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POR UMA EPISTEMOLOGIA FEMINISTA NEGRA E DECOLONIAL: (re)discutindo e (re)afirmando o conceito de interseccionalidade
Fernanda da Silva Lima (PPGD/UNESC)
Email: felima.sc@gmail.com Resumo Pensar a luta das mulheres negras é pensá-la a partir da interseccionalidade. Por isto, este artigo traz como problemática verificar de que forma a interseccionalidade pode contribuir para a construção e consolidação do pensamento feminista negro no Brasil? Tem como objetivo geral estudar a interseccionalidade enquanto categoria teórica que explica as múltiplas subordinações impostas às mulheres negras em razão da manutenção do padrão colonial de poder e de gênero que constantemente invisibiliza ou não reconhece as demandas das mulheres negras. Para atender o objetivo proposto utilizou-se, como método de abordagem, o dedutivo. Como método de procedimento foi utilizado o método monográfico e como técnica de pesquisa aplicou-se a bibliográfica. Palavras-chave: Decolonialidade; Feminismo negro; Interseccionalidade;. Introdução
Contar a trajetória de luta das mulheres negras não é tarefa fácil. Por muito
tempo elas passaram invisíveis tanto aos movimentos sociais negros – que
privilegiaram os homens negros no debate político –, como aos movimentos
feministas mais tradicionais e até mesmo críticos que centravam sua atenção
exclusiva na luta de mulheres brancas burguesas num primeiro momento, e
posteriormente para incluir a classe como fator de subordinação, ignorando as
demandas por raça.
O fato é que as mulheres negras, mesmo presentes em ambos os
movimentos, não possuíam força política capaz de serem ouvidas ou levadas a
sério. A construção de um pensamento feminista negro ou do feminismo negro tem,
portanto, origem na luta das mulheres negras por representatividade e na busca por
serem reconhecidas como sujeito político.
É nesta perspectiva de ser um pensamento crítico construído na luta que o
feminismo negro se apresenta potente nos estudos decoloniais e na perspectiva do
que Lugones (2008) vai chamar de ‘sistema moderno-colonial de gênero’, permeado
pela colonialidade do poder que violentamente inferiorizam as mulheres colonizadas.
Vai compreender também que a raça é uma categoria estruturante, tanto quando
gênero, neste sistema colonial de poder e é isto que vai explicar a subordinação das
mulheres de cor – num sentido mais amplo, incluindo as mulheres negras.
Assim, a categoria da interseccionalidade é definida conceitualmente por
Kimberlé Crenshaw (2002) como “formas de capturar as consequências da interação
entre duas ou mais formas de subordinação: sexismo, racismo, patriarcalismo.” Logo
a interseccionalidade “[...] visa dar instrumentalidade teórico-metodológica à
inseparabilidade estrutural do racismo, capitalismo e cisheteropatriarcado.”
(AKOTIRENE, 2018, p. 14) A interseccionalidade é sobretudo, uma terminilogia
própria do pensamento feminista negro, que embora não seja impassível a críticas,
é um conceito que precisa ser melhor demarcado, definido e reafirmado.
Pensar a luta das mulheres negras é pensá-la a partir da interseccionalidade.
Por isto, este artigo traz como problemática verificar de que forma a
interseccionalidade pode contribuir para a construção e consolidação do
pensamento feminista negro no Brasil? Tem como objetivo geral estudar a
interseccionalidade enquanto categoria teórica que explica as múltiplas
subordinações impostas às mulheres negras em razão da manutenção do padrão
colonial de poder e de gênero que constantemente invisibiliza ou não reconhece as
demandas das mulheres negras. Para atender o objetivo proposto utilizou-se, como
método de abordagem, o dedutivo. Como método de procedimento foi utilizado o
método monográfico e como técnica de pesquisa aplicou-se a bibliográfica.
Decolonialidade, feminismo negro e interseccionalidade
Patricia Hills Collins (1986/2016) ao discutir a potência do pensamento
feminista negro afro-americano destaca que as mulheres negras se constituíram em
diferentes épocas e espaços dentro de uma tradição oral como “outsider within”. E
desta forma, construíram e constroem epistemologias de enfrentamento a um
pensamento único e universal, machista, sexista, racista, cristão, heteronormativo,
branco e violento.
Assim, reconfiguram-se como intelectuais que atuam e dizem o que há muito
fora silenciado e desprezado por uma tinta branca que ainda as invisibilizam.
Assumindo-se como “forasteiras de dentro” criam pontos de vistas de e para
mulheres negras ou ainda um ponto de vista com certos elementos que serão
partilhados por mulheres negras como grupo de diferentes formas, observações e
interpretações que traduzem a condição feminina afro-americana e brasileira
também, porque irmandadas pela colonialidade.
Quer-se com este estudo, construir saberes outros, compreendendo as
mulheres negras como outisider within (COLLINS, 1986/2016) E, sobretudo dar
concretude e visibilidade às mulheres negras, suas lutas, reivindicações e
enfrentamentos. Permitindo que as feridas coloniais que ainda não cicatrizaram
sejam expostas, quando se reconhecem como sujeitos atravessadas pela
colonialidade de poder e saber e o lugar que ocupam nesta máquina de produzir
diferenças que se mantém até hoje ancorada na noção de raça. (QUIJANO, 2009;
MIGNOLO; GÓMEZ 2012)
É importante pensar em novas estratégias de luta e saberes que tenham
como referência a descolonização. “A descolonização se apresenta como estratégia
que se impõe não somente como transformação, mas compreende, igualmente,
“construção e criação”. (WOLKMER, 2017 p. 20)
É também por esta razão que a tradição histórica linear dos movimentos
feministas tradicionais de primeira e segunda onda, marcadamente representativos
das demandas das mulheres brancas e burguesas, é insuficiente, pois universalizou
a categoria ‘mulher’. Ou seja, a categoria “mulher”, que constituía uma identidade
diferenciada da de “homem”, não era suficiente para explicá-las. (PEDRO, 2005, p.
82).
Este intenso debate demonstrou que não havia a “mulher” de forma universal,
genérica e abstrata, mas sim “mulheres” diferenciadas por diversos marcadores
como raça, condição sexual, classe, idade e que estes diversos marcadores podem
conjuntamente gerar as mais diversas formas de opressão. É a partir deste
reconhecimento, de que a categoria “mulheres” passa a ser compreendida para
demonstrar as diferenças existentes entre as próprias mulheres, que narrar
linearmente a trajetória do feminismo a partir de ondas teóricas é contestada por
feministas negras e brancas. (RIBEIRO, 2017).
No mesmo sentido, Espinosa-Miñoso (2014, p. 184) reafirma a necessidade
de pensar um feminismo decolonial. Para a autora El feminismo descolonial elabora una genealogía del pensamiento producito desde los márgenes por feministas, mujeres, lesbianas y gente racializada en general; y dialoga con los conocimientos generados por intelectuales y activistas comprometidos con desmantelar la matriz de opresión múltiple asumiendo un punto de vista no eurocentrado. (ESPINOSA-MIÑOSO, 2014, p. 184)
Considerações finais
Logo, não mais é possível pensar a aplicação universal dos direitos humanos
sem a devida análise sobre os marcadores de gênero e raça que são estruturantes
na nossa sociedade e utilizados para gerar opressões e discriminações. Esta é
também uma das finalidades deste projeto: praticar a escuta dos sujeitos
subalternos, neste caso as mulheres negras que são atingidas, pelo menos, pelas
opressões do racismo e do sexismo.
Pois, compreendemos com Gómez e Mignolo (2012, p.13) que a “[...] La
decolonialidad comienza por la liberación de lós sujetos reprimidos y marginalizados
por el racismo y el patriarcado [...]” atravessadas por violências múltiplas. E pensar
em epistemologias outras na perspectiva das mulheres negras. E, é sobretudo
romper com um pensamento único. Referências AKOTIRENE, Carla. O que é interseccionalidade. Belo Horizonte: Letramento, Justificando, 2018. Coleção Feminismos Plurais. COLLINS, Patricia Hill. Aprendendo com a outsider within: a significação sociológica do pensamento feminista negro. Revista Sociedade e Estado.Volume 31 Número 1 Janeiro/Abril 2016. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/se/v31n1/0102-6992-se-31-01-00099.pdf acessado em 20 de jun. 2018.
CRENSHAW, Kimberlé. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Estudos Feministas. Florianópolis, ano 10, n. 1, p. 171-188, jan./jun. 2002. ESPINOSA-MINÕSO, Yuderkys. Una crítica descolonial a la epistemologia feminista crítica. El cotidiano 184. Marzo-abril, 2014. LUGONES, María. Colonialidad y Géreno. Tabula Rasa. Bogotá – Colômbia, nº 9: p. 73-101, Julio-diciembre, 2008. QUIJANO, Anibal. Colonialidade de poder e classificação social. In: SANTOS, Boaventura Souza; MENEZES, Maria Paula (orgs) Epistemologias do sul. Coimbra: Gráfica Coimbra, 2009. p.73-118 PEDRO, Joana. Traduzindo o debate: o uso da categoria gênero na pesquisa histórica. HISTÓRIA, São Paulo, v.24, N.1, P.77-98, 2005. PEDRO PABLO, Gómez Moreno; MIGNOLO, Walter. Estéticas decoloniais. Bogotá: Universidad Distrital Francisco José Caldas,2012. RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala? Belo Horizonte: Letramento: Justificando, 2017. Coleção Feminismos Plurais. WOLKMER, Antônio Carlos. Para uma sociologia jurídica no Brasil: desde uma persspectiva crítica e descolonial. Revista Brasileira de Sociologia do Direito, v. 4, n. 3, set./dez. 2017.
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