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Processo n.º 285/2003 Data do acórdão: 2003-12-11
(Recurso penal)
Assuntos:
– direito à vida
– atenuação especial da pena
– art.º 66.º do Código Penal de Macau
S U M Á R I O
O direito à vida tem primazia de grande relevo, pelo que os preceitos
que enfraquecem ou diminuem a sua tutela têm de ajustar-se com rigor aos
casos concretos.
A acentuada diminuição da culpa ou das exigências da prevenção
constitui o pressuposto material da atenuação especial da pena prevista no
art.º 66.º do Código Penal de Macau. E tal só se verifica quando a imagem
global do facto, resultante da actuação da(s) circunstância(s) atenuante(s),
se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente
supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os
Processo n.º 285/2003 Pág. 1/21
limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 285/2003 Pág. 2/21
Processo n.º 285/2003
(Recurso penal)
Recorrente: (A)
Tribunal a quo: Tribunal Colectivo do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Base
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
1. (A), com os sinais dos autos, e após julgado no âmbito do
processo comum colectivo n.º PCC-035-03-1 do 1.º Juízo do Tribunal
Judicial de Base (TJB), veio recorrer para este Tribunal de Segunda
Instância (TSI), do acórdão final aí proferido em 26 de Setembro de 2003,
no qual foi condenado na pena única e global de 16 (dezasseis) anos de
prisão, resultante do cúmulo jurídico da pena de 15 anos e 6 meses de
prisão aplicada pela autoria material, na forma consumada, de um crime de
homicídio p. e p. pelo art.° 128.° do Código Penal de Macau (CP), e da
pena de 9 meses de prisão imposta pela autoria material, na forma
Processo n.º 285/2003 Pág. 3/21
consumada, de um crime de detenção de arma de agressão p. e p. pelo art.°
262.°, n.° 3, do mesmo CP.
E para rogar a procedência do seu recurso, o arguido concluiu a sua
motivação e peticionou como segue:
<<[...]
1. Por Acórdão de fls. 362 e seguintes, proferido nos autos em epígrafe, foi o
Arguido condenado na pena de quinze (15) anos e seis meses de prisão, pela prática
de um crime de homicídio simples p. e p. pelo artigo 128.º do Código Penal de
Macau e na pena de 9 meses de prisão, pela prática de um crime de detenção de
arma de agressão p. e p. pelo artigo 262.º n.º 3 do mesmo Código.
2. Em cúmulo, foi o Arguido condenado na pena única e global de dezasseis
anos de prisão efectiva.
3. O presente recurso limita-se a impugnar a referida decisão no que respeita à
determinação concreta da medida pena, atenda a não consideração dos postulados
constantes dos artigos 65.º e 66.º do Código Penal de Macau.
4. O Arguido não é uma pessoa violenta, não tem propensão para a prática de
actos violentos e nunca ofereceu resistência às autoridades policiais, antes pelo
contrário é uma pessoa pacata, trabalhadora, respeitada e inserida no seu meio
social.
5. A prática de um crime isolado na sua vida inteira, e tratando-se de uma
pessoa de 50 anos, não reflecte que a personalidade do Arguido corresponda ao
desvalor da sua conduta, e tal conclusão também não se retira dos elementos
constantes dos autos.
Processo n.º 285/2003 Pág. 4/21
6. A prática dos supra referidos crimes advêm de um cenário de discussão e
agressões entre Arguido e vítima.
7. E nesse contexto, o Arguido foi afectado por um descontrole absoluto, mas
que não traduz uma personalidade violenta, colérica e irascível.
8. O Arguido exercia a profissão de cavalariço no "Macau Jockey Club",
auferindo a quantia mensal de MOP$4.000,00, estava integrado na comunidade em
que se insere e tinha uma vida normal, modesta e digna.
9. O Arguido tem 2 filhos menores que estão a seu cargo que dependem
inteiramente dos seus proveitos.
10. Nada consta do certificado de registo criminal do Arguido junto aos autos.
11. O Arguido é um delinquente primário e, até à data, sempre teve uma
conduta socialmente irrepreensível, não tem antecedentes criminais e nunca
respondeu em Tribunal.
12. Mesmo posteriormente à prática dos factos, o Arguido manteve a sua
postura calma, séria e respeitadora.
13. O Arguido mostrou-se arrependido, tendo confessado integralmente a
prática do crime de homicídio simples.
14. O arrependimento do Arguido é sincero e este sente um enorme pesar pela
morte que causou à vítima, bem como o sofrimento que provocou aos familiares
desta.
15. O Arguido referiu por diversas vezes que se mostrava arrependido e que a
sua conduta se deveu a um acto irreflectido e a uma perturbação emocional
momentânea.
16. Referiu também que se fosse hoje jamais cometeria tal crime.
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17. O Arguido e a vítima discutiram, e esta agrediu fisicamente o aquele,
constando estes factos do douto Acórdão.
18. O Arguido, em resultado da discussão e das agressões, agiu sob o domínio
da censurável actuação da vítima, pois esta provocou-o injustamente e desencadeou
a sua conduta.
19. Não tendo o Arguido, no momento, o discernimento e serenidade
suficientes para efectuar um calmo exame da situação e assim "perdeu a cabeça".
20. O Tribunal "a quo", ao não valorar convenientemente as condições
pessoais do agente e a sua situação económica, bem como a conduta anterior e
posterior à prática dos crimes de homicídio simples e detenção de arma de agressão,
não teve em conta as circunstâncias que depunham a favor do Arguido, pelo que a
medida da pena ultrapassou a medida da culpa do Arguido.
21. Assim, o douro Acórdão violou, salvo o devido respeito, o disposto no
artigo 65.º do Código Penal de Macau ao não ter valorado tais circunstâncias.
22. Do mesmo modo, o Tribunal "a quo" violou o artigo 66.º do Código Penal
de Macau, uma vez que não teve em conta na determinação da pena abstractamente
aplicável as circunstâncias atenuantes especiais aplicáveis ao caso concreto no
tocante ao crime de homicídio simples.
Termos em que,
Deve ser dado provimento ao presente recurso
e, em consequência, ser revogado o douto
Acórdão proferido a fls. 362 e seguintes, na
parte da determinação concreta da medida da
pena, com a aplicação ao Arguido de uma
pena concreta inferior, tendo em conta as
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circunstâncias constantes das alíneas d) e e) do
n.º 2 do artigo 65.º do Código Penal de Macau
e ordenando-se a aplicação da atenuação
especial da pena ao caso em apreço, atento as
b) e c) do n.º 2 do artigo 66.º do mesmo
Código, com o que V. Exas. farão JUSTIÇA!
[...]>> (cfr. o teor de fls. 396 a 400 dos autos, e sic).
2. Em resposta a esse recurso, o Digno Magistrado do Ministério
Público junto do Tribunal recorrido entendeu a fls. 403 a 409, que se devia
manter por inteiro o aí decidido.
3. Subido o recurso para este TSI, o Digno Procurador-Adjunto
entendeu no seu Parecer emitido em sede de vista a fls. 438 a 442, que
devia ser negado provimento ao recurso.
4. Feito subsequentemente o exame preliminar, corridos em seguida
os vistos legais, e realizada que foi a audiência de julgamento nos termos
do art.° 414.° do Código de Processo Penal (CPP), cumpre decidir.
5. Para o efeito, é de transcrever, desde já, o conteúdo do acórdão
ora recorrido na seguinte parte:
Processo n.º 285/2003 Pág. 7/21
<<[...]
II- FACTOS
1. Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:
1º
No dia 9 de Fevereiro de 2003, por volta das 11H00, o arguido (A) deslocou-se
à residência da (B) sita em Macau, na Areia Preta, Lok Fu San Chun, Edifício XX
Lao, Xº andar, a fim de saber junto de (B) sobre o assunto de tratamento de
documentos de um conterrâneo seu.
2º
Na altura, o arguido (A) levava um cabo de madeira (de martelo) na mão.
3º
Como (B) não foi capaz de entregar o referido documento, o arguido (A)
suspeitou então que (B) estava a enganar o seu conterrâneo.
4º
O arguido (A) entrou, assim, em discussões com (B), e a seguir, os dois
agrediram-se na residência da (B) acima referida.
5º
Durante a luta, o arguido (A) usou uma faca de cozinha e duas facas de ponta
aguda da referida fracção e aquele cabo de madeira para esfaquear e agredir, de
uma forma indiscriminada e enérgica, a cabeça, o rosto e outras partes do corpo da
(B), até esta cair no chão e perder os sentidos.
6º
A referida agressão do arguido (A) sobre a (B) causou, directa e
inevitavelmente, lesões corporais da mesma, descritas no relatório da autópsia do
cadáver a fls. 163 a 165 dos autos, bem como a sua morte por ter sofrido vários
Processo n.º 285/2003 Pág. 8/21
cortes na cabeça e rosto, lesões na cabeça e cérebro e perda abundante de sangue
(vide o respectivo relatório).
7º
Após exame, o comprimento do cabo da dita faca de cozinha usada pelo
arguido (A) era de 10,5cm, enquanto o gume era de 17,5cm, e tendo 7,5cm de
largura; relativamente às duas facas de ponta aguda, o comprimento total duma
delas era de 15,9cm, o cabo era de 8,9cm, o gume era de 7cm, e tendo 1,75cm de
largura; e o comprimento da outra (cujo cabo e gume encontravam-se quebrados)
era de 21,7 cm, enquanto o gume era de 11,2cm, e tendo 1,5cm de largura; e o
comprimento do dito cabo de madeira era de 34cm, e tendo 3cm de largura.
8º
O arguido (A) deslocou-se à residência da (B) com o referido cabo de madeira,
não justificando a posse do mesmo, e empregou-o para agredir (B) durante a luta.
9º
O arguido (A) agiu livre, voluntária e conscientemente, e com dolo, ao praticar
os factos acima referidos.
10º
Bem sabia que a cabeça e o rosto são pontos vitais do corpo humano, e mesmo
assim, usou a faca de cozinha, a faca de ponta aguda e o cabo de madeira para
esfaquear e agredir energicamente a cabeça, o rosto e outras partes do corpo da (B),
a fim de a matar.
11º
Bem sabia que a sua conduta teria como resultado a morte da (B), e mesmo
assim, actuou, de propósito, para atingir tal resultado.
12º
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O arguido (A) bem sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei. *
A vítima (B), divorciada, tinha, à data da morte, 40 anos de idade e gozava de
boa saúde.
A demandante (D) é a filha única da ofendida e à data da morte da sua mãe
tinha 17 anos de idade.
A vítima tinha apenas empregos ocasionais e sustentava a sua mãe e a filha,
ora demandante.
A vítima perdeu a vida em consequência directa e necessária das lesões brutais
que lhe foram infligidas pelo arguido.
A vítima antes de morrer sentiu dores agonizantes e sofrimento atroz pelas
graves lesões e ferimentos na cabeça e noutras partes do corpo.
A demandante ficou órfã da mãe que tanto amava, quando era menor.
Sofreu e continua a sofrer muito com o súbito desaparecimento da sua mãe e
que lhe provocou, como ainda lhe provoca, sofrimentos, desgostos, angústias e
noites de insónias e fazendo-a viver em permanente ansiedade.
A vítima era a sua amiga, era ela quem educava, apoiava e orientava a vida da
demandante.
***
O arguido confessa parcialmente os factos.
Auferia, mensalmente, cerca de MOP$4.000,00 e tem a seu cargo dois filhos
menores. Possui como habilitações o curso primário incompleto.
***
Nada consta em seu desabono do seu CRC junto aos autos.
***
Processo n.º 285/2003 Pág. 10/21
2. Não se provaram quaisquer outros factos relevantes do pedido cível de
indemnização e que não estejam em conformidade com a factualidade acima
assente.
***
3. A convicção do Tribunal baseou-se na prova constante dos autos, na análise
crítica das declarações do arguido e no depoimento das testemunhas inquiridas.
***
III- ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL
Cumpre analisar os factos e aplicar o direito.
O artº 128º do CPM preceitua o seguinte: “Quem matar outra pessoa é punido
com pena de prisão de 10 a 20 anos.”
Por seu turno, o artº 262º n° 3 do mesmo código prevê que: “Quem detiver ou
trouxer consigo arma branca ou outro instrumento, com o fim de serem usados
como arma de agressão ou que possam ser utilizados para tal fim, não justificando
a sua posse, é punido com pena de prisão até 2 anos.”
***
Ora, da factualidade apurada, dúvidas não restam de que o arguido incorreu na
prática dos aludidos crimes, mostrando-se preenchidos os elementos objectivos e
subjectivos dos respectivos tipos previstos nas supracitadas normas e tal como lhe
vêm imputados.
***
Encontrado os tipos e vista as molduras abstractas da pena, há agora que
apurar a medida concreta da pena.
Na determinação da pena concreta, ao abrigo do disposto no artº 65º do CPM,
atender-se-á à culpa do agente e às exigências da prevenção criminal, tendo em
Processo n.º 285/2003 Pág. 11/21
conta o grau de ilicitude, o modo de execução, gravidade das consequências, o grau
da violação dos deveres impostos, intensidade do dolo, os sentimentos
manifestados, a sua motivação, as suas condições pessoais e económicas,
comportamento anterior e posterior e demais circunstancialismo apurado.
Se bem que o arguido é delinquente primário, contudo, in casu, o grau de
ilicitude é elevada, assim como a intensidade do dolo.
Por outro lado, o desvalor da conduta do arguido e a sua personalidade, que
em certa medida se transparece no modo como praticou o crime de homicídio,
merece uma censura severa.
Pelo que, se tem por ajustada uma pena de quinze anos e seis meses de prisão
para o crime de homicídio e a de nove meses para o crime de detenção de arma
proibida.
Em cúmulo, na pena de dezasseis anos de prisão.
***
E ao cometer o facto ilícito que vem provado terá o arguido incorrido no dever
de indemnizar, verificando-se como se verificam os pressupostos da
responsabilidade civil, à luz do que preceitua o artº 477º do CCM.
Constitui princípio geral do nosso direito positivo, consagrado no art° 556º do
CCM, que a obrigação de indemnizar se oriente no sentido da reconstituição da
situação que existia na esfera do lesado se não tivesse ocorrido o evento que obriga
à reparação.
Tal reconstituição visará não só os prejuízos patrimoniais como ainda aqueles
que, embora insusceptíveis de expressão pecuniária, mereçam pela sua gravidade, a
tutela do direito – danos morais ou não patrimoniais.
Processo n.º 285/2003 Pág. 12/21
Teremos em linha de conta a orientação jurisprudencial que assenta na ideia de
que merecem tutela jurídica aqueles danos que “espelhem uma dor, angústia,
desgosto ou sofrimento”.
Na fixação da indemnização por danos desta natureza, manda o artº 489º do
C.C.M., com referência aos artºs 487º e 488º do mesmo diploma, que se atenda a
critérios da equidade, ao grau de culpabilidade do agente, situação económica do
lesante e do lesado, sendo ainda princípio assente de que a indemnização nestes
casos visará proporcionar ao lesado um prazer capaz de neutralizar a angústia, dor
ou contrariedade sofridas.
***
Tudo ponderado, e atento o objecto do pedido, temos por ajustada uma
indemnização à demandante no montante de MOP$200.000,00 pela dor e
sofrimento com a perda irreparável de um ente querido.
E quanto à indemnização ao dano morte, a vítima perdeu a vida quando tinha
os seus 40 anos de idade, e se bem que a vida é um valor absoluto e insubstituível,
contudo a lei considera a sua lesão passível de reparação pecuniária de acordo os
critérios legais acima referidos.
Assim, o Tribunal entende que deve ser compensado pela quantia de
MOP$700.000,00, que se afigura justa e equitativa.
Tudo visto e ponderado, resta decidir.
***
IV- DECISÃO
Nos termos e fundamentos expostos, na procedência da acusação, o Tribunal
condena o arguido (A) na pena de quinze (15) anos e seis (6) meses de prisão pela
prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio p. e
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p. pelo artº 128º do CPM; e na pena de nove (9) meses de prisão pela prática, em
autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção de arma de
agressão p. e p. pelo art° 262º n° 3 do mesmo código.
Em cúmulo, vai o arguido condenado na pena única e global de dezasseis (16)
anos de prisão.
Declara perdido a favor da RAEM os objectos apreendidos e numerados a 3, 4,
5, e 7 da lista de fls. 287, por serem instrumentos do crime, e devolva os restantes
objectos e dinheiro apreendidos (cf. fls. 285 a 287v) aos seus legítimos
proprietários.
*
E na procedência parcial do pedido cível:
- Vai o arguido condenado a pagar à demandante a indemnização no montante
global de MOP$900.000,00 (novecentas mil patacas), a título de danos morais e
patrimoniais. A tal montante indemnizatório acrescerá os juros vincendos à taxa
legal até ao seu integral e efectivo pagamento; e
- Nos termos do disposto nos artºs 1°; 4° nº1; 8º, 21º do DL n° 41/94/M, de 1
de Agosto, considero verificada a insuficiência económica da requerente (D) e
assim concedo-lhe o benefício do apoio judiciário na modalidade de patrocínio
judiciário e na dispensa total de pagamento de preparos e custas.
*
Vai ainda o arguido condenado em seis Ucs de taxa de justiça e nas custas do
processo, com mil e quinhentas patacas de honorários a favor do Exmº Defensor,
bem como a quantia de novecentas patacas nos termos do artº 24º da Lei n° 6/98/M,
de 17 de Agosto.
Processo n.º 285/2003 Pág. 14/21
Custas do pedido cível na proporção dos respectivos decaimentos, fixando à
Exma. Patrona nomeada para o pedido cível a quantia de MOP$6.000,00 a cargo
do Gabinete do T.U.I.
[...]>> (Cfr. o teor de fls. 364 a 368 dos autos, e sic).
6. Pois bem, considerando a questão de rogada revisão da medida da
pena até com pretendida atenuação especial da mesma, como tal colocada
pelo arguido na parte das conclusões da sua motivação como objecto do
seu recurso, e depois de analisados todos os elementos decorrentes do teor
do acórdão ora recorrido e pertinentes à decisão a dar ao caso, é de louvar
efectivamente a seguinte análise já judiciosa e perspicazmente
empreendida pelo Digno Procurador-Adjunto junto deste TSI no seu mui
conceituado Parecer:
<<[...]
O arguido expende – reportando-se, em especial, ao crime de homicídio – que
"a medida da pena ultrapassa a medida da culpa".
E é certo que a culpa, enquanto pressuposto da pena, define o seu limite
máximo.
No âmbito desse limite, entretanto, a medida concreta "é determinada no
interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é
oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é
constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico; dentro
desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em
função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização,
Processo n.º 285/2003 Pág. 15/21
excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais" (cfr.
Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, 110).
É esta, na realidade, a teoria que decorre, com meridiana clareza, do artº. 40º,
nºs. 1 e 2, do C. Penal.
A quantificação da culpa e da intensidade das razões de prevenção, em função
das quais se vão dimensionar as correspondentes molduras, faz-se, naturalmente,
através de "todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime,
depuserem a favor do agente ou contra ele ..." (cfr. artº. 65º, nº. 2, do mesmo
Diploma).
Que dizer, então, das circunstâncias apuradas?
Em benefício do recorrente, provou-se, apenas, a confissão parcial dos factos.
Não se mostra, porém, que tal confissão tenha contribuído, minimamente, para
a descoberta da verdade.
E, muito menos, que haja sido acompanhada de arrependimento.
Em termos agravativos, há que atentar, essencialmente, no facto de o
recorrente ter agido com dolo directo e muito intenso.
Apurou-se, efectivamente, que esfaqueou e agrediu "de uma forma
indiscriminada e enérgica, a cabeça, o rosto e outras partes do corpo" da vítima.
E averiguou-se, também, que utilizou, para o efeito, três facas, para além de
um cabo de madeira.
O arguido afirma, a propósito, que "perdeu a cabeça".
Mas não se vislumbra motivo para isso, como se sublinha na resposta à
motivação.
No crime de homicídio, o bem jurídico protegido é a vida humana.
Processo n.º 285/2003 Pág. 16/21
E, conforme doutrinou o S.T.J. de Portugal, num acórdão que mantém plena
actualidade, "o direito à vida tem primazia de grande relevo, pelo que os preceitos
que enfraquecem ou diminuem a sua tutela têm de ajustar-se com rigor aos casos
concretos" (cfr. ac. de 26-6-68, B.M.J.178-164) [com nota deste TSI no sentido de que
esse aresto é tido aqui em conta apenas para efeitos de referência académica].
As penas aplicadas mostram-se, em suma, justas e equilibradas.
E, por isso, apenas se fará uma breve referência à pretendida "atenuação
especial".
Como é sabido, a acentuada diminuição da culpa ou das exigências de
prevenção ("necessidade da pena"), constitui o pressuposto material da aplicação
do artº. 66°. do C. Penal.
E tal só se verifica "quando a imagem global de facto, resultante da actuação,
da(s) circunstância(s) atenuante(s), se apresente com uma gravidade tão diminuída
"que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais
quando estatuiu os elementos normais da moldura cabida ao tipo de facto
respectivo" (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências
Jurídicas do Crime, 306).
Ora, a situação em análise não preenche, seguramente, esse condicionalismo.
Deve, pelo exposto, ser negado provimento ao recurso.>> (Cfr. o teor de fls.
438 a 442 dos autos, e sic).
Nesses termos, há-de improceder o recurso, sendo certo que este TSI,
como tribunal de recurso, não tem obrigação legal de aquilatar da justeza
ou não de todas as razões invocadas pelo arguido para sustentar a sua
pretensão no presente recurso, mas sim tão-só de decidir da questão de
Processo n.º 285/2003 Pág. 17/21
diminuição da pena (a qual inclui também a almejada atenuação especial
da pena) concretamente por ele posta nas conclusões da sua motivação
como objecto do mesmo recurso (cfr. neste sentido, nomeadamente os
arestos deste TSI nos seguintes autos de recurso penal: de 4/12/2003 no
processo n.° 159/2003, de 20/11/2003 no processo n.º 225/2003, de
6/11/2003 no processo n.° 215/2003, de 30/10/2003 no processo n.°
226/2003, de 23/10/2003 no processo n.° 201/2003, de 25/9/2003 no
processo n.º 186/2003, de 18/7/2002 no processo n.º 125/2002, de
20/6/2002 no processo n.º 242/2001, de 30/5/2002 no processo n.º 84/2002,
de 17/5/2001 no processo n.º 63/2001, e de 7/12/2000 no processo n.º
130/2000).
7. Em harmonia com o exposto, acordam em negar provimento ao
recurso.
Custas nesta instância pelo recorrente, com duas UC (mil patacas) de
taxa de justiça (fixada nos termos conjugados dos art.°s 69.°, n.° 1, e 72.°,
n.°s 1 e 3, do Regime das Custas nos Tribunais).
Fixam em mil e duzentas patacas os honorários devidos à Exm.ª
Defensora Oficiosa do recorrente, a adiantar pelo Gabinete do Presidente do
Tribunal de Última Instância.
Notifique o arguido recorrente pessoalmente através do Estabelecimento
Prisional de Macau.
E comunique à autora do pedido cível, na pessoa da sua Ilustre Patrona
Processo n.º 285/2003 Pág. 18/21
Oficiosa.
Macau, 11 de Dezembro de 2003.
Chan Kuong Seng (relator)
Lai Kin Hong
José Maria Dias Azedo – com declaração que segue.
Processo n.º 285/2003 Pág. 19/21
Processo nº 285/2003
Declaração de voto
Atenta a matéria de facto pelo Colectivo “a quo” dada como provada e
retratada no douto Acórdão que antecede, onde se explicitam as características
das “facas” utilizadas pelo arguido ora recorrente, (cfr. ponto 7 a fls. 8), cremos
que devia ser a sua conduta qualificada como a prática, em concurso, de um
crime de “homicídio” e um outro de “detenção de arma proibida” do artº 262º
nº 1 do C.P.M., e não, de “arma branca” p. e p. pelo nº 3 do referido preceito.
Assim, considerando que em sede de apreciação de um recurso, não
pode – nem deve – esta Instância, dispensar-se de reexaminar (oficiosamente) a
correcção da qualificação jurídica efectuada na decisão recorrida – neste sentido,
cfr., v.g., os Acs. deste T.S.I. de 03.02.2000, Proc. nº 1267; de 14.12.2000, Proc. nº
158/2000 e Proc. nº 163/2000; de 15.03.2001, Proc. nº 200/2000; de 05.06.2003, Proc.
nº 76/2003; de 24.07.2003, Proc. nº 3/2003-II; e, as declarações de voto que anexei ao
Ac. de 18.09.2003, Proc. nº 158/2003, de 03.10.2003, Proc. nº 204/2003, e, de
23.10.2003, Proc. nº 216/2003 – devia-se, como oportunamente sugeri, comunicar
tal deficiente qualificação ao arguido recorrente, e após ter este exercido o seu
Processo n.º 285/2003 Pág. 20/21
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