Patrimonio Industrial en El Brasil

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    Patrimnio industrial no Brasil

    Esterzilda Berenstein de Azevedo*

    Industrial Heritage in Brazil

    RESUMO: Este artigo aborda inicialmente as peculiaridades do processo de industrializao no Brasil, a partir do sculo XX, como reflexo de um fenmeno que tem origem na Inglaterra do sculo XVIII e difunde-se para outros pases europeus no decorrer do sculo XIX. O enfoque inicial, cen-trado no processo de industrializao no Brasil, analisa os quatro perodos em que se pode dividir esse desenvolvimento: o assim chamado Proibio (1500-1808); o conhecido por Implantao (1808-1930); o perodo da Revoluo Industrial Brasileira (1930-1956); por fim, o perodo da In-ternacionalizao, que se estende de 1956 aos dias de hoje. O estudo se atm, a seguir, ao tema do patrimnio industrial no Brasil, partindo dos conceitos de patrimnio industrial e arqueologia industrial, para concentrar-se, em seguida, na questo especfica dos engenhos aucareiros.

    Palavras-chave: industrializao no Brasil, patrimnio industrial.

    ABSTRACT: This essay deals at first with the peculiarities of the industrialization process in Brazil since the beginning of the 20th century, taken as reflex of a phenomenon which originated in 18th century England and spread to other European countries during the 19th century. The initial focus centers on the industrialization process in Brazil, considering the four periods in which this development may be divided: the so called Prohibition period (1500-1808); the period known as Establishment (1808-1930); the period of the Brazilian Industrial Revolution (1930-1956); and finally, the Internationalization period, which begins in 1956 and extends up to the present. The inquiry then confines itself to the theme of industrial heritage in Brazil, based on the concepts of industrial heritage and industrial arqueology, to then concentrate on the specific question of the sugar production mills.

    Keywords: industrialization in Brasil, industrial heritage

    * Graduao em Arquitetura pela Universi-

    dade Federal da Bahia (1971), tem mestrado em Cincias Sociais pela Universidade Federal da Bahia (1985) e doutorado em Estruturas Ambientais Urbanas pela FAU-USP (1995). Realizou o Ps-doutoramento em Requali-ficaao Urbana na Universit degli Studi di Roma " La Sapienza" (2005-2006). Atual-mente professora associadao da Universi-dade Federal da Bahia e coordenadora do Laboratrio de Requalificao Urbana. Email: eba0@terra.com.br

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    Antecedentes

    As origens do processo de industrializao remontam ao sculo XVlll, quando, em sua segunda meta-de, emerge na Inglaterra, grande potncia daquele perodo, uma srie de transformaes de ordem econmica, poltica, social e tcnica, que se convencionou chamar de Revoluo Industrial.

    Hoje esse processo j conhecido como Primeira Revoluo Industrial, pois, nos sculos XlX e XX, novas transformaes geraram a emergncia da Segunda e da Terceira Revoluo Industrial.

    Imagem - Moinho de acar. Em RUGENDAS, J. M. A picturesque trip to Brazil. Library of Congress. General Collections, 1835. Fonte: memory.loc.gv/intldl/brhtml/br-1/br/1-1.html. Acesso em 20/03/10.

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    As transformaes de ordem espacial decorrentes da implantao industrial foram enormes. Delas podemos citar como exemplos as prprias mudanas ocorridas na Inglaterra do sculo XlX, em que a indstria, associada modernizao do campo, gerou a expulso de milhares de camponeses em direo s cidades, o que gerou a constituio de cidades industriais, que nesse mesmo sculo ficaram conhecidas como cidades negras, em decorrncia da poluio atmosfrica gerada pelas indstrias. Alm disso, ocorreu uma grande mudana nas relaes sociais. As classes sociais do capitalismo ficaram mais claramente definidas: de um lado, os donos dos meios de produo (burguesia), que objetivavam, em primeiro lugar, lucros cada vez maiores, por meio da explorao da mo de obra dos trabalhadores, que ganhavam salrios miserveis, e trabalhavam em condies precrias. De outro lado, os trabalhadores, por sua vez, constituam o chamado proletariado (classe que vende sua fora de trabalho em troca de um salrio), que s veio a conseguir melhorias a partir do sculo XX, e isso como fruto de muitas lutas, com a deflagrao de greves, que foraram os patres e o Estado a conceder benefcios a essa camada da sociedade.

    O avano da indstria, especialmente a partir do sculo XlX, deu-se na direo de outros pases eu-ropeus, como a Frana, a Blgica, a Holanda, a Alemanha, a Itlia, e de pases fora da Europa, como os EUA, na Amrica, e o Japo, na sia. Grosso modo esses pases viriam a ser no sculo vindouro, as potncias que iriam dominar o mundo, em especial, os EUA, que hoje sem sombra de dvida so a maior potncia no apenas econmica, industrial, mas tambm militar do planeta.

    A partir do sculo XX, especialmente aps a Segunda Guerra Mundial, pases do chamado Terceiro Mundo tambm passaram por processos de industrializao, como o caso do Brasil. Nesses pases foi muito marcante a presena do Estado nacional na industrializao, e tambm das empresas mul-tinacionais (empresas estrangeiras), que impulsionaram esse processo, e fizeram de alguns pases da periferia do mundo hoje potncias industriais. S que diferentemente do que ocorreu nos pases do mundo desenvolvido, a industrializao no resultou necessariamente na melhoria de vida das popu-laes, ou no desenvolvimento do pas, pois esse processo nos pases subdesenvolvidos deu-se de forma dependente de capitais internacionais, o que gerou um aprofundamento da dependncia externa, como o que expresso nas dvidas externas. Alm disso, as indstrias que para c vieram, por j serem relativamente modernas, no geraram o nmero de empregos necessrio para absorver a mo de obra cada vez mais numerosa que vinha do campo para as cidades. Isso fez com que ocorresse um processo de metropolizao acelerado, no acompanhado de implantao de infraestrutura e da gerao de empregos, o que gerou um dos maiores problemas dos pases subdesenvolvidos hoje: o inchao das grandes cidades, com os problemas disso decorrentes.

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    Industrializao no Brasil

    A industrializao no Brasil pode ser dividida em quatro perodos principais: o primeiro perodo, de 1500 a 1808, pode ser chamado de Proibio. Nesta poca se fazia restrio ao desenvolvimento de atividades industriais no Brasil. Apenas uma pequena indstria para consumo interno era per-mitida, devido s distncias entre a metrpole e a colnia. Eram, principalmente, de fiao, calados e vasilhames. Na segunda metade do sculo XVIII algumas indstrias comearam a crescer, como a do ferro e a txtil. Mas, como j comearam a fazer concorrncia ao comrcio da corte, podendo tornar a colnia independente financeiramente, adquirindo a possibilidade da independncia poltica, isso foi visto com maus olhos em Portugal. Assim, em 5 de janeiro de 1785, Dona Maria I assinou um alvar extinguindo todas as manufaturas txteis da colnia, exceto a dos panos grossos, para uso dos escravos e trabalhadores.

    O segundo perodo, de 1808 a 1930, foi chamado de Implantao. Nele chega ao Brasil a famlia real, so abertos os portos ao comrcio exterior e foi fixada uma taxa de 24% para produtos importados, exceto para os portugueses, que foram taxados em 16%. Em 1810 foi fixada com a Inglaterra uma taxa de 15% para as mercadorias vindas deste pas. Neste perodo, o desenvolvimento industrial brasileiro foi mnimo devido forte concorrncia dos produtos ingleses, que plenamente invadiram o mercado consumidor brasileiro. A escravido ainda estava presente. Faltavam trabalhadores livres e assalariados para constituir a base do mercado consumidor. Alm disso, as elites enriquecidas pelo caf ainda no estavam dispostas a investir na indstria.

    Em 1850 assinada a Lei Eusbio de Queirs, proibindo o trfico de escravos, e que trouxe duas consequncias importantes para o desenvolvimento industrial:

    Os capitais que eram aplicados na compra de escravos ficaram disponveis e foram aplicados no setor industrial.

    A cafeicultura, que estava em pleno desenvolvimento, necessitava de mo de obra. Isso estimulou a entrada de um nmero considervel de imigrantes, que trouxeram novas tcnicas de produo de manufaturados e foi a primeira mo de obra assalariada (organizada) no Brasil. Assim, esses trabalhadores vindos de fora constituram um mercado consumidor indispensvel ao desenvolvimento industrial, bem como fora de trabalho especializada.

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    O setor que mais cresceu foi o txtil, favorecido em parte pelo crescimento da cultura do algodo, em razo da Guerra de Secesso dos Estados Unidos (grande exportador desse produto) entre 1861 e 1865. Na dcada de 1880 ocorreu o primeiro surto industrial, quando a quantidade de estabeleci-mentos passou de 200, em 1881, para 600, em 1889.

    Esse primeiro momento de crescimento industrial inaugurou o processo de substituio de impor-taes. Beneficiaram-se o mercado brasileiro e a indstria brasileira do perodo da Primeira Guerra Mundial, da Crise Econmica Mundial/Quebra da Bolsa de Nova Iorque e mais tarde da Segunda Guerra Mundial.

    Em 1907 foi realizado o 1 Censo Industrial do Brasil, indicando a existncia de pouco mais de 3.000 empresas. O 2 Censo, em 1920, mostrava a existncia de mais de 13.000 empresas, caracterizando um novo grande crescimento industrial nesse perodo, principalmente durante a Primeira Guerra Mundial, quando surgiram quase 6.000 empresas.

    Iniciava-se, portanto, o sculo XX com uma indstria de bens de consumo que j abastecia boa parte do mercado interno. O setor alimentcio cresceu bastante, principalmente na exportao de carne, ultrapas-sando o setor txtil. A economia do pas continuava, no entanto, dependente do setor agroexportador, especialmente o do caf, que respondia por aproximadamente 70% das exportaes brasileiras.

    O terceiro perodo, de 1930 a 1956, conhecido como fase da Revoluo Industrial Brasileira, foi marcado pela Revoluo de 30, que, com Getlio Vargas, operou uma mudana decisiva no plano da poltica interna, afastando do poder do Estado oligarquias tradicionais, que representavam os interesses agrrio-comerciais. Getlio Vargas adotou uma poltica industrializante, com a substituio da mo de obra imigrante pela nacional. Essa mo de obra era formada em estados do Sudeste, como Rio de Ja-neiro e So Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, em funo do xodo rural (fruto da decadncia cafeeira) e de movimentos migratrios de nordestinos. Vargas investiu forte na criao da infraestrutura industrial: implantou a indstria de base e aumentou a gerao de energia. Nesse perodo so criados o Conselho Nacional do Petrleo, a Companhia Siderrgica Nacional (CSN), a Companhia Vale do Rio Doce e a Companhia Hidreltrica do So Francisco.

    Uma caracterstica das indstrias que foram criadas desde a Primeira Guerra Mundial que muitas delas faziam apenas a montagem de peas produzidas e importadas do exterior. So subsidirias das

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    matrizes estrangeiras. No incio da Segunda Guerra Mundial o crescimento diminuiu, porque o Brasil no conseguia importar os equipamentos e mquinas que precisava. Isso ressalta a importncia de possuir uma Indstria de Bens de Capital.

    Apesar disso, as nossas exportaes continuaram a manter-se, acarretando um acmulo de divisas. A matria-prima nacional substituiu a importada. Ao final da guerra j existiam indstrias com capital e tecnologia nacionais, como a de autopeas.

    No segundo governo Vargas (1951-1954), os projetos de desenvolvimento baseados no capitalismo de Estado, atuando por meio de investimentos pblicos no extinto Instituto Brasileiro do Caf (IBC, em 1951), BNDES, entre outros rgos, forneceram importantes subsdios para Juscelino Kubitschek lanar seu Plano de Metas, ainda que a um elevado custo de internacionalizao da economia brasileira.

    Enquanto nas dcadas anteriores houve predominncia da indstria de bens de consumo, na dcada de 1940 outros tipos de atividade industrial comeam a desenvolver-se, como no setor de minerais, metalurgia, siderurgia, ou seja, setores mais sofisticados tecnologicamente.

    Em 1946 teve incio a produo de ao da CSN, que abriu perspectivas para o desenvolvimento indus-trial do pais, j que o ao constitui a base ou a matriz para vrios ramos ou tipos de indstria.

    Em 1950 alguns problemas de grande importncia dificultaram o desenvolvimento industrial, tais como a falta de energia, a baixa produo de petrleo e a deficiente rede de transporte e comunicao. Foi na perspectiva de corrigir esses problemas que foi fundada, entre outras, a Companhia Hidreltrica do Sao Francisco.

    O ultimo e quarto perodo depois de 1956, chamado de fase de internacionalizao da economia brasileira. Nesse perodo, de 1956 a 1961 governado por Kubitschek, foi lanado o Plano de Metas, que dedicou dois teros dos recursos ao estmulo do setor de energia e transporte. Foi quando se desenvolveu em um ritmo mais intenso o setor rodovirio e houve um grande crescimento da indstria de bens de produo, que cresceu de 37% para 63% em relao de bens de consumo.

    O crescimento da indstria de bens de produo refletiu-se principalmente nos seguintes setores: siderurgia e metalurgia (automveis), qumico e farmacutico, e a construo naval, implantada no Rio de Janeiro em 1958.

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    No entanto, o desenvolvimento industrial foi calcado, em grande parte, no capital estrangeiro, atrado por incentivos cambiais, tarifrios e fiscais oferecidos pelo governo. Nesse perodo teve incio em maior escala a internacionalizao da economia brasileira, com a atuao das multinacionais.

    Os problemas polticos que existiram no incio da dcada de 1960, com a renuncia de Jnio Quadros, a posse de Joo Goulart, e as discusses em torno do presidencialismo e parlamentarismo, dificultaram o crescimento da economia e da indstria.

    Depois do golpe de 1964, os governos militares retomaram e aceleraram o crescimento econmico e industrial. O Estado assumiu a funo de rgo supervisor das relaes econmicas e o desenvolvi-mento industrial dessa fase foi significativo.

    Ocorreu maior diversificao da produo industrial. O Estado assumiu certos empreendimentos, como a produo de energia eltrica, do ao, a indstria petroqumica, a abertura de rodovias e outros, as-segurando para a iniciativa privada as condies de expanso ou crescimento de seus negcios.

    Houve grande expanso da indstria de bens de consumo no-durveis e durveis, com a produo at mesmo de artigos sofisticados. Aumentou, entre 1960 e 1980, em nmeros significativos a produo de ao, ferro, cimento e petrleo.

    Para sustentar o crescimento industrial, houve o aumento da capacidade aquisitiva da classe mdia alta, graas ao financiamento do consumo. Foi estimulada, tambm, a exportao de produtos manufatura-dos por meio de incentivos governamentais. Em 1979, pela primeira vez, as exportaes de produtos industrializados e semi-industrializados superaram as exportaes de bens primrios (produtos da agricultura, minrios, matrias-primas).

    Aps um perodo de inflao ascendente, j com os militares fora do comando do Estado, foi lanado em 28 de fevereiro de 1986, pelo governo Sarney, o Plano Cruzado, que, embora tivesse objetivos eleitorais implcitos, foi caracterizado como uma tentativa de promover o crescimento da produo econmica brasileira sem passar pela penosa austeridade fiscal e monetria que seria a marca registrada do Plano Real, em 1994. No entanto, a proteo alfandegria que existia na poca, que restringia as importaes, levou ao desabastecimento, principalmente de produtos de primeira necessidade, pro-movido por setores oligopolizados da economia, que condenaram o plano econmico ao fracasso, no obstante sua poltica de manter o cmbio congelado e, com a taxa real de juros baixa, o PIB ter conhecido uma bolha de consumo interna sem precedentes em sua histria.

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    O ajuste das contas pblicas ps-Plano Real e a adoo de medidas tanto polticas como jurdicas de apoio micro e pequena indstria, bem como a entrada de capital estrangeiro atrado pelos programas de privatizao de estatais, tornaram o investimento do capital de risco no setor industrial atraente.

    Tambm contriburam para isso a desejada estabilidade nas regras da economia durante os mandatos de Fernando Henrique Cardoso e a deciso de seu sucessor, Lus Incio Lula da Silva, de manter as mesmas regras da economia.

    Com a autossuficincia no setor de petrleo, que minimizou o problema da dependncia de forneci-mento externo desse insumo ao setor industrial, s falta ao Brasil enfrentar um desafio atual, cada

    vez mais imposto pelo mundo globalizado: a gerao de tecnologia de ponta nacional.

    O patrimnio Industrial

    O estudo e a investigao do patrimnio industrial no Brasil iniciam-se antes da difuso da disciplina de arqueologia industrial no pas, que ocorreu durante a dcada de 1970. Pode-se se dizer, porm, que as pesquisas e a preservao do patrimnio industrial no Brasil so ainda incipientes, e seu campo terico, metodolgico e prtico para o conhecimento sobre o patrimnio industrial est ainda disperso em esforos isolados e pouco difundidos. O patrimnio industrial deve ser considerado como parte integrante do patrimnio cultural em geral.

    O patrimnio industrial compreende os vestgios da cultura industrial que possuem valor histrico, tecnolgico, social, arquitetnico ou cientifico. Estes vestgios englobam edifcios e maquinaria, oficinas, fbricas, minas e locais de processamento e de refinao, entrepostos e armazns, centros de produo, transmisso e utilizao de energia, meios de transporte e todas as suas estruturas e infra-estruturas, assim como os locais em que se desenvolveram atividades sociais relacionadas com a indstria, tais como habitaes, locais de culto ou de educao.

    A arqueologia industrial um mtodo interdisciplinar que estuda todos os vestgios, materiais e imateriais, os documentos, os artefatos, a estratigrafia e as estruturas, as implantaes humanas e as paisagens naturais e urbanas, criadas para ou por processos industriais. A arqueologia industrial utiliza

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    os mtodos de investigao mais adequados para aumentar a compreenso do passado e do presente industrial.

    O perodo histrico de maior relevo para esse estudo estende-se desde os incios da Revoluo Industrial, a partir da segunda metade do sculo XVIII, at nossos dias, sem negligenciar suas razes pr e protoindustriais. Para alm disso, apoia-se no estudo das tcnicas de produo, englobadas pela histria da tecnologia.

    O patrimnio industrial representa, portanto, o testemunho de atividades que tiveram e que ainda tm profundas consequncias histricas. As razes que justificam a proteo do patrimnio industrial decorrem essencialmente do valor universal daquela caracterstica, e no da singularidade de quaisquer stios excepcionais.

    Reveste-se de valor social como parte do registro de vida dos homens e mulheres comuns e, como tal, confere-lhes um importante sentimento identitrio. Na histria da indstria, da engenharia, da construo, o patrimnio industrial apresenta um valor cientfico e tecnolgico, para alm de poder tambm apresentar um valor esttico, pela qualidade de sua arquitetura, de seu design ou de sua concepo. Estes valores so intrnsecos aos prprios stios industriais, a suas estruturas, a seus elementos constitutivos, a sua maquinaria, a sua paisagem industrial, a sua documentao e tambm aos registros intangveis contidos na memria dos homens e de suas tradies.

    Os exemplos mais antigos, ou pioneiros, apresentam um valor especial. A conservao do patrimnio industrial depende da preservao de sua integridade funcional, e as intervenes realizadas num stio industrial devem, tanto quanto possvel, visar manuteno desta integridade. O valor e a autenticidade de um stio industrial podem ser fortemente reduzidos se a maquinaria ou componentes essenciais dele forem retirados, ou se os elementos secundrios que fazem parte do conjunto forem destrudos.

    Engenhos aucareiros

    Logo aps a descoberta do Brasil desenvolveu-se neste espao uma economia extremamente aberta e orientada para a exportao de acar destinada Europa, na qual um novo e extraordinrio surto

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    de urbanizao suscitava o aumento da procura desse produto. Isto se reveste de grande importncia no que significa de ruptura em face do funcionamento dominante da economia de ento, isto , tem incio a transformao da economia de subsistncia e de assistncia alimentar ao Reino em outra, movida pelo lucro mercantil; e com isso a integrao do Brasil num novo espao de produo.

    Por outro lado, a estruturao dessa economia do acar est j associada emergncia e ao au-mento dos conflitos de interesses nomeadamente, a tendncia para a monocultura, por um lado, e as necessidades da agricultura diversificada, por outro; a regulao do comrcio exportador pelo rei e, com tendncia a opor-se a este, o desejo liberal dos grandes mercadores que configura a dinmica capitalista que comea a despontar noutras partes da Europa. No sculo XIX ocorrer a ltima revitalizao da produo da cana sacarina no Brasil.

    Portanto, desde o sculo XVI o Brasil experimenta um tipo de indstria que poderamos de chamar de pr-industrial, em que o trabalho produtivo toma outra dimenso e a escala de produo j no tem a ver com as dimenses acanhadas impostas por seu anterior carter artesanal.

    Mas, se no primeiro ciclo do acar era o setor mercantil o ncleo desse movimento econmico, no segundo ciclo esse papel caber ao setor industrial. A indstria aucareira local era inicialmente constituda por fbricas de moer cana e por engenhos para fabrico de aguardente e de acar, apetrechados es-sencialmente com tecnologia tradicional assente na trao animal e na fora motriz da gua, chegando de meados para o final do sculo XIX o vapor a ser utilizado na moenda por algumas fbricas.

    As inovaes tecnolgicas j implantadas no sculo XIX no foram incorporadas homogeneamente por toda a indstria local, mas apenas pelas empresas com maior capacidade de investimento. O processo de concentrao da indstria local no decorre exclusivamente da capacidade de expan-so dos engenhos de acar, ele est tambm associado a um dos mais estruturantes e polmicos regimes de protecionismo portugus.

    O protecionismo estender-se- a toda a economia sacarina, abrangendo desde os agricultores aos in-dustriais da aguardente, do lcool e do acar, e surge a pretexto de atenuar a crise do setor decor-rente das doenas que afetaram a cana no sculo XIX.

    Em linhas gerais, pode-se classificar a manufatura de acar como um processo em que um mate-rial se transforma de um estado ao outro. A manufatura do acar tal como se adotou durante trs

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    sculos pode ser considerada um processo contnuo, isto , caracterizado pelo fluxo ininterrupto desde a matria prima, a cana, at o produto acabado. Os equipamentos de produo eram colocados segundo um layout definido e linhas fixas de produo. No que se refere ao movimento do produto, o engenho tradicional adotara um processo de movimentao horizontal, em que a gravidade era pouco utilizada no transporte dos lquidos e granis. O engenho de acar foi, portanto, um dos pioneiros do processo contnuo, que viria mais tarde a ser largamente utilizada na indstria siderrgica, qumica, de cimento, de vidro, etc.

    Embora o engenho de acar tenha sido originalmente uma indstria avanada para sua poca, com o tempo esse avano foi diminuindo. Apesar de alguns melhoramentos de equipamentos responsveis por cada uma das etapas de produo, o desenvolvimento do processo produtivo esteve sempre atrelado ao baixo nvel da tecnologia colonial. Somente no sculo XIX que os senhores de en-genho brasileiros incorporaram algumas transformaes que resultaram numa maior integrao do processo. Datam desse perodo modificaes: a introduo de novos aditivos qumicos, como a cal, a importao da moenda de trs rolos horizontais, a introduo da fornalha do tipo Jamaica, e a substituio da mo de obra escrava por trabalhadores assalariados. Coexistiram com os engenhos de tcnicas tradicionais engenhos que introduziram avanos de uma verdadeira usina, ou seja, a utili-zao do vapor para acionar as moendas e aquecer as caldeiras, produzir o vcuo e a centrifugao do acar para acelerar os processos de cozimento, cristalizao e clareamento do acar.

    Portanto, os engenhos aucareiros devem ser considerados como uma parte integrante do patrimnio cultural em geral. Sua proteo legal deve ter em considerao sua natureza especfica. Ela deve ser capaz de proteger as fbricas e suas mquinas, seus elementos subterrneos e suas estruturas no solo, os complexos e os conjuntos de edifcios, assim como as paisagens industriais. As reas de resduos industriais, assim como as runas, devem ser protegidas, tanto pelo seu potencial arqueolgico como pelo seu valor ecolgico.

    Infelizmente pouco se tem para preservar nos stios dos engenhos de acar do Recncavo Baiano. Existiram no sculo XIX cerca de oitocentos e tantos engenhos, mas ns levantamos cerca de 50 remanescentes deles. Sobrevive a casa, mas no sobrevive a fbrica. Sobrevive a capela e a casa, mas no sobrevive a fbrica, e assim por diante. Foram identificadas poucas fbricas, sem seus equipamentos. Existem alguns equipamentos dispersos, e apenas duas fbricas voltadas para a economia de subsistncia conservam parte dos seus equipamentos.

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    Apesar disso, um levantamento dos stios dos engenhos urge. Seria preciso preservar o que ainda pode ser preservado, observar como vestgio arqueolgico o que pode ser observado, entre outras aes.

    Referncias bibliogrficas

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