
tomada a priori pelo empreendedor, antes da realização do EIA, ao contrário do que recomenda a
Resolução 001/86 do Conama.
Assim sendo, não caberia responsabilizar nenhuma prefeitura municipal, nem o Comitê
Gestor da bacia fluvial, nem a recém criada Região Metropolitana de Campinas, por problemas
atuais ou futuros no suprimento de energia elétrica.
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A Prefeitura de Americana , mesmo submetida a uma pressão considerável, tomou decisão
inédita e oportuna, de encomendar estudos independentes e definir o foco central de sua
preocupação : a qualidade de vida no município, a saúde do ar, dos rios, e dos cidadãos de hoje e de
amanhã.
Enfim, para delimitar o texto que se segue, os autores consideram que as repercussões
ambientais desse projeto seriam, na hipótese de sua implantação, tão relevantes quanto as
repercussões políticas e institucionais nos âmbitos municipal, intermunicipal, estadual e federal. No
entanto, tais comentários não foram mencionados nesse parecer e estão contidos em uma carta ao
Sr. Prefeito Municipal, encaminhada em separado e com caráter privativo.
Obs: na versão editada em julho de 2002, esta carta de encaminhamento está anexada ao final do
texto; e foram incorporadas as versões eletrônicas das imagens utilizadas, e as respectivas
referências de onde foram extraídas.
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PARTE I: IMPACTO NA DISPONIBILIDADE E QUALIDADE DA
ÁGUA
Qualquer máquina térmica, como é o caso por exemplo de uma usina termelétrica, opera sob
algumas contingências e restrições severas, sendo uma delas a baixa eficiência de conversão da
“energia contida” no gás natural em potência elétrica. As usinas mais recentes, que combinam os
ciclos Brayton (turbinas a gás) e Rankine (turbinas a vapor), quando operando adequadamente,
apresentam eficiência ligeiramente superior a 50%. Noutros termos, cerca de metade da energia
liberada na queima do combustível não é convertida em eletricidade, parte dela precisa ser
descartada para o meio ambiente na forma de calor. Uma grande parte da inevitável rejeição de
calor ocorre nos condensadores, com a ajuda de sistemas de resfriamento que utilizam a água ou o
ar como “fluido refrigerante”.
No projeto da Usina Carioba II, para a rejeição de calor no condensador foi proposto um
sistema de resfriamento a água, em circuito semi-aberto para a atmosfera, utilizando torre de
resfriamento evaporativa úmida. Tal tecnologia representa uma enorme pressão sobre os recursos
hídricos, devido à magnitude do volume captado e das perdas por evaporação, e ainda ao volume e
a qualidade dos efluentes descartados.
A figura 1, mostra uma usina termelétrica a gás, ciclo combinado, de 1200 MW; instalada
pela agência de geração de eletricidade da Tailândia – EGAT -, na região de Rayong. A figura tem
o propósito de dar ao leitor não especialista uma noção do porte da usina projetada para Americana,
já que a potência proposta também é 1200 MW. Diferentemente da usina de Americana, que
possui uma chaminé por módulo, a termelétrica de Rayong possui chaminés duplas: uma delas para
o caso de operar apenas em ciclo simples e a outra, localizada na caldeira de recuperação, para
operação em ciclo combinado.
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Usina Termelétrica de Rayong, 1200 MW com oito turbinas a gás , e respectivas caldeiras de recuperação, turbinas a vapor, com torres de resfriamento semi-abertas (canto inferior esquerdo). Opera na base do sistema elétrico da Tailândia.
Utilização de resfriamento por torres úmidas em usinas termelétricas
• Representam um uso consuntivo de água muito elevado, pois a maior parte do que é captado (mais de
70%) é evaporada na torre, necessitando-se uma reposição contínua que compete com outros usos sociais.
Assim, não é raro a imposição de restrições à instalação de torres úmidas em regiões desérticas, semi-áridas,
ou em bacias fluviais com problemas de abastecimento ou tendência à escassez.
• Dependendo da temperatura e da umidade do ar, as torres de resfriamento do tipo úmido podem
formar neblinas com plumas de vapor d’água de alguns quilômetros de comprimento a partir da usina. Em
alguns países se tem se reportado danos sobre a vegetação nos arredores das torres de resfriamento, causada
pela utilização de anticorrosivos (OLADE, 1993).
• Devido às perdas por evaporação que ocorrem na torres úmidas, os sais de Ca, Mg, Na, CO3, HCO3, e
SO4, presentes naturalmente na água, aumentam suas concentrações no líquido recirculante. Para evitar
incrustrações, é necessário retirar constantemente uma quantidade de água, conhecida como descarga de
fundo de torre, cujo conteúdo de sólidos dissolvidos é da ordem de 3 vezes o conteúdo da água captada,
podendo chegar a dezenas de toneladas por dia, dependendo do porte da usina (OLADE, 1993).
SEVÁ F, A.O e FERREIRA, A.L. – Parecer sobre o projeto de uma usina termelétrica de grande porte, a gás e a vapor, em Americana, SP, em maio de 2001. Contratante: Prefeitura Municipal de Americana/SEPLAMA.
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Como a projetada usina, de 1200 MW, é de grande porte – bem acima da capacidade média
das termelétricas a gás natural instaladas no mundo e a maior do Brasil, é impossível não
reconhecer que a pressão sobre os recursos hídricos da região, mais especificamente o rio
Piracicaba, será bastante considerável, caso seja instalada.
As figuras 2a e 2b , a seguir, mostram torres de resfriamento, tipo úmida em operação na
Indústria de Celulose e Papel Ripasa em Limeira-SP, com a formação da pluma de vapor, que
representa um enorme uso consuntivo de água (Fotos: André Ferreira – julho/2000).
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Captação de água proposta no projeto da usina termelétrica
• A captação média proposta é de 1288 m3/h (360 l/s) e, na condição máxima, é de 1485 m3/h
(412 l/s). Considerando-se um consumo de 250 l/dia/pessoa, seria água suficiente para suprir
as necessidades básicas de 140 mil habitantes.
• Se instalada, a usina estaria entre as 4 maiores captações industriais da bacia do rio
Piracicaba, inferior apenas às vazões de captação da Rhodia, da Ripasa e da Replan, de acordo
com os dados fornecidos no anexo 2 do EIA.
• Representaria um incremento de 10 a 14% na demanda industrial da sub-bacia do Alto
Piracicaba (considerando todo o parque industrial instalado nos municípios de
Americana, Santa Bárbara D’Oeste, Limeira, Piracicaba, Sumaré, Nova Odessa e
Hortolândia). Fonte de dados: Relatório “Zero”, HIDROPLAN e Relatório de Situação 1996.
Evaporação de água proposta no projeto da usina termelétrica
• Em condições médias, a evaporação de água nas torres de resfriamento projetadas seria de
1069 m3/h (297 l/s), o que representa uma perda de 83% da vazão captada. Noutros
termos, seria devolvido ao rio Piracicaba 17% do que foi retirado. Adotando-se o mesmo
raciocínio do box anterior, conclui-se que as perdas de água seriam suficientes para o
abastecimento de 101 mil habitantes.
• Se instalada, a usina se tornaria o terceiro maior uso consuntivo de água da bacia do rio
Piracicaba, abaixo apenas da Rhodia e da Ripasa, de acordo com os dados fornecidos no
anexo 2 do EIA.
Para efeitos comparativos, a figura abaixo mostra as propostas de captação e perdas de água, em
condições médias, de alguns projetos recentes de usinas termelétricas em nossa região. Os dados
brutos foram extraídos dos EIAs de Carioba II, da TPP (Paulínia) e do RAP da termelétrica Bom
Jardim, Jundiaí). Vale registrar que os projetos de Paulínia e Jundiaí encontraram forte resistência
da população e, até onde se tem notícia, o licenciamento está paralisado.
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9
0
50
100
150
200
250
300
350
400
(l/s
)
Captação Perdas
Captação 360 294 189
Perdas 297 220 143
Carioba II Bom Jardim TPP
Elaboração própria (FERREIRA, 2001)
Descarte de efluentes proposto no projeto da usina termelétrica
• De acordo com o EIA seriam descartados 219 m3/h (61 l/s) de efluentes, os quais seriam
enviados por tubulação para serem tratados na ETE de Americana. Tal volume de efluentes estaria
entre as 10 maiores descargas industriais da bacia do Piracicaba, de acordo com o anexo 2 do
EIA.
• Além da alta concentração de sais, os efluentes líquidos gerados em usinas desse tipo
também contém contaminantes decorrentes do uso de desmineralizadores, lubrificantes, cloro,
biocidas e outros produtos químicos usados para gerenciar a qualidade da água nas torres de
resfriamento. O conhecimento das vazões e concentrações destes contaminantes é imprescindível
para determinar qual o tratamento a ser empregado na estação de tratamento de despejos industriais
(ETDI), que deveria ser construída especialmente para esse fim.
Ver a seguir, figura 3 “Arranjo possível de fluxos líquidos entre o sistema municipal de esgoto, o
rio Piracicaba e uma hipotética usina termelétrica...”
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Inserção de uma usina termelétrica de grande porte numa região com problemas críticos de qualidade e disponibilidade de água
O Grupo Técnico de Planejamento do Comitê Coordenador do Plano Estadual de Recursos
Hídricos - CORHI – estabeleceu como critério que: devem ser consideradas críticas as bacias
hidrográficas que apresentem demandas superiores a 50% da vazão mínima de referência – Q7,10.
(Vazão natural mínima observada durante sete dias consecutivos e período de retorno de 10 anos).
Baseando-se no Cadastro de Usuários do Departamento de Águas e Energia Elétrica da
Secretaria de Recursos Hídricos, Saneamento e Obras – DAEE/SRHSO -, o Relatório de Situação
dos Recursos Hídricos da UGRHI 5 (Relatório Zero) apresenta um confronto
demanda/disponibilidade, na forma de Q7,10., concluindo que nas nove sub-bacias consideradas -
Baixo Piracicaba, Alto Piracicaba, Corumbataí, Baixo Jaguari, Camanducaia, Alto Jaguari, Atibaia,
Capivari e Jundiaí – a situação deve ser considerada crítica. As piores situações foram verificadas
nas sub-bacias do Baixo Jaguari e do Alto Piracicaba (grafico abaixo); justamente onde o consórcio
Intergen/Shell/CPFL pretende instalar a usina.
Grafico – Balanço Demanda X Disponibilidade (Q7,10)de água nas bacias dos rios Piracicaba,
Capivari e Jundiaí
2 , 0 2
1 , 6 6 1 , 6 3
1 , 3 8 1 , 3 5 1 , 2 91 , 1 7
0 , 8 0
0 , 5 6 0 , 5
0 , 0 0
0 , 5 0
1 , 0 0
1 , 5 0
2 , 0 0
2 , 5 0
Baixo J
ag
Alto Pi
ra
Capivar
í
Jundia
í
Baixo P
ir
Alto Ja
g
Atibaia
Camand
Corumb
CORHI
Dem
/Q7,
10
Quanto à qualidade, a situação não é diferente. O CORHI estabeleceu níveis de criticidade
para análise da qualidade dos corpos d’água, tomando por base a Taxa de Diluição Média – TDM –
das cargas poluidoras em relação às vazões mínimas.
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“A situação extremamente crítica em que se encontra a UGRHI ficou evidenciada com o
elevado valor da TDM (65,7 mg/l), enquadrando-se no mais alto nível de contaminação. A pior
situação registrou-se na sub-bacia do alto Piracicaba, onde se registrou uma das mais altas taxas
do Estado de São Paulo (280,14 mg/l)”.[[Relatório “Zero”]]
Tal constatação não deveria surpreender. Além de receber as águas de péssima qualidade do
rio Atibaia , ribeirões Quilombo, Tatú e Toledos, e de outros córregos em ambas as margens,
existem diversas instalações onde ocorrem eventos que podem aumentar ou diminuir a vazão
resultante para o rio e/ou sua qualidade: as captações, as perdas e as descargas da Ripasa na margem
direita, idem da Usina “velha” de Carioba e das unidades da FIBRA e da DEGUSSA na margem
esquerda.
Geração de empregos x uso de água
Além do abastecimento público, a disponibilidade de água, em quantidade e qualidade
adequadas, também é essencial para a continuidade das atividades produtivas. Neste sentido, é
razoável afirmar que a água é um elemento essencial para a geração de empregos
Numa região com conflitos relacionados ao uso da água, como é o caso da bacia do rio
Piracicaba, o bom senso aponta para a necessidade de “selecionar” criteriosamente as oportunidades
de investimentos, de maneira a evitar aqueles que utilizam grande quantidade de água sem uma
correspondente geração de empregos, sob pena de comprometer a sustentabilidade futura da região.
Uma avaliação rigorosa da usina projetada para Americana deve levar em conta esse
aspecto. Para uma geração de 50 empregos diretos, o empreendedor propõe uma captação de até
412 l/s de água. Isto significa que, para a geração de um emprego direto, o projeto da usina
demanda 8,2 l/s. O atual parque industrial instalado na sub-bacia do Alto Piracicaba (Americana,
Santa Bárbara D’Oeste, Limeira, Piracicaba, Sumaré, Nova Odessa e Hortolândia) demanda uma vazão da
ordem de 3.000 l/s, para uma geração de 95.000 empregos (Fundação SEADE – SP). Utilizando o
mesmo raciocínio, para a geração de um emprego direto, a industria atualmente instalada
demanda 0,032 l/s.
Em termos do indicador “demanda de água por emprego gerado”, o parque industrial
atualmente instalado na sub-bacia do Alto Piracicaba é 250 vezes mais eficiente que o projeto
da usina termelétrica. Com o mesmo volume de água usado na usina (gerando 50 empregos),
este parque industrial gera mais de 12.500 empregos.
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Tal raciocínio não pode ser refutado sob o argumento de que a usina atrairia empregos
indiretos, pois o mesmo se aplicaria para as demais indústrias. Além disso, a geração de empregos
indiretos exigiria um suprimento adicional de água na região.
Assim, não deve haver dúvidas quanto a necessidade de uma avaliação mais rigorosa do que
a que foi apresentada no EIA, no que se refere à qualidade futura da região. A escassez de água
pode inibir investimentos mais adequados no futuro, que propiciariam, de fato, oportunidades de
trabalho para os cidadãos.
Vale lembrar que a usina, se aprovada, estará em operação, no mínimo por 25 a 30 anos, isto
é, até o ano 2031.
Alternativas tecnológicas para o uso de água em usinas termelétricas
Vários fabricantes de tecnologias de resfriamento para usinas termelétricas fornecem sistemas
que operam com circuito fechado de água de resfriamento, com “radiadores” chamados de torres
secas, evitando as perdas por evaporação. Em tais sistemas, a água de reposição, bem como a
descarga de efluentes são reduzidos significativamente, e cuidados especiais devem ser dirigidos
para o problema de ruído. É uma alternativa normalmente considerada em regiões onde o
abastecimento de água é um fator restritivo. Alguns exemplos:
• Ciclo combinado com cogeração de 615 MW, utilizando turbinas a gás GE (MS7001),
localizada em Linden (New Jersey-USA). Contribuiu para a alternativa adotada as restrições
geográficas e exigências ambientais por parte do órgão regulador de meio ambiente.
• Usina com ciclo combinado, capacidade de 1200 MW, em Humitabad (Turquia). Alternativa
adotada em função dos conflitos com a utilização de água para irrigação.
• Usina “Rye House” (719 MW) ciclo combinado, situada no Reino Unido, ao norte de Londres.
Utiliza um sistema de resfriamento a seco em função das restrições impostas à formação de
plumas na torre de resfriamento. Ver figura 4.
• Usina “King’s Lynn” (347 MW), ciclo combinado, no Reino Unido, em Norfolk. Ver figura 5.
• Usina “Herdersbrug” (460 MW), ciclo combinado, situada em Bruges, na Bélgica.
• Usina “Doswell” (664 MW), ciclo combinado, situada na Virgínia, USA. Ver figura 6.
• Usina “Enfield” (400 MW), ciclo combinado, situada no Reino Unido (River Lee) Ver figura 7.
• Usina termelétrica “Matimba”, a carvão, com 4.000 MW, na África do Sul. É a maior do
mundo utilizando torre seca. Ver figura 8.
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Figura 4. Usina “Rye House” (719 MW), Reino Unido, ciclo combinado, torre de resfriamento seca. Dry air cooling solves GTCC siting problems. Modern Power Systems, jun 1993, pp39-43.
Figura 5 - Usina “King’s Lynn” (347 MW), Norfolk, Reino Unido. ROBERTS,R.; BALLING, L.; WOLT,E. & FRANKLE,M. The King's Lynn Power Station. The Introduction of the Advanced Single-Shaft Concept into the IPP Market. SIEMENS AG. Germany, 1997.
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Figura 6 – Usina da Doswell LP, Virgínia – EUA. Projeto Fluor Daniel, quatro turbinas a gás Siemens V84.2, Caldeiras de recuperação de tripla pressão e queima complementar, duas turbinas a vapor ABB, com potência total de 664 MW.
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Figura 7 – Usina Enfield, Reino Unido, ciclo combinado com uma turbina a gás GT26 e uma turbina a vapor, sistema de condensação a ar (à direita). SMITH, D.; "Enfield Energy Centre GT26 first to 265 MWe". Modern Power Systems, april 2000, pp.35-37
Figura 8 .Usina Matimba, Africa do Sul, 4000 MW com seis caldeiras a Carvão Mineral, e turbinas a vapor. À esquerda, o sistema de condensação a ar, o maior do mundo. GOLDSCHAGG, H. "Wind of change at Eskom's Matimba plant". Modern Power Systems, january 1999, pp.43-45.
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O sistema de resfriamento adotado no EIA
• O EIA apresenta superficialmente apenas um tipo específico de torre seca, operada com
ventilação natural, sem a descrição técnica necessária para uma avaliação balizada. O estudo afirma
que a captação de água na alternativa torre seca seria de 540 m3/h (150 l/s). Tal valor é distinto do
usualmente considerado, que aponta para uma redução de até 8 vezes na água utilizada quando
torres secas são utilizadas, o que significaria uma captação de, no máximo, 200 m3/h (55 l/s) (
Gallo, 1997). Tais divergências de informação não podem ser esclarecidas, dada a insuficiência dos
dados e, portanto, dos argumentos apresentados no EIA. A situação crítica da bacia do rio
Piracicaba exige uma avaliação mais rigorosa e transparente, do que a apresentada no EIA, e que
permita a aferição dos números e fluxos por outros especialistas, pela SMA e pelo Conselho
Estadual de Meio Ambiente - CONSEMA.
• A existência de várias plantas com tecnologias e configurações distintas deste projeto,
operando em diversos países (conforme mostrado nas figuras 4 a 8), por si só justificaria a análise
criteriosa da alternativa torre seca, incluindo eventuais medidas mitigadoras adequadas a este caso.
• O empreendedor afirma que os ganhos, em termos de custo e eficiência, proporcionados pela
adoção da torre úmida, viabilizarão as medidas mitigadoras que, levarão a “um aumento de
disponibilidade de recursos hídricos na seção de Carioba, aumento esse que pode chegar, a médio
prazo, a cinco vezes a demanda do empreendimento”. Os benefícios que o EIA aponta em
decorrência das propostas mitigadoras do empreendedor não são demonstrados objetivamente. As
propostas não estão acompanhadas de informações técnicas, econômico - financeiras e jurídicas,
transparentes e detalhadas a respeito das diferentes alternativas de resfriamento, nem a respeito da
utilização compartilhada da ETE de Americana (captação e descarte de efluentes), nem a respeito
da ampliação ( um metro na altura da lâmina d’ água), e da operação do reservatório de Salto
Grande, e do mencionado “programa de redução das perdas nos sistemas de distribuição”.
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Compatibilização entre as informações contidas no EIA e no RAP
O projeto de 945 MW apresentado no RAP indica, na condição de média anual, uma
captação de 1246 m3/h (346 l/s). No EIA, com uma potência adicional de 255 MW no ciclo de
vapor - que demanda ainda mais água de resfriamento -, a captação proposta mantém-se
praticamente a mesma: 1288 m3/h (358 l/s).
• Na condição média anual as perdas de água apontadas no RAP (945 MW) representam 66%
da água captada, enquanto no EIA (1200 MW), aponta-se para uma perda de 83% da vazão captada.
• A vazão média de efluentes reduziu de 116 l/s no projeto de 945 MW (RAP) para 61 l/s, no
projeto de 1200 MW (EIA).
Houve uma determinação da SMA no termo de referência para elaboração deste EIA, para “
apresentar, em especial, os balanços de água na planta do empreendimento”. Para que qualquer
especialista, inclusive os da SMA pudessem realizar a análise correta, em termos de engenharia,
seria necessário que o EIA explicitasse as vazões correspondentes aos diversos fluxos, no interior
da planta, de tratamento de água desmineralizada, de purgas de caldeira, de purgas na torre, de
evaporação, em várias condições operacionais e em distintas situações atmosféricas locais. Pela
nossa leitura do EIA, tal determinação não foi atendida.
Utilização da ETE de Americana
O projeto inicialmente previa a captação de água bruta diretamente no rio Piracicaba. Após
a elaboração do EIA, apareceu formalmente uma proposta diferente desta, e que significaria utilizar
o sistema municipal de águas e esgotos de Americana como fonte de abastecimento principal de
água para a usina e como local principal de despejo de seus efluentes .
Do ponto de vista do rio Piracicaba, as duas concepções são idênticas: seja uma vazão do
esgoto tratado da ETE, que cairia no rio segundos após, seja a mesma vazão retirada diretamente do
rio, alguns metros ou um km abaixo, o fato é que haveria uma perda evaporativa superior a 80 %,
que é uma perda absoluta e permanente do rio, e portanto uma redução também absoluta e
permanente, da disponibilidade de água neste trecho.
De toda forma, a usina teria efluentes a tratar, inclusive a água suja concentrada das torres,
as purgas de caldeiras, vasos, canalizações, etc. numa vazão de 219 l/ s . Esta massa líquida é o que
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sobrou do fluxo anteriormente desviado da ETE do DAE para uso na usina, e que deveria ser tratada
numa ETDI especificada.
No EIA não constam elementos técnicos, nem mesmo um ante-projeto deste tratamento,
nem ao menos a indicação clara da localização prevista. A exigência mínima neste caso seria a
apresentação de um projeto de instalação de uma ETDI da usina, em separado e de um outro
projeto, supondo modificações operacionais e ampliações físicas na atual ETE municipal. Sem isto,
permanecemos no campo da incerteza.
Com relação à mencionada mudança no regime de operação do reservatório de Salto Grande
no rio Atibaia, os autores consideram que uma decisão de tal envergadura e repercussão em, pelo
menos, três municípios, não poderia estar incluída no processo de licenciamento da usina
termelétrica, nem de qualquer outro empreendimento isolado. Em defesa dos direitos dos usuários,
públicos e privados, dos rios e da represa, o estabelecimento de critérios operacionais para a
regularização do reservatório de Salto Grande deve ter um encaminhamento próprio, iniciado pela
operadora da hidrelétrica, submetendo a SMA um outro estudo de impactos sociais e ambientais
específicos, prevendo-se um espaço de discussões mais abrangente e plural do que aquele
proporcionado por este processo de licenciamento.
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PARTE II: POLUIÇÃO ATMOSFÉRICA DEVIDO A EMISSÃO DE GASES
Na atmosfera de Americana, já estão presentes os efeitos de milhares de processos de
combustão ali mesmo ocorridos e nas vizinhanças com Nova Odessa e Santa Bárbara: combustão
em equipamentos fixos, algumas grandes indústrias e uma usina térmica, e em muitas pequenas e
médias caldeiras e fornos, e dos moto - geradores e moto–compressores, além das combustão em
fontes móveis, os motores de veículos e máquinas rodantes, correspondentes a um tráfego não
desprezível na área urbana e com períodos intensos nas duas principais rodovias que a cortam e em
suas vias de acesso.
Além disso, existem massas de ar já poluídas ou de chuva já poluída que passam em
Americana trazendo os mesmos tipos de poluentes ou seus novos compostos químicos provenientes
de outros processos de combustão em regiões próximas, p.ex. uma parte do tempo vindo de
Hortolândia, Sumaré , Monte- Mor, ou, o mais frequente, ventos vindo da área norte de Campinas,
de Paulínia, de Jaguariúna e de Cosmópolis; e, outra parte do tempo, vindo da direção de Limeira, e
Araras, e vindo da direção de Santa Bárbara e Piracicaba.
Os poluentes liberados nos processos de combustão - monóxido de carbono (CO), dióxido
de carbono (CO2), dióxido de enxofre (SO2), material particulado (MP), óxidos de nitrogênio (NOx)
e hidrocarbonetos (HC) – estão na origem de vários impactos na saúde pública e no meio ambiente.
No caso dos óxidos de nitrogênio, emitidos em grandes quantidades durante a operação de
turbinas a gás, depois que são lançados pela chaminé podem ter reações secundárias e terciárias
com outros compostos presentes no seu trajeto pela atmosfera, levando à formação de ozônio e à
chuva ácida. A figura 9 mostra uma turbina a gás GE, da mesma faixa de potência das 4 que se
pretende instalar em Americana.
Óxidos de nitrogênio, formação de ozônio e saúde pública
Sob a ação da luz solar, especialmente entre o final da manhã e meio da tarde e durante a
primavera e o verão, os óxidos de nitrogênio podem participar de uma complexa cadeia de reações
com outros compostos presentes no ar, fundamentalmente os hidrocarbonetos, dando origem a
vários outros poluentes na baixa atmosfera, como os peroxi-acetil –nitratos e o ozônio (O3).
Este coquetel de poluentes já identificado em várias metrópoles no mundo, em pontos
conhecidos de São Paulo como Congonhas e Ibirapuera, em Cubatão, no ABC paulista, nas regiões
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de Curitiba e Belo Horizonte e em Paulínia, começa apenas a ser acompanhado por estudiosos e
órgãos ambientais.
Existem inúmeros estudos já realizados em vários países que tratam dos efeitos dos
poluentes atmosféricos na saúde humana e no meio ambiente de forma geral. A esse respeito
convém consultar, entre outras fontes, a Agência de Proteção Ambiental dos EUA
(www.epa.gov). No caso do ozônio e dos óxidos de nitrogênio, estes efeitos são reconhecidos
pela própria CETESB: “A presença de oxidantes fotoquímicos na atmosfera tem sido associada à
redução de capacidade pulmonar e ao agravamento de doenças respiratórias, como a asma.
Estudos realizados em animais mostram que o ozônio causa o envelhecimento precoce, provoca
danos na estrutura pulmonar e diminui a capacidade de resistir às infecções respiratórias.
Mesmo pessoas saudáveis, como os atletas, têm se mostrado sensíveis aos efeitos do ozônio pela
diminuição da capacidade de executar exercícios físicos. Quanto aos óxidos de nitrogênio, são
capazes de penetrar profundamente no sistema respiratório, podendo dar origem às
nitrosaminas, algumas das quais podem ser carcinogênicas. O dióxido de nitrogênio é também
um poderoso irritante, podendo conduzir a sintomas que lembram aqueles da enfisema”.
[CETESB: Relatório Anual de Qualidade do Ar,1997, pg. 12-13]
O padrão de referência da concentração máxima de ozônio mais segura para a nossa saúde
está estabelecido na legislação ambiental brasileira como sendo de 160 microgramas por m3 de ar.
Este valor tem sido crescentemente ultrapassado em vários locais de medição, inclusive na região
de Campinas e Paulínia.
“Bom” ozônio e “Mau” ozônio
O “bom” ozônio ocorre naturalmente na alta atmosfera da Terra – estratosfera-, formando uma
camada protetora – a “camada de ozônio” - contra a ação dos raios solares ultravioleta que afetam a
saúde do homem. O “mau” ozônio não ocorre naturalmente (pelo menos em concentrações
significativas), sendo formado na baixa atmosfera, próximo ao nível do solo, pelas reações
envolvendo o NOx.
Assim, é preciso diferenciar sempre o ozônio produzido por tais reações, que pode se espalhar
pela baixa atmosfera e ser, então, respirado pelo homem, do ozônio existente na estratosfera, acima
dos 30 km de altitude e cuja concentração pode ser associada à maior ou menor retenção dos raios
ultravioletas do sol (UV-B).
Ver figura 10: “Fluxos de emissões de 11 compostos resultantes da queima de hidrocarbonetos”
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Figura 9 – Turbina a gás GE Potência 150 MW
Figura 10
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Óxidos de nitrogênio, dióxido de enxofre e chuva ácida
O dióxido de nitrogênio, assim como o dióxido de enxofre, também pode reagir com o
vapor d’água presente na atmosfera e precipitar na terra na forma de chuva ácida. As emissões nas
chaminés da futura usina se somariam aos teores destes gases já existentes na atmosfera e, parte
deles poderia reagir em seguida, com o vapor d’água contido na umidade “natural” do ar da região,
que pode ser baixa nos nossos períodos críticos de secura - 20 a 30 % - mas que será mais alta nas
madrugadas e alvoradas e bem mais alta nos dias chuvosos da primavera e do verão.
Além disso, no caso do projeto em foco, se implantado, as plumas de vapor formadas a
partir das “bocas” das quatro torres de resfriamento, provocariam o aumento do teor de umidade na
atmosfera local, podendo favorecer uma maior taxa de formação de ácido sulfúrico H2SO4 e ácido
nítrico (HNO3).
Solúveis e ionizáveis na água, os ácidos são transportados e caem junto com as chuvas, a
garoa, o orvalho, as geadas, e com as névoas e neblinas das baixadas e calhas dos rios maiores. A
terra e os cursos d’água podem receber, em cada km quadrado, mais algumas toneladas diárias de
íons H +, que aumentam a acidez, mais os íons SO4 – - , sulfatos, que em geral não são
benéficos; mais os íons NO3 - , nitratos, que até um certo ponto fertilizam o solo e as águas, mas
que podem nitrificar em excesso, eutrofizar rios, açudes e represas, induzindo proliferação de algas
e planctons, e infestações de capim, aguapés e alface d’água.
A persistência da acidificação do solo e da água de irrigação leva a necessidade de corrigir a
acidez, tamponá-la com adição de calcário. Porém, quando a acidez aumenta, também as plantas
perdem mais nutrientes, e os metais pesados em pequenas proporções são mais solubilizados na
água. Um exemplo importante dos impactos da chuva ácida em várias regiões do mundo é a acidez
nos lagos e nos solos, que torna solúveis pequenas quantidades de metais pesados contidos nos
sedimentos e na terra, e alguns destes metais reativos entram na cadeia orgânica, por intermédio da
formação de compostos organo-metálicos, num processo conhecido como bio-metilação de metais
pesados, com sua acumulação nas células de micro-organismos.
A possibilidade de introdução de uma grande fonte de combustão e
emanações na região
A vazão de combustível queimado em uma usina termelétrica deste tipo, a gás e a vapor, não
está determinada automaticamente por sua potência elétrica total, pois depende exatamente da
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combinação que se faça entre: * turbinar gases quentes nas turbinas a combustível, * aproveitar
estes gases na caldeira , e ou * queimar ainda mais combustível na caldeira, e * turbinar mais ou
menos vapor nas turbinas a vapor.
Numa usina do tipo proposto para Americana, a potência elétrica de 1.200. 000 kilowatts só
pode ser atingida se for queimada uma vazão total de combustível da ordem de 164 toneladas por
hora, em oito pontos de queima, ou seja , nas quatro turbinas a gás, e nos queimadores das 4
caldeiras de recuperação (chamada queima suplementar ou p´s-queima). Este volume de queima
colocaria a hipotética usina em Americana, nos primeiros lugares do “ ranking” brasileiro.
Entretanto, qualquer que fosse o tamanho e o tipo de usina, o fato é que ela seria localizada
ao lado de outros focos de poluentes, também de grande porte: duas grandes fontes fixas ( a Fibra/
Fibra Dupont e a usina térmica Carioba velha, da CPFL, ambas queimando óleo grosso ATE, e a
primeira delas se preparando para converter parcialmente para o gás ).
Num raio de poucos quilômetros, existem também: os odores ácidos da ETE municipal e do
esgoto remanescente do rio Quilombo, as fumaças, vapores e emanações da Ripasa, a fumaça das
caldeiras dos galpões da velha tecelagem em Carioba, mais as caldeiras da Good Year, da Polyenka,
mais longe um pouco, as fontes de poluição da Santista, da Papirus, da Ajinomoto...todas
localizadas no quadrante a Leste, para Sudeste e Nordeste do local escolhido.
A dimensão prática dos efeitos, das consequências, de se introduzir este volume de queima de
gás, na hipótese de sua concretização, seria simplesmente a maior possível na região.
Queima de combustível prevista pelo projeto
É prevista pelo EIA uma queima de até 164 toneladas/hora de gás natural quando estiver operando a
plena carga; no entanto, podemos supor que os valores sejam superiores, até próximo de 200
toneladas por hora, ( se consideramos a vazão máxima do ramal do gasoduto de ligação com o
Gasbol , que é prevista para 6.400.000 metros cúbicos de gás por dia, com uma densidade média de
750 gramas de gás por metro cúbico ). De qualquer forma, a projetada usina seria um dos maiores
focos individuais de queima de combustíveis fósseis de todo o Brasil e, certamente, o maior de
toda a região. Basta dizer que as indústrias de Paulínia queimam, no conjunto, cerca de 159
toneladas/hora de combustíveis, e a REPLAN responde por uma queima da ordem de 100
toneladas/hora de óleos e gases residuais, além de gás natural. Ver no quadro a seguir, alguns
grandes focos de queima de combustível fóssil no Brasil.
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[”Estudo do Impacto Ambiental das Fontes Industriais de Poluição do Ar no Município de Paulínia - S.P. empregando o Modelo ICST3” Daniela Clemente, Tese de Mestrado, Faculdade de Eng. Química – UNICAMP, 2000].
Alguns grandes FOCOS DE QUEIMA CONCENTRADA de combustível fóssil
EXISTENTES # a empresa principal do polo quimico de Capuava, SP, a PQU queima 900 t/ dia de nafta residual e gás residual do seu processo, e de óleo viscoso da RECAP. # o complexo quimico RHODIA, em Paulínia, queima cerca de 450 a 500 toneladas / dia de oleo residual viscoso, além de gás residual da REPLAN e resíduos próprios.
PROJETADOS
# os maiores projetos de UTE a gás em SP, CCBS, Cubatão, 950 MW; CARIOBA-II, Americana, 1.200 MW, prevêm queimar vazões na faixa de 4 mil toneladas / dia de GN # projeto de “piche-elétrica” com lavador de amônia para recuperação de enxofre, COFEPAR, em Araucária, PR, 650 MW prevê queimar3.500 t / dia de OC/ RV mais aproximadamente 140 t/ dia de gases residuais # projeto UEG Araucária , PR, 480 MW , a gás, prevê queimar cerca de 1.800 toneladas / dia de GN. # projeto Rolls Royce para co-geração 250 MW , em Capuava, na PQU preve passar a queimar 2.500 toneladas / dia de GN # projeto Energyworks na RHODIA Paulinia prevê queimar cerca de 900 toneladas / dia de GN
Emissões de compostos pelas chaminés
O Estudo de Impacto Ambiental – EIA, apresenta na pag. 86, vol I , uma lista de emissões de gases
na saída de cada chaminé, em gramas por segundo. Os valores abaixo significam a saída total nas 4
chaminés:
• 4372 kg/dia de NO2 (Obs: sem especificar se isto equivale ou não a todas as emissões possíveis do composto N2O e também do óxido NO )
• 2117 kg/dia de CO (Obs: sem especificar a emissão de gas carbônico CO2 )
• 1363 kg/dia de material particulado (fumaça , sem qualquer menção à sua composição química )
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• 962 kg/dia de SO2 (Obs: sem especificar se o teor de enxofre do gás seria resultado de análises de laboratório em amostras do gás atualmente despachado pelo GasBol, ou se seria a simples aplicação do teor especificado pela ANP).
Nas modelagens de poluição, o EIA utiliza o dado de 126 kg diários de Hidrocarbonetos emitidos
pelas chaminés. Nas usinas, os HC além de serem expulsos pelas chaminés como combustível não
queimado, emanam, evaporam em vários pontos do circuito. Em nenhum momento há menção de
taxas de emanação de hidrocarbonetos, ( metanos e compostos orgânicos voláteis) , que é um dos
itens mais importantes na mensuração dos gases – estufa, quando se analisa a indústria do petróleo e
do gás natural ( International Panel on Climate Change, Greenhouse Gas Inventory, vol 3, 1995 , pg 1- 108 )
Emissões de óxidos de nitrogênio (NOx) previstas
Se concretizado o projeto, aí estaria uma das principais fontes individuais de emissões de poluentes
atmosféricos do Estado de São Paulo e a segunda maior fonte NOx da bacia do Piracicaba, sendo
superada apenas pela REPLAN. As emissões de 50,6 g/s previstas no EIA equivaleriam a quase
30% das emissões conjuntas de todas as indústrias instaladas em Paulínia, que atualmente são
da ordem de 180 g/s. Se consideradas as demais fontes de poluentes atmosféricos já existentes, com
a instalação de Carioba II, é provável que a região de Americana entre para o rol das áreas com
atmosfera mais poluída do Estado de São Paulo, ao lado de Cubatão, Paulínia e a Capital.
Para completar a visão básica dos efeitos hipotéticos deste foco de poluição sobre a atmosfera local
e regional, temos que acrescentar nestes fluxos já identificados, necessariamente outros fluxos :
# as emanações de Hidrocarbonetos do sistema de gasoduto, recepção, medição, filtragem e vaso-
pulmão com vent atmosférico, usuais, mais os vazamentos anormais e acidentais, e eventuais
emanações do manuseio de condensado e de bacias e tanques de tratamento de água e de efluentes
da usina.
# uma grande emissão de vapor d’água, , que pode também estar contaminado com resíduos
quimicos , nas Torres de Resfriamento, que seria da ordem de 1.500 toneladas/ hora.
# emissão de gás dióxido de carbono estimada por nós acima de 10 mil toneladas / dia, e as somas
exatas dependeriam muito das proporções entre CH4 e demais hidrocarbonetos com 2, 3,4 e mais
carbonos que não forem recuperados como condensado, antes da queima.
SEVÁ F, A.O e FERREIRA, A.L. – Parecer sobre o projeto de uma usina termelétrica de grande porte, a gás e a vapor, em Americana, SP, em maio de 2001. Contratante: Prefeitura Municipal de Americana/SEPLAMA.
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Além disto, o N2O, os NOx e os HC, incluindo o próprio metano não queimado, e o
metano e outros HC emanados, todos são gases que também contribuem para o aumento do efeito
estufa e das mudanças climáticas associadas. (IPCC).
A poluição atmosférica , segundo o EIA
• O EIA sequer cita a possibilidade da formação de ozônio e chuva ácida, apesar da
existência de evidências científicas inquestionáveis em todo o mundo acerca problema e sua relação
com o NOx. O próprio empreendedor admite que a metodologia adotada na avaliação da qualidade
do ar não permite tratar destes poluentes: “Nos modelos utilizados não são introduzidas correções
referentes aos processos de transformação de poluentes por reações químicas e processos físicos
na atmosfera (...) Os modelos não podem ser usados para poluentes reativos ou secundários” [EIA,
Vol. III, pg.63].
• Não se trata de questionar o modelo de dispersão adotado mas, sim, o fato do empreendedor
ignorar a possibilidade da formação de ozônio e da precipitação ácida, não apresentando estudos
complementares a esse respeito. Como são consideráveis os esforços realizados por parte do poder
público para enfrentar o problema do ozônio e da chuva ácida nos EUA - país onde está sediada a
Intergen, um dos sócios do projeto, e também na Holanda, e no Reino Unido, sedes da Shell; os
empreendedores revelam um duplo padrão de comportamento, ao não levar em conta, no
Brasil, preocupações relevantes em seu país de origem.
• O empreendedor não levou em conta os seguintes tópicos do Termo de Referência elaborado
pela Secretaria do Meio Ambiente para realização do EIA: “Para o caso específico do O3, deve ser
efetuada uma análise do impacto do empreendimento relativa as emissões de NOx e HC (não
metano) estimando-as em relação ao emitido na área de influência. Além disso, deve ser
apresentada uma análise do potencial na formação de ozônio, na região, em decorrência das
emissões de NOx e HC do empreendimento"
• Ao não levar em conta os efeitos na formação do ozônio, a área de influência considerada no
EIA é inadequada, visto que os efeitos desse poluente podem ser sentidos a dezenas de quilômetros
do ponto de emissão de NOX, envolvendo municípios como Piracicaba, Limeira, Paulínia, e Santa
Bárbara D’oeste. Neste caso, também não são atendidos os Termos de Referência que explicitam:
“A Área de influência direta será definida com base nos resultados dos Estudos de Dispersão de
Poluentes para a atmosfera - para os parâmetros (NOx, CO, MP, SO2 e HC) além de possíveis
áreas de impacto de ozônio”.
SEVÁ F, A.O e FERREIRA, A.L. – Parecer sobre o projeto de uma usina termelétrica de grande porte, a gás e a vapor, em Americana, SP, em maio de 2001. Contratante: Prefeitura Municipal de Americana/SEPLAMA.
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O tratamento do EIA para situação atual da poluição atmosférica
• O EIA não apresenta um estudo das fontes de emissões existentes em Americana e região -
também conhecido como inventário de emissões - inviabilizando a identificação, localização e
quantificação dos poluentes que estão atualmente sendo descarregados para a atmosfera, os quais
não são desprezíveis dada a dimensão do parque industrial e da frota de veículos existentes. Como
os resultados de um estudo desta natureza são imprescindíveis para o conhecimento e
gerenciamento da qualidade do ar, não é possível afirmar que o EIA apresenta um cenário realista
da situação regional em termos de qualidade do ar, bem como de sua evolução futura.
• Os resultados do monitoramento que vem sendo realizado pelo empreendedor na área urbana
de Americana - UHE Cariobinha e Escola Municipal do Parque da Liberdade – podem estar
subestimados. Os valores apresentados não foram medidos na primavera e verão, estações
onde as concentrações do ozônio tendem a ser mais elevadas. Na verdade, dos 365 dias do ano,
o EIA apresenta o dados para 38 dias (11% do ano) no ponto situado na UHE Cariobinha, e 18 dias
(5 % do ano) no ponto situado na Escola Municipal. Mesmo com tais distorções, os resultados
apresentados já revelam uma situação preocupante, independentemente da termelétrica proposta.
• No ponto de monitoramento situado na UHE de Cariobinha foram registradas concentrações
horárias de ozônio (145 µg/m3) que já atingem 90% do limite legal permitido, enquanto no ponto
situado no Parque da Liberdade já foram registradas concentrações horárias (119,9 µg/m3)
equivalentes a 75% do limite, que é de 160 µg/m3 (Ver quadro 2). Em termos do O3, a situação
de Americana está próxima do patamar verificado em Paulínia. Aliás seria necessário
investigar uma possível correlação entre as concentrações do poluente nas duas cidades.
Quadro 2 – Resultados do monitoramento de NOx (horário), O3 (horário) e material
particulado (24 hs)
Localização NOx (µg/m3) O3 (µg/m3) MP (µg/m3)
Máx. Limite Máx. Limite Máx. Limite
UHE Cariobinha 110,6 320 (190) 145 160 151 (240) 150
Pq. Liberdade 123,7 320 (190) 119,9 160 198,4 (240) 150
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EIA: Máximas concentrações previstas de óxidos de nitrogênio
• Os resultados da modelagem de dispersão para NOx indicam que,as concentrações máximas
ao nível do solo para períodos de exposição de 1 hora chega a 60 µg/m3, decorrentes apenas da
usina projetada, sem computar o feito adicional decorrente das demais fontes já existentes na região.
Inadmissivelmente, o empreendedor não informa qual cidade e bairros serão afetados pelos picos de
concentrações horárias de NOx, impossibilitando que as pessoas que neles residam tenham
conhecimento dos riscos a que estão submetidos. A esse respeito, o EIA limitou-se a apresentar
uma tabela em linguagem especializada, dizendo que “a maior concentração horária de NOx
deverá ocorrer no ponto de coordenadas 3500m para oeste e 7500m para Sul do empreendimento”
[Estudo de Impacto Ambiental, Vol. III, pg.63].
• As coordenadas de concentração máxima horária de NOx situam-se no município de Santa
Bárbara D’Oeste, nos bairros localizados na região sul nas proximidades da Rodovia Luiz de
Queiroz, trilhos da FEPASA e Ribeirão os Toledos. A cidade, embora não esteja alinhada na
direção mais freqüente dos ventos ao longo do ano, será afetada por picos de concentração que
ocorrem em situações desfavoráveis de dispersão, com ventos fracos vindos de norte e de nordeste.
Monitoramento
Apesar da máxima concentração de NOx prevista no modelo de dispersão ocorrer em Santa Bárbara
D’Oeste, o EIA considerou apenas os “pontos de monitoramento de qualidade do ar que atualmente
estão sendo monitoradas pelo empreendedor e também alguns pontos discretos do entorno” (EIA,
Vol. III, pg. 82). Tais pontos não estão localizados nas áreas onde se espera que ocorram as
concentrações horárias mais elevadas. Ao contrário, o monitoramento tem sido realizado pelo
empreendedor em pontos onde os efeitos esperados estão abaixo da metade dos valores
máximos verificados (Ver Quadro 3).
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Quadro 3 – Resultados do modelo de dispersão para concentrações de NOx
UHE Cariobinha: 18,4 microgramas de NOx por m3
Escola Municipal Parque da Liberdade: 27,6 microgramas de NOx por m3
Santa Barbara D’Oeste (zona sul): 60,7 microgramas de NOx por m3
Como o Termo de Referência elaborado pela Secretaria do Meio Ambiente menciona que "A
CETESB verificará a validade dos dados apresentados tanto em função da metodologia utilizada
quanto em função da localização das estações de medição", espera-se que a Cetesb não valide as
conclusões do EIA no que se refere aos impactos na qualidade do ar.
Os efeitos da ampliação do projeto de 945 MW para 1200 MW
A queima adicional de gás natural na caldeira de recuperação, não prevista no projeto de 945 MW
apresentado no Relatório Ambiental Preliminar, indica uma fonte adicional de poluentes
atmosféricos, cujas quantidades não foram explicitadas no EIA. No caso do NOx o EIA considerou
apenas as emissões nas turbinas, não levando em conta as caldeiras de recuperação., nem
esclarecendo se haverá ou não ar suplementar nessas caldeiras.
Os efeitos da paralisação da Usina a óleo de Cariobia
A retirada de funcionamento de Termelétrica de Carioba terá efeitos significativos na redução das
emissões de SO2, e MP. Entretanto, no que se refere ao NOx, o poluente mais preocupante devido a
sua contribuição na formação do ozônio, os efeitos positivos da desativação da antiga termelétrica
são absolutamente desprezíveis. Basta consultar a tabela 6.25 do EIA (V-III, pg.106). Ao contrário
do que vem sendo veiculado na mídia regional pelos próprios empreendedores, as simulações
apresentadas no EIA concluem que “a paralisação da usina termelétrica Carioba não
representaria uma compensação deste impacto, uma vez que sua contribuição, neste ponto, não
ultrapassa a 10 µg/m3 nos pontos monitorados” [Estudo de Impacto Ambiental, Vol. III, pg. 108]
Tanto a proposta de paralisação da usina Carioba quanto a utilização exclusiva do gás como
combustível, sem recorrer a outro combustível de emergência, deveriam ser objeto de
compromissos específicos.
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SÍNTESE DO PARECER SOBRE POLUIÇÃO ATMOSFÉRICA Alterações prováveis na hipótese da instalação da usina Carioba II 1. EPISÓDIOS CRÍTICOS DE POLUIÇÃO DO AR MAIS FREQUENTES E OU MAIS
GRAVES
2. FORMAÇÃO ADICIONAL DE SMOG FOTO-QUÍMICO
3. ACIDIFICAÇÃO ADICIONAL DA ATMOSFERA E DE VÁRIOS TERRENOS E
ÁGUAS, INCLUINDO SUBSOLO
4. CONTRIBUIÇÃO ADICIONAL PARA GASES QUE AUMENTAM O EFEITO
ESTUFA
Insuficiências do EIA no tratamento dado às alterações prováveis :
1. NÃO FORNECE UMA POSIÇÃO REALISTA E RIGOROSA, COM INCERTEZAS E
LACUNAS ASSUMIDAS, SOBRE AS FONTES DE POLUIÇÃO ATMOSFÉRICA JÁ
EXISTENTES NA REGIÃO.
2. IGNORA AS EMISSÕES DE NOx DECORRENTES DA QUEIMA ADICIONAL NA
CALDEIRA DE RECUPERAÇÃO, BEM COMO AS EMANAÇÕES DE
HIDROCARBONETOS NAS INSTALAÇÕES DA USINA
3. IGNORA A POSSIBILIDADE DE FORMAÇÃO DE OZÔNIO E CHUVA ÁCIDA
4. O MONITORAMENTO EFETUADO NÃO CONTEMPLA MEDIÇÕES DE OZÔNIO
NA PRIMAVERA E VERÃO, ÉPOCAS MAIS PROPÍCIAS PARA A SUA FORMAÇÃO
5. OS PONTOS DE MONITORAMENTO NÃO ESTÃO LOCALIZADOS NAS ÁREAS
ONDE SE ESPERA QUE OS IMPACTOS SEJAM MAIS PRONUNCIADOS
6. OMITE QUE, SEGUNDO A MODELAGEM, AS CONCENTRAÇÕES MÁXIMAS
HORÁRIAS DE NOx DEVERÃO OCORRER EM STA. BÁRBARA D’OESTE
7. NÃO ATENDE A VÁRIAS EXIGÊNCIAS CONTIDAS NOS TERMOS DE
REFERÊNCIA ELABORADO PELO DAIA/SMA.
SEVÁ F, A.O e FERREIRA, A.L. – Parecer sobre o projeto de uma usina termelétrica de grande porte, a gás e a vapor, em Americana, SP, em maio de 2001. Contratante: Prefeitura Municipal de Americana/SEPLAMA.
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PARTE III. PROBLEMAS DECORRENTES DOS RISCOS TÉCNICOS COLETIVOS
Quais os riscos objetivos existentes ?
1o tipo: Risco genérico da indústria petrolífera e do uso de combustíveis em turbinas e em
caldeiras.
Razão evidente : Trata-se de uma VAZÃO GRANDE DE COMBUSTÍVEL sendo
conduzido dia e noite por um trajeto de seis quilômetros, em dois municípios, depois sendo tratado,
medido, e enfim queimado, dia e noite, em até oito pontos de queima, em quatro módulos
construtivos separados e próximos.
Conforme o EIA, as vazões de combustível , em peso, são de 4 x 10 t/ hora na queima
suplementar nas caldeiras de recuperação, e 4 x 31 t/ hora nas turbinas a gás, num total de 164 t/
hora ,ou, cerca de 3.900 toneladas / dia.
Basicamente três riscos estão sempre associados, e ocorrem certamente nas refinarias,
nas unidades de processamento de gás natural, nas industrias petroquímicas, e também nas
plataformas de petróleo e gás e nos grandes terminais de tancagem, e podem ocorrer em usinas a
gás :
R.1) os aumentos bruscos e ou duradouros de emissão de poluentes da queima e de hidrocarbonetos
não queimados.
R. 2) as emanações e os vazamentos de gás, com explosões, incêndios e “flashes”
R. 3) a contaminação por gás sulfídrico ( v. a seguir, detalhes )
R.1. Risco de ocorrência de episódios críticos de poluição do ar em bairros de Americana e de
Santa Bárbara -
- se persistirem sequências de mais de um dia com inversões térmicas e ou calmarias, e sem chuvas, e sobretudo, - se houver nestes mesmos períodos, aumentos relevantes nas concentrações e ou nas tonelagens de poluentes emitidos – principalmente CO, MP e NO x . Estas variações bruscas de teores de produtos de combustão nos gases de saída, muitas vezes para cima, ocorrem sempre - nas ocasiões de anormalidades operacionais, - e especialmente em todas as sequências de partida até a estabilização , de cada turbina a gás e de cada queima suplementar em caldeira, que podem durar de 30, 40 minutos a uma ou duas horas a cada vez.
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Os fabricantes e as agências de governo em alguns países fazem seus testes de poluição
incluindo sempre esta operação de partida, tanto a frio como a quente, e sabidamente os números
são mais altos do que em regime “de cruzeiro”, digamos.
Tais eventos devem ocorrer usualmente uma ou algumas vezes por mês, e alguns deles
poderiam ocorrer todos os dias. Seria o caso, por exemplo, se o aumento de potência de 945 para
1200 MW for acionada a cada dia, durante as horas de pico do consumo de eletricidade, com o
acendimento das queimas complementares nas caldeiras, - isto sem considerar nesta conta, os
efeitos das paradas intempestivas por causa de panes e acidentes imprevistos e das respectivas
partidas após solução do problema, que podem acontecer algumas por ano.
R.2. Risco de emanações, vazamentos , com explosão e ou “ flasheamento”, e ou incêndio em
turbinas e em caldeiras, e em outros pontos da instalação projetada, seguindo pelas tubulações,
válvulas, medidores, vasos-pulmão, e também no tramo do gasoduto desde o GasBol, city-gate de
Limeira , até o local previsto.
No histórico de acidentes em oleodutos e gasodutos no Brasil e em SP, há vários
registros de dutos danificados por causa de obras, escavações, detonações, quedas de rochas e
fragmentos, e alguns casos fatais em canteiros de obras - um deles, em 2000, justamente no ramal
Limeira Piracicaba do GasBol ( duas mortes por asfixia dentro de uma caixa de inspeção após a
inertização da canalização já pronta ).
No histórico de acidentes industriais no Brasil, têm lugar de destaque as explosões de
caldeiras e as intoxicações por hidrocarbonetos e outros componentes dos combustíveis gasosos e
das frações voláteis dos demais combustíveis.
No histórico internacional de grandes acidentes, há várias mortandades por explosões e
incêndios com gás associado ao petróleo, GN e Liquido ou condensado de GN – sem mencionar
ainda mais casos com o gás de butijão, GLP e seus compostos.
1934, incêndio em gasômetro na China, 42 mortos
1944 , vazamento e explosão de nuvem de condensado LGN , EUA, 130 mortos
1970, vazamento e explosões na rede de gás natural canalizado Tokio, 92 mortos
1978, explosão em gasoduto , México, 58 mortos
1984, idem, no Paquistão, 60 mortos
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R.3 Risco de vazamento de gás com possibilidade de intoxicação causada pela presença de
H2S gás sulfídrico no gás natural .
A noção de que o gás natural seria inócuo e não poluente não cabe em qualquer avaliação
técnica rigorosa. A própria especificação das carateristicas fisico – quimicas dos combustíveis ,
baixada e controlada pela ANP, registra que o gás natural coimercializado poderia conter enxofre ,
com duas restrições:
- 1. enxofre total ( em forma de gás sulfidrico, sulfetos e organosulfurosos ) até 80 mg S por m3 de
gás (p/ comparação, o EIA do projeto TPP, Paulínia, utilizava em seus cálculos de emissões, o teor
de 130 mg de enxofre p/m3 de gás natural)
- 2. gás sulfídrico, até um teor máximo de 20 mg de H2S por m3 de gás natural , o que daria, na
vazão máxima de combustível , um fluxo diário de 28 kg de H2S.
Se o H2S vazar antes de ser queimado, significa risco muito alto nas imediações,
considerando que o gás sulfídrico em concentrações bem pequenas, bastante diluído em ar, já é
anestesiante e rapidamente letal; os sensores devem ter calibração na faixa de 8 a 10 partes por
milhão.
Vazamentos de H2S puro ou diluído em outros gases ( “gás ácido”) provocaram mortes
coletivas de operários :
- 22 pessoas em uma fábrica no Mexico, em 1950;
- em 1980, 19 pessoas na plataforma de gás Tappmayer, no Golfo Persico;
- em 1982, 11 pessoas, na Refinaria REVAP, em São José dos Campos, SP.
( ref livro Porto e Freitas, pg 88-89 tabela ; SEVA, artigo livro Fiocruz )
2º tipo: Riscos específicos de centrais termelétricas de grande porte
R.4. Agua, Colapso.
Se faltar vazão no rio, pode faltar para a captação da cidade, e daí? Faltaria também vazão
suficiente na chegada do esgoto na ETE municipal. A usina continuaria funcionando ?
R. 5. Agua, Residuos de Tratamento.
De toda forma, todos os fluxos de líquidos serão tratados com produtos quimicos e com outros
processos para retirar “contaminantes” e organismos “indesejáveis”, e portanto transferem estes
materiais para os resíduos, sejam as borras , sejam os efluentes da usina , e também, da propria
ETE municipal, que parece estar encarregada de alguns destes tratamentos :
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1. - seja “re-tratando” o esgoto tratado da ETE municipal que iria para o Piracicaba, obtendo para a
usina, uma água clarificada, suficiente para as Torres de resfriamento, mas que devem também
receber algicidas, fungicidas e anti - corrosivos ( sintéticos, ou metálicos, como o cromo
hexavalente )
2.- seja numa ETA da usina projetada, que trataria uma pequena parte da água clarificada (água
desmineralizada para o ciclo do vapor nas turbinas )
3. – seja no retorno dos efluentes, purgas, águas oleosas , etc da usina que deveriam ser tratados
numa ETDI dentro da usina; ou na própria ETE municipal ..
De toda forma, seriam toneladas ao ano de produtos químicos, com sua logística peculiar,
trazidos por caminhões-tanques nas rodovias e ruas, com manobras de enchimento, esvaziamento
de tanques e recipientes, de bombeamento de fluidos e misturas. Na outra ponta, haveria a questão
dos resíduos constantemente gerados, e da inevitável exportação do risco para algum local
próximo.
R. 6. Rio – Contaminação
Há risco de episódio de contaminação aguda ou cumulativa ( p.ex. um determinado poluente fica
abaixo do padrão de concentração ( digamos, óleos e graxas, ou teor de fenóis , ou de cianetos ),
mas, como a vazão de efluentes é grande , o rio não dilui e as conseqüências se manifestam, mesmo
dentro da “legalidade”, p.ex. mau cheiro, mortandade de peixes.
R. 7 Contaminação química do solo, subsolo e água subterrânea,
- que poderia ser provocada por eventos de infiltração, percolação de bacias, ou rachadauras de
selagem de bacias ou rompimentos de dutos, de vasos ou tambores e de linhas de injeção de
produtos químicos.
Temos comprovações recentes de eventos similares, com a participação de empresas
integrantes do consórcio ou sócia delas. Bastaria registrar o caso real na California, no filme “Erin
Brokovich”, em que mais de 600 pessoas de uma cidade ao lado de uma estação de compressão de
um gasoduto ( pertencente à Pacific Gas Electric, sócia da INTERGEN nos EUA ), ficaram
contaminadas pela água do subsolo. O lencol subterrâneo havia sido envenenado com vazamentos
continuos de água com resíduos de sais de cromo hexavalente usados no tratamento da água de
resfriamento da central, que também tinha turbinas a gás e produzia vapor.
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Registre-se também o caso recente do bairro Poço Fundo, na beira do Atibaia em
Paulínia, em que uma fábrica da Shell Química depositou borras com resíduos de pesticidas no solo
e contaminou o lençol subterrâneo, de onde tiravam água dos poços das chácaras e casas, e os
efeitos tóxicos podem ter atingido 200 moradores do bairro.
R. 8. Hidrogênio usado no resfriamento/isolação dos Geradores Elétricos.
Há usinas que fabricam in loco o Hidrogênio, usando uma parte da eletricidade
produzida, convertendo- a para corrente contínua e fazendo a eletrólise da água tratada( é o caso da
velha térmica a óleo de Mauazinho, Manaus ) . Mas neste caso da Carioba-II, deve estar prevista a
entrega de H2 por carretas tipo torpedo (cilindros longos). De toda forma, além dos riscos de
trajeto, haverá algum estoque do gás no local e o H2 é o mais facilmente inflamável de todos,
portanto os riscos de incêndio e explosão estariam presentes, com pequena probabilidade, ...mas
um grande estrago, se ocorrer.
R.9 Riscos especificos da Subestação e das LTs
Como todos os equipamentos elétricos de grande porte e potência, os riscos mais comuns
estão associados a raios, tempestades, mas nas SE existem os fluidos químicos de resfriamento dos
transformadores; é conhecido o caso do ascarel (policlorado bifenilas) já interditado em muitos
países, e no Brasil, para os transformadores novos, mas que continua em uso em equipamentos
antigos ou foi esgotado e está estocado em tambores nas empresas elétricas, pois até a sua
incineração é cara e feita em raros locais do mundo.
R.10 Risco de anormalidade e de pane no sistema elétrico.
O Estudo não explicita como a usina projetada dará partida, no caso da rede de transmissão
conectada ficar sem energia e, simultaneamente, houver problema no suprimento de gás que
impeça a operação em separado do ciclo Rankine. Vale lembrar que o empreendedor decidiu:
• não prever um estoque de combustível líquido, que seria um derivado leve de petróleo ( “pool”
de querosene tipo aviação e ou de óleo diesel adaptado para turbinas ), que poderia ser
queimado enquanto faltasse gás por algum motivo.
• não instalar moto-geradores a óleo diesel como recurso de emergência, “back-up”, ou como
reserva para em caso de parada das turbinas dar a partida em pelo menos um compressor e no
queimador da primeira turbina a re-ligar
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* instalar apenas uma casa de baterias carregadas durante a operação normal da central, e que
atuariam como “no break” para iluminação e instrumentação no caso de pane elétrica.
* em caso de desligamento da central, a operação de partida da geração elétrica ficaria na
dependência de energia assegurada pela rede local , ou seja pelas LT de 138 kV da CPFL,
alimentadas por Furnas e Cesp, para poder partir o compressor de ar e a alimentação de
combustível.
Uma mega-usina a gás tem vários riscos técnicos, operacionais, de acidentes.
Como isto é tratado no EIA?
Foi apresentado pela INTERGEN à SMA, juntamente com o EIA, um relatório elaborado
pela empresa internacional de auditoria Die Norske Veritas ou – DNV, sob o titulo de “Análise de
risco da UGE Carioba-II e do ramal de interligação com o GasBol em Americana- SP”.
Trata-se de um modelo “fechado” de análise de riscos, uma vez que parte de Banco de
Dados dos eventos de falha e sua frequência que é da própria DNV, bem como são da DNV os dois
“softwares” utilizados ( PHAST e SAFETI ) para se chegar a uma “comparação dos valores de
risco ( obtidos pela aplicação dos softwares ) – com –- os critérios de aceitabilidade de risco
publicados no manual de orientação para Análise de Riscos, recentemente concluído pela Cetesb
(ainda em fase de avaliação por aquele órgão ambiental)”.
Cabem os seguintes registros, - em oito tópicos - que deveriam ser também destacados e
questionados pela SMA - SP, mas que são de interesse primeiro e primordial da PMA e da
população mais próxima dos locais previstos para a usina e o gasoduto de ligação com o GasBol,
em Limeira.
1. Considerou a empresa DNV que os cenários a serem identificados e avaliados se referem apenas
“às operações associadas com a utilização do gás natural”.
2. Portanto, não há menção neste relatório integrante do EIA, de riscos de anormalidades
operacionais com acidentes ou agravos à saúde humana nem de outros tipos de emergências
ambientais, por exemplo, aquelas relacionadas com :
- os episódios críticos de poluição, inclusive os que podem ser agravados justamente por incêndios
nas instalações industriais,
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- nem com os episódios críticos que possam ser sofridos pelo rio Piracicaba, por conta do uso
excessivo de água da bacia fluvial, ou da maior carga poluidora ou maior teor de contaminantes
presentes nos efluentes após a Usina ou após a ETE municipal.
- nem os riscos pertinentes às manobras e circuitos do gás H2 hidrogênio para refrigeração dos
geradores;
-nem os riscos pertinentes as manobras, estoques e aplicações de produtos químicos variados,
usados nas ETAs e ETDIs e também nos circuitos de lubrificação e em manutenção mecânica e
elétrica. ( Ver pg. 31-36, nossa descrição de tais riscos e outros ) .
3. Um dos eventos considerados pelo relatorio da DNV pg. 5-7 ) como iniciador de acidentes de
grandes proporções seria
# um grande vazamento de gás nas instalações da própria usina
e para isto, calcularam que,
# se houver uma nuvem de gás incendiando, teria quase 100 metros de alcance;
# se houver um “flasheamento” do gás vazado, um jato de fogo, mataria pessoas, com 20 por cento
de fatalidades a 102 metros de distância e com um por cento a 116 metros de distância; ou,
# se houver uma grande explosão, mais vítimas e prejuízos: 50 % de fatalidades a 175 metros ,
um por cento a 211 metros; e um pouco mais adiante, a 231 metros de distância do ponto da
explosão, haveria 99 % de quebra de vidro!
4. Mesmo assim, o relatório já na segunda página, antecipa que “os efeitos físicos dos cenários de
acidente identificados para as instalações da usina não chegaram a atingir áreas com população
externa à usina”e , na seqüência, encaminha sempre para a conclusão de que os riscos individuais
assim calculados estariam sempre “na faixa dos valores considerados aceitáveis, segundo os
critérios de aceitabilidade da Cetesb”. ( pg. 8-2 )
Pois bem, o tamanho do vazamento que poderia originar tais violências pode ser diferente : a
DNV calculou tudo para uma vazão de 140 toneladas de gás / hora ou 39 kg/ segundo , enquanto a
vazão adotada nos diagramas do EIA é de 41 toneladas/ hora por módulo turbina / caldeira portanto
164 toneladas de gás/ hora. Como os cálculos foram feitos no relatório da DNV adotando vazão de
85% da vazão prevista no EIA , para a usina a plena carga, os efeitos mais prováveis ali apontados
estão subestimados.
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Neste caso, que porcentagem de vidros quebraria na escola municipal do Parque da Liberdade, a um
km da hipotética explosão? 50% ? 70 % ?
Se houvesse “apenas” 0,5 % de fatalidades na faixa entre 500 metros e um km de distância , onde
ficam várias ruas do mesmo bairro, e onde ficam quase todas as áreas da FIBRA e da Degussa, -
com , por exemplo, 1000 pessoas presentes neste raio, num horário útil, haveria 5 mortos. E quantos
feridos graves? E quantos traumatizados?
Em um caso de um jato de fogo, por exemplo: ao invés de 102 metros de distância para 50% de
fatalidades, qual seria a distância e a porcentagem de fatalidades?
5. O relatório da DNV sob encomenda da INTERGEN afirma nas conclusões que :
“o foco central deste trabalho foi a avaliação dos riscos para a chamada “população externa” à
usina e ao ramal do gasoduto, que no presente caso, é formada pelos empregados das empresas
vizinhas e pelos membros das comunidades situadas nos bairros próximos as intalações da usina e
do gasoduto”, e que
“ a preocupação básica do trabalho foi a de analisar quantitativamente apenas os grandes
acidentes capazes de causar danos extra-muros, ficando os acidentes menores restritos às análises
qualitativas”.
O leitor do relatório fica sem saber se, afinal, haveria ou não haveria danos às pessoas mais
próximas dos possíveis acidentes :
- os funcionários da própria usina
- os empregados de construção, montagem e manutenção presentes na área operacional em
simultâneo à operação da central; no caso desta usina projetada, poderia haver uma coexistência
durante três a cinco semestres entre tais equipes de pessoas ( é o caso das térmicas de Uruguaiana e
de Cuiabá que rodaram a primeira turbina há mais de um ano e continuam com muitos operários e
técnicos dentro da área operacional ).
- funcionários e outros presentes nas áreas vizinhas da FIBRA, da FIBRA DUPONT e nas da
DEGUSSA.
6. E, com relação aos cidadãos presentes ou residentes na área próxima ao gasoduto de ligação, na
mesma página 8-2 , a DNV conclui que
“Não houve necessidade de se calcular os riscos sociais para o ramal do gasoduto já que o mesmo
será construído em região tipicamente rural não representando risco para qualquer com,unidade”.
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Só que...nas ficha de recomendações que resultam do método APP, Analise Preliminar de Perigos,
pg. 4-10 do relatório DNV encontramos a de numero 5, prevendo
“material informativo para divulgação e conscientização da população residente próxima ao ramal
de conexão com o GasBol”
e a recomendação 6 , prevendo “Reforçar a sinalização da faixa de servidão do ramal de conexão
do GasBol , nos pontos de maior concentração populacional”
7. O trecho de entrada do gasoduto de ligação na usina, com recepção, filtragem, medição de gás e
última separação de frações condensáveis ( HCs com 3,4, 5 e mais carbonos, que podem ser
liquefeitos por diferenças de pressão e de temperatura no circuito ) - até a entrada do combustível
nos maçaricos, é, pela lógica dos riscos técnicos o mais crítico, e quatro recomendações da ficha
esperam prevenir os riscos neste trecho:
Recomendação 10 . estudar a possibilidade de instalar apenas um vaso para remoção de
condensado do gás, ao invés de uma para cada linha que abastece cada turbina.
Quais as diferenças em relação às especificações de segurança no projeto norte – americano, que
recomenda um tanque de condensado por cada módulo?
Recomendação11 Direcionar desvio de gás para a atmosfera para local seguro ( chaminé elevada )
Ou seria para aumentar a altura do “vent” atmosférico dos tanques de separação ? Ou seria melhor
uma tocha de alívio de gases excedentes, bem alta, como é obrigatório em refinarias, petroquímicas,
e Unidades de Processamento de Gás Natural ?
Recomendações 12 e 13. Instalar duplo bloqueio de válvulas na linha de drenagem do vaso
separador ( para prevenir vazamentos nas manobras com o condensado, e na linha de injeção de
N2, ( para melhorar a inertização de linhas e vasos quando necessário ) .
8. A seqüência acidental a partir de um vazamento ou emanação de gás não é única, mas obedece
algumas alternativas lógicas implacáveis: o gás pode se diluir ou se concentrar em alguns locais, ser
“abatido” pela umidade excessiva e por garoas e chuvas, mas pode ser “atiçado” por secura
excessiva, calor ou certos tipos de poeiras ou fuligens,ou então, detonado por faíscas naturais ou
produzidas em linhas elétricas ou em operações de solda, maçarico, esmeril, etc.
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O fogo, a explosão, uma vez ocorridos têm sua continuidade dependente de manobras
possíveis ou não na linha de alimentação do combustível, e têm sua propagação também
dependendo muito de calmaria ou vento, e , principalmente de velocidades e turbulências dos
ventos.:
“As condições meteorológicas utilizadas nas simulações ( dos acidentes ) foram os valores médios
para a região, conforme apresentados no capitulo 2”
Valores médios representam as piores condições?
Finalmente, cabe indagar sobre os compromissos a serem assumidos a partir da análise de
riscos, já que as prioridades para a segurança operacional e da vizinhança e para a prevenção de
contaminações e acidentes fatais não são prática usual em muitas das grandes empresas que lidam
com combustíveis e produtos químicos.
Como o impacto e o risco seriam tratados em outros países?
Com este porte, numa situação regional deste tipo, esse projeto seria polêmico e de
implantação custosa em muitos locais de muitos países.
Fazem parte da legislação, dos acordos trabalhistas e da prática empresarial destes
conglomerados industriais financeiros, nos EUA e Europa, as despesas e iniciativas de prevenção
ambiental e de riscos de acidentes, com a estrutura de combate e de socorro em acidentes, de
abatimento de poluentes e de redução da disseminação de contaminantes e da exposição humana a
eles. São itens de custo importantes, mas estão sendo regulamentados por leis federais e por
resoluções internacionais, e, na pratica, em geral, mantêm, ou reduzem os prejuízos e as vítimas, e
previnem maiores despesas com outros itens.
Pois, também custam bastante os prêmios de seguros, por perdas de vários tipos, a
cobertura contratual e multas por causa de eventos que levem a interrupção de gás e de eletricidade,
a indenização de prejuízos materiais e de lucros cessantes na própria central projetada, ou na
distribuidora de eletricidade, e de terceiros; indenização e cobertura social de trabalhadores,
contratados e pessoas atingidas em sua saúde e integridade, pela operação da central , ou por algum
acidente.
Os verdadeiros riscos de tais projetos já estão na pauta dos empreendedores e dos bancos
envolvidos, estão sendo calculados, recalculados, comparados com outros, e entrando nos critérios
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das decisões financeiras e das seguradoras, e na realidade, não constam neste precário
licenciamento.
Por estas razões, o projeto da INTERGEN revela um vício de origem: - ao invés de ser
assumido o risco real e o impacto mais provável, que devem estar sendo levados em conta na área
financeira e comercial, - tenta-se fazer prevalecer a minimização dos riscos relevantes.
Por estas razões, também, o risco e o impacto de um projeto deste porte seriam tratados,
em outros países, de modo bem distinto do que se pode constatar num licenciamento como este, do
projeto INTERGEN no Estado de São Paulo. Sendo o operador estrangeiro (Intergen, EUA ), o
capital majoritariamente estrangeiro ( 66% do consórcio são da Intergen e da Shell ) e a consultora
estrangeira ( ERM ) – podemos especular se seria aplicável, pelo menos, a convenção 174 /
recomendação 181 / OIT sobre acidentes industriais de grande porte .
Neste caso, o Brasil já é signatário da convenção da OIT e se houver a devida
regulamentação, todos os empreendimentos suscetíveis de provocar acidentes de grandes
proporções deveriam ser praticamente re-licenciados com o envio regular de dados cadastrais dos
produtos e dos focos de riscos e suas possíveis propagações, e seriam convocados por lei a manter
atividades permanentes de prevenção intra-muros e na área urbana no entorno.
Se fosse na Europa, o licenciamento de uma mega-usina a gás deveria respeitar as leis
nacionais que implantaram a chamada Diretriz Seveso , cuja primeira versão é de 1982, e que
insiste também na socialização das informações necessárias à prevenção.
Se fosse nos EUA, valeriam os atos e leis da EPA sobre avaliação e prevenção de
impactos e de riscos, um deles mencionando no titulo “Community Right-to- Know”, ou seja, o
direito da comunidade saber sobre as origens e mecanismos dos riscos e também, de participar das
atividades de preparo para emergências. Neste país, há casos controversos de licenciamento em que
a lei prevê destinar fundos públicos a serem aplicados na avaliação de riscos e de alternativas,
avaliação feita por escolha de entidades não –governamentais. ( pg.140, Acidentes Industriais
Ampliados”, FREITAS, PORTO , MACHADO, Fiocruz Editora, RJ, 2000).
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“Many scientists believe in the social power of scientific information”
Muitos cientistas acreditam no poder social da informação científica.
Eles aguardam que a próxima linha de pesquisa ou a próxima evidência devastadora realmente
convencerão a sociedade que uma certa atividade é perniciosa, e aí então, a sociedade mudará.
Assim, por exemplo, bastaria que eles pudessem mostrar que as dioxinas podem alterar nos seres
humanos o seu balanço de hormônios masculinos e femininos, para que a produção de dioxinas
fosse banida.
Entretanto, o mais comum é que a sociedade tenha as evidências científicas mais do que
suficientes, sobre os efeitos de atividades perigosas, para justificar a mudança.
Nós sabemos que os rejeitos da mineração devastam a vida aquática nos rios por quilômetros
abaixo, e que o lixo nuclear não pode ser guardado com segurança em nenhum lugar.
Sabemos que o corte raso das matas provoca deslizamentos de terra e entope os cursos d’água com
sedimentos; e que deixar o gado pastar em terras áridas elimina as nascentes e córregos dos quais
depende quase toda a vida selvagem nativa .
Muita gente sabe que queimar combustíveis fósseis causa o aquecimento global.
Geralmente, não é a falta de informação científica sobre “riscos”, que dificulta o movimento da
sociedade no rumo de relações mais adequadas com o ambiente.
E sim, o poder econômico e político entrincheirado: empresas querem continuar a fazer o que já
fazem.
E também, a falta de uma discussão pública sobre modos e comportamentos alternativos.
A mudança social é muito mais difícil do que preparar mais uma análise de riscos
( NT: ...: ou, mais um estudo de impacto ambiental ) .
“Social change is harder than preparing another risk assessment”
Mary O’BRIEN “Making better environmental decisions. An alternative to Risk assessment”,
Environmental Research Foundation & The MIT Press, Cambridge, MA, 2000.
Tradução Oswaldo Sevá , maio 2001.
SEVÁ F, A.O e FERREIRA, A.L. – Parecer sobre o projeto de uma usina termelétrica de grande porte, a gás e a vapor, em Americana, SP, em maio de 2001. Contratante: Prefeitura Municipal de Americana/SEPLAMA.
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Campinas, 28 de maio de 2001 De: Profs. Arsenio Oswaldo Sevá Filho e André Luis Ferreira Ao Ilmo. Dr. Waldemar Tebaldi Prefeito Municipal de Americana, SP.
Senhor Prefeito
Estamos entregando, em anexo, a versão final de um Parecer Técnico, em três partes, com 46
pags de texto inédito e específico para responder quesitos enviados pelo Sr. Secretário de
Planejamento, Controle e Meio Ambiente, Dr. Fernando Vaz Pupo, quando nos convocou para esta
missão. Além de imagens especialmente escolhidas ou desenhadas, em dois casos, para melhor
esclarecer sobre o projeto de instalação de usina termelétrica de grande porte no município e melhor
subsidiar as decisões do governo municipal.
No ofício da SEPLAMA de 10 de abril de 2001, houve o acordo com os itens da nossa proposta
para elaborar o parecer, e com a forma de remuneração , num total de 7.320 reais, por meio da área de
prestação de serviços do Depto de Energia/ FEM/ Unicamp, e através de fatura da Funcamp. Foi
acrescentado um adendo, solicitando aos autores deste parecer, “ na eventual hipótese de autorização
da implantação da usina, quais seriam as exigências necessárias para redução dos impactos
ambientais”. A resposta a este adendo conteria uma série de outras implicações e interpretações,
diante de uma situação sabidamente conflitiva, e por isto, resolvemos tentar responder, em separado,
neste encaminhamento privativo ao Sr. Prefeito e ao Sr. Secretário.
Trata-se de uma interpelação, a nosso ver, crucial, de importância decisiva para o rumo dos
acontecimentos e para nossas trajetórias, na cidade e na região, diante deste evento. Já apontamos, no
parecer técnico anexo, os principais erros, lacunas e desvios do Estudo de Impacto Ambiental e da
Análise de Riscos.
Neste sentido, sugerimos que a PMA oficie à SMA e ao Consórcio, solicitando a elaboração de
um outro EIA, que fosse cientificamente defensável, e atendesse às exigências da resolução 001/86 do
CONAMA. No novo estudo, a Prefeitura poderia exigir, por exemplo, os seguintes pontos :
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* a apresentação de um estudo de alternativas de localização deste mesmo projeto em outros
locais do Estado de São Paulo, destacando-se explicitamente quais seriam os seus efeitos se localizado
em outras bacias fluviais que não a do Piracicaba.
* a modificação do sistema de monitoramento em uso pelo consórcio, colocando-se outros
pontos de medição e prolongando seu prazo de coleta de dados, principalmente para o poluente gás
ozônio, durante todas as quatros estações do ano.
* a inclusão, nos impactos sobre a qualidade do ar, de todas as demais fontes de emissão e de
emanações em funcionamento no entorno de local previsto e nas áreas de influência direta e indireta
do empreendimento.
* um estudo baseado em dados empíricos locais e em comparações internacionais, sobre as
contribuições de uma usina termelétrica a gás e a vapor para a formação de acidez atmosférica, a
formação de “ smog” foto - químico e de ozônio respirável, e para a concentração de gases que
agravam o efeito estufa.
* que fosse elaborado um verdadeiro estudo de alternativas tecnológicas, com informações
transparentes e demonstráveis sobre os distintos sistemas de resfriamento que poderiam ser adotados,
e também incluindo a simulação de todos os impactos, caso fossem adotadas outras faixas de
capacidade elétrica, - uma vez que existem no mercado internacional turbinas e módulos de ciclo
combinado a partir de dezenas de MW cada um.
O ponto principal é que , salvo engano grave, o único momento em que a Prefeitura
Municipal pode intervir, aceitando ou não o projeto tal qual está no EIA, ou exigindo alterações
do projeto, em tamanho, tecnologia ou localização, - é na emissão de Certidão de conformidade
com uso e ocupação do solo.
A concessão da licença estadual exige que o empreendedor apresente uma certidão municipal de
conformidade do empreendimento proposto ao local proposto, ou seja, - independentemente de
Audiências Públicas e outros eventos, e de outros fatores em jogo, cabe à Prefeitura avaliar os dados
fornecidos sobre o projeto, no caso, os processos industriais e os riscos envolvidos, e, fornecer ou não,
antes da decisão da SMA e do CONSEMA, esta certidão.
E a PMA o fará, se puder concluir que - aquele empreendimento, no futuro, estará ou não estará
em conformidade com os critérios de zoneamento e com a setorização estabelecida em lei municipal
sobre o uso e ocupação do solo naquele local e em seu entorno.
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A decisão merece análise mais pausada e, para isto, recapitulamos alguns registros deste
licenciamento e da legislação básica:
1. No RAP Relatório Ambiental Preliminar, apresentado pela Intergen há pouco mais de um
ano, estava em anexo uma cópia de certidão deste tipo, expedida pelo Depto. de Urbanismo da PMA;
ficou sem validade, pois, entre o RAP ( meados de 2000) e o EIA( fevereiro 2001 ), o local do projeto
mudou-se para quase dois km. dali, mudou a configuração da usina e de seu sistema de água,
aumentou o tamanho.
2. No EIA atualmente em análise, há uma cópia de certidão emitida no início de 2001, pelo
Secretário de Planejamento e Meio Ambiente, sem mencionar qualquer projeto de usina ou nome de
empresa de eletricidade interessada, e tão somente , assegurando que a gleba 12 da Fibra ( eucaliptal
na esquina da Degussa ) está enquadrada como ZI-2 .
3. Qualquer certidão deste tipo se baseia no PDDI e nas leis municipais 3269/3270/3271,
modificadas pela lei 3318. No próprio RAP do projeto da Intergen, é mencionado que a lei municipal
3272, no seu artigo 13º , especifica que:
na ZI-2 é permitida a instalação de indústrias dos tipos I.1 , I.2, I.3 – de acordo com a classificação estabelecida pela lei Estadual 5597.
4. Como ainda não foi definido pela PMA, nem por ninguém, que tal projeto de tais dimensões
se enquadra - ou não - nas indústrias tipo I.1., I.2., I.3., o fato é que a certidão mais recente não atesta
a conformidade deste projeto da INTERGEN numa zona tipo ZI- 2 . No RAP, pg. 83 havia sido feita
uma interpretação destes critérios ( da lei estadual 5597 ) da seguinte forma:
“são permitidas em ZI-2 as indústrias virtualmente sem risco ambiental, de risco
ambiental leve, e de risco ambiental moderado, sendo vedadas as de alto risco ambiental,
e as indústrias e polos petroquímicos, carboquímicos e cloroquímicos, usinas nucleares e
outras fontes industriais de grande impacto ou de extrema periculosidade”.
Mas, não caberia, é claro, ao empreendedor classificar o seu próprio projeto no terreno por ele
escolhido, para fins de obtenção de uma certidão de conformidade, nem mesmo influir na avaliação
técnica, que a PMA faria, com um prazo de 60 dias, para decidir ou não pela certidão.
5. Como esta certidão englobaria apenas este projeto de usina naquele terreno previsto, o fato é
que continuam sem respaldo as obras e as instalações de aqueduto, gasoduto e faixa de linha de
transmissão, que interfeririam, com o seu traçado, com a mesma APPA-6 e com faixas públicas e
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outras glebas particulares. No RAP foi reconhecida a interferência do antigo local com a APPA 6,
faixa da margem esquerda do rio, e nas proximidades, com a APPA do Corrego da Gruta, uma Zona
residencial 3 e duas zonas de comércio e serviços.
6. Assim, temos que voltar ao conhecido problema federativo brasileiro :
- para cada novo evento, dirimir as funções e responsabilidades da União, dos Estados e dos
municípios. Com o auxilio do manual de Direito Ambiental do nosso mestre Dr. Paulo Affonso Leme
Machado, propomos à PMA re-considerar a amplitude dos seus direitos e fazer valer a pouca
margem de manobra que restou aos municípios.
Primeiramente, para raciocinarmos além da letra das leis atuais, bastaria que a RMC fosse
considerada pertencente a alguma “área crítica de poluição ambiental” , para que muita coisa mudasse
no enquadramento jurídico. Já em 1975, o decreto 76389/75 definia tais areas críticas : as Regiões
metropolitanas de SP, RJ, BH, Salvador, Recife, Curitiba, mais as aglomerações industriais de
Cubatão, e de Volta Redonda, e mais as bacias fluviais do médio Tietê, Paraiba do Sul, Jacuí e
Guaíba, bacias de Pernambuco e da região sul SC. Bastaria, alías que alguma letra legal definisse o
Piracicaba como integrante desta área critica do médio Tietê...
7. Posteriormente, em 1980 veio a 1ªlei de Zoneamento Industrial, a Lei 6803/ 80 que, em seu
artigo 9º concede competência exclusiva para os órgãos estaduais de controle de poluição a outorga de
licenças , inclusive nestas áreas críticas. Apesar disto, comenta o Dr. Paulo Affonso que :
“Na negativa ou na concessão de licença para instalação de estabelecimento industrial
predomina o interesse do Município, cujos munícipes sofrerão mais de perto as
consequencias da poluição ambiental.”.. ”Contudo, a licença estadual não obriga a
concessão da licença municipal. O importante é que em matéria ambiental, a legislação
municipal não pode impor menos restrições que as legislações do Estado e da União;
mas, usando de sua competência, pode determinar mais restrições.”.
8. Considerando-se que a usina projetada é de dimensões excepcionalmente grandes, e seria o
primeiro foco regional de queima de combustível , com vazões de queima maiores do que a da Replan
e do grande complexo quimico Rhodia em Paulínia, propomos para a Prefeitura, que adote para
análise o conceito de que
# este projeto da mega - usina termelétrica da INTERGEN poderia ser tecnicamente
equiparado a um polo petroquímico ou mesmo a uma refinaria de petróleo de grande porte,
- feita a ressalva de que esta usina lidaria com uma menor diversidade e menores estoques de
produtos químicos do que uma Replan ou uma Rhodia ; mas, com o agravante de que, sendo maior a
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sua vazão de processamento e queima de gás, seriam muito mais poderosas as conseqüências dos
episódios críticos de poluição e os acidentes tipo explosão ou incêndio.
E neste caso, valeria lembrar também do art 10 da mesma lei 6803, que reserva à União, ouvidos
o Estado e o município interessados, aprovar e autorizar a implantação de zonas industriais deste tipo.
E mesmo assim, o Dr. Leme Machado insiste na hierarquização dos interesses :
“Se a União tiver desaprovado o projeto, o Município não poderá aprovar. Contudo, se a
União tiver aprovado, o Município conserva o direito de desaprovar.”
[ cf. Direito Ambiental Brasileiro, P. A . L. Machado p.172,178,180,8ªed. 2000 ]
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Voltando então ao zoneamento municipal de Americana , o resumo seria o seguinte : - nas faixas previstas para o aqueduto, o gasoduto, e as LTs , na margem esquerda
do Piracicaba, há interferência das obras com o setor APPA 6; - a menos de 500 metros do perimetro da gleba prevista, a Oeste, ficam as primeiras ruas do
bairro Parque da Liberdade; - a menos de um km. do local projetado para a mega-usina, fica a escola deste mesmo bairro; - a menos de 1, 5 km, fica a divisa com Santa Bárbara d’Oeste em área urbana; - e , também toda a faixa que fica em Americana, entre o perímetro da gleba prevista e a divisa
com Santa Bárbara, acompanhando a antiga Estrada da Balsa, e que é considerada no EIA como “urbanizável”, o que talvez possa significar, expansão futura de áreas residenciais.
PROPOSTAS: # que a PMA não emita, até apurar devidamente o enquadramento ou não do
projeto na ZI-2 , a certidão de conformidade, # e, que promova, com seus técnicos, consultando juristas desta área, uma
avaliação “ deste projeto deste tamanho neste local e por trinta anos”, levando-se em conta que ele pode ser classificado como instalação de alto risco e periculosidade, e neste caso, não estaria em conformidade com uma ZI- 2.
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Pois bem, há muitas dúvidas sobre como ficariam, no futuro, os bairros, as cidades de
Americana e Santa Bárbara, e a região, se tal projeto se concretizasse. Os autores deste parecer deixam
registrado, desde já, que a situação futura depende muito de como vêm sendo conduzidas, até aqui, as
etapas do investimento e do licenciamento ambiental, e dependem também, do quê ocorrerá deste
ponto, final de maio 2001 , em diante.
Tais preocupações sobre a qualidade de vida, o ar, a água, o barulho, o risco de acidentes, são
mais do que legítimas, e nas sociedades modernas, e nas principais regiões do país, costumam gerar
movimentos e ações práticas, por parte de grupos organizados, de moradores, de entidades
ambientalistas, e também dos dirigentes públicos e dos parlamentares.
Infelizmente, Sr. Prefeito, não foram estas as preocupações que guiaram, ou mesmo chegaram a
influenciar o consórcio empreendedor, seja a ponto de fazê-lo mudar seu ponto de vista ou de alterar o
projeto de forma radical, seja a ponto de decidir fazê - lo em outro local, em outra região.
Esta posição entrincheirada, e, para nós, desrespeitosa, fica ainda mais clara depois que se lê no
EIA, os tais “estudos de alternativas locacionais”: trata-se de uma peça de ficção, totalmente criada a
posteriori, para rechear o EIA e talvez atender à exigência da SMA. O fato crucial é que o sócio local
da Shell e da Intergen, a empresa CPFL, já alimenta e divulga, desde 1993, 94, a idéia de “ampliar
Carioba, convertendo a queima do óleo para gás”. Portanto, nunca houve disposição séria para outras
alternativas locacionais , nem outras alternativas tecnológicas.
Apenas, entre 1998 e 99, decidiu-se, em acordo com o então ministro Tourinho, que a usina da
SHELL seria em Americana, que a CPFL seria a sócia e compradora da eletricidade, que seria deste
tipo. Mas, veio crescendo de tamanho a olhos vistos, e sem qualquer explicação :
* Na CPFL, antes da privatização, havia estudos para uma central a gás com 300 MW.
* Na leva dos projetos do 2º governo FHC , foi inicialmente autorizada pela ANEEL, com base
em estudos de viabilidade econômica, para operar com 700 MW de potência.
* No RAP, apresentado em abril de 2000, já era bem maior : 945 MW.
* Neste EIA, somos informados que, agora, seriam instalados 1.200 MW e que , “por algum
tempo”, funcionaria na carga máxima.
Cá estamos nós , de retorno ao ponto de partida. As perguntas de tanta gente, inclusive dos governantes municipais, podem ser assim formuladas,
com simplicidade : Para a cidade e seus vizinhos, hoje, e no futuro, os riscos e efeitos desta mega-usina térmica são inexistentes ? ou, são existentes, mas aceitáveis, desde que sejam controláveis ?
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ou, são inaceitáveis desde já?
PODERÍAMOS NEM TER CHEGADO NESTE PONTO
De toda forma, já perdemos a chance, novamente de fazer valer o direito e a doutrina de
exigência de uma verdadeira avaliação completa de alternativas , que seria necessária em tal caso, aqui
ou alhures, com a participação pública.
No país de origem da Intergen e da ERM, onde a Shell também atua, e onde os componentes do
grupo VBC também fazem negócios, teria sido bastante diferente, e esta “alternativa” [ Americana,
mega -térmica a gás com 1.200 MW e Torre de resfriamento tipo úmida ] teria sido apenas uma dentre
várias alternativas, de tipos, tamanhos e localizações distintas, e aí, certamente esta “alternativa” teria
razões para ser descartada na fase inicial de comparações.
Para Americana e para nós, da região, o projeto Carioba-II vem se caracterizando como uma
sequência muito especial, jamais vista, de ações políticas e ideológicas, uma campanha persistente e
cara, e que vem merecendo, a nosso ver oportunamente, reações de desconfiança e até de rejeição, já
que :
* foi uma escolha exclusiva do interesse privado, a nós simplesmente comunicada;
* e, nos foi comunicada com o endosso de uma parte do governo federal, e talvez também, com
o apoio prometido dos setores de Energia e de Meio Ambiente do governo estadual.
Desde já, é bom sabermos que , no caso das sócias estrangeiras, o fato é que estão fazendo, por
aqui, de um modo que, em seus países de origem, não seria possível. Fosse nos EUA, a própria
política ambiental ( N.E.P.A ) prevê tratar tais questões com espírito público e rigor:
- a apresentação de um amplo leque de opções ( para a mesma finalidade do projeto ou destinação da mesma área ou dos mesmos recursos ) - a apresentação dos efeitos adversos potenciais de cada opção, os diretos, indiretos e os cumulativos - a apresentação dos efeitos benéficos potenciais de cada opção, também os diretos indiretos, e os cumulativos, a curto e longo prazo. - a avaliação dos impactos e a própria amplitude das alternativas devem ser feitas com a participação do público, já que ele seria afetado pelos efeitos e estaria sob novos riscos, e, de tal forma que
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– os tomadores de decisão, empreendedores e a administração pública prestem contas a este processo público de avaliação de alternativas. ( ref : O Brien, pgs 190- 200, trad. O . Sevá )
Neste quadro, seria normal, cotidiano e feito de forma organizada, que os tomadores de decisão
fossem pressionados - democraticamente e com argumentos fundados no conhecimento científico e
empírico local e regional
- a selecionar apenas as alternativas ambientalmente possíveis, recomendáveis, garantidas para o
futuro.
Em seguida, caberia nem iniciar o licenciamento ambiental das demais alternativas inadequadas,
daquele tipo e tamanho naqueles lugares.
Nesta hipótese, tão saudável, que parece utópica diante da nossa vivência atual possível, nem
estaríamos aqui às voltas com tais exercícios de ficção sobre a conjuntura, tendo que aguçar os
instintos de especulação e lidar com a fantasia a respeito de projetos nunca devidamente esclarecidos.
Nem estaríamos nos desgastando diante do dilema de
-ou - nos entregar às miragens sobre o futuro, ou , - de repudiá-las .
Uma coisa é implantar um projeto, operar uma nova usina elétrica, outra coisa, bem distinta, é pretender conquistar o poder politico na região. Na hipótese de realização do projeto, infelizmente, os destinos da cidade e do rio ficariam, em
boa parte, amarrados aos desígnios dos atuais empreendedores, da futura operadora, e em parte,
dependendo do entendimento e compromisso que tiverem com a SMA, com as licenças concedidas,
com a Cetesb, e, especialmente dos entendimentos que vierem a estabelecer com a PMA sobre o “ uso
compartilhado” da ETE municipal e de suas outorgas.
Vão muito além da cidade administrada por V. Senhoria, as pretensões de controle político
regional por parte da SHELL, da INTERGEN e da CPFL – cujos sócios são os grupos Votorantim,
Bradesco e Camargo Correa, além dos fundos de pensão e de um Clube de seus próprios funcionários.
Dentre as várias propostas divulgadas como mitigadoras, o consórcio se apresenta como “parceiro”
para controlar a vazão e adquirir dados de medição dos parâmetros de qualidade do rio Atibaia e da
represa de Americana, para construir novas represas na região e adquirir glebas ribeirinhas, para
construir a ETE Anhumas de Campinas, para transferir a captação da ETA 2 de Sumaré do Atibaia
para o Jaguari.
AS POUCAS CHANCES DE COMPROMISSO FIRME COM QUEM SE COLOCA APENAS
COMO VENCEDOR
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As características desta fase de licenciamento nos ajudam a vislumbrar nossas poucas chances
de um compromisso factível e fielmente cumprido por parte de tais empreendedores, caso este projeto
se concretize um dia.
Lembramos dos antecedentes históricos recentes em nossa região, conhecida pelos movimentos
de crítica e de repúdio a outros licenciamentos de projetos de termelétricas, - inclusive o repúdio
regional ao projeto da “piche – elétrica” da CESP em 1991-92, movimento que teve no Dr. Tebaldi
uma de suas lideranças na época , - e aí entendemos que,
# quando o consórcio estrangeiro e sua sócia CPFL decidiram que sua mega-usina seria feita em
Americana ali por perto da ETE , e não distante da divisa com Santa Bárbara, e usando água que
pertence e teria que ser devolvida ao Piracicaba,
# decidiram também que enfrentariam e dobrariam divergências e oposições ao projeto, nas duas
cidades e na recém – criada Região Metropolitana de Campinas.
E assim vêm tentando, incansávelmente, as equipes numerosas das sócias do Consórcio, da
ERM que elaborou o EIA, empresas de publicidade e, recentemente, com consultores de fora da
região, especialmente contratados. A tal ponto que:
# a própria obtenção de apoio político e popular passou a ser um objetivo estratégico do
empreendedor, tanto quanto influenciar e pressionar a SMA e futuramente o CONSEMA.
ALERTAS PARA A FALTA DE CONFIANÇA
Aproveitamos, ainda, o caráter reservado desta carta de encaminhamento, para transmitir o
nosso próprio sentimento de alerta : a julgar pelos antecedentes dos empreendedores e pela crônica de
outros licenciamentos, é dificil adquirir confiança. Damos nossas razões :
* I * Maus antecedentes na área ambiental.:
- a SHELL está se atrapalhando cada vez mais com o caso da contaminação em Paulínia, além
de ser conhecida por seu apoio à ditadura da Nigéria, e por sua decisão de afundar a plataforma Brent
no Mar do Norte, quando foi obrigada a retroceder por causa da reação em vários países;
- a CPFL, bem, já poderia há tempos ter melhorado os impactos da sua velha usina térmica de
Carioba no ar e no rio; - e, se era para operar a central de Salto Grande em benefício dos demais
usuários do rio, isto já deveria ter sido feito há muito tempo – e aí então, não faria sentido regularizar
o rio para logo depois perder uma vazão enorme por evaporação em TRs completamente inadequadas.
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- a INTERGEN que jamais esteve por aqui, mandou como interlocutor, pessoal técnico de outro
Estado, e ignorante do problema ambiental da região.
- a ERM, seus técnicos brasileiros e principalmente seus dirigentes norte americanos sabem
muito bem que dentre os principais temas de pesquisa, debate, ação legislativa , e dentre os principais
objetos de protocolos e acordos entre países e até continentais, atualmente na área ambiental, estão : a
formação de “smog foto-químico”, o aumento do ozônio respirável, a acidez atmosférica, o
aumento da emissão de gases que agravam o efeito estufa,
- e foi exatamente tudo isto que os autores do EIA omitiram , negligenciaram.
*II* A pretensão de compensar o que não é compensável
Citando o jurista francês prof. Michel Prieur , presidente do Centro Internacional de Direito
Comparado do Meio Ambiente :
“.A idéia de compensar as conseqüências prejudiciais é interessante, mas perigosa. A compensação pode ser técnica ou financeira. Pode ser a instalação de uma cortina de árvores para esconder uma fábrica e atenuar o atentado á paisagem; o financiamento de uma represa, de um criadouro de peixes; de uma reserva natural para compensar a destruição de um espaço frágil ecologicamente. Há então, uma espécie de comércio, que consiste em oferecer às populações concernidas uma contra-partida, para fazê-la psicologicamente aceitar o projeto. É nisto que a compensação é perigosa. A proteção do ambiente aí raramente encontra o seu valor, e o procedimento passa a ser mais um meio de comprar o direito de poluir, ou de destruir um eco-sistema. Dessa forma, poder-se-á justificar qualquer projeto, mesmo aquele que mais destrua o meio natural, porque será sempre possível compensar noutro lugar, ou de outra maneira.” [ cf P A. L Machado, Direito Ambiental Brasileiro, pg. 172 ]
* III * A abordagem colonial : desprezo pela condição de vida e nosso saber
Até o momento de decidirem que este projeto de 1.200 MW – que tecnicamente poderia se
instalar em vários outros trechos ao longo do GasBol em território paulista ou do Mato Grosso do Sul
- seria exatamente e unicamente em Americana, ( formalmente isto foi anunciado apenas em Outubro
de 1999 ), não houve qualquer concernimento prévio dos empreendedores com a qualidade de vida na
cidade. Aliás, nem mesmo depois, - quando tinham a obrigação de apresentar o Estudo de Impacto
completo e bem demonstrado, - houve a disposição em levantar, compilar e analisar corretamente as
poucas medições de poluição e os poucos estudos dos efeitos de poluição existentes por aqui. Também
não se viu a disposição do consórcio ou da ERM em saber criteriosamente o quanto já era poluída a
atmosfera da cidade, o quanto era poluído e super-utilizado o rio Piracicaba.
SEVÁ F, A.O e FERREIRA, A.L. – Parecer sobre o projeto de uma usina termelétrica de grande porte, a gás e a vapor, em Americana, SP, em maio de 2001. Contratante: Prefeitura Municipal de Americana/SEPLAMA.
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Decidiram o tamanho da central projetada com base apenas em considerações de mercado de
eletricidade, e sob a pressão de ter que concretizar, o quanto antes, alguns clientes “âncora” ao longo
do GasBol. Não importava, nesta concepção autocrática, que Americana fosse uma cidade de tal ou tal
tamanho, localizada em região limpa ou já contaminada, que a cidade fosse habitada e administrada
por tal ou tal tipo de pessoas, com tais ou tais idéias sobre sua região...
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Os autores consideram que esta convocação feita pela PMA/ SEPLAMA se constituiu numa
ocasião rara e destacada em sua vida profissional como engenheiros, e durante o seu já longo engajamento como moradores, professores e estudiosos da região.
E continuam ao dispor do contratante para esclarecimentos futuros sobre o Parecer Técnico que hoje apresentamos, solicitando também a sua divulgação integral até os dias anteriores à Audiência marcada para 7 de junho próximo nesta cidade.
Atenciosamente, recebam as mais respeitosas saudações ARSENIO OSWALDO SEVÁ FILHO ANDRÉ LUÍS FERREIRA
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