View
229
Download
0
Category
Preview:
Citation preview
ISBN: 978-85-7745-6116
Universidade Federal de Gois UFG Reitor Edward Madureira Brasil Vice-Reitor Eriberto Francisco Bevilaqua Marin Pr-reitora de Graduao Sandramara Matias Chaves Pr-reitora de Pesquisa e Ps-Graduao Divina das Dores de Paula Cardoso Pr-reitor de Extenso e Cultura Anselmo Pessoa Neto Pr-reitor de Administrao e Finanas Orlando Afonso Valle do Amaral Pr-reitor de Desenvolvimento Institucional e Recursos Humanos Jeblin Antnio Abrao Pr-reitor de Assuntos da Comunidade Universitria Ernando Melo Filizzola Diretor da Escola de Msica e Artes Cnicas Eduardo Meirinhos
Diretora em Exerccio da Escola de Msica e Artes Cnicas Ana Guiomar Rgo Souza Coordenador do Programa de Ps-Graduao Anselmo Guerra de Almeida Coordenadora do Curso de Msica Licenciatura Flavia Maria Cruvinel
2
Diretoria da Associao Brasileira de Educao Musical (Gesto 2009-2011) PRESIDENTE Profa. Dra. Magali Oliveira Kleber UEL, PR VICE-PRESIDENTE Profa. Dra Jusamara Souza UFRGS, RS TESOURARIA Tesoureira Profa. Dra. Cristiane Almeida UFPE, PE Segunda Tesoureira Profa. Ms. Vnia Malagutti Fialho UEM, PR SECRETARIA Secretrio Prof. Dr. Luis Ricardo Silva Queiroz UFPB, PB Segunda Secretria Profa. Ms. Flvia Narita UNB, DF CONSELHO EDITORIAL Presidente Profa. Dra. Luciane Wilke Freitas Garbosa UFSM, RS Editora Profa. Dra. Maria Ceclia Torres IPA, RS Membros Prof. Dr. Carlos Kater UFSCar, SP Profa. Dra. Cssia Virgnia Coelho de Souza UFMT, MT Profa. Dra. Lilia Neves UFU, MG DIRETORIA REGIONAL Norte Prof. Dr. Ruy Henderson Filho UEPA - PA Nordeste Prof. Ms. Vanildo Marinho UFPB, PB Centro-oeste Profa. Ms. Flavia Maria Cruvinel UFG, GO Sudeste Profa. Dra. Ilza Zenker Joly UFSCar, SP Sul Profa. Dra. Cludia Ribeiro Bellochio UFSM, RS
3
CONSELHO FISCAL Presidente Profa. Dra. Luciana Del Ben UFRGS, RS Membros Profa. Dra. Heloisa Feichas UFMG MG Profa. Dra. Ana Lcia Louro UFSM, RS Profa. Dra. Leda Mafiolletti UFRGS, RS Suplentes Profa. Ms Juciane Araldi UEM, PR Prof. Ms. Manoel Rasslan UFMS, MS Profa. Ms. Cleusa Erilene Cacione UEL, PR Profa. Ms. Carolina Joly UFSCAR, SP
4
Comisso Organizadora
Presidncia da Comisso Organizadora Profa. Dra. Magali Oliveira Kleber - UEL Prof. Dr. Anselmo Guerra de Almeida - UFG Coordenao Geral Profa. Ms. Flavia Maria Cruvinel UFG Coordenao Cientfica Prof. Dr. Luis Ricardo Silva Queiroz UFPB Coordenao Secretaria Profa. Ms. Thas Lobosque Aquino- UFG Profa. Ms. Silvana Rodrigues UFG Coordenao Infra-Estrutura Profa. Dra. Nilcia Protsio Campos - UFG Profa. Dra. Fernanda Albernaz do Nascimento- UFG Profa. Ms. Gilka Martins de Castro Campos UFG Coordenao de Apoio aos Congressistas Profa. Ms. Vanessa Carla Bertolini UFG Profa. Luz Marina de Alcntara SEDUC Coordenao Artstico-Cultural Prof. Dr. Carlos Henrique Coutinho Rodrigues Costa UFG Diagramao e formatao dos Anais: Prof. Dr. Luis Ricardo Silva Queiroz UFPB Prof. Ms. Vanildo Mousinho Marinho UFPB Rodolfo Rangel de Lima UFPB Charles Michel Nunes Flix UFPB Equipes: Secretaria Profa. Dbora Marra Centro Livre de Artes Profa.Adriana Andraus Centro Livre de Artes Profa. Carla Emanuelle Souza da Rocha Centro Livre de Artes Profa. Jamildes Pires Borges Castro Centro Livre de Artes Profa. Maria Jos Capuzzo Centro Livre de Artes Profa. Dilma Yamada Centro Cultural Gustav Ritter Ayra Sam O. Sousa UFG Bruno de S Nunes - UFSCAR Felipe Eugenio Vinhal - UFG Helieber Ferreira Rodrigues - UFG Levi Azevedo Nogueira de Carvalho - UFG Mateus Andr Martins Pena - UFG Matheus Felipe de Oliveira Paglacci - UFSCAR
5
Murilo Ferreira Velho de Arruda - UFSCAR Natlia Brigo de Severino - UFSCAR Philipe Raoni Queiroz Melo - UFG Sandra Gomes Ribeiro - UFG Wesley Romrio Lopes - UFG Infra-Estrutura Aldo Roque Ribeiro Filho - UFG Alessandra Nunes de Castro Silva - SME Alinne Cabral Tanns - UFG Andr Evangelista de Oliveira - UFSCAR Andr Gomes Felipe - UFSCAR Andr Ricardo Barros Marques - UFSCAR Brisa Broseghini Machado UFG Claudio Fernandes de Castro - UFG Davi Coutinho - UFG Detlef Lothar Matthias Melsbach - UFG Fabrcio de Oliveira Cardoso - UFG Felipe de Souza - UFSCAR Felipe Stival Harter - UFSCAR Gilmar dos Santos Loureno - UFG Hugo Cabral Tanns Joo Luis de Oliveira - UFG Jesiel Gonalves Fernandes - UFG Kaloni Scharnovski - UFG Karliene Arajo e Silva - UFG Katarine de Sousa Arajo - UFG Kemuel Kesley Ferreira dos Santos - UFG Larissa dos Santos Martins UFG Leandro Mouro Diamantino - UFG Lucas Dourado Freire UFG Lucas Manasss Barbosa - UFG Lucas Pereira de Almeida - UFSCAR Luiz Francisco de Paula Ipolito - UFSCAR Luna Borges Melo - UFG Marcos Vincius Galvo Pereira - UFG Marx Berdini Pereira Muniz - UFG Max Douglas Vieira - UFSCAR Ngila Lemos Batista - UFG Noel Carvalho - UFG Pedro Gabriel Picolo -UFSCAR Silas Tavares Escobar - UFG Thas Cristina Machado - UFSCAR Thiago Salas Gomes UFSCAR Washington Eduardo Martins Soares - UFG Apoio aos Congressistas Profa. Dra.Cludia Regina de Oliveira Zanini UFG Profa Ms. Consuelo Quireze Rosa UFG Profa Ms. Denise de Almeida Felipe UFG
6
Profa Ms Dulce Regina de Oliveira UFG Prof. Ms. Fabiano da Silva Chagas UFG Profa Ms Joana Christina B. de Azevedo UFG Prof. Dr. Johnson Joanesburg Anchieta Machado UFG Profa. Dra. Magda de Miranda Clmaco UFG Profa Ms Maria Lcia Mascarenhas Roriz UFG Prof. Ms. Pedro Martelli UFG Prof. Ms. Robervaldo Linhares Rosa UFG Prof. Ms. Rodrigo Carvalho de Oliveira UFG Profa Ms. Sylmara Cintra Pereira SEDUC Profa Ana Rita Oliari Enrich SEDUC Profa Maria Jos Garcia Glria SEDUC Prof. Ms. liton Pereira SEDUC Lucas Dourado Coelho - UFG Caio Vincius Cerzsimo de Souza Dias - UFSCAR Mariana Barbosa Ament - UFSCAR Artstico-Cultural Prof. Dr. Antonio Marcos Souza Cardoso UFG Prof. Dr. Fbio Fonseca de Oliveira UFG Prof. Jarbas Cavendish - UFG Profa. Ms. Adriana Oliveira Aguiar - UFG Caue Barcelos - UFG Kalebe de Oliveira Pinheiro - UFG Rogrio Gonalves Pinheiro UFG Apoio Tcnico Aires Francisco de Oliveira UFG Ana Carolina Lamarque - UFG Anileide Silva Barros - UFG Deborah Moraes Pimentel - UFG Erick de Lira Lapa - UFG Euller Gontijo de Oliveira - UFG Fabricia Vilarinho de Menezes - UFG Gerda Arianna da Silva Gomes - UFG Juliana de Almeida Ferreira - UFG Leonardo Victtor de Carvalho UFG Luanna Anastacia Torres - UFG Marcus Vinicius Pantaleo Gomes UFG Ronaldo Caetano Mendona - UFG Srgio de Alencastro Veiga Filho - UFG Valdemar Soares Nogueira - UFG Comit Cientfico Prof. Dr. Luis Ricardo Silva Queiroz UFPB (Presidente) Profa. Dra. Ana Cristina Tourinho - UFBA Profa. Dra. Fernanda Albernaz do Nascimento UFG Profa. Dra. Luciane Wilke Freitas Garbosa UFSM Profa. Dra. Jusamara Vieira Souza UFRGS Profa. Dra. Maura Penna UFPB
7
Pareceristas: Profa. Dra. Ana Guiomar Rgo Souza - UFG Prof. Dr. Carlos Kater Profa. Dra. Cssia Virgnia Coelho de Souza - UFMT Profa. Dra. Cntia Thais Morato - UFU Profa. Dra. Claudia Bellochio UFSM Profa. Dra. Cristiane Almeida UFPE Profa. Dra. Cristina Grossi UNB Profa. Dra. Denise Alvares Campos - UFG Prof. Dr. Eduardo Luedy - UEFS Profa. Dra. Eliane Leo - UFG Profa. Dra. Ftima Carneiro dos Santos - UEL Profa. Dra. Fernanda Albernaz UFG Profa. Dra. Flavia Candusso - UFBA Profa. Dra. Heloisa Feichas UFMG Prof. Dr. Hugo Ribeiro - UNB Prof. Dr. Jean Joubert Freitas Mendes - UFRN Prof. Dr. Jose Nunes Fernandes UNIRIO Prof. Dr. Jos Ruy Henderson Filho UEPA Prof. Dr. Jos Soares de Deus - UDESC Profa. Dra. Jusamara Souza - UFRGS Profa. Dra. Leda Maffioletti UFRGS Profa. Dra. Lia Braga Vieira UFPA Profa. Dra. Lilia Neves Gonalves UFU Profa. Dra. Luciana Del Ben - UFRGS Profa. Dra. Luciane Wilke Garbosa UFSM Prof. Dr. Luis Ricardo Silva Queiroz - UFPB Profa. Dra. Magali Kleber - UEL Profa. Dra. Magda Clmaco - UFG Profa. Dra. Margarete Arroyo UFU Profa. Dra. Maria Ceclia Cavalieri Frana - UFMG Profa. Dra. Maria Ceclia Torres UERGS Profa. Dra. Maria Cristina Cascelli UnB Profa. Dra. Maria Guiomar de Carvalho Ribas UFPB Profa. Dra. Maria Helena Borges - UFG Profa. Dra. Maria Isabel Montadon - UNB Profa. Dra. Maria Jos Subtil - UEPG Profa. Dra. Maria Teresa Alencar de Brito - USP Profa. Dra. Marisa Fonterrada UNESP Profa. Dra. Maura Penna UFPB Profa. Dra. Nilceia Protsio - UFG Profa. Dra. Patrcia Furst Santiago UFMG Profa. Dra. Patrcia Kebach Prof. Dr. Paulo Braga UFPE Profa. Dra. Regina Antunes Teixeira dos Santos UFRGS Profa. Dra. Rejane Harder - UFSE Profa. Dra. Rosane Cardoso de Arajo UFPR Profa. Dra. Srgio Figueiredo - UDESC Profa. Dra. Snia Albano Faculdade Carlos Gomes Profa. Dra. Sonia Ray - UFG
8
Profa. Dra. Snia Ribeiro UFU Profa. Dra. Teresa Mateiro - UDESC Profa. Dra. Valria Carvalho - UFRN Profa. Dra. Vanda Freire UFRJ Profa. Dra. Viviane Beineke - UDESC Profa. Dra. Walnia Marlia Silva UFMG Profa. Dra. Zuraida Abud Bastio
9
Apresentao A Universidade Federal de Gois, a Escola de Msica e Artes Cnicas e a cidade de Goinia
sentem-se honradas em sediar, entre os dias 28 de setembro a 01 de outubro de 2010, o XIX
Congresso Anual da Associao Brasileira de Educao Musical - ABEM em conjunto com o
IV Encontro Nacional de Ensino Coletivo de Instrumento Musical - ENECIM e o III Encontro
Goiano de Educao Musical - EGEM.
A realizao deste evento est a cargo da Escola de Msica e Artes Cnicas da Universidade
Federal de Gois, instituio que ao longo de sua atividade ocupa uma posio de
fundamental importncia para o desenvolvimento do estado de Gois e da regio Centro-
Oeste. A UFG e a EMAC passam por um momento especial em decorrncia da expanso
universitria via REUNI, da reformulao da matriz curricular do Curso de Msica
Licenciatura, alm de receber novos docentes, tcnicos administrativos e discentes.
O tema geral do evento Polticas Pblicas em Educao Musical: dimenses
culturais, educacionais e formativas e apresenta-se como uma valiosa oportunidade de
refletir sobre temtica atual no cenrio poltico brasileiro. O contexto atual marcado por
grande complexidade no quadro socioeconmico e cultural brasileiro que exige reflexes e
aes concretas no campo da educao musical. Pensa-se que o evento venha contribuir para
as reflexes acerca dos campos de atuaes e o papel do educador na sociedade, entendendo
que a Educao Musical deve ser vista no apenas como mais um item na trama das
dinmicas da cultura no fragmentado cenrio contemporneo, mas como um campo de
conhecimento de fundamental para o desenvolvimento do ser humano e da sociedade.
Em nome dos educadores musicais brasileiros registramos nossos agradecimentos a
Presidente da ABEM, Profa. Dra. Magali Oliveira Kleber e toda Diretoria da ABEM; UFG
representada pelo MM. Reitor Prof. Dr. Edward Madureira Brasil; a EMAC representada pelo
Diretor Prof. Dr. Eduardo Meirinho e Diretora em Exerccio Profa. Dra. Ana Guiomar Rgo
Souza; ao Coordenador do Programa de Ps-Graduao Prof. Dr. Anselmo Guerra de
Almeida; ainda aos parceiros e apoiadores que de alguma forma colaboraram com a
realizao deste evento: a Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal em Nvel Superior -
CAPES; a Secretaria Estadual de Educao, representada pela secretria Profa. Dra. Milca
Severino; a Pr-Reitoria de Extenso e Cultura da UFG, representada pelo Pr-Reitor Prof.
10
Dr. Anselmo Pessoa Neto; a Pr-Reitoria de Graduao da UFG, representada pela Profa.
Dra. Sandramara Matias Chaves; o SEBRAE; o Centro de Estudos e Pesquisas Ciranda da
Arte; o Centro Livre de Artes, entre outros.
Agradecemos ainda, ao conferencista, aos palestrantes, aos mediadores, aos ministrantes de
cursos, aos artistas, aos coordenadores de grupos de trabalho, ao comit cientfico, aos
pareceristas e em especial a toda Comisso Organizadora que no mediu esforos para a
realizao deste evento.
Damos boas vindas a todos os congressistas e desejamos que as atividades sejam de grande
valia para o desenvolvimento pessoal e profissional de todos, e por conseqncia, para o
desenvolvimento e fortalecimento da Educao Musical no Brasil.
Goinia, 28 de setembro de 2010. ___________________________________________________________________________ Profa. Ms. Flavia Maria Cruvinel Coordenadora do Curso de Msica Licenciatura da UFG Coordenadora Geral do Evento
11
Nota do Comit Cientfico
O Congresso Nacional da Associao Brasileira de Educao Musical aborda em sua XIX
Edio uma temtica de grande importncia para a insero da educao musical no cenrio
poltico, educacional e cultural do Pas. Assim, discutindo Polticas Pblicas em Educao
Musical: dimenses culturais, educacionais e formativas, a ABEM traz para o foco dos
debates e reflexes dos professores, pesquisadores e estudantes da rea, e afins, um tem
emergente e que pode oferecer alternativas relevantes para os caminhos da educao musical
no Brasil. Abrangendo as distintas demandas de educao musical existentes, a programao
do Congresso e a participao efetiva de educadores musicais de todos os estados brasileiros
retratam um panorama de consolidao e o fortalecimento da rea. Os trabalhos apresentados
nestes Anais demonstram a diversidade que caracterizam a educao musical no Brasil e
evidenciam a amplitude das pesquisas e das experincias de ensino que vm sendo realizadas
no territrio nacional e, inclusive, no exterior. Assim, as 255 comunicaes e os 18 psteres
apresentados trazem reflexes e debates acerca de mltiplas realidades de ensino musical de
diversos estados brasileiros, evidenciando aspectos fundamentais que caracterizam esse
campo de abordagem e atuao. Os textos aqui publicados so sem dvidas importantes
documentos da educao musical brasileira e podero promover o debate e a troca de
experincias entre profissionais e estudantes de diferentes contextos educacionais,
fortalecendo, ainda mais, as dimenses prticas e reflexivas relacionadas educao musical
no cenrio nacional na contemporaneidade.
_____________________________________________________
Prof. Dr. Luis Ricardo Silva Queiroz Presidente do Comit Cientfico do XIX Congresso Nacional da ABEM`
12
Comunicaes
13
Saudades do Nordeste: prticas musicais em um espetculo de coro infantil
Alessandra Arajo da Silva lessa.as@gmail.com
Resumo: O presente trabalho trata das principais prticas musicais desenvolvidas para formao de um espetculo de coro infantil do Coral Cantar Criana da empresa EIM Instalaes Industriais. Esta desempenha um papel importante junto comunidade investindo em projetos musicais para crianas carentes de suas imediaes. O objetivo descrever como aconteceu a montagem do espetculo Saudades do Nordeste atravs de atividades de musicalizao desenvolvidas ao longo dos ensaios. Estes aconteciam durantes trs dias na semana e foram registrados atravs de dirio de campo, vdeos e udios. Como apoio s atividades, baseou-se em aportes tericos prximos da temtica: Penna e Kerr, por exemplo. Assim, o relato contribui para reflexes sobre prticas musicais abordadas em coral atravs de atividades de musicalizao e propostas de espetculo como recurso pedaggico.
Palavras-chave: Musicalizao, Coral infantil, Espetculo.
Coro infantil da empresa EIM Instalaes Industriais
A empresa EIM Instalaes Industriais surgiu em 1956 com o objetivo bsico
de oferecer, s empresas privadas e estatais, servios especializados de instalaes e
montagens industriais. Tendo em sua diretoria Francisco Baltazar Neto e Nivaldo
Teixeira Filho, acredita na contribuio do ensino da msica no processo de
aprendizagem, favorecendo o desenvolvimento cognitivo, psicomotor e socioafetivo da
criana. A partir disso, com o intuito de proporcionar a prtica de uma atividade artstica
s crianas das imediaes dos bairros Cambeba, Jos de Alencar e Messejana da cidade
de Fortaleza-CE, foi criado o coral infantil Canta Criana, que desde ento faz parte do
cotidiano da empresa j que os ensaios acontecem nas dependncias da mesma e em
horrio de expediente e da comunidade, pblico alvo.
A iniciativa em oferecer a tais comunidades carentes uma atividade musical
possui grande importncia porque as crianas com baixo poder aquisitivo tiveram a
oportunidade de ser musicalizadas que bem mais do que simplesmente adquirir
conhecimento musical: liga-se esfera da criao, da inveno, da socializao, do
prazer esttico, do encantamento. O aprendizado um processo ativo no qual os alunos,
sejam crianas, jovens ou adultos, constroem novas ideias ou conceitos a partir do
conhecimento que j trazem, e que foram adquiridos com base em diferentes situaes e
experincias vividas por eles, como cita:
14
[...] concebemos a musicalizao como um processo educacional orientado que, visando promover uma participao mais ampla na cultura socialmente produzida, efetua o desenvolvimento dos instrumentos de percepo, expresso e pensamento necessrios apreenso da linguagem musical, de modo que o indivduo se torne capaz de apropriar-se criticamente das vrias manifestaes musicais disponveis em seu ambiente [...] (PENNA, 2008, p. 47).
A atividade coral nesta empresa iniciou suas atividades sob a regncia de outro
profissional que esteve frente do mesmo de 2002 a 2007, ano em que tal
responsabilidade foi passada para mim e um regente assistente/instrumentista. Por
acreditar que funo do regente coral o papel de educador musical e o
desenvolvimento artstico de seus coralistas, refletindo sobre minhas vivncias com o
canto coral e experincias profissionais com a msica, acreditei ser possvel trabalhar
novas possibilidades expressivas das crianas, que para alm da voz utilizariam
elementos teatrais e coreogrficos, empregando abordagens de musicalizao para tal
fim.
Por ser uma atividade associada esttica europeia do canto em grupo que foi
refletida no Brasil atravs do canto orfenico de outrora, a atividade coral rodeada de
preconceitos, o que causa no s nas crianas, mas tambm nos jovens e adultos, em sua
maioria, o desinteresse por tal prtica. Atravs da experincia com o Coral da
Universidade Federal do Cear (UFC) entre 2002 e 2009, pude ter contato com outra
concepo coral, voltada para um trabalho de pesquisa das possibilidades estticas em
espetculos de msica coral realizados em espaos teatrais. A partir dessa nova
tendncia, que implicou na mudana de abordagem na prtica coral que se deu ainda por
volta dos anos 80, por influncia de regentes como Marcos Leite e Samuel Kerr, dentre
outros, percebeu-se que tal preconceito poderia ser minimizado alimentando a constante
sede de renovao das crianas, jovens e adultos da atualidade.
Denunciando a necessidade de revermos o papel do canto coral na atualidade,
diz KERR:
Urge ouvirmos, vermos e experimentarmos o que est acontecendo ao nosso redor, na busca da conscincia das prprias modificaes perceptivas que estamos sofrendo em funo do ambiente e que nele estamos provocando. (Kerr, 2006, p. 237)
Portanto, alm do objetivo de atingir metas educacionais atravs do canto
coral, percebe-se que a expresso cnica pode ser um excelente recurso para gerar ou
manter o entusiasmo dos cantores em geral e desenvolv-los artisticamente,
15
aprofundando a investigao das possibilidades de expresso dos mesmos, de forma
criativa e prazerosa.
Montagem do espetculo
A proposta de coro cnico ou simplesmente a ideia de valorizao cnica de
corais exige um empenho diferente dos participantes. O ensaio apresenta-se como o
momento de se exercitarem todos os parmetros musicais; uma vez estimulado, cada
cantor ser capaz de demonstrar sua habilidade de expressar msica com compreenso,
com tcnica, usufruindo, desta forma, do grande prazer de realiz-la artisticamente.
O trabalho foi realizado com um grupo de 26 crianas abrangendo a faixa
etria de 9 a 14 anos, e os ensaios aconteciam trs vezes por semana com durao de
duas horas e meia. Os recursos utilizados foram: violo como instrumento harmnico de
apoio e acompanhamento, aparelhos de som, televiso e DVD, para eventuais
apreciaes de materiais musicais e outros. As principais prticas desenvolvidas foram trabalhos vocais, atividades
corporais, oficinas de teatro, dana e apreciaes musicais. Os contedos foram
trabalhados de forma gradual e em nvel crescente de dificuldade e interligados,
baseando-se em Swanwick (2003, p.70) quanto ao processo de aprendizagem que deve
integrar os contedos de forma que as fases sejam vivenciadas em um vnculo contnuo.
No que diz respeito voz, trabalhou-se a relao da fala com o canto,
atividades referentes ao apoio respiratrio, articulao e ressonncia, utilizando
vocalizes, canes conhecidas, jogo cantado e tambm vocalizes criados a partir das
dificuldades do repertrio.
Baseando-se no mtodo proposto por Dalcroze, partiu-se do movimento
corporal, da explorao do espao e do prprio corpo, buscando a comunicao e o
contato com os outros corpos, atravs de exerccios e jogos teis para o
desenvolvimento de tais fins como: a ateno, o olhar, o reflexo, a memorizao, o
andar, a ampliao da coordenao motora. Traz-se a msica para a vivncia corporal, o
que colore a interpretao com recursos que vo ampliar o sentido de comunicao
coro-plateia de forma que podero atuar diretamente no fazer musical, como o
aprimoramento artstico-vocal dos participantes.
No incio do sculo, Jacques Dalcroze estabelece o princpio bsico da natureza fisiolgica do ritmo musical e, inspirado pela relao msica-movimento, cria seu mtodo de rtmica, propondo o uso do corpo
16
como instrumento musical. Tendo por base a audio, inclui a representao corporal correspondente de todo e qualquer acontecimento sonoro (seja este de carter rtmico, meldico, harmnico ou formal), refinando o gesto e tornando-o preciso, flexvel expressivo. Mas o corpo o canal, o meio, e por meio dele o objetivo a ser alcanado a mobilizao interna do indivduo, a conquista do seu espao interior e sua compreenso da msica. (DALCROZE apud GRAMANI, 1996, p. 09)
O recurso da percusso corporal que implica em uma proposta pedaggica
baseada na utilizao do corpo como instrumento musical trouxe, alm da conscincia
rtmica, o prazer e a admirao por parte da turma, visto que as atividades eram vistas
como desafios empolgantes e tinham como consequncia um fazer sonoro musical das
batidas no corpo.
Atravs do recurso da percusso corporal que implica em uma proposta
pedaggica baseada na utilizao do corpo como instrumento musical trabalhou-se a
conscincia rtmica, a improvisao e a memria musical atravs de ecos,
improvisaes rtmicas e meldicas, e dilogos musicais. Alm disso, alcanou-se
tambm o prazer e admirao por parte da turma, visto que as atividades eram vistas
como desafios empolgantes e tinham como consequncia um fazer sonoro musical das
batidas no corpo.
Para Carl Orff, a educao deve partir de experincias simples, antepondo-se a conceituaes tericas. [...] seu trabalho baseado em atividades ldicas, como: cantar, bater palmas, danar, percutir em qualquer objeto que esteja mo ou no prprio corpo. (ARTAXO, Ins; ASSIS, Gizele, 2008, p. 59)
Foram tambm realizadas uma oficina de teatro e uma de danas nordestinas
para concluir detalhes especficos de cada rea. A apreciao musical aconteceu atravs
de audies durante o processo de seleo de repertrio que se deu por meio de peas
com diferentes graus de dificuldade, em tonalidades maiores e menores, modais e
cnone.
Percebi ao longo do processo que dia aps dia crescia a musicalidade, a relao
inter pessoal, disciplina, disposio e empolgao nos jovens coralistas. Cito como
exemplo o depoimento de uma professora de um grupo de percusso que existe em
frente empresa.
Conheci o aluno no grupo de percusso, alm dele ter um bom desenvolvimento com a turma, chamou-me a ateno o fato de ser extremamente musical e reflexivo. Quando eu menos esperava ele
17
sempre cantava as msicas do nosso repertrio e foi quando percebi que tinha ganho alm de um ritmista, um cantor tambm. (informao verbal) 1
Espetculo SAUDADES DO NORDESTE
O espetculo Saudades do Nordeste nasceu do desejo de fazer um trabalho
de apreciao musical, objetivando despertar e incentivar o interesse e o gosto pela
msica de modo que levasse a um conhecimento ldico e dinmico do universo cultural
do Nordeste: suas msicas, ritmos, danas, brincadeiras de roda, a religiosidade, a
festividade. A gente no conhece o que nosso. Ns no sabemos de onde viemos.
Talvez fique bem difcil de saber para onde vamos. (informao verbal) 2
Dessa forma as crianas tiveram a oportunidade de ter contato e, at mesmo,
conhecer as tradies que fundamentam sua cultura, tradies estas hoje cada vez mais
esquecidas em funo do apelo desenfreado das mdias de massa impulsionando-as a
uma cultura descartvel e sem razes slidas. Assim, o repertrio selecionado para
realizao do espetculo est descrito na tabela 1:
Tabela 1: Repertrio do espetculo SAUDADES DO NORDESTE
Nome da Msica Autoria SOBRADO Msica tradicional CAIADO DE TODA COR Autor desconhecido TEMPO DE CIRANDA ngela Linhares A VIDA TAVA TO BOA Ccero Gomes COCO VERDE Flvio Paiva e Tarcsio Sardinha BOI Carlos Gomide e Escurinho MENINA LUA Carlos Gomide MOO BONITO Autor desconhecido L VAI SO FRANCISCO Vincius de Moraes e Paulo Soledade CAJUNA Caetano Veloso ABC DO SERTO Z Dantas e Luiz Gonzaga NOITE AZUL Pingo de Fortaleza FORR DE CABO A RABO Luiz Gonzaga FORR NO ESCURO Luiz Gonzaga A VOLTA DA ASA BRANCA Luiz Gonzaga e Z Dantas SO JOO NA ROA Luiz Gonzaga e Z Dantas OLHA PRO CU Luiz Gonzaga e Jos Fernandes
1 Depoimento de Catherine Furtado dos Santos, professora de percusso do Grupo de Msica Percussiva Acadmicos da Casa Caiada. 2 Izara Silvino, no programa Opinio (Rdio Universitria) que abordou a Preservao e Dinamizao da Cultura na rea Musical, veiculado dia 02 de maro de 1983.
18
Para compor o espetculo, contamos com uma costureira para confeccionar o
figurino utilizado pelas crianas e com um percussionista para acompanhar o coro
juntamente com nosso instrumentista oficial.
A apresentao do espetculo aconteceu em dezembro de 2009 no auditrio da
empresa, totalmente estruturado com palco, cenrio e iluminao, para
aproximadamente 250 pessoas, entre elas: diretoria, funcionrios, familiares das
crianas e comunidade.
O espetculo foi montado com o intuito de comear antes de as pessoas
entrarem, ou seja, de cortinas abertas e com os msicos j tocando, as crianas j
posicionadas em seus devidos lugares esperavam que as pessoas silenciosamente
entrassem. Em discurso, falei:
Sejam todos bem vindos! com muito prazer que aqui estamos para apresentar o espetculo Saudades do Nordeste, mas para que isso acontea preciso que as luzes continuem desligadas e que faamos silncio para que as crianas se concentrem e possam mostrar o que preparamos durante todo o ano. (informao verbal) 3
Ento, finalmente pudemos d continuidade, e eu nunca vi aquelas crianas
cantarem to afinadas e to empenhadas para que tudo sasse perfeito. Entretanto, o que
percebemos, tanto ns, professores, quanto as crianas, que as pessoas, seja de alto ou
baixo poder aquisitivo, em sua maioria, no souberam se comportar. Durante
aproximadamente 15 minutos, as pessoas gritavam, conversavam, arrastavam cadeiras e
acendiam luzes, o que, se continuasse acontecendo, comprometeria a iluminao do
espetculo.
Ao olhar para as crianas, vi que algumas estavam chorando, mas nem por isso
saram de suas posies ou conversaram, deram um exemplo de maturidade e ali se
mostraram artistas comprometidos com sua arte.
No decorrer do espetculo, o que se notava que as crianas cantavam e se
expressavam com felicidade e realizao para uma plateia que demonstrava e
comentava no acreditar no que via.
No que diz respeito a questes tcnicas, notou-se maturidade corporal e vocal
quando, mesmo diante do cansao por conta das danas, as crianas mantiveram
prontido, afinao e qualidade vocal.
3 Discurso preliminar realizado no espetculo Saudades do Nordeste em 2009.
19
No final do show, enquanto as pessoas aplaudiam, algumas crianas me
abraaram chorando, o que me levou a perguntar o que havia acontecido: Professora, a
gente t chorando de emoo porque foi muito lindo! Quando as pessoas no paravam
de fazer barulho a gente achou que no ia dar para continuar, mas a deu certo e a gente
mostrou o que sabe fazer.
Diante de tanta maturidade, conclumos que estamos no caminho certo, e que
esse trabalho de formao e musicalizao favorece um espetculo de
desenvolvimentos.
Consideraes finais
Para a realizao desse espetculo foi necessria a parceria e a viso
empreendedora e humanista do idealizador e diretor da empresa, Nivaldo Teixeira
Filho, que abraou em todos os sentidos o trabalho deste coral. Diante do trabalho de
pesquisa das possibilidades estticas em espetculos de coral infantil, a empresa, alm
de investir pagando os dois profissionais da msica (regente e regente
assistenteinstrumentista), tambm o fez no que se refere aquisio de instrumentos,
preparao de cenrio, luz e palco e contratao de instrumentistas e facilitadores para
as oficinas.
Apesar de a direo da empresa acreditar na funo educativa desse projeto,
investir e ter conscincia do quanto o mesmo requer dedicao por parte das pessoas
diretamente envolvidas (crianas e regentes), existem alguns fatores internos e externos
que interferem negativamente.
Os internos so causados por certas atitudes tomadas por alguns funcionrios
da empresa, como: no deixar as crianas entrarem na hora marcada, mesmo quando a
direo estabelece que elas devam ter acesso livre; marcar duas apresentaes no dia em
que j estava marcado ensaio geral para o espetculo, sem considerar o cansao das
crianas que chegam a ensaiar quinze horas semanais quando se aproxima o
espetculo.
Os fatores externos, tambm causados pelas deficincias da educao
brasileira, partem dos pais que, apesar da insistncia das crianas, no lhes do
permisso para ir ao ensaio ou lhes tiram definitivamente do coral, seja porque estas no
fizeram os afazeres domsticos ou tiraram notas insatisfatrias na escola, ou ainda
porque aqueles se desentenderam com os pais de outras crianas e no querem que seus
20
filhos sejam amigos. A no disponibilizao das sries nos dois turnos (manh e tarde)
tambm a causa da sada de algumas crianas todo ano.
Apesar das dificuldades, existe tambm muita fora de vontade para a
realizao deste trabalho. Montar um espetculo de coro infantil uma proposta que
envolve, alm das atividades tcnicas, uma atividade contnua e comprometida com a
formao musical e o despertar das expresses subjetivas de cada estudante. Foi
possvel perceber que atravs dos trabalhos ldicos para a realizao das atividades de
tcnica vocal, pude ganhar a ateno e concentrao das crianas no momento da aula.
Com isso, as aulas eram bem produtivas e, felizmente, foi perceptvel o prazer do fazer
musical das crianas.
A ideia da montagem do espetculo, de fato, incentivou a participao nas
aulas, pois, alm da ideia geral da apresentao, o trabalho msico-corporal, as oficinas
de teatro, dana e as atividades de percusso corporal sempre eram comentadas como
aulas com novidades. importante ressaltar que a montagem de um espetculo no o
nico e principal objetivo do coral, mas apenas um consequente estimulador dos
trabalhos de musicalizao e desenvolvimento artstico atravs do canto coral.
O espetculo visto como mais uma prtica pedaggica com o intuito de
formao e educao musical. Alm disso, tambm um espao de formao de
professores de msica, como minha experincia musical e dos profissionais que
contriburam com o processo. Esta, com certeza, fora uma oportunidade capaz de unir
vivncias pessoais ao conhecimento dos estudantes e do espao comunitrio da turma.
Assim, mesmo com as dificuldades derivadas dos fatores externos e internos,
pode-se relatar sobre essa experincia, at o momento, que a formao de um espetculo
em coro infantil proporcionou desenvolvimentos inefveis que se iniciam no fazer
musical e culminam no sentir-se artista em cima de um palco.
21
Referncias
ARTAXO, Ins; MONTEIRO, Gizele de Assis. Ritmo e movimento: teoria e prtica. 4. ed. So Paulo: Phorte, 2008. GRAMANI, Jos Eduardo. Rtmica Viva: a conscincia musical do ritmo. Campinas, So Paulo: UNICAMP, 1996. SILVINO, Izara. Preservao e Dinamizao da Cultura na rea Musical. Fortaleza, 02 mar. 1983. Entrevista concedida Rdio Universitria. KERR, Samuel et al. Carta canto coral. In: LACKSCHEVITZ, Eduardo (Org.). Ensaios: olhares sobre a msica coral brasileira. Rio de Janeiro: Centro de Estudos de Msica Coral, 2006, p.198-238. PENNA, Maura. Msica(s) e o seu ensino. Porto Alegre: Sulina, 2008. SOUZA, Jussamara (Org). Aprender e ensinar msica no cotidiano. Porto Alegre: Sulina, 2008. SWANWICK, Keith. Ensinando msica musicalmente. So Paulo: Moderna, 2003.
22
A Aprendizagem da Bateria na Escola e a Profissionalizao do Baterista: um estudo de entrevistas
Patrcio de Lavenre Bastos UnB
patriciobastos@unb.br
Resumo: Esta comunicao pretende apresentar dados preliminares de minha pesquisa de mestrado em andamento que trata da aprendizagem da bateria, com vistas profissionalizao, realizada dentro e fora da escola formal. Tradicionalmente, a aprendizagem deste instrumento ocorre fora da escola, por meio da imitao, da tentativa e erro, da insero em grupos musicais, e com o apoio da tecnologia (GREEN, 2002; MARQUES, 2006; PAIVA, 2004; GOHN, 2003; MEIRELLES, 2004). No entanto, a bateria passou por um processo de escolarizao a partir da dcada de 1980, processo este que comeou nos conservatrios de msica e escolas tcnicas, chegando, na virada do milnio, ao ensino superior, seja como uma disciplina em um curso ou como um bacharelado. O objetivo da presente pesquisa compreender porque bateristas procuram aulas de bateria, e como se articulam as aprendizagens dentro e fora da escola, considerando-se a abrangncia dos saberes profissionais necessrios aos diversos tipos de atuao de bateristas. Dados preliminares indicam a influncia e o apoio da famlia e dos amigos; a inteno de se profissionalizarem no apenas como bateristas, mas como msicos completos, o que, segundo eles, s possvel em escolas.
Palavras-chave: aprendizagem da bateria, ensino de msica popular em escolas, profissionalizao do baterista.
Introduo
Foi nos bailes da vida ou num bar em troca de po / que muita gente boa ps o p na profisso / de tocar um instrumento e de cantar / no importando se quem pagou quis ouvir / foi assim. (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1981)
Os versos de Nascimento e Brant (1981) registram uma situao comum no que diz
respeito forma como o msico popular a includo o baterista1 aprende a tocar um
instrumento musical e se profissionaliza: ele aprende atuando. Enquanto atua, aprende,
enquanto aprende, se profissionaliza. Pesquisadores tm voltado sua ateno para os
processos de aprendizagem dos msicos populares, com interesse nas suas caractersticas e
peculiaridades, numa busca por entender as articulaes entre estes processos de
aprendizagem e a aprendizagem escolar da msica. Mais do que isso, h um interesse em
transpor para o ensino da msica que ocorre na escola formal, mecanismos e elementos
1 Entendemos o baterista como msico popular, um msico inserido no universo da msica popular (PAIVA, 2004; TEIXEIRA, 2009; GOHN, 2001, 2009; MENEZES BASTOS, 1996).
23
prprios destas aprendizagens no-escolares (GREEN, 2002; FEICHAS, 2006; MARQUES,
2006; PAIVA, 2004).
Com a virada do sculo XXI, a bateria chegou s Universidades Federais brasileiras,
dentro do curso de Bacharelado em Msica Popular com Habilitao em Instrumento. Este
acontecimento, juntamente com outros, como a abertura do mercado brasileiro s importaes
ocorrida em 1990, o surgimento de concursos de bateristas e revistas especializadas neste
instrumento, alm dos avanos tecnolgicos como a digitalizao do udio e a internet,
provocaram uma ampliao da profisso do baterista, que tem se preocupado cada vez mais
com a sua formao, inclusive em nvel superior (MEDEIROS e SEVERO, 2009).
O objetivo de minha pesquisa compreender, a partir da perspectiva dos estudantes
de bateria, o que os leva a procurar uma instituio escolar para aprender a tocar um
instrumento, quais so suas perspectivas, o que aprendem dentro e fora da escola e como
articulam esses saberes com vistas profissionalizao.
No presente trabalho, de natureza exploratria GIL (2002, 2008), optou-se pela
metodologia qualitativa, com uso de entrevistas semi-estruturadas para a coleta de dados
(ROSA e ARNOLDI, 2006; LAVILLE e DIONNE, 1999). Foram selecionados trs bateristas
alunos da Escola de Msica de Braslia que se encontram no Ciclo Tcnico2, e que j atuam
profissionalmente. Essa escola foi escolhida por oferecer o curso de bateria desde 1985. Dessa
maneira, o que se busca um maior entendimento do papel de um ambiente formal de
aprendizagem da bateria como o CEP/EMB Centro de Educao Profissional Escola de
Msica de Braslia no contexto desta cidade, na perspectiva daqueles que a procuram.
Reviso de literatura
Esta reviso de literatura abrange duas temticas: trabalhos sobre percusso e bateria
e a aprendizagem na msica popular. Nos trabalhos encontrados sobre bateria e sobre a
percusso, incluindo a bateria, h diferentes abordagens. PAIVA (2004), GOHN (2001,
2009), TEIXEIRA (2009) e MEDEIROS e SEVERO (2009) investigaram a formao musical
dos bateristas, inseridos no universo dos percussionistas, e suas relaes com locais e formas
de aprendizagem dentro e fora da escola. Esses autores investigaram como os msicos
populares aprendem a tocar. PAIVA (2004) afirma que a formao do baterista se d,
geralmente, associada prtica em conjunto:
2 O Ciclo Tcnico o programa profissionalizante da Escola de Msica de Braslia. Com durao de quatro anos, dividido em oito nveis, do T1 ao T8, sendo cada nvel realizado em um semestre. Para ingressar no Ciclo Tcnico, o baterista tem que ter passado pelo Ciclo Bsico, de dois anos de durao, tambm dividido em semestres. Dependendo das necessidades de cada aluno, o Ciclo Bsico pode ser estendido por dois semestres.
24
Podemos verificar a ocorrncia dessa questo tanto no mbito da msica popular, quanto no da erudita. Grupos de tradio folclrica, tnica e religiosa, ou ainda, bandas, orquestras e grupos de percusso so exemplos de diferentes campos de atuao e de formao para o percussionista. (PAIVA, 2004, p. 9)
TEIXEIRA (2009) aponta a lacuna que representa a no existncia de um curso de
bacharelado em percusso popular e bateria na UFRJ. O autor discute a questo da formao
do percussionista, ai includo o baterista. GOHN (2002) pesquisou sobre processos de auto-
aprendizagem de estudantes de percusso que estudavam sem a orientao direta de um
professor ou tutor. O autor investigou o uso e influncias dos meios tecnolgicos nos
processos de auto-aprendizagem musical, que ele situa no mbito dos processos de educao
no-formal. GOHN (2009) investigou a educao musical a distncia, com foco na formao
de professores, a partir do contexto atual de msica e tecnologia e levando em considerao as
caractersticas e possibilidades dos meios de comunicao de um mundo moderno e
globalizado. MEDEIROS e SEVERO (2009) investigaram os perfis dos graduandos em
msica do curso de Bacharelado em Msica da Universidade Federal da Paraba, com
habilitao em percusso, com foco na formao inicial desses estudantes, nas suas reas de
atuao, nos processos de aprendizagem do saber musical, e considerando os aspectos
motivacionais que os levaram a ingressar no referido curso.
Autores como QUEIRZ (2006) e SWART (2008), desenvolveram pesquisas na
rea da performance. QUEIRZ (2006) props novos mecanismos para a prtica da bateria,
com base em ritmos do folclore brasileiro e da msica popular brasileira, como o Tambor de
Crioula, o Samba, o Maracatu e a Congada. SWART (2008) analisou improvisos do baterista
Jack DeJohnette com o objetivo de identificar caractersticas e apontar possveis formas
estruturais presentes no seu discurso musical.
Com relao temtica da aprendizagem do msico popular, destacamos GREEN
(2001, 2002, 2008), PICCOLO (2005), MOULIN (2006), FARIA (2006), MARQUES (2006),
FEICHAS (2006) e LACORTE (2006). GREEN (2008, p. 10), sintetiza cinco princpios
fundamentais, por ela identificados na forma como o msico popular aprende a tocar um
instrumento musical. So eles: 1) o aprendizado informal comea com msicas que os alunos
escolham, gostam e com quais se identificam; 2) aprender por escutar e tirar de ouvido as
gravaes; 3) aprender sozinho e com os amigos; 4) aprendizagem pessoal, sem orientao
estruturada ou planejada; e 5) a integrao entre escuta, apresentao, composio e
improvisao. PICCOLO (2005) aborda a formao de cantores populares e a sistematizao
do ensino do canto popular brasileiro no Brasil. A pesquisa aponta um crescimento da
25
demanda pelo ensino do canto popular e, ao mesmo tempo, uma carncia de especialistas na
rea: Como no h uma tradio em pesquisa da tcnica popular de canto e, mais ainda, de
canto popular brasileiro, tambm no h especialistas nessa rea (Idem, p. 409). MOULIN
(2006) desenvolveu pesquisa na Universidade Popular Brasileira da Universidade Federal do
Estado do Rio de Janeiro, que analisa a relao entre o mercado de trabalho da msica de
entretenimento, os msicos nele atuantes e o curso de Bacharelado nesta universidade. O
autor concluiu que no h na UNIRIO um curso que realmente prepare o msico popular para
o mercado de trabalho. FARIA (2006) analisa a entrada da msica popular nos currculos dos
cursos superiores, identificando problemas, especialmente nas metodologias de ensino que,
segundo ele, conservam a tradio de ensino da msica erudita, apenas transferindo-a para a
msica popular. LACORTE (2006) investigou a aprendizagem musical de msicos populares,
focando as suas experincias iniciais de aprendizagem, a experincia profissional e suas
influncias nas aprendizagens, levantando aspectos como as motivaes e os processos dessa
aprendizagem. A autora conclui que o msico popular aprende em contextos variados, que
extrapolam a simples questo do talento nato ou dom, conceitos relacionados ao senso
comum.
MARQUES (2006) investigou os processos de aprendizagens musicais extra-classe
vivenciadas por estudantes de instrumento musical, que buscam, por iniciativa prpria,
conhecimentos alm daqueles desenvolvidos em suas aulas de msica. A autora conclui que
mesmo estudando em uma escola de msica, os alunos entrevistados buscavam outras formas
de aprendizagem, seja na internet, tocando em bandas, comprando material didtico,
participando de festivais etc. FEICHAS (2006) pesquisou processos de aprendizagem e
experincias dos alunos dentro e fora da universidade. A autora discute os desafios e o
potencial da integrao dos processos de aprendizagem formal e informal, destacando que na
aprendizagem informal em casa ou em grupo, os estudantes de msica popular adquirem o
conhecimento musical por meio das habilidades aurais e da memria, tirando msica de
ouvido, imitando gravaes (tocando e cantando junto).
Pressupostos tericos
Os processos de aprendizagem na msica popular tm um carter extremamente
diversificado. Autores como GREEN (2002), FEICHAS (2006) e LACORTE (2006),
destacam o tocar de ouvido ou tirar msica de ouvido, como importante elemento neste
contexto. O tocar em grupo outra importante caracterstica destes processos, segundo
26
diversos autores. PAIVA (2004, p. 9) destaca que (...) a formao musical de todo
percussionista est ligada geralmente prtica em conjunto. Isto ocorre tanto no mbito da
msica popular, quanto no da erudita. O aprender vendo, ou seja, a dimenso visual na
aprendizagem do msico popular destacada por LACORTE (2006), PRASS (2004) e
GREEN (2002). O apoio da famlia e dos amigos , tambm, abordado por GREEN (2002),
FEICHAS (2006) e LACORTE (2006), como caracterstica da forma como o msico popular
aprende a tocar um instrumento musical. O apoio da tecnologia na aprendizagem da msica
citado por TEIXEIRA (2009), GOHN (2002, 2009), GREEN (2002).
LIBNEO (1999, p. 7) entende a Escola como espao de integrao e sntese:
integrao do pensamento cientfico dos problemas humanos aos princpios tico-valorativos;
e sntese dos objetivos convencionais da escola e daqueles relacionados s realidades de um
mundo globalizado e transacional. GADOTTI (2005, p. 10) considera a escola pblica como
um dos ltimos basties da democracia. Para o autor, A educao no-formal pode dar uma
grande contribuio educao pblica, mas no pode substitu-la (Idem). SAVIANI (2008,
p. 14) entende a escola como instituio cujo papel consiste na socializao do saber
sistematizado. O autor identifica uma questo de status, de privilgio, do saber sistematizado
em relao ao saber do senso comum. ARAJO (2008) argumenta que no h como
prescindir da instituio escolar: A Escola sempre um passado, um presente, ou um futuro
e, independentemente da sua construo terica no imaginrio de algum, continua ainda a
no ter um substituto acreditvel (Idem, p. 1). ACOSTA (2005) procurou explorar e
compreender a escola, considerando as crenas, valores, expectativas e comportamentos de
um grupo de estudantes. A autora aponta o fato de a escola ser, ao mesmo tempo, produtora e
consumidora dos significados e crenas envolvidos nesta relao (Idem, p. 156). A Lei de
Diretrizes e Bases, LDB (Lei N 9.394, de 20 de dezembro de 1996) diz, no segundo
pargrafo do seu Artigo Primeiro, que A educao escolar dever vincular-se ao mundo do
trabalho e prtica social. Dessa maneira, a escola tem a dupla finalidade de preparar o
indivduo para o exerccio da cidadania e qualific-lo para o trabalho.
DUBAR (2005), afirma que o termo profisso deriva da chamada profisso de
f, cumprida, ainda na Idade Mdia, nas cerimnias de admisso em corporaes. A
oposio original entre os termos ofcio e profisso apontada por DUBAR (2005, p. 164)
com referncia ao binmio mos/cabea, sendo a profisso uma produo que (...) cabe mais
ao esprito que mo, e o ofcio, como aquele em que as mos trabalham mais que a
cabea. No campo da docncia, SACRISTN (1995, p. 65) define a profissionalidade
docente como a afirmao do que especfico na ao docente, isto , o conjunto de
27
comportamentos, conhecimentos, destrezas, atitudes, e valores que constituem a
especificidade de ser professor (p.65). Transpondo esta definio para o profissional da
bateria, temos a afirmao do que especfico na sua atuao: a profissionalidade do baterista
como um conjunto de comportamentos, conhecimentos, destrezas, atitudes e valores que
constituem a especificidade de ser baterista profissional.
Dados preliminares
Dados preliminares indicam a influncia e o apoio da famlia e dos amigos; a
inteno de profissionalizarem-se no apenas como bateristas, mas como msicos
completos, o que, segundo eles, s possvel em escolas. Os entrevistados, em determinado
momento de suas vidas decidiram se profissionalizar na bateria e, com base na perspectiva de
que a escola pode acelerar esse processo, optaram por uma formao escolar no instrumento.
Tal deciso se baseia na maneira como esses estudantes de bateria vem a escola: uma
instituio de referncia e de qualidade, com bons professores, que forma bons bateristas, um
lugar para se estudar da maneira correta. Esta maneira de ver a Escola de Msica fica
evidente na fala de Felipe:
Ah, porque falavam que [de] l j tinham sado muitos msicos bons, e tinha a referncia, tambm, do curso de vero, que o pessoal falava que tinha muita gente boa. E falavam, tambm, que a escola dava uma base, no s do instrumento em si, mas da msica em geral pro aluno. Ai, eu... Como eu gostava, eu achei que ia ser muito bom. E por ser uma escola pblica, tambm, ai eu aceitei ir pra l, consegui entrar. Consegui entrar. (Caderno de Entrevistas com o Felipe - p. 5)
A perspectiva de Paulo sobre a Escola de Msica corrobora a fala de Felipe:
Fui buscar uma formao profissional. Basicamente, fui buscar uma formao, mesmo, uma orientao da maneira correta, o que estudar, como estudar. (...) E existe uma maneira correta, um programa para ser seguido, que acredito que foi analisado por pessoas competentes, e tudo, que chegaram concluso de que aquela a melhor forma possvel de se estudar, pra voc chegar a um caminho. Ento, acho que a maneira correta assim, voc tem que ter uma orientao, vai. meio complicado estudar sem orientao, s vezes voc pode seguir por um caminho errado e, at descobrir, j foi tempo perdido. (Caderno de Entrevistas com o Paulo - p. 6)
Nesse contexto, possvel perceber uma diferenciao entre os termos tocar e
estudar, que desvaloriza o primeiro em relao ao segundo tocar hobbie, estudar srio
reforando a idia de que o baterista que est na escola est estudando, e o que est fora da
escola est s tocando. Rodrigo relata:
28
Meu pai, ele tocou bateria. Ele nunca foi msico formado, assim. (...) ele morava em Manaus. E ele tocou l em, n, assim, com bandas na noite. Mas era uma coisa bem informal, digamos assim, bem... hobbie, mesmo, sabe. Ele nunca chegou a estudar, nunca... Era desleixado. Assim, no era uma coisa que ele levava a srio muito, no. Mas ele tocou bateria um tempo na vida dele. (Caderno de Entrevistas com o Rodrigo - p. 3)
Paulo, falando sobre um baterista carioca chamado Rafael Barata, se diz
impressionado pelo fato de Barata tocar bem e no ter uma formao escolar no instrumento.
Note-se que Paulo utiliza a expresso msicos que nunca estudaram para se referir aos
msicos que estudaram por conta prpria:
(...) tem msicos que nunca estudaram e so bons. Mas, eu no gostaria de seguir essa... No to seguindo essa linha, eu to aqui na escola. Se eu quisesse no estudar, s estudar na noite, tocar s, no tava aqui. Mas, eu fico at meio impressionado, assim, por exemplo, o [Rafael] Barata, que eu conheci no curso de vero, o bicho falou que nunca estudou um mtodo de bateria. Isso me impressiona um pouco. Tipo, ele toca bem e tudo. Pra chegar num nvel que ele toca bem, sem nunca estudar um mtodo, pra mim, seria uma coisa, at, meio, sei l, pra mim seria impossvel, na minha viso. Mas, no . Eu no sei como, s na prtica, o cara consegue chegar num nvel assim, porque, sei l, falando bateristicamente, sei l, independncia, por exemplo, tem coisa que se voc no parar pra estudar... (Caderno de Entrevistas com o Paulo - p. 15)
Outro aspecto que aparece nos resultados preliminares o fato de as aprendizagens
vivenciadas pelos sujeitos da pesquisa serem direcionadas, de certa maneira, para as
diferentes formas de atuao do baterista profissional, como: acompanhar cantores, tocar em
bandas de pop-rock, tocar em grupos de msica brasileira ou de msica instrumental, ser
professor e atuar como baterista de gravao. Desta maneira, diferentes saberes profissionais
do baterista so apontados, como: ter tcnica de mo; ter tcnica de p; ter domnio do ritmo;
ter sensibilidade para saber o que a msica pede; saber tirar um som bom no instrumento; ter
musicalidade; ter um bom ouvido; saber escutar e tirar msica; saber analisar o que tocar em
cada msica; saber trabalhar e interagir em grupo; saber observar aquilo que est acontecendo
no palco; saber tocar uma gama de ritmos e estilos musicais diferentes; conhecer sobre os
equipamentos e acessrios de uso dos bateristas; alm da prpria tcnica do instrumento.
Consideraes finais
Se por um lado, agentes da educao escolar e autores como GREEN (2002),
FEICHAS (2006) e MARQUES (2006), entre outros, se empenham numa busca pelos
elementos que caracterizam a aprendizagem informal da msica, por outro lado, h um
29
interesse, da parte de msicos e instrumentistas de formao tradicionalmente informal, como
os bateristas, pela educao formal da msica. O msico popular parece cada vez mais querer
estar na escola, e os resultados da pesquisa no apontam para uma simples busca de
certificados, de legitimao dos seus saberes, e sim, em busca do ambiente escolar, das
experincias, dos saberes, da orientao de um professor e de um programa a seguir. Grande
parte destes bateristas no chega a concluir o curso e pegar seu certificado, pelo fato de se
inserirem profissionalmente em orquestras, bandas, escolas ou acompanhando msicos de
renome, mas, apesar disto, reforam seus interesses na aprendizagem escolar como forma de
complementarem e expandirem seus conhecimentos musicais, considerados relevantes para
sua formao como msicos.
30
Referncias
ACOSTA, S. F. Escola: as imagens que as representaes sociais revelam. Tese (Doutorado). Programa de Estudos Ps-Graduados em Psicologia da Educao, Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, So Paulo, 2005. ARAJO, M. I. P. Representaes sociais da escola e da famlia: uma perspectiva de pais numa escola do ensino bsico. Dissertao (Mestrado). Universidade Aberta, Departamento de Cincias da Educao, Coimbra, 2008. DUBAR, Claude. A Socializao Construo das identidades sociais e profissionais. Martins Fontes, So Paulo, 2005. FEICHAS, Helosa. Formal and informal music learning in brazilian higher education. Tese (Doutorado), Institute of Education, University of London, London, 2006. GADOTTI, Moacir. A questo da educao formal/no-formal. Disponvel em: http://www.paulofreire.org/twiki/pub/Institu/SubInstitucional1203023491It003Ps002/Educacao_formal_nao_formal_2005.pdf - (Acessado em 16/05/2010). GIL, Antnio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4 edio. So Paulo: Atlas, 2002. _________________. Mtodos e Tcnicas de Pesquisa Social. 6 edio. So Paulo: Atlas, 2008. GOHN, Daniel M. Auto-aprendizagem Musical: alternativas tecnolgicas. Dissertao (Mestrado), Escola de Comunicaes e Artes, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2002. _______________. Educao musical a distncia: propostas para ensino e aprendizagem de percusso. 2009. Tese (Doutorado). Escola de Comunicaes e Artes, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2009. (Disponvel em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27154/tde-13042010-225230/ e consultado em 31 de abril de 2010) GREEN, Lucy. How Popular Musicians Learn A Way Ahead for Music Education. Ashgate, London, 2002. ____________. Music, informal learning and the school: a new classroom pedagogy. Hampshire, Ashgate, 2008. LACORTE, Simone. Aprendizagem do msico popular: um processo de percepo atravs dos sentidos? Dissertao de mestrado Universidade Catlica de Braslia, 2006. LAVILLE & DIONNE. A construo do saber Manual de metodologia da pesquisa em cincias humanas. Porto Alegre: Artmed, Belo Horizonte: Editora UFMG, 1999. LIBNEO, Jos Carlos. Adeus professor, adeus professora? Novas exigncias educacionais e profisso docente. 3. Ed., Cortez, So Paulo, 1999.
31
MARQUES A. F. de A. Processos de aprendizagens musicais paralelos aula de instrumento: trs estudos de caso. Dissertao (Mestrado), Universidade de Braslia, Braslia, 2006. MEDEIROS, W. X. & SEVERO, G. G. F. Educao musical e novas demandas: bateristas versus percussionistas. Em: ANAIS do XVIII Congresso Nacional da Associao Brasileira de Educadores Musicais, 2009. MEIRELLES, Pascoal. Entrevista a MARSIGLIA, Luciano: No Pulo do Gato. Em: Revista Modern Drummer, Ed. Talism, So Paulo, maro de 2004, pp. 50-54. MENEZES BASTOS, Rafael J. de. A origem do samba como inveno do Brasil (Por que as canes tm msica?). Revista Brasileira de Cincias Sociais (RBCS), N 31, junho de 1996, pp. 156-177. PAIVA, R. G. Percusso: uma abordagem integradora nos processos de ensino e aprendizagem desses instrumentos. Dissertao de Mestrado. Em: Banco de dissertaes, Universidade Estadual de Campinas, 2004. REQUIO, Luciana Pires de S. Saberes e competncias no mbito das escolas de msica alternativas: a atividade docente do msico-professor na formao profissional do msico. Em: Revista da ABEM, n. 7, setembro, 2002. ROSA, M. V. F. P. C. & ARNOLDI, M. A. G. C. A entrevista na pesquisa qualitativa, mecanismos para validao dos resultados. Ed. Autntica, Belo Horizonte, 2006. SACRISTN, J. Gimeno & GMEZ, A. I. Prez: Compreender e transformar o ensino. Artmed, Porto Alegre, 2000. SAVIANI, Dermeval. Pedagogia histrico-crtica: primeiras aproximaes 10 edio revista (Coleo educao contempornea). Ed. Revista, Campinas, SP: Autores Associados, 2008. TEIXEIRA, Marcello. A formao do percussionista no Rio de Janeiro: relaes entre suas prticas, o ensino superior e o mundo do trabalho. Dissertao (Mestrado) UNIRIO, Rio de Janeiro, 2009.
32
A aprendizagem musical na prtica coral e o conceito de comunidade de prtica
Lucila Prestes de Souza Pires da Costa Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC
lucila.prestes@gmail.com
Srgio Luiz Ferreira de Figueiredo Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC
sergiofigueiredo.udesc@gmail.com
Resumo: Este artigo procura entender a aprendizagem musical dentro do coro a partir do conceito de comunidade de prtica proposto por Wenger (1998). Para tanto, utiliza trs conceitos-chave das comunidades de prtica: compromisso mtuo, empreendimento conjunto e repertrio compartilhado. Em seguida, estes conceitos so exemplificados no cotidiano do coro. Nas consideraes finais, so destacadas as possibilidades de entendimento da aprendizagem musical nos grupos corais atravs do conceito de comunidade de prtica.
Palavras-chave: coral, comunidade de prtica, educao musical.
Todos ns pertencemos a comunidades de prtica. Quando consideramos este
conceito a partir das propostas de Etienne Wenger1: comunidades de prtica so grupos de
pessoas que compartilham um interesse ou uma paixo por algo que eles fazem e aprendem
como fazer isto melhor enquanto interagem regularmente (2006, traduo nossa). Desta
forma, ao longo da vida fazemos parte de diversas comunidades de prtica, desde a famlia
onde nascemos e temos nossos primeiros aprendizados at colegas de trabalho buscando
melhorar um processo de produo.
As comunidades de prtica apresentam caractersticas variadas. Algumas possuem
um nome, regras para tornar-se parte dela e objetivos e propsitos definidos. Outras passam,
muitas vezes, despercebidas por ns. Contudo, embora se caracterizem de formas distintas,
todas elas so importantes, uma vez que nos proporcionam algum tipo de aprendizado.
A variedade de tipos de comunidades de prtica leva-nos a tentar aplicar este
conceito para a nossa rea de atuao. Existem comunidades de prtica cujo interesse ou
paixo seja a msica? A resposta que imediatamente nos vem mente parece ser positiva.
Prosseguimos ainda, questionando se este conceito poderia ser aplicado a grupos de execuo
musical, mais especificamente ao coral. Deste modo, procuramos respostas para a seguinte
1 O termo comunidades de prtica foi utilizado primeiramente por Lave e Wenger (1991) na obra onde os autores expem sua teoria de aprendizagem social. Aps esta publicao, Wenger (1998, 2000, 2006) deu continuidade utilizao do termo, desenvolvendo-o e colocando-o em prtica em diversas corporaes.
33
pergunta: o conceito de comunidade de prtica pode contribuir para o entendimento da
interao entre os membros do coro e a aprendizagem musical que acontece neste espao?
Esta questo a motivao para este artigo e determina a escolha do referencial
terico de uma pesquisa de mestrado em andamento, cujo principal objetivo compreender o
papel das interaes sociais no processo de aprendizagem musical dentro de um coral de
adolescentes. Para este artigo, utilizaremos os elementos centrais do conceito de comunidades
de prtica que sero aplicados a situaes gerais da atividade coral, uma vez que a referida
pesquisa encontra-se ainda na fase de coleta de dados.
Comunidades de prtica na literatura de educao musical
Considerar a aprendizagem musical a partir da perspectiva psicolgica social tem
sido a temtica de um crescente nmero de trabalhos. Ao comentarem esta tendncia, North e
Hargreaves (2008) apresentam as comunidades de prtica como um caminho para o
entendimento dos processos de aprendizado que acontecem nas interaes entre msica e um
determinado grupo social.
O trabalho da educadora musical Joan Russel considerado altamente significativo
no sentido de adequar os conceitos de comunidade de prtica ao contexto de aprendizagem de
msica (NORTH; HARGREAVES, 2008; WAZLAWICK; MAHEIRIE, 2009). Em artigo
publicado na Revista da ABEM, Russel (2006) utiliza o termo comunidade de prtica
musical (p.12) para descrever o comportamento de trs grupos distintos: uma comunidade
nas Ilhas Fiji onde o canto prtica comum a todos, professoras inuit no Canad e professores
de msica em Cuba. A partir destas observaes feitas a respeitos das prticas musicais nestes
contextos sociais, a autora salienta que estas perspectivas socioculturais da educao musical
sugerem que significado, identidade e valores so criados em comunidades, juntamente com
aqueles que compartilham (ou desejam compartilhar) valores e prticas comuns (RUSSEL,
2006, p. 15).
Westerlund (2006) revisa os estudos sobre o aprendizado musical em bandas pops e
outros grupos musicais. Em seu trabalho, contrape as caractersticas do aprendizado
tradicional de msica onde o professor o detentor do saber e ensina demonstrando como se
faz isso certo (p.120) com as comunidades construtoras de conhecimento (p. 122) 2. Neste
2 knowledge-building communities
34
tipo de comunidade, a participao em questes da vida real se tornam a motivao para o
aprendizado (WESTERLUND, 2006, p.122, traduo nossa).
Koopman (2007) utiliza o termo msica comunitria (p. 151) 3 para designar
prticas de fazer musical colaborativo, onde o foco o desenvolvimento da comunidade e
tambm o crescimento pessoal. Aqui, como nos trabalhos de Russel (2006) e Westerlund
(2006), o conceito de comunidade de prtica, mais uma vez utilizado para o entendimento
da aprendizagem por meio de interaes sociais.
Embora os termos adotados pelos trs autores sejam diferentes, todos enfatizam a
existncia de um aprendizado de msica dentro da comunidade na qual estamos inseridos.
Eles mostram tambm que esta perspectiva constitui um caminho possvel para o estudo dos
processos de aprendizagem musical que acontecem em contexto social.
Para que possamos utilizar o conceito de comunidades de prtica para o
entendimento das relaes entre membros de um grupo e a msica, faz-se necessrio
compreender elementos importantes nos quais a teoria est apoiada.
Comunidades de prtica: principais caractersticas
Pensar sobre aprendizagem em comunidades de prtica requer olhar para este fato
sob um novo paradigma a partir do qual aprender parte da vida assim como comer ou
dormir (WENGER, 1998 p. 3). Desta forma, intencionalmente ou no as interaes sociais
presentes em nosso dia-a-dia fazem com que ensinemos e aprendamos. Contudo, importante
lembrar que o termo no aplicvel a qualquer tipo de comunidade. De acordo com Wenger
(2006), para que um grupo seja considerado comunidade de prtica ele deve apresentar trs
caractersticas cruciais: domnio, comunidade e prtica.
A primeira caracterstica diz respeito forma como o grupo identificado por ele
mesmo e por outros. necessrio que ele tenha uma identidade e interesses compartilhados
por seus membros. Em segundo lugar, necessrio que acontea uma interao entre os
membros, de forma que estes se envolvam em atividades comuns, se ajudem e compartilhem
informaes. Por ltimo, uma comunidade de prtica formada por pessoas que efetuem uma
mesma atividade, e desta forma tenham experincias em comum.
3 community music
35
Wenger (1998, p. 73) tambm utiliza trs dimenses para associar prtica
comunidade: compromisso mtuo; empreendimento conjunto e repertrio compartilhado4.
1. Compromisso mtuo
Uma comunidade de prtica sustenta relaes de compromisso mtuo sobre o que se
faz (WENGER, 1998, p. 74). Contudo, importante lembrar que estas relaes no sugerem
somente um clima harmonioso entre os participantes. Embora os mesmos tenham
caractersticas em comum, os motivos, perspectivas e objetivos de participarem desta
atividade podem ser extremamente diversos. Este fator leva a considerar o dualismo
diversidade versus particularidade existente em uma comunidade de prtica. Ao mesmo
tempo em que os membros daquela comunidade partilham de caractersticas comuns, e
realizam uma mesma tarefa ou tm metas compartilhadas, seus dilemas e aspiraes fazem
com que cada membro tenha um lugar nico e uma nica identidade dentro do grupo.
2. Empreendimento conjunto
Uma vez que, como mencionado anteriormente, as aspiraes e objetivos das pessoas
que pertencem mesma comunidade de prtica no sejam as mesmas, o que permite que
estes membros se agrupem a constante negociao de significados entre eles. O grupo
precisa encontrar uma forma de, apesar das diferenas, conviver e cooperar.
O empreendimento conjunto, desta forma, um elemento mantido e estabelecido por
todo o grupo, e no determinado por um superior, uma srie de regras ou determinado
participante. Ao longo da convivncia e interao entre os participantes, os significados, os
cdigos de conduta, as formas de proceder so estabelecidas, ainda que no conscientemente
ou estruturadamente.
Dizer que comunidades de prtica produzem suas prticas no dizer que elas no podem ser influenciadas, manipuladas, enganadas, intimidadas, exploradas, debilitadas, pensadas ou coagidas submisso; nem dizer que elas no podem ser inspiradas, ajudadas, esclarecidas ou poderosas. Mas isto dizer que o poder - benevolente ou malevolente que instituies, prescries ou indivduos tm sobre a prtica da comunidade sempre mediado pela produo da prtica da comunidade. Foras externas no tm
4 No original em ingls: mutual engagement, joint enterprise e shared repertoire, respectivamente.
36
poder direto sobre esta produo porque, em ltima anlise, a comunidade que negocia o seu empreendimento (WENGER, 1998, p. 80 traduo nossa).
3. Repertrio compartilhado
O repertrio a que se refere o autor inclui a rotina, palavras, formas de se fazer,
histrias, smbolos, gestos, aes e concepo partilhadas pela comunidade (WENGER, 1998,
p. 83).
Contudo, este repertrio sofre constante transformao de significados medida que
novas interaes acontecem na comunidade. Wenger (2000, p. 229) acrescenta que ser
competente [em uma comunidade de prtica] ter acesso a este repertrio e utiliz-lo
apropriadamente.
Coral no contexto das comunidades de prtica
Ao refletir sobre a aprendizagem de msica no contexto do coral, os conceitos acima
apresentados bem como os seus desdobramentos mostram-se de considervel utilidade. Em
primeiro lugar, a atividade coral parece conter os trs requisitos necessrios a uma
comunidade de prtica. Possui um domnio, uma vez que lhe chamamos coral um grupo de
pessoas reunidas com o propsito de cantar. Quando estes cantores se unem em prol de um
objetivo em comum, adquirem uma identidade. Deixam de ser um grupo de pessoas que
cantam juntas para serem o coral da escola, da comunidade, da igreja, dos funcionrios da
empresa, dentre outros.
Esse grupo reunido sob o ttulo coral desempenha atividades em comum. Embora
possa no ser formado por profissionais que se dedicam exclusivamente a esta prtica, as
pessoas que se renem para participar de um coral passam a realizar atividades em comum.
So ensaios, confraternizaes, reunies, encontros de naipe, viagens, apresentaes que
unem os membros do coro em momentos de atividade em comum.
A terceira caracterstica a prtica. Esta constitui no coro no somente um atributo
da comunidade, mas tambm a razo da existncia desta. Seja nos momentos de ensaio, ou
de apresentaes, a maior parte do tempo que despendemos no coral no para a prtica
musical?
Justificadas e relacionadas as caractersticas de uma comunidade de prtica
realidade do coral, voltamo-nos s trs dimenses que compreendem a atividade de uma
37
comunidade de prtica: compromisso mtuo, empreendimento conjunto e repertrio
compartilhado.
O que traz cada membro ao coral? As possibilidades parecem ser as mais diversas
possveis. Alguns buscam aprender msica ou tcnica vocal, outros vem no coro uma
possibilidade para o contato com novos lugares ou novos tipos de msica. Existem aqueles
que vem na atividade uma oportunidade para relaxar, descansar, desestressar. Embora,
cada corista possa ter um motivo diferente para pertencer ao grupo, este adquire um objetivo
em comum, traduzido pela performance musical. Mesmo que na mente de cada um dos
cantores idias completamente diferentes tomem lugar, a unio de suas vozes expressa um
propsito em comum, a expresso musical atravs do canto.
O empreendimento conjunto est relacionado a uma constante negociao de
significados. Esta afirmao nos remete a pensar na relao dos membros antigos do coro
com os novos. A cada etapa, onde novos cantores tornam-se parte do grupo, vises diferentes
da atividade e da msica so compartilhadas. Novas idias misturam-se s idias j presentes
no grupo, dando lugar reconstruo de conceitos, revendo o que importante para o grupo.
O empreendimento conjunto relaciona-se tambm ao estabelecimento de regras e
padres de conduta que acontecem no coro, o que nos direciona ao papel do regente na
comunidade de prtica coral. Conforme citado anteriormente, o grupo soberano no que
tange s escolhas e ao estabelecimento dos significados. A partir desta viso, o regente seria
importante, porm no o principal responsvel por determinar o proceder do grupo. Embora
sua funo de lder possa exercer influncia, as prticas da comunidade tm maior poder sobre
o comportamento e o proceder do coral. Esta hiptese pode ajudar a explicar porque, apesar
de um regente s vezes dirigir mais de um coro, cada grupo diferente e nico.
Por fim, o repertrio compartilhado parece ser a caracterstica mais expressiva na
comunidade de prtica coral. No somente o repertrio musical do coro propriamente dito,
como outros tipos de repertrio so compartilhados. Embora alguns regentes no dem muita
ateno aos aspectos tericos da msica, o conhecimento de termos, signos e expresses
utilizadas na escrita musical acabam por ser aprendidos pelos membros do coro, ou pelo
contato com a partitura, nos casos onde esta utilizada, ou pela meno que os prprios
maestros fazem a acontecimentos musicais. O prprio gestual do maestro e a compreenso
deste no deixa de ser algo entendido e compartilhado pelo grupo.
A estes exemplos de repertrio compartilhado, inclumos tambm os eventos
cotidianos, tais como exerccios de tcnica vocal que se repetem ensaio a ensaio e a dinmica
de trabalho adotada pelo regente. Aos poucos, estes elementos tornam-se parte da rotina do
38
grupo. Alm dos eventos cotidianos, os eventos extraordinrios tambm so parte do
repertrio compartilhado. Histrias de viagens, apresentaes, momentos de interao social
vividos pelo grupo tornam-se parte das conversas entre os membros mais experientes, que
acabam por transmiti-las aos membros novos.
Consideraes finais
Atravs dos exemplos acima mencionados, de situaes que usualmente fazem parte
da atividade coral, podemos perceber como o conceito de comunidade de prtica pode ser
utilizado para a compreenso dos processos de aprendizagem na prtica coral. Embora
tenhamos utilizado aqui somente trs elementos-chave, o conceito de comunidades de prtica
possui outros aspectos que podem ser de grande auxlio para a compreenso do coral.
importante salientar que cada coro uma comunidade de prtica nica, que
apresenta caractersticas prprias, e que estas singularidades podem se relacionar aos tpicos
apresentados de maneira diferente dos exemplos aqui expressos. Este fato, contudo, poderia
constituir um incentivo pesquisa e aplicao do conceito a grupos distintos, apresentando
uma maior riqueza de aspectos levantados.
Concluindo, gostaramos de ressaltar as possibilidades que este conceito pode
apresentar para o entendimento da aprendizagem musical em contexto social em pesquisas
futuras. Compreender como aprendemos msica em diversos contextos pode contribuir para
uma prtica pedaggica mais consciente e eficaz. Pode tambm sugerir novas possibilidades e
espaos para a educao musical, em contextos to diversos como cada comunidade.
39
Referncias
KOOPMAN, Constantijn. Community music as music education: on the educational potential of community music. International Journal of Music Education, n. 25, p. 151-163, 2007. LAVE, Jean; WENGER, Etienne. Situated Learning: legitimate peripheral participation. Cambridge: Cambridge University Press, 1991. NORTH, Adrian; HARGREAVES, David. The Social and Applied Psychology of Music. Oxford: Oxford University Press, 2008. RUSSELL, Joan. Perspectivas Socioculturais na educao musical: experincia, interpretao e prtica. Revista da Abem, Porto Alegre, n. 14, p. 7-16, 2006. WAZLAWICK, Patrcia; MAHEIRIE, Ktia. Sujeitos e msicas em movimentos criadores compondo comunidades de prtica musical. Revista da ABEM, Porto Alegre, n. 21, p. 103-112, 2009. WENGER, Etienne. Communities of practice: learning, meaning and identity. Cambridge: Cambridge University Press, 1998. . Communities of Practice and Social Learning Systems. Organization, n. 7, p. 225-246, 2000. . Communities of practice: a brief introduction. Etienne Wenger Home Page, Jun.2006. Disponvel em: . Acesso em 22 de maro de 2010. WESTERLUND, Heidi. Garage rock bands:a future model for developing musical expertise? International Journal of Music Education, n. 24, p. 119-125, 2006.
40
A aprendizagem musical via relao mestre-aprendiz na Oficina de Pfano da Universidade de Braslia
Valria Levay Lehmann da Silva Universidade de Braslia
valerialevaylehmann@gmail.com
Resumo: Esse trabalho, parte da anlise de dados da minha pesquisa de mestrado em andamento, versa sobre a aprendizagem via relao mestre-aprendiz na Oficina de Pfano da Universidade de Braslia (OP), sendo essa uma das formas de aprendizagem presentes na OP. Atravs da observao participante, do dirio de campo, e de entrevistas semi-estruturadas, so traados apontamentos sobre como os alunos da OP aprendem com Z do Pife (artista brasiliense nascido em So Jos do Egito/PE). Observou-se ainda, transformaes no modo de ensinar de Z do Pife, ao longo das oficinas que ministrou na instituio (de 2007 a 2009), alm das semelhanas e diferenas entre a aprendizagem via relao mestre-aprendiz no contexto de origem e em um projeto/oficina. Sandroni, Barbosa e Vilar (2008), Green (2001, 2008) e Assis (2009) so autores que compem as reflexes aqui apresentadas.
Palavras-chave: aprendizagem via relao mestre-aprendiz, Oficina de Pfano da UnB, aprendizagem musical na tradio oral.
Introduo
Esse trabalho, parte da anlise de dados da minha pesquisa de mestrado, versa sobre
a aprendizagem via relao mestre-aprendiz na Oficina de Pfano da Universidade de Braslia
(OP). Atravs da observao participante, do dirio de campo, e de entrevistas semi-
estruturadas, so traados apontamentos sobre como os alunos da OP aprendem com Z do
Pife (artista brasiliense nascido em So Jos do Egito/PE). Observou-se ainda, transformaes
no modo de ensinar de Z do Pife, ao longo das oficinas que ministrou na instituio (de 2007
a 2009), alm das semelhanas e diferenas entre a aprendizagem no contexto de origem e
em um projeto/oficina. Sandroni, Barbosa e Vilar (2008), Green (2001, 2008) e Assis (2009)
so autores que compem as reflexes aqui apresentadas, inclusive ao tratarem da
aprendizagem via relao mestre-aprendiz em diferentes contextos de tradio oral e/ou em
projeto/oficina.
Aprendizagem via relao mestre-aprendiz no contexto de origem e em um projeto/oficina
Green (2001) explica que o conceito de enculturao musical se refere aquisio de
habilidades e conhecimento musical atravs da imerso na msica e nas prticas musicais
dirias de um contexto social (GREEN, 2001, p. 22). Green (2008) prope que a maioria das
41
msicas folclricas e tradicionais do mundo so aprendidas atravs da enculturao e da
imerso nas prticas do ouvir, ver e imitar a msica e as prticas musicais das comunidades
ao redor (GREEN, 2008, p. 6). A autora coloca que em alguns ambientes, msicos mais
velhos podem prover uma direo especfica em uma relao mestre-aprendiz, dando o
exemplo do jazz, do African drumming e tambm da relao guru-shishya (Ibid.). Esses
msicos mais velhos, afirma Green, atuam como modelos musicais com quem os aprendizes
podem conversar, ouvir, ver e imitar (Ibid.).
Assis (2009) ao tratar da aprendizagem do canto em trs comunidades do norte1,
props trs modos de aprender-ensinar: imitao; explicaes orais; e demonstraes prticas,
explicando que cada um desses modos de aprender-ensinar diferencia-se pela presena e
permanncia de intencionalidade (ASSIS, 2009, p. 80). Ela diz que na imitao o aprendiz
assimila a prtica do cantar por meio da observao do outro (Ibid.). Para a autora, o outro
no est preocupado em ensinar, mas est dedicado apenas a praticar o seu prprio ofcio, e
que no existe qualquer intencionalidade de ensinar da parte de quem, sem querer, ensina
(Ibid.). Ela fala sobre o papel do mestre no que diz respeito aos modos de ensinar e aprender
canto popular nessas comunidades citadas, informando que a diferena das explicaes
orais para as demonstraes prticas e para a imitao, que (na primeira) os mestres
demonstram intencionalidade ao ensinar e mantm-se permanentemente abertos a essa
tarefa (Ibid., p. 86). Assis ressalta o desejo de aprender manifestado pelo aluno ao pedir uma
demonstrao prtica do mestre. Ela diz que a demonstrao prtica
surge no momento em que o aprendiz manifesta a sua vontade e solicita do outro algum tipo de demonstrao prtica. Aqui, o aprender no s ouvindo e vendo o outro. O outro agente ativo e est aberto a compartilhar o seu saber por meio de demonstraes (Ibid., p. 84).
Sandroni, Barbosa e Vilar (2008), em seus apontamentos a respeito do projeto
Musicalizao com Mestres do Serto de Pernambuco, do qual eles prprios estavam frente,
e, no qual, crianas da comunidade local aprendiam com msicos ligados tradio de
reisados e bandas de pfanos, consideraram existir uma diferena entre o modo como msicos
de tradio oral aprenderam o que sabiam e o modo como se propunha que ensinassem dentro
do projeto (SANDRONI et al. 2008, p. 73). Como explicaram, a diferena consistia no que
costuma ser descrito como a maior formalizao do ltimo (Ibid.).
1 A comunidade de Monte Alegre do municpio de So Luiz Gonzaga, a comunidade de Filipa- Itapecuru Mirim (as duas so comunidades em que o tambor de crioula cultivado e passado de gerao a gerao) e o grupo das quebradeiras de coco babau, as Encantadeiras, de So Manoel e Ludovico (ASSIS, 2009).
42
Do ponto de vista pedaggico, o interesse da experincia estava na diferena entre o modo como estes msicos populares aprenderam o que sabiam, e o modo como ns estvamos propondo que eles o transmitissem. Havia uma diferena de base entre os dois modos, consistindo no que costuma ser descrito como a maior formalizao do ltimo. Entendemos aqui por formalizao, num primeiro momento, o simples fato de que o ensino-aprendizagem se daria num quadro de tempo e espao demarcado como educacional. Assim, nossos colaboradores seriam tratados - tomando agora a expresso por outro ngulo - como professores de msica, e no apenas como msicos; deveriam, para fazer jus a este ttulo, comparecer uma ou duas vezes por semana a um local, e durante um perodo de tempo, consagrados especificamente ao ensino de msica, para trabalhar durante duas horas com crianas e jovens que seriam seus alunos (SANDRONI et al. 2008, p. 73).
A formalizao, para os autores, estaria vinculada ento ao tempo e espao
destinados ao ensino e aprendizagem musical. Diferentemente, na manifestao cultural, a
aprendizagem musical ocorre simultaneamente a uma srie de outros aspectos, onde pode ou
no haver a intencionalidade de ensino, e, entretanto, como foi visto em Assis (2009), a
aprendizagem pode ocorre mesmo sem tal intencionalidade.
A Oficina de Pfano da Universidade de Braslia (OP)
A Oficina de Pfano da UnB (OP) um projeto oferecido e promovido pela Diretoria
de Esporte, Arte e Cultura do Decanato de Assuntos Comunitrios da Universidade de
Braslia (DEA/DAC), que vem sendo realizado desde segundo semestre de 2007 na
instituio. A OP ministrada pelo pernambucano Francisco Gonalo da Silva, mais
conhecido como Z do Pife, e coordenada por Max Mller, funcionrio do DEA. Como
consta nos panfletos de divulgao, o projeto Oficina de Pfano consiste de uma iniciativa de
transmitir adiante a arte de tocar e fabricar pfanos, sendo esses seus principais objetivos.
De acordo com Max, cerca de duzentos e cinqenta alunos j participaram da OP. Os
alunos da OP so em sua maioria alunos dos mais variados cursos da prpria UnB, mas
participam tambm da OP, funcionrios, professores e pessoas externas instituio. Vale
ainda colocar que no segundo semestre de 2009 foi aberta a turma intermedirio destinada
alunos que j participaram de OPs anteriores.
O oficineiro que, como descrito nos folders de divulgao da OP, instrumentista,
poeta-cantador, fabricante de pfano2 e compositor, aprendeu a tocar o pfano quando criana
2 Pequena flauta transversal, tradicionalmente feita de um tipo de bambu chamado de taboca ou taquara, mas que atualmente tambm fabricada com tubo de PVC (CAJAZEIRA, 2007, p. 28). Pode ser chamada de pfano, pfaro ou pife (ver estudos de PEDRASSE, 2002; VERSSIMO, 2002, p. 39; PIRES, 2005; CAJAZEIRA, 2001).
43
em sua cidade natal - So Jos do Egito/PE. Chegou a Braslia em 1992, onde sempre
costumou vender seus pfanos pela cidade (SILVA, 2009, a, b, c). Em 2007 foi convidado a
ministrar a OP da UnB, que, at esse momento, teve quatro edies, ocorridas em diferentes
espaos dentro da universidade: no Ncleo de Dana da UnB (2/2007); no Centro
Comunitrio da UnB (2/2008); e no Departamento de Msica da UnB (1/2009 e 2/2009).
Aprendizagem via relao MestreAprendiz na Oficina de Pfano da UnB
De forma semelhante como ocorria nos estudos citados anteriormente, a
aprendizagem na OP tambm ocorria atravs da observao e imitao do mestre; atravs dos
pedidos de demonstraes prticas por parte dos alunos; atravs das explicaes orais de Z
do Pife; e, inclusive, por meio das perguntas e pedidos de explicaes orais sobre como tocar
o pfano, provindos dos prprios alunos da OP.
Nenm, uma aluna da OP fala sobre como aprendia.
copiando o que o Seu Z faz n (...). Eu acho melhor copiando exatamente a mo dele, do jeitinho que ele faz, e pra mim era o melhor jeito de aprender, era ficar atrs dele, copiando todos os movimentos do dedo, era assim que eu conseguia aprender (...). A eu saa pra onde era menos barulhento, pra repetir aquilo que eu tinha acabado de aprender, e memorizar, ouvir o que eu tava tocando. Porque l dentro era mais difcil ouvir, porque tinha muito barulho. Era mais pra ouvir o que eu tava tocando mesmo, assim, no silncio e tentar absorver aquilo ali. (Nenm)
Pode-se notar em seu depoimento como a imitao ocorria a partir da observao de
Z do Pife, onde o ver o e ouvir atuavam como prticas complementares, sendo a imitao
que Nenm fazia do mestre, tanto gestual quanto auditiva. Bruno, outro aluno da OP, enfatiza
o ouvir, e o aprender com um mestre de tradio oral.
O legal que desenvolve sua capacidade mesmo de audio, porque ele te d o comeo assim, e no d pra voc pegar direitinho tecla por tecla ou cada buraquinho que voc vai enfiar o dedo ali, ento voc mesmo pega o tom e tem que ir atrs. uma coisa que assim, bom porque desenvolve a audio, mas pra quem tem essa dificuldade s vezes pode ser um pouco complicado, quem no tem uma audio boa mesmo. Mas o que eu gosto mesmo dessa tradio oral, exatamente isso que possibilita o aluno de se desenvolver melhor. (Bruno)
Bruno explica que Z do Pife d o comeo e voc tem que ir atrs para
aprender a msica. Seu depoimento referia ainda uma prtica bastante presente na OP: o
tirar de ouvido uma msica. O aluno avalia que essa prtica possa ser um fator que
44
incentiva, que desenvolve a capacidade de audio, mas que, ao mesmo tempo, realiz-la
possa ser complicado para alguns alunos.
Com relao questo das perguntas e solicitaes de explicaes orais dos alunos
direcionadas Z do Pife, digo, a partir de minha observao participante, que muitos alunos
faziam para Z do Pife perguntas do tipo: Como toca?; Como faz pra sair o som
agudo/grave?. E at mesmo: Qual a sua didtica/metodologia?. De forma geral, Z do
Pife respondia essas perguntas pedindo para o aluno ouvi-lo tocar e tentar tocar tambm.
Sobre isso, emerge no depoimento da aluna Andria, no momento em que estava falando
sobre sua aprendizagem na OP, uma reflexo. Ela diz: no incio eu perguntava mais, a
depois eu fui observando mais o pessoal fazendo, a fui pegando tambm, vendo como
fazia.... Em sua fala, Andria indica pare
Recommended