View
1
Download
0
Category
Preview:
Citation preview
Revista de Direito, Santa Cruz do Sul, n. 5, out. 2014
172
REFLEXÕES ACERCA DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: RELAÇÃO
HOMEM/ NATUREZAE DESAFIOS SOCIOAMBIENTAIS
Adir Ubaldo Rech1
Rachel Ivanir Marques2
Sâmia Caroline dos Santos Souza3
RESUMO O desenvolvimento sustentável, a sustentabilidade e a relação homem/natureza são algumas reflexões e temas encontrados nas universidades, nos debates e programas políticos, no planejamento dos gestores, bem como nas conversas informais. Autores como François Ost, e Enrique Leff fornecem importantes visões acerca dessa relação tão conturbada entre homem e natureza. Com a constatação que se necessita avançar na implantação e implementação do que prevê tanto a Constituição Federal como as legislações infraconstitucionais, busca-se apontar que é possível encontrar o caminho para a concretização de políticas urbanas e atividades econômicas compatíveis com a sustentabilidade. Palavras-Chave: Princípio do desenvolvimento sustentável. Sustentabilidade. Relação homem/natureza. ABSTRACT Sustainable development, sustainability and human / nature relationship are some thoughts and themes found in universities, in television debates and political programs, in the planning of managers as well as in informal conversations. Authors such as François Ost and Enrique Leff provide important perspectives concerning this so troubled relationship between man and nature. From the fact that one needs to advance in the deployment and implementation of what both, the Federal Constitution and the infra-constitutional legislations provide for, we try to point out that it is possible for one to find the right path for the effectuation of urban policies and economic activities compatible with sustainability. Keywords: Principle of sustainable development. Sustainability. Man/nature relationship.
1Mestre e doutor em Direito Público pela UniversidadeFederal do Paraná. Coordenado e professor no Mestrado em Direito
Ambiental e professor na graduação em Direito da Universidade de Caxias do Sul. Advogado, parecerista e relator de Planos Diretores. aurech@ucs.br 2 Mestranda em Direito na Universidade de Caxias do Sul(UCS). Graduação em Letras e Direito pela Universidade de Caxias do Sul (UCS). Coordenadora da Central de Justiça Restaurativa da Infância e Juventude de Caxias do Sul na Universidade de Caxias do Sul (UCS). Advogada. rachelivanir@hotmail.com 3 Mestranda em Direito na Universidade de Caxias do Sul (UCS). Graduação em Direito pela Faculdade Dom Alberto (FDA). Advogada. scssouza@ucs.br
Revista de Direito, Santa Cruz do Sul, n. 5, out. 2014
173
INTRODUÇÃO
O presente trabalho busca analisar o princípio do desenvolvimento
sustentável. Para o estudo desse tema atual e controverso buscar-se á referir alguns
autores que são imprescindíveis quando se procura entender a relação homem-
natureza.
A primeira partediscorrerá sobre o autor François Ost, no seu livro: A
natureza à margem da lei: A ecologia à prova do direito (1997). O estudo de Ost
deflagra o problema ético central: o que fazemos da natureza e o que ela faz de nós.
O autor fomenta a necessidade de um saber interdisciplinar que possa dar conta da
crise do vínculo e a crise do limite, na medida em que perpassa pelas óticas
“natureza-objeto”, “natureza-sujeito” e “natureza-projeto” e, sinaliza para a função
socioambiental da propriedade. Uma obra introdutória e obrigatória ao tema
ambiental.
Na sequência irá se buscar as reflexões de Enrique Leff, Saber Ambiental-
Sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder, 2001, em especial, nos seus
capítulos I, IV, XXIV e XXVIII. A visão do autor tem como marco central a
necessidade de um crescimento sustentado, onde sustentabilidade, equidade,
justiça e democracia são condições ecológicas e sociais. Para Leff, a
sustentabilidade ecológica constitui uma condição da sustentabilidade do poder
econômico.
A terceira parte desse trabalho irá referir autores que abordaram o tema da
sustentabilidade e dos desafios socioambientais.Com base nos elementos que
foram explicitados pelos autores e diante da constatação que se necessita avançar
na implantação do que prevê tanto a Constituição Federal como as legislações
infraconstitucionais, busca-se apontar que é possível encontrar o caminho para a
concretização de políticas urbanas e atividades econômicas compatíveis com a
sustentabilidade.
No entanto, esse trabalho reconhece que a temática explicitada precisa ser
tratada com autores de diferentes áreas do conhecimento e que só com essa visão
Revista de Direito, Santa Cruz do Sul, n. 5, out. 2014
174
multidisciplinar, interdisciplinar ou, ainda, transdisciplinar4 é que se pode analisar as
premissas básicas e necessárias para discorrer sobresuas possibilidades e desafios.
O QUE FAZEMOSDA NATUREZA E OQUE ELA FAZ DE NÓS ATRAVÉS DA
VISÃO DE FRANÇOIS OST
Esta seção objetiva discorrer sobre o pensamento de Ost quando deflagra a
crise da nossa relação com a natureza, que segundo oautor é anterior à crise
ecológica que se temassistido. Enquanto a crise ecológica aponta necessidade de
enfrentamento aos ataques à biodiversidade, para o autor a crise do vínculo evoca
que “Só se pode ligar o que é, por natureza, distinto e virtualmente
destacável.”(OST,1997)5. O autor assevera que “Só podem existir vínculos entre
elementos previamente reconhecidos” (OST.1997.p.12). Na definição do autor: a
crise do vínculo (o que nos liga ao animal) e a crise do limite (o que nos distingue do
animal) éa reflexão que se faz necessária para responder a significação que a
natureza tem para o homem.(OST,1997)6.
Esta crise é simultaneamente a crise do vínculo e a crise do limite: uma crise de paradigma, sem dúvida. Crise do Vínculo: já não conseguimos discernir o que nos liga ao animal, ao que tem vida, à natureza; crise do limite: já não conseguimos discernir o que deles nos distingue. (OST,1997)7.
4Os conceitos multidisciplinar, interdisciplinar e transdisciplinar embora utilizados inúmeras vezes como sinônimos, denotam diferentes interconexões nas disciplinas ou ramos do conhecimento humano. Entendendo, portanto, multidisciplinar como a aproximação entreas diferentes disciplinas;interdisciplinar, como um avanço na concepção da multidisciplinaridade, indo além da aproximação entre as disciplinas, consistindo, também, em um relacionamento e articulação entre essas diferentes concepções/disciplinas. O conceito transdisciplinar evoca além da aproximação, relacionamento e articulação entre os diferentes saberes, também, uma perspectiva de superação desses ramos do conhecimento,visando romper com a lógica de categorização dasdisciplinas. O termo transdisciplinar, embora possa parecer meio utópico é o termo utilizado para dar conta da temática ambiental na educação, de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais-PCNs que apontam o MeioAmbiente como um tema transversal, pressupondo uma concepção transdisciplinar. Com base nos PCNs o Meio Ambiente não deve ser responsabilidade de nenhuma disciplina ou área do conhecimento específica, mas de todas elas. 5OST, François. A natureza à margem da lei: A ecologia à prova do direito. Tradução Joana Chaves-Instituto Piaget. Lisboa (Portugal), 1997.p.9. 6 Idem 7 Idem
Revista de Direito, Santa Cruz do Sul, n. 5, out. 2014
175
O crescimento demográfico, demonstrado em estudos, que segundo a
ONU8,apontam que apopulação mundial já ultrapassou os 7 (sete) bilhões de
pessoas e que a maioria dessa população tem se concentrado nos grandes centros
urbanos. Segundo dados do Censo de 20109, realizado pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística- IBGE,a população rural tem diminuído, gradativamente, a
cada censo e a área urbana tem absorvido essa migração. De acordo com os dados,
entre os anos de 2000 até 2010, a população urbana passou de 81% para 84%.
Parece que uma das possíveis consequências dessa urbanização tem sido o
afastamento do homem do contato com a natureza. Deve-se concordar com Ost que
a dificuldade em perceber a nossa relação com a natureza, seja ela de dependência,
ou ainda,de conexão como seres vivos pertencente àmesma Biosfera, tem
impactado de forma contundente no homem e no próprio ambiente natural.“A
modernidade ocidental transformou a natureza em “ambiente”: simples cenário no
centro do qual reina o homem, que se autoproclama “dono e senhor”.” (OST,
1997).10
Para determinar este terceiro das relações homem-natureza, será necessário começar por elaborar um saber ecológico realmente interdisciplinar: não uma ciência das suas relações. A questão da paisagem (essa bela palavra que parece resultar da sobreposição de “país” e “imagem”)pode servir de paradigma: pois não é indistintamente, realidade física e produto social? Enquanto resultado, em constante transformação, dos costumes sociais de um determinado local, a paisagem evolui entre natureza e sociedade; ela é simultaneamente natureza-objecto e a natureza-sujeito.(OST,1997)11
Na visão do autor a Natureza-objeto é aquela manipulável, coisificada,
apropriada e à mercê do homem, a Natureza-sujeito, aquela sagrada e intocável,
impulso de retorno à natureza, mística. Onde o homem é deslocado da centralidade
ética da discussão. Ost defende, então, a síntese entre esses dois extremos:
Natureza-objeto e Natureza-sujeito, ou seja, a Natureza-projeto: (meio justo); que
valoriza as complexidades das relações do homem com o ambiente, demonstrando
8 ONU. Disponível: <http://www.onu.org.br/populacao-mundial-deve-atingir-96-bilhoes-em-2050-diz-novo-relatorio-da-onu/>. Acesso em: 23.jul.2014. 9 IBGE. Disponível: <http://www.censo2010.ibge.gov.br/sinopse/index.php?dados=9&uf=00/>Acesso em: 23.jul.2014. 10OST, François. A natureza à margem da lei: a ecologia à prova do direito. Tradução Joana Chaves-Instituto Piaget. Lisboa (Portugal), 1997.p.10. 11Idem.p.16,17.
Revista de Direito, Santa Cruz do Sul, n. 5, out. 2014
176
preocupação com o futuro do homem e natureza. Quando a exigência ética da
partilha, numa reflexão dialética, em saber “o que fazemos da natureza e o que ela
faz de nós”. “Do ponto de vista epistemológico, a tarefa de assegurar um meio justo
evoca um saber interdisciplinar voltado à compreensão das interações entre o
natural e o cultural (bem como entre as ciências naturais e sociais)” (GRASSI;
SILVEIRA, 2014).12
A síntese dos conceitos de natureza objeto e natureza sujeito. O meio-justo
não é para Ost, simplesmente, um meio termo entre dois extremos, mas sim o meio
como tensão entre o objeto e o sujeito. Nem uma ciência do homem, nem uma
ciência da natureza, mas sim uma ciência das suas inter-relações. Para o autor: [...]
“o meio justo surge como uma alternativa radical: radicalidade da exigência ética da
partilha, radicalidade epistemológica do ‘espaço intermédio’ (o meio como tensão
entre objeto e sujeito)”. (OST, 1997).13
Para OST, a dicotomia que perpassa as teorias antropocentrista e
biocentrista apontam para uma ótica reducionista, sugerindo uma transposição
teórica destas visões. O bem ambiental tem que ser reconhecido como patrimônio
comum ecológico.
Entende-se que, embora cada qual contenha seu momento de verdade, estes posicionamentos são insuficientes, pois recaem em um dos polos de um dualismo redutor – ou é o homem que pertence à terra, ou é a terra que pertence ao homem.” (GRASSI; SILVEIRA, 2014)14
Vê-se, portanto, que essa mesma lógica é encontrada na explicitação de
terminologias utilizadas na área e que são vistas como sinônimas, para os
profissionais que abordam esse tema, mas que para Ost representam visões
diferentes. Através de sua reflexão esse antagonismo é explicitado nas expressões:
meio, natureza e ambiente. Ambiente, segundo o autor é um depósito de recursos,
vinculado com as correntes mais racionalistas; Natureza, consiste em uma visão
romântica, de uma natureza intocável, vinculado com uma visão mística, sagrada e
Meio, para Ost, seria expressão mais adequada, pois evidencia as inter-relações 12 GRASSI, Karine; SILVEIRA, Clóvis Eduardo Malinverni da. Configuração e justificação de um direito fundamental ao meio ambiente à luz dos conceitos de meio justo e de natureza-projeto em François Ost. Revista Direito e Práxis, 2014. 13OST, François. A natureza à margem da lei: a ecologia à prova do direito. Tradução Joana Chaves-Instituto Piaget. Lisboa (Portugal), 1997 p.18. 14 Idem
Revista de Direito, Santa Cruz do Sul, n. 5, out. 2014
177
entre essas visões e conceitos, buscando a superação com elementos que permitam
sua complementaridade: homem e natureza em uma transformação
verdadeiramente dialética.
Disso, pode-sededuzir que o trabalho de OST fornece subsídios para
entender o meio ambiente - no rol dos direitos difusos e coletivo - já protegido pela
garantia de tutela jurisdicional efetiva, mas queperpassam para além de uma
garantia legal, necessitando de uma ruptura no modelo jurídico que privilegia os
direitos e obrigações individuais, avançando para um regime que resgata os
interesses de todos e das futuras gerações, bem como as responsabilidades
coletivas. (OST,1997, p. 355)
O conceito trazido por Ost conversa com a questão da função socioambiental
da propriedade, pois sinaliza para uma necessária restrição da exploração em
função da preservação do patrimônio ecológico coletivo, visando o bem das
gerações atuais e futuras.
A lógica monofuncional e a partilha exclusivista induzidas pelo regime da propriedade privada- e pela sua transposição política, a soberania estatal - o patrimônio substitui uma lógica complexa, que toma em consideração as múltiplas utilizações que implicam os espaços e os recursos, e cria redes de direitos de utilização e de controle que ultrapassam os modelos emergentes da propriedade e da soberania (OST, 1997)15
Para Ost, precisa-se enfrentar a crise ambiental admitindo que a propriedade e sua
função socioambiental primam pela convergência dos interesses coletivos e não de
interesses privados.
O SABER AMBIENTAL: SUSTENTABILIDADE, RACIONALIDADE,
COMPLEXIDADE E PODER, SEGUNDO ENRIQUE LEFF
O desenvolvimento sustentável pode ser entendido de diversas maneiras de
acordo com a doutrina, tanto em aspectos ambientais, quanto econômicos ou
sociais. A expressão “desenvolvimento sustentável” foi apontada no Relatório de
15OST, François. A natureza à margem da lei: A ecologia à prova do direito. Tradução Joana Chaves-Instituto Piaget. Lisboa (Portugal), 1997p.371.
Revista de Direito, Santa Cruz do Sul, n. 5, out. 2014
178
Brundtland, gerenciado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, criada pela Organização das Nações Unidas. Conforme destaca
Leff16:
A pedido do secretário-geral das Nações Unidas, em 1984, foi criada a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento para avaliar os avanços dos processos de degradação ambiental e a eficácia das políticas ambientais para enfrenta-los. Depois de três anos de estudos, deliberações e audiências públicas, a Comissão publicou suas conclusões num documento intitulado Nosso futuro comum (CMMAD, 1988), também conhecido como Informe Bruntland. Nosso futuro comum reconhece as disparidades entre as nações e a forma como se acentuam com a crise da dívida dos países do Terceiro Mundo. (2001, p.19)
Neste momento ficou definido que o desenvolvimento sustentável é “processo
que permite satisfazer as necessidades da população atual sem comprometer a
capacidade de atender as gerações futuras”. O discurso da “sustentabilidade” leva
portanto a lutar por um crescimento sustentado [...]” (LEFF, 2001)17
Assim, para que o desenvolvimento seja sustentável é necessário que seu
desdobramento aconteça de tal forma que não impeça as gerações atuais de
suprirem suas necessidades e não prejudique as gerações vindouras, tanto na
esfera ecológica, quanto social e financeira. Desta forma é um desafio de
autogestão com respeito ao princípio constitucional da solidariedade, tão invocado
quando se fala em proteção ao meio ambiente.
Tratando-se de problemas ambientais, na sociedade atual, muitos deles
acontecem em função do crescimento desordenado e desenvolvimento sem respeito
às futuras gerações, assim, os chefes de Estado foram convidados a orientar o
desenvolvimento de forma sustentável:
O Informe de Bruntland oferece uma perspectiva renovada à discussão da problemática ambiental e do desenvolvimento. Com base nisso foram convocados todos os chefes de Estado do planeta à Conferência das Nações unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, celebrada no Rio de Janeiro, em junho de 1992. Nesta conferência foi elaborado e aprovado um programa global (conhecido como Agenda 21) para regulamentar o processo de desenvolvimento com base nos princípios da sustentabilidade. Desta forma foi sendo prefigurada uma política para a mudança global que
16 LEFF, Enrique. Saber Ambiental- Sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. Tradução de Lúcia Mathilde Endlich Orth. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001. P. 19 17 Idem
Revista de Direito, Santa Cruz do Sul, n. 5, out. 2014
179
busca dissolver as contradições entre meio ambiente e desenvolvimento. (LEFF, 2011)18
Considerando o esgotamento dos recursos naturais essa foi uma medida
basilar, pois impulsiona as vertentes econômicas e sociais trazidas pelo
desenvolvimento considerando as normas ecológicas.
No que tange ao meio ambiente, o desenvolvimento pode ser sinônimo de
incerteza, muitas vezes de ameaça, quando não são respeitadas as leis naturais. No
entendimento de “sociedade de risco” difundido pelo sociólogo alemão Ulrich Beck19,
houve uma passagem da sociedade industrial para a sociedade de risco, onde o
desenvolvimento enquanto produção de riquezas e de conhecimento cientifico é um
importante gerador de riscos sociais, pois há uma distribuição desigual dos
desdobramentos do recurso, tanto na esfera social quando ambiental. Beck atribui
as disparidades à modernização dos processos, sistematizando a produção de
riscos com a produção de recursos. Assim, na ânsia de encontrar soluções para os
desejos da sociedade moderna, torna-se catastrófico, uma ameaça, principalmente,
no âmbito de degradação da natureza.
Diante do panorama oferecido por Beck evidencia-se que atualmente a
sociedade passa por um processo de modernização, que a cada dia vem se
intensificando, impulsionado pela vontade de suprir as necessidades das gerações
presentes. Porém, o que desenvolvimento sustentável busca é exatamente um
equilíbrio entre a desordem que se dá no decurso do crescimento e o respeito à
humanidade como um todo, englobando as futuras gerações e um meio ambiente
saudável para que possam sobreviver. Este é o grande enigma de sustentabilidade,
“O discurso da sustentabilidade busca reconciliar os contrários da dialética do
desenvolvimento: o meio ambiente e o crescimento econômico.” (LEFF, 2011)20.
Assim, talvez onde haja vontade de sustentabilidade não haja uma sociedade em
risco.
18 LEFF, Enrique. Saber Ambiental- Sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. Tradução de Lúcia Mathilde Endlich Orth. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001. P.21,22. 19 BECK, Ülrich. Sociedade de Risco. Rumo a uma outra modernidade. Tradução Sebastião Nascimento. São Paulo: 34, 2010. 20LEFF, Enrique. Saber Ambiental- Sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. Tradução de Lúcia Mathilde Endlich Orth. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001. p.26.
Revista de Direito, Santa Cruz do Sul, n. 5, out. 2014
180
Alguns efeitos colaterais já podem ser sentidos no planeta em matéria
ambiental, em função do esgotamento de recursos que há, contudo, o desafio de um
desenvolvimento sustentável passa por reparar danos já causados, mas
principalmente por evitar ao máximo novas deteriorações na natureza.
Considerando que os recursos naturais são finitos, o desenvolvimento deverá
considerar suas limitações, talvez em algum momento não suprir todas as
necessidades das gerações atuais para preservar as futuras, em um elo de
solidariedade.
A preocupação em manter a harmonia entre situações de conflito é a nível
mundial, o que fica claro quando observamos os ajustes universais, dentre eles
Declarações de Estocolmo/1972 e do Rio de Janeiro/1992 e o Protocolo de Quioto,
assim, o que se busca é o equilíbrio entre as atividades econômicas e a preservação
ambiental. Conforme Leff“O discurso da sustentabilidade busca reconciliar os
contrários da dialética do desenvolvimento: o meio ambiente e o crescimento
econômico.” (LEFF,2011).21
O grande desafio é que o meio ambiente ecologicamente equilibrado não seja
entendido como empecilho para o progresso do desenvolvimento, pois “[...] a
degradação ambiental se manifesta como sintoma de crise de civilização, marcada
pelo modelo de modernidade regido pelo predomínio do desenvolvimento da razão
tecnológica sobre a organização da natureza.” (LEFF, 2011)22. Os recursos deverão
ser utilizados de forma racional para que não afete as gerações futuras de maneira
irreparável.
O princípio do desenvolvimento sustentável, consta daDeclaração do Rio
sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da Conferência das Nações Unidas, que
aconteceu no Rio de Janeiro, de 3 a 14 de junho de 1992, dispondo nos Princípios23:
1 Os seres humanos estão no centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza. 4Para alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção ambiental constituirá parte integrante do processo de desenvolvimento e não pode ser considerada isoladamente deste.
21 Idem p.26. 22 Idem p.17. 23 ONU. Declaração do Rio sobreMeio Ambiente e Desenvolvimento Disponível em: <http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/rio92.pdf.> Acesso em: 27/07/14.
Revista de Direito, Santa Cruz do Sul, n. 5, out. 2014
181
O Princípio 9 da Declaração Rio 9224, prevê que:
Os Estados devem cooperar no fortalecimento da capacitação endógena para o desenvolvimento sustentável, mediante o aprimoramento da compreensão científica por meio do intercâmbio de conhecimentos científicos e tecnológicos, e mediante a intensificação do desenvolvimento, da adaptação, da difusão e da transferência de tecnologias, incluindo as tecnologias novas e inovadoras.
É a premissa da globalização do patrimônio intelectual, através da
solidariedade dos povos e seus governos, visando intercâmbio de ensino, pesquisa
e tecnologia, fomentando a reversão dos impactos da ação nociva do homem sobre
o meio ambiente, também no Princípio 27 da Declaração Rio 9225:
Os Estados e os povos irão cooperar de boa fé e imbuídos de um espírito de parceria para a realização dos princípios consubstanciados nesta Declaração, e para o desenvolvimento progressivo do direito internacional no campo do desenvolvimento sustentável.
Ainda consta dessa Declaração a preocupação com as necessidades das
presentes e futuras gerações. Na busca de um desenvolvimento sustentável que
reduza as diferenças sociais e erradique a pobreza, há recomendação
decooperação entre Estados na esfera local e global, bem como entre os indivíduos.
Precisa-se evocar a grande reflexão de OST26, quando discorre que a crise
ecológica não está apenas na deterioração dos recursos ambientais, mas sobretudo
na própria relação humana com a natureza, sustentando a premissa de um
crescimento sustentável, defendida por LEFF27, para visualizar as possibilidades e
articulações teóricas e práticas disponíveis nos dias de hoje.
24 . Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Disponível em: <http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/rio92.pdf.> Acesso em: 27/07/14. 25Idem 26OST, François. A natureza à margem da lei: A ecologia à prova do direito. Tradução Joana Chaves-Instituto Piaget. Lisboa (Portugal), 1997 27 LEFF, Enrique. Saber Ambiental- Sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. tradução de Lúcia Mathilde Endlich Orth. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.
Revista de Direito, Santa Cruz do Sul, n. 5, out. 2014
182
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: ARTICULAÇÕES TEÓRICAS E
APLICAÇÕES PRÁTICAS28
O processo de desenvolvimento sustentável é fundamental para meio ambiente,
assim é amparado Constitucionalmente e é considerado uma eficaz providência na
preservação ambiental.
Percebe-se, portanto, que o processo, em alguns casos, é tão ou mais importante que o objeto buscado por ele. O processo de desenvolvimento sustentável encontra total respaldo no art. 225 da Constituição Federal Brasileira, no instante em que o legislador transcreve o dever do Poder Público e da coletividade de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações. Assim, o desenvolvimento sustentável, caminho da sustentabilidade, é orientado pelas políticas públicas formuladas pelo Estado. (RECH, 2012)29
Conforme leciona Silveira e Nader30é importante refletir acerca do termo
desenvolvimento sustentável, visando aprofundar uma discussão de
desenvolvimento econômico ou de desenvolvimento humano que possa dar conta
da necessidade de limitar a ação humana e sua interferência no ambiente natural.
Dessa forma, a expressão desenvolvimento sustentável contrapõe com a ideia de
desenvolvimento a qualquer preço. Para os autores, portanto:
O fato de o termo desenvolvimento sustentável refletir um modismo temporal e de seu status oscilar entre o slogan, a estratégia de marketing e o vazio semântico pelo uso corriqueiro, não significa que se deva rejeitá-lo, ou adorá-lo. Academicamente, torna-se ainda mais importante o debate em torno da expressão, que reflete as transformações do processo científico, as crenças políticas e econômicas, bem como os rumos e os limites da relação homem/natureza. Os aspectos ambiental, econômico e social, que formam o tripé da sustentabilidade, precisam ser constante criticamente revistos, e criadas outras alternativas. (SILVEIRA; NADER, 2013)31
Os autores ainda ressaltamque existem três correntes básicas que tratam do tema
da sustentabilidade, sendoportanto: a primeira aquela que não acredita na
28 SILVEIRA, Clóvis Eduardo Malinverni; RODRIGUES, Isabel Nader. Desenvolvimento sustentável e a matriz energética: aspectos ambientais, econômicos e sociais. In: SILVEIRA, Clóvis Eduardo Malinverni da. (Org.). Princípios de direito ambiental: articulações teóricas e aplicações práticas. Caxias do Sul, RS: EDUCS, 2013. Parte do título da obra. (capa) 29 RECH, Adir Ubaldo; RECH, Adivandro. Zoneamento ambiental como plataforma de planejamento da sustentabilidade: instrumentos de uma gestão ambiental, urbanística e agrária para o desenvolvimento sustentável. Educs, 2012., p. 101. 30 SILVEIRA; RODRIGUES, op.cit., p. 103. 31 SILVEIRA; RODRIGUES, op.cit., p.100,101.
Revista de Direito, Santa Cruz do Sul, n. 5, out. 2014
183
possibilidade de conciliar crescimento econômico com a preservação ambiental,
mesmo que para sua defesa não existam argumentos científicos que corroborem
sua tese (segue a mesma linha utilizada por Kuznets do “U” invertido32). A segunda
corrente que acreditana não possibilidade de reverter o crescimento e suas mazelas
ambientais (estudos de Elmar Altavater e Nicholas Georgescu-Roegen) e a terceira
corrente que prega a condição estacionária de crescimento, apontando a
necessidade de uma preservação mínima para garantir a renovação dos recursos
naturais (trabalhos de Herman E. Daly e John Stuart Mill).33
Mesmo apontando que essas correntes possuem críticas que as tornam,
respectivamente, como: sem cientificidade, negativista, ou ainda, sem possibilidade
de delimitação factível; são importantes versões quepermitem regular, enfrentar e
dar maior efetividade ao tema da sustentabilidade. Uma possibilidade de
transposição, certamente se dará na medida em que a investigação científica e o
interesse acadêmico dediferentes áreas do conhecimento ganharem os gestores
públicos e privados na busca da solução de problemas que envolvam temas como:
resíduos sólidos, matriz energética, crescimento econômico, planejamento urbano,
ocupação do solo, recursos hídricos, qualidade de vida, entre outros com
importância na área ambiental.
Ao examinar a sustentabilidade pode-se abordar suas dimensões, segundo
teorizado por Sachs34, identifica-se: 1) sustentabilidade social: visa melhorar as
condições de vida da população; 2) sustentabilidade econômica: busca a alocação e
gestão eficiente dos recursos; 3) sustentabilidade ecológica: dispõe de medidas que
viabilizem a adequada proteção ambienta; 4) sustentabilidade espacial: propõe o
melhor uso e planejamento do espaço territorial e 5) sustentabilidade cultural:
32 Um dos primeiros trabalhos que relaciona a desigualdade de renda e crescimento econômico foi elaborado Simon Kuznets (1955). Em Economic Growth and Income Inequality (1955), Simon Kuznets utilizou um modelo dual com um setor não agrícola – moderno e dinâmico – e outro agrícola com o intuito de analisar a relação entre desigualdade de renda e o crescimento econômico. A suposição é de que a desigualdade de renda se elevaria no curto prazo e, com o crescimento econômico, seria reduzida, configurando um U-invertido. Disponível em: < http://www.bnb.gov.br/content/aplicacao/eventos/forumbnb2009/docs/curva.pdf> 33SILVEIRA; RODRIGUES, op.cit., p. 103,104. 34 FILHO, Airton Guilherme Berger; MARQUES, Edson Dinon. A sociedade de risco e os princípios de direito ambiental. In: AUGUSTIN, Sérgio e SPAREMBERGER, Raquel Fabiana Lopes. Org. O Direito na sociedade de risco: dilemas e desafios socioambientais. Caxias do Sul, RS: Plenum, 2009. P.33,34.
Revista de Direito, Santa Cruz do Sul, n. 5, out. 2014
184
objetiva o respeito as questões culturais de cada povo e região. (AUGUSTIN;
SPAREMBERGER, 2009. Org)
Essas preocupações com o desenvolvimento sustentável devem ter a
prerrogativa de ser pluralista e objetivam garantir: “uma ênfase na discussão do
desenvolvimento regional (Agenda 21 local) integrado evidentemente ao
desenvolvimento nacional (Agenda 21 nacional) e mundial.”(BERGUER FILHO;
MARQUES. 2009)In: AUGUSTIN; SPAREMBERGER. Org)35
Seria salutar para o planeta, pensar numa perspectiva transdisciplinar, aquela
que busca a partir da aproximação, relacionamento e articulação dos diferentes
saberes a sua superação, rompendo com a lógica disciplinar do conhecimento.Onde
como na educação, nenhuma área do conhecimento, isoladamente, seja
responsável pelas abordagens em questões ambientais, mas todas se sintam
desafiadas a pensarem, proporem e colocarem em prática um plano ambiental que
deve perpassar pelos nossos ordenamentos legais (constitucional e
infraconstitucionais), bem com pela visão e atuação de nossos gestores públicos e
privados .
A comunidade científica, a gestão pública, privada ou os ordenadores do
direito não conseguirão movimentar esforços suficientes se as comunidades locais e
a sociedade como um todo não buscarem medidas que possam dar conta dessa
preocupação na construção da sustentabilidade. A contradição das necessidades e
das possibilidades de todos está na matriz da sustentabilidade e precisa regular os
processos de desenvolvimento e crescimento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pela observação dos aspectos apresentados pelos autores, é possível
concluir que a população global já ultrapassou os 7 (sete) bilhões de pessoas,
segundo dados de crescimento demográfico da ONU36, supramencionados, e que a
35 Idem 36 ONU. Disponível: < http://www.onu.org.br/populacao-mundial-deve-atingir-96-bilhoes-em-2050-diz-novo-relatorio-da-onu/>
Revista de Direito, Santa Cruz do Sul, n. 5, out. 2014
185
maioria dos indivíduos tem se direcionado para os centros urbanos, o que reflete em
saturação dos mesmos.
Desta forma é plausível concordar com o autor François Ost, no sentido de há
um grande impacto no ambiente natural e no próprio homem, quando a humanidade
ainda tem dificuldades compreender sua relação com a natureza, na forma de
dependência ou de vínculo com o demais seres vivos, como pertencente a mesma
Biosfera. Na mesma linha, torna-se razoável entender o meio ambiente situado no
rol de direitos difusos e coletivos, que protegido pela tutela jurisdicional vai além,
quando prenuncia os interesses das gerações vindouras e enfatiza as
responsabilidades coletivas. Percebe-se que é preciso que os interesses coletivos
estejam sempre em posição mais elevada do que os interesses privados, quando
tratarmos de aspectos socioambientais.
Em um elo para que o desenvolvimento acentuado e o meio ambiente
saudável estejam em equilíbrio, o Relatório de Brundtland, gerenciado pela
Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, criada pela
Organização das Nações Unidas definiu desenvolvimento sustentável como
“processo que permite satisfazer as necessidades da população atual sem
comprometer a capacidade de atender as gerações futuras”.
Consoante às ideias de Ost, Leff, segue a linha de pensamento de que o
crescimento, a urbanização, quando desordenados são prejudiciais ao meio
ambiente, sendo assim, o que se busca é um crescimento sustentado. Assim, são
difundidas importantes versões entre os autores mencionados que permitem regular,
enfrentar e dar maior efetividade ao tema da sustentabilidade.
É imprescindível que, diante dos argumentos expostos, todos se
conscientizem de que é preciso mobilização com afinco da sociedade como um todo
e das comunidades locais para a construção desta sustentabilidade no crescimento
socioeconômico.
O desafio é colocarem em prática um plano ambiental que deve perpassar
pelos nossos ordenamentos legais (constitucional e infraconstitucionais), bem com
pela visão e atuação de nossos gestores públicos e privados para a solução de
problemas na área ambiental, nos mais diversos aspectos. Para ilustrar cita-se as
adversidades quanto aos resíduos sólidos, matriz energética, crescimento
Revista de Direito, Santa Cruz do Sul, n. 5, out. 2014
186
econômico, planejamento urbano, ocupação do solo, recursos hídricos, qualidade de
vida, entre outros com importância na área ambiental.
Logo, é possível encontrar o caminho para a concretização de políticas
urbanas e atividades econômicas compatíveis com a sustentabilidade, basta que
haja conexão entre os interesses ambientais e os interesses socioeconômicos, seja
na esfera pública ou privada, suprindo as necessidades das gerações atuais, sem
afetar as futuras.
REFERÊNCIAS
BECK, Ülrich. Sociedade de Risco. Rumo a uma outra modernidade. Tradução Sebastião Nascimento. São Paulo: 34, 2010. FILHO, Airton Guilherme Berger; MARQUES, Edson Dinon. A sociedade de risco e os princípios de direito ambiental. In: AUGUSTIN, Sérgio e SPAREMBERGER, Raquel Fabiana Lopes (Org). O Direito na sociedade de risco: dilemas e desafios socioambientais. Caxias do Sul, RS: Plenum, 2009. GRASSI, Karine; SILVEIRA, Clóvis Eduardo Malinverni da. Configuração e justificação de um direito fundamental ao meio ambiente à luz dos conceitos de meio justo e de natureza-projeto em François Ost. Revista Direito e Práxis, 2014. LEFF, Enrique. Saber Ambiental - Sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. Tradução de Lúcia Mathilde Endlich Orth. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001. OST, François. A natureza à margem da lei: A ecologia à prova do direito. Tradução Joana Chaves-Instituto Piaget. Lisboa (Portugal), 1997. RECH, Adir Ubaldo; RECH, Adivandro. Zoneamento ambiental como plataforma de planejamento da sustentabilidade: instrumentos de uma gestão ambiental, urbanística e agrária para o desenvolvimento sustentável. Educs, 2012. 264p. SILVEIRA, Clóvis Eduardo Malinverni da SILVEIRA; RODRIGUES, Isabel Nader. Desenvolvimento sustentável e a matriz energética: aspectos ambientais, econômicos e sociais. In: Clóvis Eduardo Malinverni (Org.). Princípios de direito ambiental: articulações teóricas e aplicações práticas. Caxias do Sul, RS: EDUCS, 2013. SILVEIRA, Clóvis Eduardo Malinverni da. (Org.). Princípios do direito ambiental. Atualidades, Volume I. Caxias do Sul, RS: EDUCS, 2012.
Recommended