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Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu
em uma perspectiva histórica
Rachel de Oliveira Pereira Lucena
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Faculdade de Letras
Fevereiro de 2016
ii
Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu
em uma perspectiva histórica
Rachel de Oliveira Pereira Lucena
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Letras Vernáculas da
Universidade Federal do Rio de Janeiro como
quesito para a obtenção do Título de Doutor em
Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).
Orientador: Professora Doutora Célia Regina dos
Santos Lopes
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2016
iii
Pereira, Rachel de Oliveira
Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação
teu/seu em uma perspectiva histórica / Rachel de
Oliveira Pereira. – Rio de Janeiro: UFRJ / FL, 2016.
Orientador: Célia Regina dos Santos Lopes
Tese (doutorado) – UFRJ / Faculdade de Letras /
programa de Pós-graduação em Letras Vernáculas,
2016
Referências bibliográficas: f. 137 – 142.
1. Pronomes possessivos de segunda pessoa. 2.
Cartas pessoais. 3. Variação. 4. Linguística
Histórica. I. Rachel de Oliveira Pereira Lucena. II.
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade
de Letras, Programa de Pós-graduação em Letras
Vernáculas. III. Pronomes possessivos de segunda
pessoa: a variação teu/seu em X’uma perspectiva
histórica
iv
Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu
em uma perspectiva histórica
Rachel de Oliveira Pereira Lucena
Orientadora: Professora Doutora Célia Regina dos Santos Lopes
Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras
Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos
requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Letras Vernáculas (Língua
Portuguesa).
Examinada por:
______________________________________________________________________
Presidente, Professora Doutora Célia Regina dos Santos Lopes
______________________________________________________________________
Professora Doutora Márcia Cristina de Brito Rumeu – UFMG
______________________________________________________________________
Professora Doutora Juliana Barbosa de Segadas Vianna – UFRRJ
______________________________________________________________________
Professora Doutora Vera Lucia Paredes Pereira da Silva – UFRJ
______________________________________________________________________
Professora Doutora Sílvia Rodrigues Vieira – UFRJ
______________________________________________________________________
Professora Doutora Karen Sampaio Braga Alonso – UFRJ, Suplente
______________________________________________________________________
Professora Doutora Silvia Regina de Oliveira Cavalcante – UFRJ, Suplente
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2016
v
PEREIRA, Rachel de Oliveira. Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação
teu/seu em uma perspectiva histórica. Tese de Doutorado em Língua Portuguesa. Rio de
Janeiro: Faculdade de Letras/UFRJ. 2016
Resumo
O presente estudo objetiva analisar a variação existente entre as formas simples de
pronomes possessivos de segunda pessoa do singular, isto é, teu/tua/seu/sua,
diacronicamente, no português brasileiro, buscando explicar o que o motiva tal variação
e observar em especial o comportamento do pronome seu. Para a realização deste
trabalho, pretende-se realizar duas etapas distintas de análise da variação possessiva.
Primeiro, será realizado um estudo de longa duração (1870 a 1970), com base em cartas
pessoais, verificando os contextos linguísticos e extralinguísticos que influenciam na
variação entre os pronomes possessivos referentes à segunda pessoa. Para tanto, a
análise quantitativa e qualitativa dos dados baseia-se nos pressupostos da
sociolinguística variacionista (LABOV, 1994; WEINREICH; HERZOG; LABOV,
1968). Além disso, na análise dos pronomes possessivos serão observadas também as
situações comunicativas em que os pronomes estão inseridos, observando as relações de
poder na ótica da teoria de Poder e Solidariedade proposta por Brown e Gilman (1960).
Assim sendo, o presente estudo possui duas hipóteses norteadoras. A primeira é a de
que a forma você é um fator condicionante para o emprego de seu como forma
possessiva de segunda pessoa. Assim, acredita-se que o pronome possessivo
acompanhou a utilização do sujeito até ter seu uso generalizado. A outra hipótese que
orienta o estudo é a de que o pronome possessivo de segunda pessoa seu/sua é
extremamente dependente do contexto comunicativo em que ele está inserido. Em
síntese, a tese mostra que a utilização de seu como estratégia de referência à segunda
pessoa está intrinsecamente relacionada à inserção de você no quadro de pronomes do
português brasileiro. Além disso, a categoria pronome possessivo mostra-se com
comportamento diferenciado dos demais subtipos pronominais.
vi
PEREIRA, Rachel de Oliveira. O tratamento em cartas amorosas e familiares da Família
Penna: um estudo diacrônico. Tese de Doutorado em Língua Portuguesa. Rio de
Janeiro: Faculdade de Letras/UFRJ. 2016
Abstract
The present study is oriented towards the diachronical analysis of the existing variation
among the simple possessive pronominal forms of the second person singular in
Brazilian portuguese, that is, teu/tua/seu/sua. The objective is to explain the reason for
such variation and observe specifically how the pronoun seu behaves. To this end, a
long duration study based on personal letters from 1870 to 1970 will verify the
linguistic and extralinguistic context that influenced the variation between possessive
pronouns regarding the second person. The quantitative and qualitative data analysis
will be based on the premises of the variationist sociolinguistics (LABOV, 1994;
WEINREICH; HERZOG; LABOV, 1968). Moreover, it will be observed in the
possessive pronoun analysis the context of which the communication happens,
observing the relationship from the point of view of the Power and Solidarity theory
proposed by Brown and Gilman (1960). Hence, the present study contemplates two
main hypothesis. First, the form você is a conditional factor in the use of seu as a second
person possessive form. So therefore, it is believed that the possessive pronoun
acompanied the use of the subject until its use was generalized. The other hypothesis
that guides this study contemplates that the use of the possessive forms seu/sua is
extremely dependent on the communication context. To conclude, the thesis shows that
the use of seu as a reference strategy towards the second person is intertwined with the
insertion of você within the framework of brazilian portuguese pronouns. Additionally,
the possessive pronouns behaves differently from the other pronominal subtypes.
vii
Dedico esta tese a todos os alunos que cruzaram meu caminho.
Vocês me fazem ir além.
viii
AGRADECIMENTOS
Arnaldo Jabor, em sua crônica “Relacionamentos”, diz, em determinada parte,
que “Nascemos sós. Morremos sós.”, por isso é importante dar valor à solidão, à nossa
própria companhia e que, nesse sentido, não haveria necessidade de estar sempre em um
relacionamento, porque, afinal, nossos pensamentos são apenas nossos e nossa
impressão de mundo idem.
Longe de discordar de Jabor, acredito que, justamente pelo fato de nascermos e
morrermos sós é que devemos dar valor às pessoas que nos cercam e aos
relacionamentos que temos, sejam eles amorosos ou não. Assim, esse é o espaço
destinado a agradecer a todos aqueles que, direta ou indiretamente, auxiliaram nesses
quatro longos anos de trabalho e estudo.
Todos que passam pela pós-graduação sabem bem que a realização de um
trabalho como esse não se dá apenas por nós. Precisamos de apoio técnico e,
principalmente, emocional nesse período nada fácil de nossas vidas. Sem o amparo
daqueles que cruzam nossos caminhos, seria, sem sombra de dúvidas, impossível a
realização de uma pesquisa como essa. Por isso, a lista de agradecimento é extensa.
Agradeço, primeiramente, a Deus por ter me dado a oportunidade de existir e me
dar possibilidades de escolhas para seguir meu caminho. Já diz a narrativa que “a fé
move montanhas”, logo, para mim, ela foi essencial para que esse estudo se realizasse.
Acreditar que não estou nesse mundo por acaso e que todos temos uma missão na Terra,
de uma certa forma, foi, também, o combustível que eu precisava nos momentos que
precisei. Obrigada, meu Pai, por me dar a oportunidade de chegar até aqui!
Assim, não poderia deixar de agradecer a meus pais, meus amores, por terem
sempre me cercado de cuidados e terem me dado os meios cabíveis para que minhas
vontades fossem sempre realizadas. Sem sombra de dúvidas, eu não seria a pessoa que
sou e essa tese não teria sido realizada sem o respaldo, apoio e zelo de meus amados
pais. Obrigada por tudo o que fizeram e fazem por mim! Não tenho palavras que
exprimam com exatidão a importância de vocês em minha vida e para a realização desse
estudo! Obrigada, obrigada, obrigada!
Nesse interim, agradeço à minha família: meu irmão, primos, tios, avós.
Obrigada por me apoiarem, por me acompanharem, por estarem ao meu lado.
ix
Um obrigada mais do que especial à mãe acadêmica que a vida me deu: minha
querida orientadora Célia Lopes. Obrigada por ter me adotado no quarto período da
faculdade e ter acompanhado meu crescimento pessoal e profissional. São oito anos de
orientação, muitas histórias e todo o respeito do mundo! Obrigada por me ensinar o que
é pesquisa, pela paciência, pelos conselhos, pelas broncas necessárias, por ter me
acompanhado até aqui. Os possessivos sempre serão NOSSOS!
Não poderia deixar de agradecer ao meu marido, Bruno, pelo carinho, afago e
apoio integral. Obrigada por ser esse companheiro maravilhoso, que me deu o suporte
emocional de que eu precisava nesse final de doutorado. Obrigada por ter pegado o
“bonde andando” comigo e, mesmo sem entender muito bem, me acompanhou e foi o
mais presente possível na realização do meu trabalho. Obrigada por ter entendido meus
momentos de tensão, estresse, cansaço e, apesar de tudo isso, ainda me dar forças para
que eu me superasse e fosse além. Amo você!
Agradeço aos meus filhos felinos e peludos, Dom, Juninho e Ozzy, que, aos
olhos alheios, não passam de três gatos, mas são responsáveis por encher minha vida de
felicidade e aliviar as tensões de todos os dias. Sem sombra de dúvidas, uma casa é mais
feliz com esses anjos de luz e minha vida não existiria de maneira completa sem vocês.
Também agradeço imensamente aos meus chefes e colegas de trabalho do
Colégio e Curso Fator. Aos primeiros, especialmente meu coordenador pedagógico,
Néviton, por facilitar em tudo o que podia minha vida para que esse estudo pudesse ser
realizado. Trabalhar e estudar não é fácil e ter pessoas que apoiam e auxiliam nessa fase
foi essencial para que eu pudesse realizar meu trabalho. Muito, muito obrigada mesmo!
E, aos segundos, particularmente minhas amigas Glaucia, Helen, Isabella, Lorena, Meg,
Suzana e Vanessa, e ao meu queridíssimo Bruno, por me ensinarem que
interdisciplinaridade é a melhor “disciplina” da vida e aos colegas, como um todo, por
serem a melhor equipe com quem um professor pode trabalhar. Obrigada por não serem
apenas colegas de trabalho, mas uma família que ganhei e que sempre me apoiou!
Famíliaaaaaa Fatoooooooor!
Um agradecimento especial aos amigos, que, como muito bem diz um texto
atribuído a Shakespeare “são a família que Deus nos permitiu escolher”. Obrigada pelo
carinho, consideração e por entenderem meus momentos de ausência, meu sumiço e por
eu levar uma vida sempre corrida. Obrigada por não me cobrarem, por se preocuparem e
por me amarem! Assim, um beijo especial para os amigos do CLAC: Beth, Isabela,
x
Michel, Renata, Sarah e Wanessa; e para os amigos que a vida mesmo se encarregou de
colocar no meu caminho: Fabio, Guga, Thammy, Douglas, Lívia.
Agradeço a todos os professores que cruzaram meu caminho: desde a escola até
a pós-graduação. Obrigada por me trazerem até aqui! Aproveito o espaço para agradecer
ao professor da Faculdade de Letras Leonardo Marcotulio, que para mim sempre será o
Leo. Obrigada pelas ideias, pela ajuda e pela companhia. Um beijo para a Silvia
Cavalcante, que sempre me auxiliou nos momentos em que precisei e estimulou a
minha ida para a pós-graduação.
Um obrigada imenso aos companheiros acadêmicos que a UFRJ me trouxe. Um
beijo hiper mega especial para as queridíssimas Mayara e Janaína, amigas que são um
verdadeiro presente! Obrigada por me entenderem e me apoiarem sempre! É um afago
imenso poder dividir com vocês as dores e delícias da vida acadêmica. Obrigada
também aos companheiros de F-316 por dividirem as alegrias e tristezas: Priscila,
Thiago, Camila, esses três últimos, meus irmãos de orientação. Um beijo especial para a
Érica por ter me ajudado principalmente nesses últimos meses de doutorado. Um
agradecimento especial ao Caio, visitante ilustre da 316, por ter me dado um certo
esporro, numa hora bem certa, me impedindo de largar o doutorado na metade. Essa
tese é, também, graças a você!
Um agradecimento à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (Capes), por ter financiado parte desse projeto.
Por fim, o agradecimento mais especial de todos: a todos os meus alunos, em
especial, os alunos do Colégio e Curso Fator. O meu último ano de doutorado foi o mais
intenso, mas tenho certeza de que vocês foram verdadeiros presentes mandados por
Deus para amenizar os meus dias de angústia. Vocês me animam com o espírito jovem
de vocês, com a inquietude, com o prazer em aprender, com a bagunça. Quantas vezes
saí de casa querendo me esconder do mundo e vocês transformaram minhas
preocupações e ansiedade em sorrisos sinceros? Obrigada por me energizarem, por
gostarem de mim, por me escutarem. Obrigada por terem interesse em saber o que foi
que eu estudei no mestrado, o que pesquiso no doutorado. Obrigada por me fazerem ver
que todo o esforço vale a pena. Obrigada por me transformarem todos os dias. Não
haveria outras pessoas para quem poderia dedicar essa tese que não vocês! Amo, amo,
amo com toda a força que um coração pode amar. MUITO OBRIGADA por existirem
na minha vida!
xi
O único lugar onde o sucesso vem antes do trabalho é no dicionário
Albert Einstein
xii
“Na outra casa os meninos encontraram os
Pronomes POSSESSIVOS — Meu, Teu, Seu,
Nosso, Vosso e Seus com as respectivas esposas
e com os plurais. Emília, que achava as palavras
Meu e Minha as mais gostosas de quantas
existem, agarrou o casalzinho e deu um beijo no
nariz de cada uma, dizendo:
— Meus amores!”
(Emília no país da gramática – Monteiro Lobato)
xiii
SINOPSE
Estudo da variação entre as formas
possessivas teu e seu ao longo de 100 anos.
Mapeamento do comportamento do
pronome seu em cartas pessoais escritas
entre 1870 a 1970.
xiv
Sumário
1: Introdução ................................................................................................................... 1
2: O percurso histórico dos pronomes possessivos ...................................................... 3
2.1: Posse e pronomes possessivos: definição do objeto de estudo ......................................... 3
2.2: Pronomes possessivos: história, hipóteses e objetivos ...................................................... 7
2.3: Outros estudos sobre o tema ............................................................................................ 14
3: Pressupostos Teóricos e Metodológicos ................................................................... 24
3.1: A teoria da variação e a sociolinguística histórica ........................................................... 24
3.2: O gênero carta .................................................................................................................. 32
3.3: Descrevendo o corpus: as diferentes famílias que compõem a amostra .......................... 40
3.4 A pragmática e suas questões ........................................................................................... 53
3.5: Os grupos de fatores ........................................................................................................ 63
4: Pronomes possessivos: resultados encontrados ...................................................... 70
4.1: Os fatores linguísticos selecionados ................................................................................. 77
4.1.1 Sujeito na totalidade da carta ................................................................................. 77
4.1.2 Tipos de posse ...................................................................................................... 83
4.1.3 Traço de gênero do possessivo ............................................................................. 94
4.1.4 Animacidade do sintagma possessivo .................................................................. 95
4.2: Os fatores extralinguísticos selecionados ....................................................................... 102
4.2.1 Período histórico ................................................................................................. 102
4.2.2 Gênero ................................................................................................................ 115
4.2.3 Faixa etária ......................................................................................................... 135
4.2.4 Parentesco ........................................................................................................... 147
4.2.4.1 Parentesco na fase 1 (1870-1899) ........................................................ 150
4.2.4.2 Parentesco na fase 2 (1900-1939) ........................................................ 153
4.2.4.3 Parentesco na fase 3 (1940-1979) e o espraiamento de
seu nas relações simétricas: síntese dos resultados .......................................... 156
4.2.5 Subgênero da carta particular ............................................................................. 158
4.2.6 Localidade da carta ............................................................................................. 165
5: Conclusão ................................................................................................................ 171
6: Referências bibliográficas ...................................................................................... 178
7: Anexos ..................................................................................................................... 192
xv
Índice de tabelas, gráficos, quadros e figuras
Tabelas
Tabela 1: A distribuição dos pronomes possessivos nas gramáticas tradicionais .................... 5
Tabela 2: Os pronomes possessivos no português brasileiro ................................................... 6
Tabela 3: O sistema pronominal em diferentes regiões do Brasil, segundo Perini Fonte:
Perini 1995 .............................................................................................................................. 14
Tabela 4: Frequência dos pronomes possessivos, em valores absolutos e percentuais
(Monteiro 1994, p. 206) .......................................................................................................... 21
Tabela 5: Aspectos divergentes e complementares da investigação em sociolinguística
sincrônica e diacrônica (CONDE SILVESTRE, 2007, p.38) .................................................. 29
Tabela 6: Principais informações sobre o corpus adotado ..................................................... 41
Tabela 7: Divisão para a análise ............................................................................................. 75
Tabela 8: A distribuição de seu a depender do tipo de sujeito em todas as rodadas ........... 78
Tabela 9: O tipo de posse na rodada geral ............................................................................ 88
Tabela 10: A distribuição de teu e seu por todos os tipos de posses e em todas as fases ...... 89
Tabela 11: A distribuição de teu e seu em concreto e abstrato em todas as fases ............... 92
Tabela 12: Percentuais do traço de gênero do possessivo
encontrados em todas as rodadas .......................................................................................... 94
Tabela 13: O traço de gênero do possessivo no período 3. Valor de aplicação: seu .............. 95
Tabela 14: Percentuais da animacidade do possessivo encontrados em todas as rodadas ..... 98
Tabela 15: A distribuição de seu e a animacidade do sintagma ............................................. 99
Tabela 16: A animacidade do possessivo no período 3. Valor de aplicação: seu .................. 99
Tabela 17: A distribuição de seu e a animacidade do sintagma ........................................... 100
Tabela 18: A distribuição de teu e seu ao longo do tempo, na amostra brasileira em Machado
(2011), adaptado ................................................................................................................... 104
Tabela 19: A distribuição de teu e seu ao longo do tempo, na amostra portuguesa em
Machado (2011), adaptado ................................................................................................... 105
Tabela 20: A distribuição de seu ao longo do tempo, na rodada geral.
Valor de aplicação: seu ........................................................................................................ 106
Tabela 21: A distribuição de seu nas décadas correspondentes à fase 1.
Valor de aplicação: seu ......................................................................................................... 107
Tabela 22: A distribuição de teu e seu nas décadas correspondentes à fase 2 ..................... 110
Tabela 23: A distribuição de teu e seu nas décadas correspondentes à fase 3 ..................... 113
Tabela 24: A distribuição dos possessivos a depender do gênero na na rodada geral ........ 123
Tabela 25: A distribuição de seu a depender do gênero na fase 1.
Valor de aplicação: seu ......................................................................................................... 123
Tabela 26: Possessivos e sujeito predominante nas cartas da fase 1 ................................... 124
Tabela 27: A distribuição de seu a depender do gênero na fase 2.
Valor de aplicação: seu ......................................................................................................... 129
xvi
Tabela 28: O gênero no período temporal 2 nas amostras de pessoas ilustres .................... 129
Tabela 29: O gênero no período temporal 2 nas amostras de pessoas não-ilustres ............ 130
Tabela 30: Possessivos e sujeito predominante nas cartas do período 2, nas cartas
de pessoas ilustres ............................................................................................................... 130
Tabela 31: Possessivos e sujeito predominante nas cartas do período 2,
nas cartas de pessoas não-ilustres ......................................................................................... 130
Tabela 32: A faixa etária em todas as rodadas. Valor de aplicação: seu .............................. 137
Tabela 33: Faixa etária e a distribuição de seu na fase 1 a depender do sujeito na carta ..... 139
Tabela 34: Faixa etária e a distribuição de seu na fase 2 a depender do sujeito na carta .... 142
Tabela 35: Faixa etária e a distribuição de seu na fase 3 a depender do sujeito na carta ..... 144
Tabela 36: O parentesco na rodada geral. Valor de aplicação: seu ...................................... 148
Tabela 37: Relações de parentesco na fase 1 (1870-1899). Valor de aplicação seu ........... 149
Tabela 38: Percentuais a depender das relações de parentesco encontradas na fase 1 ......... 150
Tabela 39: Relações de parentesco na fase 2 (1900-1939). Valor de aplicação seu ............ 151
Tabela 40: Percentuais a depender das relações de parentesco encontradas na fase 2 ......... 152
Tabela 41: Percentuais a depender das relações de parentesco encontradas na fase 3 ......... 154
Tabela 42: O subgênero da carta particular na rodada geral. Valor de aplicação: seu ......... 157
Tabela 43: A distribuição de teu e seu a depender do subtipo da carta nas três fases.
Valor de aplicação: seu ......................................................................................................... 157
Tabela 44: A distribuição de seu a depender da localidade da carta em todas as rodadas ... 166
Gráficos
Gráfico 1: A distribuição de teu/seu ao longo das décadas .................................................... 71
Gráfico 2: Frequência de uso de tu e você em peças teatrais brasileiras
(adaptado de MACHADO, 2011) ........................................................................................... 72
Gráfico 3: A variação entre tu/você, na posição de sujeito, ao longo de 100 anos
(extraído de Souza, 2012, p.90) ............................................................................................... 73
Gráfico 4: A distribuição de seu por todos os tipos de posses e em todas as fases. ............... 90
Gráfico 5: A distribuição de seu pela natureza concreta ou abstrata do nome
em todas as fases ..................................................................................................................... 92
Gráfico 6: A distribuição de seu a depender do parentesco ................................................. 101
Gráfico 7: A distribuição dos pronomes possessivos pelo gênero
e amostras ilustres e não ilustres ........................................................................................... 130
Gráfico 8: O crescimento de seu a depender do tipo de relação estabelecida ...................... 156
Quadros
Quadro 1: As principais diferenças entre cartas familiares, pessoais e amorosas ................. 37
Quadro 2: Palavras alienáveis na fase 1 ............................................................................... 192
Quadro 3: Palavras alienáveis na fase 2 ............................................................................... 194
Quadro 4: Palavras alienáveis na fase 3 ............................................................................... 194
xvii
Quadro 5: Palavras inalienáveis na fase 1 (Parentesco) ...................................................... 195
Quadro 6: Palavras inalienáveis na fase 1 (Partes do corpo) ............................................... 195
Quadro 7: Palavras inalienáveis na fase 1 (Outros tipos de posse) ..................................... 196
Quadro 8: Palavras inalienáveis na fase 2 (Parentesco) ...................................................... 197
Quadro 9: Palavras inalienáveis na fase 2 (Partes do corpo) .............................................. 197
Quadro 10: Palavras inalienáveis na fase 2 (Outros tipos de posse) ................................... 198
Quadro 11: Palavras inalienáveis na fase 3 (Parentesco) .................................................... 198
Quadro 12: Palavras inalienáveis na fase 3 (Outros tipos de posse) ................................... 192
Quadro 13: Extensão do sentido de posse na fase 1 ............................................................ 200
Quadro 14: Extensão do sentido de posse na fase 2 ............................................................ 202
Quadro 15: Extensão do sentido de posse na fase 3 ............................................................ 202
Figuras
Figura 1: Casimiro de Abreu .................................................................................................. 37
Figura 2: Christiano Ottoni ................................................................................................... 44
Figura 3: A família Pedreira Ferraz-Magalhães ..................................................................... 44
Figura 4: Oswaldo Cruz ......................................................................................................... 45
Figura 5: Affonso Penna Júnior (no centro) ........................................................................... 47
Figura 6: Washington Luís .................................................................................................... 50
Figura 7: Francisco Brandão Neto ......................................................................................... 52
Figura 8: Classificação das diferentes estratégias dos emissores em função do grau de
imposição que suponha a ação que se quer realizar e do tipo de relação
entre os interlocutores ............................................................................................................. 61
Figura 9: Continuum do tipo de posse ................................................................................... 84
Figura 10: Continuum de animacidade .................................................................................. 97
1
1 – Introdução
O presente trabalho propõe estudar a inserção do pronome possessivo seu como
um pronome de segunda pessoa do singular, em cartas pessoais escritas por diferentes
famílias, tanto ilustres como não ilustres, ao longo de 100 anos: de 1870 a 1970. Dessa
forma, esta investigação é estruturada a partir da descrição e análise da variação entre
duas estratégias de referência à segunda pessoa: teu e seu.
Portanto, o objetivo principal do estudo é analisar a variação entre os pronomes
possessivos teu e seu, mostrando os contextos favorecedores de uma forma em
detrimento da outra. Estas estratégias não serão analisadas apenas em termos
descritivos, mas também à luz das teorias que discutem a questão da variação e
mudança (WEINREICH, LABOV e HERZOG, 1968) e os fenômenos da cortesia
(BROWN & GILMAN, 1960; BROWN & LEVINSON, 1987; VIDAL, 2002).
Com o presente estudo, pretende-se investigar a distribuição das formas
possessivas nas missivas pessoais escritas ao longo de um século, observando o
comportamento do pronome seu nesse período. Para mapear o uso dessas estratégias de
tratamento até a década de 1970 do século XX na variedade brasileira do português, os
dados serão analisados com base em algumas teorias sobre cortesia. A análise não será
apenas quantitativa, mas será proposta uma leitura qualitativa e pormenorizada das
ocorrências encontradas nas amostras, a fim de atestar as hipóteses formuladas.
A partir da análise proposta, pretende-se responder as seguintes questões
principais:
(i) Como se dá a distribuição das formas variantes teu/tua e seu/sua de 1870 a
1970)?
(ii) O possessivo seu realmente acompanha a entrada de você no sistema
pronominal? Em que contextos morfossintáticos e discursivo-pragmáticos?
(iii) Por que o comportamento dos possessivos de segunda pessoa se diferencia
dos demais pronomes? Por que formas acusativas e dativas do paradigma de você
tendem a ter implementação nula ou limitada, enquanto a forma possessiva seu/sua
mostra-se produtiva?
(iv) Quais os fatores linguísticos e extralinguísticos importantes para entender a
variação entre teu e seu?
(v) É possível afirmar que o possessivo seu/sua, assim como o pronome você,
possui uma faceta polifuncional?
2
O estudo leva em consideração duas hipóteses norteadoras: a primeira é a de que
a variação encontrada nos pronomes possessivos comporta-se de maneira similar aos
resultados encontrados no que concerne à posição de sujeito de segunda pessoa, seja
pleno ou nulo. Dessa maneira, acredita-se que o possessivo seu como segunda pessoa
acompanha a entrada da forma você no quadro pronominal. A outra hipótese de estudo é
a de que o possessivo seu/sua, por estar relacionado à forma você, teria o mesmo
comportamento polifuncional do pronome pessoal correspondente. Isso quer dizer que
seu assumiria diferentes valores ao longo do tempo.
Para responder a todas as questões e objetivos propostos para o presente estudo,
organizou-se esta tese em seis seções. Seguindo-se a esta introdução (capítulo 1), será
realizada, no capítulo seguinte, a descrição do objeto de estudo, na qual se apresenta
brevemente um histórico sobre as estratégias de referência a segunda pessoa no
português, principalmente pronomes possessivos, além de haver algumas resenhas de
estudo sobre o mesmo fenômeno linguístico.
No capítulo 3 serão descritos os pressupostos teóricos nos quais este trabalho se
baseia, expondo a metodologia utilizada na pesquisa. Em um primeiro momento, serão
descritas a teoria variacionista e, a mais recente, sociolinguística histórica, seguidas da
descrição das amostras que foram utilizadas no estudo. Em primeiro lugar, comenta-se
sobre o gênero carta e as tradições discursivas que lhe são presentes. Depois, apresenta-
se, de maneira geral, a biografia de cada família que compõe a amostra. Em seguida,
serão apresentadas as teorias pragmáticas que norteiam o estudo, e, por fim, o
detalhamento da metodologia utilizada.
No capítulo 4, apresentam-se elucidações obtidas a partir da análise dos
resultados. No total, foram realizadas quatro rodadas: uma com todas as ocorrências do
corpus e três rodadas parciais que compreendem períodos específicos de tempo.
No capítulo 5, encerra-se o trabalho com considerações gerais sobre o assunto
estudado. Nessa seção, tenta-se retomar hipóteses e objetivos confrontando-os com
resultados significativos à análise.
3
2 – O percurso histórico dos pronomes possessivos
2.1 – Posse e pronomes possessivos: definição do objeto de estudo
A língua portuguesa possui diferentes formas de expressar posse
linguisticamente: em estruturas nominais mediante o emprego de possessivos, teu livro;
frases prepositivas com valor genitivo; o livro do Pedro; através de pronomes relativos
possessivos, Pedro, cujo livro. Também é possível transmitir a relação de posse através
de verbos que a indiquem: Pedro tem um livro; Pedro possui um livro, por exemplo. Em
todas as possibilidades apontadas, sempre haverá uma entidade possuída que se
relaciona com outra entidade que, real ou metaforicamente, a possui (HUERTA
FLORES, 2009).
Apesar da gama de possibilidades de se expressar posse em português, o
presente estudo deter-se-á a analisar apenas as estruturas nominais com o uso de
pronomes possessivos, mais especificamente, a variação entre as formas pronominais
teu e seu, diacronicamente, como estratégia de referência ao interlocutor. Nesse sentido,
os pronomes possessivos, em português, são característicos, uma vez que aparecem em
posição pré-nominal, teu livro; pós-nominal, livro teu; e de forma elíptica, Amanhã
trarei meu livro, você também deve trazer o teu. Ademais, o pronome torna-se
particularizado pelo fato de concordar em gênero e número com a forma possuída,
como, por exemplo, teu(s)/livro(s) e tua(s)/caneta(s). Assim sendo, o pronome
possessivo acaba estabelecendo uma relação sobre quem possui (possuidor) algo ou
alguma coisa (termo possuído).
Nesse sentido, o valor de posse é a nuance mais básica transmitida pelo emprego
dos pronomes possessivos. Assim, o conceito de posse divide-se em duas
subcategorizações: a posse alienável e a posse inalienável. A primeira é relacionada a
alguém que possui alguma coisa, ou a posse imaginária de algo, mas essa posse não é
definitiva, logo, pode passar a outro alguém, como é o caso de um bem material ou algo
mais abstrato, como um emprego. A posse inalienável, por outro lado, correlaciona-se
com a impossibilidade de transferência da coisa possuída a outro possuidor, sendo,
portanto, uma posse intrínseca, a exemplo das relações de parentesco e partes do corpo
(NEVES, 2000). Nesta tese, compreende-se que um possessivo transmite muito mais do
que a simples ideia de que alguém possui algo/alguma coisa. Por isso, com o presente
estudo, pretende-se mostrar que a classificação binária de posse alienável e inalienável
não engloba as diversas relações semânticas de posse possíveis. Dessa forma, pensou-se
4
em uma classificação mais apurada, como será discutido na seção 4. Observam-se
alguns exemplos a seguir:
(1) A senhora há de ter tido seus apertos de dinheiro, disse Rubião.
(Machado de Assis, OC, I, 630. apud Cunha & Cintra (1985))
(2) Entrou uma mulherzinha de seus quarenta anos, decidida e de
passo firme. (F. Sabino, HN, 164. apud Cunha & Cintra (1985))
(3) Era lindo o bicho, com sua calma de passarinho manso. (R. Braga,
CCE, 85. apud Cunha & Cintra (1985))
(4) Todos aqueles santos varões comiam, bebiam o seu vinho do
Porto na Copa. (Eça de Queirós, O, II, 17. apud Cunha & Cintra
(1985))
(5) Em casa de Norberto, as senhoras tinham as delicadezas do sexo,
bebiam seu chá, faziam sua malha e eram madrinhas das filhas dos
criados mais próximos. (J. Saramago, LC, 54. apud Cunha & Cintra
(1985))
Curioso verificar que os pronomes possessivos incorporaram valores
completamente distantes do seu sentido originário, como indefinição (1), aproximação
numérica (2) e designação de um hábito (3), muitas vezes, impregnados de valores
afetivos (4) e (5). Dessarte, a nomenclatura pronomes possessivos engloba significados
diferentes da relação mais básica de posse (CUNHA & CINTRA, 1985; NEVES, 2000).
Além disso, de acordo com a estrutura formal, funcional e distribucional que
apresentam os pronomes possessivos, na gramática tradicional existem
fundamentalmente dois enfoques de descrição: 1) aqueles que, a partir da relação formal
e semântica com os pronomes pessoais, os classificam como pronomes e 2) aqueles que
os caracterizam como adjetivos, pois observam o funcionamento e as propriedades
combinatórias dos possessivos (CUNHA & CINTRA, 1985; CÂMARA JR., 1985).
Dessa forma, assim é representada a distribuição dos pronomes possessivos nas
gramáticas brasileiras:
5
Tabela 1: A distribuição dos pronomes possessivos nas gramáticas tradicionais1
A tabela 1 apresenta uma regularidade para o uso dos pronomes possessivos
que são incompatíveis com a realidade. Assim, não há qualquer menção ao emprego de
de-possessivo, como o uso de de vocês2 em lugar de vosso ou dele/dela co-ocorrendo
junto a seu/sua. Além disso, a tabela indica o uso de teu para a segunda pessoa do
singular e seu para a terceira (com suas respectivas flexões), quando há uma confluência
das formas na referência à segunda pessoa que é, especificamente, o foco do presente
estudo. Assim sendo, de acordo com diferentes estudos sobre o tema3 este seria o quadro
de pronomes possessivos, encontrado atualmente no português brasileiro
contemporâneo:
1 Baseado na leitura da Gramática em textos, de Leila Sarmento. 2 Assis, Dalila Mendes dos Santos. Construções com de-possessivo na 2ª pessoa do plural: um estudo
sobre o percurso de de vocês na história do português. Monografia de conclusão de curso de graduação.
Rio de Janeiro, Faculdade de Letras da UFRJ, 2013.
http://www.portaldeperiodicos.letras.ufrj.br/index.php/clac/article/view/75/42 3 Destacam-se os estudos de Perini (1985), Oliveira e Silva (1991), Arduin (2005), Marcotulio e Lopes
(2013), entre outros.
Pronomes possessivos
Número Pessoa
Singular
1ª
2ª
3ª
meu, minha, meus, minhas
teu, tua, teus, tuas
seu, sua, seus, suas
Plural
1ª
2ª
3ª
nosso, nossa, nossos, nossas
vosso, vossa, vossos, vossas
seu, sua, seus, suas
6
Pronomes possessivos
Número Pessoa
Singular
1ª
2ª
3ª
meu, minha, meus, minhas
teu/seu, tua/sua, teus/seus,
tuas/suas, de você4, do
senhor
seu, sua, seus, suas, dele,
deles, dela, delas
Plural
1ª
2ª
3ª
nosso, nossa, nossos,
nossas
seu, sua, seus, suas, de
vocês
seu, sua, seus, suas, dele,
deles, dela, delas
Tabela 2: Os pronomes possessivos no português brasileiro5
Nesse sentido, o presente estudo visa analisar especialmente a variação
existente entre os possessivos referentes à segunda pessoa do discurso: teu/seu,
diacronicamente, buscando explicar o que motiva tal variação e, principalmente, o que
levou o pronome seu, que era originariamente empregado para tratamento da terceira
pessoa, a ser utilizado para se referir à segunda pessoa do singular.
Na próxima seção será feito um resgate histórico dos pronomes no português
brasileiro, além de serem apresentados as hipóteses, questões e objetivos desta tese.
4 Importante destacar que, embora de você apareça como um pronome possessivo, pesquisas indicam que
seu emprego não é tão frequente, chegando a cerca de 2% (Guedes, 2014), 5 Baseado no estudo de Soares (1999).
7
2.2 – Pronomes possessivos: história, hipóteses e objetivos
É possível afirmar que, nos últimos anos, a alternância entre tu/você, como
estratégia de referência ao interlocutor, tornou-se objeto de diferentes estudos
sincrônicos e diacrônicos6. De acordo com tais estudos, o pronome tu ocorria
preferencialmente nulo nas relações de maior intimidade entre homens entre os séculos
XIX e início do XX. A forma você, por outro lado, passou por um processo de
gramaticalização e era empregada, entre os séculos XVIII e XIX, como sujeito pleno,
principalmente em cartas femininas ou em relações que conferiam menor intimidade
entre os participantes (RUMEU, 2008).
Interessante comentar que os trabalhos diacrônicos mostraram que a forma você,
por ser oriunda do pronome de tratamento Vossa Mercê, ora comportava-se como uma
variante do pronome tu, em (6), ora era empregada em contextos de maior
distanciamento entre os interlocutores para amenizar pedidos e ordens, como se vê em
(7):
(6) “Talvez você | lhe preste bom serviço | ficando ahi mais tem- | po
para ver o que ha a | respeito, escrever lhe sem- | pre dando noticias
emfim | com o seu tino e amabilida- | de podes perceber o que | há é
preciso cuidado que | sabem iludir a gente; as- | sim prestarás bom
serviço | a Papai que muito precisa | e que nos quer tanto bem. | Vocé
ahi é pessoa amiga | dedicada de toda confian- | ça de Papai e isso nos
va- | le muito e muito agora.” (Carta de Maria Guilhermina Penna a
Affonso Penna Júnior em 16/11/1908)
(7) “(...) não tenhas man | dado o que me disseste doaria a Camara |
para ser collocada no lugar de honra seria | bom que no dia 7, voce vissi
e não podendo | talvez o Amarilio com algum companheiro | que
[pudessi] discursar e fazer propaganda eu | mandaria a condução.”
(Carta de Manuel Penna a Affonso Penna Júnior, em 24/08/1909)
Souza (2012) analisou cartas pessoais escritas durante os anos de 1870 e 1970 e
observou a implementação de você na virada do século. A autora evidenciou que, até o
final do século XIX, o pronome tu era a forma mais recorrente de tratamento ao
interlocutor. No início do século XX, a competição entre tu/você torna-se mais evidente,
quando os índices de frequência passam a ser bastante equilibrados. Já no período entre
6 Cf. Lopes/Duarte, 2003; Machado, 2006; Lopes e Machado, 2005; Rumeu, 2008; Souza, 2012 Pereira,
2012; Silva, 2012; Paredes e Silva; 2000, 2003.
8
os anos de 1940 e 1970, o pronome tu é suplantado pela forma você, ocorrendo como a
estratégia quase absoluta de referência ao interlocutor.
Cabe ressaltar que, em um período de 100 anos, os valores das duas formas e
mesmo as relações sociais modificaram-se. No final do século XIX, o pronome tu era
empregado em relações de maior proximidade entre remetente e destinatário, enquanto a
forma você, que ainda guardava resquícios do tratamento original Vossa Mercê, era
empregada em contextos de maior formalidade ou menor intimidade entre os
interlocutores. Em um segundo momento, a forma você passa a ser empregada nos
mesmos contextos funcionais do pronome tu, sendo utilizada em contextos menos
formais. A partir da década de 1940, você suplantou a estratégia mais antiga devido ao
espraiamento pelos contextos típicos de tu. Souza (2012) credita tal mudança ao
desbotamento semântico sofrido pela forma você, que, segundo a autora “era uma
estratégia de referência neutra, à medida que deixou de marcar fortemente deferência e
distanciamento, tornou-se uma estratégia que não era nem tão íntima e nem tão
distanciada” (p. 137). Nesse sentido, devido à neutralidade de você, essa forma “tornou-
se uma estratégia “coringa” para os novos papeis sociais das sociedades
contemporâneas, principalmente em uma cidade cosmopolita como o Rio de Janeiro”
(LOPES e MARCOTULIO, 2013, p. 2)
Em termos sincrônicos, embora não haja um estudo descritivo completo da atual
situação do sistema pronominal de tratamento do português brasileiro, Scherre et alii
(2015) realizaram uma síntese sobre os estudos de variação tu/você no Brasil e
apresentam uma descrição, na qual propõem a existência de seis subsistemas de
tratamento no Brasil: (i) você, (ii) tu (concordância baixa), (iii) você/tu (sem
concordância), (iv) tu (concordância média), (v) você/tu (concordância muito baixa) e
(vi) você/tu (concordância médio/baixa).
Assim sendo, os estudos sincrônicos corroboram os resultados encontrados nas
pesquisas diacrônicas, mostrando que o pronome tu, mesmo tendo sido suplantado pela
forma você, quando aparece na fala, como descreve Maia (2012), geralmente é
encontrado em informantes masculinos, que o utilizam “em atos de fala mais solidários
e diretos, sinalizando certeza, ordem e obrigação” (2012, p. 122). Já a forma você
continua sendo mais produtiva na fala feminina, por ser “menos marcada socialmente”
(2012, p. 122). Seu emprego ocorre com maior profusão “em atos de fala neutros e/ou
menos ameaçadores ao interlocutor, quando se quer indicar uma possibilidade ou
quando se faz um aconselhamento” (2012, p. 122).
9
Além disso, estudos sincrônicos como o de Vargas (2010) mostram que a forma
você também é utilizada, a partir da década de 1970, como uma estratégia bastante
expressiva de indeterminação do sujeito, como comenta o cronista João Ubaldo Ribeiro,
que critica, justamente, o fato da forma você ser utilizada não somente como uma
estratégia de referência ao interlocutor, mas também como uma forma para não se
referir a um sujeito específico:
“Não pretendia voltar a escrever sobre
como a língua vai mudando, por não se
quer ser chamado de velho caturra, mas
esta semana (ou, segundo a atual usança,
“nesta semana”), (...) outra usança:
estabeleceu-se o “você”, no lugar do
nosso bem mais respeitável “se”. Agora
não se faz mais nada, é você quem faz.
Por exemplo, a afirmação “deve-se
checar” é substituída por “você deve
checar”. De novo, só se ouve falar assim
e de novo temo que se transforme em
regra, até porque você escuta muito isso
dos próprios professores e você sabe
que, quando, você aprende algo na
infância, você nunca esquece e aí você
usa na vida o que você aprende na
escola.” (O Globo, 7 de Junho de 2009
apud Vargas 2010: 11)
Nesse sentido, todos os estudos feitos até então permitem que se afirme que a
entrada do pronome você no quadro de pronomes do português brasileiro provocou um
verdadeiro redesenho das formas pronominais e verbais, configurando morfológica e
sintaticamente o português moderno. Lopes e Marcotulio (2013) vão ainda mais além e
afirmam que as formas acusativas (complemento direto) e dativas (clíticos dativos ou
sintagmas preposicionados com a ou para) são os contextos em que mais se mantêm as
formas originais do paradigma de tu. Por outro lado, as formas oblíquas (complementos
de preposições) e genitivas (possessivos) estão mais propensas à implementação das
formas ligadas ao paradigma de você.
Na verdade, os autores discutem, justamente, por que as formas o/a (forma
acusativa), lhe (forma dativa), preposição + você (forma oblíqua) e seu (forma
genitiva), originais do paradigma de você, foram implementadas em detrimento das
10
outras formas do paradigma de tu, como te (forma acusativa), preposição + ti (forma
dativa), contigo (forma oblíqua) e teu (forma genitiva).
Segundo Lopes e Marcotulio (2013), no português hoje, há coexistência entre as
formas do paradigma de você com as formas do paradigma de tu, configurando um
paradigma misto para a segunda pessoa. Os resultados encontrados apontam que as
formas acusativas e dativas são as mais resistentes à inserção de formas relacionadas ao
paradigma de você. Já as formas oblíquas e genitivas, ao contrário, mostraram-se mais
propícias à implementação das novas formas. Além disso, os autores comentam que as
formas genitivas, isto é, os pronomes possessivos, possuem comportamento
diferenciado dos demais pronomes, uma vez que “formas acusativas e dativas do
paradigma de você tendem a ter implementação nula ou limitada; por outro lado, a
forma genitiva seu mostra uma alta taxa de produtividade” (p. 12).
Na tentativa de explicar por que algumas formas mostram-se mais resistentes
dos que outras, os autores argumentam que, pelo fato da forma você ser especificada
para o traço de pessoa (2P), haverá preferência da língua por formas de complemento e
possessivo que também sejam especificadas para pessoa. Nesse sentido, no que tange à
forma genitiva, o possessivo teu deveria restringir o emprego de seu, mas os resultados
mostram exatamente o contrário: o genitivo seu, além de não ter sido descartado,
apresenta uma alta produtividade de uso.
Assim, para os autores, o comportamento das formas possessivas distancia-se do
comportamento dos demais pronomes do paradigma de segunda pessoa, uma vez que as
formas acusativas e dativas do paradigma de você tendem a ter implementação nula ou
limitada, por não terem nenhum traço que ative a informação de pessoa ([0P e +/-
humano]).
A forma genitiva, embora não tenha também especificação para pessoa, possui
alta taxa de produtividade. Entretanto, os autores deixam essa questão em aberto, apenas
ressaltando que o fato de um possuidor necessariamente carregar um traço [+humano]
aliado à reorganização particular sofrida pelo sistema de possessivos no português
brasileiro são encaminhamentos para explicar a questão.
Pode-se perceber, portanto, que se fazem necessários mais estudos sobre a
variação existente em outros contextos morfossintáticos, com a finalidade de ampliar o
11
entendimento sobre a configuração do sistema de tratamento do português brasileiro7.
Dessa maneira, o presente estudo objetiva analisar, diacronicamente, a variação
existente entre as formas simples de pronomes possessivos, isto é, teu/tua/seu/sua,
buscando explicar o que faz a forma possessiva seu/sua ter um comportamento tão
diferenciado em relação a outros subgrupos pronominais como discutido em Lopes e
Marcotulio (2013), entre outros estudos.
Para a realização do presente trabalho, propõe-se uma análise na longa duração
(1870 a 1980), com base em cartas particulares, para verificar os contextos linguísticos
e extralinguísticos que influenciam na variação entre os pronomes possessivos
referentes à segunda pessoa. Para tanto, a análise quantitativa e qualitativa dos dados
baseia-se nos pressupostos da sociolinguística variacionista (LABOV, 1994;
WEINREICH, HERZOG & LABOV, 1968). No entanto, como os trabalhos que
verificavam a variação no sujeito já mostraram que, a depender do contexto e da
situação comunicativa, o emprego pronominal pode mudar, tal hipótese é levada em
consideração na análise da variação das formas possessivas. Dessa forma, a variação das
formas teu/seu levará em conta a teoria de Poder e Solidariedade proposta por Brown e
Gilman (1960) e a Teoria da Polidez, proposta por Brown & Levinson (1987).
O presente estudo possui duas hipóteses norteadoras. A primeira é a de que a
variação encontrada nos pronomes possessivos comporta-se de maneira similar aos
resultados encontrados no que concerne à posição de sujeito de segunda pessoa, seja
pleno ou nulo. Dessa maneira, acredita-se que o possessivo seu como segunda pessoa
acompanha a entrada da forma você no quadro pronominal. Assim, supõe-se que alguns
dos contextos linguísticos, como o tratamento empregado, e extralinguísticos, a
exemplo do período histórico e a simetria/assimetria na relação estabelecida entre os
interlocutores, que regem a variação entre você e tu na posição de sujeito, são relevantes
para a análise dos pronomes possessivos.
A outra hipótese de estudo é a de que o possessivo seu/sua, por estar relacionado
à forma você, teria o mesmo comportamento polifuncional do pronome pessoal
correspondente. Isso quer dizer que seu assumiria diferentes valores ao longo do tempo
seja funcionando como variante do possessivo teu/tua, seja sendo empregado em
contextos comunicativos que distanciam os interlocutores, ou ainda, assumindo
7 Destacam-se os estudos de Oliveira (2014), Souza (2014), Rumeu (2013) Marcotulio (2012) e Lopes e
Cavalcante (2011) que mostram as reorganizações pelas quais passaram as formas acusativas, dativas,
oblíquas e genitivas.
12
acepções de posses genéricas. Nesse último caso, seria estratégia relacionada a um você
como estratégia de indeterminação do sujeito.
Além disso, é importante considerar alguns aspectos para a realização da
presente tese. A primeira delas diz respeito à natureza do objeto de estudo: o pronome
possessivo seu era originalmente empregado para referir-se à terceira pessoa do
discurso, mas, ao acompanhar o pronome você, passou a ser empregado também no
trato ao interlocutor, isto é, como pronome de segunda pessoa. Assim, uma
ambiguidade também se instaura nesse novo quadro de pronomes, já que o possessivo
seu pode se referir tanto à segunda (você trouxe o seu apoio e sua contribuição) quanto à
terceira pessoa (ele trouxe seu apoio e sua contribuição) ao lado de dele. Inúmeros
estudos8 atribuem o crescimento no uso de dele/dela como forma de mitigar essa
ambivalência, principalmente na fala.
Essa obscuridade é tanta no emprego de seu que são infindáveis os artigos em
blogs e em outras páginas na internet que visam ajudar o leitor a não cometer gafes ao
empregar o pronome possessivo9. O fato desse pronome não marcar uma pessoa no
discurso é o primeiro aspecto relevante para que a interpretação de uma simples
sentença como o professor comentou com os alunos suas deficiências gere dúvidas
sobre a quem deficiências refere-se: professor ou alunos.
Ademais, em um novo sistema pronominal misto com antigas formas de terceira
pessoa, como você, referindo-se à segunda pessoa, ambiguidades podem ser geradas.
Em uma frase como vou convidar Maria e seu noivo para minha festa, seu noivo pode
relacionar-se tanto ao noivo de Maria/noivo dela ou ao noivo do ouvinte, o teu noivo.
Assim, como o presente estudo é de longa duração e, portanto, se refere a períodos
anteriores, durante e pós-inserção do pronome você, pode-se verificar se há
ambiguidade no uso do pronome no tratamento ao interlocutor.
Dessa forma, o presente estudo possui os seguintes objetivos:
• Analisar a correlação entre os pronomes de segunda pessoa utilizados e a forma
empregada na posição de sujeito. Nesse sentido, espera-se que, em cartas de
sujeito tu exclusivo, encontrar-se-á o possessivo correlato teu/tua; em cartas cujo
8 Oliveira e Silva (1982); Oliveira e Silva (1994), Monteiro (1994), entre outros. 9 Alguns sites encontrados: http://www.recantodasletras.com.br/gramatica/1054820;
http://forum.wordreference.com/threads/ambiguidade-do-pronome-possessivo-seu.2549446/;
http://www.folhape.com.br/blogdosconcursos/?p=23555.
13
sujeito é você exclusivo, o possessivo utilizado seria seu/sua; já em cartas em
que há mescla de sujeitos tu/você, o emprego majoritário seria de teu/tua.
• Mostrar com a análise diacrônica que o possessivo seu/sua entrou no quadro
pronominal do português brasileiro juntamente com a forma você. Assim, como
tal forma tratamental possuía resquícios de cerimônia oriundos da forma original
Vossa Mercê, o trabalho pretende comprovar que o possessivo seu/sua também
era responsável por carregar uma carga de formalidade.
• A pesquisa busca confirmar que o possessivo seu/sua acompanha a forma você
e, por isso, possui caráter polifuncional: ora mantém traços de formalidade,
cortesia e distanciamento, ora é íntimo.
Através dos objetivos e questões que essa tese propõe-se a responder, pretende-
se mapear a distribuição de seu qualitativa e quantitativamente. Para isso, é preciso
apresentar a revisão bibliográfica sobre a variação das formas possessivas, com o intuito
de entender um pouco mais as discussões já propostas sobre o tema. Assim, será
apresentada, na próxima seção, a revisão bibliográfica.
14
2.3 – Outros estudos sobre o tema
A maioria das análises linguísticas sobre a variação possessiva concentra-se na
terceira pessoa (seu/dele), embora já haja algumas incursões sobre a variação teu/seu na
fala e na escrita seja na sincronia ou na diacronia. A seção se inicia com os estudos mais
teóricos, como os de Perini (1985) e de Kato (1985), com as possíveis explicações
funcionais e formais para a emergência de dele no lugar de seu. Parte-se, em seguida,
para as análises descritivas ainda observando a terceira pessoa e, por fim, apresentam-se
os trabalhos empíricos sobre a variação teu/seu no português brasileiro principalmente.
Os resultados observados nos estudos revistos aqui fundamentaram a formulação de
algumas das hipóteses a serem testadas na tese.
Um dos trabalhos mais antigos que aborda a questão da variação pronominal
possessiva é Perini (1985). Em seu estudo o autor discute, através da ótica funcionalista,
o sistema pronominal do português coloquial na parte central do Brasil (Rio de Janeiro,
Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia, Goiás, São Paulo e outras áreas), estabelecendo
distinções com as regiões Norte e Sul do país. No quadro apresentado, o autor
estabelece a correspondência entre os pronomes pessoais em (1), os possessivos
descritos como português padrão em (2) e os possessivos da região central do país:
Tabela 3: O sistema pronominal em diferentes regiões do Brasil, segundo Perini Fonte: Perini 1995
Como é possível observar na tabela 3, há, no português ensinado nas gramáticas
normativas, uma única forma para marcar a segunda e terceira pessoas, o que causa,
muitas vezes, ambiguidade. Na linguagem escrita, a ambiguidade é mais facilmente
(1)
Pronomes pessoais
do
português coloquial
ou
do padrão
(2)
Pronomes
possessivos
associados
aos pronomes
pessoais referentes
ao português
padrão
(3)
Sistemas de
possessivos para
o português
coloquial da
região central do
País
Singular 1ª pessoa Eu Meu Meu
2ª pessoa Você Seu Seu
3ª pessoa Ele/Ela Seu Dele
Plural 1ª pessoa Nós Nosso Nosso
2ª pessoa Vocês Seu De vocês
3ª pessoa Eles/Elas Seu Deles
15
eliminada pelas possibilidades referenciais presentes no enunciado. Assim, o autor
levanta quatro questões para investigar o problema:
(a) Por que o pronome seu não manteve seus diversos sentidos (isto é, por que o sistema
apresentado no princípio (2) não permaneceu válido para o português coloquial)?
(b) Por que meu e nosso não foram também substituídos por construções do tipo de +
N?
(c) Por que seu foi mantido em um de seus sentidos (isto é, por que não foi substituído
por *de você)?
(d) Por que seu foi mantido em seu sentido de 2ª pessoa do singular e não no de 3ª do
singular, 2ª do plural ou 3ª do plural?
Com o intuito de responder as questões, Perini formula dois princípios:
Princípio Um: A ambiguidade deve ser evitada sempre que impedir a recuperação da
pessoa gramatical referida.
Princípio Dois: Quando um sistema é alterado para atender ao Princípio Um, só se
admitem alterações mínimas.
Segundo o autor, a primeira questão colocada é respondida através do Princípio
Um, já que tal princípio impediria a existência de um possessivo cuja pessoa gramatical
não se pode recuperar sem ambiguidade. A segunda pergunta é respondida com o
Princípio Dois, que determina que só são admitidas mínimas alterações, assim, só os
casos ambíguos foram substituídos por construções de + N. Perini também responde à
terceira questão com o Princípio Dois: de acordo com o autor, para evitar que os
pronomes você, vocês, ele e eles tenham todos um único possessivo (seu) a solução
mais econômica é desmarcar todos menos um deles. Assim, evitam-se as exceções e
seus possessivos de maneira geral se formam através de uma construção de + N. Para o
autor, seria fácil evidenciar que seu permanece em um de seus significados. Por isso,
você continua marcado e sua forma possessiva continua sendo seu e não *de você. O
autor afirma não ter resposta satisfatória para a última questão, uma vez que os
princípios formulados por ele não respondem a esse questionamento.
A partir do estudo de Perini (1985), Kato (1985) propõe uma discussão com base
em uma abordagem teórica distinta. A autora rebate Perini (1995) mostrando que as
formas *de você e *de mim, consideradas agramaticais pelo autor, são, na verdade,
restrições de uso, apenas não-ocorrentes ou de baixa produtividade na língua. A autora
admite que, em São Paulo, os falantes utilizem na fala o possessivo teu, o que contraria
Perini. Para a autora não há ambiguidade quanto à pessoa, mas sim quanto ao grau de
16
intimidade. Assim, a forma de você marca a relação interpessoal como íntima, enquanto
seu não é marcado quanto a isso. Nesse sentido, a forma não-marcada seria cômoda,
principalmente quando o falante não está certo de como tratar determinada pessoa. A
autora afirma que é possível suprimir o sujeito pronominal em situações reais de
comunicação e, nesses casos, o possessivo seu é oportuno.
Cunha Lacerda (2010) acena para a ausência de trabalhos que comentem sobre
os possessivos seu e dele antes do século XV. O estudo busca mostrar a inserção de dele
como possessivo na língua portuguesa, além de verificar a distribuição das variantes
átonas de seu. A autora consegue delinear fatores que colaboraram para o desuso das
formas possessivas átonas, identificando contextos que favoreceram a variante dele.
O estudo aponta que havia uma competição entre as variantes átonas e os artigos
definidos pela posição de núcleo da categoria funcional D. Assim, o aumento da
frequência do artigo diante de possessivo no português arcaico levou “à queda das
variantes átonas de ‘seu’” (p. 33). Enquanto havia a concorrência entre formas átonas e
artigos pela ocupação da mesma posição, dele era favorecido por contextos [+
específicos], caracterizados pela presença de artigo definido.
Também analisando a variação seu/dele, Oliveira e Silva (1982) fez um estudo
sobre tal variação em corpora escritos, nos quais o possessivo seu é mais frequente do
que em corpora orais. Seu estudo mostrou que os fatores envolvidos na variação entre
seu e dele agem na tentativa de diminuir a ambiguidade gerada pelos diferentes
empregos de seu em português (segunda e terceira pessoas do singular e plural). A
autora analisou corpora dos séculos XV, XVI e XVII e constatou que o fato do
possuidor ser humano favorecia o uso do pronome seu. No entanto, segundo a autora, já
no século XVIII, houve total alteração desse comportamento: a forma dele passou a ser
atribuída a humanos, enquanto seu passou a atribuir objetos.
Em seu trabalho de 1991, Oliveira e Silva, ainda analisando a variação seu/dele,
investiga a influência do fator definitude. Seus resultados indicam que um possuidor
indefinido propicia o emprego de seu. Por outro lado, a autora afirma que, quando o
possuidor está totalmente definido, há inibição quase que total da forma seu, havendo o
emprego de dele. Os exemplos a seguir (OLIVEIRA E SILVA, 1991, p. 90) ilustram as
conclusões da autora:
(8) Todo mundo teve que ir requerer as suas luzi, né? (C040177)
17
(9) (falando da cantora Gretchen) Ela agita a música dela, sabe?
(C64252)
Ainda discutindo a questão de seu/dele, Negrão e Müller (1996) apresentam os
resultados de uma pesquisa realizada por Almeida (1993) com dados do Projeto NURC
do estado de São Paulo. Segundo as autoras, as formas possessivas de terceira pessoa
passam por um processo de especialização de acordo com o eixo semântico de
referencialidade. Assim, o possessivo seu se especializou em recuperar sintagmas
nominais não-referenciais. Tais resultados corroboram os resultados de Oliveira e Silva,
já que mostram que o possessivo seu retoma sintagmas genéricos, enquanto a forma
dele é empregada na retomada de sintagmas específicos, como se pode observar a
seguir:
(10) “(...) o telégrafo vai até perdendo sua importância” (NURC/SP);
(11) “(...) foi a primeira peça que o Ziembinski apresentou em toda a
vida dele na carreira dele...” (NURC/SP).
É perceptível que a maioria dos estudos de variação das formas possessivas
encontra-se no âmbito da terceira pessoa do singular, havendo poucos estudos que
tratem da variação teu/seu propriamente dita. Um estudo relativamente recente sobre a
segunda pessoa é o de Arduin (2005). A autora analisou a variação dos pronomes
possessivos de segunda pessoa do singular, nas cidades de Blumenau, Chapecó, Flores
da Cunha, Florianópolis, Lages, Panambi, Porto Alegre e São Borja, considerando tanto
os aspectos linguísticos quanto os aspectos sociais da variação, à luz dos pressupostos
teóricos da sociolinguística variacionista aliados ao estudo de Brown e Gilman (2003)
The Pronouns of Power and Solidarity.
Os dados foram coletados através de 192 entrevistas pertencentes ao banco de
dados VARSUL (Variação Linguística Urbana da Região Sul do Brasil), que são
estratificadas de acordo com algumas variáveis como faixa etária, sexo, escolaridade e
região (etnia). Os resultados da pesquisa indicaram que há uma relação entre a
utilização dos pronomes pessoais tu e você e o emprego dos pronomes possessivos teu e
seu. No que se refere aos fatores sociais, os resultados indicam que as mulheres tendem
a utilizar mais o possessivo teu, já que há indícios de que este possessivo tenha prestígio
naquelas regiões, embora o possessivo seu não sofra estigmas. A escolaridade foi outro
grupo significativo em seu trabalho, uma vez que mostrou que os informantes de nível
18
ginasial possuíam maior tendência a utilizar o possessivo teu. Por outro lado, o estudo
também aponta que as questões de poder e solidariedade também atuam no emprego
dos possessivos: os resultados mostraram que o pronome teu é mais utilizado em
relações simétricas ou assimétricas de superior para inferior, enquanto seu é mais
empregado nas relações de inferior para superior. Além disso, há maior emprego de teu
pelos informantes mais jovens, que é a forma mais solidária, o que, segundo a autora,
corrobora o estudo de Brown e Gilman (2003) sobre as alterações que vêm acontecendo
nas sociedades modernas.
Soares (1999), em seu estudo, busca descrever o funcionamento dos pronomes
possessivos de segunda e terceira pessoas, observando como os fatores linguísticos e
extralinguísticos estariam condicionando o uso, na linguagem oral, dos pronomes em
estudo. Para tanto, o autor utiliza-se do banco de dados do VARSUL em quatro cidades
do Paraná: Curitiba, Irati, Londrina e Pato Branco. Nesse sentido, as formas
pronominais possessivas analisadas são teu, seu, de você e do senhor referentes à
segunda pessoa do singular e seu e dele para a terceira pessoa.
Os resultados encontrados pelo pesquisador revelaram que o possessivo teu era
mais empregado por falantes mais jovens com formação correspondente ao segundo
grau. Seu, por outro lado, foi mais recorrente entre falantes adultos, porém, com
formação escolar correspondente ao primário. No que tange a variação possessiva na
terceira pessoa, constatou-se que dele, em geral, é utilizado com referentes
determinados e específicos, já seu é mais empregado com referentes indeterminados,
quase de maneira absoluta, anteposto ao substantivo.
Com relação ao valor semântico dos possessivos, a análise mostrou que alguns
ambientes eram mais favorecedores para a ocorrência dos pronomes. A utilização de
teu, por exemplo, é favorecida quando a relação entre possuidor e possuído faz
referência às partes do corpo. Em contrapartida, seu favorece-se em ambientes que
mostram uma característica psicológica ou física do possuidor ao possuído. O autor
finaliza ratificando a necessidade de estudos que descrevam de fato o português falado
no Brasil.
Mendes (2008) fez um estudo em que buscava descrever a variação entre
pronomes possessivos de segunda e terceira pessoas do singular através de entrevistas
realizadas em quatro cidade paranaenses: Curitiba, Irati, Londrina e Pato Branco,
responsáveis por compor o banco de dados do VARSUL.
19
A hipótese norteadora do trabalho era observar o grau de motivação que a
variação estilística exerceria sobre a ocorrência do possessivo seu, designando a
segunda pessoa do singular, em co-ocorrência com a forma teu, analisando contextos [+
formal] e [- formal] de fala. No que tange a variação seu/dele a generacidade seria
importante no processo de variação, isto é, o possessivo seu estaria mais propenso a
recuperar sintagmas nominais [+ genéricos], sendo este o elemento motivador de sua
permanência como pronome possessivo para a terceira pessoa do singular. Nesse
sentido, é a variação estilística que força a ocorrência de tal possessivo para a segunda
pessoa do singular.
A autora conclui, depois de sua investigação, que, no que se refere à variação de
possessivos de segunda pessoa do singular, contatou-se que a variação estilística
condiciona a escolha do falante entre teu/seu, mais precisamente, o tipo de relação –
(as)simétrica – que é instaurada entre os interlocutores. Resumidamente, teu é
categoricamente empregado em relações simétricas, enquanto seu é utilizado em
relações assimétricas, principalmente de inferior para superior. Por outro lado, no que se
refere à variação entre seu/dele, a hipótese da pesquisadora não foi confirmada, embora
não tenha sido de todo descartada, o que dependeria de maiores e mais aprofundados
estudos.
Em sua dissertação de doutorado, Castro (2006) estudou formas possessivas
simples e preposicionadas no português europeu. A autora mostra que os possessivos
simples em posição pré-nominal ocorrem em contextos definidos, ao passo que os pós-
nominais ocorrem em contextualização indefinida, contrastando os usos em Portugal e
no Brasil.
Os resultados do estudo são esclarecedores em diversos aspectos. Possessivos
simples podem ocorrer sem o artigo definido dentro de frases nominais argumentativas
no português brasileiro, possibilidade esta que é rejeitada no português europeu. Além
disso, dele é mais produtivo no Brasil do que em Portugal e, assim como outras formas
de-possessivas, ele só codifica as características de pessoa e número do possuidor, sem
concordar com o elemento possuído.
A pesquisadora mostra que seu possui quatro interpretações distintas: (i) terceira
pessoa do singular ou plural; (ii) possuidor masculino ou feminino (iii) referência à
segunda pessoa no discurso, tanto no Brasil, quanto em Portugal; e (iv) referência à
segunda pessoa do plural no português do Brasil. Nesse sentido, a autora demonstra que
esse possessivo é ambíguo, diferentemente de dele.
20
Assim, no que diz a variação entre as duas formas possessivas, seu e dele são
produtivas na língua. No entanto, a escolha é delimitada pelo antecedente: dele só
ocorre com antecedentes referenciais, enquanto seu pode ocorrer com um antecedente
referencial ou não. As formas, aparentemente, são variantes em contextos de
antecedentes referenciais e os resultados apontaram para o emprego de dele no discurso
oral e informal, ao passo que seu é mais recorrente na escrita e em discursos formais.
Em estudo mais recente sobre o tema, Marcotulio e Lopes (2013) ilustram como
a entrada da forma você no português fez com que houvesse um grande rearranjo no
quadro pronominal de segunda pessoa do singular. Os autores, utilizando um corpus
composto por cartas pessoais, mostram que em fins do século XIX e início do XX já é
possível delinear mudanças que são vistas na atual sincronia.
Assim, o estudo pretende apontar em que medida as formas acusativas, oblíquas,
dativas e genitivas relacionadas ao paradigma de você são implementadas em
detrimento das formas originais do paradigma de tu. Nesse sentido, o trabalho evidencia
que os contextos de acusativo e dativo mostram-se mais resistente à entrada das formas
do paradigma de você, ao passo que o genitivo e oblíquo estão mais propícios à sua
implementação. Isso se deveu possivelmente ao fato de as formas acusativas e dativas
do paradigma de você (o/a e lhe) serem menos transparentes quanto ao traço de pessoa
se comparadas ao clítico te, por isso a sua manutenção.
No entanto, no que se refere ao possessivo, especificamente, a utilização de seu
para a segunda pessoa estaria relacionada ao fato de tal forma, embora não ser marcada
para pessoa, possuir o traço [+ possuidor], que pressupõe necessariamente a informação
de pessoa, por isso o mesmo mostra-se produtivo.
Monteiro (1994) faz uma análise muito abrangente sobre o sistema pronominal
da língua portuguesa com base em dados de fala. Seu corpus é constituído por 60
inquéritos com 15 mil dados de fala em cinco capitais brasileiras: Recife, Salvador, Rio
de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre. A amostra faz parte do Arquivo Sonoro do Projeto
NURC/Brasil e analisa a natureza dos pronomes, suas funções dêitica e anafórica, além
da variação e reestruturação do sistema pronominal.
Entre tantas constatações, o autor mostra que o pronome tu foi praticamente
substituído por você, na posição de sujeito, em quase todas as capitais brasileiras
estudadas, com exceção de Porto Alegre. Tal modificação, segundo o autor, provoca
ajustes similares nas outras funções pronominais. No entanto, serão comentados aqui
apenas a variação das formas possessivas.
21
Monteiro afirma ser difícil saber em que situação se encontra o processo de
mudança nessa categoria devido à introdução de expressões genitivas como dele, de
você, entre outras. Mas o autor declara que “o destino sem dúvida será análogo ao dos
pronomes retos e oblíquos, uma vez que todos integram a rigor um só e mesmo sistema”
(p. 205). O quadro abaixo ilustra a frequência dos pronomes possessivos na amostra:
Tabela 4: Frequência dos pronomes possessivos, em valores absolutos e percentuais (Monteiro 1994, p.
206 – grifo nosso)
Ressalta-se que nos inquéritos analisados pelo pesquisador, os informantes falam
muito de si e de suas experiências, por isso a grande quantidade de pronomes
possessivos relacionados à primeira pessoa. Entretanto, cabe ressaltar que o autor
distingue a forma seu relacionada à segunda e terceira pessoas. Dessa forma, Monteiro
ratifica que existem dois seu’s diferentes: o seu que se refere à segunda pessoa do
singular e está em variação com teu, e o seu que se relaciona com a terceira pessoa e,
portanto, está em variação com dele.
Nesse sentido, é importante mencionar que a tabela aponta que, na sincronia,
ainda há variação entre teu e seu, mesmo esse último tendo emprego majoritário. Apesar
de o estudo não se deter no assunto, nem especificar em quais das capitais foram
encontradas as ocorrências, tal observação é interessante, pois mostra que a variação
dessas formas possessivas ainda persiste no sistema pronominal.
Martins e Vargas (2014), em artigo denominado Os possessivos de segunda
pessoa do singular em cartas de leitores de jornais brasileiros dos séculos XIX e XX,
com base nos pressupostos teóricos metodológicos da teoria da variação e mudança,
descrevem e analisam o processo de variação envolvendo pronomes possessivos
Possessivos N %
MEU(S), MINHA(S) 554 44
TEU(S), TUA(S) 12 1
SEU(S), SUA(S) – (2ª p.) 88 7
SEU(S), SUA(S) (3ª p.) 282 22
NOSSO(S), NOSSA(S) 132 10
DELE(S), DELA(S) 196 16
Total 1264 100
22
referentes à segunda pessoa através de cartas de leitores de jornais brasileiros entre os
séculos XIX e XX.
Nesse sentido, as cartas acabam por representar um retrato da imprensa
brasileira em diferentes regiões brasileiras, a saber: Sul, Sudeste e Nordeste. Os
resultados apontam para a coexistência entre as formas teu/tua e seu/sua, além do
emprego desses pronomes estarem fortemente condicionados à natureza sociodiscursiva
das cartas de leitores no curso dos séculos e pelas diferentes regiões onde foram
produzidas.
Os autores mostram que, muito embora as mudanças ocorridas no sistema
pronominal do português brasileiro tenham influenciado no processo de variação no
quadro de possessivos, a alternância entre teu/seu, no estudo, não está diretamente
correlacionada à alternância entre os pronomes tu e você na posição de sujeito. Os
resultados encontrados mostram que você aparece revestido do aspecto semântico-
pragmático de vossa mercê (p. 392), isto é, nas cartas de leitores, ainda preserva traços
de respeito e cortesia entre leitor e redator.
O trabalho mostra que a localidade apresentou diferenças no tocante aos
resultados. Assim, estados como Rio Grande do Norte e Rio de Janeiro apresentam uso
categórico do pronome possessivo seu, por outro lado, em Santa Catarina e Bahia, o
número de ocorrências de teu é mais significativo: respectivamente 30% e 25%. Os
autores comentam que o uso de tu nessas localidades influencia na realização do
possessivo.
Por fim, os pesquisadores concluem que os resultados apresentados pelas
diferentes localidades são refratários à mudança, pelo fato de mostrarem a forma
pronominal você equivalente a uma forma de tratamento ainda fortemente marcada com
traços de cortesia. Nesse sentido, não existe variação teu/seu, mas sim seu/vosso, uma
vez que você não se configura, no corpus analisado, como variante de tu. Assim sendo,
o pronome possessivo seu assume, nas cartas, um status mais cerimonioso, formal,
polido e cortês.
De maneira geral, os estudos, mesmo sendo de natureza e utilizando corpora
distintos, apontam para as mesmas conclusões: o possesivo teu é empregado em
contextos em que há maior intimidade e proximidade entre os interlocutores, ao passo
que seu, por ter um caráter mais neutro, é empregado em contextos de menor intimidade
e em relações mais distantes e não-próximas. Além disso, a entrada de dele como forma
possessiva de referência à terceira pessoa fez com que o possessivo seu perdesse seu
23
caráter original de remeter-se, principalmente na fala, à terceira pessoa, reforçando seu
emprego como segunda pessoa.
Em síntese, é possível afirmar que a variação seu/dele, isto é, no âmbito da
terceira pessoa do singular, é mais estudada na linguística do que a variação teu/seu, que
discute a alternância para a segunda pessoa. Assim, em geral, os estudos apontam para o
emprego de seu terceira pessoa para usos mais genéricos e pouco específicos, enquanto
dele carece de um referente mais específico.
Por outro lado, os trabalhos que se propõem a verificar a alternância entre teu e
seu, em geral, são referentes à atual sincronia, principalmente nos estados referentes à
região Sul do Brasil, uma vez que eles apresentam uma variação maior entre os dois
pronomes. Nesse sentido, observa-se, de forma mais geral, o emprego de teu em
contextos de maior intimidade entre os interlocutores, enquanto o pronome seu parece
possuir uma neutralidade, o que o configura como uma estratégia mais utilizada em
situações em que os interactantes não são tão próximos.
Dessa forma, o próximo capítulo relaciona-se à metodologia empregada para a
realização dessa pesquisa.
24
3 – Pressupostos Teóricos e Metodológicos
3.1 – A teoria da variação e a sociolinguística histórica
- Princípios básicos de variação e mudança
O final da década de 1960 constitui-se como um momento de virada para a
linguística, uma vez que é nesse período que começam a surgir os primeiros trabalhos
sociolinguísticos e, com isso, uma mudança significativa se dá na abordagem do
conceito de língua discutida desde Saussure.
A proposta de Weinrech, Labov & Herzog (1968) sobre os princípios da
mudança acabou por revolucionar as correntes linguísticas existentes até então, já que a
heterogeneidade passou a ser considerada como uma característica inerente a qualquer
língua, sendo esta suscetível às pressões sociais, o que, claramente, comprometia o
estudo da língua fora de seu contexto social. Tal visão contrariava correntes, como o
estruturalismo e o gerativismo, que concebiam a língua por ela mesma, como uma
estrutura abstrata, em que idealizavam o sistema linguístico de maneira uniforme,
homogêneo e estático. Nessa nova concepção, a heterogeneidade não ocorre de maneira
aleatória, mas sim, fundamentada por um conjunto de regras predizíveis.
Desse modo, é possível definir a sociolinguística, em sentido mais abrangente,
como uma subárea da Linguística responsável por estudar a língua aliada a aspectos
sociais, ou seja, analisando a correlação entre os aspectos linguísticos e sociais. Nesse
sentido, na sociolinguística, todas as línguas são inerentemente dinâmicas e
heterogêneas, ou seja, variáveis. O maior objeto de estudo da sociolinguística é a
variação, já que, como afirma Mollica (2003), a mesma é entendida “como um princípio
geral e universal, passível de ser descrita e analisada cientificamente” (p. 10). É
necessário, portanto, entender na sociolinguística que “as línguas não existem sem as
pessoas que as falam, e a história de uma língua é a história de seus falantes” , como
afirmou Calvet (1993, p.12).
Um dos primeiros estudos que consideram tal ótica é de Bernstein (1992),
especialista inglês em sociologia da educação. O autor é o primeiro a ponderar as
produções linguísticas reais e a situação sociológica dos falantes. Nesse sentido, seu
estudo focaliza o fracasso escolar de crianças da classe operária em comparação com as
crianças de classe média americana. Através dos usos linguísticos dessas crianças,
25
propõe a existência de dois códigos: estrito e elaborado. O primeiro caracteriza-se léxica
e morfologicamente pela elaboração, estruturação gramatical complexa e precisa, além
do uso frequente de orações adverbiais, preposições, verbos na voz passiva, adjetivos e
advérbios. Por outro lado, o segundo código distingue-se do primeiro por ser restrito,
com estrutura gramatical simples e, normalmente, incompleta, uso de ordens e
perguntas, afirmações categóricas, repetição de pronome pessoais, uso limitado e mais
rígido de adjetivos e advérbios, baixo emprego de orações subordinadas adverbiais,
verbos na voz passiva e frequente substituição da expressão verbal por recursos não-
verbais.
O estudioso alerta para o fato de que não se pode afirmar que uma criança de
classe trabalhadora não seria capaz de produzir uma linguagem semelhante à de uma
criança de classe média. A diferença entre as duas, na verdade, relaciona-se como cada
uma associou linguagem e seu contexto. Seus estudos estão na base da hipótese do
déficit linguístico que pressupõe que o desenvolvimento da linguagem tem relação
direta com o desenvolvimento cognitivo, o que explica, sem sombra de dúvidas, o
“fracasso” escolar de alguns e o “sucesso” de outros. Dessa forma, a sociolinguística se
faz importante para que se entenda como os fatores sociais são condicionantes para
determinados usos linguísticos e, muitas vezes, para que se entenda um pouco da
própria sociedade.
Nesse contexto, Labov surge como o principal nome da linguística variacionista
por propor um estudo inovador, que considera o contexto social nas comunidades de
fala, com o objetivo de compreender sua sistematização e ampliar a competência
linguística. Assim, o autor faz duras críticas a Saussure e Chomsky e sua visão
estruturalista da língua, que é vista como um sistema sincronicamente homogêneo,
unitário e autônomo. Labov, ao contrário, defende a língua como um organismo vivo,
em constante transformação a depender da necessidade de seus usuários.
Dessa forma, acreditando que a variação e a mudança são características básicas
e evidentes de qualquer língua natural, a Sociolinguística Variacionista possui como
principal objetivo observar como os diferentes sistemas linguísticos sofrem mudanças.
Labov, inclusive, é categórico ao afirmar à Revista Virtual de Estudos da
Linguagem (2007) qual o objetivo da Sociolinguística:
“É a língua, o instrumento que as pessoas usam
para se comunicar com os outros na vida
26
cotidiana. Esse é o objeto que é o alvo do
trabalho em Variação Linguística. Existem outros
ramos da Sociolinguística que estão preocupados
primordialmente com questões sociais: o
planejamento linguístico, a escolha pela
ortografia oficial e outros que se preocupam com
as consequências das ações de fala. Todas essas
são importantes áreas de estudo, mas eu sempre
tentei abordar as grandes questões da Linguística,
como determinar a estrutura da linguagem – suas
formas e organização subjacentes – e conhecer o
mecanismo e as causas da mudança linguística.
Os estudos da linguagem usada no dia-a-dia
provaram ser bastante úteis para alcançar esses
objetivos.”
A variação pressupõe que formas linguísticas variantes estejam coexistindo
dinamicamente (Mollica 2007, p.10). Tarallo (1986, p. 08) afirma que: "variantes
linguísticas são diversas maneiras de se dizer a mesma coisa em um mesmo contexto e
com o mesmo valor de verdade. A um conjunto de variantes dá-se o nome de variável
linguística". Cabe ressaltar que as variantes de uma mesma variável podem competir em
determinados contextos, o que ocasiona duas situações possíveis: (i) tal competição
pode ocorrer indefinidamente ou (ii) uma das formas pode se sobrepor a outra, o que
acarreta em um processo de mudança.
Segundo Labov (2006), o fenômeno variável deve ter alta frequência de uso e
deve, sobretudo, estar sujeito à influência de fatores sociais10 e de fatores linguísticos11.
Além disso, a proposta de regra variável de Labov implica nas seguintes questões: (i) a
necessidade de um grande número de dados, para que a regra variável seja analisada
quantitativamente, (ii) o objeto de descrição deve ser necessariamente um dado real e
(iii) a análise deve envolver diferentes fatores independentes, uma vez que esses são
responsáveis por influenciar a alternância das formas.
Assim sendo, a variação é a condição essencial para que a mudança linguística
ocorra, embora, nem todo processo de variação gere necessariamente uma mudança.
Assim, pelo fato da mudança não ocorrer de maneira repentina e inesperada, seria
possível identificar os diferentes momentos do processo de mudança. Segundo
Weinreich, Labov & Herzog (1968), para o estudo do processo de mudança, cinco
problemas empíricos precisam ser considerados:
10 Faixa etária, grau de escolaridade, sexo, entre outros. 11 Fonéticos e fonológicos, semânticos, morfológicos e sintáticos.
27
1- Problema das restrições (constraints problem): define exatamente as
possibilidades estruturais que restringem e definem as possíveis mudanças
linguísticas.
2- Problema da transição (transition problem): relaciona-se com os diferentes
estágios do processo de mudança, isto é, o falante alterna o uso das formas
variantes em alguns contextos, até que se torne principal em todos os contextos
existentes.
3- Problema de encaixamento (embedding problem): de acordo com os autores,
toda variação/mudança acarreta outras mudanças, seja em nível linguístico ou
social.
4- Problema de avaliação (evaluation problem): os falantes não teriam consciência
nos estágios iniciais da mudança, entretanto, em estágios mais avançados, tal
consciência começa a se tornar possível e perceptível ao falante. Nesse sentido,
torna-se importante saber como os falantes avaliam a mudança e quais valores
são passados através dela, além do fato de que uma possível avaliação negativa
poderia interferir no processo de mudança.
5- Problema de implementação (actuation problem): a compreensão dos
mecanismos de implementação da mudança é movida pela seguinte indagação:
por que razão um determinado processo de mudança linguística aconteceu em
certo momento e lugar e não em outro?
No presente estudo, tentar-se-á responder algumas das questões apresentadas por
Weinreich, Labov & Herzog, levando em conta, principalmente, os problemas da
restrição, transição e encaixamento. O primeiro é bastante elementar nos estudos
variacionistas pelo controle que se faz dos fatores que condicionam o fenômeno
variável, no caso, a variação entre as formas possessivas de segunda pessoa (teu/seu). O
segundo refere-se ao mapeamento realizado na longa duração para identificar
cronologicamente estágios e/ou etapas para incremento de seu em referência à segunda
pessoa, além da identificação dos valores que essa forma inovadora foi assumindo nesse
percurso. Por fim, tem-se o problema de encaixamento, pois uma das hipóteses de
trabalho é a de que a variação teu/seu está relacionada à inserção da forma você no
quadro de pronomes do português brasileiro.
28
Dessa forma, utilizar a sociolinguística para a realização do presente estudo é
fundamental, uma vez que a escolha tratamental dos falantes pode estar condicionada
aos valores que cada forma assume na interlocução. Nesse sentido, fatores linguísticos
atuam fortemente na variação existente nas formas possessivas, uma vez que se acredita
que o contexto em que o pronome está inserido pode influenciar nas escolhas
linguísticas feitas pelo próprio falante.
– Os problemas de um estudo diacrônico: a Sociolinguística Histórica
As discussões fundamentais da teoria da mudança apresentadas Weinreich,
Labov & Herzog (1968) constituem a chave para uma compreensão racional dos
processos de mudança linguística a partir da observação e descrição da heterogeneidade
ordenada que define todas as línguas vivas. Os fundamentos empíricos da mudança
desencadearam uma série de proposições complementares para o estudo e interpretação
dos dados do passado (cf. ROMAINE, 1999; CONDE SILVESTRE, 2007). A
linguística sociohistórica, mais recentemente denominada por Sociolinguística Histórica
procura aplicar para o passado os métodos e princípios que a sociolinguística
desenvolveu para situações de língua contemporânea. A ideia é a reconstrução histórica
da linguagem em seu contexto social. No entanto, para que isso seja possível, a
sociolinguística histórica depende da recuperação de fatos linguísticos passados a partir
de textos que sobreviveram na atualidade. Em consequência disso, as investigações
linguísticas diacrônicas são, muitas vezes, fragmentadas, escassas e nem sempre
vinculáveis com a produção real dos falantes, uma vez que não basta a simples
transposição da metodologia de base laboviana para os estudos de cunho histórico.
A projeção da noção de variabilidade linguística para o passado, promovida pela
sociolinguística histórica, tem consequências importantes para o estudo da história das
línguas. Sendo a variabilidade constitucional à linguagem em qualquer dos períodos de
sua evolução, então os estudos históricos centrados no desenvolvimento de variedades
padronizadas ou a convergência em diferentes variedades que tendem à padronização,
não dão conta de todos os fenômenos suscetíveis de estudo. A busca da uniformidade,
resulta como insatisfatória e contraditória. Por isso a história das línguas particulares
deve ir além dos estudos de mudanças atestadas em textos escritos padronizados e
confrontar que a existência da variação e diferenciação no passado é um feito cuja
reconstrução histórica, mesmo completa, é tão necessária (MILROY, 1992).
29
Os estudos de sociolinguística histórica enfrentam diversos problemas para a
análise de textos de sincronias passadas, uma vez que as informações disponíveis são
quase parcos e incompletos. O principal problema, como será mostrado na tese, refere-
se à constituição da amostra de análise. Como afirmam Gomes e Lopes (2016, p.140),
os dados são procedentes de textos escritos que sobreviveram na atualidade “por sorte”.
Isso significa, por exemplo, que o controle de fatores externos, como faixa etária,
escolaridade, gênero, categoria social, pode ser lacunar, pois os informantes não estão
mais à disposição do investigador como ocorre nos estudos sincrônicos. A tabela a
seguir, retirada de Conde Silvestre (2007, p. 38), ilustra alguns desses problemas e as
diferenças encontradas entre as investigações sincrônicas e diacrônicas:
Sociolinguística sincrônica Sociolinguística diacrônica
Material Dados procedentes do meio
oral
Material autêntico
Dados relativos a todos os
membros da comunidade e
todos os estilos e registros
Dados procedentes do meio
escrito
Material tendencioso,
sobreviveu por azar
Dados relativos a grupos
alfabetizados da
comunidade (geralmente
homens, de classe média a
alta) e só de determinados
estilos e registros
Objeto de investigação Variação e mudança no
nível da análise fonológica
Variação e mudança no
nível da análise gramatical
Contexto social Conhecimento em primeira
mão, disponibilidade de
dados suficientes
Desconhecido, deve ser
reconstruído a partir da
investigação histórica
Disciplina vinculada Sociologia História social
Influência do padrão Muito significativa Variável, depende do
período investigado
Amplitude e resultado das
mudanças linguísticas
Desconhecidos Conhecido
Tabela 5: Aspectos divergentes e complementares da investigação em sociolinguística sincrônica e
diacrônica (CONDE SILVESTRE, 2007, p.38)
30
Conde Silvestre (2007) afirma que que os dados linguísticos do passado são
insatisfatórios para a investigação empírica pelos seguintes motivos: (i) os dados são
oriundos da escrita o que faz com os textos parecem desprovidos do contexto e situação
comunicativa do qual se originaram; (ii) os textos são restos e corpos textuais muito
mais amplos, que sobreviveram por azar (ou sorte), tendo por isso, segundo Labov,
caráter fragmentário. Além disso, nem sempre é possível conseguir dados
representativos de uma comunidade mais ampla de indivíduos pertencentes a todos os
níveis sociais de comunidades históricas, pois, por muito tempo, só os homens tinham
acesso à escrita. Na maioria dos casos, não se conhecem as estruturas sociais do passado
e nem sempre o pesquisador consegue informações sobre os estratos mais baixos da
sociedade ou sobre falantes femininas.
Além disso, Conde Silvestre (2007) comenta que as limitações referentes ao
material de investigação também afetam as variáveis ligadas ao contexto social, já que o
investigador precisa te conhecimentos sobre a estratificação social da comunidade, a
valorização que a comunidade faz de certos comportamentos, atitudes, entre outros.
Assim, nesse processo reconstrutivo, há ajuda da história social para servir de apoio à
sociolinguística histórica.
Nesse sentido, os estudos de sociolinguística histórica só passam a acontecer a
partir de uma reconstrução do material linguístico, como também do contexto social em
que os falantes se encontravam. No presente trabalho, encontrou-se exatamente os
problemas listados por Labov e Conde Silvestre: devido ao fato de a pesquisa ser de
longa duração, não foi possível encontrar materiais pertinentes a todas as décadas
verificadas; também não foram obtidas informações sociais sobre todas as mulheres que
escreveram cartas, ao passo que a biografia dos informantes homens está mais
completa; por fim, não há informações precisas sobre os informantes não-ilustres, na
verdade, pouco se sabe dos mesmos.
No entanto, o maior problema na realização do presente estudo se deu na
distribuição não igualitária das ocorrências de pronomes possessivos ao longo do
período estudado. Tal fato ocorreu, justamente, por haver um maior número de
produções escritas em determinadas décadas, principalmente nos anos referentes às
primeiras décadas do século XX. Assim sendo, foram encontrados quase 1.400 dados
difundidos entre os anos de 1870 a 1970, porém, observou-se, na verdade, uma
concentração das ocorrências em décadas específicas, o que corroborou para que se
31
optasse por um estudo dividido em rodadas parciais, a fim de não enviesar a análise.
Além disso, outros trabalhos sobre variação pronominal apontaram para divergência de
resultados no que tange tipos específicos de cartas. Assim, na presente tese, decidiu-se
dividir as missivas em subgêneros, no entanto, não foi possível agrupar um número
exato de cartas em cada subgrupo. Da mesma forma, foram controlados fatores como as
relações de parentesco entre remetente e destinatário ou onde a carta foi redigida, com o
intuito de verificar como esses fatores influenciavam na variação das formas
pronominais. Entretanto, nem sempre, ao observar os resultados obtidos através das
rodadas parciais, era possível identificar exatamente as mesmas relações ou localidades.
Tais adversidades provocaram problemas, como a não-correlação entre
porcentagem e peso relativo na grande maioria dos resultados apresentados, o que
exigiu explicações qualitativas em todos os grupos de fatores controlados, tornando a
parte analítica ainda mais densa e maior. Portanto, conclusões mais contundentes sobre
os resultados encontrados tiveram de ser ponderadas e amenizadas, pois, nem sempre,
havia um número de ocorrências que se validassem por si só.
Apesar das dificuldades encontradas por quase todos os estudiosos que realizam
pesquisas em sociolinguística histórica, a mesma encontra-se essencialmente ligada à
sociolinguística, uma vez que as duas buscam explicar fatos relacionados à língua
através de fatores sociais, como também do contexto sócio-histórico e cultural em que o
falante está inserido. Nessa perspectiva, os estudos produzidos, muitas vezes, são a
chave para que se entenda os resultados das mudanças linguísticas identificadas no
presente. Assim, o passado também pode ser usado para compreender o presente, e não
só o inverso. “O propósito é acompanhar e reconstruir as etapas da mudança,
observando as tendências do comportamento linguístico com base na amostra escrita
constituída. A descoberta de novos materiais sempre poderá elucidar as lacunas
observadas nos estudos parciais feitos com os dados disponíveis (GOMES e LOPES,
2016, p.141).
Como a questão dos dados históricos é fundamental para os estudos no âmbito
da sociolinguística histórica, serão discutidos na sequência a natureza do gênero
analisado na tese e, em seguida, serão apresentações informações básicas sobre os
autores das cartas estudadas para que se tenham um perfil social dos mesmos.
32
3.2 – O gênero carta
Há infindáveis discussões dentro da linguística na tentativa de definir o que é
gênero. Por não ser uma tarefa fácil, ainda é impossível se chegar a um consenso sobre
o assunto. Assim, a depender da linha teórica adotada, o gênero pode ser visto através
de uma perspectiva textual, enunciativa, funcional ou comunicativa.
No presente trabalho, o gênero é considerado uma entidade sócio discursiva,
uma vez que é uma estrutura cristalizada decorrente de práticas sociais constituídas
através da história. Assim, tal estrutura, por ser decorrente de práticas sociais, está
sujeita a mudanças, não sendo, de maneira alguma, uma estrutura estática, como já
apontara Bakhtin (1997):
“Utilizamo-nos sempre dos gêneros do
discurso, em outras palavras, todos os
nossos enunciados dispõem de uma norma
padrão e relativamente estável estruturação”
(BAKHTIN, 1997, p.301)
Além de ter uma estruturação moderadamente fixa – como saudações, núcleo e
despedida – de acordo com Soto (2001), o gênero carta seria um exemplo pertencente
ao gênero primário do discurso, isto é, ele faz parte do grupo de gêneros que se
fundamentam em circunstâncias de conjunturas espontâneas da comunicação verbal e,
por isso, não perdem a relação com a realidade, seja ela linguística ou extralinguística.
De acordo com Bazerman (2006), o gênero carta é um gênero que permite
identificar o nível de relação estabelecida entre os interlocutores naquele determinado
contexto comunicativo e qual o grau de intimidade existente entre eles. Assim sendo,
esse gênero constitui-se como um documento utilitário como fonte para estudos de
sincronias passadas por possibilitar a identificação da origem do remetente, do local e
da época em que foi produzido, além de informações relevantes extraídas do próprio
texto a depender de como será discutido.
Faz-se importante mencionar, no entanto, a complexidade existente no gênero
carta, haja vista a quantidade de diferentes modelos que o compõem, “pois, para cada
situação socioenunciativa que o envolve, novas características são apresentadas”
(WATTHIER, 2010, p. 56). O estudo de Souto Maior (2001) ilustra, justamente, os
33
diversos modelos pertencentes ao gênero, em que a autora agrupa tais modelos em
diferentes nomenclaturas, dependendo do domínio discursivo em que estão inseridos.
De acordo com tal proposta, o gênero carta seria “um gênero com subgêneros” (SOUTO
MAIOR, 2001, p. 11). Watthier (2010) elenca todos os subgêneros mencionados por
Souto Maior (2001):
Assim, cartas cujos domínios discursivos são
comerciais são denominadas cartas de
resposta e de comunicado; as de domínios
instrucionais são cartas de programa,
circulares, respostas e de apresentação; as
jornalísticas são cartas do leitor, do editor,
aos leitores, aberta, propaganda,
boasvindas; as jurídicas são as cartas de
intimação; publicitários são respostas,
confirmações, agradecimento, pedido;
religiosas são as cartas de convite ou de
comunicado; e as de saúde são cartas de
programa, de comunicado. (SOUTO
MAIOR apud WATTHIER, 2010, P. 44)
Salienta-se a discussão existente dentro da classificação dos subgêneros, visto
que há autores, como Barbosa, que acrescenta na categoria das cartas pessoais, as cartas
familiares e amorosas. Por outro lado, há autores, como Miranda (2000) e Jiménez
(2000), que não diferem cartas familiares e amorosas. No entanto, é preciso ter cuidado
com essas nomenclaturas, porque, como evidenciou Pereira (2012), os resultados
linguísticos podem variar de acordo com o subgênero da missiva. Em seu estudo, a
pesquisadora observou diferenças no que tange o estudo do tratamento a depender do
subgênero da carta: cartas familiares continham mais variação entre o sujeito tu/você do
que cartas amorosas, que apresentavam, quase que exclusivamente, sujeito tu. Além
disso, um mesmo missivista, possuía comportamento linguístico distinto quando
escrevia uma carta endereçada ao filho e outra endereçada à esposa, por exemplo.
Observando isso, no presente estudo, optou-se por controlar especificamente o
subgênero a que pertence as cartas que constituem o corpus. Nesse sentido, o gênero
mais amplo cartas particulares foi subdividido em três outros: (i) cartas familiares, isto
é, aquelas trocadas entre pessoas de uma mesma família; (ii) cartas pessoais, ou seja,
correspondências trocadas entre amigos ou colegas, pessoas de famílias distintas e sem
34
nenhum laço de consanguinidade; e (iii) cartas amorosas, dessarte, missivas trocadas
entre namorados, noivos, cônjuges, amantes.
Nesse sentido, o modelo epistolar, de acordo com Souto Maior (2001), compõe
um gênero textual responsável por abarcar diferentes subgêneros, classificados a
depender de sua função discursiva: particulares, públicas, tratados, argumentativa,
comerciais, entre outras. Todavia, apesar de apresentarem funções discursivas
totalmente distintas, todos esses subgêneros seguem, geralmente, o modelo de carta e a
variação do conteúdo é intrínseca à distância entre os interlocutores, conforme afirma
Bazerman (2006). Sendo assim, a seguir são apresentados, exemplos dos três
subgêneros que compõem a amostra:
Familiar Pessoal Amorosa
Local e data Rio de Janeiro, 29 de
Novembro de 1915
Fortaleza, 22 de Maio
de 1882
Rio de Janeiro 11 de
Outubro de 1936
Saudação Prezado Pae. Meu caro Copertino Minha querida
noivinha
Contato inicial
(Captação da
benevolência)
Accuso a sua carta de
hontem e bem assim das
flores que teve a idéa de
me mandar, e pelas quaes
fico muito obrigado.
Ha dous vapores que
não te escrevo - por...
preguiça e só
preguiça! bem vês,
sou réo confesso, devo
ser perdoado. Não
pódes imaginar o
prazer que me deste
em communicar-me
que resolveste
continuar o teu curso
em São Paulo; foi uma
excelente resolução.
Dou-te os meus
parabens.
Espero que esta te vá
encontrar em perfeito
estado de saude assim
como os teus, eu e os
meus vamos bem
graças a Deus.
Hoje estive em tua
casa, recebi 3 cartas
tuas as dos dias 6, 7 e
9 do corrente que
muito alegrou-me,
qual o coração
apaixondado não se
alegra ? ao receber
noticia a pessoa a
quem se ama .
Nós vamos passando sem
novidade maior, apezar do
calor já estar entrando
furioso hoje, ás 8 horas da
manhã, no Escriptorio, o
thermometro marcava 28;
Senti saber que Mãmãe
não tem passado bem; que
tem ella?; o Moreira já a
examinou? o que disse?. É
exacto que ha mais de 15
dias não lhes escrevo, mas
para que hei de eu
escrever-lhes para lhes dar
aborrecimentos dos que
ando cheio a mais não
poder??? Como se já não
bastasse os que não posso
evitar, por não estar em
Segue n’este vapor o
nosso amigo Doutor
Amarilio que a
ignorancia o capricho
e o enfatuamento de
um Vice-Prezidente
estupido arrancaram
do lugar que com o
maior zêlo,
inteligencia e
inexcedivel probidade
e principalmente com
imenso proveito para
;a provincia exercia!
Homem fatal ao Ceará
foi o tal Torquato!!
Por ocasião da
despedida do Amarilio
provocamos as
Voce está ausente! E
nem imagina o mal
que eu estou sofrendo!
Esse mal que nos
machuca cantando e
que nos faz sorrir com
os olhos cheios degua.
Este anseio de um
sonho que existe e que
não vem, esta doce
amargura de uma
felicidade distante,
que muito nos
pertence. Voce está
ausente! E nem pode
saber que eu vivo
pensando em mil
cousas bonitas,
relembrando as nossas
35
Núcleo da carta
minhas forças demovel-os,
e não fallando mesmo nos
que se prendem aqui á
Cantareira - maiores agora
depois que o Snr Miller
embarcou para Londres -,
recebi uma carta de
Waldemarque, como
sempre acontece quando se
lembram de escrever-me,
só maiores amuos me veio
dar. Sem duvida sabe o Snr
que - - - por motivos que
ignoro e que não desejo
mesmo saber porquanto o
fundo de tudo é um e unico
- - - elle não está mais
morando em casa de
Eurico e dáhi ter
descoberto que não póde
continuar na casa, que está
trabalhando aborrecido,
amollado, etc etc, emfim a
mesma choradeira que
conduz ao ponto em mira
Vir embora, e
evidenciando a mais
absoluta falta de, já não
digo intelligancia, mas do
mais elementar bom senso,
- "achar que eu não terei
difficuldades em collocal-o
muito regularmente" Isso,
francamente é demais,
tanto mais quanto ha
menos de um mez fiz-lhe
ver em carta a minha
situação e o dinheiro que
acabava de perder
estupidamente na fallencia
da Fabrica de Tecidos
Botafogo e outros máos
negocios. - - - - Se eu fosse
ouvido e se de mim não se
lembrassem só nas horas
de querer, a sahida agora,
mal segundo entendo da
carta, não se daria porque
sempre fui de opinião que,
tanto elle como o Edgard,
desde que começaram a
ganhar bem deveriam
deixar a casa de Eurico e
morarem fóra, porquanto
embora irmãos a posição
logica e sensata era de
patrão para empregado e
vice-versa; bons dias bõas
tardes e nada mais. Faço á
Eurico - - embora sem
mesmas solemnes e
esplendidas
manifestações de
apreço e consideração
aquelle distintissimo
funccionario. O Ceará
mostrou-se n’altura
dos seus brios e
gratidão. Incluso
encontrarás um saque
de 150 $000 para me
aviares ahi uma
encommenda. O que
queres? Porque foste
te sahir tão bem e tão
a meu contento na 1ª
encommenda que te
fiz? Agora soffre as
consequencia da tua
böa vontade e gosto.
Ao dia 30 de Junho
proximo faz annos a
irmã do Rodolfo que
com a maior
dedicação e
desinteresse ensina-o
Handarca; desejo que
esta dê-lhe uma
pequena lembrança e
aqui no Ceará não
existe o que eu desejo
uma duzia de meias
muito finas e chics ,
um par de botinas e
um par de coturnos, ja
sabes – tudo trop chic.
As botinas No 36 e a
altura é a que remetto
incluso em um papel
azul. Calculei as meias
em 60$ ou 70$ as
botinas 40$ ou 50$, os
sapatos em 30$ ou
40$; bem
comprehendes que por
causa de mais 10$ ou
20$ não deixes de
adquirir um objecto
que saibas que mais
me agradará só pela
differença de preço
deixares de fazer.
Quando por acaso
exceda mais 15$000
ou 20$ dos 150$ do
saque eu estou
persuadido que o
desembolso de tão
diminuta quantia não
te fará grande
loucuras que eram
verdadeiras venturas,
sublimes e
impecaveis, porque
todas elas eram
nascidas do amor, e só
do amo... Porque...
voce me ama, bem sei.
Eu tambem te amo,
tanto que desse meu
amor eu fiz a minha
vida. Quem é a deusa
dos meus sonhos e
pensamentos? Voce!
Quem é que derrama
no meu coração um
punhado de frescas
promessas e lagrimas?
Voce! Quem acolhe os
meus desejos,
acariciando a
minh'alma e
despetalando os meus
beijos? Voce! Meu
amor! A sua ausencia
deixa-me tão aflito,
que até a recordação
da nossa felicidade,
amarga por demais a
minh'alma cheia de
saudade! ... Minha
querida até quinta
feira te direi se irei
ahi; no domingo, os
meus paes não tem
falado nada a teu
respeito, junto a esta
remeto-te a fotografia
que te pedi, não a
quero visto ser da tua
irmã, fico-te muito
agradecido de
satisfasera este meu
desejo mandando-a,
mas não posso
guardal-a por já ter
dona.
36
Núcleo da carta
saber o que se passou - - a
justiça de crer que não
ligará a mudança delle á
sua posição no negocio,
mas, como já lhe disse o
fim visado é muito outro é
a vinda para o Rio ou
mesmo para Petropolis,
muito embora para ;vegetar
ou pra nada fazer , o que
afinal de contas não hade
ser má cousa para não ter a
intelligencia bastante para
ver dous palmos adiante do
nariz. Ainda mesmo que
me fosse possvel
empregal-o neste momento
premente em que toda a
gente que tem uma
collcação se agarra a ella
com dentes e unhas, e
ainda mesmo que houvesse
uma asão q.q. que me
induzisse a assim proceder,
o Senhor, tão bem ou
melhor dque eu, conhece o
casmurrismo do
Waldemar, que constitue
por si só uma diffiuldade
grande não só para o
Commercio como para q.q.
outra collocação. asta dizer
- - - e isto define o homem
- - - que em S. Paulo ha
não sei quanto annos, não
tem o Waldemar um só
amigo, um conhecido
mesmo que seja. Dito isso
- - de um empregado do
Commercio - - está dito
tudo. TITULO DA CASA
Recebi a sua carta e não
mandei a procuração
porque pensava subir
sabbado caso não possa
fazel-o no sabbado
proximo, mandarei a
procuração na segunda ou
terça feira. COSINHA
Recommendo que faça o
que fôr apenas
INDISPENSAVEL e pelo
menos possivel. A epoca é
de não se gastar nada,
nada.
differença até a
passagem do vapor.
Fico perfeitamente
tanquilo por que és
inexcedivel em
desempenhar uma
commissão qualquer e
muito principalmente
se esta depender de
gasto. A
emcommenda deve vir
infallivelmente no
vapor que d’ahi deve
partir no dia 10 de
Junho.
37
Quadro 1: As principais diferenças entre cartas familiares, pessoais e amorosas
O quadro ilustra algumas semelhanças e diferenças entre cartas familiares,
pessoais e amorosas. Pode-se observar, como a primeira grande diferença, o
distanciamento ou proximidade presente na saudação utilizada pelos três remetentes.
Enquanto Alarico e Pedro são mais distantes, tratando o pai e o amigo como,
respectivamente, “Prezado Pae” e “Meu caro Copertino”, Jayme Saraiva é mais íntimo,
empregando o vocativo “Minha querida noivinha” para tratar sua noiva. A aproximação
nas cartas familiares e pessoais só se dá no contato inicial, apesar do teor da carta
familiar ainda mostrar um distanciamento maior entre os interlocutores do que a carta
trocada entre os amigos. Na carta amorosa, por outro lado, continua o tom intimista.
No núcleo, parte em que se encontra o motivo pelo qual a carta foi redigida, é
possível, também, encontrar divergências: enquanto Alarico trata de assuntos mais
sérios com o pai, relacionados a problemas da casa em Petrópolis; e Pedro de negócios,
além de pedir favores a Cupertino, na carta amorosa prevalecem-se assuntos íntimos,
ligados ao encontro do casal, preocupação com a família da noiva, entre outros.
Além disso, na seção de despedida, é possível observar também diferenças na
forma de tratar o interlocutor: na carta familiar e pessoal, é mantido o distanciamento
entre os interactantes, com a utilização de expressões como, respectivamente, “Sem
mais por hoje” e “Adeus”; na carta amorosa, ao inverso, mantém-se o tom de intimidade
com o emprego de palavras como “ternura” e “noivinho apaixonado” e o fato do
remetente mandar “beijos e abraços”. Por fim, os três remetentes assinam as cartas,
sendo apenas a missiva amorosa tendo um P.S.
Seção de
despedida
Sem mais por hoje, vou
rodar já que está
ameaçando uma terrivel
carga d'agua e trovoada.
Com Mãmãe eo Dudy
queira receber muitas
saudades e abraços do filho
sempre amigo gratissimo,
Adeus; Ludovina se
recommenda assim
como a Dona Elisa a
quem ella abraça e a
quem eu apresento os
meus respeitos.
Abraça o
Amigo
Lembranças para
todos os teus, beijos
para a Hilda e para
você minha santa,
recebe com bastante
ternura muitos beijos e
abraços deste teu
noivinho apaixonado
Assinatura Alarico
Pedro Jayme O. Saraiva
P.S. - - Se eu for domingo só
irei no trem das 8
horas e voltarei nos
dias 4,40 do contrario
não irei.
38
Nesse sentido, nota-se que a semelhança entre os três subtipos de cartas
encontra-se quase que exclusivamente na estrutura das mesmas. Nas três cartas há a
presença das mesmas seções, como afirma Marcotulio (2008, p. 74):
A carta é um gênero textual pois apresenta
uma estrutura formal e propriedades
facilmente reconhecidas em qualquer língua
histórica. Em relação ao aspecto formal e
estrutural, observam-se outras características
comuns, como a presença de um
encabeçamento que inclui a data e as
saudações iniciais, o corpo do texto e, por
último, um fechamento, que inclui as
saudações finais de despedida, assinatura e
possíveis P.S.s.
Assim, nas palavras do autor, o gênero carta é definido pela sua estrutura
própria, facilmente reconhecido em qualquer língua. À semelhança do autor, Silva
(1988, p. 76) denomina tais partes de seção de contato, núcleo da carta e seção de
despedida. Para Marcuschi (2000), do mesmo modo, se destacam como elementos
básicos utilizados para identificar minimamente o gênero carta (i) o local e a data, (ii) a
saudação, (iii) o texto e (iv) a assinatura. Nesse sentido, a seção de contato inicial é o
local da carta onde figura a saudação e a captação da benevolência, o núcleo é o corpo
do texto, em que se explicita o motivo pelo qual a carta foi escrita e a seção de
despedida. Nos três subgêneros apresentados, tais seções funcionam da mesma forma e
têm, necessariamente, a mesma estrutura.
Em contrapartida, as diferenças encontradas nos exemplos vistos deixam clara a
necessidade de desmembrar a amostra em cartas familiares, pessoais e amorosas, visto
que, apesar dos três subgêneros serem constituídos das mesmas partes pertencentes ao
gênero carta, pode-se afirmar que os conteúdos são distintos. Assim, isso leva a crer que
o maior ou menor distanciamento entre os interactantes pode influenciar nos resultados
que serão encontrados a partir da amostra.
Na próxima seção será mostrada uma breve biografia das famílias que compõe a
amostra de cartas dessa tese.
39
3.3- Descrevendo o corpus: as diferentes famílias que compõem a amostra
O corpus utilizado no presente trabalho é composto por 363 cartas escritas por
pessoas oriundas do Rio de Janeiro ou que viveram no estado por algum tempo de suas
vidas. Ressalta-se que as missivas foram escritas por indivíduos pertencentes a 12
grupos diferentes, sejam esses familiares ou não, entre os anos de 1857 a 1859.
A grande maioria das correspondências12 foi recolhida no Arquivo Nacional do
Rio de Janeiro (Família Penna, Família Land Avelar, Família Pedreira Ferraz-
Magalhães, Família Cupertino, Família Brandão), já as cartas da Família Cruz foram
obtidas através do Departamento de Arquivo e Documentação (DAD) da Casa de
Oswaldo Cruz (COC), também no Rio de Janeiro. As demais missivas foram retiradas
do acervo do Projeto Labor Histórico (Família Lacerda, “Jayme e Maria, casal dos anos
30”, Acervo Washington Luis, Amostra Robertina de Souza e Casal Ottoni). Importante
mencionar que grande parte do material utilizado nesse estudo se encontra disponível no
site do Projeto (http://www,letras.ufrj.br/laborhistorico).
A denominação das diversas amostras foi realizada através do nome da família,
uma vez que é justamente dessa maneira que o material é armazenado em arquivos
públicos. No entanto, nesse corpus, há cartas de pessoas que não pertenciam a uma
mesma família, como será ilustrado mais adiante. Cabe informar que, apesar de não ter
sido controlado por um grupo de fatores específico, as amostras possuem certo grau de
homogeneidade no que diz respeito à categoria social a que os escribas pertencem.
A tabela a seguir ilustra a organização da amostra utilizada para a realização
desse estudo:
12 Cabe ressaltar que a Amostra Robertina de Souza é constituída por bilhetes e não cartas, porém, foram,
nesta tese assumidos como correspondências.
40
Tabela 6: Principais informações sobre o corpus adotado
A partir de agora será mostrado um breve resumo com informações das amostras
utilizadas para a realização do estudo.
Família/Grupo Período de
escritura das cartas
Quantidade de
cartas
Subgênero das
cartas
Cartas de Casimiro
de Abreu
1857-1859 11 Pessoais
Acervo Cupertino
do Amaral
1873-1895 23 Pessoais, familiares
e amorosas
Cartas dos avós
Ottoni
1879-1889 41 Pessoais
Acervo Família
Pedreira Ferraz-
Magalhães
1884-1948 33 Pessoais
Acervo Oswaldo
Cruz
1889-1915 27 Familiares e
amorosas
Acervo Affonso
Penna Júnior
1896-1926 31 Pessoais, familiares
e amorosas
Acervo Land
Avellar
1907-1917 50 Familiares
Amostra Robertina
de Souza
1908 13 Familiares e
amorosas
Acervo Jayme-
Maria "Casal dos
anos 30"
1936-1937 97 Amorosas
Acervo
Washington Luís
1940-1949 5 Familiares e
pessoais
Acervo Brandão 1966-1972 20 Pessoais
Família Lacerda 1977-1979 12 Amorosas
41
Cartas de Casimiro de Abreu13
Figura 1: Casimiro de Abreu
Casimiro José Marques de Abreu nasceu em Silva Jardim, em 4 de janeiro de
1839 e faleceu em Nova Friburgo em 18 de outubro de 1860. Nomeia o município do
Rio de Janeiro onde viveu parte de sua vida e é conhecido por ser poeta da segunda
geração do Romantismo no Brasil.
Viveu grande parte de sua vida em Portugal, para onde embarcou com o pai em
1853. Foi lá que entrou em contato com o meio intelectual e produziu grande parte de
sua obra. Seu sucesso literário, no entanto, deu-se após sua morte, com a edição de
muitos de seus poemas, tanto no Brasil, quanto em Portugal. É o patrono da cadeira
número seis da Academia Brasileira de Letras, fundada por Machado de Assis.
A amostra é composta por 11 cartas14 redigidas por Casimiro de Abreu, entre os
anos de 1857 a 1859. Todas as cartas são dirigidas ao pai, a quem se dirige com muito
respeito, geralmente, informando-o sobre os acontecimentos de sua vida.
Acervo Cupertino do Amaral15
Antônio Felizardo Cupertino do Amaral nasceu em 15 de junho de 1852, no Rio
de Janeiro. Era filho do então Comendador Antônio José Cupertino do Amaral e de
Joana Cândida Melo do Amaral. Formou-se em Direito pela Faculdade de São Paulo e
13 Disponível em: http://www.letras.ufrj.br/laborhistorico/ 14 As cartas estão disponíveis no site www.letras.ufrj.br/laborhistorico 15 Material editado por Rachel de Oliveira Pereira (PEREIRA, 2012)
42
teve uma vida política bastante ativa nos últimos anos do Império, ocupando os
seguintes cargos: oficial de gabinete em 1880; subdiretor da Secretaria de Negócios do
Império, em 1887; subdiretor da 3ª Seção da Secretaria de Negócios do Exterior, em
1890; diretor-geral do gabinete da mesma Secretaria, em 1891; e Secretário de gabinete
do ministro da Justiça e Negócio Interiores entre os anos de 1897 e 1898. Faleceu em
1906, no Rio de Janeiro.
A amostra corresponde ao total de 23 cartas. Entretanto, elas se dividem em dois
grupos: cartas escritas por Antônio endereçadas a sua esposa, Elisa, e filha, Marieta, e
cartas direcionadas a Antônio escrita por dois amigos, Pedro e Alberto Fiacho, sua mãe,
Helena, e sua prima, Anna.
Carta dos avós Ottoni16
Christiano Benedito Ottoni nasceu em Minas Gerais em 30 de maio de 1811,
vindo a falecer no Rio de Janeiro em 18 de maio de 1896. É considerado o pai das
estradas de ferro no Brasil por ter sido o primeiro diretor da Estrada de Ferro Dom
Pedro II e o homem que fez os trilhos subirem a serra do Mar em direção a Minas
Gerais e a São Paulo, entre 1855 e 1865.
Era irmão de Teófilo Ottoni, ex-senador do império e ilustre comerciante,
Christiano Ottoni destacou-se como capitão-tenente da Marinha, engenheiro, professor
de Matemática, diretor da Estrada de Ferro Dom Pedro II, senador do Império e, depois
da proclamação da República, como senador de República.
Em 1837, Christiano Ottoni casou-se com sua prima Bárbara Balbina de Araújo
Maia, jovem de classe média, com quem teve 15 filhos, mas apenas seis sobreviveram.
As 41 cartas utilizadas nesse corpus são cartas do casal Chistiano e Bárbara aos netos
Misael e Christiano.
16 Material disponível em Lopes, 2005.
43
Figura 2: Chistiano Ottoni
Acervo Família Pedreira Ferraz-Magalhães17
Figura 3: A família Pedreira Ferraz-Magalhães
O patriarca da família Pedreira Ferraz-Magalhães é João Pedreira Couto Ferraz
(Conselheiro Pedreira, Dr. Pedreira ou Pai Pedreira), nascido no Rio de Janeiro, em
1826. Estudou Direito na Academia de Olinda, onde formou-se em 1848. Exerceu o
cargo de Secretário do Supremo Tribunal Federal por 50 anos. Foi casado com Elisa
Amália de Oliveira Bulhões, também nascida no Rio de Janeiro em 1834. Depois de
17 Material editado por Marcia Cristina de Brito Rumeu (RUMEU, 2008).
44
casados, em 1856, viveram no atual bairro do Cosme Velho, mudando-se para o Alto da
Boa Vista seis anos depois. Lá tiveram seis filhos: Maria Teresa, Zélia, João, José,
Antonio e Guilhermina.
Além de escrever para seus filhos e netos, João Pedreira também escrevia ao seu
genro, Jerônimo de Castro Abreu Magalhães, que com Zélia, formou o outro ramo da
família: os Pedreira Ferraz-Magalhães.
Jerônimo de Castro de Abreu Magalhães, nasceu em Magé, no Rio de Janeiro,
em 1851, mas, devido à morte de sua mãe, foi levado pelo pai a Portugal, onde foi
criado e educado por uma tia materna. Em Lisboa, frequentou o Colégio dos Nobres e,
posteriormente, cursou Humanidades, na Alemanha. Em 1875, após finalizar seus
estudos, regressou ao Brasil, onde cursou Engenharia Civil, sendo nomeado pelo
Imperador como lente catedrático da Escola de Minas, localizada em Ouro Preto.
Casou-se com Zélia Pedreira de Abreu Magalhães, em 1876. Inicialmente moraram em
Petrópolis, localizada na região serrana do Rio, seguindo para a fazenda Santa Fé.
Tiveram 13 filhos: Maria Elisa, Maria Rosa, Maria Leonor, Maria Bárbara, Maria
Teresa, Maria Joana, Maria Amália, Maria de Lourdes, Jerônimo, Francisco José,
Fernando, João Maria e Luis.
As cartas, em geral, tratam sobre a saudades que os familiares sentiam, uma vez
que os filhos de Zélia tornaram-se religiosos, o que tornou a distância algo constante na
família. Os irmãos também versam sobre o falecimento dos pais, Jerônimo e Zélia;
apesar de estarem ausentes quando a mãe faleceu, os filhos decidiram escrever uma
biografia sobre a mãe, onde retratam a devoção que ela tinha pela família e pela
religião.
Para o presente estudo, foram utilizadas 33 cartas dessa numerosa família, em
que se encontram diferentes tipos de relações familiares. As mesmas foram redigidas
entre os anos de 1870 e 1940.
Acervo Oswaldo Cruz18
18 Material editado por Thiago Laurentino de Oliveira e Camila Duarte Souza, disponível em:
http://www.letras.ufrj.br/laborhistorico/
45
Figura 4: Oswaldo Cruz
Oswaldo Gonçalves Cruz nasceu em 5 de agosto de 1872, em São Luís do
Paraitinga, em São Paulo. Projetou-se como cientista, médico, bacteriologista,
epidemiologista e sanitarista. Formou-se em 1892 pela Faculdade de Medicina do Rio
de Janeiro, lançando-se como pioneiro no estudo de moléstias tropicais e da medicina
experimental no Brasil. Fundou em 1900, o Instituto Soroterápico Nacional, atual
Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro. Cabe evidenciar que, Oswaldo Cruz
também era um homem das artes, ligado à literatura e, por isso, ocupou a cadeira de
número 5 da Academia Brasileira de Letras. Casou-se aos 20 anos com Emília da
Fonseca, jovem de família rica, filha de abastado comerciante português, a quem
carinhosamente chamava de Miloca. Dessa união, nasceram os seus seis filhos: Elisa,
Bento, Hercília, Oswaldo, Zahra e Walter.
A amostra é composta por 27 cartas escritas e trocadas pelos membros da família
do médico, entre os anos de 1889 e 1915.
Acervo Família Penna Júnior19
19 Material editado por Rachel de Oliveira Pereira (PEREIRA, 2012)
46
Figura 5: Affonso Penna Júnior (no centro)
A família Penna foi uma importante família de políticos de Minas Gerais, que
teve como patriarca o Major Domingos José Teixeira Penha, oriundo da cidade
portuguesa de Ribeira da Peña. Ao vir para o Brasil, o Major Penha encontrou-se com
seu tio, Capitão Manuel José de Carvalho Pena, substituindo o sobrenome “Penha” por
“Penna”, sem haver uma justificativa reconhecida.
Grande parte da família se estabeleceu em cidades interioranas de Minas Gerais,
como Santa Bárbara, Sabará e Barão de Cocaes, a oeste do estado. Estas localidades são
consideradas cidades pertencentes ao Circuito do Ouro de Minas Gerais. Apesar de os
integrantes da família terem começado sua carreira política nessas cidades, depois de
conseguirem status na carreira, vários deles acabaram migrando para outras cidades
maiores e mais desenvolvidas, como Belo Horizonte e Rio de Janeiro.
As 31 cartas que constituem a amostra selecionada para a realização deste
trabalho estão organizadas por cartas familiares e amorosas de alguns membros da
família Penna, a saber: o ex-presidente da República, Affonso Penna; seu filho mais
velho, Affonso Penna Júnior, seu filho mais novo, Alvaro Penna; sua esposa, Maria
Guilhermina Penna; seu irmão, Manuel Penna e seu genro, Edmundo Veiga.
Acervo Land Avellar20
20 Material editado por Paula Fernandes da Silva (SILVA, 2012)
47
Alarico Land Avellar, município de Vassouras, no estado do Rio de Janeiro, em
1892. Era filho do comerciante e proprietário da Gazeta de Petrópolis, tendo seis
irmãos: Eurico, Maria Carolina, Waldemar, Tito, Edgar e Aluízio.
Alarico estudou no renomado colégio São Vicente de Paula e no Colégio
Brasileiro Alemão, ambos em Petrópolis. Em 1904, escreveu um série de artigos sobre
as reinvindicações sociais femininas, o que lhe rendeu a nomeação para o cargo de
Delegado Fiscal, em Petrópolis. Dois anos depois, transferiu-se para o Rio de Janeiro,
onde trabalhou na empresa Isnard & Cia. Ainda em 1906, iniciou sua carreira
profissional na Rede Ferroviária Federal, trabalhando, posteriormente, na Companhia
Cantareira Viação Fluminense.
A amostra compõe-se de 50 cartas escritas entre os anos de 1907 a 1917 pelo
núcleo familiar da família Land Avellar, principalmente, pela mãe de Alarico, Helena,
que, geralmente, escreve sobre sua rotina em Petrópolis, problemas familiares e
questões financeiras.
Amostra Robertina de Souza21
A amostra compõe-se por 13 bilhetes escritos por Robertina de Souza que
constam em um processo criminal. De acordo com o processo e os escritos, Robertina
era casada com Arthur, com quem tinha um filho. No entanto, Robertina passou a
envolver-se com Alvaro, que virou seu amante. Assim, Arthur matou Alvaro, mas foi
absolvido por ser crime de honra. A grande maioria dos bilhetes é de Robertina
escrevendo ao amante, mas também há alguns escritos ao marido, a quem pede perdão.
Acervo Jayme-Maria “Casal dos anos 30”22
A amostra compõe-se por 97 missivas trocadas, entre os anos de 1936 e 1937,
por um casal de noivos: Jayme e Maria. O material possui valor linguístico ímpar, uma
vez que não foi recolhido em museus ou arquivos e só é possível traçar um perfil do
casal a partir da leitura das próprias cartas.
21 Disponível em: http://www.letras.ufrj.br/laborhistorico/ 22 Material editado por Janaína Pedreira Fernandes de Souza e Érica Nascimento Silva. (SOUZA, 2012;
SILVA, 2012)
48
Dessa forma, observou-se que o casal representava a classe média carioca.
Jayme de Oliveira Saraiva residia em Ramos, bairro do subúrbio carioca, e trabalhava
no centro da cidade. Já Maria Ribeiro da Costa, morava em Petrópolis, além de ser mãe
solteira da menina Hilda.
Ambos os jovens moravam com os pais, mas devido ao fato da mãe de Jayme
não gostar de Maria, os dois não podiam se ver com frequência. Assim, encontravam-se
secretamente na Igreja da Penha aos domingos (Maria era muito religiosa), ou na Rua
Uruguaiana, nas proximidades do trabalho de Jayme.
Pela leitura das cartas, percebe-se que tanto Jayme como Maria eram pessoas
simples, sem grau de instrução elevado, sendo categorizados nos termos de Barbosa
(2005), como de cultura mediana. Contudo, é possível identificar diferenças
socioculturais entre o casal, como, por exemplo, a diferença no que tange o domínio da
norma culta padrão, traços de oralidade, entre outros.
Ao que tudo indica, Jayme possui um domínio maior da escrita, talvez pelo fato
de trabalhar no comércio, o que, de certa forma, poderia leva-lo a um contato maior com
a norma culta padrão escrita, diferentemente de Maria, que tinha tarefas restritas ao lar.
Acervo Washington Luís23
A amostra é composta por cinco cartas escritas por Washington Luís, tendo
como remetente, um primo, uma prima e um amigo. As cartas são da década de 1940 do
século XX.
Washington Luís Pereira de Souza nasceu em Macaé, em 26 de outubro de 1869,
vindo a falecer em 4 de agosto de 1957. Washington Luís foi um advogado, historiador
e político brasileiro: décimo primeiro presidente do estado de São Paulo, décimo
terceiro presidente do Brasil e último presidente da República Velha.
23 Material editado por Janaina Pedreira Fernandes de Souza (SOUZA, 2012).
49
Figura 6: Washington Luís
Acervo Brandão24
Francisco de Carvalho Soares Brandão Neto nasceu no Rio de Janeiro, em 1904.
Formou-se na primeira turma de bacharéis da Universidade do Rio de Janeiro, sendo
promotor e subprocurador fiscal de São Paulo. Alguns anos depois, advogou para a
Caixa Econômica do Rio de Janeiro, cidade onde se casou com Maria Martins Penna,
com quem não teve filhos.
Associou-se ao Colégio Brasileiro de Genealogia, onde se dedicou aos estudos
genealógicos e escreveu o livro Glorioso Passado – documento histórico. Para a
elaboração do libro, Brandão Neto necessitou da ajuda de seu grande amigo, especialista
em história e genealogia, Heitor Lyra, que foi secretário de embaixada e embaixador em
Ottawa, em Lisboa e no Vaticano.
Assim, as 20 cartas que compõem o corpus foram escritas por Brandão Neto e
são endereçadas a Heitor Lyra, entre os anos de 1966 e 1972, cujo assunto principal é a
genealogia da família Soares Brandão.
24 Material editado por Janaina Pedreira Fernandes de Souza (SOUZA, 2012).
50
Figura 7: Francisco Brandão Neto
Família Lacerda25
A amostra constituída por cartas da Família Lacerda é um dos mais recentes do
Labor Histórico e foi cedido por membros da referida família, estando, ainda, em fase
de edição.
A família é natural de Minas Gerais, passando, posteriormente, a residir na Zona
Sul do Rio de Janeiro. Grande parte das cartas foi escrita no período em que uma das
filhas do casal Lacerda mudou-se para o Rio de Janeiro a fim de estudar, indo
posteriormente para os Estados Unidos para o mesmo fim.
Assim, foram analisadas 12 cartas pertencentes a essa amostra e escritas entre os
anos de 1977 e 1979. Todas essas missivas foram escritas por um amigo carioca da filha
dos Lacerda, com quem ela manteve um relacionamento afetivo ao longo do período em
que esteve no Rio de Janeiro. O rapaz escreveu as cartas no período em que a moça
encontrava-se nos Estados Unidos. Os assuntos abordados giram em torno dos pedidos
de notícias, do interesse em saber se ela estava gostando de alguém de lá, do relato de
sua rotina de graduando de medicina e, também, dos seus sentimentos por ela. As
missivas possuem tom jocoso e jovial.
A descrição, mesmo que breve, das diferentes amostras que compõem o corpus é
fundamental para que se conheça os missivistas e as relações estabelecidas entre eles.
25 Material editado por Diogo Marinho da Silva Ribeiro.
51
Assim, é possível afirmar que, com exceção de duas amostras: amostra Robertina de
Souza e Acervo Jayme-Maria “Casal dos anos 30”, as cartas pertencentes às outras
famílias ilustres foram redigidas por homens que, em sua maioria, graduaram-se em
uma universidade e mulheres com domínio da linguagem escrita, feitos importantes
para os padrões da sociedade brasileira no período, como será especificado nas seções
de análise dos resultados.
52
3.4 – A pragmática e suas questões
As palavras, em sua significação comum, podem assumir distintos significados.
Assim, a pragmática, grosso modo, é o ramo da linguística responsável por estudar a
linguagem comum e o uso concreto da linguagem em seu contexto de uso na
comunicação. Portanto, a pragmática engloba os significados linguísticos determinados
não só exclusivamente pela semântica frásica, mas aqueles deduzidos através de
contextos extralinguístico, discursivo, situacional, entre outros.
Nesse sentido, pode-se afirmar que todos os falantes possuem a competência
pragmática, que é a capacidade de compreensão da intenção do locutor. Dessa forma, a
pragmática está além da construção frasal ou seu significado, uma vez que ela estuda
justamente os objetivos da comunicação. Por isso, a intenção do locutor não precisa
necessariamente estar explícita para que o interlocutor compreenda a mensagem que
está sendo passada, já que a significação linguística vem através da interação entre
falante e ouvinte, no contexto em que se fala, considerando os elementos socioculturais
em uso, além dos seus objetivos, efeitos e consequências.
Para Vidal26, o real objetivo da pragmática é estabelecer com precisão quais
fatores que determinam sistematicamente o modo em que funcionam os intercâmbios
comunicativos dos falantes. Sobre a pragmática a autora comenta:
“La tarea de la Pragmática consiste
precisamente en proporcionar una respuesta
adecuada a preguntas como esta. En el
ejemplo anterior, la pregunta se interpreta
como una petición, y como tal es resuelta.
Por tanto, es como si a lo largo del proceso
de comunicación los enunciados fueran
adquiriendo dimensiones nuevas que
sobrepasan el significado estable que se les
atribuye en virtud del código de la lengua.
pautas que van más allá no sólo de las que
regulan la buena formación de las
estructuras gramaticales, sino también de
las que gobiernan la pura y simple
transmisión eficaz de información. Lo que
parece evidente de entrada es que lo que se
26 http://www.csub.edu/~tfernandez_ulloa/AportPrag.pdf
53
comunica, en cierto sentido, va más allá de
lo que se dice literalmente.”27 (VIDAL, p.3)
A autora afirma categoricamente que a pragmática tem como objeto de estudo o
conjunto total de enunciados de uma língua. No entanto, Vidal atenta para o fato de que
esse não é um objeto exclusivo, isto é, já que é compartilhada com a gramática. No
entanto, o objeto é visto através de perspectivas diferentes: a gramática deve atender
apenas os aspectos internos, constitutivos, que afetam as relações formais entre
elementos linguísticos. Por outro lado, a pragmática deve dar um enfoque mais amplo,
que considere também os usuários da língua e seu entorno.
Além disso, a autora afirma que, se na gramática o seu critério básico é a
formação estrutural/gramatical, ao se adotar o enfoque pragmático, o importante é a
adequação, como explica a autora:
“La adecuación no es una exigencia
nueva, sino la consecuencia necesaria de
los planteamientos que hemos adoptado:
si hay principios sistemáticos que regulan
la comunicación, sólo los enunciados que
se ajusten a ellos serán adecuados; los que
no lo hagan (como las respuestas
extravagantes que comentábamos a
propósito de nuestro ejemplo), serán
inadecuados. Mientras que ser gramatical
es una propiedad esencial, permanente y
definitoria de las expresiones —una
secuencia o es gramatical o no lo es—, ser
adecuado es una propiedad relativa, que
tiene que ser evaluada en relación con un
contexto de emisión.”28 (VIDAL, p.4)
27 A tarefa da Pragmática consiste precisamente em proporcionar uma resposta adequada a perguntas
como esta. No exemplo anterior, a pergunta se interpreta como um pedido, e como tal, esta se resulta.
Portanto, é como se ao longo do processo de comunicação os enunciados fossem adquirindo dimensões
novas que sobre passam o significado estável a que a eles é atribuído em virtude do código da língua. A
naturalidade do intercâmbio mostra que nossa atividade comunicativa está submetida a outras pautas que
vão além das que regulam a boa formação das estruturas gramaticais, como também das que governam a
pura e simples transmissão eficaz de informação. O que parece evidente é que o que se comunica, em
certo sentido, vai mais além do que se disse literalmente. 28 A adequação não é uma exigência nova, mas a consequência necessária das abordagens que adotamos:
se há princípios sistemáticos que regulam a comunicação, só os enunciados que se ajustam a eles serão
adequados; os que não o fazem (como as respostas extravagantes que comentávamos a propósito de nosso
exemplo), serão inadequados. Enquanto que ser gramatical é uma propriedade essencial, permanente e
definidora das expressões – uma sequência é gramatical ou não –, ser adequado é uma propriedade
relativa, que tem que ser avaliada em relação com um contexto de emissão.
54
Nesse sentido, a pragmática se insere no presente estudo uma vez que se lida
indiretamente com formas associadas a formas de tratamento, por conta dos possessivos
se referirem à segunda pessoa do discurso. A maneira como tratar o outro, na verdade,
encontra-se intrinsicamente relacionada com o status social que acaba determinando a
representação linguística de determinada forma.
Antes de adentrar na discussão sobre as diferentes teorias pragmáticas, faz-se
necessário mostrar a correlação existente entre os usos linguísticos e o papel social
representado por um indivíduo. Preti (2000) afirma que o conceito sociológico de papel
encontra-se diretamente ligado ao de status e ambos referem-se à participação do
homem na sociedade, em seu grupo social. Por isso, é completamente natural que se
entenda que os indivíduos possuem posições dentro de um grupo – desde um grupo
primário, ou seja, restrito como a família, por exemplo, ou um grupo secundário, maior,
como o Estado. No entanto, cabe ressaltar que o indivíduo pertence a diferentes grupos
sociais, nos quais ocupa diferentes posições sociais. Desta forma, ele pode assumir, por
exemplo, o papel de mãe, na família; de médica, no hospital etc. Essas posições sociais
do indivíduo definidas no grupo social são denominadas status.
Em seu trabalho, o autor afirma inclusive que, quando um indivíduo ocupa certo
status, isto exige necessariamente a subordinação a certos comportamentos, não sendo
esses apenas relacionados à postura ética, mas “à sua representação física, à sua
aparência, ao seu vestuário” (PRETI, 2000, p. 86). Obviamente, a linguagem
empregada por esta pessoa também se inclui nessa lista, visto que esta é imprescindível
à criação de sua imagem. Segundo Preti (2000), estas normas relacionadas ao status
denominam-se papel social. Assim, pode-se afirmar com propriedade que o papel social
indica o “caráter funcional do homem na sociedade” (p. 86).
Preti (2000) também afirma que se a variação linguística é um traço fundamental
que caracteriza o status do falante ao exercer o seu papel social, não se deve esquecer de
que elas são dependentes diretas da convivência social entre falante e seus interlocutores
e “do grau de expectativa e aceitabilidade deles, em relação à linguagem empregada.”
(Preti, 2000, p. 91)
Neste sentido, destaca-se, especificamente, o estudo das formas de tratamento,
ou seja, a maneira pela qual os interlocutores se tratam mutuamente e o que pode
significar, na interação verbal, a escolha de uma forma em detrimento de outras
disponíveis no repertório linguístico.
55
No entanto, só é possível explicar a escolha de uma forma determinada de
tratamento em detrimento de outras existentes na língua a partir de um estudo
minucioso das situações comunicativas em que estas formas aparecem, tentando
elucidar os objetivos mais diversos dos interlocutores.
Vidal29 reafirma o que diz Preti quando assegura que os fatores que intervêm na
comunicação podem reduzir-se ao conjunto de representações internas com que cada
indivíduo entra no processo comunicativo. Nesse sentido, a representação do entorno é
decisiva para a comunicação. Assim, muitas representações são de caráter puramente
individual e relacionam-se com detalhes específicos da situação concreta, preferências,
desejos e a maneira de ser de cada um. No entanto, um grande número serão
representações compartilhadas com outros membros do mesmo grupo social ou da
mesma cultura; representações que vão sendo adquiridas paulatinamente como parte do
processo de socialização do indivíduo, já que “... convertirse en un miembro normal de
una cultura es sobre todo una cuestión de aprender apercibir, pensar y comportarse
como lo hacen los demás miembros de esa cultura.”30 (Janney y Arndt, 1992:30 apud
Vidal, p. 6). Ou nas palavras de Jackendoff 1992:74 apud Vidal, p. 6: “El modo en que
los individuos son capaces de comportarse en la sociedad depende del modo en que son
capaces de representarse internamente el entorno social”.31
Para que se efetue um estudo sobre as estratégias de referência à segunda pessoa
do discurso, em particular, das formas possessivas, faz-se necessária uma cuidadosa
averiguação das relações estabelecidas entre os participantes da situação comunicativa
em questão. Isso se deve ainda ao fato de os poucos estudos disponíveis sobre a
variação teu-seu terem identificado a forte atuação de fatores sociopragmáticos e de
cortesia no uso de uma ou outra estratégia possessiva de segunda pessoa. Dessa forma,
com o objetivo de entender a pertinência dessas relações sociais nas escolhas
linguísticas, é necessário discutir algumas teorias de base pragmática e seus limites para
a análise em questão, como a dicotomia “poder e solidariedade”, idealizada por Brown e
Gilman (1960) e a teoria da polidez, proposta por Brown & Levinson (1987), aliando-as
aos preceitos da sociolingüística variacionista (WLH, 1968).
29 http://www.csub.edu/~tfernandez_ulloa/AportPrag.pdf 30 Converter-se em um membro normal de uma cultura é sobretudo uma questão de aprender a perceber,
pensar e comportar-se como fazem os demais membros dessa cultura. 31 O modo em que os indivíduos são capazes de se comportar na sociedade depende do modo em que são
capazes de representar-se internamente o entorno social.
56
Vidal32 afirma que os atos de fala e a cortesia constituem os âmbitos específicos
e privilegiados das relações básicas, uma vez que os atos de fala relacionam-se com as
intenções e analisam os meios linguísticos que se usam para expressá-las. Por outro
lado, a cortesia estuda os parâmetros que determinam a distância social e suas
manifestações linguísticas. A autora afirma que esses dois âmbitos são os mais
interessantes, já que são os campos em que se fazem mais evidentes as diferenças
culturais a que as normas da língua se referem e, por isso, são os campos em que se
manifestam de maneira mais clara os fenômenos da interferência pragmática.
No trabalho pioneiro The pronouns of Power and Solidarity, Brown e Gilman
analisam as regras de tratamento que regem vinte línguas distintas, sendo a grande
maioria de origem indo-europeia. Os autores conseguem concluir que a escolha das
estratégias de tratamento referentes à segunda pessoa do discurso está regulamentada
por relações denominadas de poder e solidariedade. De acordo com essa proposta, tais
relações estão presentes em todas as formas de interação entre os interlocutores.
Embora tal proposta tenha sido rediscutida para as sociedades contemporâneas,
como mencionado adiante, ainda é bastante pertinente discutir tal dicotomia na análise
de dados do passado um tanto remoto, uma vez que a sociedade brasileira oitocentista e
novecentista apresentava ainda relações sociais bastante marcadas.
Neste sentido, o conceito de poder pode ser definido como o domínio que uma
pessoa exerce sobre outra em uma determinada situação comunicativa. Desta maneira,
para que haja uma situação de poder, é necessária a interação social de pelo menos duas
pessoas e que a relação entre elas não seja simétrica, visto que todos os participantes
não podem ter poder na mesma área de comportamento. Assim, conclui-se que o poder
encontra-se presente em relações assimétricas ou não recíprocas, nas quais a hierarquia
é observada na diferenciação de determinados atributos, a saber: autoridade, geração e
idade.
Diferentemente da relação de poder, em que o conceito de hierarquia é
extremamente importante para se compreender a assimetria de tratamento, a
solidariedade, por outro lado, pressupõe um mesmo nível hierárquico decorrente de
relações sociais simétricas ou recíprocas. As relações simétricas são derivadas de
atributos como sexo, parentesco e filiação de grupo, que estão ligados às ideias de
afinidade e afeto.
32 http://www.csub.edu/~tfernandez_ulloa/AportPrag.pdf
57
Considerando a relação estabelecida entre as estratégias de referência ao
interlocutor, de acordo com Machado (2006), haveria dois eixos de relações
estabelecidas entre os interlocutores: um eixo assimétrico – em que predomina a
assimetria nas relações – e um eixo simétrico – em que predominam relações
igualitárias. A autora afirma que o poder seria o elemento central do eixo semântico
assimétrico e a solidariedade o núcleo do eixo semântico simétrico. Desta maneira,
haveria duas formas de relação assimétrica – aquela em que o emissor é o detentor do
poder frente ao receptor e a inversa, quando o receptor exerce poder sobre o emissor –
assim como há dois tipos de relação simétrica – quando a solidariedade entre os
participantes da situação comunicativa se faz presente e quando não se observa
solidariedade. Para Brown e Gilman (1960), o uso de formas V (como Vous, em
francês) está diretamente ligado às relações simétricas em que não há solidariedade
entre os participantes da ação, e às relações assimétricas em que o emissor está
hierarquicamente inferior ao receptor. Por outro lado, as formas T (como Tu, em
francês), correspondem às relações simétricas em que há reciprocidade e solidariedade
ou às relações assimétricas em que o emissor exerce alguma forma de poder sobre o
receptor.
Deve-se comentar que nesse estudo, estão sendo analisadas famílias típicas do
século XIX e início do XX e, por isso, algumas relações e papéis sociais podem
aparecer bastante delimitados na sua produção escrita. As alterações nos papéis sociais
podem ser observadas, principalmente, nas cartas familiares em que apesar das relações
de parentesco entre pai-filho, tio-sobrinho, etc. alguns remetentes ocupam cargos
políticos e se subordinam hierarquicamente a seus destinatários em algumas situações
de escrita. É possível perceber alterações das relações de poder e solidariedade
estabelecidas entre os interlocutores na interação em uma mesma carta e de uma carta
para outra.
Outra teoria bastante utilizada para a temática do tratamento de segunda pessoa é
a teoria da polidez, idealizada por Brown & Levinson (1987). De acordo com os
autores, na comunicação todos os participantes possuem duas propriedades básicas que
podem explicar seu comportamento no que tange a interação verbal. A primeira
propriedade denomina-se racionalidade e, segundo ela, cada indivíduo possui um modo
de raciocinar que pode ser definido de modo preciso e que o conduz aos meios
necessários para chegar aos fins que deseja alcançar. A segunda propriedade é a imagem
pública que cada indivíduo constrói para si próprio, buscando manter o prestígio no
58
meio social em que vive. A imagem pública possui duas vertentes: a face positiva e a
negativa. A primeira consiste na personalidade (imagem) desejada pelos interactantes,
ou seja, a maneira como os indivíduos desejam ser vistos pela sociedade. A face
negativa, por outro lado, está relacionada ao território, ao direito de sofrer perturbação,
à preservação pessoal, o que remete à liberdade de ação e liberdade para não sofrer
imposição por parte dos outros.
Segundo os autores, qualquer ato de fala em si é considerado um ato de ameaça
à face de nosso interlocutor, porque a imagem pública é vulnerável e a interação verbal
nada mais é do que um esforço para a preservar. Desta forma, as estratégias de polidez
ou cortesia são empregadas para reforçar a imagem positiva do emissor e/ou do
interlocutor, isto é, garantir a harmonia do processo interativo. Quando há uma
estratégia que suaviza a imposição de um ato que ameace a face positiva do interlocutor,
tem-se um caso de polidez positiva, e quando esse ato ameaça a face negativa, a
estratégia utilizada é a polidez negativa.
Sobre as diversas acepções do termo cortesia, Vidal (2002) mostra a diversidade
de perspectivas. A cortesia pode ser entendida como um conjunto de normas sociais,
estabelecidas por cada sociedade, que acabam regulando o comportamento adequado de
seus membros, proibindo algumas formas de conduta e favorecendo outras. Desta
maneira, o que se ajusta às normas é considerado cortês e o que não se ajusta é
sancionado como descortês. Assim, a cortesia é interpretada como um mecanismo de
salvaguarda que é estabelecido por todas as sociedades para que a “agressividade” de
seus membros não se volte contra eles mesmos. Pelo fato de se tratar de normas
externas, é esperado que o que é cortês em uma sociedade possa até mesmo ser
descortês em outra. Essa questão é imprescindível no caso das escolhas tratamentais que
são feitas para se referir a outrem. Fica claro que a noção de cortesia ou descortesia
como norma social está intrinsicamente ligada à cultura geral de cada um, visto que as
normas sociais não são igualitárias para todas as sociedades. Sobre a questão da
cortesia, Vidal33 comenta:
“Se habla, en estos casos, de usos
estratégicos de la cortesía, en el sentido
de que la formulación lingüística
empleada puede utilizarse para
amortiguar o para potenciar los efectos
33 http://www.csub.edu/~tfernandez_ulloa/AportPrag.pdf
59
no deseados de un determinado acto:
cuando supone una cierta imposición
sobre el interlocutor, al emisor le puede
interesar valerse de los medios
lingüísticos disponibles para
compensarlo.”34 (VIDAL, p. 11)
O conceito de cortesia também pode ser entendido de outra maneira: se se
concebe que a comunicação verbal é uma atitude completamente intencional para se
obter um determinado objetivo com relação a outras pessoas, seria lógico pensar que o
uso adequado da linguagem pode constituir um elemento determinante para o êxito do
objetivo perseguido. Sabe-se que o emissor deve ter em conta que seu enunciado se
adapte não só a suas intenções e seus objetivos, mas também à categoria e ao papel
social do destinatário. Desta forma, não é difícil imaginar a importância de se utilizar
convenientemente todos os meios que possui a linguagem para manter uma relação
cordial, especialmente, quando o falante deve enfrentar um conflito entre seus objetivos
e os do destinatário, em que não há intenção de romper suas boas relações com este.
Neste sentido, a cortesia pode ser entendida também como um conjunto de estratégias
conversacionais destinadas a evitar ou mitigar conflitos. A cortesia é uma estratégia
para poder manter as boas relações, como fica claro no modelo proposto por Brown &
Levinson (1987):
34 Se fala, nesses casos, de usos estratégicos da cortesia, no sentido de que a formulação linguística
empregada pode utilizar-se para amortecer ou potencializar os efeitos desejados de um determinado ato:
quando supõem uma certa imposição sobre o interlocutor, ao emissor pode interessar valer-se dos meios
linguísticos disponíveis para compensá-lo.
60
Figura 8: Classificação das diferentes estratégias dos emissores em função do grau de imposição que
suponha a ação que se quer realizar e do tipo de relação entre os interlocutores.
Apesar das vantagens e do alto grau explicativo de suas categorias, sabe-se que
as teorias propostas por Brown e Gilman (1960) e Brown & Levinson (1987) foram
revisitadas por outros autores, como Bravo (1999, 2003) e Bravo e Briz (2004), que
questionam a validade da teoria proposta por Brown & Levinson para algumas
sociedades. Os autores argumentam que há um etnocentrismo sociocultural da teoria. As
críticas provêm de estudos empíricos em que se questiona a validade universal das
noções de “pessoa” (self), imagem/face social (face), o que se entende por cortesia
(politiness), o que é considerado amenizador (face-threat) e as relações de poder e
solidariedade nos termos de Brown e Gilman (1960). Segundo as críticas, tais
construções teóricas estão definidas por delimitações semânticas que são determinadas
socioculturalmente e que, por isso, constituem-se insuficientes para serem usadas como
parâmetros panculturais. Nesse sentido, pesquisadores afirmam que a teoria de Brown
& Levinson se aplicaria melhor em sociedades anglogermânicas, em que a estratificação
social é mais bem delimitada, diferentemente das sociedades provenientes da América
do Sul. Do mesmo modo, as relações de poder/solidariedade se alteraram com o passar
do tempo e seriam mais facilmente percebidas em sociedades bastante hierarquizadas.
No entanto, para a realização deste trabalho, leva-se em conta os princípios
norteadores da teoria proposta por Brown & Levinson e de Brown & Gilman pelo fato
do corpus escolhido para análise pertencer aos séculos XIX e XX, em que a sociedade
brasileira, principalmente até a metade do século XX, ainda continha uma
61
hierarquização social maior e mais bem definida. Não se pode esquecer que os membros
das diferentes famílias pertencentes ao século XIX e início do século XX ainda deviam
sentir os reflexos sócio-históricos de uma sociedade com resquícios da era escravagista.
Além disso, nesse período, ainda não existia a classe burguesa propriamente dita e a
estrutura familiar ainda era presa aos padrões pré-estabelecidos ao longo da história: o
pai provedor e com total autoridade sobre a família, a mãe como cuidadora do lar e os
filhos como sendo submissos, o que talvez não fique tão claro ao analisar o corpus
sincrônico.
Cabe ressaltar ainda com Levinson (1989), a correlação que pode ser
estabelecida entre os estudos pragmáticos e sociolinguísticos. Estes não são exclusivos,
porém podem ser complementares, visto que em seu trabalho discutem-se os limites e
alcances dos dois referenciais teóricos. De acordo com o autor, a sociolinguística
interessa-se pelo valor que uma determinada forma de tratamento carrega. Além disso,
observa as características do falante (sexo, grupo social, escolaridade, idade, etc) em sua
relação com o destinatário, analisando os fatores linguísticos e extralinguísticos que
determinam os usos variáveis. A pragmática, por outro lado, preocupa-se pela
justificativa de tal forma ter sido utilizada em um determinado contexto e qual o efeito
que essa escolha pode ter para o destinatário da ação, daí sua pertinência.
Definidos os principais aportes teóricos que embasam o estudo, apresentam-se
na sequência os grupos de fatores que foram controlados para a análise e controle dos
dados levantados na amostra de cartas.
62
3.5 – Os grupos de fatores
Serão brevemente apresentados os grupos de fatores controlados para a análise
da variação entre teu/seu. Optou-se pela descrição detalhada dos fatores e
exemplificação de cada grupo, além da menção às hipóteses na seção em que se
apresentam os resultados obtidos nas análises multivariadas. No geral, a formulação dos
grupos baseou-se em outros estudos sobre o mesmo tema (Arduin, 2005; Soares, 1999)
e nos pressupostos teóricos adotados para a análise. Os grupos de natureza linguística
foram elaborados no sentido de oferecer uma descrição de qual das duas formas é
utilizada nas missivas e em quais contextos estruturais há favorecimento de uma forma
em detrimento de outra. Por outro lado, os fatores extralinguísticos são responsáveis por
caracterizar o processo de variação e de mudança.
As variáveis linguísticas
(1) Número da forma possessiva
O objetivo de analisar esse grupo de fatores é observar se o número (singular ou
plural) em que a forma possessiva se encontra pode interferir na utilização dos
possessivos teu/seu. Trata-se de um grupo de controle, pois não havia uma hipótese
prévia para esse grupo.
(2) Gênero da forma possessiva
Assim como o grupo de fatores anterior, o objetivo de analisar esse grupo em
específico é verificar se o gênero (masculino ou feminino) que o possessivo possui afeta
a distribuição das formas possessivas. Trata-se também de um grupo sem hipótese
prévia, por isso, utilizado para controle.
(3) Referente do possessivo
Como uma das hipóteses norteadoras do trabalho é a de que o possessivo seu
acompanha o comportamento do pronome você e este, tanto pode referir-se à segunda
pessoa do discurso, quanto pode ter uma referência genérica, acredita-se que é mais
63
provável que as formas possessivas teu/seu concorram para ver qual será o possessivo
mais empregado ao reportar-se à segunda pessoa do discurso, enquanto o pronome seu,
a princípio, é o único que poderia referir-se a posses genéricas.
(4) Correlação entre sujeito e possessivo: simetria do tratamento
Estudos anteriores sobre a variação entre tu e você35 mostraram é possível
estabelecer uma correlação entre o sujeito utilizado nas missivas e os outros subtipos
pronominais empregados do mesmo paradigma, isto é, em cartas em que o emprego de
sujeito é tu, há maior probabilidade de serem encontrados pronomes ligados a ele, como
teu, te, entre outros. Da mesma maneira, em cartas cujo sujeito é você, percebe-se maior
emprego de formas ligadas a este pronome, como seu, lhe, entre outros.
Assim, nesse grupo de fatores controlaram-se quatro fatores: (i) carta de tu; (ii)
carta de você; (iii) carta em que há mescla entre tu e você e (iv) carta de vossa mercê.
Pretende-se verificar se existe ou existiu simetria no paradigma pronominal, observando
inclusive que possessivo é produtivo quando o missivista emprega as duas formas (você
e tu) em uma mesma carta.
(5) Pronome sujeito mais próximo
Como já foi comentado no grupo de fatores anterior, a hipótese na qual se baseia
tal grupo seria a de que formas originalmente do paradigma de tu tendem a ser
antecedidas por formas do mesmo paradigma, no caso, tu (nominativo)/teu (genitivo),
enquanto formas do paradigma de você são antecedidas por formas de você: você
(nominativo)/seu (genitivo). Nesse grupo de fatores foram controlados cinco fatores: (i)
tu pleno: Tu sabes que a tua cartinha muito me agrada; (ii) tu nulo: Sabes que a tua
cartinha muito me agrada; (iii) você pleno: Você sabe que a sua cartinha muito me
agrada; (iv) você nulo: Sabe que a sua cartinha muito me agrada e (v) sem sujeito: A
tua cartinha muito me agrada.
(6) Tipos de posse
35 Conferir Rumeu (2008), Souza (2012), Pereira (2012), Silva (2012).
64
De certo, como afirma Barros (2006), “a inalienabilidade não é determinada pela
cultura, ainda que seja motivada por ela; assim, cada língua desenvolve mecanismos
formais para refletir a diferente dependência conceptual entre, por exemplo, nomes
relacionais e não-relacionais”.
Nesse sentido, estipularam-se tipos de posse que poderiam ocorrer nas missivas
tais como inalienável e alienável. A posse inalienável compreende partes do corpo e
relações de parentesco, ou seja, tudo aquilo que não pode ser “adquirido”, sendo uma
posse intrínseca. Vale ressaltar que no livro Gramática de usos do Português, Neves
(2006, p. 488), quando trata das relações semânticas expressas pelo possessivo, explica
esse tipo de posse como aquela a que se refere a possuídos, que não podem, a princípio,
ser separados do possuidor, como ocorre, por exemplo, com as partes do corpo: teu
olho, seu espírito, teu lado machista. Por outro lado, as posses alienáveis são reservadas
a bens adquiridos e transferíveis.
A classificação binária tradicional não satisfaz todas as relações encontradas no
corpus, por isso, sugeriu-se uma nova especificação. Assim, quais os contextos
favorecedores de seu? E quais são os contextos que restringem sua implementação?
(7) Animacidade do sintagma possessivo
Nesse grupo de fatores foram controlados quatro fatores: (i) (+ animado, +
humano); (ii) (+ animado, - humano); (iii) inanimado e (iv) não se aplica, embora só
tenham sido encontrados sintagmas possessivos [+ humano] e [inanimado] na amostra.
Estudos apontam para o maior emprego de teu quando o possessivo faz referência a
seres com a característica [+ animado]. Por outro lado, a forma possessiva seu ganha
destaque ao fazer referência a seres [- animado]. Assim, tal grupo pretende confirmar o
resultado apresentado por outros estudos.
(8) Posição do possessivo em relação ao nome
Os pronomes possessivos foram analisados de quatro maneiras distintas: (i)
anteposto ao nome, em (17); (ii) posposto ao nome, em (18); (iii) sem aplicação de
posição (elipse nominal) em 19 e (iv) predicativo (esse carro é teu) como se vê a seguir:
65
(17) “Bem desejo que continues a pas- | sar bem de tua dupla
existencia, referin- | do me ao teu marido e tríplice pelo | fructo
abençoado e proximo do teu feliz | consorcio.” (Família Pedreira, em
05/02/1877)
(18) “Não tenho recebido letras | suas, mas como Você tem podido | il
correspondencia com a | vossa mãe e irmã eu por | esse meio obtenho
sempre no | ticias vossas” (Família Pedreira, em 20/05/1886)
(19) “Querido Misael | Desejei escrever-te em papel do for- | mato do
teu, e este foi o que mais se- | approximou.” (Família Ottoni, carta de
Christiano Ottoni para seu neto, Misael Ottoni, em 26/02/1885)
Estudos como o de Castro (2006) mostram que quando o pronome possessivo
está anteposto ao nome há interpretação definida dessa posse, ou seja, segundo a
argumentação de Borges Neto (1978, 1986), tal possessivo delimita a classe do nome.
Por outro lado, possessivos pós-nominais apresentariam interpretação indefinida.
(9) Localização do possessivo no documento
Nesse grupo de fatores, há cinco localidades em que os pronomes possessivos
podem aparecer ao longo de uma carta: (i) antes do cabeçalho; (ii) captação de
benevolência; (iii) núcleo da carta; (iv) despedida e (v) observações posteriores a
despedida.
Assim, o objetivo é se a forma possessiva estaria influenciada pela estruturação
mais fixa e cristalizada do documento, como ocorre no gênero carta. Há estruturas
específicas que se repetem seja na “captação de benevolência” seja na seção de
despedida. Nesse sentido, esse grupo é relevante para saber quando as formas
possessivas estão em variação de fato ou não.
As variáveis sociais
(10) Gênero
Diversos estudos36 em diferentes áreas da linguística – pesquisas fonéticas e
morfossintáticas – evidenciaram que a variável gênero estaria ligada à escolha de uma
36 Cf. Rumeu (2008), Lopes e Machado (2005), entre outros.
66
dada forma variante em detrimento de outra(s). Tais pesquisas confirmam a hipótese de
Labov (1990), de que, no que se refere aos processos de variação, as mulheres tendem a
usar formas que se aproximam da norma padrão, evitando os usos linguísticos
socialmente estigmatizados. Desta maneira, acredita-se que o gênero está
intrinsecamente ligado às mudanças linguísticas e a introdução de novas formas ao
sistema.
Baseando-se em tais afirmações, seria possível questionar se esta variável estaria
ligada à inserção da nova variante – seu – no sistema pronominal de segunda pessoa do
português brasileiro? Os princípios postulados por Labov (1994) conseguem ser
perfeitamente aplicados em sincronias passadas? Homens e mulheres possuem
comportamentos diferenciados? Trabalhos de mesmo cunho (RUMEU, 2008) mostram
que as mulheres seriam as grandes propulsoras na inserção da forma você no sistema
pronominal do português brasileiro, por isso, seria a utilização de seu mais expressiva
em cartas femininas?
(11) Faixa etária
O controle da faixa etária seguiu o estudo de Souza (2012). Observou-se, desse
modo, a idade do escrevente, controlando se haveria assimetria ou simetria em termos
etários. Têm-se as seguintes possibilidades combinatórias: (i) um missivista pertencente
à faixa etária jovem (até 29 anos); (ii) um missivista pertencente à faixa etária adulta
(entre 30-60 anos); (iii) um missivista pertencente à faixa etária idosa (acima de 60
anos) e (iv) quando não há qualquer identificação sobre a idade do missivista.
Objetiva-se, com esse grupo, verificar se há divergência de comportamento
linguístico no que tange as formas possessivas a depender da faixa etária do missivista,
como já apontou Arduin (2005). Além disso, como o estudo é de longa duração, é
possível identificar se um mesmo missivista muda seu comportamento linguístico no
decorrer dos anos.
(12) Parentesco dos missivistas
O parentesco com o destinatário poderia interferir diretamente na escolha de
uma das formas de tratamento em detrimento de outra, uma vez que o maior ou menor
grau de intimidade entre os interactantes pode afetar as formas possessivas por eles
67
empregadas. Nesse sentido, acredita-se que relações mais próximas tenderiam ao uso de
teu, enquanto o possessivo seu seria mais empregado em relações cuja proximidade
entre os interlocutores não seja tão forte.
No presente trabalho, podem ser estabelecidas diferentes tipo de relações entre
os interlocutores: mãe/filho, pai/filho, tio/sobrinho, irmão/irmão, cunhado/cunhado,
esposo/esposa, esposa/esposo, entre outros.
(13) Período
De acordo com o estudo de Duarte (1995), é a partir da década de 30 que a
forma você se implementou no sistema pronominal do português brasileiro, como foi
comprovado pelo estudo de Souza (2012). Logo, o rearranjo pronominal que se defende
é posterior a esse período. No entanto, parte das cartas escritas utilizadas nesta análise é
de um período anterior à mudança, por isso, acredita-se que quanto mais afastado do
período mencionado no estudo de Duarte, maior utilização de teu, enquanto a maior
utilização de seu se daria nas décadas mais próximas dos anos 30 do século XX e
posteriormente.
(14) O subgênero da carta particular
O estudo de Pereira (2012), ao analisar o sujeito em cartas pessoais da família
Penna, apontou divergências nos resultados a depender do tipo de missiva. Dessa forma,
faz-se importante diferenciar, no presente estudo, os subgêneros que podem aparecer
nas diversas cartas que integram o corpus: (i) pessoal (entre amigos); (ii) amorosa (entre
casais) e (iii) familiar (entre membros de uma mesma família). Com esse grupo de
fatores, objetiva-se verificar se há diferenciação no uso das formas possessivas a
depender do tipo de carta escrita.
(15) Localidade
As cartas que compõem o corpus do presente trabalho foram escritas por
diferentes pessoas, de diferentes períodos históricos e de diferentes localidades. Assim
sendo, há nove diferentes localidades de onde podem ter partido as missivas: (i) Minas
Gerais; (ii) Bahia; (iii) Rio de Janeiro; (iv) Santa Catarina, (v) Rio Grande do Norte, (vi)
68
Sergipe, (vii) Ceará, (viii) São Paulo, (ix) fora do Brasil. Objetiva-se, com esse grupo,
observar como as formas possessivas são distribuídas a depender da localização dos
missivistas.
Os dados foram levantados nas cartas e codificados segundo os grupos de fatores
apresentados. O pacote de programas Golvarb X foi utilizado para realizar a análise
quantitativa das ocorrências, que, após codificadas e revistas, foram realizadas rodadas
gerais e parciais como será discutido no próximo capítulo.
69
4- Pronomes possessivos: resultados encontrados
A análise da variação dos pronomes possessivos de segunda pessoa baseou-se
em uma amostra de 363 cartas pessoais, distribuídas pelo período temporal de 100 anos:
entre 1870 e 1970. Nessas missivas foram encontradas 1.376 ocorrências de pronomes
possessivos, com predomínio geral de teu sobre seu na totalidade da amostra. Foram
1041 dados de teu (76%) e apenas 335 dados de seu/sua (24%).
A maior parte desses dados ocorreu em posição pré-nominal, como em tua/sua
casa: 1148 ocorrências, sendo 301 ou 26% de seu. Na amostra só foram encontrados 89
dados de possessivos em posição pós-nominal, caso de casa tua/sua, em que 19
ocorrências, o equivalente a 21%, eram de seu. Foram encontrados 136 casos do
possessivo seu em posição elíptica, ou seja, quando o nome fica subentendido, por
exemplo, Que esta te vá encontrar boa de saude assim como aos teus, em que teus
refere-se a parentes ou familiares; e, por fim, apenas três ocorrências do pronome seu
em posição de predicativo, como em esta zona e sua e do Doutor Britto, em que seu foi
mais produtivo com duas ocorrências.
Além disso, cabe comentar que apenas quatro ocorrências de pronomes
possessivos foram encontradas antes do cabeçalho da carta, sendo apenas uma (25%) de
seu. Na captação da benevolência, isto é, parte da carta em que o remetente faz os
contatos iniciais com o destinatário, localizaram-se 316 dados, sendo 110 deles (35%)
do pronome seu. O núcleo da carta, por sua vez, foi o local com mais ocorrências de
pronomes possessivos de forma geral: 731, sendo 168 apenas de seu (23%). Na
despedida, foram localizadas 306 ocorrências, somente 54 de seu (18%) e no P.S., ou
seja, informação posterior a despedida, 19 dados, sendo dois (10%) do possessivo seu.
Apesar de não ser o cerne do trabalho, foram encontradas três construções de de-
possessivos com valor de posse, como visto a seguir:
(12) “Domingo recebi 4 carta 3 é de voce e 1 é | do meu irmão
Zezinho eu fiquei muito contente” (Casal Jayme e Maria, em 11 de
Outubro de 1936)
(13) “Meu querido filho | A boa saúde de voce, e seus irmaõs, | é o que
eu desejo.” (Família Land Avellar, em 22 de julho de 1917)
(14) “Estou esperando | a minha foto, magra | ou gorda de voce.”
(Família Lacerda, em 25 de agosto de 1978)
70
Percebe-se que o pronome teu teve uma presença significativa nos resultados
globais de maneira geral, no entanto, não teve uma distribuição regular ao longo de 100
anos, como ilustrado no gráfico a seguir:
84%87%
99%
70%
44%
79%
97%
0%4%
16%13%
1%
30%
56%
21%
3%
100% 96%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
1870 1880 1890 1900 1910 1920 1930 1940 1970
Teu Seu
Gráfico 1: A distribuição de teu/seu ao longo das décadas
O gráfico mostra que o fator temporal é de extrema importância para a análise da
variação das formas possessivas teu/seu entre nos anos de 1870 a 1970. Embora se
tenha o predomínio de teu quando se observa a totalidade da amostra referente ao Rio
de Janeiro, é possível perceber avanços e recuos que sinalizam para uma mudança de
comportamento no uso dos possessivos de segunda pessoa. Notam-se, primeiramente,
altos índices de teu/tua no final do século XIX, entre os anos de 1870 a 1890. Nas
décadas seguintes (de 1900 a 1930) há oscilações nas frequências das duas variantes,
principalmente na década de 1910. Os valores tão próximos de teu e seu nessa década
em específico se dá pelo fato das cartas que compõem esse período serem peculiares:
tais missivas são pertencentes a famílias de políticos e, muitas vezes, percebe-se uma
grande dificuldade dos remetentes em separar o parentesco do cargo político. Assim,
nessas cartas embora houvesse um tio/pai escrevendo ao seu sobrinho/filho, na verdade,
a relação estabelecida era a de um homem pedindo favores políticos ao parente
71
importante. Dessa forma, essa década acaba apresentando um comportamento
diferenciado das demais. Em seguida, por fim, pelo uso majoritário de seu/sua, a partir
de 1940.
Tais resultados estão em confluência com o estudo de Machado (2011). A autora
observou o comportamento de diferentes formas de tratamento ao colocutor no
português brasileiro e europeu nos séculos XIX e XX, através da análise de 29 peças
teatrais escritas ao longo desse período. O gráfico abaixo, extraído do estudo em
questão, diz respeito ao emprego e tu e você, na posição de sujeito, na amostra:
Gráfico 2: Frequência de uso de tu e você em peças teatrais brasileiras (adaptado de MACHADO, 2011)
Os resultados da pesquisadora mostram que há um predomínio de tu do meado
do século XIX até as primeiras décadas do século XX, quando as formas entram
variação. A partir de 1930, você passa a ser mais empregado, suplantando o pronome tu.
Apesar do estudo de Machado (2011) ser ímpar para o campo linguístico, a autora faz
uma descrição geral das formas de tratamento encontradas nas peças brasileiras
comparando-as com peças portuguesas. Assim, há referência a diferentes formas de
tratamento e não só à variação entre tu e você, por isso, o estudo realizado por Souza
(2012) mostra-se relevante para entender tal disposição. Em seu trabalho, a
pesquisadora analisou 354 cartas redigidas por pessoas oriundas do Rio de Janeiro ou
72
que viveram a maior parte da vida no estado. A autora também delineou
cronologicamente o comportamento linguístico da variação entre tu e você, na posição
de sujeito, no período de 1870 a 1970. O gráfico de Souza (2012), reproduzido a seguir,
ilustra tal mapeamento no decorrer de 100 anos:
Gráfico 3: a variação entre tu/você, na posição de sujeito, ao longo de 100 anos (extraído de Souza, 2012,
p.90)
Com base nesses resultados, Souza (2012) traçou três períodos temporais para o
processo de variação das formas pronominais de segunda pessoa na posição de sujeito.
O primeiro corte temporal refere-se aos anos de 1870 a 1890, em que há maior
utilização de tu em detrimento de você. O estudo de Souza (2012) mostra, no entanto,
que, nesse período, as duas estratégias não eram formas variantes no sentido estrito da
palavra, já que não eram empregadas nos mesmos contextos discursivo-pragmáticos: tu
era mais empregado por homens e, principalmente, nas relações mais informais e
próximas entre os interlocutores das missivas, ao passo que você era mais produtivo na
escrita das mulheres, marcando deferência, distanciamento ou sendo uma forma de
mitigar um ato de ameaça à face do interlocutor.
73
Assim, nesse segundo corte temporal, nota-se, a partir do gráfico de Souza
(2012), a coexistência das duas estratégias com porcentagens mais equilibradas. Além
disso, tu e você passam a dividir os mesmos espaços funcionais, caracterizando-se como
variantes propriamente ditas. Isso se deve ao fato de a forma você ampliar seus
contextos de uso, deixando de ser empregada apenas como uma forma de suavizar um
ato ameaçador à face do interlocutor e perdendo o seu caráter de deferência e
distanciamento social observado em fins do século XIX. Assim sendo, para o período de
1900 a 1930, Souza (2012) defende uma fase de variação entre tu e você, fato que
corrobora o estudo de Duarte (1993), em que esta autora afirma que é a partir de 1930
que você passa a ser realmente produtivo no português brasileiro.
No último período temporal, isto é, aquele alocado entre as décadas de 1940 a
1970, percebe-se o emprego quase que categórico de você, em detrimento de tu, que cai
em desuso no corpus. Souza (2012) observa que, nesse período, você passa a substituir
o pronome tu em todos os seus espaços funcionais, o que também dialoga com os
resultados observados por Rumeu (2008), uma vez que a autora, ao realizar um estudo
de longa duração com base em cartas pessoais de uma mesma família, também verificou
que entre os anos de 1920 a 1945 a forma você mostra-se mais produtiva do que tu na
posição de sujeito. O comportamento linguístico identificado em fontes documentais
distintas – carta e peças teatrais – evidencia que os resultados não estão associados à
natureza do gênero, mas sim, representa uma variação em curso da própria língua.
Assim sendo, assume-se, no presente estudo, que as formas variantes teu/seu,
por hipótese, acompanham o comportamento das formas de tratamento na posição de
sujeito e, por isso, foram realizadas rodadas parciais, de acordo com as fases temporais
postuladas por Souza (2012).
Nesse sentido, para a realização da presente pesquisa, optou-se por realizar
quatro rodadas distintas: (i) a rodada geral, com a análise das 1.376 ocorrências a fim
de verificar quais os grupos de fatores são significativos para entender a variação entre
as formas possessivas ao longo de 100 anos; (ii) a fase 1, isto é, o período referente às
décadas de 1870-1899, em que foram encontrados 397 dados. Espera-se, a exemplo da
variação entre tu e você no mesmo período temporal, que as formas possessivas não
sejam variantes stricto sensu, como será discutido pormenorizadamente nas próximas
seções; (iii) a fase 2, que corresponde ao período temporal de 1900 a 1939 com 799
dados, provavelmente apresentará maior variação entre as duas formas possessivas; e,
por fim, (iv) a fase 3, dessarte, o período temporal correspondente às décadas de 1940-
74
1979, em que se encontrou 122 ocorrências de formas possessivas, com maior utilização
de seu.
A tabela a seguir apresenta os grupos de fatores selecionados em cada período
temporal específico:
Tabela 7: Divisão para a análise
A tabela 7 apresenta alguns aspectos interessantes a serem observados.
Primeiramente, destaca-se que, os grupos de fatores selecionados nem sempre são os
mesmos, o que reforça a divisão da amostra em períodos temporais. Além disso, é
significativo mencionar que houve predomínio na seleção de grupos de fatores
extralinguísticos sobre os linguísticos. Destes últimos, apenas quatro grupos de fatores
foram selecionados pelo programa de regras variáveis Goldvarb: sujeito na totalidade
da carta e tipo de posse, na rodada geral e na fase 2 (1900-1939) e traço do gênero do
possessivo e animacidade do sintagma possessivo, na fase 3 (1940-1979). Ressalta-se
que nenhum grupo de fatores linguístico foi selecionado na fase 1 (1870-1899).
Por outro lado, os grupos de fatores extralinguísticos foram sistematicamente
selecionados nas diversas rodadas realizadas no estudo da variação entre teu/seu: faixa
etária, parentesco, período, gênero, subgênero da carta e localidade. É importante
salientar que tais grupos repetem-se sistematicamente em três das quatro rodadas, já que
a fase 3 foi o único período temporal em que nenhum grupo de fatores extralinguístico
foi selecionado. Nesse sentido, faixa etária, parentesco e localidade repetem-se em três
rodadas (rodada geral, fase 1 e fase 2) e os grupos de fatores restantes aparecem em dois
Rodada Geral Fase 1 (1870-
1899)
Fase 2 (1900-
1939)
Fase 3 (1940-
1979)
Fatores
Linguísticos
Sujeito na
totalidade da
carta
Não houve Sujeito na
totalidade da
carta
Traço de
gênero do
possessivo
Tipo de posse Tipo de posse Animacidade
do sintagma
possessivo
Fatores
Extralinguísticos
Faixa etária Gênero Gênero Não houve
Parentesco Faixa etária Faixa etária
Período Parentesco Parentesco
Subgênero da
carta
Período Subgênero da
carta
Localidade Localidade Localidade
75
dos três recortes temporais, como o caso de período (rodada geral, fase 1), gênero (fase
1 e fase 2) e subgênero da carta (rodada geral, fase 2).
Em função da distinção temporal proposta para o trabalho e dos grupos de
fatores aparecerem recorrentemente, os resultados serão apresentados de maneira
comparativa, a fim de que a análise torne-se menos repetitiva. Desse modo, apresentar-
se-á, primeiramente, a análise referente aos grupos de fatores linguísticos selecionados
para, em seguida, serem discutidos os resultados relacionados aos grupos de fatores
extralinguísticos.
76
4.1- Os fatores linguísticos selecionados
4.1.1- Sujeito na totalidade da carta
O primeiro grupo de fatores apontado pelo programa estatístico Goldvarb X
(SANKOFF; TAGLIAMONTE; SMITH, 2005), como sendo relevante para a análise,
foi a forma empregada na posição de sujeito na totalidade das cartas. A hipótese inicial
do trabalho era a de que a variação teu/seu, aparentemente, acompanha a forma do
mesmo paradigma empregada na posição de sujeito: o possessivo teu seria empregado
em cartas com a forma tu na posição de sujeito, do mesmo modo que o possessivo seu
estaria presente em cartas com você na posição de sujeito. Entretanto, seria necessário
investigar que forma possessiva emerge quando há a variação entre tu e você em uma
mesma carta. O aumento de seu acompanhou a inserção de você no paradigma de
segunda pessoa a partir de 1930 como mostrou Souza (2012)?
Diversos estudos demonstraram que a mescla tratamental ou falta de simetria de
formas do mesmo paradigma, seja de tu seja de você, já se fazia notar a partir de fins do
século XVIII (cf. Machado (2006), Lopes (2008), Rumeu (2008), Marcotulio (2008),
Pereira (2012,) Souza (2012), Silva (2012), Oliveira (2014) e Souza (2014). No
exemplo a seguir, extraído de uma carta escrita pelo Marquês do Lavradio, em 1775,
verifica-se a combinação de você (Fique você) com formas do paradigma de tu (tu
deves, satisfizeres, te):
(15) “como tu medeves resposta dehuã grande Carta que te escrevi,
quando Satisfizeres esta divida: eu mefarei novamente devedor. Fique
você embora com ósseo Sigarro em quanto eu cá vou uzando da
minha agoá fria” (Marcotulio 2013, 145)
Para o controle dessa correlação entre sujeito e formas possessivas, foram
observados quatro tipos diferentes de cartas: (i) aquelas com uso de você sujeito; (ii)
cartas com emprego exclusivo de tu sujeito; (iii) cartas em que apareciam tanto você
quanto tu na posição de sujeito; (iv) cartas em que não havia qualquer referência ao
sujeito empregado, ou seja, cartas sem tratamento de sujeito específico, apenas
vocativos na saudação ou formas verbais na terceira pessoa do singular.
Acredita-se que, baseado nos estudos supracitados sobre estudo de diferentes
subtipos pronominais e nas hipóteses mencionadas, em cartas cujo sujeito é tu,
encontrar-se-ão formas pronominais relacionadas a esse pronome reto. Da mesma
forma, em cartas cujo sujeito é você, serão observadas as formas pronominais que se
77
relacionam à terceira pessoa. Assim, a grande questão para esse grupo é buscar delinear
qual pronome possessivo aparecerá em cartas com mistura entre tu e você e em cartas
sem referência explícita do sujeito. Postula-se que o emprego de seu estaria
intrinsecamente ligado ao uso de você: quando você vai gradativamente aumentando sua
frequência como pronome de segunda pessoa ao lado de tu, as outras formas do
paradigma original de segunda pessoa, ou seja, do paradigma de tu tenderiam a também
diminuir.
Nas rodadas parciais feitas neste trabalho, a forma de referência à segunda
pessoa que ocorria na posição de sujeito (você, tu, você/tu ou sem referência) foi
selecionada como relevante na análise multivariada da rodada geral com todos os dados
e na rodada da fase 2 – 1900 a 1930. Para facilitar a análise comparativa, entretanto,
serão apresentados, na tabela a seguir, os resultados da variação teu/seu, em todas as
rodadas, levando-se em consideração qual era o sujeito de 2a pessoa empregado nas
missivas:
Tabela 8: A distribuição de seu a depender do tipo de sujeito em todas as rodadas
Os resultados apresentados na tabela 8 confirmam o que a hipótese postulara: em
todas as rodadas existe uma tendência para a manutenção das formas do mesmo
paradigma. Em cartas com uso exclusivo de você sujeito houve favorecimento para o
emprego de seu, ao passo que nas cartas em que ocorria o emprego restrito de tu na
posição de sujeito a utilização desse possessivo foi desfavorecida. Tal constatação é
Rodada geral Fase 1 Fase 2 Fase 3
Fatores Seu Seu Seu Seu
Somente tu 33/724 – 5% –
0.248
5/300 – 2% 24/392 – 6% –
0.207
–
Somente você 235/269 – 87% –
0.946
11/31 – 35% 110/121 – 91% –
0.999
97/101 –
96%
Mista 31/307 – 10% –
0.410
5/42 – 12% 16/254 – 6% –
0.205
10/11 –
91%
Sem
referência
explícita
37/75 – 49% –
0.874
12/23 – 52% 7/32 – 22% –
0.656
–
78
reiterada pelos pesos relativos observados nas rodadas geral (0.946 e 0.248) e fase 2
(0.999 e 0.207), respectivamente.
Há outros aspectos que podem ser depreendidos a partir da análise da tabela 8. O
primeiro deles refere-se aos resultados relativos a cartas em que não há qualquer
referência de sujeito. Nota-se que, nesse contexto, houve maior favorecimento do uso de
seu com 0.874 na rodada geral e 0.656 na rodada da fase 2 (1900-1939). Tal
favorecimento nas cartas sem sujeito de segunda pessoa explícito dá indícios, como será
discutido na análise dos exemplos mais adiante, de que o possessivo seu pode ter
mantido alguma propriedade original de pessoa menos marcada do seu antigo
paradigma de terceira pessoa. Atualmente, seu mais do que teu é usual ao lado de você
como estratégia de indeterminação do sujeito com referência arbitrária, em construções
do tipo: Mas se você não cuida do seu mau aluno, ele vai embora. A ausência de um
tratamento de segunda pessoa explícita nas cartas analisadas estaria sendo interpretado
como um dos contextos que favoreceu essa leitura indeterminada que seu assumiu mais
recentemente como possessivo polifuncional.
Outro aspecto refere-se às cartas mistas. Nesse caso, houve uma mudança de
comportamento de uma fase para outra. Nas cartas mais antigas, quando se empregava
tu ou você numa mesma carta na posição de sujeito, o emprego de teu era favorecido.
Isso ocorreu até 1930 como mostram os pesos relativos bastante baixos de seu na
rodada geral (0.410) e na fase 2 (0.205). Apesar dos poucos dados da fase 3, o que não
permitiu uma análise multivariada, os percentuais de frequência indicam o forte
predomínio seu com 91% nesse contexto. Tais resultados evidenciam também o
espraiamento de seu como segunda pessoa independentemente do uso de tu ou você na
posição de sujeito.
Interessante observar que, no que se refere ao sujeito empregado nas cartas, não
há diferenças substanciais de uma rodada para a outra. Os exemplos a seguir ilustram o
emprego de possessivos em correlação com o sujeito das missivas no corpus:
(16) “Antes de tudo, rendamos graças á Deos | pela continuação da
saude e paz de espirito | que gosas em paz com os teus e toda Santa
Fé. | [espaço] Vou seguir o exemplo que me dás | na ultima carta, que
separou me de tua | Mãe, escrevendo me – á mim, assim como | aella
á parte.” (Família Pedreira, em 4 de outubro de 1879)
(17) “Você recebeu a mi- | nha ideia a respeito da capa, quero sua o- |
pinião e o nome, o que lhe parece? é uma | sugestão Imperial. Em
79
seguida ao | seu prefacio, vou fotografar a carta | do Wahington, que
mencionei, e depois, | vem a "Explicação necessaria" etc. etc..”
(Família Brandão, em 20 de outubro de 1966)
Em (16), tem-se uma carta de uso exclusiva do sujeito tu, que é possível
verificar pelo emprego das formas verbais gosas e dás, assim, o possessivo empregado
segue o sujeito da missiva: teus e tua Mãe. Nesse viés, em (17), exemplifica-se uma
carta de você exclusivo, através da presença do pronome em Você recebeu e,
posteriormente, o emprego de formas possessivas relacionadas ao pronome de terceira
pessoa: sua opinião e seu prefácio. O exemplo a seguir ilustra um trecho de uma carta
mista:
(18) “Recebi suas cartas, mas | com um dia de demora | D’ ahi resulta
só hoje | poder enviar lhe a | incommenda. | Como tens Você, a tua |
Mãe e Marido e Pae | e irmãos passado?” (Família Pedreira, em 7 de
fevereiro de 1877)
Em (18), percebe-se a mistura de tratamento em uma mesma carta, verificado
através da forma verbal tens associado ao uso de você. Assim, as formas possessivas
acompanham a variação das formas de segunda pessoa, aparecendo suas cartas no
início do exemplo e tua mãe, depois tens e você. É interessante ressaltar que, embora o
peso relativo e as porcentagens tenham mostrado um favorecimento de teu nesse tipo de
carta, o trecho ilustra que, na verdade, quando há variação nas formas de sujeito, os
pronomes possessivos também se alternam. Os exemplos que virão a seguir
demonstram os usos encontrados em cartas sem referência explícita de sujeito:
(19) “Prezado parente e amigo F Brandão Neto || Por telegrama já lhe
agradeço as felicitações | que me mandou por motivo de meu anni- |
versario natalicio. Isso significa que recebi | Esperando sua resposta,
muito cordialmente | primo e amigo, | Washington Luis” (Fundo
Washington Luis, sem data precisa, década de 1940)
O exemplo (19) chama a atenção, pois demonstra o emprego do possessivo em
uma carta que não há qualquer referência de sujeito. Apesar de não haver sujeito
expresso, pelo conteúdo da carta e emprego de algumas palavras e expressões, como
Prezado parente e amigo e muito cordialmente, pode-se perceber certo distanciamento
entre remetente e destinatário, inferindo que os dois mantinham, bem possivelmente,
um relacionamento não tão próximo. Nota-se mais um exemplo:
80
(20) “Prima Sophia | (...) | Recebi sua carta de 22 de Agôsto, e agora a
de 25 do mesmo | mês encaminhando-me o livro do Dr. Martinho da
Rocha, sôbre o vul- | to de Dr. Francisco de Mello Franco. | Junto
envio-lhe um agradecimento ao Dr. Martinho da Rocha, | que rogo
fazer chegar a destino. | Dou-lhe os parabens por estar “na pista certa”
para encon-| trar os seus ascendentes do lado Mello Franco. A melhor
pista é | a que é marcada por documentos. | (...) | Pedindo que muito
me recomende afetuosamente a todos os se- | us, aqui fico sempre
pronto a dar-lhe quaisquer outras informa- | ções que estejam a meu
alcance. | Muito Cordialmente | Washington Luis” (Fundo Washington
Luis em 30/10/1949)
Novamente, percebe-se que há certo grau de distanciamento entre Washington
Luis e aquela a quem a carta se destina, mesmo sendo os dois parentes. Pode-se notar,
mais uma vez, que a carta não trata de assuntos íntimos, ou seja, seu teor não é de
proximidade. Além disso, o missivista se utiliza do termo cordialmente, que é
responsável por deixar clara a relação não íntima dos dois primos.
Nesse sentido, observou-se que, apesar de haver cartas em que não há qualquer
emprego direto de sujeito, é possível identificar pelo teor das missivas, se a carta
representa uma relação mais ou menos próxima entre remetente e destinatário. Assim
sendo, verificou-se que, nas cartas sem referência explícita a um sujeito tu, você ou o
senhor, quando há distanciamento entre remetente e destinatário, é comum o emprego
de seu com variações de gênero e número. Por outro lado, quando as missivas
ilustravam uma relação mais íntima entre os informantes, havia emprego de teu e
variantes. Seguem os exemplos:
(21) “Padre Jeronymo meu irmão querido | Antes de começar a
quaresma venho converçar um pou- | co comtigo ainda que por carta,
desde que não posso de | mos. Recebi hontem tua carta, muito te |
agradeço, precisava uma palavrinha de | meu irmão que tão bem
comprendeu | meu coração. Meu irmãosinho querido | nas tuas
orações ponha uma supplica | para que Nosso Senhor dé um geito na
mi- | nha vida. | (...) | [espaço] Adeus meu irmão querido, um gran- |
de abraço cheio de saudades. Muito gostei | da imagem que me
mandou | [espaço] Tua irmã que muito te estima | Sor Maria
Auxiliadora” (Família Pedreira, em 16/02/1926)
(22) “Querido Filho | [espaço] Tua carta escripta a 20 de fevereiro, |
veiu romper o involuntario silencio | que ha uns dois mezes reina entre
nós. | Ambos com o tempo bem tomado e | tranquillos a respeito dos
outros que sa- | bemos estarem no serviço de Deus e por- | tanto
81
entregues a um bom Senhor, vamos | deixando passar o tempo, mas
não se pas- | sa um dia sem que teu nome seja repe- | tido por mim
junto ao Altar. Tuas | noticias me consolaram muitissimo e | me vêm
sempre suavisar o espinho cons- | tante que o estado continuo de
Leonor | fere meu coração.” (Família Pedreira, em 23/09/1919)
Os exemplos mostram um comportamento interessante acerca dos possessivos.
Em (21) e (22), pode-se observar que, apesar de também não haver nenhum sujeito
explícito nas cartas, as mesmas caracterizam-se por apresentarem assuntos mais íntimos
e próximos, além do uso de expressões que deixam a proximidade entre remetente e
destinatário bem explícita, como querido. Desse modo, o possessivo empregado nas
mesmas é teu.
Os estudos realizados sobre a variação entre tu e você, na posição de sujeito,
como Rumeu, 2008; Pereira, 2012; Souza, 2012, mostram que, até o início do século
XX, o pronome tu era empregado em cartas cujas relações estabelecidas entre os
informantes eram bem próximas e íntimas, sendo utilizado, principalmente, por homens.
Já a forma você possuía um comportamento polifuncional, ora sendo variante do
pronome tu em contextos mais íntimos, ora sendo uma forma empregada para
demonstrar um caráter cerimonioso e distante entre remetente e destinatário.
Assim sendo, percebe-se que, aparentemente, os pronomes possessivos
acompanham o emprego dos pronomes na função de sujeito nesse mesmo recorte
temporal. Dessa forma, as formas possessivas não só acompanham o sujeito das
missivas, como a princípio se supunha, mas, também podem ser empregados tanto no
trato informal, como em ocasiões em que se exija mais cerimônia, principalmente no
que se refere ao emprego do possessivo seu. Como mencionado antes, o seu possessivo,
na diacronia, apresentava (e continua apresentando) o mesmo caráter polifuncional
descrito para o pronome você, aparecendo tanto em relações mais íntimas, como uma
variante do possessivo teu, quanto em cartas em que se nota distanciamento entre os
informantes.
Esse comportamento é um forte indicativo para que se estude a variação entre
teu e seu através de rodadas parciais divididas em lapsos temporais e, principalmente,
de maneira comparativa. A seguir será explicado o grupo de fatores tipo de posse.
82
4.1.2- Tipos de posse
Em seu estudo sobre a história dos possessivos em espanhol, Flores (2009)
retoma o conceito de posse estabelecido a partir dos diferentes tipos de relações entre
possuidor e o objeto possuído. A forma de manifestá-los depende não só dos recursos
gramaticais de cada língua, mas também de seu uso e contexto. Nesse sentido, os tipos
de posse comumente mencionados nas referências bibliográficas – alienável versus
inalienável – são considerados por Huerta Flores (2009) como os padrões mais
relevantes em diferentes línguas do mundo37. A distinção entre esses dois tipos de posse
é equivalente terminologicamente a separável versus inseparável ou transferível versus
intransferível.
Para a grande maioria dos autores, os conceitos de alienabilidade e
inalienabilidade são distinções de caráter semântico, em que a principal diferença
baseia-se na inerência natural entre o possuidor e o que é possuído (KLIFFER 1983;
LANGACKER 1995; SEILER 1983 e VELÁSQUEZ 1996). De maneira geral, o termo
inalienável refere-se a relações tipicamente possessivas, isso é, aquelas em que a
entidade possuída é inseparável de seu possuidor ou inerente a ele. Por outro lado,
alienável diz respeito à relação em que o objeto possuído é separável de seu possuidor,
sendo transferível e, portanto, passível de ser transferido a outro possuidor. Os
exemplos a seguir ilustram tais conceitos no corpus usado para análise:
(23) “A noite fui a tua casa, | qual a alegria que esperava-me, tinha
duas | cartas para mim, mal recebias fui ler, | as cartas eram dos dias
22 e 23 do | corrente, fiquei um pouco mais descansado, | mais um
pouco desaçosegado por saber que tens tido febre e | que a Hilda
tambem está meio adoentada.” (Casal Jayme e Maria, em 26 de
setembro de 1936)
(24) “Recebi a sua carta, | de tudo qto nella me diz fico sciente.”
(Land Avellar, em 5 de outubro de 1909)
(25) “Domingo sentirei as tuas mãos | de veludo acariciarem as
minhas, | sentirei o contacto do teu corpo com o meu, | ouvirei o seu
coração palpitando de desejos, e furtivamente lhe | beijarei varias
vezes || Previne a tua irmã que desceremos no trem de | 4 horas e 40
minutos, só irei eu teu pae e o Nelzinho | vae arrumando a tua mala,
(...)” (Casal Jayme e Maria, em 14 de outubro de 1936)
37 Chapell e McGregor (1996), Heine, (1997), Seiler (1983) e Velásquez (1996).
83
(26) “Só tu minha querida e que | poderás me dar socego, so o teu
amor | minha flor e que me poderá trazer | felicidade, tenho sentido
tanto a tua ausencia | que chego a julgar que tu não queres | mais
voltar mas esse pensamento morre logo, | porque vejo que tú não tens
culpa.” (Casal Jayme e Maria, em 25 de agosto de 1936)
Os exemplos (23) e (24) ilustram o emprego de posses alienáveis, visto que o
destinatário pode possuir uma casa e uma carta por um espaço de tempo em específico.
Entretanto, mãos, corpo, coração, irmã e pai representam a posse inalienável, no
exemplo (25), já que não são desvinculadas de forma alguma do possuidor, são
inerentes a ele.
É preciso lembrar que as posses inalienáveis em que o possuidor apresenta o
traço [+humano]38, como é o caso dos possessivos de segunda pessoa, restringem-se, na
bibliografia referente ao tema, basicamente a referências de parentesco e partes do
corpo. Entretanto, há itens como amor e ausência, exemplificados em (26), que não são
tipos canônicos de posse inalienável, mas foram considerados, no presente estudo, como
um subtipo de inalienabilidade, tendo em vista que são sentimentos não
necessariamente transferíveis a outros possuidores (cf. CHAPELL e MCGREGOR,
1996). A separação se justifica porque exemplos dessa natureza não possuem uma
noção tão clara de transferência como os inalienáveis clássicos.
Na tentativa de um controle maior sobre a semântica das ocorrências no corpus
foi feita tal subdivisão. Dessa forma, pensou-se em um continuum de transferência de
posse. Como se verá a seguir, nessa proposta, as posses alienáveis estariam em um
extremo do continnum, pois elas são passíveis de transferência de um possuidor a outro.
Figura 9: Continuum do tipo de posse
Pela figura 9, é possível perceber que às posses alienáveis é atribuído um valor
de transferência, enquanto, posses inalienáveis serem intransferíveis. Dessa forma, essa
38 Há estudos que levam em conta que o possuidor pode ser [-humano], como é o caso, por exemplo, das
relações de parte-todo: a bateria do celular, fruta da árvore, o quarto do hotel, o ponteiro do relógio, etc.
Em casos como esses, celular, árvore, hotel e relógio funcionariam como [+possuidor/todo] e bateria,
fruta, quarto e ponteiro como [+possuído/parte]. Nessa perspectiva, noção de inalienabilidade é bastante
mais ampla. Para detalhes ver o estudo recente de Melo (2015).
84
transferência só é possível devido a quase todas as palavras serem concretas ou terem
essa ideia, como no exemplo a seguir:
(26) “Como te agradecer meu filho tuas lettras!” (Família Pedreira-
Ferraz, em 17 de setembro de 1912)
No exemplo (26) lettras possui a conotação de cartas, algo alienável e de
natureza concreta. Compare-se esse exemplo com o que vem a seguir:
(27) “Devido a estar viajando [deixei] de a | 25 de 10bro escrever-te
felicitando pelo | teo aniversario nataliçio o que fasso | agora
desejando te muitos annos | de existençia e que brevemente estejas
ele- | vado pelos teos incontestados merecimentos | ao mais altos
postos do nosso paiz | e gloria e contentamento dos parentes.”
(Família Penna, em 6 de Janeiro de 1908)
O exemplo (27) ilustra a representação do outro extremo do continuum: a
impossibilidade de transferência a outro possuidor. Assim, teo aniversario e teos
merecimentos são pertencentes a apenas ao destinatário da carta e impossíveis de serem
repassados a terceiros. Além disso, diferentemente de tuas lettras (26), os termos em
destaques são abstratos e inerentes ao possuidor. Segue um outro caso:
(28) “Sinto me feliz em saber que tu me amas, | e que teu coração
pertence somente a mim” (Casal Jayme e Maria, em 13 de fevereiro de
1937)
Percebe-se que, em teu coração (28), embora não haja a possibilidade de
transferência a outro possuidor, o que faz com que seja considerado uma posse
inalienável, por esse substantivo ser concreto, há uma aproximação semântica entre essa
posse e a posse alienável expressa por tuas lettras. Assim, as posses inalienáveis ficam
entre os extremos do continnum por apresentarem características distintas em si: são
intransferíveis como as posses abstratas, porém concretas como as posses alienáveis.
Dessa forma, considerando que (i) os conceitos clássicos de alienabilidade e
inalienabilidade se relacionam apenas ao conceito mais básico de posse, isto é, aquele
que pressupõe uma posse que remete a um possuidor além de um nome substantivo que
indica o termo possuído; (ii) a noção de posse é apenas uma das relações que os
85
possessivos podem indicar, como afirma Neves (2000, p.476), propõe-se, nessa tese, a
seguinte subdivisão para caracterização dos tipos de posse:
I – Alienável: posse no seu sentido mais estrito, isto é, quando alguém detém poder
sobre a coisa possuída, podendo, inclusive, passá-la a outro possuidor.
(29) “Manda-me dizer se a Ismenia viu, | e as fotografias estão
demorando muito, | se fosse aqui no Rio um milhão de fotografias, |
amanhã irei a tua casa” (Casal Jayme e Maria, 26 de setembro de
1936)
(30) “Minha querida espera-me domingo que | irei buscar-te subirei no
trem das 8 horas, prepara as tuas malas | para descermos juntos no
trem das 4,40 horas, | eu só te escreverei até quinta feira.” (Casal
Jayme e Maria, 13 de outubro de 1936)
(31) “D. Pedro Henrique, hontem | telefonou-me de Vassou- | ras,
como antes de hontem | esteve aqui em casa e | claro que mostrei-lhe o
seu livro” (Família Brandão, em 25 de junho de 1972)
II – Inalienável: a coisa possuída é inseparável do seu possuidor, podendo apresentar os
seguintes subtipos:
Parentesco: quando se estabelece algum tipo de relação consanguínea ou não.
(32) “Seu pai te escreveu hontem, | voçe já deve ter recebido a carta, |
e esta a par de tudo qto por cá se passa.” (Família Land Avellar, em 03
de dezembro de 1913)
(33) “Deste teu amo, | que não sabe o que fazer para agradar-te, | mil
beijos e, ternas saudades.” (Casal Jayme e Maria, 09 de setembro de
1936)
Partes do corpo
(34) “sentindo as tuas mãos esfregando as minhas, | sentir as suas
carnes roçar nas minhas, | ver os seus olhos luminosos, clarear o nosso
amor, | ver teus labios que estão sempre a pedir beijos, porque foram |
feitos só para beijar, e ouvir a sua linda boquinha | dizer bobagens
como esta, “não se esquece | de mim sim!” ou então esta, "voce não
gosta mais de mim", | hontem eu vim me embora com tanta vontade |
de ficar só para estar juntinho de ti.” (Casal Jayme e Maria, 05 de
Outubro de 1936)
86
Outros inalienáveis: relacionam-se com a constituição mental e
comportamental do indivíduo, pois embora não seja considerado parte do corpo
ou parentesco, não podem ser propagados a outrem.
(35) “Não pense que fiquei chateado por causa do | seu jeito.” (Família
Lacerda, em 24 de fevereiro de 1977)
(36) “Espero que ao receberes esta estejes pas- | sando bem, e que tua
tristeza não seja tão | avassaladora quanto a minha.” (Casal Jayme e
Maria, 24 de janeiro de 1937)
III – Extensão de posse: não se encaixam em nenhum dos critérios estabelecidos para a
distinção dos tipos de posse mencionados anteriormente. Por isso, entendeu-se esse
grupo de palavras como uma extensão do sentido de posse mais clássico, relacionado ao
pertencimento. Em geral, nesse grupo estão os nomes deverbais, como se vê a seguir:
(37) “Eu previ que Maninha hia ao | beneficio da Cortesi quando li os |
annuncios nos Jornaes, e por isso | achei graça de ler em sua carta o |
seo encontro com ella no theatro.” (Família Cupertino, 16 de outubro
de 1874)
(38) “Enfim escreva uma carta com um | pouco de bom senso, de
modo que de uma vez | eu possa socegar os velhos . É urgente tua
resposta.” (Família Land Avellar, em 04 de agosto de 1913)
Em seo encontro e tua resposta, a noção de posse não é tão clara: */?encontro
que o destinatário possui; */?resposta que o destinatário possui. Como deverbais, a
interpretação de posse é dúbia ou mais estendida, pois a leitura pode ser,
respectivamente, “que você encontrou com ela” e “que você responda”. Assim, esses
termos estão mais próximos do ato de encontrar, do ato de responder, logo, são nomes
mais ligados aos verbos originários e a construção funciona como um complemento e
não como adjunto. Não é possível, em exemplos como esses, identificar uma relação
canônica clara de possuidor-possuído, como no restante do corpus. Por entender que
esses nomes possuem semântica diferenciada, esses dados foram considerados aqui
como um subgrupo a parte (extensão do sentido de posse), uma vez que a terminologia
binária alienável e inalienável não parece adequada nesses casos.
87
Cabe ressaltar, no entanto, que, em casos específicos, foi possível identificar
nomes deverbais, lexicalizados, alocados como posse alienável, como se vê nos
exemplos que seguem abaixo:
(39) “Pela sua carta de 30 de outu- | bro vejo que continua a passar |
bem em sua nova residencia; | o que muito estimo.” (Família
Cupertino do Amaral, 14 de novembro de 1874)”
(40) “Recebi hoje teu cartão pedindo | a tua correspondência só tem |
um cartão de Dona Maria Amalia | felicitando te pelo teu bonito
exame” (Família Penna, em 20 de fevereiro de 1899)
Em (39) observa-se que sua nova residencia é sinônimo de casa, moradia, o
local onde o destinatário reside. Da mesma forma, em (40), tua correspondência é uma
palavra com sentido semelhante ao de carta e de forma alguma relacionado com o
sentido mais relacionado ao verbo corresponder (ele corresponde). Assim, o contexto
foi crucial para que nomes deverbais como os dos exemplos fossem interpretados como
posse alienável.
A partir da subdivisão apresentada, objetiva-se verificar se é possível identificar
contextos cujo tipo de posse interfira na distribuição das formas possessivas teu e seu e
não apenas considerando os conceitos de alienabilidade e inalienabilidade.
A tabela a seguir apresenta a distribuição dos pronomes teu e seu considerando o
tipo de posse e qual a forma possessiva presente na totalidade da carta: teu, seu ou mista
(teu e seu), como é observado a seguir:
Tabela 9: O tipo de posse na rodada geral39
39 Não serão apresentados os resultados referentes ao peso relativo, pois, no decorrer da análise, os dados
foram recodificados com base na nova terminologia.
Carta
Tipo de posse Teu Seu
Alienável 240/332
72%
92/332
28%
Inalienável 404/505
80%
101/505
20%
Extensão de
posse
73/113
66%
40/113
34%
88
A tabela mostra a distribuição entre teu e seu a depender do tipo de posse,
alienável, inalienável e extensão de seu significado. Assim, foram encontradas 332
ocorrências de posses alienáveis, 505 de posses inalienáveis e 113 ocorrências de
extensão do sentido de posse. Nos dois primeiros tipos (alienável e inalienável), as
frequências de teu são majoritárias, com 72% e 80%, respectivamente. Dessa forma, a
tabela mostra que com o corpus em questão a alienabilidade ou inalienabilidade da
posse, a princípio, não interferem na distribuição das formas possessivas, pois, nos dois
contextos, houve predominância de teu.
Por outro lado, ainda que na categoria denominada de extensão de posse a
frequência tenha sido alta, 66%, observa-se uma distribuição não tão polarizada de teu e
seu: enquanto nas primeiras categorias o número de ocorrências de teu é quase o triplo
do número de ocorrências de seu, na extensão da posse o desequilíbrio é menor: os
índices de seu chegam a 34%. Novamente, faz-se necessária a verificação dos resultados
através dos diferentes períodos temporais. Assim, a tabela a seguir ilustra as ocorrências
de teu e seu em cada um dos tipos de posse verificados:
Tabela 10: A distribuição de teu e seu por todos os tipos de posses e em todas as fases
ALIENÁVEL
Teu Seu TOTAL TOTAL (SEU)
Fase 1 76 20 96 20/96 – 21%
Fase 2 125 64 189 64/189 – 34%
Fase 3 1 46 47 46/47 – 98%
INALIENÁVEL
Parentesco
Fase 1 99 8 107 8/107 – 7%
Fase 2 177 44 221 44/221 – 20%
Fase 3 3 26 29 26/29 – 90%
Parte do corpo Fase 1 7 1 8 1/8 – 12%
Fase 2 40 7 47 7/47 – 15%
Outros
inalienáveis
Fase 1 20 2 22 2/22 – 9%
Fase 2 58 5 63 5/63 – 8%
Fase 3 0 8 8 8/8 – 100%
EXTENSÃO DA POSSE
Fase 1 31 3 34 3/34 – 9%
Fase 2 41 22 63 22/63 – 35%
Fase 3 0 15 16 15/16 – 94%
89
A tabela demonstra a distribuição dos pronomes possessivos teu e seu em todas
as fases e em todos os tipos de posse controlados. Cabe ressaltar que o cálculo da
porcentagem foi feito pelo total de número de ocorrência de seu em cada fase dividido
pelo número de possessivos totais de cada fase. Essa escolha se deu pelo fato da fase 2
(1900-1939) apresentar o maior número de dados da amostra. Tal concentração é tão
grande que, em alguns casos, o número de ocorrências das fases 1 (1870-1899) e 3
(1940-1979) somadas não chegam a metade do número de dados da fase 2. Assim, se a
porcentagem fosse feita de forma clássica, isto é, dados da fase 1 + fase 2 + fase 3 =
100%, haveria uma constante impressão de que, na fase 2, a porcentagem é muito maior
do que nas outras fases. Assim, o gráfico abaixo ilustra a distribuição mostrada na
tabela 10.
Gráfico 4: A distribuição de seu por todos os tipos de posses e em todas as fases
O gráfico ilustra a distribuição do pronome seu nos contextos de posse nas três
fases. Cabe comentar que a disposição se deu nos três contextos da tipologia proposta:
alienável, inalienável e extensão de posse. A posse inalienável abarca as três
subdivisões propostas nessa tese, ou seja, parentesco, parte do corpo e outros tipos de
inalienáveis. É possível identificar que seu cresce nos três contextos. A posse alienável,
entretanto, é a única em que o pronome se mostra mais produtivo na fase 1 (1870-1899),
com 21% de emprego, contra 7% e 9% de posses inalienável e extensão.
Aparentemente, a posse alienável, tipicamente de pertença, pode ter sido o contexto
90
“gatilho” para o posterior espraiamento de seu para os outros tipos de posse como uma
forma relacionada à segunda pessoa.
Dessa forma, com o maior número de ocorrências na fase 2 (1900-1939), o
pronome passa ser mais empregado em todos os tipos de posse, chegando a 34% de
frequência na posse alienável e 35% na extensão de posse. A posse inalienável, ainda
que tenha apresentado crescimento e chegado a 17% na fase 2, configura-se como o
contexto em que seu é menos produtivo, o que o coloca, muito provavelmente, como o
contexto de resistência à mudança. Por fim, na fase 3 (1940-1979), em que o pronome
seu é majoritariamente empregado, ele passa a ter frequências quase que absolutas.
Além da alienabilidade e inalienabilidade dos tipos de posse, também houve
controle da concretude e abstração dos nomes, como já foi brevemente comentado.
Assim, os nomes concretos são aqueles relacionados principalmente, mas não
exclusivamente, à posse alienável e à parte do corpo. Por outro lado, os demais tipos de
posse – outros inalienáveis, parentesco e extensão da posse – englobariam mais
recorrentemente os nomes abstratos. Os exemplos a seguir ajudam a ilustrar essas
ocorrências:
(41) “Estou sentindo saudades suas. Mande | uma foto para mim. (...)
Me multaram na Belfort Roxo, em frente ao | seu predio mas parece
que vão anular a multa pois | falei que ia na casa da dona Marcela e
eles então | disseram que foi mal-entendido e pediram desculpas.”
(Família Lacerda, em 15 de agosto de 1978)
(42) “Na ha duvida que abusei da sua hospitalidade, | passando 12
hóras em sua casa: almoçando, toman- | do cafá e jantando, mas
pergunto quem não ficaria | cativo com sua prósa” (Família Brandão,
em 20 de setembro de 1965)
Os termos saudades suas, sua hospitalidade e sua prosa foram considerados
abstratos, pois designam sentimentos e ações que estariam, segundo Huerta Flores
(2009, p.651) na zona mais baixa da hierarquia da animacidade, dada a sua não
tangibilidade, caráter indefinido e geral, por isso teriam menor especificidade que um
nome concreto. Desse modo, a capacidade de controle sobre os abstratos seria mais
débil. Assim, saudade é sentir falta, um sentimento, hospitalidade é o ato de acolher
bem e sua prosa é sinônimo de conversa/palavra, logo seria o resultado do ato de
prosear. Diferentemente, seu predio e sua casa são termos concretos, tangíveis e
91
corpóreos. Dessa maneira, a tabela a seguir ilustra a distribuição de teu e seu a partir das
duas classificações:
Tabela 11: A distribuição de teu e seu em concreto e abstrato em todas as fases
A tabela 11 mostra a distribuição de teu e seu a depender da concretude ou
abstração do nome, nas três fases. Ela também foi produzida através do cálculo do
número total de ocorrências de seu em cada fase pelo número de possessivos totais de
cada fase. O gráfico abaixo ajuda a ilustrar o resultado observado na tabela:
Gráfico 5: A distribuição de seu pela natureza concreta ou abstrata do nome em todas as fases
Concreto
Teu Seu TOTAL
TOTAL
(SEU)
Fase
1 93 21 104
21/104 –
20%
Fase
2 165 71 236
71/236 –
30%
Fase
3 1 46 47 46/47 – 98%
Abstrato
Fase
1 150 13 163 13/163 – 8%
Fase
2 261 71 347
71/347 –
20%
Fase
3 14 49 52 49/52 – 92%
92
O gráfico aponta que a ocorrência do pronome seu vai aumentando
independentemente da natureza do nome. No entanto, é possível perceber que os nomes
concretos, na fase 1 (1870-1899), concentram mais dados de seu (20%), o que faz sua
porcentagem ser maior do que a dos nomes abstratos (8%) no mesmo período. Por outro
lado, na fase 2 (1900-1939), há um aumento maior de seu ocorrendo com nomes
abstratos (20%) em relação aos nomes concretos (30%). Na fase 3 (1940-1979), as
porcentagens se aproximam e o pronome passa a 92% das ocorrências com nomes
abstratos e 98% com nomes concretos.
Os resultados apresentados nessa seção indicam que a ocorrência do pronome
possessivo seu é favorecida nas posses alienáveis e com nomes concretos. Tal resultado
faz sentido quando se pensa que esses contextos são interpretados através da concepção
clássica e mais básica de posse: a pertença. Assim, possuir uma casa ou uma carta é
mais tangível do que possuir saudades, notícias, entre outros. Dessa forma, ao pensar
que o pronome se modifica, ou seja, passa a relacionar à segunda pessoa do discurso e
não mais só à terceira pessoa do singular, é mais coerente que o mesmo passe a ser,
primeiramente, empregado nos contextos mais clássicos de posse e, aos poucos, ele vai
se espraiando para outros tipos de posse, como a inalienável e a extensão do sentido de
posse.
Embora as análises tenham sido feitas em períodos diferentes, os resultados
apresentados aqui dialogam com o estudo de Huerta Flores (2009, p. 652) sobre os
possessivos na diacronia do espanhol. Tanto aqui quanto no estudo da autora, a
evolução das formas nominais possuídas deu-se a partir de nomes mais concretos para
nomes mais abstratos ou de maior controle para menor controle do possuidor. Apesar de
não ser o propósito desse estudo, esse deslizamento segue a dinâmica evolutiva clássica
de processos de mudança por gramaticalização que mostram um desgaste de
significados referenciais e concretos e a ampliação de uso para significados mais
abstratos e mais gramaticais. (HUERTA FLORES, 2009, p.652).
Apresentar-se-ão os resultados referentes ao grupo traço do gênero do
possessivo.
93
4.1.3- Traço de gênero do possessivo
Uma das características dos possessivos simples em português é o fato de
estabelecerem concordância de gênero e número com a forma possuída e não com o
possuidor, como se vê a seguir:
(43) “Hontem Papai recebeu uma car- | ta tua dando noticia do
encom- | modo de Marieta, fiquei bem | afflita; mas felizmente o teu |
telegramma nos veio tranqui- | lisar. É preciso ter muito cuida- | do, e
desmamar o Aluysio.” (Família Penna, em 22 de março de 1909)
Observa-se, pelo exemplo (43), que, no português, a depender do gênero da
palavra possuída, o possessivo a acompanhará, como em carta tua e teu telegramma.
Dessa forma, na presente pesquisa, tal característica foi controlada pelo grupo de fatores
traço de gênero do possessivo.
É preciso esclarecer que não há nenhuma hipótese para o emprego dessas
variáveis, o objetivo era verificar se haveria diferença na distribuição dos possessivos
teu e seu dependendo do gênero e do número dos mesmos. Esse grupo foi selecionado
em uma das quatro rodadas parciais: a que se refere ao terceiro período temporal, único
que não selecionou nenhuma variável social. O grupo referente ao traço de número, por
sua vez, não foi selecionado.
Dessa forma, a tabela a seguir ilustra a disposição das formas possessivas na
rodada geral, levando em consideração esse grupo de fatores:
Tabela 12: Percentuais do traço de gênero do possessivo encontrados em todas as rodadas
A tabela aponta que as formas possessivas são levemente mais recorrentes na
forma feminina (735 utilizações) do que no masculino (641 utilizações). Além disso, de
Rodada Geral Fase 1 Fase 2 Fase 3
Gênero do
possessivo
Seu Teu Seu Teu Seu Teu Seu Teu
Feminino 202/735
– 27%
533/735
– 73%
25/209
– 12%
184/209
– 88%
91/418
– 22%
327/418
– 78%
63/64
–
98%
1/64
–
2%
Masculino 133/641
– 21%
508/641
– 79%
8/188
– 4%
180/188
– 79%
66/381
– 17%
315/381
– 82%
44/48
–
92%
4/48
–
8%
94
forma geral, os percentuais são muito semelhantes: 27% sua e 21% de seu, ao passo que
há 73% de tua e 79% de teu.
No período 1 (1870-1899), os percentuais de teu/tua são próximos com 79% e
88% respectivamente. No entanto, nesse período o possessivo seu mostra-se mais
produtivo junto de objetos possuídos do gênero feminino, já que aparece quase três
vezes mais do que no masculino. Tal resultado é interessante porque, aparentemente,
esse possessivo não era tão produtivo no final do século XIX.
Ainda de acordo com a tabela (13), observa-se que, no período 2 (1900-1939), o
crescimento das ocorrências de possessivo de forma geral. Mas, assim como na rodada
geral, os percentuais não são diferenciados: 22% de sua e 17% de seu, enquanto tua
registrou 78% e teu 82% das ocorrências. A tabela a seguir ilustra a distribuição desse
grupo selecionado pelo período temporal 3 (1940-1979):
Tabela 13: O traço de gênero do possessivo no período 3. Valor de aplicação: seu
A tabela 13 mostra que, nesse período, o pronome possessivo seu tem
predomínio de uso de forma geral. A análise do peso relativo apontou para o leve
favorecimento de pronomes possessivos no feminino (0.588) em detrimento do
masculino (0.383). Nesse sentido, o peso relativo parece acompanhar os percentuais
brutos observados ao longo da amostra como um todo: no corpus há mais formas
possessivas no feminino do que no masculino, no entanto, essa diferença é sutil, logo, o
peso relativo refletiu essa tenuidade da amostra.
Apesar de ter sido selecionado no terceiro período temporal, acredita-se que
escolha seja devido a essa rodada ter poucos dados, poucos informantes, as cartas serem
escritas na mesma cidade. Assim, não é possível dizer que esse grupo de fatores possa
influenciar na distribuição das formas possessivas ao longo do tempo com esse corpus.
Será apresentado o último grupo de fatores linguístico selecionado: a
animacidade do sintagma possessivo.
Gênero do
possessivo
Aplicação/Total % PR
Feminino 63/64 98% 0.588
Masculino 44/4 92% 0.383
95
4.1.4- Animacidade do sintagma possessivo
Huerta Flores (2009), em estudo sobre o percurso diacrônico das formas
possessivas em espanhol, define que há características responsáveis por definir os
membros da relação possessiva. Assim, segundo a autora, o traço que mais sobressai do
possuidor é o de ser [+humano]. Nesse sentido, ao ser uma entidade animada, agentiva e
volitiva se supõe uma participação ativa do possuidor no evento, com a possibilidade de
controle sobre outras entidades, no caso, o possuído. Por outro lado, o possuído seria
geralmente [-humano], [-animado], [-agentivo] e, por isso, carente de capacidade de
controle.
Dessa forma, Company (2008) afirma que as manifestações típicas das relações
possessivas são construções em que os participantes mostram traços assimétricos, ou
seja, possuidor humano + possuído coisa, como nos exemplos a seguir:
(44) “D. Pedro Henrique, hontem | telefonou-me de Vassou- | ras,
como antes de hontem | esteve aqui em casa e | claro que mostrei-lhe o
seu livro” (Família Brandão, 25 de junho de 1972)
(45) “Pelo teo telegramma e | cartão soubemos que | fizeste boa
viagem” (Família Penna, 21 de Janeiro de 1902)
Nos exemplos (44) e (45) livro e telegramma são [-humano], [-animado] e [-
agentivo], são objetos, coisas, ao passo que os pronomes seu e teo indicam um
possuidor humano, no caso, o destinatário. Por outro lado, a autora comenta sobre
relações semanticamente marcadas, isto é, aquelas em que as diferenças entre possuidor
e possuído são menos marcadas, como se vê abaixo:
(46) “Marcela, pergunte ao | seu irmão para que ele quer | o tenis. (...)
Marcela sinto sua falta | sinceramente. Sinto | que gosto de voce mas
não | quero te prender a nada.” (Família Lacerda, 17 de outubro de
1978)
Em (46), por outro lado, observa-se que irmão é tão animado quanto o possuidor
(representado por seu), logo, essa relação é semanticamente diferente das relações
tipicamente possessivas listadas por Company. Apesar de tais distinções, no entanto, os
exemplos têm em comum o fato do possuidor ser uma referência para localizar,
entender o que é possuído.
96
Outro aspecto fundamental para caracterizar as relações possessivas é o conceito
de controle: a capacidade que o possuidor tem de manipular o possuído (HEINE 1997,
SEILER 1983). No entanto, a relação de controle só é estabelecida em relações cuja
semântica seja possuidor [+humano] e possuído [-humano], uma vez que o controle só é
estabelecido através da intencionalidade, algo que é característico de pessoas e não de
coisas. Assim, de acordo com Huerta Flores (2009), os conceitos de humanidade,
animacidade, agentividade e controle são extremamente relacionados entre si e
vinculados ao valor clássico de posse.
Entretanto, deter-se-á aqui, principalmente ao conceito de animacidade. Assim,
o continuum abaixo, proposto por Comrie (1981), Croft (1995) e Silverstein (1976)
estabelece a hierarquia da animacidade:
Figura 10: Continuum de animacidade
Segundo os autores, o possuidor ocupa a posição mais à esquerda do continuum,
enquanto o elemento possuído as posições mais à direita, o que os coloca em zonas
opostas da hierarquia proposta. Os exemplos abaixo ilustram os tipos de ocorrências das
formas possuídas encontradas no corpus:
[+ humano]
(47) “Minha Miloca , eu sei | quão grande é o amôr que te dedica | tua
bôa mãi, sei do que ella é capaz para te | poupar um ;instante de
desgosto” (Fundo Oswaldo Cruz, em 12 de abril de 1891)
[-animado] ou [inanimado]
(48) “Embora eu | tenha te escrevido hoje de manha, | torno a voltar a
tua presença | com as minhas letras.” (Casal Jayme e Maria, em 21 de
setembro de 1936)
97
Em estudo sobre pronomes possessivos em espanhol, Huerta Flores (2009)
postula que há uma tendência na língua espanhola a diminuir o uso de entidades
possuídas atípicas, isto é, aquelas com traço [+ humano], uma vez que esse, em teoria,
seria o traço característico do possuidor. Dessa maneira, de acordo com a autora, dos
séculos XIII a XVI, essa construção excepcional é mais frequente, porém, nos séculos
posteriores, passa, pouco a pouco, a ser implementada na língua a presença de
possuídos com traço [inanimado] ou [- humano]. Esses resultados são similares aos
observados em Oliveira e Silva (1982) para a terceira pessoa, uma vez que as autoras
afirmam que o pronome seu passa a ser atribuído a objetos a partir do século XVIII.
Assim, a hipótese norteadora desse grupo é ver se o pronome seu, ao ser
empregado no trato ao interlocutor, tem seu emprego relacionado a sintagmas com traço
[inanimado]. Dessa maneira, a tabela a seguir ilustra a distribuição das variáveis de
forma comparativa nas quatro rodadas parciais:
Tabela 14: Percentuais da animacidade do possessivo encontrados em todas as rodadas
A tabela 14 que mostra a distribuição nas diferentes rodadas apresenta
comportamentos similares em quase todas as fases. Dessa maneira, em três das quatro
rodadas, o traço [+ humano] possui percentuais similares para o pronome possessivo
seu: 17% na rodada geral, 6% na fase 1 e 14% na fase 2. O mesmo acontece com o traço
[inanimado]: 30% na rodada geral, 10% na fase 1 e 24% na fase 2. No entanto, para
identificar se há crescimento de posses típicas, ou seja, com traço [inanimado], como
presume Huerta Flores (2009) para o espanhol, é preciso de uma nova tabela, cujas
porcentagens foram calculadas através do número de ocorrência de seu em cada fator
dividido pelo número total do referido pronome encontrado em cada fase. Segue a
tabela:
Rodada Geral Fase 1 Fase 2 Fase 3
Animacidade Seu Teu Seu Teu Seu Teu Seu Teu
[+ humano] 107/624
– 17%
517/624
– 83%
14/215
– 6%
201/215
– 94%
49/348
– 14%
299/348
– 86%
29/32
–
91%
3/32
–
9%
[inanimado] 228/744
– 30%
524/744
– 70%
19/182
– 10%
163/182
– 90%
108/448
–24%
340/448
– 76%
76/78
–
97%
2/78
–
3%
98
Tabela 15: A distribuição de seu e a animacidade do sintagma
A tabela aponta para o crescimento gradual do pronome seu nas construções
com traço [inanimado], ao passo que as construções [+humano] com o pronome
diminuem. Esse comportamento confirma a hipótese postulada por Huerta Flores
(2009). Assim, na fase 1, há 19 dados, o equivalente a 57%, de seu em construções com
sintagma possessivo [inanimado], que aumenta, na fase 2, para 108 ocorrências, 69%,
chegando a 76 dados, 72%, na fase 3. O traço de possuído torna-se diferente do traço de
possuidor à medida que o pronome seu tem o seu emprego como forma de referência à
segunda pessoa aumentado.
Cabe verificar os resultados encontrados na única rodada que selecionou esse
grupo de fatores: a fase 3. Dessa forma, a tabela 16, abaixo, apresenta os resultados
referentes a essa fase:
Tabela 16: A animacidade do possessivo no período 3. Valor de aplicação: seu
A tabela indica que, na análise do peso relativo, o traço [+ humano] desfavorece
o emprego do pronome possessivo seu, com 0.453, conforme o traço [inanimado]
favorece a utilização do pronome, com 0.670. O resultado encontrado com o peso
relativo, corrobora a hipótese de Huerta Flores (2009) para o espanhol.
No entanto, a autora aponta outro contexto como fundamental para entender a
distribuição das formas possessivas a longo prazo em espanhol: as relações de
parentesco. Huerta Flores (2009) mostra uma maior flexibilidade entre as formas
possessivas no que se refere à expressão de relações de +/-parentesco com o possuidor.
Inclusive, esse contexto é o único, no estudo da autora, em que há diferença entre os
Fase 1 Fase 2 Fase 3
Animacidade Seu Teu Seu Teu Seu Teu
[+ humano] 14/33 –
43%
201/364
– 55%
49/157 –
41%
299/639
– 47%
29/105 –
28%
3/5 –
60%
[inanimado] 19/33 –
57%
163/364
– 45%
108/157 –
69%
340/639
– 53%
76/105 –
72%
2/5 –
40%
Animacidade Aplicação/Total % PR
[+ humano] 29/32 90% 0.453
[inanimado] 76/78 60% 0.670
99
possessivos de segunda e terceira pessoa, uma vez que o parentesco ocorre
predominantemente com a segunda pessoa, tendo frequência menor com a terceira. Ao
pensar que o pronome seu é uma forma originária do paradigma de terceira pessoa que é
alçada ao tratamento à segunda pessoa, talvez fosse possível identificar um aumento na
sua frequência conforme o pronome, cada vez mais, é empregado no tratamento ao
interlocutor. A tabela a seguir apresenta a distribuição dos possessivos através do
parentesco:
Tabela 17: A distribuição dos possessivos através do parentesco
A tabela aponta que nesse contexto, de forma geral, há pouca produtividade do
pronome seu, uma vez que das 357 ocorrências totais, apenas 78 são do referido
pronome. No entanto, a tabela mostra que a frequência de seu passa a aumentar no
decorrer das fases, o que o gráfico a seguir ilustra:
Parentesco
Misto
Teu Seu Teu Seu Total Total (SEU)
94 7 5 1 107 8/357 –
10%
162 38 15 6 221 44/351 –
56%
0 17 3 9 29 26/357 –
34%
100
Gráfico 6: A distribuição de seu a depender do parentesco
O gráfico indica que o emprego de seu, na fase 1, é apenas 10%, aumentando
consideravelmente na fase 2, onde atinge 56% de ocorrências, e se mantém com 34% na
fase 3. Considerando que a fase 1 se caracteriza pelo momento em que o pronome tu e
as formas relacionadas ao seu paradigma são mais proeminentes, o pronome teu
caracteriza-se como a estratégia recorrente para indicar a posse da segunda pessoa. No
entanto, na fase 2, há o emprego de você nos mesmos contextos funcionais de tu, o que
faz com que as formas relacionadas a esse novo pronome de tratamento acabem sendo
mais presentes. Dessa maneira, o gráfico transparece que o pronome seu passa a ser
mais produtivo nessa fase, o que muito provavelmente indica que seu passa a ser, pouco
a pouco, reconhecido como uma forma de tratar o interlocutor, perdendo a referência
original à terceira pessoa. Na fase 3, o número de ocorrências do pronome é menor do
que aquele encontrado na fase 2, dando a impressão de que seu uso diminuiu, quando,
na verdade, o pronome passou a ser o mais usual na fase 3, já que das 29 ocorrências, 26
são do pronome.
Nesse sentido, os resultados provenientes da análise da animacidade indicam um
crescimento do pronome seu em posses típicas e sua redução em posses atípicas
conforme o mesmo é empregado na referência à segunda pessoa. Além disso, o aumento
do emprego de seu em relações de parentesco, que, segundo Huerta Flores (2009), está
muito relacionado à segunda pessoa, é mais um indício do uso do pronome como forma
de tratamento ao interlocutor.
101
Nas próximas seções serão apresentados os resultados referentes às variáveis
extralinguísticas selecionadas pelo programa estatístico.
102
4.2- Os fatores extralinguísticos selecionados
4.2.1- Período histórico
Como mencionado anteriormente, o estudo de Souza (2012) sobre a
implementação de você em cartas produzidas ao longo de 100 anos constatou que no
final do século XIX, o pronome tu, em coexistência com a forma você, era a estratégia
mais recorrente, com frequências que chegavam próximo de 70%. No entanto, no início
do século XX, a autora identificou uma competição entre tu e você mais evidenciada,
através de frequências bastante equilibradas entre as formas. Por fim, a análise da
segunda metade do século XX permitiu identificar, nos termos de Souza, o grande
“vencedor” dessa disputa: entre os anos de 1940 a 1970, você suplantou o pronome tu
nas cartas analisadas pela autora, configurando-se como a estratégia absoluta de
referência ao interlocutor, o que ficou evidente pelo seu espraiamento em diferentes
contextos de uso.
Mais do que mapear a inserção da forma você no quadro de pronomes do
português brasileiro, Souza (2012) identificou que, ao longo desses 100 anos, nem
sempre tu e você configuraram-se como um caso prototípico de variação. Nas missivas
do século XIX e início do XX, a forma você era empregada em contextos de indiretiva
referência, na atenuação de pedidos, reclamações e ordens. Já o pronome tu era
empregado para individualizar o destinatário. Sobre essa dinâmica, a autora comenta:
“Com isso, até a primeira metade do
século XX, em alguns contextos,
tínhamos o emprego de uma ou outra
estratégia em contextos específicos e
não necessariamente variáveis. A
utilização de uma forma diferente não
produziria o mesmo “efeito”
discursivo.” (p. 137)40
A autora deixa claro que, apesar de não ser produzido o mesmo efeito
discursivo, foram encontradas ocorrências esporádicas de uma forma sendo empregada
no lugar da outra. Entretanto, apesar de serem poucos dados, tal alternância, mesmo
tímida, começou a evidenciar a variação das formas. Por fim, seria na segunda metade
40 Grifos da autora.
103
do século XX, que a pronominalização de você estaria implementada, fazendo com que
essa forma variasse com o pronome tu no campo da informalidade, confirmando assim,
hipóteses de outros trabalhos, como Soto (2001) e Machado (2006, 2011).
Com relação à análise específica da variação entre formas possessivas de
segunda pessoa, Machado (2011) analisou um corpus constituído por peças teatrais
brasileiras e portuguesas dos séculos XIX e XX. A tabela adaptada abaixo ilustra a
distribuição das formas possessivas teu e seu nas peças brasileiras no período de 1843-
2003:
Tabela 18: A distribuição de teu e seu ao longo do tempo, na amostra brasileira em Machado
(2011), adaptado
A tabela mostra que, a partir do último quarto do século XIX, quando as formas
relacionadas ao antigo paradigma de terceira pessoa tornam-se predominantes na
posição de sujeito – você – os pronomes seu/sua passam a ser os mais frequentes nas
peças teatrais brasileiras. Tal resultado, porém, não é o mesmo na amostra portuguesa,
como se vê na tabela adaptada a seguir:
Forma de
Tratamento
TEU(S)/
TUA(S)
SEU(S)/
SUA(S)
1846 18/22 – 82% 4/22 –18%
1857 52/92 – 57% 40/92 – 43%
1870 4/16 – 25% 12/16 – 75%
1870* 10/19 – 53% 9/19 – 47%
1896 2/24 – 8% 22/24 – 92%
1908 43/94 – 46% 51/94 – 54%
1918 9/95 – 9% 86/95 – 91%
1937 - 93/100%
1952 3/78 – 4% 75/78 – 96%
1962 11/90 – 12% 79/90 – 88%
1972 2/88 – 2% 86/88 – 98%
1980 - 85/100%
1995 8/126 – 6% 118/126 – 94%
2003 12/37 – 32% 25/37 – 68%
104
Tabela 19: A distribuição de teu e seu ao longo do tempo, na amostra portuguesa em Machado
(2011), adaptado
A tabela 19 demonstra que, na amostra portuguesa, não é possível delinear uma
regularidade, como no caso da amostra brasileira. Assim, o pronome seu não apresenta
um crescimento gradual, como observado na tabela 18. Na verdade, observa-se que o
pronome seu/sua é mais frequente no início e meio do século XIX, muito embora, teu
desponte como principal estratégia em algumas décadas, como 1825 e 1858. No
entanto, nota-se o maior emprego de teu/tua a partir do último quarto do século XIX
com exceção do ano de 1965, em que o emprego de seu é maior. A distribuição das
formas possessivas no século XX na amostra portuguesa é o inverso dos resultados
encontrados na amotra brasileira. Nesse sentido, os resultados de Machado (2011)
comprovam um comportamento diferenciado, no que se refere aos pronomes
possessivos de segunda pessoa, entre as amostras de Brasil e Portugal.
Dessa forma, o presente trabalho sobre a variação das formas possessivas teu/seu
possui como principal hipótese que o emprego de seu como uma estratégia de referência
Forma de
Tratamento
TEU(S)/
TUA(S)
SEU(S)/
SUA(S)
1819 6/30 – 20% 24/30 – 80%
1825 12/17 – 71% 5/17 – 29%
1858 26/33 – 79% 7/33 – 21%
1866 9/44 – 20% 35/44 – 80%
1874 1/39 – 3% 38/39 – 97%
1895 49/100% -
1902 3/100% -
1921 43/80 – 54% 37/80 – 46%
1925 7/9 – 78% 2/9 – 22%
1931 28/31 – 90% 3/31 – 10%
1934 8/11 – 73% 3/11 – 27%
1956 61/106 – 53% 55/106 – 47%
1958 22/25 – 88% 3/25 – 12%
1965 6/15 – 40% 9/15 – 60%
1995 39/100% -
105
à segunda pessoa e não à terceira, como seria seu paradigma original, se dá, justamente,
pelo fato do pronome acompanhar a inserção de você, como já foi comentado na
apresentação geral dos resultados. O gráfico 3 lá apresentado demonstra que, a
princípio, tal hipótese se confirma, uma vez que o emprego de teu era majoritário antes
dos anos de 1930, ao passo que o uso de seu se tornou mais produtivo a partir dessa
década e das subsequentes. Cabe destacar que a análise do período histórico de difusão
da mudança não será feita a partir estritamente de uma divisão cronológica. Como
mencionado no estudo de Souza (2012), serão levados em conta, ao longo do tempo, os
valores discursivo-funcionais e sócio-pragmáticos das formas variantes na amostra de
cartas. Tem-se, como hipótese inicial, que seu e teu não eram necessariamente formas
variantes stricto sensu em fins do século XIX: o possessivo seu mantinha um caráter de
deferência e tinha um uso motivado como uma estratégia de cortesia para mitigar atos
ameaçadores nos termos de Brown e Levinson (1987); o possessivo teu, por seu turno,
era produtivo para marcar intimidade. Gradativamente, seu invade os contextos típicos
de teu até se tornar a variante possessiva mais frequente em todos os contextos de uso.
Como mencionado, anteriormente, o período histórico foi selecionado como
fator relevante pelo programa Goldvarb na rodada geral e naquela relativa à fase 1
(1870-1899). A tabela a seguir apresenta os resultados obtidos a partir da rodada geral:
Fatores Aplicação/Total % PR
1870-1879 16/98 16% 0.316
1880-1889 16/127 13% 0.100
1890-1899 1/172 1% 0.011
1900-1909 31/103 30% 0.560
1910-1919 103/183 56% 0.915
1920-1929 7/34 21% 0.729
1930-1939 16/480 3% 0.690
1970-1979 107/112 95% 0.922
Tabela 20: A distribuição de seu ao longo do tempo, na rodada geral. Valor de aplicação: seu
Os resultados revelados corroboram a hipótese postulada para este grupo de
fatores: quanto mais distante da década de 1930 do século XX, menor o favorecimento
ao emprego de seu. Sendo assim, o período composto pelas décadas de 1870 a 1890
mostrou-se mais propício à utilização de teu, uma vez que, nesse período, como
106
evidenciou o estudo de Souza (2012), o pronome tu ainda era majoritariamente utilizado
como sujeito nas missivas. Além disso, tais resultados assemelham-se aos resultados
encontrados na amostra brasileira de peças teatrais no estudo de Machado (2011).
Resultados tão similares em estudos com corpora distintos parecem evidenciar que esse
fenômeno não se circunscreve simplesmente a um gênero específico, mas se trata de um
processo de mudança em curso no português brasileiro. Os exemplos a seguir
demonstram os empregos das formas possessivas encontradas nesse período:
(49) “Vejo da tua | cartinha , que naõ queres | mais ser - Tichet - |
como teu irmão não | quer ser Bebê : muito bem” (Família Ottoni, em
22 de dezembro de 1879)
(50) “Fortaleza, 29 de Agosto de 1882 | Meu caro Copertino |
Realmente suppunha que | já tinhas perdido a memoria! | que não te
lembravas mais de | um dos teus mais humildes | amigos! Vejo,
felizmente, que | me enganei com a tua carti- | nha; e bem pequena
que esta | foi, de 7 do expirante mez.” (Família Cupertino do Amaral,
em 29 de agosto de 1882)
(51) “Affonsinho | Recebi hoje teu cartão | pedindo a tua
correspondência | só tem um cartão de Dona Maria Amalia |
felicitando te pelo teu bonito exame;” (Família Penna, em 20 de
fevereiro de 1899)
Os exemplos (49), (50) e (51) não ilustram apenas o emprego dos possessivos,
mas mostram que tal utilização está intrinsecamente ligada ao fato de que todas as
referências aos interlocutores, nos três exemplos, são do paradigma de segunda pessoa,
seja com a desinência verbal (queres, tinhas, lembravas), seja com o pronome oblíquo
(te). Os dados mostram uma forte uniformidade e simetria de formas do mesmo
paradigma em cartas de fins do século XIX.
A tabela a seguir, referente à fase 1 (1870-1899), ratifica os resultados
comentados:
Fatores Aplicação/Total % PR
1870-1879 16/98 16% 0.962
1880-1889 16/127 13% 0.890
1890-1899 1/172 1% 0.033
Tabela 21: A distribuição de seu nas décadas correspondentes à fase 1. Valor de aplicação: seu
107
Embora se tenha defendido que na fase 1 as formas teu e seu não sejam formas
variantes prototípicas, foi realizada uma análise mutivariável para identificar o peso de
cada fator para a explicação do fenômeno. O programa estatístico Goldvarb selecionou
o período como um dos grupos de fatores relevantes. Os resultados encontrados na
tabela 21, referentes à fase 1 (1870-1899), mostram que, no que se refere à
porcentagem, todas as décadas dessa fase possuem pouca representatividade do
pronome seu, uma vez que, juntas, apresentam apenas 33 ocorrências do pronome. No
entanto, observando o peso relativo, o programa de regras variáveis Goldvarb relativiza
esses percentuais e indica, entre os fatores postulados, aquele que mais favoreceria a
forma variante seu. Como as frequências para seu não atingem 20% nas três décadas
controladas, as duas primeiras décadas foram consideradas mais favoráveis ao uso de
seu com pesos relativos de 0.962 para o período de 1870-79 e 0.890 para 1880-89. Os
exemplos a seguir ajudam a explicar tal diferenciação:
(52) “Meo presado Primo | Por ter estado doente não respon- | di ainda
suas cartas de 19 de Se- | tembro e 3 deste mez porem hoje que | estou
melhor vou approveitar para | respondel-as. (...) Pela sua carta de 9
escripta ao Es- | pinola vejo que ja tinha feito o | favor que lhe pedi na
minha | carta de 21 do passado, pelo que | fico lhe muito e muito
agradecida. | O Espinola recebeo os cartões e os | cigarros; é natural
que elle escre- | va-lhe neste sentido. (...) Não tenho tempo para mais, |
peço-lhe que me recommende | à sua Familia. Receba sauda- | des
nossas com especial de | sua prima affectuosamente e |
obrigadamente. | Anna Espínola (...) P.S. Peço-lhe que faça chegar a |
seu destino a carta junta.” (Família Cupertino, em 16 de outubro de
1874)
O exemplo (52) refere-se a uma carta escrita de uma prima ao seu primo.
Percebe-se, apenas pela presença do vocativo Meo presado Primo, que a relação
estabelecida entre os dois é mais distante do que intimista. Além disso, logo no início da
carta, Elisa desculpa-se com o primo por não ter respondido as cartas redigidas por ele.
Tal atitude é, nos termos de Brown & Levinson (1987), um ato ameaçador à face do
emissor e o fato da escriba se utilizar de explicações mostra-se como um recurso de
polidez positiva, isto é, uma estratégia mitigadora. Em seguida, Elisa agradece ao favor
prestado pelo primo e que ela já o pedira. Novamente, o ato é mais uma forma da prima
usar da polidez positiva para se comunicar com Antônio. Por fim, a remetente despede-
se empregando um verbo com desinência verbal relacionada a você, receba, e se utiliza
108
de termos como affectuosamente, ratificando uma relação não tão próxima com o primo.
Como adendo, no P.S., a escriba, novamente, faz um pedido ao primo, que é um ato
ameaçador à face do destinatário.
É interessante observar que não há, em nenhum trecho da carta, a presença de
um pronome reto para tratar o interlocutor de maneira mais direta. Apenas a presença de
pronomes oblíquos (lhe), da forma imperativa (receba) e de pronomes possessivos
(seu/sua). Nesse sentido, a utilização desses pronomes, em especial o possessivo, que é
o foco da análise, configura-se como estratégias suavizadoras de uma carta que não tem
como teor dar ou receber notícias, mas agradecer por favores prestados e pedir mais
favores. Tais empregos aproximam-se do que Souza (2012) descreveu para as
ocorrências de você no mesmo período temporal: as formas não apresentavam o mesmo
valor discursivo e sóciopragmático. As formas, nessa fase, não se configuram como
variantes stricto sensu, já que os contextos de uso são específicos.
Observa-se agora um exemplo retirado da década de 1880:
(53) “Querida Elisa | Vou passando bem de saude, | mas tenho sentido
aqui mais | calor do que durante a | ultima semana em que | estava na
Côrte, e calor in- | commodo, preciso por falta | de [verão], de dia e de
noite. (...) | Ainda não tive noticias | da Corte e não sei si hoje | à noite
terei. Você já devia | ter me escripto, mesmo antes | de receber carta
minha de | modo que hontem eu tivesse | noticias. (...) Estou com
muitas saudades a você e dos | meninos. Escreva me. | Receba um
abraço apertado | e beijos que distribuimos pelos mais | seu [marido]
Antonio” (Família Cupertino, em 14 de fevereiro de 1886)
Em (53) nota-se que é uma carta escrita de Antônio à esposa. Aparentemente,
esse tipo de relação configura-se como simétrica e íntima. O fato do emissor utilizar
expressões como Querida, muitas saudades, abraço apertado e beijos, parece
corroborar com tal ideia. Assim, o esperado era a presença das formas do paradigma de
tu, uma vez que, segundo Souza (2012), o contexto de intimidade favorecia o emprego
de formas desse paradigma. No entanto, o que se verificou foi a utilização de você e do
pronome possessivo sua. Tal fato se justifica pelo teor da carta e não pela relação
estabelecida entre os interactantes. Antônio, na verdade, escreve para cobrar à esposa
cartas que ela ainda não escreveu, como se observa em Você já devia ter me escripto,
mesmo antes de receber carta minha. A cobrança e crítica do marido aparece como um
ato ameaçador à face positiva do destinatário, como definem Brown & Levinson (1987).
109
E, novamente, para amenizar a censura feita à esposa, Antônio se utilizou de pronomes
que funcionam para diminuir esse ato negativo.
Dessa forma, os exemplos (52) e (53) são representativos de duas décadas que,
nos resultados apontados pelo peso relativo, favoreciam o emprego de seu. No entanto,
o que se pode afirmar é que o pronome possessivo seu não está em variação direta com
o pronome teu, assim como apontou Souza (2012) para o sujeito: as formas possessivas
seriam funcionalmente divergentes ainda.
Seguindo esse viés, foi a partir da década de 1900 que tu e você começaram a
disputar espaço no sistema, isto é, começou de fato a variação entre as duas formas na
posição de sujeito indo até a década de 1930 (cf. SOUZA, 2012). Os resultados
encontrados na tabela 21, referentes à rodada geral da variação nas formas possessivas,
parecem corroborar o estudo de Souza. Dessa forma, as décadas de 1900, 1910, 1920 e
1930 passam a apresentar índices que favoreciam o emprego de seu, com 0.560, 0.915,
0.729 e 0.690, respectivamente.
É importante comentar que o grupo de fatores período temporal não foi
selecionado na fase 2, no entanto, é válido mostrar as porcentagens encontradas nesse
momento:
Tabela 22: A distribuição de teu e seu nas décadas correspondentes à fase 2
A primeira constatação possível de se estabelecer é a de que da fase 1 (1870-
1899) para a fase 2 (1900-1939), as ocorrências de seu aumentaram vertiginosamente.
Das 33 ocorrências encontradas na fase 1 identificaram-se 157 dados, além da
ampliação dos valores percentuais. Tais resultados reforçam a hipótese de que é, nessa
segunda fase temporal, que os possessivos teu e seu acirram a disputa como variantes
stricto sensu. Os exemplos a seguir ilustram algumas ocorrências encontradas no
período em questão:
Fase 2
Décadas Seu Teu
1900-1909 31/102 – 30% 71/102 – 70%
1910-1919 103/183 – 56% 80/183 – 44%
1920-1929 7/34 – 21% 27/34 – 79%
1930-1939 16/480 – 3% 464/480 – 97%
110
(54) “Rio, 21 de Agosto de 1905 | Recebi sua carta e estimei sa- | ber
que a Marieta vai | bem e que a Dona Etelvina tem | se resignado com
a triste sorte que lhe [cou] | [be]. Estou um pouco indefluxado, | mas é
cousa que não vale a pena | mencionar. (...) Ahi vai uma carta de M. T.
Dias | para Você providenciar. Respondi-lhe que | confiara esse
negocio a Você.” (Família Penna, em 21 de agosto de 1905)
(55) “Pelo teo telegramma e cartão soubemos que | fizeste boa
viagem, o que veio tranquilizar- | nos, pois teo estado de saude não
parecia bom | quando partiste. Deos permitta que tenhas | passado bem
e que o mesmo aconteça | aos nossos parentes. Estimei saber que o
Mario | está melhor; mas não seja isso rasão para | se descuidarem de
tratamento definitivo.” (Família Penna, em 21 de janeiro de 1902)
Os dois trechos acima correspondem a cartas escritas pelo mesmo missivista.
Em (54) Maria Guilhermina Penna emprega seu e, em (55), utiliza teu. Apesar de as
cartas serem redigidas em uma década em que há o favorecimento o pronome seu, os
exemplos permitem ilustrar que o emprego dos pronomes possessivos ainda ocorre de
maneira motivada.
Em (54), Maria Guilhermina Penna começa saudando seu destinatário, seu filho
primogênito, Affonso Penna Júnior. No entanto, no decorrer da carta, percebe-se a
presença de um ato que ameaça a face do interlocutor: uma ordem (Ahi vai uma carta de
M. T. Dias para Você providenciar. Respondi-lhe que confiara esse negocio a Você).
Dessa maneira, os pronomes utilizados, tanto o possessivo seu, como o emprego de
você, mais uma vez, possuem empregos motivados, ou seja, servem para minimizar a
imposição feita pelo escriba.
Por outro lado, em (55), o mesmo remetente emprega teu e verbos com
desinência de segunda pessoa (fizeste, partiste, tenhas) em uma carta, cujo teor é
amistoso e íntimo. O escriba relata a felicidade de saber que a esposa de Affonso,
Marieta, encontra-se melhor de saúde e passa a discorrer sobre a vida de outrem, isto é,
relatar os fatos do cotidiano.
Os dados a seguir, no entanto, mostram que, com decorrer do tempo, o
comportamento das formas possessivas se modifica, pois não se percebe um emprego
motivado para seu uso:
(56) “Meu querido Filho | A sua cartinha me causou | muito
contentamento. Eu | tambem custo muito a es- | crever por isso sei
111
relevar os | outros. Marieta tem sido | tão delicada commigo | me
escrevendo sempre car- | tas tão amaveis e longas | que não tenho
expresões | para agradecer. Eu tambem | ja estou afflita para vol- | tar,
com muitas saudades | suas e dos meus netinhos.” (Família Penna, em
03 de janeiro de 1911)
(57) “Bello Horizonte, 16 de Março de 1914 | Queridinha | Hontem e
hoje tive o immenso conforto | de receber duas cartas suas. | Já estava
pensando | que tinha sido esquecido, que Você não sentiu falta | nem
saudade do maridinho e minha tristeza era | tão grande, que nem
coragem tinha de ranzinzar. | Parece que seu coração | adivinhou,
afinal, tudo isto, porque as duas cartinhas vieram tão cheias | de
affecto e tão noticiosas que desfizeram toda | a minha magoa.”
(Família Penna, em 16 de março de 1916)
(58) “J M J Rio - 29 - 3 – 920 | Meu querido Sobrinho | Tanto prazer
causou-me | tua carta de 16! | Ri-me por vezes com | teus ditos de
gracejo. | Meu filho faz rir à tua titia | por vezes - Estimo tanto tua
boâ saúde | que tudo te côrra o melhor possivel | nesta vida!” (Família
Pedreira, em 29 de março de 1920)
(59) “Esta tem por fim | fazer-lhe uma visitinha, pedindo | noticias
suas e perguntando se recebeu um cartão | meu agradecendo o
segundo | presente de doces. (Família Pedreira, em 07 de outubro de
1928)
(60) “Rio de Janeiro, 13 de Fevereiro de 1937 | Minha querida
noivinha sempre teu | Espero que esta te vá encontrar em perfeito |
estado de saude, assim como os teus. | Recebi teu bilhete | datado de
hontem cujo conteudo muito | interessou-me, porque o teu irmão | fez
mal em dizer que estava morando no | Catumby, motivo por qual
tenho que | reservar-me sobre qualquer ataque em mi- | nha casa, eu
parar despistar caso perguntem | a mim digo a mesmo cousa que é
para | julg- rem que eu não sei tambem.” (Casal Jayme e Maria, em 13
de fevereiro de 1937)
Diferentemente dos empregos motivados observados nos exemplos referentes à
fase 1 (1870-1899) e nos exemplos (56) e (57) relacionados à década de 1900, é
possível identificar que, nos três trechos de cartas listados acima (58), (59) e (60), não
havia qualquer motivação para o emprego do pronome possessivo seu. Em todos os
trechos nota-se que o teor da carta é intimista e solidário, com o uso de expressões que
denotam carinho e aproximação entre os interlocutores. Da mesma maneira, observa-se
intimidade entre os interactantes nos exemplos (57) e (58), em que se empregou teu.
Esse fato é um forte indício de que os pronomes teu e seu podem ser encarados como
112
variantes, já que estão competindo nos mesmos espaços funcionais. Os exemplos (61) e
(62), abaixo, tornam tal perspectiva ainda mais evidente:
(61) “Justamente para escrever esta carta é | que preciso da informação
a respeito da | tua posição e da do Edgard na casa, quanto a |
vencimentos. || Sou de opinião que Eurico não tomará o | Horacio, em
todo o caso como este | me pedio vou escrever. | Peço ser breve na sua
| resposta, que deve ser dirigida para | a Caixa-postal - 1545 - . | Do
irmão amigo.” (Família Land-Avellar, em 04 de agosto de 1913)
(62) “Em tudo que vejo, | tudo que fasso, tudo que pego pareço | ouvir
tua voz, pareço sentir as tuas | mão acariciadoras, envolvendo-me
com ternura, | confor-me só eles mesmo e que | sabem afagar-me,
quando medito, | pareço ver sua imagem, que tanta se- | dução traz-
me, esses seus olhos que | parecem que foram feitos somente para | me
ver, e para só a mim pertencer, esse seus labios | que foram criados
pela mão maravilhosa | da natureza, somente para trazer aos | meus os
seus beijos embriagadores, que de tantos desejos | me enchem.” (Casal
Jayme e Maria, em 16 de março de 1937)
Os trechos (61) e (62) salientam a mescla de pronomes teu/seu numa mesma
carta, o que evidencia que esses pronomes estão em franca variação. Além disso, a
mistura pronominal indica que os resquícios de deferência relacionados ao seu da fase 1
(1870-1899) parecem desaparecer na fase 2 (1900-1939), já que o pronome passa a co-
ocorrer com teu em cartas marcadas pela intimidade e solidariedade entre os
interlocutores.
Por fim, serão observados os dados da fase 3 (1940-1979). De acordo com Souza
(2012), a forma você suplanta o pronome tu e passa a ser mais empregada no seu
material de análise. No corpus utilizado para a realização da presente pesquisa, como já
comentado, há uma lacuna temporal que não contempla todas as décadas após 1930,
porém é interessante que se verifiquem os resultados referentes à fase 3 (1940-1979),
como pode ser visto na tabela a seguir:
Tabela 23: A distribuição de teu e seu nas décadas correspondentes à fase 3
Fase 3
Décadas Seu Teu
1940-1949 9/9 – 100% -
1970-1979 107/112 – 95% 5/5%
113
Ressalta-se, primeiramente, que o grupo de fatores período histórico também
não foi selecionado na fase 3. No entanto, os porcentuais da tabela 23 indicam que, na
fase 3, o pronome seu suplanta o pronome teu, assim como Souza (2012) demonstrou
com a análise sobre o sujeito tu/você. Não obstante, o fato de ainda haver 5% de
frequência de teu, no final do século XX, mostra, ainda que timidamente, o seu emprego
como possessivo de segunda pessoa. Os exemplos a seguir ilustram o emprego de
seu/teu no período:
(63) “Queria saber a razão do seu desa- | parecimento. Pensei até em ir
a Cataguases | na semana Santa mas voce ia viajar e eu | não sabia
para onde. Acabei indo para Tere- | sopolis e lá, para variar, estava um
saco. | E voce para onde foi afinal?” (Família Lacerda, em 14 de abril
de 1977)
(64) “Marcela || Desculpe-me pela demora de ter escrito, porem | não
sabia o que [te] dizer para justificar a minha falta | contigo na tua
viagem ao Rio. E continuo. (...) Me entristeceu bastante a forma | com
que voce me recebeu ao telefone. Achei voce | muito fria, tanto que
chamei voce para sair e | voce veio com uma resposta pré-formada e
negativa | que me deixou chateado. (...) Fiquei indeciso ate que recebi
uma | carta sua com a qual fiquei espantado principal- | mente quando
não li os palavrões que esperava.” (Família Lacerda, em 19 de
setembro de 1977)
Na década de 1970, observam-se cartas com uso exclusivo do possessivo seu,
como em (63), mas também identificou-se a mescla de teu/seu na mesma carta, como
em (64). Nesse sentido, embora haja o uso majoritário de seu, os resultados indicam que
a variação não se extinguiu, mesmo que o pronome teu apareça de forma pouco
expressiva.
Tais resultados observados nessa seção permitem associá-los às três fases de
mudança proposto por Conde Silvestre (2007) e aos princípios postulados por
Weinrech, Labov e Herzog (1968). Assim, a fase 1 corresponderia, nos termos de
Conde Silvestre, à fase da origem, quando a mudança é incipiente e a forma variante,
pode estar restrita a um contexto de uso e aos membros de um grupo apenas. Dessa
forma, o pronome seu, na fase 1, caracteriza-se pelo seu uso motivado, com resquícios
de deferência do tratamento original Vossa Mercê. Assim, seu aparece em contextos
específicos, como defendido nos problemas da transição e restrição de Weinrech,
Labov e Herzog.
114
Nessa perspectiva, a fase 2 (1900-1939), em que foi observada a variação mais
latente de teu e seu, seria a fase de propagação da mudança. Segundo Conde e Silvestre
(2007), há um número cada vez maior de falantes empregando a nova variante, que
começa a se consolidar em contraste com as demais em um ambiente cada vez mais
amplo de interação social. O pronome seu que antes aparecia em contextos mais
respeitosos e de distanciamento entre os missivistas passa a se espraiar para contextos
menos formais. Nesse período, teu e seu chegam inclusive a variar nas mesmas cartas.
A fase 3 (1940-1979), portanto, seria o momento de completude (CONDE
SILVESTRE, 2007), ou seja, o período em que os falantes estão mais conscientes da
mudança, diminuindo progressivamente a importância social relacionada à variante em
processo de mudança. É nesse estágio que a mudança atinge sua maior regularidade
mediante à eliminação das variantes que competem entre si e a criação de uma nova
norma comunitária. Embora não se possa dizer que teu tenha sido eliminado do sistema,
pode-se afirmar que suas ocorrências diminuíram drasticamente no corpus em questão.
Assim sendo, nos termos de Weinrech, Labov e Herzog (1968), a fase 2 estaria
relacionada aos problemas de encaixamento e avaliação, enquanto a fase 3 relaciona-se
ao problema de implementação.
Na próxima seção serão discutidos os resultados referentes à variável gênero.
115
4.2.2- Gênero
Há diferentes estudos de sociolinguística histórica que indicam que haveria
preferências de uma variante, em detrimento de outra, por homens e/ou mulheres. Em
algumas comunidades de fala, há variantes mais utilizadas por mulheres do que homens,
como por exemplo, a própria inserção de você no português brasileiro, como mostraram
Rumeu (2008) e Souza (2012). Nesses estudos, as autoras verificaram que foram as
mulheres as grandes propulsoras na inserção de você como pronome pessoal no
português brasileiro. As autoras explicam que, por ser oriundo do pronome de
tratamento Vossa Mercê, a forma você, a princípio, trouxe consigo, apesar do desgaste
fonético, marcas de indiretividade, prestígio e deferência, sendo, por isso, mais presente
no discurso feminino.
Para a análise do gênero, os estudos de base sociolinguística levam em conta os
três princípios postulados por Labov (1994), ao longo de trinta anos de estudos, sobre a
questão do gênero, que assim fica distribuída:
Princípio I: Na variação estável, os homens utilizam com maior frequência a
variante não-padrão, enquanto as mulheres utilizam-na menos.
Princípio Ia: Na mudança em direção ao prestígio, as mulheres tendem a usar
mais do que os homens, a variante mais prestigiada.
Princípio II: Nos processos de mudança, as mulheres possuem um
comportamento linguístico inovador.
Para a discussão do fenômeno em estudo, tais princípios propostos por Labov
precisam ser redefinidos tendo em vista vários aspectos relacionados a um estudo de
sociolinguística histórica na longa duração. Em primeiro lugar, faz-se necessário
esclarecer as diferenças entre variação estável e mudança em progresso. Por um lado, a
variação estável pressupõe a manutenção das formas por um longo período, uma vez
que não se verifica qualquer tendência de predominância de uma variante linguística em
detrimento de outra. Por outro lado, a mudança em progresso implica em afirmar que o
processo de mudança direciona-se para a sua resolução em favor de uma das variantes,
que, possivelmente, irá se generalizar, tendo um uso mais categórico dentro da
116
comunidade de fala. Nesse contexto, a(s) outra(s) variante(s) tenderia(m) a cair em
desuso. Como foram identificadas, nesse estudo, fases distintas no comportamento de
teu e seu ao longo de 100 anos, defende-se que o fenômeno em estudo estaria em
variação estável no período de variação entre teu e seu (segunda fase). A partir do
momento em que os resultados indicam a suplantação de teu pelo possessivo seu,
observa-se indícios de uma mudança em progresso.
Em segundo lugar, Labov estabelece uma distinção entre formas não-padrão e
formas de prestígio, o que nem sempre é tão claro quando se analisam dados de
sincronias passadas. Na perspectiva sincrônica, as formas padrão corresponderiam aos
usos linguísticos utilizados com maior frequência pelas classes sociais mais abastadas e,
consequentemente, utilizadas pelos falantes nos seus discursos mais formais ou
monitorados. Por isso, estaria comumente associada à língua ensinada nas escolas ou
em estreita conexão com o uso literário do idioma. Desta maneira, tais formas seriam as
consideradas prestigiadas na comunidade de fala. Em contrapartida, a variante não-
padrão teria menos prestígio social. Nos estudos sincrônicos, é mais fácil delimitar se
determinada variante é mais ou menos valorizada dentro de uma comunidade de fala.
Para estudos diacrônicos, no entanto, definir o valor social de uma variante linguística
não é tarefa simples, uma vez que o pesquisador não conhece necessariamente qual era
a norma padrão vigente em outro período do tempo (BARBOSA, 2005, p. 28). É difícil,
inclusive, definir, no caso de estudos com base em cartas, se um escriba é detentor de
um padrão mais culto ou menos culto, pois os parâmetros são distintos dos atuais.
No caso específico do objeto de estudo em análise, não se pode dizer que uma
das formas variantes seria não-padrão stricto sensu. Pensando nesses aspectos, parece
mais sensato uma oposição entre conservador e inovador. O presente estudo assume
que, no que se refere à variação entre teu e seu, o possessivo teu seria a forma mais
conservadora de tratamento ao interlocutor por, justamente, pertencer ao paradigma do
pronome tu. Assim, o pronome possessivo seu é considerado inovador porque, a priori,
é a forma possessiva referente à terceira pessoa do discurso, então, o fato de referir-se
diretamente ao colocutor, por ser mais recente na língua, é encarado de maneira
inovadora e não ligada a uma forma não-padrão da mesma. Além disso, não se
evidencia quaisquer indícios de estigma em sua utilização, principalmente, por aparecer
em cartas de pessoas reconhecidamente letradas e, em alguns casos, ilustres.
Embora se considere a variante seu como inovadora na perspectiva assumida
aqui, não se pode dizer que tal possessivo deixe de carregar certo prestígio no período
117
analisado por estar associado ao paradigma de você que, por sua vez, origina-se do
tratamento de deferência Vossa Mercê. Nesse sentido, uma releitura do princípio Ia de
Labov pode elucidar a questão. O estudo de Rumeu (2008, 2013), por exemplo, mostrou
o maior emprego de você em cartas femininas no século XIX. A autora argumenta que
tu seria uma estratégia demasiadamente íntima para ser empregada em cartas femininas
do século XIX, por isso a manutenção do tratamento você que preservava certa
indiretividade e/ou neutralidade, além de ser menos invasiva à face do outro. Outros
argumentos também podem ser considerados. O perfil sociolinguístico das missivistas
também é relevante. Sabe-se que as remetentes pertenciam a famílias abastadas da
sociedade oitocentista do Rio de Janeiro.
Nesse sentido, realinha-se o princípio Ia, com os próprios argumentos
labovianos sobre o Paradoxo do Gênero41. As mulheres podem apresentar um
comportamento linguístico mais conservador do que os homens por utilizarem mais a
variante padrão ou prestigiosa, no entanto, também podem ter um comportamento mais
avançado, visto que adotam mais rapidamente a variante inovadora, sendo esta ou não
variante não-padrão. Tentando uma resolução para este paradoxo, Labov (2001) o
restabelece como o Paradoxo da Conformidade, no qual as mulheres teriam um
comportamento linguístico menos desviante do que os homens no que se refere à
utilização da norma padrão, caso o desvio seja extremamente condenado. Por outro
lado, as mulheres tendem a desviar mais no que se refere ao exercício da norma padrão
do que os homens, quando a variante não é estigmatizada pela comunidade linguística.
Nesse sentido, a retificação de Labov a seu próprio princípio só se torna possível
quando se consegue estabelecer justamente o prestígio de uma variante dentro da
sociedade. Tal estipulação é tênue e, muitas vezes, difícil de ser determinada,
principalmente na diacronia, porque nem sempre homens e mulheres tinham as mesmas
condições de estudo, como relata Conde Silvestre (2007, p. 121):
“La adopción de normas lingüísticas de
prestigio depende de las posibilidades de
acceso a los registros más cuidados utilizados
en ámbitos de interacción formal, por lo que
suele ir asociada con el nivel de instrucción o
educación formal. Es evidente que los
problemas de la maioria de las mujeres para
acceder a la educación hasta el siglo XIX, así
41 Pensado por Wolfram and Schilling-Estes (1998) apud Labov (2001).
118
como su discriminación social y legal, y su
subordinación al varón hasta bien entrado el
XX, habrían impedido, en general, su
contacto con la producción lingüística
formalizada y prestigiosa (Amusen, 1988;
Laurence, 1994 apud Conde Silvestre,
2007)”.42
A afirmação de Conde Silvestre é perceptível de ser corroborada pelo fato de
não ter sido possível encontrar referências bibliográficas detalhadas sobre as mulheres
que faziam parte dos diversos núcleos familiares que compõem a amostra dessa tese.
Geralmente, não há dados documentados sobre sua formação escolar. Entretanto, é
possível dizer que essas esposas, mães, primas, filhas, possuíam algum nível de
erudição, posto que, a grande maioria dessas mulheres são advindas de famílias
abastadas oitocentistas e novecentistas.
É importante ressaltar que, durante o século XIX e boa parte do século XX, a
sociedade brasileira era basicamente patriarcal e as mulheres tinham uma atuação mais
restrita e limitada às atividades meramente domésticas. Em geral, elas eram preparadas
desde cedo para se casarem, por isso não precisavam ter muito estudo. Biasoli-Alves
(2000, p. 235) reafirma essa ideia quando mostra que, em fins do século XIX e início do
XX, havia “colégios para meninos e meninas das classes abastadas e torna-se cada vez
mais comum que a “moça de família”, depois que aprendeu em casa as “primeiras
letras”, seja enviada a um colégio interno de freiras “para ser educada”. De lá ela sairá
depois de alguns anos, pronta para casar”.
Os primeiros avanços aparecem de maneira sutil e vagarosa, porém, são
importantes para modificar, aos poucos, a condição feminina dentro da sociedade, como
aponta Cerdeira (2004, p.7):
“Aos poucos, a mulher sai da domesticidade
e integra-se finalmente na sociedade, a
princípio como escritora ou professora. Em
fins do século XIX, o Brasil já possui
mulheres que sabem ler e escrever,
42 “A adoção de normas linguísticas de prestígio depende das possibilidades de acesso aos registros mais
cuidados utilizados em âmbitos de interação formal, pelo que costuma ser associada ao nível de instrução
ou educação individual. É evidente que os problemas da maioria das mulheres para ter acesso à educação
até o século XIX, assim como sua discriminação social e legal, e sua subordinação ao homem até o início
do século XX, teriam impedido, em geral, seu contato com a produção linguística formalizada e
prestigiada (Amusen, 1988; Laurence, 1994).” apud Conde Silvestre (2007).
119
limitando-se, no entanto, à esfera medíocre
do romance francês.”
Apesar dos romances franceses serem menosprezados até mesmo dentro da
própria literatura43, deve-se destacar a importância de haver mulheres alfabetizadas
nesse período e, principalmente, o contato que elas tinham com modelos de escrita,
independentemente do tipo textual.
No entanto, há quem questione a visão clássica de que as mulheres deste período
viviam rigorosamente sob um regime patriarcal e eram dedicadas à vida doméstica,
como se observa no trabalho de Bernardes (1989, p. 15):
“(...) Não parecia haver, assim, nem na
maneira de pensar dos homens, nem na das
mulheres, e nem no modo de agir destas, um
único modelo preferencial que padronizasse
as imagens e que tornasse sempre
semelhantes comportamentos e atividades.
Pelo contrário, entre os extremos detectados,
opiniões e comportamentos revelavam uma
gama de pontos intermediários, de nuances,
separando a submissão total da total
autonomia. Inferiorização e marginalização
da mulher, dentro e fora do lar, não pareciam
marcar irremediavelmente sua posição, nas
famílias urbanas abastadas, no Rio de Janeiro
da segunda metade do século XIX. (...) O que
reinava era a variedade.” (Queiroz apud
Bernardes, 1989: XV)
Para a autora, uma das mais relevantes reivindicações dessas mulheres foi o
acesso à instrução e, principalmente, o fato de elas estarem cientes de seu estado de
subordinação. Segundo os estudos de Cerdeira (2004, p. 9), no período em questão,
havia uma sacralização da mulher que, “embora dançasse nos bailes de máscara, pouco
falava, pouco fazia para libertar-se da opressão masculina, e permanecia virgem até o
casamento”. Sobre a mudança na condição feminina, a autora afirma:
“Sua saída às ruas foi feita por meio do
teatro, da janela, do estudo de dança, de
música e do francês. Foi esse o resultado da
43 O período literário Realismo, posterior ao Romantismo, faz duras críticas à burguesia e à prática
essencialmente feminina de consumir romances.
120
urbanização: a mulher burguesa, não menos
servil que a senhora de engenho, porém mais
culta.” (CERDEIRA, 2004, p. 9)
Sem sombra de dúvidas, o acesso da mulher à educação formal e,
consequentemente, os papéis sociais diferentes assumidos pelas mulheres ao longo do
tempo alteraram sobremaneira seu comportamento linguístico por formas de maior
prestígio ou por usos mais vernaculares.
Dessa maneira, as discussões acerca do princípio Ia proposto por Labov,
normalmente apontam para as mulheres liderando tanto a aquisição de novas formas de
prestígio de fora da comunidade de fala, como a eliminação das formas estigmatizadas.
A questão do princípio I será pensada aqui tendo em vista outros parâmetros
relacionados a natureza do objeto de estudo e a própria perspectiva de análise histórica.
A variante não-padrão é reinterpretada como um marcador social do grupo. Os homens
adotariam as variantes avaliadas de forma positiva na filiação ao seu grupo, buscando a
solidariedade de seus amigos e companheiros. Assim, empregam variantes marcadas
positivamente como características linguísticas identificadoras de sua comunidade,
classe ou gênero, embora tais formas coincidindo ou não com a norma padrão, gozam
de um alto valor simbólico social (Trudgill, 1972, 187-188). A forte presença de tu no
lugar de você nas cartas masculinas do século XIX, como apontou Rumeu (2013), não
corresponderia a um uso não-padrão, mas um recurso identitário da escrita partilhada
entre amigos e parentes com grande intimidade.
Embora os princípios Ia e II pareçam contraditórios, uma vez que retratam as
mulheres como simultaneamente conservadoras – por preferirem as formas prestigiadas
– e inovadoras – por adotarem mais rapidamente as novas formas, eles podem ser
conciliados dada a natureza objeto de estudo e da maneira pela qual as mudanças se
propagam na comunidade.
Nessa perspectiva, Souza (2012) mostra exatamente esse comportamento
linguístico dúbio das mulheres. Ao mesmo tempo em que se considera que o
comportamento feminino tenha sido inovador, por elas terem inserido a forma você no
quadro pronominal do português brasileiro, isso também se deve ao fato dessa então
variante não sofrer estigmas sociais, isto é, não ser considerada uma variante não-
padrão, como defende Rumeu (2008). Da mesma maneira, ao estudar a variação entre
teu e seu, acredita-se que as mulheres terão um comportamento parecido, já que se
121
assume aqui que a inserção de seu no paradigma de segunda pessoa acompanhou a
inserção de você no sistema e não é uma forma estigmatizada socialmente.
Em seu estudo sincrônico, Cheshire (2004) comenta também a diferenciação de
comportamento de mulheres de classes sociais diferentes. A autora aponta que, em um
estágio inicial de mudança, as diferenças linguísticas entre homens e mulheres são
quase imperceptíveis, mostrando-se mais presente ao passo que a variação passa a ser
mais notada pelos falantes. Na diacronia, com os questionamentos que o presente estudo
busca responder, seria possível tentar identificar tais apontamentos ao analisar a amostra
em períodos temporais distintos, observando todo o desenrolar da mudança.
As considerações feitas até então, mais do que manifestar as diversas discussões
sobre o comportamento linguístico de homens e mulheres, revelam que não é possível
desvincular o gênero de questões como prestígio, conservadorismo e mudança. Nesse
sentindo, assume-se que o pronome possessivo seu seria uma inovação na língua, uma
vez que um pronome vinculado à terceira pessoa passa a ser empregado para se dirigir
diretamente ao interlocutor. Também adota-se a concepção de que essa forma não
possuía estigmas por estar associado a um tratamento de deferência; por estar presente
em um texto previamente pensado, a carta, e, principalmente, por aparecer no discurso
de pessoas com erudição e domínio dos modelos de escrita.
Nesse sentido, embora os princípios propostos por Labov sejam pertinentes ao
estudo que está sendo realizado, não se pode afirmar que os mesmos sejam aplicáveis a
todas as pesquisas diacrônicas de base sociolinguística. É preciso que essas questões
sejam relativizadas, principalmente quando se tratam de fenômenos que saem do escopo
da fonética e da fonologia. Não é possível definir com precisão quem foram todos esses
homens e mulheres que escreveram todas as cartas que serviram de base para a análise.
Dessa maneira, para essa pesquisa, os princípios propostos por Labov ficam assim
reformulados para os objetivos e perspectivas aqui adotadas:
Princípio I: Na variação estável, os homens utilizam com maior frequência a
variante mais marcada ou identitária do grupo, enquanto as mulheres utilizam-na
menos.
Princípio Ia: Na mudança em direção ao prestígio, as mulheres tendem a usar
mais do que os homens, a variante menos estigmatizada ou marcada.
122
Princípio II: Nos processos de mudança, as mulheres possuem um
comportamento linguístico inovador.
Assim, busca-se identificar se tais princípios poderiam ser encontrados na
análise da variável gênero, que se mostrou, de certa forma, equilibrada na amostra, já
que das quatro rodadas realizadas, ela foi selecionada em duas: o primeiro e segundo
períodos temporais. Apesar disso, a tabela 24 aponta a distribuição dos resultados na
rodada geral:
Tabela 24: A distribuição dos possessivos a depender do gênero na na rodada geral
A tabela aponta que, no âmbito geral, tanto homens quanto mulheres utilizaram
mais o pronome possessivo teu/tua, com percentuais quase idênticos: 75% e 78%
respectivamente. Entretanto, apesar de, na amostra, haver mais cartas escritas por
homens (252) enquanto mulheres escreveram 111, chama a atenção o fato de pronomes
possessivos, em geral, estarem mais presentes no discurso masculino, uma vez que das
1376 ocorrências totais de formas possessivas, 998 estão em missivas escritas por
homens.
Tais resultados gerais não despertam surpresas, uma vez que o pronome
possessivo teu foi mais empregado na amostra de forma geral, logo, ao observar as
ocorrências através do prisma das diferentes variáveis, espera-se que seus índices sejam
maiores e as porcentagens mais altas. A análise dos pesos relativos indicados para cada
período pode dar indícios dos contextos mais favorecedores, relativizando tais
percentuais brutos. Não obstante, ao fazer as diferentes rodadas, pode-se perceber
comportamentos contrastantes entre os diferentes períodos temporais, o que requer uma
análise mais minuciosa. Assim sendo, a tabela a seguir ilustra o que foi encontrado no
primeiro período temporal:
Tabela 25: A distribuição de seu a depender do gênero na fase 1. Valor de aplicação: seu
Gênero Seu Teu
Homem 253/998 – 25% 745/998 – 75%
Mulher 82/378 – 22% 296/378 – 78%
Gênero – Fase 1 Aplicação/Total % PR
Homem 11/364 3% 0.307
Mulher 22/33 65% 1.000
123
A tabela mostra que, no período de 1870-1899, no que se refere à frequência,
seu é favorecido entre as mulheres, com 1.000 de peso relativo e 65% de frequência, no
entanto, ressalta-se a pouca quantidade de dados: apenas 33. Por outro lado, homens
mostram-se desfavorecedores ao emprego da forma inovadora em referência à segunda
pessoa (seu), com 0.307. Cabe ressaltar que, no período em questão, fins do século XIX
e início do século XX, sabe-se, a partir dos estudos sobre a variação de sujeito de
segunda pessoa, o pronome tu era mais produtivo nas cartas masculinas, ao passo que
você era produtivo nas cartas de mulheres (RUMEU, 2008; SOUZA, 2012). Importante
lembrar também que Souza (2012) aponta para um uso de você ligado à indiretividade e
deferência no discurso feminino, isto é, essa forma não era variante stricto sensu do
pronome tu.
Nesse sentido, os resultados mostrados na tabela 25 apontam que, na fase 1, o
resultado encontrado para o sujeito em outros estudos caminha na mesma direção com
os pronomes possessivos, assim, as mulheres favorecem o emprego de seu na amostra,
ao passo que o pronome tu é favorecido por homens.
Vale frisar que, no período em questão, as cartas que compõem a fase 1 foram
escritas por homens e mulheres de famílias abastadas, com domínio da língua escrita. A
tabela a seguir relaciona as formas empregadas na posição de sujeito e o pronome
possessivo empregado nas missivas, tendo em vista do gênero na fase 1 (1870-1899):
Tabela 26: Possessivos e sujeito predominante nas cartas da fase 1
O controle da forma de sujeito presente na carta tinha objetivo (i) verificar se o
missivista seguia o mesmo paradigma ao empregar o possessivo (você-seu e tu-teu); (ii)
rastrear que variante possessiva começava a predominar nas cartas mistas, ou seja,
Mulheres
Somente tu Somente
você
Mista Sem
referência
Total
Seu 2 – 15% 6 – 100% 4 – 100% 10 – 91% 22 – 65%
Teu 11 – 85% 0 0 1 – 9% 12 – 35%
Homens Seu 3 – 1% 5 – 20% 1 – 3% 2 – 17% 11 – 3%
Teu 284 – 99% 20 – 80% 37 – 97% 10 – 83% 352 –
97%
124
naquelas em que ora usava você ora empregava tu na posição de sujeito, além de
observar as cartas sem qualquer tipo de referência explícita ao sujeito, isto é, o mesmo
era identificado através de vocativos, por exemplo.
Os resultados da fase 1 reiteram o predomínio do pronome possessivo seu em
cartas femininas. Destaca-se que isso ocorre até mesmo nas cartas mistas (100%) e nas
cartas sem referência explícita ao sujeito (91%). O fato de o pronome ter ocorrido em
todas as missivas independentemente do sujeito que era empregado nas mesmas
evidencia sua preferência nas cartas femininas ao referenciar-se de forma mais genérica.
Logo, seu ocorre livremente, com qualquer tipo de sujeito nas cartas femininas,
enquanto o possessivo teu só aparece em cartas em que o sujeito é tu. Aparentemente, o
emprego espraiado de seu por mulheres indica que essa forma não sofria estigma social,
podendo ser até mesmo um tratamento prestigioso.
Esse resultado confirma a hipótese de que essa forma, ainda resguarda resquícios
de deferência, já que era, a priori, uma forma relacionada à Vossa Mercê. Ora o
pronome aparece direcionado diretamente ao interlocutor, nas cartas de você e também
nas cartas em que tu é o sujeito, ora o mesmo é empregado de forma mais cortês.
Embora se tenha apenas um indício, seria pertinente destacar, como afirma Trudgill
(1974), que as mulheres podem ser responsáveis pela difusão das formas de prestígio
por estarem encarregadas, direta ou indiretamente, da educação de seus filhos. Mesmo
que não seja o caso em nossa amostra, são as mulheres as responsáveis pela
aprendizagem da língua materna e transmitiriam as suas formas variantes a seus filhos
que as incorporariam uma geração mais tarde (Conde Silvestre, 2005, p. 158)
Nesse sentido, a tabela complementar reitera o que foi postulado no princípio Ia
proposto por Labov: na mudança em direção ao prestígio, as figuras femininas tendem a
usar a forma menos marcada. Defende-se aqui que o período do gatilho da mudança
talvez tenha sido o final do século XIX (1870-1899), na fase seguinte tem-se o início de
um processo mais forte de variação. Os exemplos abaixo ilustram as ocorrências do
período 1:
(65) “O que queres? Porque foste te sahir tão | bem e tão a meu
contento na | 1ª encommenda que te fiz? | Agora soffres as
consequencia da tua | böa vontade e gosto.” (Família Cupertino, em
22 de maio de 1882, carta escrita por homem)
125
(66) “Já escrevi ao [inint] | sobre a entrega de dinheiro | meu a Você
visto que elle | tem procurado me para re | ceber meus endereços. |
Estava aqui no meu | quarto estudando quando | recebi sua carta | (8
horas da noite) | vou em pessôa levar esta | ao Correio para seguir
amanhã. | Continuo felizmente | bem de saúde. | Diga a sua mãe | que
hei de escrever lhe | uma longa carta, e | lembre me a todos.” (Família
Cupertino, em 26 de fevereiro de 1886, carta escrita por homem)
Observa-se, através dos exemplos (65) e (66), o emprego de teu e seu em cartas
masculinas e que, o emprego do sujeito nas cartas está diretamente relacionado ao uso
do possessivo. Assim, em uma carta cujo sujeito é tu, como queres, foste e soffres o
pronome possessivo empregado é tua böa vontade, enquanto que em uma carta em que
há emprego de você, mesmo que como dativo (a você), ou sujeito nulo (diga), há
também utilização de seu (sua carta, sua mãe). Interessante ainda observar, através da
tabela 26, que há um predomínio de teu nas cartas masculinas, mesmo nas cartas mistas
ou sem referência explícita e também nas cartas cujo sujeito é você. As mulheres, por
outro lado, parecem seguir o paradigma pronominal: cartas de você, seu; cartas de tu,
teu. Tal comportamento é uma evidência da escolha feminina por variantes de prestígio,
já que, em suas cartas, há menos mescla das formas pronominais. Os exemplos a seguir
ilustram o emprego dos possessivos em cartas sem referência pronominal explícita e em
cartas mistas:
(67) “Estimara que Você e todos | os nosso queridos filhinhos | tenham
passado bem | depois que parti. | Hei de escrever te sempre | ainda que
sejam 2 linhas. | Faz sempre que puderes o | mesmo, pois já estou |
[ancioso] por uma carta. | Lembranças abraços e beijos | do Seu |
Antonio” (Família Cupertino, em 12 de fevereiro de 1886, 12 de
fevereiro, carta escrita por homem)
Observam-se mais alguns exemplos. O primeiro deles foi escrito por uma
mulher e o segundo, escrito por um homem e nos dois casos a variante possessiva
empregada é seu:
(68) “Aracajú 12 de Fevereiro de 1873 | Primo | Foi com muito prazer
que recebi sua | carta de 3 de Janeiro próximo passado princi- |
palmente por trazer com ella a no- | ticia do seo restabelecimento. (...)
| Peço-lhe que agradeça muito e muito de | minha parte a Prima
Joanninha | e ao Doutor João Maria os obsequios que | ambos tem
feito a [João] e peço que | me recommende à todos os seos. | Ja tive
noticia da boa recepção | que lhe fizerão na Rua do Lavradio, |
portarão-se como verdadeiros sel- | vagens, foi mais uma delicadeza
126
que | vem juntar-se a outras. || Muito estimarei que obtenha o lugar | de
Amanuense a que aspira | Receba saudades do Espinola das me- |
ninas e de sua prima || affetuosamente || e obrig[adíssima] || Anna
Espínola” (Família Cupertino, em 12 de fevereiro de 1873, carta
escrita por mulher)
(69) “Minha mto bôa e presada Filha e ma Ama | Corte 20 de Maio de
1886. | Esta chegara as suas mãos | em vespera da terminação do mez
solemne mariano | e da sua festa Deos permitta que todos estejam
satisfei-tos, | com saude e mais bens, em paz com as crianças. || (...)
Não tenho recebido letras suas mas como Você tem podido | ser mais
frequente em a estima vil correspondencia | com a vossa mãe e irmã
eu por esse meio obtenho | sempre noticias vossas – tanto de si, como
do marido | e filhinhos.” (Família Pedreira, em 20 de maio de 1886,
carta escrita por homem)
Percebe-se que, tanto no exemplo em que a carta foi escrita por uma mulher,
quanto em carta escrita por homem, nos dois casos, as missivas apresentam elementos
que mostram ao leitor o distanciamento presente entre os interlocutores. No primeiro
caso (68), Anna não chama o primo pelo nome, usa a relação de parentesco para referir-
se a ele. Além disso, é possível perceber um cuidado com o vocabulário empregado,
além do uso do pronome lhe e formas verbais relativas a você, como aspira e receba.
Na despedida, não há beijos ou abraços, que mostram intimidade, apenas Receba
saudades (...) da sua prima.
Esse uso é semelhante ao encontrado no trecho extraído de uma carta da Família
Pedreira. Nesse exemplo (69), papai Pedreira também possui zelo com o vocabulário
empregado e, apesar de escrever para a filha, utiliza-se de termos como presada, que
marcam uma relação mais distante entre os dois. Além disso, há emprego da forma você
e a mescla de seu/sua com vosso/vossa, que, aparentemente, marcam distanciamento.
Os exemplos a seguir ilustram o emprego do pronome possessivo teu/tua no
mesmo período em uma carta feminina e outra masculina:
(70) “Chim, meu querido Filho || Gosto muito de receber tuas
cartinhas, | vejo n’ellas o amor que me tens, e a teus | Irmãos. || Fiquei
muito contente de ver a defeza que fazes do Alvaro. (...) Mandei por
de molho e passar a ferro duas | fazendas para fazeres ternos, e | breve
mandarei. || Por quanto fazem o terno dan- | do-se a fazenda? Martinsi-
| nho me escreveu. Doxa vem | hoje de Juiz de Fora. Papai só | vem do
Rio no dia 2. (...) Com Ceição e Edmundo | acceite a benção da |
Maisinha” (Família Penna, em 23 de setembro de 1898, carta escrita
por mulher)
127
(71) “Querido Affonsinho || Barbacena, 3 de Maio de 1898 || Pela tua
carta de 1o | vejo os motivos que tens para | não [escreveres] todos os
dias [o] | que [me] pareciam justos. | Escrevas quando puderes, ao
menos uma vez por | semana. || Andei indefluxado e adoentado a
semana | passada, mas já estou melhor, embora ainda | soffrendo
alguma cousa. Todos de casa passão | bem. (...) | Lembrei me agora de
[satisfazer] a [pergunta] | que fizeste sobre o resultado da viagem de |
Leopoldo a São Paulo. Diz elle que obteve alguma | melhora, mas se a
obteve foi de pouca | duração. Depois que voltou teve inchação | de
pernas, cousa que d’antes não soffria... | Como vai a minha casa? |
Saudades ao Henrique e [Guilherminha] | e receb[e] a benção e um
abraço de | Pai e amigo | Affonso” (Família Penna, em 3 de maio de
1898, carta escrita por homem)
Diferentemente dos exemplos (70) e (71), é possível observar que, nos dois
trechos de cartas, as mesmas são mais intimistas e afetuosas. Assim, há o emprego de
formas relacionadas ao pronome tu, como tens, fazes e fazeres em (70) e tens,
escreveres, escrevas e fizeste, em (71). Além disso, tanto na carta feminina, quanto na
carta masculina, utilizam-se apelidos para referir-se ao destinatário, como Chim e
Affonsinho, respectivamente. Ademais, nas duas missivas percebe-se que os remetentes
escrevem em busca de notícias e também para dizerem como estão passando eles
próprios e os familiares. Nesse sentido, o teor da carta é mais íntimo e aproxima os
interlocutores.
Assim, é possível afirmar que, no que se refere ao primeiro período temporal,
teu e seu não são variantes diretas, já que há motivações discursivo-pragmáticas para a
utilização das formas possessivas, isto é, as mesmas não são empregadas nos mesmos
contextos de uso. Os exemplos deixam claro que teu é usado em cartas íntimas, em que
há proximidade entre remetente e destinatário. Por outro lado, seu é empregado em
missivas cujo distanciamento é maior entre os interlocutores. Nesse sentido, esse seu,
assim como o você do mesmo período em questão, ainda, de certa forma, está
relacionado ao pronome de tratamento Vossa Mercê, apresentando, portanto, prestígio e
deferência. Então, da mesma maneira que a forma você tem seu maior emprego
associado às mulheres justamente por não haver estigma com seu emprego, é natural
que o pronome possesivo seu associado à essa forma também esteja mais presente no
discurso feminino.
No segundo período temporal, o corpus acaba se modificando um pouco, já que
o mesmo não se restringe mais a famílias ilustres, sobre as quais é possível, com maior
facilidade, buscar informações biográficas. Duas amostras são pertencentes a pessoas
128
comuns, cuja proveniência não se conhece, muito menos informações mais detalhadas
acerca da vida desses escribas. Assim sendo, decidiu-se realizar três rodadas
correspondentes ao segundo corte temporal: a primeira, unindo todas as amostras do
período; a segunda, em que se agrupam as famílias ilustres; e a terceira, em que constam
apenas os dados das pessoas ditas comuns, com o intuito de identificar se há alterações
linguísticas a depender desse fator. Vê-se a tabela que ilustra os resultados referentes a
esse segundo corte temporal considerando todas as amostras do período:
Tabela 27: A distribuição de seu a depender do gênero na fase 2. Valor de aplicação: seu
A tabela 27, referente ao segundo período temporal, evidencia que tanto homens
quanto mulheres empregam mais teu se for levado em conta os baixos percentuais de
frequência para seu. No entanto, apesar de baixos percentuais de ocorrência do pronome
seu (22% para homens e 16% para mulheres), o número de dados aumentou
consideravelmente em relação à fase anterior: de apenas 11 dados em cartas masculinas
na fase 1, passa-se a 105. Já nas cartas femininas, o crescimento é um pouco menor, de
22 para 52 ocorrências. Em termos dos pesos relativos, houve uma mudança de
comportamento em relação à fase anterior. Nessa fase, o programa estatístico indicou
que são os homens que aparecem como favorecedores de seu (0.916). No entanto, cabe
observar como se dá essa distribuição a depender do gênero dos informantes,
considerando o tipo de amostra: famílias ilustres e famílias não-ilustres, como se vê nas
tabelas a seguir:
Tabela 28: O gênero no período temporal 2 nas amostras de pessoas ilustres
Gênero – Fase 2 Aplicação/Total % PR
Homem 105/468 22% 0.916
Mulher 52/335 16% 0.034
Famílias Ilustres
Teu Seu
Homens 44/133 – 33% 89/133 – 67%
Mulheres 138/190 – 73% 52/190 – 27%
Famílias Não-Ilustres
Teu Seu
129
Tabela 29: O gênero no período temporal 2 nas amostras de pessoas não-ilustres
As tabelas mostram comportamentos semelhantes, na fase 2, entre as mulheres
das famílias ilustres e não-ilustres: em ambos os casos, as mulheres empregam mais o
pronome teu. Assim, as mulheres não-ilustres fazem uso categórico do possessivo teu,
enquanto seu aparece timidamente nas cartas de mulheres ilustres (27%). O
comportamento dos homens, no entanto, demonstra divergências, uma vez que o
emprego de seu é favorecido por homens ilustres (67%), ao passo que os homens não
ilustres o utilizam em apenas 5% das ocorrências. Apesar dessa discrepância é
importante ressaltar que, ainda que o número de dados de seu em cartas de homens não
ilustres seja pequeno (16), o pronome aparece, mesmo que timidamente, em cartas
masculinas, o que não ocorre nas cartas femininas. O gráfico abaixo ilustra os resultados
observados em todas as tabelas:
Gráfico 7: a distribuição dos pronomes possessivos pelo gênero e amostras ilustres e não ilustres
O maior emprego do pronome seu por famílias ilustres corrobora a ideia de que
tal forma não possuía, muito provavelmente, estigmas sociais. Além disso, observa-se o
maior emprego dessa forma por figuras masculinas, o que indica o seu espraiamento na
escrita de homens, inclusive os não-ilustres. Os resultados indicam que o emprego de
seu como forma de referência à segunda pessoa, aparentemente, se deu através do
Homens 319/335 – 95% 16/335 – 5%
Mulheres 145/145 – 100% -
130
emprego do pronome por pessoas mais eruditas e escolarizadas, passando, pouco a
pouco, para a escrita de pessoas com menos acesso à educação formal.
Nesse sentido, as tabelas a seguir demonstram a disposição das formas
possessivas considerando o tipo de sujeito nas cartas femininas e masculinas,
separando-os em ilustres e não ilustres:
Tabela 30: Possessivos e sujeito predominante nas cartas do período 2, nas cartas de pessoas ilustres
Tabela 31: Possessivos e sujeito predominante nas cartas do período 2, nas cartas de pessoas não-ilustres
As tabelas mostram que a variação entre as formas possessivas teu/seu acirra-se
mais no período 2 (1900-1939), principalmente nas cartas de pessoas ilustres e nas
Famílias Ilustres
Mulheres
Somente tu Somente
você
Mista Sem
referência
Total
Seu 2 – 2% 44 – 90% 3 – 13% 3 – 19% 52 –
27%
Teu 100 – 98% 5 – 10% 20 – 87% 13 – 81% 138 –
73%
Homens Seu 9 – 24% 66 – 100% 12 – 75% 2 – 15% 89 –
67%
Teu 29 – 76% - 4 – 25% 11 – 85% 44 –
33%
Famílias Não-Ilustres
Mulheres
Somente tu Somente
você
Mista Sem
referência
Total
Seu - - - - -
Teu - 6 – 100% 139 –
100%
- 145 –
100%
Homens Seu 13 – 5% - 1 – 1% 2 – 50% 16 – 5%
Teu 239 – 95% - 78 – 99% 2 – 50% 319 –
95%
131
cartas de homens não-ilustres. Assim, identifica-se uma correlação maior entre as
formas possessivas e os sujeitos empregados nas cartas de pessoas ilustres, isto é, tanto
homens, mas principalmente as mulheres tendem a não misturar as formas tratamentais.
Vê-se também que, através da tabela 30, que o emprego de seu passa a ser mais
frequente em cartas mistas (75%) redigidas por homens ilustres, assim como aparecem
mais ocorrências de seu – 9 – em cartas cujo sujeito é tu nas cartas desses homens.
Por outro lado, a tabela 31, referente a homens e mulheres de famílias não
ilustres, mostra que a mescla de pronomes de tratamento tende a ser maior nas cartas
redigidas por essas pessoas, principalmente as mulheres. Assim, das 145 ocorrências de
teu em cartas femininas, 139 aparecem em cartas mistas e seis em cartas cujo sujeito é
você. Interessante observar que não ocorre um único dado de teu em cartas cujo sujeito
é exclusivamente tu. Da mesma forma, homens não ilustres, embora tenham
apresentado poucas ocorrências de seu em suas cartas, apenas 16, 13 delas aparecem em
cartas cujo sujeito é tu.
Assim, tais resultados reafirmam a ideia de maior variação pronominal entre os
anos de 1900 a 1939, porém desvelam que essa oscilação ocorre porque tu e você e teu e
seu passam a ocorrer nos mesmos espaços funcionais, nos mesmos contextos,
principalmente nas cartas redigidas por pessoas não-ilustres e, por isso, não tão atentas
ao rigor gráfico e gramatical. Assim, os exemplos a seguir ilustram o emprego dos
pronomes nesse segundo corte temporal:
(72) “Rio, 23 de Setembro de 1919 || Querido Filho || Tenho tido
noticias suas, não | tenho escrito porque sei que não | tens tempo para
responder. | Sinto bem você não ter mais | calma para fazer o seu tra |
balho, não se alimentar bem | e com socego. Agora você deve | estar
mais tranquillo e | mais contente com a pre- | sensa de Marieta e filhi-
;nhos. (...) || Octavio tem vindo sempre | jantar as 7 horas e hontem só |
veio as 9. É um horror!!! | Está cançadissimo. São 9 | horas da manhã
já estam em | Larangeiras vendo casa. || Recebi a carta de Marieta e |
eide escrever a ella. Agora va- | mos conversar em negocios. | O
dinheiro que você, mandou | para o Salvador ir tirando to- | dos os
mezes só restam 800$ | é preciso você mandar o das | meninas e 200$
para pagar a | pensão do convento até De- | zembro. A vida está
caríssima | e custosa. (...) || Muitos beijinhos aos me- | us netinhos de
quem te- | nho immensas saudades | e você com Marieta acceite |
abraços das meninas e | da || Maisinha” (Família Penna, em 23 de
setembro de 1919, carta, carta escrita por mulher)
(73) “Bello Horizonte, 16 de Março de 1914 || Queridinha || Hontem e
hoje tive o immenso conforto | receber duas cartas suas. Já estava
132
pensando | que tinha sido esquecido, que Você não sentiu falta | nem
saudade do maridinho e minha tristeza era | tão grande, que nem
coragem tinha de ranzinzar. | Parece que seu coração adivinhou,
afinal, tudo | isto, porque as duas cartinhas vieram tão cheias | de
affecto e tão noticiosas que desfizeram toda | a minha magoa. (...) |
Não se preocupe com a questão de di- | nheiro, pois será bem
applicado, que é o | essencial. Ahi vai um cheque de 700$00 | para
accudir o esgotamento de sua caixa. || Diga a [Irinho] que o Juca ainda
não | se entendeu commigo sobre a mobilia. | [Covem] que elle
escreva catucando, pois | elle já está em Marjagão. | Está aqui uma
Companhia hespanhola de operetas. | Obrigaram me a [tomar] uma
assignatura, | mas quem a está aproveitando é Aidinha, | que já foi aos
3 primeiros espectaculos da | Companhia. (...) | Muitas e muitas
saudades aos de casa. || Beijos aos filhinhos e guarde para | Você o
coração [amantissimo] do seu || Maridinho” (Família Penna, em 16 de
março de 1914, carta escrita por homem)
Os exemplos (72) e (73) mostram um uso diferenciado do pronome possessivo
seu se comparado ao primeiro período temporal. Observa-se agora o uso de seu
juntamente com a forma você que já se espraia para os mesmos espaços funcionais do
pronome tu, o que fica bem claro, com a mescla de pronomes na posição de sujeito no
exemplo (72). Assim, nota-se que as cartas possuem tom altamente intimista, com o
emprego de vocativos como Querido Filho e Queridinha, ao invés do nome dos
destinatários. Vê-se o desejo por saber notícias e contar o que vem acontecendo na vida
dos próprios remetentes e de pessoas próximas, utilizando-se de expressões no
diminutivo, o que acaba configurando um tom mais próximo e familiar às missivas. Por
fim, tanto na carta feminina, quanto na carta masculina, os missivistas não assinam com
seus próprios nomes, mas com Maisinha e Maridinho, além de se despedirem
mandando beijos.
Vê-se a seguir um pouco mais do emprego das formas possessivas teu/tua nas
missivas pertencentes ao segundo lapso temporal:
(74) “Paulo de Frontem 10 – 9 – 1936 | Querido Jayme Saudades
Desejo que ja estejas | passando melhor de saude que e o meu deseijo |
eu e a Hilda chegamos bem grasas | a Deus (...) || Jayme manda-me
dizer se atua mãe falou | alguma cousa com voce au meu respeito | eu
espero voce no dia 27 sepoder vin | no dia 20 era bom por que estou
com tantas saudades | tuas muitas | lembranças da minha irma Imenia
e | dos meus sobrinha e da Hilda e desta | tam te ama muitos beijo e
abraços | Mariquinhas” (Casal Jayme e Maria, em 10 de setembro de
1936, carta escrita por mulher)
133
(75) “Petropolis, 15 de maio de 1913 | Alarico. || Recebi hontem sua
carta | de 12, a que respondo. Nós por aqui vamos | indo bem. Eu estou
passando um pouco melhor | o Moreira tem vindo agora diariamente |
pois estou fazendo uso de injecções. (...) || Mande o Valentim na casa
de tia Bibi | pedir uma camisa e 1 collarinho pois | vou começar a dar
passeios de manhã. | Poderás trazer quando subir pois | é pouca cousa.
(...) || Os meus 10 $ 000 que estavam na gaveta | de mesa estão em teu
poder? || Sem mais acceite um abraço do irmão || Tito” (Família Land-
Avellar, em 15 de maio de 1913, carta escrita por homem)
Os exemplos (74) e (75) mantêm o tom intimista, a busca por informações por
parte dos remetentes e relatos para o destinatário, além de despedidas com expressões
como beijo e abraço que reforçam a intimidade entre os interlocutores. No entanto,
esses trechos são claros para que se possa afirmar que o segundo período temporal é
marcado por ser um período de variação no português brasileiro, mas não só na posição
de sujeito.
No exemplo (74), escrito por uma mulher, observa-se o emprego do pronome
possessivo teu, com tu na posição de sujeito, mas você sendo empregado como
complemento. Já no exemplo (75), escrito por um homem, é possível identificar, além
da mescla na posição de sujeito, também a mescla na utilização dos próprios pronomes
possessivos, uma vez que o missivista inicia a carta utilizando seu e termina com teu.
Assim, diferentemente do primeiro período temporal, em que teu e seu não eram
variantes porque não eram empregados necessariamente nos mesmos contextos, nessa
segunda fase, é justamente o contrário: teu e seu estão em constante variação, assim
como os outros subtipos pronominais. Dessa forma, por ser possível constatar que esse é
um novo contexto de uso do pronome possessivo, reforça-se a tese de que seu na
referência à segunda pessoa é uma inovação, sendo timidamente implementado na
língua, através da escrita masculina, como a tabela 28 mostrou.
Na fase 3, tem-se apenas cartas masculinas. Assim, foram identificadas 112
ocorrências de pronomes possessivos, sendo 107 de seu (95%) e 5 de teu (5%). O uso
majoritário de seu era esperado, uma vez que, nesse período temporal, o pronome você
já se configura como tratamento pessoal de uso corrente e predominante. Todavia, vale
ressaltar que, mesmo como esse novo panorama pronominal, ainda há utilizações,
mesmo que tímidas, de teu, como pode-se observar no exemplo a seguir:
(76) “Estou brincando muito | mas no fundo sinto | muitas saudades
suas. | Queria te ver. Como esta | o teu ex-namorado daqui? | Voce
134
tem escrito para ele? | Talvez este ano não de | para eu ir a Guarapari |
pois não vou ter tempo.” (Família Lacerda, em 9 de novembro de
1978, carta escrita por homem)
O exemplo (76) demostra a alternância dos pronomes teu e seu numa mesma
carta. Esses usos, juntamente com os resultados encontrados para esse recorte temporal,
mostram que o período de mudança em progresso, apesar de ainda existir, mesmo que
timidamente, variação.
Em síntese, essa seção foi importante para que se entendesse como a variável
gênero poderia influenciar nos resultados encontrados. Pode-se constatar que, de fato,
essa variável, na análise desse fenômeno, está intrinsecamente ligada a outros conceitos
como inovadorismo/conservadorismo e prestígio social de uma variante. Conclui-se que
não foi possível identificar quaisquer indícios de que o pronome seu era uma variante
estigmatizada, muito pelo contrário, já que por ser relacionado ao pronome de
tratamento Vossa Mercê era uma variante com valor de deferência. Por isso, são as
mulheres as grandes favorecedoras de seu emprego, na fase 1 (1870-1899), o que
confirma o princípio Ia de Labov, aqui reformulado: em uma mudança em direção ao
prestígio, as mulheres vão utilizar mais as variantes menos marcadas ou estigmatizadas.
Assim, na fase 2 (1900-1939), observou-se o aumento no uso do pronome seu
por homens, principalmente ilustres, o que corrobora a ideia de prestígio da variante,
muito embora o aparecimento tímido desse pronome em cartas de homens não-ilustres
indique o seu espraiamento sutil para outras camadas sociais, até o momento em que o
pronome se configura como a estratégia em profusão, como se identificou na fase 3
(1940-1979). Infere-se, portanto, que a variação teu/seu se dá a partir das mulheres (fase
1), passando a variar nos mesmos espaços funcionais de teu, principalmente na escrita
dos homens (fase 2) e chegando ao seu auge (fase 3).
Na próxima seção, serão discutidos os resultados referentes à variável faixa
etária.
135
4.2.3- Faixa etária
Nos estudos sociolinguísticos em geral, quando se refere à comunidade de fala,
esta não é entendida como um grupo de pessoas que fala de maneira igual, mas sim
como um conjunto de pessoas que compartilha traços linguísticos que distinguem seu
grupo de outros, que se comunicam mais entre si do que com outros e, primordialmente,
compartilham normas e atitudes diante do uso da própria linguagem (cf. LABOV 1972;
GUY, 2007). Nesse sentido, acredita-se que, nas comunidades de fala, há,
constantemente, formas linguísticas em variação, podendo elas estarem em coocorrência
ou concorrência.
Dessa maneira, uma variável muito considerada em estudos de cunho
sociolinguístico é a faixa etária em que os indivíduos da comunidade de fala estão e
como isso pode contribuir para o fenômeno da variação em si. No que tange à faixa
etária, a variação estável se caracterizaria por um padrão curvilinear, em que as faixas
intermediárias apresentariam a maior frequência de uso das formas de prestígio, ao
passo que, quando há mudança em progresso, a distribuição seria inclinada, com os
mais jovens apresentando a maior frequência de emprego das formas inovadoras (cf.
CHAMBERS e TRUDGILL, 1998, p. 91-93). É importante destacar que há outros
fatores envolvidos nessa dinâmica, como, por exemplo, o grau de escolaridade, mas “a
falta de conservadorismo” dos jovens é comumente responsabilizada por trazer
mudanças à língua.
Conde Silvestre (2007) comenta que, diferentemente da investigação sincrônica
que estabelece previsões ou caminhos da variação e da mudança em curso, os estudos
de sociolinguística histórica conhecem de antemão o alcance que obteve determinado
objeto de estudo. Nesse sentido, os estudos em tempo aparente seriam desnecessários
para o investigador histórico, uma vez que não se quer, como nos estudos sincrônicos,
projetar a observação de uma situação de variabilidade linguística para o futuro, porque
as consequências e os resultados de uma mudança já são conhecidas.
Recorrer ao estudo em tempo aparente na sociolinguística histórica tem outro
objetivo, qual seja, determinar a fase de propagação inicial de uma mudança cujo
transcurso é bem atestado na história da língua. Um exemplo ilustrativo seria o estudo
de Duarte (1995) e de Souza (2012) que comprovaram ser a década de 1930 o momento
em que o pronome você se inseriu no sistema pronominal brasileiro, logo, é possível
supor que outras mudanças em subtipos pronominais distintos podem estar relacionadas
136
a essa inserção. Ademais, a análise em tempo aparente ajuda também a solucionar
problemas relacionados à deficiência de dados, permitindo conectar a informação que
fornecem textos coetâneos em relação à variável estudada.
Seguindo essa perspectiva, a presente tese busca verificar quais foram os
contextos em que o pronome seu espraiou-se gradativa e timidamente como variante de
segunda pessoa. O grupo de fatores faixa etária foi, justamente, apontado como
relevante, em três – rodada geral, fase 1 e fase 2 – das quatro rodadas realizadas para a
análise da variação entre as formas possesivas teu/seu. Raumolin-Brunberg (1996b), por
exemplo, rastreou o progresso de mudanças morfológicas na produção epistolar privada
de duas gerações de uma mesma família. Os resultados da autora apontaram para uma
estratificação por idade, em que cada geração variava lentamente sua produção
linguística e, em consequência, influenciava, a longo prazo, na promoção da mudança.
Apesar de o presente corpus não reunir diferentes gerações de todas as famílias é
possível acompanhar e mapear os progressos da mudança dos pronomes possessivos de
segunda pessoa.
Embora os estudos sobre formas possessivas se limitem à análise sincrônica, os
seus resultados atendem à formulação das hipóteses a serem testadas aqui. Trabalhos
como os de Menon (1996) e Arduin (2005) mostraram que jovens, em geral, tendem a
favorecer o pronome teu/tua, pois, segundo as autoras, essa faixa etária estaria mais
propensa a empregar formas mais solidárias e menos formais. Por outro lado, as faixas
etárias mais velhas tendem ao uso de seu/sua, pois esses falantes optariam por formas
que mostram mais poder e formalidade.
Cabe, entretanto, fazer uma importante ressalva: no estudo de Arduin (2005, p.
107), a autora afirma que “não dão indícios de que há uma mudança
em progresso, ou seja, a variação dos possessivos de segunda pessoa teu/seu permanece
estável”. Diferentemente da conclusão a que a autora chega sobre a variação entre
teu/seu na sincronia, em regiões específicas do sul do país, os resultados até então
observados levam a crer que há uma mudança em progresso no sistema pronominal do
português do Brasil. Houve diacronicamente um aumento do pronome seu como forma
de referenciar à segunda pessoa do discurso. Nesse sentido, o presente estudo contempla
os períodos temporais em que se estaria sendo observada uma mudança em curso.
Como se está considerando como inovadora a forma seu em referência à segunda
pessoa, acredita-se que em fins do século XIX, foram os mais jovens aqueles que
137
empregariam a variante seu, ao passo que as faixas etárias mais velhas conservariam por
mais tempo a forma antiga teu.
Dessa forma, objetiva-se verificar as diferenças no emprego dos pronomes
possessivos a depender da faixa etária, podendo observar se, na longa duração, há
missivistas que mudam de comportamento linguístico, já que é possível acompanhar um
mesmo missivista ao longo de anos, em que ele passa de adulto a idoso, por exemplo. O
intuito é observar inclusive se a mudança na faixa etária pode influenciar no
comportamento linguístico que o informante venha a ter. Portanto, foram controlados
quatro fatores: (i) a faixa etária jovem, compreendida por escribas com até 29 anos; a
faixa etária adulta, representativa dos indivíduos entre 30-60 anos; (iii) a faixa etária
idosa, retratando os missivistas com mais de 60 anos de idade; e (iv) quando não há
qualquer referência sobre a idade do remetente.
A tabela a seguir reúne os resultados referentes a todas as rodadas para facilitar
uma análise comparativa:
Tabela 32: A faixa etária em todas as rodadas. Valor de aplicação: seu
A tabela aponta que, com exceção da fase 3, o grupo de fatores faixa etária foi
selecionado em todas as rodadas, o que faz crer que essa variável seja preponderante
para que se busque entender a variação entre teu/seu ao longo do tempo.
Interessante observar que, apesar de haver índices distintos, os resultados
caminham para um mesmo direcionamento: favorecimento de seu por jovens (0.772 na
rodada geral, 0.998 na fase 2 e 91% de ocorrências na fase 3), por idosos (0.608 na
Rodada geral Fase 1 Fase 2 Fase 3
Fatores Aplicação/Total
– % – PR
Aplicação/Total
– % – PR
Aplicação/Total
– % – PR
Aplicação/Total
– %
Jovem 54/73 – 74% –
0.772
– 5/19 – 26% –
0.998
49/54 – 91%
Adulto 163/269 – 16%
– 0.344
2/253 – 1% –
0.122
75/656 – 11% –
0.365
58/58 – 100%
Idoso 19/149 – 13% –
0.608
5/93 – 5% –
0.963
14/32 – 44% –
0.857
–
Sem
referência
99/156 – 63% –
0.958
26/51 – 51% –
0.980
63/92 – 68% –
0.890
–
138
rodada geral, 0.963 na fase 1 e 0.857 na fase 2) e quando não há referências sobre a
idade do missivista (0.958 na rodada geral, 0.980 na fase 1 e 0.890 na fase 2). No caso
dos adultos, houve desfavorecimento no uso de seu: 0.344 na rodada geral, 0.122 na
fase 1 e 0.365 na fase 2. Ainda que esse grupo de fatores não tenha sidoselecionado na
fase 3 (1940-1979), o percentual mostra o emprego categórico de seu por parte dos
adultos, com 100% de frequência, o que indica que esse possessivo se estabeleceu no
sistema como forma de referência ao interlocutor.
Em vista de tais resultados, o fato de os jovens, apesar de poucas ocorrências e
não contemplarem todas as fases temporais, terem tido os pesos relativos mais altos na
rodada geral e na fase 2 para seu/sua corrobora a hipótese inicial. Por se tratar de uma
mudança em progresso, os jovens tenderiam ao uso da forma inovadora, pois absorvem
mais rapidamente as novidades da língua. Ao mesmo tempo, observa-se que os idosos
também favoreceram esse pronome, o que parece contraditório, já que os mais velhos
costumam ter um comportamento linguístico mais conservador.
Na realidade, a análise do fenômeno é bastante complexa, tendo em vista que é
preciso correlacionar outros fatores linguísticos e extralinguísticos discutidos.
Primeiramente, como mencionado na seção que trata do gênero, está se considerando
seu como forma inovadora tendo em vista que originalmente tal variante possessiva se
referia à terceira pessoa, ou seja, como forma possessiva de segunda pessoa, o
possessivo seu é inovador em relação a teu. Entretanto, nessa perspectiva dicotômica
entre inovador versus conservador deve ser observada a forma empregada na posição de
sujeito. O valor das formas variantes se altera em função da preservação ou não de
formas do mesmo paradigma numa carta. O uso de seu em uma carta com uniformidade
no tratamento não tem o mesmo caráter inovador do seu emprego em uma carta
chamada aqui de mista. Se o remente mantém as formas do paradigma de tu e/ou de
você, ele não apresenta comportamento inovador. Nesse sentido, faz-se necessário
relacionar a faixa etária às formas empregadas na posição de sujeito tendo em vista as
fases controladas.
A tabela a seguir ilustra o emprego de seu nos diferentes tipos de carta
observados (só você, só tu ou você/tu), observando ainda a variável faixa etária, no
primeiro período temporal:
139
Tabela 33: Faixa etária e a distribuição de seu na fase 1 a depender do sujeito na carta
A tabela 33 ilustra a utilização de seu a depender da faixa etária dos remetentes
no primeiro período temporal, considerando o tratamento sujeito nas missivas. Observa-
se que nas cartas em que era possível controlar a idade do remetente, só foram
encontrados sete dados de seu: dois em cartas redigidas por adultos e cinco em cartas
produzidas por idosos. Apesar de serem pouquíssimos dados, os adultos da fase 1
apresentaram comportamento relativamente inovador, uma vez que os dados de seu não
ocorreram em cartas do mesmo paradigma: um deles apareceu em uma carta com tu na
posição de sujeito e o outro dado de seu foi localizado em uma carta mista.
Os idosos, entretanto, tiveram um comportamento bastante conservador, pois
houve o emprego categórico de seu em cartas do mesmo paradigma (cartas de você).
Foram localizadas cinco ocorrências de seu, todas elas em cartas cujo sujeito é você.
Esse resultado dialoga com os resultados encontrados em outras variáveis, como
gênero, parentesco e período histórico. Como discutido, na primeira fase temporal, o
emprego de você estava ainda relacionado ao valor de deferência e distanciamento
provocado pela forma nominal Vossa Mercê. Logo, nesse período temporal, o emprego
de seu estava intrinsecamente ligado ao valor de respeito do pronome de tratamento. À
vista disso, é coerente que os idosos sejam favorecedores desse pronome, uma vez que o
comportamento linguístico dessa faixa etária costuma ser mais conservador. Os dados a
seguir são bastante elucidativos:
(77) “Fazer com que o teu marido e Pae não me | mandem o carro sem
animal de | montaria, porque temos | logo no dia segte precisão de que
os muares | estejam vigorosos para conduzir nos. | Tive noticias de
todos as Famílias dos | teus Tios Ferreira Mages Castro | A tua Tia
Josefina e graças | a Deos não há novidade alguma. | A tua avó-tia
Eulália, [inint] e principalmente a Ou vão bem.” (Família Pedreira, em
05 de fevereiro de 1877)
Carta de tu Carta de
você
Carta mista Sem
sujeito
Total
Adulto 1/253 –
0,5%
0/253 1/253 –
0,5%
0/253 2/253 – 1%
Idoso 0/93 5/93 – 5% 0/93 0/93 5/93 - 5%
Sem referência 4/51 – 8% 6/51 – 12% 4/51 – 8% 12/51 –
24%
26/51 –
51%
140
(78) “Esta chegara as suas mãos em vespera da terminação | do mez
solemne mariano e da sua festa Deos | permitta que todos estejam
satisfei-tos, | com saude e mais bens, em paz com as crianças. (...) Não
tenho recebido letras suas, mas como V tem podido | ser mais
frequente em a estima vil correspondencia | com a vossa mãe e irmã
eu por esse meio obtenho | sempre noticias vossas – tanto de si, | como
do marido e filhinhos.” (Família Pedreira, em 20 de maio de 1886)
Os dois trechos observados foram retirados de cartas do mesmo missivista, João
Pedreira Couto Ferraz, em momentos diferentes de sua vida. No exemplo (86), o
missivista é adulto, na faixa dos 50 anos de idade e, no exemplo (87), o mesmo já é
idoso. Observa-se que há um comportamento linguístico diferenciado a depender da
idade do escriba: quando na faixa intermediária, ele empregava teu/tua, ao passo em
que, quando idoso, emprega seu/sua. Tal diferenciação, encontrada em um mesmo
missivista para o mesmo destinatário, indica que o fato dele ser um idoso interfere em
seus empregos linguísticos.
Interessante observar os dados relativos ao grupo de remetentes que não se sabe
a idade. Tem-se aí 26 ocorrências de seu, a maioria deles (12 ocorrências) aparece em
cartas sem quaisquer referências de tratamento sujeito. Os exemplos abaixo ilustram
algumas ocorrências:
(79) “Meo presado Primo || Por ter estado doente não respon- | di
ainda suas cartas de 19 de Se- | tembro e 3 deste mez porem hoje que |
estou melhor vou approveitar para | respondel-as. || Ao abrir sua carta
de 19 tive | uma viva recordação do Rio, sen- | tindo o agradavel
aroma da vio- | leta que dentro della enviou-me. || Agradeço essa
lembrança e creio | que depois que sahi do Rio foi a | primeira violeta
que vi. || u previ que Maninha hia ao | beneficio da Cortesi quando li
os | annuncios nos Jornaes, e por isso | achei graça de ler em sua carta
o | seo encontro com ella no theatro. || Senti bastante a morte do Chico
| que eu conheci tão forte e alegre. | Agradeço as alegrias que me faz a
| proposito do Concerto que aqui houve. || Pela sua carta de 9 escripta
ao Es- | pinola vejo que ja tinha feito o | favor que lhe pedi na minha |
carta de 21 do passado, pelo que | fico lhe muito e muito agradecida.
(...) P.S. Peço-lhe que faça chegar a | seu destino a carta junta.”
(Família Cupertino, em 16 de outubro de 1874)
(80) “Agradeço muito a tua cartinha e | tambem a vovó tua madrinha |
ficou muito contente. || Foi bom, V voltar para Santa Fé, | por que aqui
teem adoecido muitas | crianças, até a Maria da Glória | está de cama. |
Você va pedindo a mamãe que lhe ensine | a ler e escrever para com o
tempo | sustentarmos uã grande correspondencia. || Adeos. até breve -
141
querendo Deos. | Os affagos de teu Papae | e amo Pedreira” (Família
Pedreira, em 15 de abril de 1886)
O exemplo (79), escrito pela prima Anna a Cupertino, mostra uma situação em
que, pela carta, percebe-se que os dois não possuem grande intimidade. Além disso, a
prima escreve ao primo pelo fato dele ser figura política importante que pode resolver
problemas referentes a esse assunto. Então, a carta apresenta expressões que mostram o
distanciamento entre os dois, como presado. Além disso, não é possível identificar
qualquer referência tratamental sem ser o vocativo. É possível que tenha sido esse
contexto, em que o possessivo seu tenha se firmado e, aos poucos, ganhado escopo para
se referir à segunda pessoa do discurso.
O segundo exemplo, (80), mostra que o pronome possessivo teu é empregado,
nesse período, de forma generalizada, até quando o sujeito é você. Esse comportamento,
um tanto diferenciado, até porque os resultados linguísticos mostraram que esse
contexto – cartas em que o sujeito é você – favorecem justamente o pronome seu, indica
que esse pronome não era ainda reconhecido como maneira possível de tratar
diretamente o interlocutor.
Em suma, pode-se concluir que na fase 1 o pronome teu ainda era majoritário. A
forma possessiva seu era mais empregada nas cartas sem quaisquer referências de
sujeito explícito, ou seja, nas cartas em que o tratamento podia ser você, senhor ou outra
forma de tratamento nominal em que predominava um sujeito nulo de terceira pessoa do
singular. Esse tipo de missiva ambígua favoreceu o espraiamento de um possessivo que
ainda resguardava traços de terceira pessoa naquele período de tempo (fins do século
XIX e início do XX).
A seguir apresentam-se os resultados encontrados no segundo período temporal
(1900-1939):
142
Tabela 34: Faixa etária e a distribuição de seu na fase 2 a depender do sujeito na carta
A tabela aponta que, nesse período temporal (1900-1939), foi possível encontrar
remetentes em todas as faixas etárias. Percebe-se, no entanto, diferenças no que se
refere ao emprego de seu. Primeiramente, nota-se o maior número de ocorrências dessa
forma possessiva de maneira geral: de apenas sete no primeiro corte temporal, tem-se 98
no segundo. Ademais, é possível perceber que seu configura-se como estratégia
categórica em cartas cujo sujeito é você, em quase todas as faixas etárias, sendo
recorrente até mesmo em cartas redigidas por adultos. Por fim, esse pronome passa a
aparecer timidamente em cartas cujo sujeito é tu exclusivo, em todas as faixas etárias, o
que leva a crer que, nesse período temporal, essa estratégia passa a ocupar os contextos
de teu, perdendo, cada vez mais, as características de terceira pessoa, deferência e
distanciamento.
Nesse sentido, a tabela 34 mostra-se fundamental, pois observando apenas o
peso relativo, o mesmo aponta para o favorecimento e desfavorecimento por parte de
algumas faixas etárias em relação ao uso dos pronomes possessivos. No entanto, a
tabela 34 aponta que, com índices maiores em algumas faixas e menores em outras,
jovens, adultos e idosos parecem ter comportamentos similares, passando a empregar
mais nas suas produções o pronome seu, apesar do possessivo teu ainda ter índices
bastantes expressivos. Observam-se a seguir alguns exemplos:
(81) “Minha querida noivinha saudades enfinda | Espero que esta te vá
encontrar em per- | feito estado de saude, eu vou bem graças a | Deus,
a dor que te falei no domingo é que tem | aumentado, não me deixa
descansar. | Em casa continuam todos de ressaca, | hoje vou comprar a
camisa mas só a azul | porque não ganhei dinheiro que chegue para as |
Carta de tu Carta de
você
Carta mista Sem
sujeito
Total
Adulto 1/19 – 5% 4/19 – 21% 0/19 0/19 5/19 – 26%
Jovem 17/657 – 3% 42/657 – 6% 9/657 – 1% 7/657 –
1%
75/657 –
11%
Idoso 6/32 – 19% 1/32 – 3% 7/32 – 22% 0/32 14/32 –
44%
Sem referência 0/92 63/92 – 68% 0/92 0/92 63/92 –
68%
143
duas, e até sabado vou ver se arranjo para o | bonet, se eu não arranjar
tu vaes me empres- | tar o teu, e tu sabes seu bonet, que é mais |
bonito.” (Casal Jayme e Maria, em 2 de fevereiro de 1937, carta de
adulto)
(82) “Mamãe sem ti é outra, não é mais | alegre como de costume (...)
Deuleu não a vi mais | seu cartão. || Receba muitos | e muitos beijos da
| tua filha || Lisette” (Acervo Oswaldo Cruz, em 10 de janeiro de
1915, carta de jovem)
É possível observar que em ambos os exemplos há emprego tanto de teu quanto
de seu, mesmo quando há sujeito tu expresso e pleno, além de próximo do possessivo,
como no exemplo 90. Tais usos indicam que, no segundo período temporal, as formas
teu e seu estão em variação. Observam-se mais alguns exemplos:
(83) “Affonsinho || Recebi hoje teu cartão pedindo | a tua
correspondência só tem | um cartão de Dona Maria Amalia |
felicitando te pelo teu bonito exame | e ella mandou me contar que | o
Fausto teve distinções em todos | os exames que ja tinha conclui- | do
o curso e que breve iria | tomar conta de alguma pro- | motoria. Queres
os jornaes?” (Família Penna, em 20 de fevereiro de 1899)
(84) “Querido Filho. || Foi grande meu contentamento re- | cebendo o
seu telegramma dizendo estar | restabelecido. Achei que você foi mui-
| to depressa tomar conta do serviço de | via ter esperado ficar mais
forte.” (Família Penna, em 26 de abril de 1926)
Devido ao fato do corpus ser composto por diferentes amostras, é difícil
encontrar missivistas que tenham escrito nos dois períodos temporais. Não obstante,
isso ocorre na amostra da Família Penna, com a escriba Maria Guilhermina Penna, ao
escrever para o seu filho. No exemplo (83), referente ao período temporal 1 (1870-
1899), a missivista emprega o pronome teu/tua, quando tinha 40 anos, ou seja, na fase
adulta. Todavia, tal comportamento não se mantém quando a missivista se torna idosa,
já que Maria Guilhermina passa a utilizar preferencialmente seu/sua.
Em síntese, o segundo período temporal caracteriza-se pela propagação do
pronome seu, mostrando que tal emprego não se detém a uma faixa etária, mas começa
a ser recorrente em todas. Além disso, o possessivo passa a ter um uso especializado, ou
seja, aparece quase que categoricamente nas cartas em que há você sujeito. Entretanto,
apesar de serem poucas ocorrências, seu já aparece em cartas cujo sujeito é tu, o que
indica que, nesse lapso temporal, há variação entre teu e seu nos mesmos espaços
144
funcionais. É nesse período, aparentemente, que seu passa a perder a deferência e a
indiretividade de Vossa Mercê e passa a ter um uso inovador, isto é, empregado na
referência à segunda pessoa e não mais só à terceira pessoa do discurso.
A tabela a seguir mostra a distribuição de seu no último período temporal (1940-
1979):
Tabela 35: Faixa etária e a distribuição de seu na fase 3 a depender do sujeito na carta
O terceiro período temporal corresponde ao momento em que tanto você
suplanta tu na posição de sujeito, como seu sobrepuja teu. Não obstante, as amostras
que compõem o terceiro período temporal não possuem missivas sem referência à idade
do remetente, nem cartas redigidas por idosos, o que não impede que se verifique que os
resultados observados na tabela 35 dialogam com os resultados anteriores.
Ressalta-se, apesar disso, um comportamento distinto que só essa fase
apresentou, mesmo que apenas através de percentuais. Em todas as rodadas até então, os
adultos eram favorecedores de teu, o que não se mantém nesse período temporal. Na
fase 3, os adultos utilizam mais seu do que teu, sendo esse uso, inclusive, categórico.
Dessa forma os adultos, nesse período temporal, deixam de utilizar o legítimo pronome
de segunda pessoa para empregar em seu discurso o pronome que passou a integrar o
quadro pronominal como forma de segunda pessoa, o que pode ser um indício de
mudança. Quanto aos jovens, vê-se a presença de seu tanto em cartas de você quanto
nas cartas mistas, como mostram os exemplos a seguir:
(85) “Sinto saudadessss até da | sssua vozzzz que apessssar | de feia,
me deixava muito | felizzzzzz. Atualmente | deve estar engraçada
falando | Cataguêz. Alias voce | sempre foi engracada por | sua
redondeza.” (Família Lacerda, jovem, em 15 de setembro de 1978)
Carta de
você
Carta mista Total
Jovem 39/54 – 72% 10/54 – 18% 49/54 –
91%
Adulto 58/58 –
100%
0/58 58/58 –
100%
145
(86) “O que faço questão é em adquirir as suas “Me- | morias”. Basta
meu querido Embaixador, | Maria e eu enviamos um afetuoso abraço |
a Yolanda e a você || Brandão” (Família Brandão, adulto, em 04 de
abril de 1972)
Ainda é possível encontrar nas cartas dos jovens o pronome possessivo teu,
como se vê abaixo:
(87) “Quero que escrevas para mim dizen- | do como foi teu carnaval
e dizendo o que | voce realmente pensa de nós. Quero que | mande um
abraço na sua mãe, seu pai e | seu irmão. Volto amanhã mesmo para
saqua- | rema, só vim fazer matrícula. Espero que | esteja gostando de
assistir aula nas férias. | Mande um beijinho para a Daniela, gostei
dela.” (Família Lacerda, em 24 de fevereiro de 1977)
O exemplo (87) é interessante por mostrar que, mesmo com a dominância de
você na posição de sujeito e seu como forma possessiva, ainda há, na década de 70,
utilização de tu e teu, como se vê em escrevas e teu carnaval, seguidos por você pensa e
sua mãe, seu pai e seu irmão, o que demonstra a dominância dos últimos pronomes,
mas não o fim inteiramente da variação.
Além disso, como mencionado, esse período temporal configura-se como o
único em que a faixa etária relacionada a adultos favorece o emprego de seu/sua, com
100% de emprego, como se observa no trecho a seguir:
(88) “Estou começando a lêr o seu D. Pedro II, mag- | nifico nada
melhor, vou cancelar o | "Patriarcha da Independencia", quando |
refiro-me a José Bonifacio, o 1º que men- | cionou a "sesmaria do
Pinhal". Vi que seu pai | Pernambucano, como você diz | de 400 anos,
pertencia ao Glorioso Partido | Liberal, de modo que você está como |
Você sabe que em 1901, os monarquistas cons- | piravam. Disse-me o
Pedro que neste ano | João Alfredo foi preso.” (Família Brandão, em
17 de outubro de 1966)
O emprego categórico de você e seu, como se vê no exemplo (88), é um forte
indício de que essas formas pronominais afirmam-se, no período temporal em questão,
como as variantes dominadoras, já que se espraiaram, inclusive, na escrita de adultos,
mostrando a sua incorporação ao discurso corrente. Ademais, nesse terceiro período
temporal, não foram detectadas na amostra de cartas de adultos o uso de teu, o que pode
indiciar que o pronome seu passa a ser reconhecido como a variante mais usual em
146
referência ao interlocutor nessa faixa etária que tradicionalmente apresenta
comportamento conservador pelas pressões do mercado de trabalho.
Serão apresentados, a seguir, os resultados encontrados na análise do grupo de
fatores parentesco.
147
2.1.4 - Parentesco
Outro fator social selecionado pelo programa estatístico como relevante à
variação dos pronomes possessivos relacionados à segunda pessoa do singular foi o
grau de parentesco existente entre remetente e destinatário, observando, o grau de
intimidade e as relações de poder estabelecidas entre os interactantes.
Parte-se da hipótese de que a maior proximidade entre os correspondentes,
favoreceria o uso de teu, enquanto as relações em que há maior distanciamento entre os
interlocutores, o seu seria mais frequente. Tal formulação estaria, em princípio,
associada à correlação das formas possessivas aos seus respectivos paradigmas: de tu,
no primeiro caso, e de você, no segundo. Leva-se assim em consideração não só as
questões de Poder e Solidariedade propostas por Brown & Gilman (1960), mas também
o que outros estudos apontaram sobre o emprego de formas de tratamento como
estratégias de polidez que atuam para suavizar os atos de ameaça à face do interlocutor
(BROWN & LEVINSON, 1997).
Souza (2008), por exemplo, ao realizar um estudo comparativo entre português e
espanhol em peças teatrais, mostrou que pronomes de tratamento como Vossa Mercê e
Vuestra Merced “configuravam distanciamento social entre os interlocutores” (p. 124).
Além disso, nas relações assimétricas de superior-inferior, havia uma diversidade maior
de formas empregadas para tratar o colocutor, do que em relações assimétricas de
inferior-superior. Por fim, a autora declara que “apenas a partir das análises de cunho
pragmático perceberam-se os distintos valores que cada forma de tratamento adquire,
confirmando que o uso é que determina a regra.” (p. 125).
Nesse mesmo viés, Arduin (2005), ao estudar especificamente a variação entre
as formas possessivas teu/seu, em corpus sincrônico de fala, mostrou que o pronome teu
é mais produtivo em relações assimétricas de superior-inferior e também nas simétricas.
Assim, na primeira situação, o uso se faz necessário para demonstrar poder e na
segunda, solidariedade (BROWN e GILMAN, 1960). Por outro lado, o pronome
possesivo seu é mais empregado nas relações assimétricas de inferior-superior, o que, de
acordo com a autora, seria um uso “estilisticamente motivado” (ARDUIN, 2015, p.116).
Souza (2012), analisando a variação entre tu e você na posição de sujeito, cria
um continuum que mostra o menor ou maior grau intimidade nas relações estabelecidas
entre os missivistas. Assim, a pesquisadora identificou que as relações de parentesco em
que havia menos intimidade entre remetentes e destinatário – família ampliada (tios,
148
amigos, primos, avós) – favoreciam o emprego de você. As relações abarcadas no grupo
família nuclear, ou seja, aquelas de consanguíneos advindos do casamento favoreceriam
o emprego de tu se fossem de inferior-superior (filho-pai) ou você se fossem de
superior-inferior (mãe-filho). Já as relações entre casais (casados, noivos e namorados),
por terem alto grau de intimidade, são desfavorecedoras do emprego de você.
Barcia (2006) analisou formas nominais e pronominais de tratamento ao
interlocutor em cartas oitocentistas de leitores cariocas, mineiros e paulistas. Seus
resultados apontaram para comportamento similar ao estudo de Souza (2012): quanto
maior a relação de intimidade entre os missivistas, menor era o emprego de você.
Assim, nas relações de cônjuges/casais, havia maior emprego de tu. Por outro lado,
cartas entre amigos favoreceria o emprego de você. Por fim, em cartas trocadas entre
outros familiares, mesmo com baixas frequências, a estratégia empregada era o vós e o
Vossa Mercê. Nesse sentido, os resultados de Barcia (2006) parecem indicar que, nas
cartas oitocentistas, a forma você era intermediária: não tão íntima quanto o tu, mas não
tão distante quanto vós.
O grau de parentesco mostrou-se como grupo de fatores relevante nessa tese,
uma vez que foi selecionado em três das quatro rodadas: a rodada geral com todos os
dados, a amostra relativa à fase 1 (1870-1899) e aquela referente à fase 2 (1900-1939).
Os resultados, no que se refere a este grupo de fatores, serão apresentados através de
tabelas separadas e não comparativas entre as quatro rodadas, pois, devido ao fato da
amostra ser muito extensa e diversificada, há mais de 20 relações de parentesco
estabelecidas entre remetente e destinatário. Separadamente, as tabelas serão mais
elucidativas. A tabela a seguir elenca os resultados encontrados na rodada geral:
149
Fatores Aplicação/Total % PR
Marido/Mulher 12/30 40% 0.801
Amigos 61/70 87% 0.820
Avô/Neto 13/15 87% 0.814
Namorado/Namorada
Noivo/Noiva
65/527 12% 0.747
Pai/Filha 7/112 6% 0.589
Tio/Sobrinho 16/54 30% 0.368
Irmão/Irmão 23/32 72% 0.153
Mãe/Filho 46/101 45% 0.140
Pai/Filho 27/72 37% 0.005
Filha/Pai 1/15 7% 0.000
Tabela 36: O parentesco na rodada geral. Valor de aplicação: seu
Na análise geral dos dados, observou-se, a partir dos pesos relativos, o
favorecimento de seu nas seguintes relações de parentesco: marido/mulher (0.801),
amigos (0.820), avô/neto (0.814), namorado/namorada ou noivo/noiva (0.747) e
pai/filha (0.589). Por outro lado, o favorecimento de teu se deu nas seguintes relações:
tio/sobrinho (0.368), irmão/irmão (0.153), mãe/filho (0.140), pai/filho (0.005) e
filha/pai (0.000).
A princípio tais resultados não confirmam as hipóteses iniciais postuladas sobre
o uso da forma possessiva seu em contextos de maior distanciamento e respeito entre os
interactantes, principalmente quando havia diferença de idade e de poder entre eles:
relações entre filhos/filhas e pais ou sobrinhos aos tios, netos aos avós, entre outros. Da
mesma forma, nas relações mais íntimas como entre cônjuges, amigos, haveria
predomínio de teu.
Tal comportamento observado na rodada geral se deve provavelmente ao fato de
que, como é proposto nessa tese, os pronomes possessivos teu e seu teriam valores
diferentes ao longo do tempo. Assim, ao defender que i) o possessivo seu foi assumindo
valores sócio-pragmáticos distintos ao longo do tempo; ii) as relações de Poder e
Solidariedade subjacentes às relações de parentesco se modificaram ao longo do período
analisado; iii) os tipos de parentesco controlados nas cartas analisadas não foram sempre
os mesmos nas fases postuladas; propõe-se, mais uma vez, uma análise pormenorizada
por fases. A descrição dos resultados levará em conta ainda a associação do parentesco
150
a outros aspectos extralinguísticos, tais como, a presença da consanguinidade que
marcaria mais poder e a questão do gênero do remetente. Seguem, assim, os resultados
relativos a cada fase:
4.2.4.1- Parentesco na fase 1 (1870-1899)
A tabela abaixa demonstra a distribuição das formas possessivas no primeiro
período temporal (1870-1899).
Tabela 37: Relações de parentesco na fase 1 (1870-1899). Valor de aplicação seu
No período referente a 1870 a 1899, as relações entre marido e mulher e pai e
filha mostraram-se favorecedoras da forma possessiva seu/sua, ao passo que missivas
trocadas entre amigos e mãe-filho desfavoreceram o uso do referido pronome
possessivo. Ainda que o número de ocorrências não seja expressivo e que teu tenha sido
o possessivo mais produtivo nessa fase, esses resultados confirmam algumas das
hipóteses postuladas no que se refere, principalmente, ao emprego de teu nas relações
mais simétricas (entre amigos) e assimétricas descendentes (mãe-filho). Com relação ao
favorecimento de seu indicado pelo peso relativo, os resultados sinalizam alguns
aspectos interessantes quanto ao caráter híbrido e polifuncional dessa variante
possessiva no século XIX. Por um lado, tem-se o favorecimento de seu entre marido-
mulher o que pode indicar que tal relação não era necessariamente ‘simétrica” no
período em questão, por outro lado, o peso relativo de 0.537 para pai-filha (relação
assimétrica descendente) dá indícios tímidos de seu atuando nos contextos típicos de
teu.
Outro ponto merece destaque. É possível perceber que, das quatro relações
estabelecidas, duas delas pressupõem figuras femininas como destinatários, o que
poderia indicar que o emprego de seu era favorecido para a manutenção de certo
respeito e distanciamento quando se escrevia para mulheres nesse período. A seguir
seguem-se alguns exemplos do emprego de seu nas missivas:
Parentesco Aplicação/Total % PR
Marido-Mulher 3/20 15% 0.634
Pai-Filha 7/103 7% 0.537
Mãe-Filho 3/9 33% 0.144
Amigos 1/10 10% 0.267
151
(89) “Diga a sua mãe | que hei de escrever lhe | uma longa carta, e |
lembre me a todos. | Até outra vez.” (Família Cupertino do Amaral,
relação marido/mulher, em 26 de fevereiro de 1886)
(90) “Agradeço-te desde já | a fineza e peço-te, meo caro | Antonico,
que aceites um aper- | tado abraço do | Seo amigo velho e caro |
Alberto Fiacho” (Família Cupertino do Amaral, relação entre amigos,
em 5 de julho de 1895)
Em (89), percebe-se que, apesar de ser uma relação entre um casal de esposos, a
relação entre Cupertino e sua esposa não é íntima e necessariamente solidária, uma vez
que, na despedida, não há expressões que denotem saudade, apenas um “Até outra vez”.
Em (90), o trecho destacado mostra intimidade entre os interlocutores, através de
expressões como “apertado abraço” ou o uso de apelidos, o que, aparentemente, leva a
acreditar no estabelecimento de uma relação mais solidária. No entanto, a carta inteira é
um pedido que Alberto quer que o amigo Cupertino realize, o que seria, nos termos de
Brown e Levinson (1987), um ato que ameaça à face negativa do destinatário. Acredita-
se, dessa forma, que o escriba se utiliza do possessivo seu como uma estratégia de
polidez, entre outras, para reduzir o impacto negativo que seu pedido pode causar.
Aparentemente, no primeiro período, o uso de seu está relacionado à deferência
e, principalmente, a um emprego diferenciado para as mulheres como uma estratégia
que carrega traços de cortesia ou polidez. Para que se tenha um panorama mais
completo dos diferentes graus de parentesco identificados nessa fase, apresenta-se, na
tabela a seguir, o emprego de teu e seu em todas as relações observadas:
152
Tabela 38: Percentuais a depender das relações de parentesco encontradas na fase 1
A tabela 38 mostra os resultados percentuais em todas as relações de parentesco
estabelecidas na primeira fase. Diferentemente da tabela exclusiva com pesos relativos,
é possível identificar na distribuição geral dos dados que, assim como as mulheres desse
período favoreciam o uso de você, elas também empregavam mais seu/sua. Dos 26
dados encontrados em cartas femininas, 20 ocorrências são de seu, e em duas relações –
avó-neto e prima-primo – há uso categórico dessa forma possessiva. Por outro lado, os
homens são favorecedores de teu/tua, assim como no período em questão, os mesmos
apresentavam índices majoritários de tu.
Nesse viés, é possível afirmar que a utilização das formas possessivas está
intrinsecamente relacionada ao emprego que os missivistas faziam do pronome na
posição de sujeito. Desse modo, percebe-se que os resultados encontrados nas variáveis
gênero e parentesco na fase 1 (1870-1899) não estão em discordância. Observa-se, a
partir de agora, a distribuição das formas possessivas no segundo período temporal:
4.2.4.1- Parentesco na fase 2 (1900-1939)
Fase 1
Relação Teu Seu
Assimétrica
Descendente
(superior-inferior)
Avô-Neto 66
100%
-
Avô-Neta 11
100%
-
Pai-Filho 21
100%
-
Pai-Filha 96
93%
7
7%
Mãe-Filho 6
67%
3
33%
Avó-Neto - 5
100%
“Simétrica”
Marido-Esposa 17
85%
3
15%
Amigo-Amigo 9
90%
1
10%
Namorado/Namorada
Noivo/Noiva 138
100%
-
Prima-Primo - 14
100%
153
A tabela a seguir aponta os resultados encontrados no segundo período temporal,
compreendido entre os anos de 1900 a 1930. Como discutido anteriormente, nessa fase
a variação entre teu e seu começa a se fazer notar com maior nitidez:
Tabela 39: Relações de parentesco na fase 2 (1900-1939). Valor de aplicação: seu
Os resultados identificados no período 2 (1900-1939) confirmam alguns dos
indícios apontados na fase anterior: o comportamento híbrido de seu ora como estratégia
de deferência ora como variante possessiva de segunda pessoa. Na fase 2, a variante seu
mostrou-se favorecedora em contextos típicos do teu-íntimo: relações assimétricas
descendentes de mãe-filho com 0.994 e de tio-sobrinho com 0.786 de peso relativo.
Entre pai-filho, no entanto, tal uso foi desfavorecido em termos do peso relativo,
embora as frequências indiquem o contrário. Outros graus de parentesco apresentam
resultados inusitados como será demonstrado na tabela a seguir com todas as
ocorrências e percentuais encontrados, o que pode elucidar a análise:
Parentesco Aplicação/Total % PR
Mãe/Filho 41/90 46% 0.994
Tio/Sobrinho 16/54 30% 0.786
Namorado/Namorada
Noivo/Noiva
16/335 5% 0.406
Irmão/Irmão 23/32 72% 0.335
Pai/Filho 27/50 54% 0.001
Filha/Pai 1/15 7% 0.019
154
Tabela 40: Percentuais a depender das relações de parentesco encontradas na fase 2
Os resultados encontrados na tabela 40 mostram que há um crescimento no
emprego do pronome seu no segundo período temporal. Como mencionado
anteriormente, seu se mostrou bastante presente nas relações assimétricas descendentes.
Nota-se também que apesar de teu ainda ser mais produtivo nas cartas de mãe para
filho, nessa relação, em específico, há um crescimento de 13% de emprego do pronome
possessivo seu, quando são comparados os resultados dos períodos temporais 1 e 2.
Apenas nas relações de pai-filha e mãe-filha teu aparece categoricamente. Por outro
lado, na relação avó-neto, o uso de seu é exclusivo.
Fase 2
Relação Teu Seu
Assimétrica
Descendente
(superior-inferior)
Pai-Filho 23
46%
27
54%
Mãe-Filho 49
54%
41
46%
Tio-Sobrinho 38
70%
16
30%
Pai-Filha 9
100%
-
Avó-Neto - 2
100%
Mãe-Filha 6
100%
-
Assimétrica
Ascendente
(inferior-superior)
Filha-Pai 14
93%
1
7%
Filho-Pai - 10
100%
Filho-Mãe - 10
100%
Simétrica
Namorado/Namorada
Noivo/Noiva
319
95%
16
5%
Noiva/Noivo 145
100%
-
Irmã-Irmã - 4
100%
Irmão-Irmão 9
28%
23
72%
Amantes 27
100%
-
Mulher-Marido 3
100%
-
Marido-Mulher - 7
100%
155
Assim, é possível inferir que, nas relações assimétricas descendentes,
comparando os resultados encontrados nos períodos 1 e 2, seu passa a ser mais
utilizado, uma vez que, no segundo período temporal, encontram-se 86 ocorrências de
seu/sua, contra apenas 15 no primeiro corte temporal. Esses resultados mostram um
crescimento de 560% no emprego de seu nas cartas de relações assimétricas
descendentes, o que parece ilustrar a propagação ainda tímida de seu como variante de
teu em referência à segunda pessoa. Aparentemente, o pronome possessivo seu não
estivesse mais tão relacionado à cortesia e distanciamento verificado no pronome
seu/sua da fase 1, por isso, também o maior emprego dele de forma geral,
principalmente nas relações assimétricas descendentes.
Nesse segundo período temporal, foram identificadas três relações de parentesco
em que um remetente inferior escrevia a um superior, no entanto, todas elas são filhos
ou filhas escrevendo ao seu pai ou mãe. Como este é um período em que a mudança na
posição de sujeito ainda está em transição, o que se espera, a princípio, é uma relação
menos solidária entre a filha e o pai, uma vez que, há uma hierarquização nessa relação.
Assim, esperava-se encontrar mais formas relacionadas a você, como o pronome seu,
que, nesse caso, explicitaria o respeito e a deferência que essa relação de parentesco
exige no período em questão.
Dessa forma, foram encontradas 21 ocorrências do pronome seu e 14 de teu.
Deve-se ressaltar, no entanto, que em duas relações houve uso categórico de seu: de
filho para pai e de filho para mãe. A única relação em que teu prevalece é quando a filha
escreve ao pai. Tais resultados parecem indicar que, na primeira metade do século XX,
há um hibridismo e uma polifuncionalidade relacionada ao uso do pronome seu, que ora
é mais íntimo, ora marca respeito e distanciamento.
Por fim, ainda no período 2, foram encontradas sete relações simétricas:
namorado/noivo-namorada/noiva, noiva-noivo, amantes, marido-mulher e missivas
trocadas entre irmãos e irmãs. Nas cartas de irmão-irmão, há o maior emprego de seu,
com 72% de frequência, enquanto na relação irmã-irmã há uso categórico do mesmo
pronome. No entanto, cabe comentar as relações amorosas estabelecidas entre
namorado/noivo-namorada/noiva, noiva-noivo, amantes e marido-mulher. Essas
relações de parentesco, geralmente, são marcadas pela intimidade entre os interactantes,
cujas cartas são de cunho mais íntimo. Assim, era esperado o emprego majoritário,
senão categórico, de teu/tua, o que ocorreu em quase todas as relações. Entretanto, na
156
relação marido-mulher ocorre o inverso: 100% de emprego de seu. O trecho abaixo
ilustra tal emprego:
(91) “Continue a escreval-as | assim, minha Negrinha, pois bem sabe
que | Você é a unica, razão e o unico encanto da mi- | nha vida
attribulada. Você e os [nossos] filhi- | nhos, parte da nossa alma! (...)
Pela sua ultima carta, vejo que Dona | Angelina não pode tardar e
urge [assentarem] | um plano que permitta sua completa sa- | hida da
casa, afim de não crear embaraços. (...) Muitas e muitas saudades aos
de casa. | Beijos aos filhinhos e guarde para | Você o coração
[amantissimo] | do seu | Maridinho” (Família Penna, relação marido-
mulher, em 16 de março de 1914)
É possível perceber, no exemplo (91), o emprego de apelidos como Negrinha e
Maridinho, uso de palavras no diminutivo, como filhinhos, além de comentários sobre a
vida de pessoas próximas, como Dona Angelina, o que configura que a relação
estabelecida entre esse casal é íntima e solidária. O emprego categórico de seu em um
tipo de relação com maior proximidade entre remetente e destinatário é um indício do
espraiamento desse pronome no tratamento ao interlocutor para as relações simétricas.
Observa-se agora os resultados encontrados no terceiro e último corte temporal.
4.2.4.3- Parentesco na fase 3 (1940-1979) e o espraiamento de seu nas
relações simétricas: síntese dos resultados
Na fase temporal 3, relacionada ao período de 1940-1979, não houve fatores
extralinguísticos selecionados, logo, não há peso relativo para as relações de parentesco
nesse interim. Entretanto, como a análise das relações de parentesco estão sendo
analisadas também através da porcentagem, vale observar as ocorrências encontradas
nesse lapso temporal, como ilustra a tabela a seguir:
Tabela 41: Percentuais a depender das relações de parentesco encontradas na fase 3
Fase 3
Relação Teu Seu
Simétrica
Namorado/Namorada
Noivo/Noiva
5
9%
49
91%
Amigo-Amigo - 58
100%
157
Embora não haja ocorrências de pronomes possessivos em relações assimétricas,
o fato de seu aparecer com índices altos nas relações simétricas indica um emprego
diferenciado desse pronome, se comparado aos dois primeiros lapsos temporais. Os
resultados da fase 3 evidenciam claramente que o possessivo seu se consolida como
uma forma variante de teu, uma vez que assumiu o contexto típico do possessivo
original de segunda pessoa: relações simétricas e solidárias.
Embora não se tenha uma amostra completamente equilibrada em função dos
problemas inerentes aos estudos de sociolinguística histórica, pode-se sintetizar no
gráfico a seguir os resultados relativos ao grau de parentesco/relação simétrica-
assimétrica. O gráfico evidencia um crescimento contínuo no emprego de seu ao longo
dos períodos temporais controlados, em todos os tipos de relações:
Gráfico 8: O crescimento de seu a depender do tipo de relação estabelecida
Nota-se o crescimento no emprego do uso do pronome seu nas relações
assimétricas descendentes da fase 1 para a fase 2 e nas relações simétricas nas três fases.
Assim, a relação assimétrica descendente equivale a 15% das ocorrências no período 1,
passando a 85% de emprego de seu no período 2. Da mesma forma, na relação
simétrica, observa-se o crescimento contínuo de seu: 11% na fase 1, 24% na fase 2 e
65% na fase 3. Ressalta-se que cartas com relação assimétrica ascendente só foram
identificadas no segundo período temporal.
Apesar de não terem sido encontradas as mesmas relações de parentesco ao
longo de toda a amostra, é possível afirmar que os resultados indicam que, no início do
século XIX, havia um predomínio de teu, mas, timidamente, seu vai aumentando e se
difundindo nas diversas relações antes predominadas por teu.
A seguir, serão apresentados os resultados referentes à variável subgênero da
carta particular.
158
4.2.5- Subgênero da carta particular
Como já comentado no capítulo 3, sabe-se que o gênero denominado carta é um
termo muito extenso e, nesse sentido, abarca em si, diversos subgêneros. A depender da
intenção do emissor, esse gênero acaba possuindo estruturas variegadas, que, inclusive,
recebem denominações diferentes, como o caso da carta particular, carta comercial,
carta do leitor, carta argumentativa, entre outros.
Dessa maneira, na seção 3.5, mostrou-se que, no presente trabalho
consideraram-se três possibilidades de cartas diferentes: (i) cartas pessoais, trocadas
entre interlocutores sem quaisquer laços consanguíneos, como as cartas trocadas entre
amigos; (ii) cartas familiares, escritas por um remetente com grau de parentesco com o
destinatário: pai-filho, irmãos, mãe-filho, etc; (iii) cartas amorosas, aquelas em que os
interactantes mantinham relacionamento amoroso: esposo-esposa, noivo-noiva,
namorado-namorada.
Tal perspectiva de análise baseou-se em outros estudos sociolinguísticos que
identificaram diferenças nas formas pronominais de tratamento a depender da natureza e
do teor dos subgêneros da carta pessoal. Em seu estudo realizado para analisar a
variação entre tu e você, em fins do século XIX e início do século XX, Pereira (2012)
indicou que havia divergência nos resultados a depender do subgênero das cartas, isto é,
em cartas trocadas por casais de temática amorosa havia maior predominância de tu e
formas relacionadas ao paradigma desse pronome, enquanto nas cartas familiares, que
abarcavam assuntos diferenciados e, muitas vezes, não tão íntimos, o uso de você
mostrava-se mais recorrente. Souza (2012) observou que a forma você era mais
frequente em cartas ditas como pessoais (entre amigos), em que, de acordo com a
autora, havia maior distanciamento entre remetente e destinatário. Nas cartas amorosas,
a frequência de você foi extremamente baixa, enquanto que em cartas familiares,
encontrou-se equilíbrio entre as frequências de tu e você.
Seguindo o mesmo viés analítico, observando, porém, as estratégias dativas de
segunda pessoa, Oliveira (2014) constatou que o clítico dativo lhe estava relacionado ao
baixo grau de intimidade entre os interlocutores, por isso, era mais “frequente em cartas
trocadas entre amigos ou pessoas próximas dentro de um dado círculo de convivência
social” (p. 159). Já os sintagmas preposicionados relacionados ao paradigma de tu
(a/para ti) eram mais produtivos em cartas amorosas, com traço romântico mais forte.
Souza (2014) afirma que esse grupo de fatores mostrou-se altamente relevante em sua
159
análise sobre as estratégias acusativas de segunda pessoa, uma vez que o mesmo foi
selecionado em todas as rodadas estatísticas realizadas em seu estudo. Os resultados
apontaram para o favorecimento do clítico acusativo te em cartas amorosas e familiares,
porém, jamais em cartas pessoais. Estas eram favorecedoras de formas de terceira
pessoa associadas ao paradigma de você, como o/a, você e lhe. A pesquisadora
comprovou, inclusive, que o clítico acusativo lhe teria um maior grau de formalidade
nesse tipo de carta.
Assim, percebe-se que deve haver certo cuidado ao denominar o gênero carta,
porque ele possui subgêneros que, influenciados pelo teor da carta, pela temática e pelo
grau de formalismo, podem intervir nos resultados encontrados. Dessa maneira,
acredita-se que as formas possessivas teu/seu podem variar a depender do maior e
menor graus de intimidade entre remetente e destinatário presentes nos diferentes
subgêneros da carta. Por isso, analisou-se a variação possessiva a partir dessa ótica e,
com certeza, não por acaso, esse foi o penúltimo grupo selecionado pelo programa
estatístico. A tabela a seguir ilustra os resultados encontrados na rodada geral com todos
os dados, uma das rodadas parciais que selecionou o presente grupo de fatores:
Tabela 42: O subgênero da carta particular na rodada geral. Valor de aplicação: seu
Os resultados apontados pela tabela 42, de certa maneira, vão ao encontro do que
mostram Pereira (2012), Souza (2012), Oliveira (2014) e Souza (2014): nas cartas
familiares houve o favorecimento do possessivo seu (0.976), ao passo que nas cartas
amorosas seu uso foi desfavorecido com (0.174). Nas cartas ditas pessoais trocadas
entre amigos, embora tenha havido o desfavorecimento de seu, o índice não é tão baixo
(0.465).
Como mencionado, tais resultados estão intrinsecamente ligados ao grau de
intimidade e proximidade que os interlocutores teriam entre si. Nesse sentido, as cartas
amorosas desfavorecem o emprego de seu, pois a temática romântica traria um tom mais
informal, descontraído e íntimo, como se pode ver no exemplo a seguir:
Fatores Aplicação/Total % PR
Cartas familiares 174/321 54% 0.976
Cartas amorosas 77/734 10% 0.174
Cartas pessoais 84/1376 26% 0.465
160
(92) “Minha querida noivinha! Alegra-te? | Espero que esta te vá
encontrar | em franco repouso de convalescensa assim como os teus,
(...) Eu andava tão triste por não saber noticias | tuas só tinha recebido
a carta | que escreves-te na segunda feira, ainda hontem | de manhã
esperava que o Nelzi- | nho trouxe-se alguma, não trazia nada, (...) esta
carta não cheguei a mandar, pensei que primeiro devia ir na tua casa, |
talvez tivesse chegado alguma, e guardei | carta já pronta, com
envelope e tudo. | A noite fui a tua casa, (...) ir buscar em ti minha flor
o lenitivo de minha dor que | é o teu amor, quero sorver de teus labios
minha querida | o néctar de um beijo de amor embria- | gador, quero
buscar a minha ventura, olhando para os | teus olhos, vejo de eles (...)
embora tu queiras só o meu amor, ele ja e teu a muito tempo, | tu
mereces muito mais minha flor, sem ti morrerei. (...) Vou satisfazer o
teu pedido, | irei amanhã na festa da Primavera, com o | Antoninho, e
o Dalves, mas talvez | venha embora cedo porque eles vão para | andar
atraz de pequenas e isto não | me interessa, porque só em ti reside |
todo o meu amor, e sei tambem que lá, não irá beleza | que suplante a
tua (...) amanhã irei a tua casa logo de manhã cedo. (...)
Recomendações aos teus, (...) noivinha muitos beijos e abraços deste |
teu noivinho que jamais te esquecerá, | e que depositou todo seu amor
em vocé. | teu tristonho noivinho Jayme O. Saraiva” (Casal Jayme e
Maria, carta amorosa, em 26 de setembro de 1936)
Observa-se que o exemplo (92), correspondente à carta do noivo Jayme à noiva
Maria, possui um tom intimista e próximo. Isso pode ser percebido pelo uso de
diminutivos (noivinha, noivinho), através da referência e o relato de vida de pessoas
próximas aos interlocutores (Nelzinho (...) não trazia nada, irei amanhã na festa da
Primavera com o Antoninho e o Dalves), também devido ao emprego de expressões que
se refiram à amada de modo carinhoso (minha flor, minha querida).
Assim, o teor da carta acarreta no emprego de formas de tratamento que
mostrem, justamente, a proximidade entre o casal. Apesar de estudos como os de Duarte
(1993) e Souza (2012) apontarem que é em torno da década de 1930 que você suplanta o
pronome tu, percebe-se que, em cartas amorosas desse período, há emprego de tu,
inclusive como sujeito pleno. Logo, o pronome possessivo teu é utilizado, nesse caso,
para mostrar a intimidade, informalidade e descontração entre o casal, o que está
relacionado com a temática da carta. O exemplo a seguir ilustra o possessivo teu em
cartas pessoais trocadas entre amigos:
161
(93) “Meu caro Copertino | Ha dous vapores que não | te escrevo -
por... preguiça e só | preguiça! bem vês, sou réo con- | fesso, devo ser
perdoado. | Não pódes imaginar o pra- | zer que me deste em
communicar- | me que resolveste continuar os | teu curso em São
Paulo; foi uma | excelente resolução. Dou-te os | meus parabens. (...)
Agora soffre as consequencia da tua | böa vontade e gosto. (...) Adeus;
Ludovina se recom- | menda assim como a Dona Elisa a quem | ella
abraça e a quem eu apresento os | meus respeitos. | Abraça a | Amigo
[inint] | Pedro” (Família Cupertino do Amaral, carta pessoal, em 22 de
maio de 1882)
O exemplo (93) mostra que a carta possui tom jocoso, cordial, em que é vista a
camaradagem entre os dois amigos. Nesse sentido, a amizade mostra uma proximidade
entre os dois, o que faz com que o remetente empregue o pronome tu e também a forma
possessiva teu. O emprego dessas estratégias, nas cartas amorosas e pessoais, de acordo
com Brown e Gilman (1960), declara solidariedade em relação ao destinatário,
diminuindo a distância que separa os interlocutores.
Os exemplos a seguir ilustram dados de seu em cartas familiares, trocadas entre
pai e filho:
(94) “Sua carta de 26 encheo meo me de alegria pelas | boas noticias
que trouxe de sua saude e dos | seus. Peço a Deos que continue a
prolegel-os. | Vamos passando sem novidade. || Achei acertada a
operação que Você lembra, | podendo tomar a letra por 3 annos.
Tenho | na Cai[x]a matriz quantia mais que sufficiente (...) Abençoo a
todos e envio muitos beijos aos netinhos. | Do Pai e amigo || Affonso”
(Família Penna, carta familiar, em 29/07/1907)
(103) “Recebi seu cartão e estimei saber | que o encomodo do meu
philosopho foi | passageiro. Aqui todos passam bem, feliz- | mente. ||
Estou a braços com a M[ensagem], | que enfim concluir até 3a ou 4a
feira. (...) Pode mandar dizer a seus ami- | gos de Peçanha que vou
mandar prolon- | gar a linha telegraphica para lá à partir | de S
[Miguel] de [Guanhães] em direcção | a Theophilo Ottoni. É bom que
seja Você | o portador da boa nova. Receba | com Marietta muitos
abraços e bençãos e | beiji por mim aos pequenos.” (Família Penna,
carta familiar, em 27/04/1907)
Todas os exemplos configuram-se como cartas de Affonso Penna a seu filho
Affonso Penna Júnior. Vale lembrar que a relação pai-filho caracteriza-se por ser uma
relação assimétrica, em que o pai exerce poder sobre o filho, devido à posição distinta, o
que justificaria o emprego da forma possessiva seu e do uso de você nas cartas do
missivista. Tais ocorrências podem ainda estar associadas ao caráter misto de algumas
162
cartas familiares. Nesses exemplos, verifica-se que o remetente faz menção tanto a
aspectos familiares quanto a assuntos políticos, quando em (102) o pai-presidente
comenta: Achei acertada a operação que Você lembra, podendo tomar a letra por 3
annos. Tenho na Cai[x]a matriz quantia mais que suficiente. Em (103), Affonso Penna,
o pai, dá notícias da família, mas aproveita para recomendar ao filho que tome algumas
providências: Pode mandar dizer a seus amigos de Peçanha que vou mandar prolongar
a linha telegraphica para lá à partir de S [Miguel] de [Guanhães] em direcção a
Theophilo Ottoni.
As cartas familiares da amostra apresentam essa dualidade, sendo mais objetivas
em alguns momentos quando tratam de assuntos políticos e de negócios. Nesse
contexto, o emprego da forma você e do pronome possessivo seu configura-se como um
atenuador em favor da polidez negativa, no momento em que confere maior
responsabilidade ao seu interlocutor. Tal uso contribui para um distanciamento maior
entre os interlocutores, criando uma relação simétrica V – V, de acordo com a teoria de
Brown & Gilman (1960).
Nessas cartas, o teor é político, uma vez que Affonso Penna não assume o papel
de pai, mas sim de homem de negócios fazendo solicitações ao filho. Dessa maneira, o
missivista utiliza um tratamento que atenua a polidez negativa de pedir ou ordenar
alguma coisa ao seu filho. Nestes casos, há quase uma imposição e com o intuito de
diminuir a ato de ameaça à face, utiliza-se você que, como mostrou Rumeu (2008), no
período, ainda possuía uma carga semântica de deferência, assim, aparentemente, como
o pronome seu.
Nesse sentido, é interessante observar a distribuição das formas possessivas nas
demais rodadas parciais a fim de comparar os resultados, mesmo que apenas com
percentuais, nas fases 1 e 3, uma vez que a fase 2 selecionou esse grupo de fatores:
163
Tabela 43: A distribuição de teu e seu a depender do subtipo da carta nas três fases. Valor de aplicação:
seu
Primeiramente, vale lembrar, que de maneira geral, o pronome possessivo teu
possuiu mais ocorrências na amostra. Assim, é natural que as porcentagens relativas ao
pronome seu sejam menores. Além disso, já foi constantemente repetido, ao longo desse
estudo, que as três fases possuem comportamentos diferenciados em relação ao sujeito:
na fase 1 (1870-1899) há predomínio de tu; na fase 2 (1900-1939), há variação acirrada
entre tu e você e na fase 3, a difusão de você como pronome pessoal. Nesse sentido,
aparentemente, os pronomes possessivos teu/seu também seguem esse percurso. É
natural que os índices de seu sejam menores na fase 1 (1870-1899), apresentem-se
maiores na fase 2 e se sobressaiam na fase 3.
No entanto, apesar dessas diferenças percentuais, a tabela 43 confirma as
tendências indicadas pelo peso relativo referente à rodada geral. Verificam-se índices
muito baixos de seu nas cartas amorosas nas fases 1 e 2 (entre 2% e 4%), porém, na fase
3, quando o possessivo seu se dissemina, os índices de frequência atingem 91% nesse
tipo de carta. Interessante observar que as únicas cinco ocorrências de teu na fase 3
ocorrem, justamente, nas cartas amorosas, que se configuraram, sem sombra de dúvidas,
como as mais íntimas entre os três subgêneros estipulados.
Nessa ótica, as cartas pessoais, que também favoreceram o pronome teu no peso
relativo, apresentam altas frequências do pronome nas fases 1 e 2, com 94%, sendo a
fase 3, a única que foge à regra: 100% de emprego de seu.
Fatores Fase 1 Fase 2 Fase 3
Teu Seu Teu Seu Teu Seu
Cartas
familiares
76/98 –
78%
22/98 –
22%
44/171 –
26%
127/171 –
75% –
0.976
- -
Cartas
amorosas
155/158 –
98%
3/158 –
2%
494/517 –
96%
23/517 –
4% –
0.313
5/54 –
9%
49/54 –
91%
Cartas
pessoais
133/148 –
94%
8/148 –
6%
104/111 –
94%
7/111 –
6% –
0.118
- 58/58 –
100%
164
Por fim, as cartas familiares, únicas favorecedoras de seu nas duas rodadas em
que o grupo foi selecionado, apresentam, também porcentagens diferenciadas dos outros
tipos de cartas. Na fase 1, apesar de o emprego de teu ser maior, seu apresenta 22
ocorrências, atingindo 22% de frequência. Tal resultado é bem maior do que as 11
ocorrências de seu somadas nas cartas amorosas e pessoais, além das porcentagens
serem bem menores. Na fase 2, então, a evidência fica ainda mais forte: o pronome seu
atinge 75% de uso (0.976), o que reafirma que esse tipo de carta favorece o uso dessa
variante. No que tange à fase 3, não foram encontradas cartas cujos interlocutores
tivessem relações consanguíneas.
Os resultados apresentados nessa seção confirmam os estudos de Pereira (2012),
Souza (2012), Oliveira (2014) e Souza (2014), que demonstram a importância de
considerar o subgênero da carta ao analisar variação no tratamento, uma vez que a
temática da carta e o teor da mesma influenciam nas utilizações pronominais. Desse
modo, é possível concluir que os resultados encontrados nesta seção reiteram as
conclusões observadas ao longo desta tese no que se relaciona às fases: nas fases 1 e 2,
o uso de teu está relacionado à intimidade e proximidade entre os interlocutores,
enquanto o pronome seu é empregado em contextos que mostram maior distanciamento
entre os mesmos.
Na próxima seção, serão apresentados os resultados referentes ao último grupo
de fatores: localidade da carta.
165
4.2.6- Localidade da carta
O último grupo de fatores relacionado a variáveis sociais foi a localidade onde a
carta foi escrita. Ressalta-se que tal grupo foi selecionado em três das quatro rodadas
parciais. Embora os remetentes das cartas fossem oriundos ou tivessem vivido maior
parte de sua vida no Rio de Janeiro, suas cartas foram escritas em lugares distintos. Tal
fato é bastante comum em um corpus constituído por cartas, uma vez que a troca de
correspondência para estabelecer o contato e buscar notícias se dá, muitas vezes, quando
as pessoas estão longe do seio familiar ou do círculo de amigos original. O controle
diatópico da origem do documento se justifica ainda pelo fato da existência de
diferentes subsistemas de tratamento coexistentes no português brasileiro como
mostram Scherre et al (2015) para a sincronia e Lopes et al (2015) para a diacronia.
Nesse sentido, quer-se verificar se haveria alguma diferenciação na distribuição das
formas possessivas a depender de onde as cartas foram produzidas, isto é, da localização
dos remetentes. O objetivo é, basicamente, ver se os usos locais no que se refere às
formas de tratamento poderiam influenciar na escolha de uma forma possessiva em
detrimento de outra.
A amostra é constituída por cartas escritas em diferentes localidades, tais como:
(i) Minas Gerais; (ii) Bahia; (iii) Rio de Janeiro; (iv) Santa Catarina; (v) Rio Grande do
Norte; (vi) Sergipe; (vii) Ceará; (viii) fora do país; (xv) sem localização. Como a
hipótese norteadora do trabalho é a de que a evolução da variação das formas
possessivas está intrinsecamente relacionada às alterações na posição de sujeito,
encontra-se aí o primeiro empecilho para explicar os resultados de maneira mais
definida. Nesse sentido, não é possível afirmar categoricamente como se deu a
distribuição do sujeito em todos esses locais, ao longo do período temporal apresentado
nessa tese. Primeiramente, porque não há estudos de variação que contemplem,
necessariamente, todas as localidades, no decorrer de mais de um século, precisamente
em cartas pessoais44.
Tendo em vista a perspectiva laboviana de que através da observação do
desenvolvimento de um fenômeno linguístico no presente pode-se inferir um processo
que ocorreu no passado pelo fato de a mudança ser constante, optou-se por verificar
44 Está em vias de publicação um estudo feito por Lopes e pesquisadores vinculados ao Projeto PHPB
(Para a História do Português Brasileiro) que dará um panorama histórico das formas de tratamento de 2ª
pessoa na posição de sujeito e na de complemento verbal em algumas localidades do Brasil: Rio de
Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Santa Catarina.
166
resultados sincrônicos de pesquisa em busca de vestígios que ajudem a explicar os
resultados encontrados na diacronia. Embora não haja um mapeamento descritivo
completo da atual situação dos subsistemas pronominais de tratamento do português
brasileiro que contemplem todo o território nacional, no que tange os estudos
sincrônicos sobre essa variação, Scherre el alii (2015) realizaram uma síntese dos
estudos de variação tu/você no Brasil. As autoras apresentaram uma descrição, em que
propõem a existência de seis subsistemas de tratamento no Brasil: (i) você, (ii) tu
(concordância baixa), (iii) você/tu (sem concordância), (iv) tu (concordância média), (v)
você/tu (concordância muito baixa) e (vi) você/tu (concordância médio/baixa).
Para os fins de um estudo diacrônico, Lopes e Cavalcante (2011) rediscutem os
subsistemas de Scherre et al (2009), reduzindo-os a três subsistemas que não levam em
conta a presença ou ausência de concordância: (i) tu, (ii) você e (iii) tu/você. De acordo
com as autoras, tais subsistemas podem ser sintetizados da seguinte maneira:
i. No subsistema de você, é possível identificar o uso majoritário do pronome-
sujeito você e suas variantes (ocê, cê, etc), com 97% a 100% de frequência.45
ii. O subsistema de tu agregaria dois outros: o de concordância baixa e o de
concordância média. No primeiro, o emprego do pronome tu apresenta taxas
acima de 80% de frequência, mas com concordância abaixo de 10%.46 No
segundo, há emprego de tu sujeito com índices de concordância maiores do que
40%. Embora nesta concepção haja dois subsistemas de tu, a discrepância entre
ambos são as diferentes frequências de concordância. Nesses casos, a presença
de tu não é categórica, mas seu predomínio é com índices acima de 76%.47
45 Este subsistema abarcaria algumas cidades da região Sudeste, como Belo Horizonte, Montes Claros,
Uberlândia, Arcos, no estado de Minas Gerais e na capital do Espírito Santo, Vitória; em Curitiba, capital
do Paraná, na região Sul do Brasil, que teve forte afluxo de paulistas; e na região Nordeste, em particular
no estado da Bahia, em Salvador, Helvécia e Rio de Contas. 46 O emprego de tu com baixa concordância foi identificado, segundo o levantamento de Scherre et al, em
cidades da região Sul, principalmente no Rio Grande do Sul (Porto Alegre, Flores da Cunha, Panambi,
São Borja e Pelotas) e em uma localidade da região Norte (Tefé no Amazonas). 47 O terceiro subsistema está presente na região Sul, sendo identificado nas cidades de Florianópolis e
Ribeirão da Ilha que ficam em Santa Catarina; no Nordeste do Brasil, em São Luís do Maranhão, embora
os percentuais ainda não estejam disponíveis, e na região Norte, na cidade de Belém (capital do Pará).
(Cf. Loregian 1996: 65; Loregian-Penkal 2004: 136; 167; Soares e Leal 1993: 51 apud Lopes e
Cavalcante 2011: 9). Cabe ressaltar que este subsistema também poderia ocorrer nas outras localidades
em que o tu é predominante com baixa ocorrência de concordância.
167
iii. Os outros três subsistemas elencados por Scherre et al (2009) foram
considerados dentro de um grupo só por Lopes e Cavalcante (2011). Neles
houve sempre a coexistência de você e tu na mesma comunidade, só que com
taxas de frequência diferenciadas: a) equilíbrio entre os dois pronomes pessoais
e baixa concordância com o pronome tu (perto de 1%)48; b) variação entre os
dois tratamentos, mas uma maior utilização de você (30% a 95%)49 e c) variação
tu/você, mas a concordância com o pronome tu é acima de 10%.50
Em síntese, os resultados encontrados em diferentes estudos sincrônicos
mostram que na maior parte do Brasil, a nova forma pronominal você é a mais
produtiva, sendo o tratamento categórico em quatro das cinco regiões brasileiras. No
entanto, cabem as ressalvas: (i) em Belo Horizonte (Minas Gerais), Vitória (ES), São
Paulo (SP), Curitiba (PR), Salvador (BA) entre outras localidades, o você é a forma
única de tratamento; (ii) No Rio de Janeiro (RJ), Brasília (DF), Santos (SP), São João da
Ponte (MG) e algumas localidades da Bahia (Cinzento, Sapé, Poções, Santo Antônio), a
forma você concorre com o pronome tu; (iii) há predomínio de tu em áreas muito
pontuais no sul do Brasil.
Como os estudos sincrônicos reunidos por Scherre et al (2015) e os estudos
parciais feitos a partir de cartas de sincronias passadas produzidas no Rio de Janeiro (cf.
SOUZA, 2012; PEREIRA, 2012; SILVA, 2012, LOPES et al, 2015) demonstraram, o
subsistema de tratamento no Rio de Janeiro é misto contemplado pela coexistência de tu
e você na posição de sujeito. Uma das questões a ser respondida é se há diferenças no
emprego das formas possessivas a depender da localidade de onde o missivista escreve.
Será que é possível detectar alguma influência do tratamento local na escrita dos
remetentes em análise? No tocante aos possessivos em particular, as escolhas entre teu e
seu acompanham o que está previsto para a posição de sujeito? Embora haja outros
fatores em jogo que não foram controlados aqui, como o tempo de afastamento e o local
48 Localizado apenas na cidade de Chapecó, em Santa Catarina. (cf. Loregian-Penkal 2004: 133; 137; 167
apud Lopes e Cavalcante 2011: 9) 49 Observado no Distrito Federal e Grande Brasília (região Centro-Oeste); no Rio de Janeiro (RJ), Santos
(SP), São João da Ponte (MG) (região Sudeste). No Nordeste, só há dados de localidades da Bahia
(Cinzento, Sapé, Poções, Santo Antônio) e no Sul, em particular no Paraná, ocorreria em áreas bilíngues.
apud Lopes e Cavalcante 2011: 9) 50 Identificado na região Sul, principalmente em Santa Catarina, nas cidades de Blumenau e Lages e em
diversos estados da região Nordeste: Pernambuco (cidade de Recife), Paraíba (João Pessoa e Campina
Grande), Ceará (Fortaleza), Piauí (Teresina), Imperatriz (Maranhão). (Cf Lorengian (1996: 65), Loregian-
Penkal (2004: 137 e 167), Bezerra (1994: 115), Soares (1980), Herênio, (2006: 76-79) apud Lopes e
Cavalcante 2011: 9).
168
de nascimento do missivista, é preciso considerar que o local de escritura da carta foi
sistematicamente selecionado em todas as rodadas multidimensionais: rodada com todos
os dados da amostra, rodada da fase 1 (1870-1899) e da fase 2 (1900-1939).
Para uma análise comparativa, foram reunidos na tabela a seguir os resultados de
todas as rodadas realizadas. Tentar-se-á explicar a variação entre as formas possessivas
teu/seu a partir do que se sabe da atual sincronia:
Tabela 44: A distribuição de seu a depender da localidade da carta em todas as rodadas
A tabela 44 mostra que nem sempre as mesmas localidades se repetiram nas
rodadas parciais, com exceção do Rio de Janeiro, de São Paulo e das cartas sem
localização.
Primeiramente, é importante ressaltar que, devido ao pequeno número de dados,
em alguns casos, peso relativo e porcentagem não são correspondentes. Além disso, em
todas as rodadas, as cartas sem qualquer informação sobre sua localidade não
favoreceram o emprego de seu: 0.190 na rodada geral, 0.115 na fase 1 e 0.009 na fase 2.
Por outro lado, as cartas redigidas fora do Brasil favorecem o uso desse possessivo:
0.949 na rodada geral e 1.000 na fase 1. Os dois fatores têm em comum, o fato de as
respectivas porcentagens acompanharem o peso relativo. Observam-se alguns
exemplos:
Rodada geral Fase 1 Fase 2 Fase 3
Fatores Seu Seu Seu Seu
Fora do
Brasil
12/28 – 43% –
0.949
1/4 – 25% –
1.000
– –
Minas
Gerais
18/38 – 47% –
0.724
– 18/27 – 67% –
0.094
–
Rio de
Janeiro
251/1018 – 25%
– 0.604
7/192 – 4% –
0.821
120/697 – 17%
– 0.857
107/112 – 95%
São Paulo 15/35 – 43% –
0.289
3/19 – 16% –
0.393
12/16 – 75% –
0.598
–
Sem
localização
31/245 – 13% –
0.109
15/161 – 9% –
0.115
6/45 – 13% –
0.009
–
169
(95) “Muito penhorado agradeço os amaveis | felicitações pelo meu
aniversario natalício, en- | viados na sua carta de 22, aqui chegada | no
dia proprio. (...) Seu pai saberá | fazer o regimem que lhe concerve a
saude, | necessaria aos seus. Desejo que todos [inint] | continuem bem.
| Faço votos sinceros pela sua prosperidade | [inint] com amizade |
Washington Luis” (Fundo Washington Luis, carta escrita em Nova
Iorque, em 26/10/1946)
(96) “Affonsinho | Recebi hoje teu cartão | pedindo a tua
correspondência | só tem um cartão de Dona Maria | Amalia
felicitando te pelo teu | bonito exame (...) Queres os jornaes? | Deves
levar o Alexandre no | dia 28 sem falta para elle come- | çar os estudos
no dia 1o de | Março; não fique esperando | não adie nem um dia.”
(Família Penna, sem localização, em 20/02/1899)
A partir da análise dos exemplos (95) e (96), percebe-se que só é possível
explicar a variação entre as formas possessivas pelo tratamento na posição de sujeito e
não pelo local onde a carta é escrita. Em (95), observa-se que não há sujeito explícito na
carta, o que acaba influenciando o missivista a empregar outras formas pronominais que
não mostrem diretividade. Assim, o autor da carta utiliza o possessivo seu, que, por
estar relacionado a um paradigma de terceira pessoa, é uma forma menos direta de tratar
o interlocutor. Por outro lado, em (96) a missivista utiliza o pronome possessivo teu,
enquanto, no decorrer da carta, ela também emprega formas verbais relacionadas à
segunda pessoa (queres, leves).
A tabela 45 também demonstra que as cartas redigidas no estado de Minas
Gerais, na rodada geral, favorecem o emprego de seu com índice de 0.724, o que
dialoga com os estudos sincrônicos sobre a variação na posição de sujeito, visto que o
emprego de você predomina nessa localidade. Por outro lado, na fase 2, o possessivo
seu é desfavorecido (0.094), mesmo tendo 67% das ocorrências:
(97) “Querido Affonsinho | Cocaes 11 de 8bro de 1907 | Recebi a sua
carta que muito estimei por sa- | ber que com Marietta e Sobrinhos
gosão saude. (...) Fico certo da sua boa instrução sobre as nomeações |
do Beijito e do Manoel filho do Ferreira e logo | que [ficessi] a estrada
te mandarei um cartão com | os nomes para providenciares como
tambem não | te esquecerás dos de Santa Barbara para que sejão de pre
| ferencia empregados em menos fornecimentos | de documentos etc
pois bem sabes que presentemente | só tem sido empregados os de
Caethe, pois hoje | estamos em epoca ultra protecionista. (...) | Eu sua
tia e [Primos] te en- | viamos e Marietta saudozas visitas um beijo aos |
[Sobrinhos] e um abraço de Tio e Amigo Certo | Neca” (Família
Penna, carta escrita em Minas Gerais, em 11 de outubro de 1907)
170
Interessante observar, no exemplo (97), que, mesmo o missivista empregando
formas verbais referentes ao pronome tu (providenciares, esquecerás, sabes), o mesmo
utiliza seu/sua como forma possessiva, o que comprova que a fase 2 é o momento de
maior variação e mescla das formas pronominais.
É preciso destacar também que a tabela demonstra que o estado de São Paulo é
desfavorecedor do pronome seu em duas das três rodadas parciais: 0.289 na rodada
geral, 0.393 na fase 1, passando a 0.598 na fase 2. Cabe ressaltar que, como já
comentado, no período temporal 1, há maior predomínio de tu sujeito e, por
conseguinte, de teu, assim, o resultado na primeira fase temporal é completamente
justificável: pequeno uso do pronome seu (16%). Na fase 2, período temporal de disputa
pronominal mais acirrada, percebe-se que as cartas redigidas no estado passam a
favorecer o possessivo seu, também, no número de ocorrências: 75%. Esse resultado
para a variação das formas possessivas converge com os resultados referentes à posição
de sujeito na sincronia. Assim, talvez, se houvesse cartas escritas em São Paulo na fase
3, momento de ascensão do pronome você e do possessivo seu, essa hipótese seria
melhor sustentada.
Por fim, a tabela 45 ilustra o favorecimento de seu em cartas escritas no Rio de
Janeiro, que é o estado que possui mais ocorrências em todo o corpus. Assim, na rodada
geral, o possessivo é favorecido com índice de 0.604, na fase 1 e 2 os índices são
parecidos: 0.821 e 0.857, respectivamente. Chama atenção, no entanto, a quantidade de
ocorrências de uma fase para outra: de apenas sete, no primeiro corte temporal, para 120
na segunda fase, o que mostra o aumento gradativo do uso dessa forma possessiva. Na
fase 3, embora este grupo não tenha sido selecionado, há o predomínio de seu, com
95%.
Tais resultados, mais uma vez, dialogam com o que se vê na sincronia: o Rio de
Janeiro é um estado que se configura, de acordo com Lopes e Cavalcanti (2011), como
um subsistema de variação entre tu/você na posição de sujeito, com maior incidência do
segundo pronome. Assim, a fase 3, embora contabilize ocorrências até a década de
1970, mostra que tal coexistência também abrange os pronomes possessivos.
171
5- Conclusão
Apesar de problemas enfrentados na constituição da amostra, bem como na
distribuição das ocorrências, o que é, sem dúvidas, uma das consequências de se fazer
um estudo histórico, foi possível desenvolver discussões ao longo desta tese. Assim,
baseando-se na análise dos resultados obtidos através da distribuição das estratégias
possessivas de referência à segunda pessoa, em função de diversos aspectos linguísticos
e sociais, em cartas pessoais, dos séculos XIX e XX, que compõem o corpus em estudo,
foi possível responder a alguns questionamentos outrora levantados e que foram as
diretrizes desta tese.
Volta-se nesse primeiro momento para as perguntas gerais que serviam de ponto
de partida para o presente estudos:
(i) Como se dá a distribuição das formas variantes teu/tua e seu/sua nos
séculos XIX e XX (1870-1970)?
A distribuição global, na amostra, mostrou o predomínio de teu sobre seu. Assim
sendo, das 1.376 ocorrências de pronomes possessivos encontradas, 76% correspondiam
a teu (1041 dados), enquanto 24% representavam seu (335 dados). Entretanto, uma
investigação mais pormenorizada da variação das formas possessivas mostrou que essa
distribuição não se deu de forma igualitária ao longo dos 100 anos de estudo: do século
XIX até o final da década de 1930 há o maior emprego de teu, porém, a partir da década
de 1940, há a maior utilização, muitas vezes categórica, de seu na amostra.
(ii) O possessivo seu realmente acompanha a entrada de você no sistema
pronominal? Em que contextos morfossintáticos e discursivo-
pragmáticos?
O objetivo central do presente estudo foi analisar a variação entre as formas
possessivas teu e seu, tentando elucidar quais contextos mostraram-se favorecedores
para a inserção de seu, antes pertencente ao paradigma de terceira pessoa, no trato ao
interlocutor. Nesse sentido, não se pode afirmar que enquanto o pronome você inseria-se
no quadro de pronomes do português brasileiro, ao mesmo tempo, o possessivo seu
passava a referir-se à segunda pessoa. Em verdade, os resultados delineados nesta tese
172
parecem apontar para o efeito “dominó” já tão comentado por diferentes linguistas: a
entrada de você funciona como um gatilho para diferentes mudanças pronominais que
ocorreram e ocorrem no sistema. Assim sendo, não se pode afirmar de forma categórica
que o pronome seu acompanha a entrada do pronome você no sistema pronominal, mas
seu só passa a referir-se à segunda pessoa a partir do momento em que você entra nesse
sistema como variante de tu.
Além disso, é impotante ressaltar que o presente estudo aponta para a presença
de três fases distintas de comportamento no que tange o emprego de seu. Nessa
perspectiva o uso do pronome seu é favorecido de forma diferente a partir do momento
que, lingusticamente, o próprio pronome adquire novos valores de uso.
(iii) Por que o comportamento dos possessivos de segunda pessoa se
diferencia dos demais pronomes? Por que formas acusativas e dativas do
paradigma de você tendem a ter implementação nula ou limitada,
enquanto a forma possessiva seu/sua mostra-se produtiva?
Segundo estudo de Oliveira (2014) e Souza (2014), uma das hipóteses para o
baixo emprego de formas dativas e acusativas ligadas ao paradigma de você é,
justamente, a carga semântica de deferência e distanciamento que o emprego de lhe, por
exemplo, causa ao interlocutor. O pronome seu, no corpus analisado, apresentou
indícios de semântica respeitosa ou reverente apenas no primeiro lapso temporal
estudado, isto é, 1870-1899. Conforme seu emprego vai aumentando na amostra,
observa-se um comportamento neutro. Dessa maneira, o pronome tanto apareceu em
contextos em que a intimidade entre remetente e destinatário era latente, quanto em
contextos em que era perceptível a falta de proximidade entre os interlocutores. Assim,
percebe-se que o distanciamento causado pelo uso de formas dativas e acusativas
relacionados ao paradigma de você, não se manteve com seu. Nesse sentido, talvez, o
que tenha feito com que o pronome possessivo permanecesse no sistema pronominal, de
forma bastante produtiva, inclusive, é a sua neutralidade e capacidade de estar presente
em diferentes situações comunicativas.
(iv) Quais os fatores linguísticos e extralinguísticos importantes para entender
a variação entre teu e seu?
173
No presente trabalho foram controlados 16 grupos de fatores que poderiam
mostrar-se relevantes à variação entre teu e seu ao longo de 100 anos. O programa
estatístico Goldvarb selecionou quatro grupos de fatores linguísticos como importantes
– sujeito na totalidade da carta, tipos de posse, traço de gênero do possessivo e
animacidade do sintagma possessivo – e seis grupos de fatores extralinguísticos –
período histórico, gênero, faixa etária, parentesco, subgênero da carta particular e
localidade da carta. Importante ressaltar que esses foram os grupos de fatores
selecionados na amostra somando todas as rodadas parciais.
A partir dessa escolha estatística, pode-se afirmar que, na presente pesquisa, os
grupos de fatores extralinguísticos parecem ter um peso maior para entender a variação
existente entre teu e seu.
(v) É possível afirmar que o possessivo seu/sua, assim como o pronome você,
possui uma faceta polifuncional?
A faceta polifuncional do pronome você vem, sobretudo, dos estudos sincrônicos
sobre a variação tratamental na atualidade, seja através de corpora oral ou escrito.
Assim, buscou-se observar se o pronome possessivo seu teria, na diacronia,
comportamento polifuncional atribuído ao pronome você. Os resultados observados
nesta tese parecem indicar um comportamento idiossincrático, ainda não visto em
outros subtipos pronominais: a possibilidade de estar em contextos mais ou menos
informais sem que o pronome possessivo seja o grande marcador da presença ou falta de
intimidade entre os interlocutores. Assim, na verdade, é possível afirmar que tal qual o
pronome você, o pronome possessivo seu possui um caráter neutro.
A partir de agora será realizada uma síntese dos resultados encontrados em cada
grupo de fatores controlados. A ordem aqui presente seguirá a mesma sequência
disposta na tese: análise dos grupos de fatores linguísticos e a posteriori os grupos de
fatores extralinguísticos.
- Os grupos linguísticos
(a) Sujeito na totalidade da carta
Esse grupo de fatores mostrou-se relevante, pois demonstrou que,
aparentemente, o emprego dos pronomes possessivos está intimamente ligado ao uso do
pronome sujeito utilizado nas missivas. Dessa forma, como esperado, nas cartas em que
174
havia o emprego exclusivo do pronome tu houve a utilização da forma possessiva teu,
ao passo que nas cartas cujo sujeito era você, havia o emprego de seu.
A análise do peso relativo apontou para o favorecimento do pronome seu em
cartas sem sujeito explícito e o seu desfavorecimento em cartas em que havia mescla de
tu e você na posição de sujeito. No entanto, a análise qualitativa dos dados revelou que,
na verdade, quando havia mistura dos pronomes sujeitos, havia uma tendência geral à
mescla em todos os subtipos pronominais, incluindo os pronomes possessivos.
Ademais, nas cartas sem sujeito explícito, o emprego do pronome possessivo era
definido pelo teor das cartas. Assim, missivas que expressavam maior intimidade e
proximidade entre os interlocutores tendiam ao uso de teu, enquanto que cartas em que
ficava latente o maior distanciamento entre remetente e destinatário, geralmente, havia
emprego de seu.
(b) Tipos de posse
A análise do grupo de fatores tipos de posse mostrou alguns resultados
interessantes. O primeiro deles é a comprovação de que os conceitos clássicos de
alienabilidade e inalienabilidade não são suficientes para dar conta das várias nuances
existentes no que tange o sentido de posse. Assim, a proposição de uma nova
classificação para a tipologia de posse, em posses alienáveis, inalienáveis e estensão do
sentido de posse foi acertada, já que se conseguiu observar uma distribuição
diferenciada de teu e seu.
Os resultados apontaram um uso mais produtivo de seu com posses alienáveis e
posses com seu sentido estendido, o que está intimimamente ligado à concretude do
nome, ao passo que as posses inalienáveis mostraram-se mais resistentes ao emprego de
seu como forma de relacionar-se à segunda pessoa. Nesse sentido, é possível afirmar
que o pronome seu, perdendo os traços de terceira pessoa e, cada vez mais, sendo usado
no emprego ao interlocutor, teve seu uso inicialmente marcado nas ditas posses
clássicas, ou seja, naquelas em que um bem é transferível a outro possuidor.
(c) Traço de gênero do possessivo
Esse grupo de fatores não possuía hipótese a ser testada e, com ele, apenas
verificou-se que, as formas possessivas femininas foram mais produtivas na amostra.
(d) Animacidade do sintagma possessivo
175
Segundo estudo de Huerta Flores (2009), para o espanhol, quando se trata de
hierarquia de posse, possuidor e possuído encontram-se me polos opostos. Dessa forma,
nas posses clássicas, o possuidor possui traço [+humano] e controla a coisa possuída,
que é [-humano]. A autora mostra que contruções diferentes dessas só passam a ser mais
frequentes a partir do século XVI. Nesse sentido, postulou-se que o pronome seu,
conforme sendo empregado como forma de segunda pessoa, tem, cada vez mais, seu
emprego relacionado a sintagmas com traço [inanimado]. Os resultados encontrados
corroboraram o estudo de Huerta Flores (2009): o pronome seu, à medida que passa a
ser empregado na referência à segunda pessoa, é mais utilizado em contruções atípicas,
isto é, com sintagma possessivo [inanimado].
- Os grupos extralinguísticos
(a) Período histórico
A variável período histórico foi imprescindível na tentativa de mostrar que o
pronome possessivo seu acompanha o pronome você e sua entrada no sistema
pronominal. A análise dos resultados apontou que assim como Souza (2012) identificou
três fases no processo de inserção de você, o mesmo aconteceu com as formas
possessivas no presente estudo.
Pode-se verificar que o pronome teu é empregado como única forma de referir-
se ao interlocutor entre os anos de 1870 a 1899, assim como o pronome tu era a
estratégia preferida no mesmo período. Por outro lado, você e seu apareciam em
contextos específicos, o que faz com que se possa afirmar que, no final do século XIX,
teu e seu não podem ser consideradas variantes, pois não ocorriam nos mesmos
contextos de uso.
No início do século XX, identificou-se que seu passa a ter um número de
ocorrências mais expressivo, passando a se configurar como uma variante do pronome
teu, já que os pronomes passam a ocorrer nos mesmos contextos sintáticos e
discursivos. Souza (2012) aponta o mesmo comportamento com os pronomes tu e você.
A partir da década de 1940, é possível observar o predomínio de seu no corpus,
muito embora teu não tenha desaparecido. É a partir dessa década que Souza (2012)
afirma que você passa a ser mais recorrente na amostra, passando a configurar-se como
um pronome pessoal. Assim, é possível afirmar que a inserção da forma você no quadro
de pronomes do português brasileiro foi crucial para que seu seja uma forma produtiva.
176
(b) Gênero
A análise da variável gênero no primeiro lapso temporal mostrou que o pronome
seu não era uma forma estigmatizada, uma vez que, em um primeiro momento, o
pronome mostrou-se mais produtivo em cartas de mulheres ilustres, o que traz indícios
de que a forma tinha certo prestígio.
Cabe lembrar que, no segundo corte temporal, o pronome seu não está presente
apenas em cartas de mulheres ilustres, mas também em cartas masculinas ilustres, além
de aparecer timidamente em cartas de homens não-ilustres. Tal distribuição, mais uma
vez, parece sinalizar para o prestígio que o pronome tinha.
Tal resultado confirma o princípio Ia de Labov (1994), reformulado nessa tese:
as mulheres tendem, em processo de mudança em direção ao prestígio, a usarem formas
linguísticas prestigiadas ou menos estigmatizadas.
(c) Faixa etária
Com a análise desse grupo de fatores, objetivava-se verificar se havia diferença
no emprego de teu e seu a depender da faixa etária dos missivistas. Os resultados
apontaram para conclusões esperadas: como a implementação de seu no trato ao
interlocutor é uma mudança em progresso, os jovens apareceram no corpus como
inovadores, por favorecerem o uso dessa variante. Por outro lado, os adultos são os
maiores desfavorecedores ao emprego de seu, passando a empregá-lo de forma
disseminada e desmotivada apenas na fase 3, ou seja, quando seu tem utilização
majoritária na amostra. Na análise variável, os idosos aparecem como favorecedores ao
uso de seu, mas uma análise mais minuciosa mostrou que tal favorecimento se dá no
período de 1870-1899, em que o emprego desse possessivo ainda está relacionado ao
uso de você motivado e prestigioso.
(d) Parentesco
Não foi possível, ao longo dos 100 anos analisados, encontrar as mesmas
relações de parentesco na amostra, mas os resultados apontaram para um crescimento
tímido do pronome seu, tanto nas relações simétricas quanto assimétricas ascendentes e
descendentes estabelecidas.
(e) Subgênero da carta particular
177
Os resultados encontrados na análise desse grupo de fatores corroboraram os
resultados referentes à análise de outros subtipos pronominais, como clíticos e dativos.
Assim, as cartas amorosas, em que, em geral, encontra-se maior intimidade entre os
interlocutores, mostraram-se como desfavorecedoras ao emprego de seu, já as cartas
pessoais, trocadas entre amigos, está no limiar entre favorecimento e desfavorecimento
do pronome, enquanto as cartas familiares, trocadas entre pessoas com relações
consanguíneas, favorecem o emprego de seu na amostra.
(f) Localidade da carta
A análise desse grupo de fatores mostrou que o mesmo estava bastante
dependente de outros grupos analisados na amostra, principalmente o sujeito na
totalidade da carta. Nesse sentido, controlar o pronome sujeito que aparecia nas
missivas mostrou-se mais relevante do que identificar onde a carta foi escrita, uma vez
que os resultados encontrados na amostra não dialogaram com os resultados sincrônicos
sobre variação pronominal e localidade.
Os resultados encontrados nesta tese apenas delineiam a variação entre as formas
possessivas teu e seu em um recorte temporal de 100 anos, em que se verificou o
crescimento tímido, porém contínuo do pronome seu como estratégia de referência à
segunda pessoa. Há, sem sombra de dúvidas, ainda muitos questionamentos a serem
desenvolvidos e respondidos sobre o tema.
178
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7- Anexos
Nesta seção são apresentadas todas as palavras que foram coletadas para que se
pudesse fazer a nova classificação para a variável tipos de posse.
Quadro 2: Palavras alienáveis na fase 1
Alienável | Fase 2 Teu Seu Teu / Misto Seu / Misto
Carta 67 41 1
Alienável | Fase 1 Teu Seu Teu / Misto Seu / Misto
Carta 44 11 2 5
Cartão 2
Casa 6
Correspondência 1
Residência
1
Apólices 1
Brinquedos 1
Leito 1
Paletó 1
Presentes 1
Quarto 1
Letras 6 1 1
Sorte 1
Atenção
1
Negócios 1
Bronquite 1
Estado 1
Consórcio 1
Fama 1
Ósculo
1
Prendas 1
Festa
1
Lições 1
Total 73 15 4 5
195
Cartão
1
1
Correspondência
1
Residência 1
Bilhete 1
Boné 1
Caderneta
2
Caixa
1
Carteira 1
Chapéu
1
Dinheiro
2
Escrivaninha
1
Fantasia 1
Malas 1
1
Missal 1
Sobretudo
1
Telegrama 3 1
Toalhas
1
Retrato 11 2
Alcova 1
Nome
2
Coisinha 1
Beijo 7
1 1
Fruto
1
Ser 1
Vapor 1
Missas 1
Festa 1
Magistério 1
Ministério 1
Título
1
Serviços
1
Despesa 1
Lado 4
2
Ortografia 1
Congregação 1
Perfumes 1
Estado 6
196
Favor
1
Cânticos 1
Olhar 2
Zona
1
Negócios 1
Conta
3
Total 121 61 8 3
Quadro 3: Palavras alienáveis na fase 2
Alienável | Fase 3 Teu Seu Teu / Misto Seu / Misto
Carta
16
5
Cartão
3
Casa
2
1
Carro
1
Currículo
1
Lista
1
Livro
1
Prédio
1
Prefácio
3
Foto
3
Voz
1
Peso
1
Carnaval
1
Ano
2
Redondeza
1
Tempinho
1
Recado
1
Frase
Hospitalidade
1
Total 0 39 1 7
Quadro 4: Palavras alienáveis na fase 3
Inalienável | Fase 1 Teu Seu Teu / Misto Seu / Misto
Parentesco
Prima
3
197
Marido 13
4
Irmão 4
Avô 11
Afilhada 1
Tio 3 1
Tia 3
Tia-avó 1
Mãe 31 1
Padrinho 1
Esposo 1
Amo
1 1
Ama 1
Baroneza 1
Amigo 15
1
Filha 1
Cunhada 1
Escravo 1
Filho 2
Companheiros 1
Mestre 1
Superiores 1
Família
1
Total 94 7 5 1
Quadro 5: Palavras inalienáveis na fase 1 (Parentesco)
Inalienável | Fase 1 Teu Seu Teu / Misto Seu / Misto
Partes do corpo
Coração 2
1
Pés 2
Mãos 2 1
Braço 1
Total 7 1 1
Quadro 6: Palavras inalienáveis na fase 1 (Partes do corpo)
Inalienável | Fase 1 Teu Seu Teu / Misto Seu / Misto
198
Quadro 7: Palavras inalienáveis na fase 1 (Outros tipos de posse)
Outros
Boa vontade 1
Felicidade
1
Alma 4
Idade 2
Inteligência 1
Razão 1
Fé 1
Mente 1
Aniversário 1
Futuro 1
Desejo 2 1
Saudades 4
Total 19 1 1
Inalienável | Fase 2 Teu Seu Teu / Misto Seu / Misto
Parentesco
Mãe 36 3 2
Irmão 29 7 3 1
Pai 10 21 1 2
Tia 8 4 2 1
Tio 1
Familiares 1
Filha
1
Amigo
Irmã 4 1 1 2
Discípula 1
Proprietária
1
Avó
1
Padrinho 1
Diretor 1
Noivo 38
4
Cunhado 1
Desconhecido
1
Noiva 17
199
Quadro 8: Palavras inalienáveis na fase 2 (Parentesco)
Quadro 9: Palavras inalienáveis na fase 2 (Partes do corpo)
Amante 1
Amado 2
Amo 1
Pais 9
Família 2
Total 163 38 15 6
Inalienável | Fase 2 Teu Seu Teu / Misto Seu / Misto
Partes do corpo
Mão 5 1 2 1
Coração 11 1
1
Lábios 5 1 1
Olhos 6
2
Peito 1
1
Braços 4
Cérebro 1
Boca 1
Faces 1
Corpo
1
Total 35 3 5 4
Inalienável | Fase 2 Teu Seu Teu / Misto Seu / Misto
Outros
Tristeza 1
Felicidade 1
Experiência
1
Dignidade
1
Carinho 5
Virtude 1
Zelo 1
Ausência 9
Amor 10
1 1
Vulto 1
200
Quadro 10: Palavras inalienáveis na fase 2 (Outros tipos de posse)
Quadro 11: Palavras inalienáveis na fase 3 (Parentesco)
Imagem 1
1
Presença 1
Vida 3
Saúde 1
1
Aniversário 1
1
Dádiva 1
Beleza 1
Audição 1
Lágrimas 4
Saudades 14
1
Total 57 1 3 4
Inalienável | Fase 3 Teu Seu Teu / Misto Seu / Misto
Parentesco
Mãe
1
Pai
2 1 1
Irmão
1
1
Pais
1
4
Ex-namorado
1 1
Namorado
1 1
Colega
1
Amigo
4
Colaboradora
1
Filhos
3
Primo
1
Conhecida
1
Família
2
Total 0 17 3 9
Inalienável | Fase 3 Teu Seu Teu / Misto Seu / Misto
Outros
Jeito
1
Preguiça
1
201
Quadro 12: Palavras inalienáveis na fase 3 (Outros tipos de posse)
Quadro 13: Extensão do sentido de posse na fase 1
Memórias
2
Saudades
2
2
Total 0 5 0 3
Extensão | Fase 1 Teu Seu Teu / Misto Seu / Misto
Restabelecimento
1
Encontro
1
Existência 1
Vinda 1
Desejo 2
1
Expressão 1
Viver 1
Amor 2
Sentir 1
Carícias 1
Estudo 3
Companhia 1
Esquecimento 1
Saída 1
Martírio 1
Separação 1
Chegada 2
Ausência 2
Volta 3
Trabalho 1
Conduta 1
Alimentação 1
Notícias 4
Total 32 2
1
Extensão | Fase 2 Teu Seu Teu / Misto Seu / Misto
Retirada 1
Instrução
1
202
Merecimento
1
Procura
1
Trabalho 2
Aprovação 1
Resposta 2 1 1
Lembrança
1
Nomeação
1
Posição
1 1
Descrição
1
Suposições
1
Prática
1
Esforço
1
Respeito 2 1 1
Aviso
1
Dividendo
1
Vinda
1
Informação
1
Relações
1
Subida
1
Poder
1
Recomendações
1
Partida 1
Impressão 1
Opinião 1
Benção 1
Intenção 4
2
Companhia 1
Orações 1
Deveres
1
Ditos 1
Dedicação 1
Pedido 2
Resolução 1
Almoço 1
Obrigação 1
Sentimento 1
Encomenda
1
203
Quadro 14: Extensão do sentido de posse na fase 2
Quadro 15: Extensão do sentido de posse na fase 3
Notícias 7 2 1
Total 33 21 8 1
Extensão | Fase 3 Teu Seu Teu / Misto Seu / Misto
Desaparecimento
1 1 1
Viagem
1
1
Falta
2
Fiscalização
1
Trabalho
1
Casamento
1
Impressão
1
Respeito
1
Prosa
1
Interferência
1
Aprovação
1
Opinião
1
Notícias
1
Total
14 1 2
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