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RENATO NUNES
MESTRADO EM DIREITO
Pontifícia Universidade Católica
São Paulo – 2005
IMPOSTO SOBRE A RENDA DEVIDO POR NÃO-RESIDENTES NO BRASIL: Regime Analítico e Critériosde Conexão
RENATO NUNES
SÃO PAULO2005
- 2 -
IMPOSTO SOBRE A RENDA DEVIDO POR NÃO-RESIDENTES NO BRASIL: Regime Analítico e Critériosde Conexão
Dissertação apresentada no Curso de pós-graduação em Direito doSetor de Ciências Jurídicas e Sociais da Pontifícia UniversidadeCatólica de São Paulo, como requisito parcial à obtenção do grau deMestre em Direito Tributário (Direito do Estado), sob a orientação doProfessor Doutor Heleno Taveira Tôrres.
BANCA EXAMINADORA:
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Esta obra é dedicada aos meus pais, RenatoGuilherme Lebrão Nunes e Maria HelenaMachado Nunes (in memoriam), minha esposa,amiga e companheira, Camila Pinheiro Flaquer,e à maior obra da minha vida, Helena FlaquerNunes.
AGRADECIMENTOS
A elaboração do trabalho foi mais penosa do que o inicialmente imaginado. Pontos
já definidos “na cabeça” tornaram-se polêmicos, novas questões surgiram ao longo do
caminho. Tudo isso me motiva ainda mais a agradecer aqueles que me incentivaram e
apoiaram.
Há anos almejo a chegada desse momento, e agora que consegui, as palavras
entalam em minha garganta (ou melhor, em meus dedos). Agora tenho a oportunidade de
fazer por escrito e publicamente algo que desejo desde meados 1997, o que seja, agradecer
ao amigo e mestre Professor Heleno Taveira Tôrres pelo que há de mais valioso na vida
acadêmica e profissional: as oportunidades. Não só. Mas também por ter me permitido
assistir às suas aulas em cursos de graduação e pós-graduação ao longo desses últimos
oito anos, as quais contribuíram decisivamente para minha formação. Obrigado, amigo.
Agradeço à minha mulher, Camila Pinheiro Flaquer, e à minha filha querida,
Helena Flaquer Nunes, por tanto terem me inspirado, e aproveito também para me
desculpar pelos momentos que tive que me ausentar espiritualmente, para que pudesse dar
cabo ao trabalho. Amo muito vocês.
Gostaria de agradecer, também, ao meu bom e velho pai, Renato Guilherme Lebrão
Nunes, minha irmã Sheila e meus sobrinhos Carol e Henrique. Apesar de às vezes parecer
meio distante, amo todos vocês.
Agradeço ao Professor Paulo de Barros Carvalho, cujas obras fizeram minha
paixão pelo Direito Tributário virar amor.
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Não posso esquecer dos grandes amigos Aristóteles Moreira Filho, Alessandra
Okuma, Daniel Bellan, Edson Corazza, Eduardo Borges, Fábio Clasen, Fábio Ramos,
Gustavo Valverde, Marcelo Jatobá, Marcelo Knopfelmacher, Mariana Guerreiro,
Mariângela Azevedo, Maurício Zockun, Ricardo Saliba, Sidney Apocalypse, Tatiana Ide e
Virgínia Leal.
E, por fim, gostaria de agradecer a Luiz Rogério Sawaya Batista, meu irmão de
coração, por ter suprido minha ausência espiritual no escritório, durante o período em que
me dediquei à elaboração do trabalho. Sem você, as idéias não teriam sido vertidas em
linguagem competente.
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RESUMO
A Constituição Federal determina sejam passíveis de tributação somente fatos queguardem relação com o território da pessoa política correspondente. A relação entre umdado fato e o território de uma dada pessoa política é vislumbrada por meio de critério deconexão, cujas possibilidades encontram-se previstas no texto constitucional. Esse critériopode ser de cunho pessoal ou objetivo. Sob o ponto de vista constitucional, pelo fato depessoa não-residente não se relacionar com o território brasileiro, somente podem sertributadas pela União as rendas auferidas nos limites desse. Isso se verifica quando afonte de produção da renda localize-se em território brasileiro. No chamado regimeanalítico de tributação, a renda de pessoa não-residente é verificada em função de cadafonte de produção isoladamente considerada. Ao lado do requisito constitucional queexige seja a fonte de produção localizada em território brasileiro, para que a renda depessoa não-residente possa ser tributada pela União, determina a legislaçãoinfraconstitucional que a fonte de pagamento deve ser brasileira, exceto quando tratar-sede renda decorrente de ganho de capital. O imposto sobre a renda devido por pessoa não-residente se sujeita, via de regra, ao sistema de substituição tributária, em que a pessoaresidente no Brasil que pague, entregue, credite, empregue ou remeta a renda deve reter erecolher aquele imposto. Essa sistemática não se coaduna com ganho de capital, vez quenesse caso não se tem pagamento, entrega, crédito, emprego ou remessa de renda, mas simde preço, valor de reembolso ou valor de liquidação de direito real ou pessoal.
Palavras-chave: Imposto sobre a renda. Pessoa não-residente. Direito tributário.Critérios de conexão e regime analítico.
- 7 -
ABSTRACT
The Federal Constitution establishes that only events related to the territory of therespective political entity are subject to taxation. The connection between a certain factand an the territory of a political entity is analyzed through connection criteria set forth inthe Constitution. These criteria can be of personal nature or objective. According to theConstitution, because a non-resident does not relate to the Brazilian territory, FederalGovernment can only tax income earned within its limits, when the source of income islocated in the Brazilian territory. In accordance with the taxation analytical system, theincome of a non-resident is calculated according to each source of income separately. Inaddition to the constitutional rule that a non-resident can only be taxed by the FederalGovernment when the income source is located within Brazilian territory, theinfraconstitutional legislation establishes that the income source must be Brazilian, exceptwhen the income results from capital gains. The computation of income tax due by non-residents is usually subject to a “tax substitution system”, according to which theindividual who is resident in Brazil who pays, files, credits, uses in favor of or remit theincome must withhold and pay that tax. This system does not apply to capital gains, oncein this case, there is no payment, filing, credit, using in favor of or remittance of income,but only price, reimbursement value, settlement values of real or personal right.
Key words: Income tax. Non-resident. Tax law. Connection criteria and analyticalsystem.
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 11
2 DIREITO NO ESPAÇO............................................................................................................. 192.1 Considerações iniciais...................................................................................................... 192.2 Território........................................................................................................................... 222.3 Territorialidade................................................................................................................. 23
2.3.1 Territorialidade formal tributária............................................................................. 262.3.2 Territorialidade material tributária.......................................................................... 282.3.3 A territorialidade material tributária no ordenamento brasileiro............................ 312.3.3.1 Motivação constitucional e a territorialidade material tributária......................... 36
2.4 Critérios de conexão......................................................................................................... 472.4.1 Considerações gerais............................................................................................... 47
2.4.2 Definição de critério de conexão.................................................................... 492.4.3 Relação entre critério de conexão e a regra-matriz de incidência.................. 50
3 CRITÉRIOS DE CONEXÃO FACE À RIGIDEZ DO SISTEMA CONSTITUCIONAL ............BRASILEIRO.................................................................................................................................... 56
3.1 Considerações gerais........................................................................................................ 563.2 Rigidez e exclusividade das competências tributárias..................................................... 59
3.2.1 Competência tributária e a forma do Estado brasileiro........................................... 593.2.2 Competência tributária e os direitos fundamentais................................................. 62
3.3 Rigidez e os critérios de conexão..................................................................................... 633.4 Lei complementar tributária............................................................................................. 65
3.4.1 Lei complementar tributária e critérios de conexão................................................ 72
4 TRIBUTAÇÃO DE RENDAS AUFERIDAS POR PESSOA NÃO-RESIDENTE................... 754.1 Conceito de pessoa não-residente..................................................................................... 75
4.1.1 Considerações gerais............................................................................................... 754.1.2 Pessoas físicas.......................................................................................................... 804.1.3 Pessoas jurídicas...................................................................................................... 83
4.2 Conceito de renda............................................................................................................. 844.2.1 Considerações gerais............................................................................................... 844.2.2 Do conceito em si.................................................................................................... 904.2.2.1 Conceito de renda e princípios constitucionais.................................................... 964.2.2.2 Período como condição inexorável para apuração de renda.............................. 1004.2.2.3 Contraponto entre renda e rendimento............................................................... 1014.2.3 O artigo 43 do Código Tributário Nacional.......................................................... 1024.2.3.1 Disponibilidade econômica e jurídica................................................................ 105
4.3 Renda auferida por pessoa não-residente....................................................................... 1084.3.1 Critério de conexão possível.................................................................................. 1084.3.1.1 Momento de ocorrência do fato e critério de conexão....................................... 1134.3.2 Regime analítico.................................................................................................... 1144.3.2.1 Período................................................................................................................ 117
4.3.3 Critério de conexão no regime analítico e a jurisprudência do Supremo TribunalFederal 120
4.3.3.1 Juros - primeira fase............................................................................................ 1204.3.3.2 Juros - segunda fase............................................................................................ 121
- 9 -
4.3.3.3 Serviços - primeira fase...................................................................................... 1244.3.3.4 Serviços - segunda fase....................................................................................... 1264.3.3.5 Nossa avaliação acerca da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.......... 127
5 CATEGORIAS DE RENDAS AUFERIDAS POR PESSOA NÃO-RESIDENTE................. 1285.1 Considerações gerais...................................................................................................... 1285.2 Ganho de capital............................................................................................................. 1285.3 Juros................................................................................................................................ 1335.4 Dividendos...................................................................................................................... 137
5.4.1 Juros sobre capital próprio..................................................................................... 1415.5 "Royalty"......................................................................................................................... 1425.6 Serviços........................................................................................................................... 146
6 REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE A RENDA DEVIDO POR PESSOANÃO-RESIDENTE......................................................................................................................... 152
6.1 Considerações gerais...................................................................................................... 1526.2 Hipótese.......................................................................................................................... 154
6.2.1 Critério material..................................................................................................... 1546.2.2 Critério temporal.................................................................................................... 1556.2.2.1 Crédito contábil.................................................................................................. 1586.2.2.2 Ganho de capital................................................................................................. 1596.2.2.3 Serviços técnicos e de assistência técnica - Decreto-lei n.º 1.418/75................ 1606.2.3 Critério espacial..................................................................................................... 1616.2.3.1 Ganho de capital - Lei n.º 10.833/03, artigo 26.................................................. 1626.2.4 Critério pessoal...................................................................................................... 164
6.3 Conseqüente.................................................................................................................... 1666.3.1 Critério quantitativo............................................................................................... 1676.3.1.1 Base de cálculo................................................................................................... 167
6.3.1.1.1 Ganho de capital em alienação, liquidação ou reembolso de investimento - custo de aquisição.............................................................................................................. 169
6.3.1.2 Alíquota.............................................................................................................. 1736.3.1.2.1 Países com tributação favorecida.................................................................... 1766.3.2 Critério pessoal...................................................................................................... 1786.3.2.1 Sujeito ativo........................................................................................................ 1786.3.2.2 Sujeito passivo.................................................................................................... 1796.3.2.2.1 Contribuinte..................................................................................................... 1806.3.2.2.2 Retenção na fonte............................................................................................ 1836.3.2.2.3 Retenção na fonte na legislação interna (pessoas não-residentes).................. 195
6.3.2.2.4 Incompatibilidade entre retenção na fonte e ganho de capital - Lei n.º 10.833/03,artigo 26.............................................................................................................................. 196
CONCLUSÕES............................................................................................................................... 200
BIBLIOGRAFIA............................................................................................................................. 210
- 10 -
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por objeto a análise do fundamento constitucional e do
regime jurídico do imposto sobre a renda devido por não-residentes. O interesse pelo tema
deu-se em função das indagações surgidas no exercício profissional, cujas soluções, dada
a escassez de investigação científica, foram encontradas, no mais das vezes, à luz de
análises eminentemente pragmáticas, sob o argumento de ser este o caminho mais
eficiente no trato de problemas empresariais. Não podemos deixar de mencionar, também,
as meditações sobre o assunto nas aulas do curso de direito tributário internacional,
ministradas pelo Professor Heleno Taveira Tôrres, no programa de pós-graduação da
PUC/SP.
Outro ponto que nos despertou interesse pelo tema foi o fato de a maior parte da
produção doutrinária, cujos principais expoentes no Brasil são Gilberto de Ulhôa Canto e
Alberto Xavier, datar dos anos 60, 70 e 80; e, apesar do intenso fluxo de capital
estrangeiro no País, iniciado nos anos 90, poucos autores se debruçaram com afinco sobre
o tema, dentre os quais se destaca Heleno Taveira Tôrres. O mesmo se pode dizer das
principais manifestações jurisprudenciais do Supremo Tribunal Federal acerca do assunto,
datadas estas, das mesmas décadas 60, 70 e 80.
Imaginamos ser a principal razão desse fenômeno o fato de as discussões sobre o
tema terem ficado restritas ao meio advocatício, criando, assim, enigmas de que o seu
estudo dependeria de outras técnicas que não jurídicas. Ao longo dos anos, isso provocou
um efeito extremamente nocivo, qual seja, a condução de problemas relativos à tributação
de não-residentes com extrema superficialidade. Todos perderam e continuam a perder
com isso: a Ciência do Direito, a Fazenda Pública, o meio empresarial, a Sociedade.
- 11 -
Afinal, aplicando-se aqui a máxima de Heleno Taveira Tôrres1: “Não há boa prática sem
uma teoria que lhe dê supedâneo e sustentação” 2.
Nossa proposta objetivou analisar o fundamento constitucional e o regime jurídico
do imposto sobre a renda devido por não-residentes com base na teoria do normativismo
jurídico, mediante uso de um método descritivo do direito positivo vigente, à luz da
ciência jurídica, e seguindo as lições da escola analítica do direito. Isso porque tomamos o
direito como um objeto cultural, constituído, portanto, em linguagem específica (função
prescritiva). Ressaltamos que a experiência estrangeira sobre o tema foi devidamente
sopesada, não tendo sido utilizada doutrina alienígena sem prévia análise de
compatibilidade com o ordenamento jurídico brasileiro.
As proposições normativas que dispõem sobre o tema são escassas. Objetivamente,
determina a Constituição que compete à União instituir o imposto sobre a renda, o qual
deve ser informado pelos princípios da progressividade, generalidade e universalidade3; e
a legislação infraconstitucional que os ganhos e rendimentos auferidos no País, pagos,
creditados, entregues, empregados ou remetidos, por fonte brasileira, a não-residentes,
sujeitam-se ao imposto sobre a renda.
A crescente complexidade dos negócios internacionais, em que mutações
patrimoniais realizam-se ao redor do mundo em frações de segundos, vem dificultando
cada vez mais o trabalho dos operadores do direito tributário, à míngua, estes, de
subsídios teóricos sólidos para verificar se há incidência, ou não, de imposto sobre renda
1 TÔRRES, Heleno Taveira. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas. 2ª ed., São Paulo: RT,2001, p. 38.2 São valiosas, também, as palavras de Pontes de Miranda, no seu importante estudo sobre “o problema fundamentaldo conhecimento”: “Não há diferença entre a teoria e prática. Aquilo que existe é o conhecimento do objeto: ou seconhece o objeto ou não se conhece o objeto”. apud in TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional –planejamento tributário e operações transnacionais. São Paulo: RT, 2001, p. 15.3 Tais princípios são meros desdobramentos da repartição de competências políticas. “Daí que, como corolário dessaordem constitucional, três primados básicos hão de informar as respectivas condutas fiscais: i) esgotamento dascompetências atribuídas constitucionalmente; ii) restrita concessão de isenções e benefícios fiscais (restrição àrenúncia de receitas); e iii) fiscalização efetiva sobre todos os contribuintes e com o maior alcance possível, numaespécie de exercício de poder de polícia sobre o patrimônio público a realizar”. TÔRRES, Heleno Taveira. DireitoTributário e Direito Privado – autonomia privada, simulação, elusão tributária. São Paulo: RT, 2003, p. 12.
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auferida por não-residentes. Procuramos direcionar a pesquisa de modo a avançar na
busca de critério seguro para identificar se e quando o não-residente deve contribuir para a
formação de receita pública brasileira. Certamente daqui não sairá a última palavra sobre
o assunto. Nosso objetivo é trazer à discussão alguns pressupostos teóricos até hoje não
explorados pela doutrina, que, a nosso ver, podem contribuir com a evolução do
pensamento sobre o tema.
Primeiramente, analisamos os fundamentos e os limites constitucionais da
tributação das rendas auferidas por não-residentes. Num segundo momento, procedemos à
análise do regime jurídico do imposto sobre essas rendas, mediante a utilização do modelo
teórico proposto por Paulo de Barros Carvalho acerca da norma tributária, que nele teve
seu maior expositor na literatura hispano-lusitana. Com relação a este modelo, divergimos
deste autor quanto aos critérios formadores da hipótese. Paulo de Barros Carvalho entende
não ser necessária a existência de um critério pessoal na hipótese, posicionamento com o
qual não concordamos, consoante demonstramos no item 2.4.2. do presente trabalho.
Julgamos por bem realizar um corte temático e analisar somente as normas de
Direito Tributário Internacional, assim entendido o grupo de normas de direito interno
relativas ao imposto sobre a renda, dotadas de elemento de estraneidade4. Assim, em
nenhum momento foi feita referência ao conjunto de normas denominado Direito
Internacional Tributário, cuja fonte de produção – acordos entre duas ou mais nações
soberanas - é externa ao ordenamento jurídico brasileiro, o que esperamos fazer em outra
oportunidade.
Iniciamos o estudo com a análise da questão do direito no espaço, definindo o
conceito de território, sua relação com a soberania e com a regulação das condutas
intersubjetivas, mais especificamente os limites desta. Nesse tópico, verificamos que a
validade, vigência e eficácia do sistema jurídico sempre se referem a um território e que,4 Critério pessoal referente à pessoa não-residente no Brasil ou critério espacial que localize fatos ocorridos fora doslimites territoriais deste País.
- 13 -
portanto, é prática comum os ordenamentos regularem apenas fatos que guardem relação
com o território que lhes corresponda, o que, em sede de teoria geral do direito, não pode
ser tomado como uma condição inexorável, sob pena de incorrermos num fundamento
óbvio5. A existência ou não dessa condição dependerá de como cada ordenamento
disponha sobre o assunto, haja vista não existirem limitações externas à atividade
legislativa do Estado.
No tocante à tributação dos fatos dotados de elementos de estraneidade, foi
analisada, ainda, a impossibilidade de os critérios de conexão serem considerados
enunciados prescritivos ou mesmo normas para resolução de conflitos entre nações
soberanas, em função da impossibilidade de existência destes em matéria tributária –
apoiados sobretudo na doutrina de Heleno Taveira Tôrres, Manuel Pires e Carlo
Garbarino.
Compreendido o papel do território na regulação das condutas intersubjetivas,
aplicamos essas considerações na análise da repartição das competências tributárias,
identificando o território como limite objetivo ao exercício destas. Verificado que, no
Brasil, a discriminação de competências tributárias é rígida e exaustiva, procuramos
demonstrar que, em qualquer tributo, deve obrigatoriamente haver conexão entre o fato
que enseje sua cobrança e o território. O critério para tanto, deve ser verificado a partir
das próprias classes de notas constitutivas da hipótese da respectiva regra-matriz,
construídas com base na Constituição Federal e nas normas gerais de direito tributário.
É certo que, se não há limites externos à atividade legislativa para regulação de
fatos dotados de elementos de estraneidade, há limitação constitucional para tanto. A
conexão entre um dado fato e o território brasileiro é fundamental para determinar se há,
ou não, incidência tributária. O critério para determinação dessa conexão deve ser
5 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário, 3ª ed. São Paulo: Lejus, 1998, p. 11.
- 14 -
vislumbrado a partir das classes de notas em causa, sob pena de afronta à rigidez e
exaustividade da discriminação de competências tributárias.
Por essa razão, se em outros países, nos quais a repartição de competências não se
dá de forma rígida e exaustiva, é possível identificar o critério de conexão a partir de
elementos estranhos à hipótese tributária, ou, até mesmo, regular fatos que sequer relação
com o território do ordenamento que lhe corresponda possuam, no Brasil, não.
Dividimos as notas constitutivas da hipótese da regra-matriz em quatro critérios6, a
saber: (i) material, que descreve o comportamento ou estado do indivíduo, abstraídas as
circunstâncias de tempo e espaço; (ii) temporal, que permite identificar o momento de
ocorrência do fato jurídico tributário; (iii) espacial, que permite identificar o local de
ocorrência do fato jurídico tributário; (iv) pessoal, que permite identificar o sujeito direta
e pessoalmente relacionado à ação ou estado previsto no critério material, e em alguns
casos, também o sujeito indiretamente relacionado a essa ação ou estado.
Demonstramos que os critérios de conexão podem ser identificados a partir de dois,
e somente dois, dos critérios da regra-matriz acima indicados: pessoal e espacial. Vale
dizer, a conexão com o território dá-se, ou porque o sujeito direta e pessoalmente
relacionado ao fato jurídico tributário é residente no Brasil, ou porque esse fato ocorre em
território nacional. Não há outra possibilidade. Não entendemos como Alberto Xavier7, no
sentido de que exista uma soberania territorial e outra pessoal. A soberania sempre se
materializa num dado território. A relação com este é que pode ser subjetiva ou objetiva.
Analisamos o conceito de renda, mais especificamente as notas constitutivas do
critério material da regra-matriz de incidência do respectivo imposto. Renda é acréscimo
patrimonial ocorrido num determinado intervalo de tempo (período), acréscimo este
6 Seguindo, nesse tocante, as orientações de Sacha Calmon Navarro Coêlho. COÊLHO, Sacha Calmon Navarro.Curso de direito tributário brasileiro, 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 382-385.7 XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil, 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 13.
- 15 -
verificado em função dos bens, direitos e obrigações existentes aos “olhos” do
ordenamento jurídico brasileiro (linguagem competente). São mutações dos elementos do
patrimônio ou dele em sua inteireza que, quando confrontadas, dão origem a decréscimo
ou acréscimo patrimonial - renda. São, portanto, mutações patrimoniais a fonte da renda,
e, para serem assim consideradas, devem necessariamente guardar relação com os critérios
de conexão vislumbrados na hipótese da regra-matriz do imposto em causa.
À vista das considerações acerca do conceito acima, concluímos que o critério de
conexão entre a renda e o território nacional deve ser verificado a partir das mutações de
elementos do patrimônio cujo confronto lhe (renda) tenha dado origem. Assim, para que
possa haver tributação de renda no País, nos dias atuais, essas mutações, ou devem dar-se
por conta de atos ou fatos praticados por pessoas aqui residentes, independentemente do
seu local de ocorrência, ou devem ocorrer em território brasileiro. Nessa última hipótese,
serão legítimos critérios de conexão os atos ou fatos que tenham motivado essas mutações
patrimoniais.
A Constituição Federal, portanto, autoriza a tributação de rendas de não-residentes
unicamente quando os atos ou fatos motivadores de mutações patrimoniais ocorram em
território brasileiro.
Dois são os regimes de apuração de imposto aplicáveis às rendas auferidas por não-
residentes: (i) sintético, em que se confrontam todas as mutações patrimoniais – positivas
e negativas – relacionadas com o território brasileiro, praticadas num dado período (de no
mínimo um ano); (ii) analítico, em que se confrontam as mutações patrimoniais –
positivas e negativas – atinentes a um determinado conjunto de mutações de elementos de
patrimônio - fonte de renda -, assim considerado isoladamente. Tendo em vista no regime
sintético serem aplicáveis as mesmas regras dirigidas a pessoas jurídicas domiciliadas no
Brasil, deixamos de analisá-lo, optando por concentrar nossos esforços quanto ao regime
analítico.
- 16 -
Procuramos, nesse tocante (regime analítico), demonstrar a improcedência do
fundamento óbvio8 de que não existe período quando se trata de renda de não-residentes.
Esse fundamento, nunca enfrentado pela doutrina, se verdadeiro, implicaria ausência de
fundamento constitucional para aplicação do regime analítico na tributação de rendas
auferidas por não-residentes, o que, como procuramos demonstrar, não procede de forma
alguma.
Analisamos a evolução da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal acerca de
critério de conexão que permita a tributação de rendas auferidas por não-residentes, o que
ocorreu em relação a duas categorias destas, quais sejam, juros e remuneração decorrente
da prestação de serviços.
Elegemos algumas categorias de rendas dentre as comumente auferidas por não-
residentes, a saber, ganho de capital, juros, dividendos “royalty”, remuneração decorrente
da prestação de serviços e, em seguida, identificamos e analisamos os possíveis critérios
de conexão entre estas e o território brasileiro, os quais possibilitam sua tributação pela
União. Foi analisada, também, a questão da existência de período em cada uma delas.
Em seguida, passamos à análise de todo o regime jurídico do imposto sobre a renda
devido por não-residentes, e o fizemos mediante a utilização da regra-matriz de
incidência, instrumental criado pelo Professor Paulo de Barros Carvalho, representativo da
estrutura da norma padrão de incidência dos tributos, acrescentando a este modelo um
critério pessoal na hipótese, conforme consignamos acima.
Na análise da hipótese, retomamos as considerações tecidas na primeira parte do
trabalho, abordando-as de maneira mais sintética.
8 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário, 3ª ed. São Paulo: Lejus, 1998, p. 11.
- 17 -
No que tange ao conseqüente, tecemos comentários sobre as peculiaridades da
apuração da base de cálculo do imposto em causa, à luz do regime analítico de incidência,
assim como das alíquotas aplicáveis, sobretudo tendo em conta o mandamento
constitucional que determina seja o imposto sobre a renda progressivo, bem como a
aplicação de alíquotas diferenciadas quando se cuidam de contribuintes residentes ou
domiciliados em países com tributação favorecida.
Analisamos a questão do recolhimento do imposto na modalidade fonte, cuja
adoção se faz possível quanto praticamente à totalidade das categorias de rendas auferidas
por não-residentes, exceto ganho de capital, em que o beneficiário não recebe renda, mas
sim preço, valor de liquidação ou valor de reembolso.
A nosso ver, o sistema de “fonte” configura o que a doutrina vulgarmente
denomina “substituição tributária”. Não se trata o retentor de mero agente de arrecadação,
que cumpre obrigação em nome alheio, nem muito menos responsável tributário, haja
vista este, segundo as melhores lições de teoria geral do direito, responder pelo dever
quando não cumprido por quem de direito.
Não nos apegamos ao fiel conteúdo semântico do vocábulo “substituição”. O
substituto não substitui o contribuinte. Este último nunca se afasta do pólo passivo da
obrigação tributária, sob pena de distorção da própria materialidade do tributo, em afronta
à Constituição Federal, mormente à rigidez da discriminação de competências tributárias,
da tipicidade e do republicano.
2. DIREITO NO ESPAÇOSumário: 2.1 Considerações iniciais – 2.2 Território – 2.3 Territorialidade: 2.3.1
Territorialidade formal tributária – 2.3.2 Territorialidade material tributária – 2.3.3 A
territorialidade material no ordenamento brasileiro: 2.3.3.1 Motivação constitucional e a
territorialidade tributária - 2.4 Critério de conexão: 2.4.1 Considerações gerais – 2.4.2
- 18 -
Definição de critério de conexão – 2.4.3 Relação entre critério de conexão e a regra-matriz
de incidência.
2.1 Considerações iniciais
Os ordenamentos jurídicos são sistemas e como tais se diferenciam de outros
sistemas sociais por serem vertidos em linguagem prescritiva e dotados de eficácia
reforçada (coercitividade)9. Consiste o sistema jurídico num conjunto de normas
agrupadas em torno de um ponto de convergência comum, a norma fundamental, o que
lhe confere foros de unidade e uniformidade sintática10.
Existem tantos ordenamentos jurídicos quantos Estados houver. E haverá
Estado onde existir uma ordem soberana, ou seja, com poder para se organizar
juridicamente e de fazer valer a ordem jurídica por ela estatuída11.
“Estado” e “soberania” são institutos analisados por diversos ramos das
ciências sociais, em cada uma delas sob ângulos distintos. Dado que elegemos como
método de trabalho o normativismo jurídico, não nos interessa outro conceito que não o
normativo, a fim de que não promovamos uma análise sociológica, política, histórica ou
sob a ótica de qualquer outra ciência social que não a do direito12 13.
A soberania, ao conferir ao Estado a prerrogativa de se auto-organizar
(aspecto interno), confere a este foros de independência em relação a outros Estados
9 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico, 10ª ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1999, p. 66.10 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário - fundamentos jurídicos da incidência. São Paulo: Saraiva,1998, p. 45 e seguintes.11 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado, 18ª ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 68.12 BURDEAU, Georges. Traité de science politique. Paris: Librarie générale de droit et de jurisprudence, vol. IV,1956, n. 16.13 VILANOVA, Lourival. O problema do objeto da teoria geral do Estado. Recife: Imprensa Oficial, 1953, p. 69.
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(aspecto externo)14. Permite a soberania vislumbrar a existência de diversas ordens
estatais, que se relacionam exclusivamente em bases de coordenação, nunca de
subordinação15.
Não admite, pois, a soberania qualquer interferência ou limitação
internacional no direito ou no ordenamento jurídico estatal, como um todo16, a menos que
tal intromissão seja expressamente consentida pelo próprio Estado, na forma prevista na
Constituição (mormente por meio de acordos internacionais)17 18.
Se a soberania política que motivou a formação do poder constituinte
originário pode ser tida como absoluta, a soberania jurídica, não. Esta é limitada tanto pela
Constituição - limitações internas – quanto pelas normas de Direito Internacional
Consuetudinário.
14 Segundo leciona Bobbio: “Se é verdade que um ordenamento jurídico é definido através da soberania, é tambémverdade que a soberania em uma determinada sociedade se define através do ordenamento jurídico. Poder soberano eordenamento jurídico são dois conceitos que se referem um ao outro”. BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamentojurídico, 10ª ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1999, p. 25.15 São as palavras de Sacha Calmon Navarro Coêlho: “A soberania é o reflexo necessário de um Estado autônomo”.COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Noções da fiscalidade internacional. Movimento editorial da faculdade de direitoda Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte: Faculdade de Direito da Universidade Federal de MinasGerais, 1998, p. 3.16 São as lições de Francisco Rezek: “(...) o Estado tem jurisdição geral e exclusiva. A generalidade da jurisdiçãosignifica que o Estado exerce no seu domínio territorial todas as competências de ordem legislativa, administrativa ejurisdicional. A exclusividade significa que, no exercício de tais competências, o Estado local não enfrenta aconcorrência de qualquer outra soberania. Só ele pode, destarte, tomar medidas de constrição contra pessoas,detentor que é do monopólio do uso legítimo da força pública”. REZEK, Francisco. Direito internacional público, 7ªed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 161.17 ARAÚJO, Jackson Borges de. Limitações internacionais à aplicação de normas tributárias nacionais. Recife:Bagaço, 1999, p. 13.18 Como apregoa Alberto Xavier: “Por outro lado, o dogma de que no Direito Tributário Internacional (ao contráriodo Direito Privado Internacional) nunca se aplicam leis tributárias estrangeiras não resiste, por exemplo, àconstatação de que, para aplicação das convenções contra a dupla tributação, pelo país do foro, torna-se necessárioaplicar leis estrangeiras (até tributárias) que regulam os pressupostos de aplicação de norma convencional”.XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil, 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 10.
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O poder de tributar19 - que daqui em diante denominaremos competência
tributária - é uma das manifestações da soberania20 21, o qual confere ao Estado Brasileiro
autonomia e independência para eleger os fatos tributáveis e regular a forma de
arrecadação e fiscalização dos tributos, tudo dentro das balizas fixadas pela Constituição
Federal, sobretudo os direitos fundamentais, bem como pelos acordos de vontades
firmados com outros Estados22. No Brasil, em virtude da forma de Estado preconizada
pela Constituição Federal23, a competência tributária é repartida entre a União, os Estados
e os Municípios.
Em matéria tributária, a soberania não se manifesta apenas internamente, sob
a forma de competências, mas também externamente. Confere ao Estado atributos de
independência e autonomia em face dos demais e isso se estende também ao âmbito
tributário24. Heleno Taveira Tôrres25 fere o assunto com precisão quando assevera que
“(...) a soberania tributária, tomando em conta sua vertente de princípio fundamentador da
própria existência jurídica do Estado, propõe-se como motivo da articulação das relações
entre os Estados, que se trata de uma articulação de soberanias e não de poderes de
tributar, cujas conotações se aperfeiçoam e lhe ofertam concretização”.19 Por ser a soberania una e indivisível, não deve se entender o poder de tributar como uma espécie de soberania.Essa expressão apenas denota, exclusivamente para fins didáticos, o poder de o Estado instaurar e fazer valer normasdireta ou indiretamente atinentes às atividades de instituição, arrecadação e fiscalização de tributos.20 Não podemos concordar com as colocações de Roque Antonio Carrazza e Sacha Calmon Navarro Coêlho, paraquem não se cuida a competência tributária de poder tributário, haja vista, num Estado democrático como o Brasil,aquela decorrer do auto-consentimento do povo. Por serem o Estado e, consequentemente, as pessoas políticasfiguras institucionais representativas da soberania popular - consoante determina a Constituição Federal, artigo 1º,parágrafo único - a competência tributária nada mais é do que um poder do povo devidamente institucionalizado, istoé, racionalizado e limitado. Para tanto ver: CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário,9ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 287; COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Noções da fiscalidade internacional.Movimento editorial da faculdade de direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte: Faculdadede Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, 1998, p. 4.21 Devidamente prevenidos pelas lições de Alfredo Augusto Becker, não assumimos o poder tributário enquantomanifestação da soberania como mero fundamento óbvio. O poder tributário consiste em poder para criar normas quedigam respeito à instituição, arrecadação e fiscalização de tributos. Se assim o é, dado que a soberania consiste nopoder do Estado para criar e fazer uma ordem jurídica, fácil verificar que o poder tributário cuida-se de uma dasfacetas desta.22 TÔRRES, Heleno Taveira. A pluritributação internacional. In: UCKMAR, Victor (Coord.), Corso di dirittotributario internazionale, 2ª ed. Padova: Cedam, 2002, p. 187.23 Constituição Federal, artigo 1º.24 A soberania, na ordem externa, é exercida pela República Federativa do Brasil, nesse tocante, representada pelaUnião, nos termos da Constituição Federal, artigo 21, I.25 TÔRRES, Heleno Taveira. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas, 2ª ed. São Paulo: RT,2001, p. 67.
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2.2 Território
Desde o advento do conceito de Estado, pode-se dizer, há discussão acerca
dos seus componentes. Ponto pacífico entre os mais diversos posicionamentos é o de que
território e povo são elementos essenciais do Estado. Um, território, dado conhecido.
Outro, povo, dado indefinido, identificável a partir da relação com o território.
Sem território não há povo. O Estado tem como referência primordial o
território26. E por essa razão, é possível existirem (valerem) simultaneamente várias
ordens soberanas, absolutamente independentes umas das outras27 28.
Bem observa Paulo de Barros Carvalho29 que “é sobre o espaço territorial
juridicamente recortado que o Estado se organiza e, ao mesmo tempo, se estabelece como
unidade jurídica”.
É errônea a noção de que o território corresponda apenas a uma porção de
terra. Território é um espaço tridimensional. O que está acima e abaixo do plano de
superfície terrestre também pertencem ao Estado, e neles pode ser exercida a soberania30.
26 SACCHETTO, Claudio. Territorialità – diritto tributario. Enciclopedia del diritto. Milão: Giuffrè, v. XLIV, p. 304,1989.27 KELSEN, Hans. Teoria geral do estado, 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 273. 28 Em sentido contrário, ver, sobretudo: BURDEAU, Georges. Droit constitutionnel et institutions politiques. Paris:Libr. Générale de Droit et de Jurisprudence, 1966, p. 16-18; JELLINEK, Georg. Teoria general del Estado. BuenosAires: Albatroz, 1954, p. 295-301.29 CARVALHO, Paulo de Barros. O princípio da territorialidade no regime de tributação da renda mundial(universalidade). Justiça Tributária. São Paulo: Max Limonad, 1998, p.669.30 KELSEN, Hans. Teoria geral do estado, 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 312.
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Assim como o Estado é uma criação jurídica, o território, como seu
elemento, também o é. Território, então, como afirma com propriedade Heleno Taveira
Tôrres é o “(...) espaço físico juridicamente qualificado e delimitado”.31
A legislação brasileira e os acordos internacionais firmados pelo Brasil,
sobretudo os para evitar a dupla tributação, definem o território brasileiro, assim como
estabelecem seus limites.
2.3 Territorialidade
O ordenamento jurídico, como corpo de linguagem prescritiva32, é
condicionado por coordenadas de tempo e espaço, sendo essa última, tanto em relação aos
âmbitos de validade, vigência e eficácia33 quanto – nos países que contemplem a chamada
territorialidade material - ao de incidência espacial.
A característica da soberania, mediante a qual o Estado somente pode
instaurar e fazer valer uma ordem jurídica nos limites do seu território, corresponde ao
conceito de territorialidade formal. Nessa esteira, significa dizer que o âmbito de eficácia
das normas, salvo eventual acordo de vontades em sentido contrário, está adstrito ao
limites do território do Estado que lhes corresponda34.31 TÔRRES, Heleno Taveira. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas, 2ª ed. São Paulo: RT,2001, p. 72.32 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 3.33 Validade, em nossa perspectiva, é a relação de pertinência entre a norma e o ordenamento que lhe corresponda.Afirmar que uma norma vale, é afirmar que ela pertence a um dado ordenamento. De predicado da norma, portanto,validade não se trata.Já vigência, sim, cuida-se de atributo da norma. Corresponde à força desta para regular as condutas intersubjetivas.Eficácia, tal qual vigência, também atributo da norma. Trata-se de qualidade da norma que se refere à possibilidadede produção concreta de efeitos, porque estão presentes as condições técnico-normativas exigíveis para suaaplicação.Para um maior detalhamento do assunto, ver: CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário - fundamentosjurídicos da incidência. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 49 e seguintes. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introduçãoao estudo do direito, 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1994, p. 196 e seguintes.34 A doutrina italiana foi a que primeiro apontou sobre a distinção entre a territorialidade formal e a material. Paratanto, ver: BERLIRI, Antonio. Principi di diritto tributario, 2ª ed. Milão: Giuffrè, vol. I, 1967, p. 103; CROXATTO,Giancarlo. La imposizione delle imprese con attività internazionale. Padova: Cedam, 1965, p. 21 e 39; GIANNINI,
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Por um lado, a territorialidade formal assegura ao Estado a prerrogativa de
agir soberanamente no seu campo de ação (significação positiva), e, por outro, exclui a
possibilidade de outros Estados nele interferirem (significação negativa)35, salvo se
eventual acordo de vontades com outra nação igualmente soberana assim permitir36. O
contrariu sensu dessa significação negativa da territorialidade formal consiste na
impossibilidade de um Estado fazer valer normas de seu ordenamento, mediante a prática
de atos de império, no território de outro Estado, sob pena de violação de soberania
alheia37.
Diferentemente, se é certo que hoje existe um padrão de política legislativa
dos Estados de se regular somente fatos que guardem relação com os territórios que lhes
correspondam, não se pode tomar isso como característica da soberania38, tal qual a
territorialidade formal, sob pena de incorrermos num fundamento óbvio39. Pode haver,
como no Brasil, em matéria tributária, limitação interna que prescreva limitação à
atividade legislativa, no sentido de que as normas só sejam vigentes quanto a fatos que
guardem relação com o território que lhes corresponda40. Porém, não é possível
identificarmos isso como predicado da soberania, o que a faria presente em todo e
qualquer ordenamento jurídico. A limitação em causa corresponde à territorialidade
material, questão que analisaremos com maior acuidade em tópico próprio.
A.D. I concetti fondamentali del diritto tributario. Torino: Utet, 1956, p. 52.35 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado, 18ª ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 76-77;TÔRRES, Heleno Taveira. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas, 2ª ed. São Paulo: RT, 2001,p. 85; KELSEN, Hans. Teoria geral do estado, 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 301; SACCHETTO,Claudio. Tutela all’estero dei crediti tributari dello Stato. Padova: Cedam, 1978, p. 89.36 Há que se notar que é pressuposto do acordo que as nações sejam soberanas e cada qual possua seu território.37 XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil, 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 26; UDINA,Manlio. Il diritto internazionale tributario. Padova: Cedam, 1949, p. 84. MANGANO, Vincenzo Sampieri.L’imposta di ricchezza móbile – società commerciali per azioni. Milão: Società Editrice Libraria, 1935, p. 684.38 Devidamente prevenidos pelas lições do Mestre José Souto Maior Borges, refutamos a possibilidade de utilizaçãodo método indutivo. Ou seja, não é só porque normalmente os Estados regulam apenas fatos que guardem relaçãocom seu território é que sempre será assim. Não há limite heterônomo à atividade legislativa, por isso essa práticapode ser mudada a qualquer tempo. Isso está dentro da esfera de autonomia de cada Estado. BORGES, José SoutoMaior. Obrigação tributária: uma introdução metodológica, 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 69.39 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário, 3ª ed. São Paulo: Lejus, 1998, p.11.40 CROXATTO, Giancarlo La imposizione delle imprese con attività internazionale. Padova: Cedam, 1965, p. 27;TÔRRES, Heleno Taveira. Pluritributação internacional sobre as rendas das empresas, 2ª ed. São Paulo: RT, 2001,p. 129-130.
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A territorialidade, então, determina necessariamente os âmbitos de validade,
vigência, e eficácia do ordenamento jurídico (o que inclui as normas de cunho tributário41)
– acepção formal -, e, a depender do ordenamento que se esteja analisando, seu conteúdo
também – acepção material.
A territorialidade - tanto em sua acepção formal quanto in totum (formal e
material) - irradia efeitos sobre todas as normas de um dado ordenamento, o que nos faz
crer com absoluta segurança estarmos diante de um princípio jurídico por excelência42. E
fundamentamos nossa conclusão numa das mais belas páginas da ciência jurídica, da lavra
de Celso Antônio Bandeira Mello43: “Princípio é, por definição, mandamento nuclear de
um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre
diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata
compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema
normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico”.
E sendo ainda mais precisos, seguindo as lições de Paulo de Barros
Carvalho44, entendemos ser a territorialidade um princípio na acepção limite objetivo45.
2.3.1 Territorialidade formal tributária
41 Alfredo Augusto Becker tece comentários lapidares sobre o tema: “Modernamente, para a tranqüilidade de todos,chegou-se a conclusão, tão verdadeira quanto simples, que as leis tributárias são regras jurídicas com estrutura lógicae atuação dinâmica idênticas às demais regras jurídicas e, portanto, interpretam-se como qualquer outra lei, admitemtodos os métodos de interpretação jurídica e não existe qualquer peculiar princípio de interpretação das leistributárias”. BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário, 3ª ed. São Paulo: Lejus, 1998, p. 111.42 SACCHETTO, Claudio. Territorialità – diritto tributario. Enciclopedia del diritto. Milão: Giuffrè, v. XLIV, p. 304,1989.43 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p.544-545.44 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 142.45 O referido Autor distingue os princípios em valores ou limites objetivos. Na acepção “valores”, o intérprete deparacom um mundo de subjetividades, mesmo porque eles se entrelaçam formando redes cada vez mais complexas, quedificultam a percepção da hierarquia e tornam a análise uma função das ideologias dos sujeitos cognoscentes. Quantoaos limites objetivos, nada disso entra em jogo, ficando muito mais simples a construção do sentido dos enunciados.CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 143.
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O direito, como dissemos, é um sistema, e, como tal, uno e incindível,
de tal sorte que todas as classificações que se façam quanto às normas que o compõem
têm serventia exclusivamente didática. E é com esse espírito que invocaremos a
classificação do direito entre público e privado, para analisarmos o princípio da
territorialidade formal.
Entre nós, Pontes de Miranda foi quem melhor estabeleceu critérios
para se classificar as normas como de um ou outro ramo do direito. Segundo ele: “O
direito privado existe se e enquanto há regras jurídicas que tratam dos homens somente
como indivíduos em relações uns com os outros. Desde que o interesse geral, ou algo que
se tem como tal, passa à frente, o direito é público, porque admite a situação de poder dos
entes coletivos que correspondem àqueles interesses” 46. E arrematando o assunto com
precisão, afirma o citado autor que: “(...) as regras que se dizem de direito público são
regras jurídicas cujo sujeito ou cujo objeto está em relação imediata com Estado. As duas
classes são exaustivas: o que não é direito público é direito privado”47. E não por outra
razão, a única fonte das relações de direito público é a lei, ao passo que as de direito
privado podem derivar de acordo de vontades.
Nas relações jurídicas decorrentes de acordo de vontades dotadas de
elemento de estraneidade, é prática tradicional os países outorgarem às partes de um
negócio jurídico a faculdade de elegerem a norma aplicável a estas relações. Referida
norma poderá ser aplicada em território de Estado diverso do de sua origem48. Como
exemplo, podemos citar o caso em que uma empresa brasileira adquira produtos de
empresa com sede na Alemanha, em que o contrato estabeleça que a norma aplicável seja
46 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado: parte geral. Campinas: Bookseller,1999, t. I, p. 121.47 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado: parte geral. Campinas: Bookseller,1999, t. I, p. 122.48 RODAS, João Grandino. Elementos de conexão do direito internacional privado brasileiro relativamente àsobrigações contratuais. Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra – Estudos em homenagem aos ProfessoresManuel Paulo Merêa e Guilherme Braga da Cruz. Coimbra: Faculdade de Direito de Coimbra, 1983, p. 19-21.
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a alemã, mas o foro, o brasileiro49. Nessa situação, em caso de controvérsia, o Poder
Judiciário Brasileiro aplicaria a lei alemã.
Claudio Sacchetto50 apontou bem que, a despeito dessa ser uma
prática comumente aceita pelos países, isso deve ser autorizado pelo ordenamento onde se
pretenda aplicar a norma alienígena – lex fori. Ainda assim, não se cuida de prática de atos
de império em território alheio. A relação se constitui e é exigida por particulares e
havendo necessidade de prática de ato coercitivo este não é praticado por outro que não a
própria autoridade indicada pelo ordenamento em cujo território se perfez a dita relação.
Em nenhum momento se trata de um Estado aplicando seu direito no território de outro.
A obrigação tributária, típica relação jurídica de direito público, em
última instância, decorre de lei (ex lege51) e por essa razão o respectivo crédito tributário é
constituído e exigido (atos de coerção e preparatórios) mediante a prática de atos de
império52.
Como atributo do Estado que lhe permite se autodeterminar em face
de outras nações, a soberania, como já visto, não admite que um Estado exerça atos de
império no território de Estado alheio, salvo este se este assim permitir. É, a priori,
vedada a prática de atos atinentes à constituição e exigência do crédito tributário em
território de ordenamento jurídico diverso do que lhe corresponda53, sob pena de ofensa à
soberania alheia. Significa dizer que a territorialidade formal limita o âmbito de eficácia
das normas de cunho tributário ao território do Estado ao qual se refiram.
52 XAVIER, Alberto. Do lançamento: teoria geral do ato, do procedimento e do processo tributário, 2ª ed. Rio deJaneiro: Forense, 1998, p. 566-575; BORGES, José Souto Maior. Lançamento tributário, 2ª ed. São Paulo:Malheiros, 1999, p. 111-116.53 SACCHETTO, Claudio. Tutela all’estero dei crediti tributari dello Stato. Padova: Cedam, 1978, p. 57; UDINA,Manlio. Il diritto internazionale tributario. Padova: Cedam, 1949, p. 155 e 345.
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2.3.2 Territorialidade material tributária
A territorialidade material condiciona a fixação do âmbito espacial de
incidência das normas, o qual não necessariamente se confunde com o seu âmbito de
validade, vigência e eficácia. A força do ordenamento para regular fatos por este
selecionados é limitada ao território que lhe corresponda e por ele definido54. Trata-se de
limitação imposta pela soberania. Isso é um aspecto.
Outro, totalmente distinto, é a possibilidade de a norma localizar fatos
e lhes atribuir efeitos55, sejam aqueles ocorridos extraterritorialmente, ou também os
ocorridos territorialmente, mas que se refiram a sujeitos que com o respectivo território
não guardem relação pessoal (residência ou domicílio). Isso não significa ofensa de
soberania alheia, vez que os efeitos em causa serão produzidos nos limites do território do
ordenamento que lhes corresponda.
Mas não é só. A territorialidade material consiste em critério de
outorga de competência tributária, limitando a ação legislativa quanto à seleção de fatos
aos quais serão atribuídos efeitos jurídicos. A competência refere-se, então, somente aos
fatos que guardem relação com o território do ordenamento que lhes corresponda56.
Essa limitação, diferentemente da territorialidade formal, não decorre
da soberania, portanto, cumpre a cada ordenamento adotá-la, ou não. Pode acontecer de
não haver limite interno à ação legislativa obrigando-a a pautar-se pela territorialidade
material, mas em sua prática isso dever ser observado simplesmente para assegurar a
54 Segundo Kelsen: “O chamado território do Estado apenas pode ser definido como o domínio espacial de vigênciade uma ordem jurídica do Estado”. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991,p. 304.55 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 257.56 GIANNINI, A.D. I concetti fondamentali del diritto tributario. Torino: Utet, 1956, p. 51.
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efetividade da norma de tributação57. De mais a mais, por serem os Estados soberanos, não
cabe cogitar a existência de limites externos à sua atividade legislativa, inclusive na seara
tributária58 59. Conquanto haja falta de relação do fato com o território da norma que o
regula, isso certamente poderá constituir obstáculo à efetividade do comando nela
previsto, o que variará de acordo com cada caso60. No entanto, a nosso ver, essa
dificuldade não resulta em invalidade dessa norma61 62. Seria uma limitação de ordem
prática63, estranha ao nosso objeto de estudo.
Assentadas as devidas premissas, fácil concluir, mesmo quanto aos
ordenamentos que contemplem a territorialidade material, pela absoluta legitimidade de os
57 SACCHETTO, Claudio. Territorialità – diritto tributario. Enciclopedia del diritto. Milão: Giuffrè, v. XLIV, p. 305,1989; MOREIRA FILHO, Aristóteles. Os critérios de conexão na estrutura da norma tributária. In: TÔRRES, HelenoTaveira (Coord.), Direito tributário internacional aplicado. São Paulo: Quartier Latin, 2003, p. 345.58 Alfredo Augusto Becker denunciou, pioneiramente, tratando na seara tributária, a falsidade da tese daterritorialidade material da lei como característica da soberania. Ao analisar a questão do âmbito de incidência dasleis (que o autor trata como âmbito de eficácia jurídica), indica que a lei tributária pode atribuir efeitos a negóciorealizado entre não-residentes, fora do território que lhe corresponda, sem nenhuma relação com este. Para o autor, “adoutrina tradicional costuma aceitar como fundamento ‘óbvio’ a tese da territorialidade da lei tributária, isto é, a leitributária teria sua eficácia jurídica limitada a um determinado território”. BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geraldo direito tributário, 3ª ed. São Paulo: Lejus, 1998, p. 282 e seguintes. Ver também: TÔRRES, Heleno Taveira.Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas, 2ª ed. São Paulo: RT, 2001, p. 69; BERLIRI, Antonio.Principi di diritto tributario, 2ª ed. Milão: Giuffrè, vol. I, 1967, p. 103; CROXATTO, Giancarlo La imposizionedelle imprese con attività internazionale. Padova: Cedam, 1965, p. 49, 123 e 151; GIANNINI, A.D. I concettifondamentali del diritto tributario. Torino: Utet, 1956, p. 55; TIXIER, Gilbert e GEST, Guy. Droit fiscalinternational, 2ª ed. Paris: PUF, 1990, p. 45.59 Em sentido contrário, entre outros, ver: XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional, 5ª ed. Rio de Janeiro:Forense, 2000, p. 13; SACCHETTO, Claudio. Territorialità – diritto tributario. Enciclopedia del diritto. Milão:Giuffrè, v. XLIV, p. 321, 1989; MICHELI, Gian Antonio. Corso di diritto tributario. Torino: Utet, 1989, p. 94 eseguintes; UDINA, Manlio. Il diritto internazionale tributario. Padova: Cedam, 1949, p. 57 e seguintes; LUPI,Raffaello. Territorialità del tributo. Enciclopedia giuridica. Roma: v. XXXI, p. 3; UCKMAR, Victor. La tassazionedegli stranieri in Italia. Padova: Cedam, 1955, p. 22; ULHÔA CANTO, Gilberto de. Juros pagos por residente oudomiciliado no Brasil a vendedor de bens no exterior, em virtude de concessão de financiamento pelo própriovendedor. Produção e realização do rendimento: local onde deve ser tributado. Territorialidade. Estudos e pareceresde direito tributário. São Paulo: RT, 1975, p. 20-21.60 LUPI, Raffaello. Territorialità del tributo. Enciclopedia giuridica. Roma: v. XXXI, p. 1.61 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação, 2ª ed. São Paulo:Atlas, 1994, p. 198.62 Em sentido contrário, para quem o mínimo de eficácia é condição da validade da norma, ver: KELSEN, Hans.Teoria pura do direito, 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991, p. 231.63 JARACH, Dino. O fato imponível, 2ª ed. São Paulo: RT, 2004, p.212.
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Estados, por exemplo, tributarem as rendas auferidas no exterior (bases universais) por
pessoas residentes ou domiciliadas em seu território64 65.
A possibilidade de existir obrigação tributária tendo como
contribuinte pessoa que não guarde relação pessoal (cidadania, residência, domicílio, sede
administrativa, etc.) com o território correspondente, mas cujo fato jurídico tributário
tenha neste ocorrido66, fundamenta-se na própria soberania do Estado sobre fatos
ocorridos em seus limites territoriais. Face às considerações acerca da territorialidade
material, fácil verificar que sujeito que não guarde a dita relação pessoal com o território
do Estado somente pode ser tributado por fatos ocorridos nos limites deste território.
Daqui por diante denominaremos as situações em que a matéria
tributável ocorra no exterior ou em que, ocorrendo no território do ordenamento
correspondente, o sujeito a esta relacionado não guarde relação pessoal (residência ou
domícílio) com esse território, como fatos dotados de elementos de estraneidade67,
reguláveis por um dado ordenamento se e somente guardarem relação com seu território.
64 São as palavras de Heleno Tôrres: “Como se vê, este princípio (da universalidade) não exclui, obviamente, oprincípio da territorialidade, antes, o pressupõe. Ambos, entre si, não são antitéticos; pelo contrário, o princípio dauniversalidade funciona apenas como um critério possibilitador de atribuição de alcance ultraterritorial às normastributárias de localização dos rendimentos tributáveis pelo poder tributário estatal, mantendo-se, de modo subjacente,o princípio da territorialidade, até porque a conexão entre a pessoa e o território é fundamental, para justificarplenamente a localização ultraterritorial da produção de rendimentos”. TÔRRES, Heleno Taveira. Pluritributaçãointernacional sobre as rendas de empresas, 2ª ed. São Paulo: RT, 2001, p. 89. Ver também: CARVALHO, Paulo deBarros. O princípio da territorialidade no regime de tributação da renda mundial (universalidade). Justiça Tributária.São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 672.65 Sampaio Dória, já em 1964, época em que no Brasil vigorava o princípio da territorialidade “pura”, advogava aplena legitimidade da tributação da renda em bases universais: “O princípio da territorialidade, enquanto delimitar aeficácia da regra jurídica em sua possibilidade de atuação prática, é aceitável. E o princípio da extraterritorialidade,enquanto justificar a tributação de objeto ou pessoa ligados de alguma forma ao Estado, independentemente de suasituação física, também o é”. E arremata com refino e precisão: “Dois critérios usualmente se propõem para legitimartal competência, o da origem da renda (teoria da fonte) e o do domicílio do beneficiário. Em ambos os casos,autoriza-se a tributação. Tomando por base a fórmula da origem da renda, o Estado pode tributá-la até o limite emque foi produzida em seu território. Ao passo que, se se tratar do Estado do domicílio do contribuinte, a tributaçãopode alcançar todas as rendas aí recebidas, independentemente do lugar de onde provieram”. SAMPAIO DÓRIA,Antônio Roberto. Direito constitucional tributário e due process of law, 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 108-109.66 UDINA, Manlio. Il diritto internazionale tributario. Padova: Cedam, 1949, p. 83.67 TÔRRES, Heleno Taveira. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas, 2ª ed. São Paulo: RT,2001, p. 47.
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Concentraremos nossos esforços nos próximos tópicos e capítulos
para demonstrar que a territorialidade material, no ordenamento brasileiro, é princípio
constitucional, e quais as implicações disso na tributação das rendas auferidas por sujeitos
que não guardem relação pessoal (cidadania, residência, domicílio, sede administrativa,
etc.) com o território deste País.
2.3.3 A territorialidade material tributária no ordenamento
brasileiro
O Estado Brasileiro, cuja forma é a federativa68, é formado por três
espécies de pessoas políticas, designadamente, União, Estados e Municípios69, todas com
competência fundamentada na própria Constituição. Não há, dessa forma, relações de
subordinação entre essas pessoas políticas. Umas são autônomas com relação às outras,
existindo tão somente campos de atuação próprios, devidamente delineados pela
Constituição Federal70. Disso se conclui que não deve haver espaço para conflitos de
competência entre uma pessoa política e outra. Não deve, mas é possível existir.
Em matéria tributária, prevê a Constituição toda uma aparelhagem
para que não haja conflitos de competência entre pessoas políticas de diferentes espécies.
Nas taxas e contribuição de melhoria, relacionando a competência para sua instituição à
competência administrativa de cada pessoa política - devidamente distribuída pela Carta
Magna71 –; nos impostos, indicando nominalmente as materialidades que podem ser
68 Em que os Municípios são autônomos.69 Não fizemos menção ao Distrito Federal, por este confundir-se com Estado e com Município.70 São as palavras do Mestre José Souto Maior Borges: “É portanto um princípio que informa toda a estrutura daConstituição brasileira a isonomia das pessoas constitucionais. Não há desníveis hierárquicos entre as pessoasconstitucionais, que juridicamente são iguais entre si, posto sociológica, econômica e politicamente não o sejam”.BORGES, José Souto Maior. Lei complementar tributária. São Paulo: RT EDUC, 1975, p. 10.71 Aliás, por essa razão, deixaremos de tratar o tema de territorialidade quanto às taxas e contribuição de melhoria,vez que isso nos faria remeter à seara do direito administrativo, já que as incidências dos tributos em causa estãodiretamente relacionadas às competências administrativas das pessoas políticas. Nossa análise, então, versará o temasomente com relação a impostos. ATALIBA, Geraldo. Sistema constitucional tributário brasileiro. São Paulo: RT,1968, p. 144; FALCÃO, Amílcar de Araújo. Sistema tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Edições Financeiras, 1965,p. 49.
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utilizadas pelo legislador na instituição dessas exações72; nas contribuições e empréstimos
compulsórios, indicando os fins que podem motivar sua instituição, o que, indiretamente,
circunscreve as materialidades sobre as quais podem incidir e contribuintes possíveis, e,
em algumas contribuições, não só os fins, mas também expressamente suas
materialidades.
À lei complementar cumpre, dentro dos limites constitucionais,
aclarar eventuais “zonas cinzentas” atinentes às materialidades, assim como as respectivas
coordenadas de tempo e espaço que lhes condicionam, de modo a prevenir possíveis
conflitos de competência entre pessoas políticas73 74.
Aliás, outra não é a inteligência do artigo 146 da Constituição
Federal, o qual prescreve competência do legislador ordinário para instituição de normas
gerais de direito tributário, mediante lei complementar, visando prevenir conflitos de
competência, definindo sobretudo em matéria de impostos os respectivos fatos geradores,
bases de cálculo e contribuintes.
O fato gerador, ou melhor dizendo, a hipótese da norma tributária
geral e abstrata, não consiste somente na classe de notas denominada materialidade. Não.
72 Sacha Calmon é muito preciso quando afirma que, face à forma do Estado Brasileiro, fez-se necessário aConstituição distribuir as competências para instituição de impostos indicando expressamente as materialidadespassíveis de tributação: “No concernente aos impostos, não é suficiente às pessoas políticas a previsão do art. 145.Com esforço nele, não lhes seria possível instituir os seus respectivos impostos. O art. 145 não declina os fatosjurígenos genéricos que vão estar na base fática dos impostos que, precisamente, cada pessoa política recebe daConstituição. É que, no caso dos impostos, a competência para instituí-los é dada de forma privativa sobre fatosespecíficos determinados (...) Como corolário lógico temos que os impostos são enumerados pelo nome ediscriminados na Constituição um a um”. COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988 –sistema tributário, 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 29.73 Constituição Federal, artigo 146.74 ATALIBA, Geraldo. Lei complementar na Constituição. São Paulo: RT, 1971, p. 83; BALEEIRO, Aliomar.Limitações constitucionais ao poder de tributar, 7ª ed. Anotado por Misabel de Abreu Machado Derzi. Rio deJaneiro: Forense, 2001, p. 105. BORGES, José Souto Maior. Lei complementar tributária. São Paulo: RT EDUC,1975, p. 199; CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 207–209; JUSTEN FILHO, Marçal. O imposto sobre serviços na Constituição. São Paulo: RT, 1985, p. 70; PONTES DEMIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n.º 1, de 1969, 2ª ed. SãoPaulo: RT, 1970, t. II, p. 383; TÔRRES, Heleno Taveira. Código tributário nacional: teoria da codificação, funçõesdas leis complementares e posição hierárquica no sistema. Revista Dialética de Direito Tributário, n.º 71. São Paulo:Dialética, 2001, p. 98.
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A hipótese consiste em classes de notas relativas à materialidade, ao sujeito que a pratica,
à coordenada de espaço e à coordenada de tempo. Sem isso, não há hipótese, e não
havendo hipótese, não há meios de existir fato jurídico.
Mas não somente conflitos entre pessoas políticas de espécies
distintas. Podem também ocorrer múltiplas incidências de impostos sobre um único e
mesmo fato, em função deste guardar relação com o território de mais de uma pessoa
política. E essa possibilidade, no Brasil, decorre da própria Constituição que, ao indicar
uma materialidade, como veremos, indica também as coordenadas de tempo e espaço
possíveis. Como se sabe, o compartilhamento de território de um mesmo Estado por várias
esferas de poder político (que não são soberanas entre si, e sim autônomas) é inerente à
federação, sobretudo quando o sistema jurídico contemple também a autonomia dos
municípios. Disso decorre que a exclusividade da competência não diz respeito somente à
materialidade do fato jurídico – que, isoladamente, previne apenas conflitos entre pessoas
políticas de diferentes espécies, mas também à coordenada de espaço que lhe condiciona.
Sejamos mais claros. Veremos adiante que a Constituição distribui a
competência para a instituição de impostos mediante a indicação de materialidades a essa
ou aquela pessoa política. Essas materialidades, devidamente condicionadas por
coordenadas de tempo e espaço, somente dão origem a obrigações tributárias se
guardarem relação com o território da pessoa política correspondente.
Não há mandamento constitucional que impeça a norma (aqui
entendida numa acepção ampla), ao identificar um fato relacionado com seu território,
qualificá-lo como fato jurídico tributário e atribuir-lhe como conseqüência o nascimento
de uma obrigação tributária.
É fundamento óbvio afirmar-se que a norma tributária de uma dada
pessoa política somente incide sobre fatos ocorridos nos limites do seu território, com o
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que, face à linha de argumentação até aqui exposta, não podemos concordar de modo
algum75.
Vimos afirmando ao longo do presente trabalho que um dado fato
pode se relacionar com o território de uma pessoa política por razões diversas, de tal sorte
que é possível que este implique o nascimento de mais de uma obrigação tributária.
Quando se tratam de obrigações nascidas sob o bojo de ordenamentos de Estados
distintos, não há nenhum problema quanto a isso.
A soberania legitima plenamente esse concurso de imposições fiscais.
No entanto, se no âmbito internacional é dessa forma, no interno, não. As pessoas
políticas não são soberanas, e sim autônomas, tendo todas elas, igualmente, fundamento
de validade na Constituição. Por essa razão, é determinação constitucional que uma, e
somente uma delas (exceto no caso do “imposto de guerra”), tribute um dado fato76.
Exemplos disso são a tributação de um mesmo serviço por mais de um Município ou a
tributação de transmissão por doação por mais de um Estado77.
Caso haja possibilidade de mais de uma pessoa política tributar o
mesmo fato, não se trata de mero concurso de imposições, mas sim potencial conflito de
competências homogêneas78. Contra esse mal, previu a Constituição seja editada norma
geral de direito tributário, mediante lei complementar, de modo a dar cabo aos princípios
75 Em sentido contrário ao nosso posicionamento, ver especialmente: ATALIBA, Geraldo e GIARDINO, Cléber.Territorialidade da lei tributária estadual. Revista de direito tributário, n.º 40. São Paulo: RT, 1987, p. 44-53;BARRETO, Aires Fernandino. ISS na Constituição e na lei. São Paulo: Dialética, 2003, p. 264; CARRAZZA, RoqueAntonio. Curso de direito constitucional tributário, 9ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 356; GIARDINO, Cléber.ISS – Competência municipal. O Estado de São Paulo. Edição de 16.12.1984, p. 68; JUSTEN FILHO, Marçal. Oimposto sobre serviços na Constituição. São Paulo: RT, 1985, p. 75.76 ATALIBA, Geraldo. Sistema tributário brasileiro. São Paulo: RT, 1968, p. 27-28; FALCÃO, Amílcar de Araújo.Sistema tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Edições Financeiras, 1965, p. 37-38; JUSTEN FILHO, Marçal.Imposto sobre serviços na Constituição. São Paulo: RT, 1985, p. 72.77 Sobre a possibilidade de conflitos de competência homogênea, ver: SAMPAIO DÓRIA, Antônio Roberto. Direitoconstitucional tributário e due process of law, 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 98; JUSTEN FILHO, Marçal.O imposto sobre serviços na Constituição. São Paulo: RT, 1985, p. 73.78 Em sentido contrário ao entendimento ora esposado, ver: TÔRRES, Heleno Taveira. Município competente paraexigência do ISS – Local da prestação do serviço e residência do prestador? Repertório de Jurisprudência IOB -jurisprudência comentada. São Paulo: IOB, 2002, nº 9, 1/17148, p. 316-14.
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do federativo e do republicano. Não se cuida de tirar ou outorgar a uma outra pessoa
política uma “faixa” de competência, mas sim de definição precisa da discriminação de
rendas, o que em nada foge ao espírito constitucional sobre o assunto. Pelo contrário, o
prestigia. Não fosse assim, cairiam por terra os princípios do federativo e da autonomia
municipal e com eles todo o ordenamento jurídico brasileiro79.
Com base nisso, podemos concluir de imediato que, ao menos quanto
a Estados e Municípios, a territorialidade material é princípio dos mais caros. Estados e
Municípios somente podem instituir impostos sobre os fatos que lhes foram indicados pela
Carta Magna e que guardem relação com seus respectivos territórios. Como um dado fato
pode guardar relação com o território de mais de uma pessoa política, cumpre à lei
complementar determinar que atributo do fato o tornará passível de tributação por esta ou
aquela80.
Não é somente isso, em nosso pensar, que justifica a territorialidade
material como cânone constitucional em matéria tributária. Se sua presença é facilmente
percebida no tocante a Estados e Municípios, o mesmo não se pode dizer quanto à União,
já que sua competência para a instituição de impostos, a priori81, não concorre com a de
nenhuma outra pessoa política.
A maior complexidade da tarefa não nos permite refutar a idéia de
que, além da razão acima para a configuração da territorialidade material como princípio
constitucional informador da atividade legislativa de Estados e Municípios, há outra que
79 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p.546.80 TÔRRES, Heleno Taveira. Código tributário nacional: teoria da codificação, funções das leis complementares eposição hierárquica no sistema. Revista Dialética de Direito Tributário, n.º 71. São Paulo: Dialética, 2001, p. 98;MOURA, Fabio Clasen de. O ISS e o princípio da territorialidade. In: BELLAN, Daniel Vitor e MOURA, FabioClasen (Coords.), Imposto sobre serviços: de acordo com a Lei Complementar n.º 116/03. São Paulo: Quartier Latin,2003. p. 153-154.81 Exceto no que tange ao denominado “imposto de guerra”, em que é outorgada competência à União para instituirexação dessa natureza sobre materialidades indicadas a outras pessoas políticas.
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permite vislumbrar a plena aplicabilidade deste princípio não somente quanto a essas
políticas, mas também relativamente à União.
2.3.3.1 Motivação constitucional e a territorialidade material
tributária
Diferentemente de outros países, a Constituição brasileira determina
pressupostos para a instituição de toda e qualquer espécie de tributo, outros que não
somente atinentes a procedimento, autoridade competente e observância da matéria
tributável constitucionalmente indicada.
Seja por conta do princípio do republicano e do pacto federativo, seja
por conta dos direitos fundamentais assegurados aos cidadãos, com especial destaque aos
de propriedade e liberdade, tratou o constituinte originário de regular a matéria tributária
com extrema minúcia, de forma não encontrada em nenhum outro ordenamento jurídico82.
Não só no capítulo atinente ao Sistema Tributário Nacional, mas em toda a Constituição,
verificam-se valores e limites objetivos que orientam a atividade estatal em matéria de
tributação (desde a instituição do tributo até a constituição e exigência do respectivo
crédito tributário).
Da análise sistemática do texto constitucional, é possível vislumbrar
que o exercício da competência tributária não é legitimado tão somente pela observância
do procedimento (no que se inclui a autoridade competente) e da matéria indicada a uma
dada pessoa política. Num Estado Democrático de Direito, tal qual a República Federativa
do Brasil, a atividade legislativa não deixa de ser arbitrária tão somente por se ter
82 Para tanto, ver o ainda atual quadro comparativo elaborado por Geraldo Ataliba. ATALIBA, Geraldo. Sistemaconstitucional tributário brasileiro. São Paulo: RT, 1968, p. 89 e seguintes.
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observado os requisitos em causa, sobretudo nas matérias que tocam diretamente os
direitos de liberdade e propriedade dos cidadãos, como a tributária83.
A tributação, pode-se dizer, é a transferência compulsória de parcela
da riqueza individual para os cofres públicos, daí sua relação com a propriedade. Consiste,
também, em estímulo ou desestímulo de comportamentos, quando não praticamente
compulsão, pelo que surte efeitos na esfera de liberdade das pessoas.
Nas constituições modernas, dentre as quais se inclui a brasileira, que
contemplam direitos e garantias fundamentais84, consagrou-se a necessidade de os meios
guardarem proporção com os fins almejados – princípio da proporcionalidade85 86 -, razão
pela qual é possível concluir que as atividades de produção de todas e quaisquer normas,
quer gerais e abstratas, quer individuais e concretas, devem ter uma motivação, uma
finalidade87. Do contrário, restaria prejudicada a verificação de observância desse
princípio (proporcionalidade).
Em sede de doutrina de direito administrativo essa é lição das mais
básicas. Com efeito, esse ramo da ciência do direito verificou na relação entre o ato
administrativo e a coisa pública a necessidade de haver uma finalidade para a realização
daquele88. Num Estado Democrático de Direito, vimos que não somente a atividade da
administração para produção de normas atinentes à coisa pública, mas toda e qualquer83 Ricardo Lobo Torres tece comentários preciosos sobre o assunto: “Com maior precisão, o poder de tributar fincasuas raízes nos incisos XXII e XXIII do art. 5º, que proclamam o direito de propriedade e a liberdade de iniciativa,fornecendo o substrato econômico por excelência para a imposição fiscal”. LOBO TORRES, Ricardo. Tratado dedireito constitucional financeiro e tributário - os direitos humanos e a tributação: imunidades e isonomia. Rio deJaneiro: Renovar, 1999, vol. III, p. 21-22.84 ATALIBA, Geraldo. Sistema constitucional tributário brasileiro. São Paulo: RT, 1968, p. 10.85 ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 91.86 O próprio Supremo Tribunal Federal já reconheceu a existência desse princípio no ordenamento jurídico brasileiro.Ação declaratória de inconstitucionalidade n.º 855-2, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 01.10.1993.87 Heleno Taveira Tôrres encampou valiosíssimo estudo sobre a questão da motivação (causa) dos acordos devontades, na investigação dogmática das normas jurídicas tributárias e suas relações com as normas de direitoprivado, mormente as criadas mediante exercício da autonomia privada. TÔRRES, Heleno Taveira. DireitoTributário e Direito Privado – autonomia privada, simulação, elusão tributária. São Paulo: RT, 2003, p. 141 eseguintes.88 Por todos, ver BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, 8ª ed. São Paulo:Malheiros, 1996, p. 228.
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atividade de produção de normas. O poder de regulação de condutas emana do próprio
destinatário dessa regulação, o povo89. O povo tem, portanto, a prerrogativa de controlar a
proporcionalidade entre meios e fins da atividade de produção normativa, cuja finalidade
última é o bem comum90. A necessidade de se motivar os atos de produção normativa dá-
se pelo fato de que o controle sobre essa atividade terá como referência o motivo que lhe
tenha ensejado.
O exercício da competência tributária deve, portanto, ter uma
motivação prevista implícita ou explicitamente pela Constituição Federal. Em alguns
tributos, tais como as contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de
interesse das categorias profissionais ou econômicas, e os empréstimos compulsórios, essa
determinação é expressa. Noutros, ainda que implicitamente, em nosso pensar, essa
exigência é aplicável com igual rigor.
Em trabalho pontual, cujo objeto, numa breve passagem de olhos,
parece consistir simplesmente na análise da denominada CIDE Royalties, Heleno Taveira
Tôrres trouxe valiosa contribuição à ciência do direito constitucional tributário. O
Professor de Direito Tributário da Universidade de São Paulo, cuidando dos pressupostos
do exercício da competência tributária, assentou a premissa de que “(...) a
discricionariedade do legislador é limitada, pela consagração da vinculação do ato
legislativo às normas e fins (materiais) da Constituição, para efeito de compatibilidade e
congruência vertical do sistema de normas jurídicas em nosso sistema”91. E prossegue o
Professor, ao tratar do assunto no que toca à matéria tributária: “A própria Constituição
89 São as palavras de Geraldo Ataliba: “Assim – sistematicamente considerados a partir do princípio republicano –surgem a representatividade, o consentimento dos cidadãos, a segurança dos direitos, a exclusão do arbítrio, alegalidade, a relação de administração, a previsibilidade da ação estatal e a lealdade informadora da ação pública,como expressões de princípios básicos lastreadores necessários e modeladores de todas as manifestações estatais”.ATALIBA, Geraldo. República e Constituição, 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 180.90 Basta verificar que até em sede direito privado, ramo do qual essas diretrizes sempre pareceram distantes, o CódigoCivil atualmente vigente determina que o contrato sempre tem uma função social a cumprir, e que, diante da suainobservância, o negócio jurídico restará fulminado pelo vício de nulidade. Código Civil, artigo 421.91 TÔRRES, Heleno Taveira. Pressupostos constitucionais das contribuições de intervenção no domínio econômico.A CIDE-Tecnologia. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.), Grandes questões atuais de direito tributário, 7º vol.São Paulo: Dialética, 2003, p. 119.
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Federal já demarcou em angustas fronteiras os limites da ação legiferante, formal e
materialmente, porque os motivos para a instituição de um ou outro tributo já estão
objetivamente definidos como sendo os critérios necessários para a qualificação da
tipologia do tributo que se queira instituir, dentre os tantos possíveis no elenco
constitucional (imposto, taxa, contribuição de melhoria, empréstimo compulsório,
contribuição ou imposto extraordinário), conforme os procedimentos adequados”92 93.
Nas taxas, a motivação constitucional para sua instituição consiste na
obtenção de recursos para fazer frente à prestação ou colocação à disposição de serviços
públicos específicos e divisíveis, e o exercício do poder de polícia. Na contribuição de
melhoria, a recuperação do custo de obra pública que tenha propiciado a valorização dos
imóveis adjacentes. No empréstimo compulsório e nas contribuições, o atendimento de
finalidades pré-estabelecidas, como criação de previdências, investimentos relevantes,
intervenção no domínio econômico. E nos impostos, salvo com relação aos vulgarmente
denominados “extrafiscais”, a formação do orçamento, para fazer frente às despesas gerais
do Estado.
É salutar que deixemos mais do que claro que a motivação, finalidade
constitucional, não é da norma tributária, é da ação legislativa. A norma tributária tem
como única finalidade a constituição de obrigações tributárias. Nada mais! Tal distinção
faz-se imprescindível, haja vista nossa orientação não se fundamentar nas lições - já há
longa data superadas - acerca da causa dos tributos – causa impositionis -, propagadas por
Enno Becker, Griziotti e seus discípulos. A se admitir o contrário, restariam flexibilizados
os direitos fundamentais assegurados aos cidadãos no tocante à matéria tributária, uma
vez que a interpretação finalística da norma pode dar lugar ao princípio da legalidade
92 TÔRRES, Heleno Taveira. Pressupostos constitucionais das contribuições de intervenção no domínio econômico.A CIDE-Tecnologia. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.), Grandes questões atuais de direito tributário, 7º vol.São Paulo: Dialética, 2003, p. 119-120. 93 Desse mesmo autor, ver também: O regime constitucional da não-cumulatividade das contribuições sobrefaturamento e receita (PIS e COFINS) e a incidência sobre importações de mercadorias e serviços. Repertório deJurisprudência IOB. São Paulo: IOB, 2004, nº 10, vol. 1, p. 382.
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material ou tipicidade94, o que, à luz do Sistema Constitucional Brasileiro é
terminantemente proibido95. Limita-se a motivação a autorizar o exercício da competência
e a orientar o legislador, em maior ou menor medida, quanto ao conteúdo da norma, a
depender do tributo que se está tratando.
Face aos comentários acima, cabe fazer um aparte, a fim de que não
sejamos mal compreendidos.
O cânone da igualdade é princípio constitucional, mais do que isso, é
a própria Constituição, nos dizeres de José Souto Maior Borges96. As normas, em última
análise, nada mais fazem do que discriminar situações.
Se assim é, no que consiste então o comando do princípio da
igualdade? Seguindo as lições de Celso Antônio Bandeira de Mello, entendemos que esse
princípio consiste em proibição de desequiparações fortuitas ou injustificadas, o que pode
ser medido mediante a investigação de três fatores: i) critério discriminatório; ii) relação
entre este e a discriminação – justificativa; iii) fundamento da justificativa em valores
constitucionalmente protegidos97. Existindo critério discriminatório, relação lógica entre
este e a discriminação e afinamento desta relação/justificativa com os valores
constitucionalmente protegidos, observado está o princípio da igualdade.
94 Este princípio, que no Brasil foi acuradamente analisado por Alberto Xavier e Misabel Abreu Machado Derzi, temcomo destinatários tanto o legislador quanto os agentes administrativos. Ao legislador, à medida que, para instituir otributo, deve prever todos elementos essenciais à incidência tributária, quer da hipótese, quer do conseqüente (tese)da norma geral e abstrata. Aos agentes administrativos, que somente podem constituir normas individuais e concretasmediante a subsunção de fatos que guardem total e absoluta correspondência à descrição (notas) prevista na hipóteseda norma tributária geral e abstrata, oportunidade em que a respectiva obrigação também deverá ser constituída nosestritos termos do conseqüente (tese) da norma geral e abstrata. DERZI, Misabel de Abreu Machado. In:BALEEIRO, Aliomar, Limitações constitucionais ao poder de tributar, 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 134-135; XAVIER, Alberto. Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação. São Paulo: RT, 1978, p. 86.95 Constituição Federal, artigo 60, § 4º.96 BORGES, José Souto Maior. A isonomia tributária na Constituição Federal de 1988. Revista de direito tributário,n.º 64. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 14.97 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade, 3ª ed. São Paulo:Malheiros, 1999, p. 18-22.
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À luz das considerações acima, temos que a motivação constitucional
do exercício da competência tributária pode ser legítimo critério discriminatório98 entre
contribuintes em sede de quaisquer tributos, exceto nos impostos cuja motivação do
exercício da respectiva competência seja o fomento de despesas gerais do Estado. Nestes,
por força constitucional (Constituição Federal, artigo 145, § 1º), a distinção
(discriminação) entre contribuintes somente pode ser promovida em função da capacidade
contributiva.
No caso dos impostos vulgarmente denominados “extrafiscais”, a
discriminação deixa de basear-se na capacidade contributiva e passa a ser na motivação
constitucional do exercício da competência (controle de saída de divisas do País, por
exemplo). Humberto Ávila lembra bem que, nesse caso, o dever de observância da
capacidade contributiva ainda remanesce, não como critério de diferenciação, mas como
contraponto e parâmetro de ponderação entre finalidades e bens dialeticamente
implicados. A finalidade extrafiscal, destaca este autor, “(...) só justifica o tratamento
desigual se atingir casos excepcionais ou muitos casos mas com intensidade mínima” 99.
Feitos os devidos esclarecimentos, continuemos centrando nossas
atenções nos impostos. A Constituição determina seja a motivação/finalidade primeira da
instituição (ação legiferante) destes a formação do orçamento para fazer frente às despesas
gerais do Estado. Outras pode haver, mas fiquemos somente com esse caso. Na situação
em causa não há espaço para a motivação orientar a ação legislativa quanto à
materialidade dos impostos já previstos pelo texto constitucional. Pode haver com relação
a impostos instituídos pela União mediante exercício da competência residual. No entanto,
em análise acurada das materialidades indicadas na Constituição, verificamos somente
uma possibilidade não prevista, qual seja, a cessão onerosa de direitos, desde que não
atinentes a bens imóveis. Com isso, no caso em tela, podemos afirmar que praticamente
98 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade, 3ª ed. São Paulo:Malheiros, 1999, p. 23. 99 ÁVILA, Humberto. A hipótese de incidência do imposto sobre a renda construída a partir da Constituição. Revistade direito tributário, n.º 77. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 110-111.
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não há meios de a motivação constitucional orientar o legislador a instituir a materialidade
desta ou daquela forma. As possibilidades já se encontram previstas no texto
constitucional.
Se isso ocorre com a materialidade dos impostos em geral, o mesmo
não se dá com a eleição dos contribuintes. A finalidade que legitima a instituição (ação
legislativa) do imposto é a geração de recursos para que o Estado possa fazer frente às
despesas necessárias ao exercício de sua função maior – propiciar o bem comum. Somente
podem ser chamados a contribuir com a formação das receitas para esse fim aqueles que
participem de alguma forma da vida do Estado e, portanto, possam gozar as vantagens que
este propicia. Ou seja, são elegíveis a praticarem o fato jurídico tributário de um dado
imposto, aqueles que de alguma forma sejam beneficiários da ação estatal.
Ao que nos parece, Alfredo Augusto Becker100 seguiu essa mesma
orientação quando cuidou do conceito de Estado. Segundo esse autor, o Estado é uma
relação constitucional, formada por outras duas relações: uma, de administração; outra, de
tributação. Na primeira o Estado ocupa o pólo negativo e o administrado o positivo, ao
passo que, na segunda, vice-versa, destacando que somente pode existir essa segunda
relação se e somente se existir a primeira.
São as palavras de Becker: “Logicamente, não pode haver Direito
sem correlativo Dever e vice-versa. Também na relação constitucional isto ocorre: os
deveres tributários têm como correlativos os direitos administrativos”. E arremata o
raciocínio esclarecendo a questão da correlação entre direitos administrativos e direitos
tributários: “Na relação constitucional jurídica a correlação entre os deveres tributários e
os direitos administrativos é regida pelo princípio da igualdade geométrica. Em todas as
demais relações jurídicas a correlação entre os seus respectivos deveres e direitos é regida
pelo princípio da igualdade aritmética. Por isto, foi demonstrado que na relação
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constitucional haverá, sempre e necessariamente, uma aritmética desigualdade entre o
montante dos tributos (deveres tributários) pagos por um indivíduo e o montante de sua
participação na partilha do Bem Comum (direitos administrativos)”.
Irretocável o raciocínio do citado autor. Somente é possível se
instaurar deveres tributários quanto a sujeitos que possam gozar os frutos da atuação
administrativa. Conquanto uma coisa não se relacione com a outra em termos de
quantificação, é possível até que um dado sujeito goze ou possa gozar os frutos dessa
atuação, mas não seja chamado a contribuir com a formação da receita pública.
A obrigação tributária decorre do fato eleito pela lei para lhe dar
ensejo, fato este cujo arquétipo possível é previsto na Constituição, e não do fato de o
respectivo contribuinte gozar as vantagens propiciadas pela atuação estatal. Daí porque a
dívida tributária ser calculada não em função da atividade administrativa101, mas sim do
fato eleito pelo legislador para dar origem à obrigação tributária102. Se prestação de
serviços, o preço destes, se venda de mercadoria, o valor desta operação, e assim por
diante.
Mais uma vez, com essa postura, nos mantemos completamente
afastados do modelo teórico de Griziotti e Enno Becker. Por não terem feito essa
distinção, doutrinadores como Claudio Sacchetto103 104fulminaram a possibilidade de a
atividade estatal justificar a territorialidade. Segundo essa corrente, a se adotar a
orientação por nós indicada, a capacidade contributiva não seria mais aferida por meio do
101 Nas taxas e na contribuição de melhoria, há uma especificação e individualização da atividade administrativa, detal sorte que a base de cálculo daquelas exações guarda estreita relação com esta última. Com efeito, nas taxas, a basede cálculo possível é o custo do serviço, ou de sua colocação à disposição do contribuinte, ou, ainda, o custo doexercício do poder de polícia. Na contribuição de melhoria, a valorização do bem imóvel, limitada ao custo da obraque lhe compete.102 MICHELI, Gian Antonio. Corso di diritto tributario. Torino: Utet, 1989, p. 17.103 O autor considera a territorialidade material, à luz do ordenamento italiano, um primado constitucional, todavia,por razões diversas das nossas. SACCHETTO, Claudio. Territorialità – diritto tributario. Enciclopadia del diritto.Milão: Giuffrè, v. XLIV, p. 315-317, 1989.104 Em sentido análogo ao nosso, mas tendo por escopo o ordenamento italiano, ver: LUPI, Raffaello. Territorialitàdel tributo. Enciclopedia giuridica. Roma: v. XXXI, p. 3.
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fato descrito, mas sim em função do benefício que a atuação estatal propicia ao
contribuinte. Compreende-se a preocupação do citado autor, mas esta não se justifica face
aos argumentos ora esposados.
Utilizando-se, aqui, de instrumental lógico, pode-se dizer que, nos
impostos, há uma relação condicional entre a respectiva motivação constitucional de sua
instituição e o contribuinte eleito. Se contribuinte de imposto, então beneficiário efetivo
ou potencial da atuação estatal. Ou seja, ser contribuinte é condição necessária de ser
beneficiário efetivo ou potencial da atuação estatal, que assumiria foros de condição
suficiente.
Como dissemos anteriormente, o Estado tem como referência
primordial para a regulação das condutas intersubjetivas o território que lhe corresponda.
E não é diferente com relação à sua atuação.
Pode-se afirmar que os sujeitos direta e pessoalmente relacionados a
fatos que guardem algum tipo de conexão com o território do Estado é que são, de alguma
forma, os beneficiários efetivos ou potenciais de sua atuação e, portanto, potenciais
titulares de deveres tributários. Sujeitos nessa situação estão aptos a praticar fatos que
denotem capacidade contributiva e serem intitulados contribuintes de impostos.
Os vínculos de cidadania, nacionalidade ou naturalidade, a nosso ver,
não podem, no ordenamento jurídico brasileiro, ser utilizados como parâmetros para a
verificação de existência ou não de relação da pessoa com o território. Isso porque, em
alguns casos, a pessoa pode romper todo e qualquer laço com o território ao qual se refira
o ordenamento e mesmo assim continuar a ter a cidadania, nacionalidade ou naturalidade.
Aliás, apenas a título ilustrativo, poucos países adotam a cidadania como parâmetro para
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se identificar existência relação com o Estado (não com o território)105, dentre os quais se
destaca os Estados Unidos da América.
A residência ou domicílio, por pressuporem vínculo com o território,
seja mediante presença física - corpus, seja mediante animus, são critérios apropriados
para se verificar a existência ou não de relação subjetiva com um dado território106. A
possibilidade de aplicação desses critérios deve ser avaliada em função de cada tributo
especificamente e de sua motivação constitucional.
No caso do imposto sobre a propriedade de bem imóvel localizado
em perímetro urbano – IPTU -, os benefícios propiciados ao seu proprietário são
motivados pelo imóvel e não em função de sua condição pessoal. Mais, esses benefícios,
por serem motivados pelo imóvel, materializam-se no território do município onde este se
localize. Destarte, é nosso entendimento que é indiferente a qualificação do proprietário
do imóvel para se determinar o município competente, que será aquele onde o imóvel
estiver localizado.
Pelas razões acima expostas, no Brasil, a motivação constitucional
para a instituição de impostos determina que somente possam ser tributados fatos que
guardem algum tipo de relação com o território da pessoa política correspondente,
independentemente de qual se esteja tratando107. Em outras palavras, entendemos, com
convicção, que a territorialidade material, no Brasil, é limite objetivo previsto no texto
constitucional ao exercício da competência tributária.
105 Consistiria, então, não mais numa relação territorial, mas sim política. SACCHETTO, Claudio. Territorialità –diritto tributario. Enciclopedia del diritto. Milão: Giuffrè, v. XLIV, p. 313-314, 1989.106 Constatamos que essas condições – residência e domicílio – são os critérios preponderantemente utilizados pelosEstados como meio para se aferir a existência de laços entre pessoas e seus respectivos territórios, para fins detributação da renda.107 São as palavras de Sampaio Dória: “Pouco importa que de tributação assim legitimada resulte duplicidade deimposições. O que se busca, com a restrição pelo direito interno da competência tributária no campo internacional,não é tanto prevenir a ocorrência de bitributações (para o que existem os tratados), mas sim a incidência fiscal sobrematérias ou pessoas totalmente alheias ao Estado que as grava”. SAMPAIO DÓRIA, Antônio Roberto. Direitoconstitucional tributário e due process of law, 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p.108.
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Face aos comentários até agora tecidos, no tocante às rendas dos não-
residentes, especificamente, veremos ao longo do presente trabalho somente podem ser
tributadas pelo Estado Brasileiro aquelas que tenham sua fonte de produção no território
correspondente, restando afastada, por força constitucional, a possibilidade de a União
tributar, por exemplo, renda auferida por sujeito residente na China, produzida em
território chinês.
2.4 Critério de conexão
2.4.1 Considerações gerais
O critério de conexão, muito provavelmente por influência dos
estudos de direito internacional privado, tradicionalmente foi considerado como
enunciado prescritivo ou mesmo norma indicativa do ordenamento que deve regular uma
dada relação jurídica108. Vale dizer, seja sob a forma de mero enunciado, seja sob a forma
de norma, o critério de conexão, à luz da doutrina de direito internacional privado, teria
como função precípua a resolução de conflito de leis no espaço, orientação esta
extensível, na visão de muitos autores109, às normas de direito tributário internacional e
direito internacional tributário.
Só há conflito de normas no espaço quando há possibilidade de
discussão acerca de norma de que Estado aplicar-se numa dada situação. Se a norma do
próprio Estado incumbido de praticar o ato coercitivo ou se a de outro.
No direito privado, em matéria de fatos dotados de elementos de
estraneidade, é possível tomar como regra a possibilidade de uma norma de um Estado
108 STRENGER, Irineu. Direito internacional privado: parte geral, 2ª ed. São Paulo: RT, 1991, vol. I, p. 286.109 Por todos, ver: XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil, 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000,p. 65-84.
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produzir efeitos no território de outro, bastando que as partes da relação jurídica assim
acordem. Teríamos nessa situação, então, a possibilidade de haver conflitos de normas no
espaço.
Pelo fato de, no que tange a normas de direito público, a orientação
ser em sentido absolutamente oposto, em nosso pensar, não há espaço para conflitos de
normas nessa seara. O que existe é tão somente a verificação de que um fato guarda
conexão somente com um ordenamento e, portanto, somente por este possa ser regulado;
ou não, que guarda com mais de um e, portanto, por mais de um assim possa ser. Em
matéria tributária é fácil a percepção desse espírito, mormente em sede de direito
internacional tributário. Os acordos de vontades para evitar a dupla não resolvem conflitos
de normas, tão-somente indicam a que ordenamento deve se submeter um dado fato
dotado de elemento de estraneidade que guarde conexão com mais de um dos Estados
contratantes. Nem de longe cuida-se essa situação de produção de efeitos de norma
(constituição e exigência do crédito tributário mediante a constituição de uma norma
jurídica individual e concreta) de um Estado no domínio territorial de outro110 111.
Concurso de pretensões impositivas, sim. Conflito de normas, jamais.
110 Por essa razão, acompanhamos, sem qualquer ressalva, o entendimento de Heleno Taveira Tôrres sobre o tema,que aproveitamos para transcrever: “Não prestigia o bom rigor metodológico quem trata o concurso de pretensõesimpositivas como espécie de ‘conflito de normas’. O concurso de pretensões fiscais, plasmado em normas individuaise concretas, não cria qualquer ‘conflito’ de normas. O concurso de pretensões sobre uma matéria sujeita à tributação,para, ulteriormente, a atividade tributária interna (de cada um dos Estados) constituir os respectivos créditostributários, não gera nenhum conflito impositivo, de dúvida sobre qual disciplina adotar ou sobre qual norma deva seraplicável, ser decidida pelos critérios de uma dada ‘norma de conflito’. Por todas essas razões, concluímos nãoexistir, para o Direito Tributário Internacional ou para o Direito Internacional Tributário, qualquer hipótese deaplicação de norma estrangeira que venha a ser decidida por uma norma de conflito, para a resolução de concursos depretensões impositivas”. TÔRRES, Heleno Taveira. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas, 2ªed. São Paulo: RT, 2001, p. 116-117. Ver também: PIRES, Manuel. Da dupla tributação jurídica internacionalsobre o rendimento. Lisboa: Centro de Estudos Fiscais, 1987, p. 80; GARBARINO, Carlo. La tassazione del redittotransnazionale. Padova: Cedam, 1990, p. 441-443.111 Em sentido contrário, ver especialmente: XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil, 5ª ed. Riode Janeiro: Forense, 2002, p. 75.
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Afastada, então, a possibilidade de se tomar o critério de conexão
como norma ou enunciado prescritivo indicativo da norma de qual Estado ser aplicável a
uma determinada relação jurídica, nos resta, então, identificar que acepção assume esse
vocábulo em matéria tributária112.
2.4.2 Definição de critério de conexão
Utilizando-se a experiência brasileira para fazermos nossas
considerações, restou demonstrado que determina o ordenamento jurídico brasileiro
somente um fato relacionado ao seu território pode subsumir-se a uma norma deste e
implicar o nascimento de uma obrigação tributária. A partir desse modelo, aplicável a todo
e qualquer ordenamento que adote a territorialidade material como limite objetivo ao
exercício da competência tributária, tem-se o critério de conexão como notas
informadoras do conteúdo da norma geral e abstrata que, quando configuradas
concretamente, localizam um dado fato no espaço e deflagram relação deste com o
território de um dado ordenamento113.
Segundo Alberto Xavier: “Os elementos de conexão consistem nas
relações ou ligações existentes, os objetos e os fatos com os ordenamentos tributários,
distinguindo-se em subjetivos, se se reportam às pessoas (como a nacionalidade ou a
112 LONGO, Caterina. La territorialità iva delle prestazioni di servizi tra modello comunitario e nazionale. Bologna:Università degli studi di Bologna, p. 4.113 Essa definição, a nosso ver, por já tomar em conta o processo de construção de sentido pronto e acabado, isto é, anorma jurídica, é mais preciso do que o adotado por alguns autores que identificam o critério de conexão comoenunciado prescritivo, assim considerado anteriormente à articulação com outros enunciados, processo final daconstrução da norma. É pouco preciso dizer que de enunciado prescritivo cuida-se o critério de conexão. Dado queeste último é elemento da norma, não há mais como identificá-lo como enunciado prescritivo. As notas que formam anorma decorrem da articulação de enunciados prescritivos devidamente saturados de conteúdo de significação, mascom estes não se confundem Em sentido favorável ao nosso, ver: MOREIRA FILHO, Aristóteles. Os critérios deconexão na estrutura da norma tributária. In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.), Direito tributário internacionalaplicado. São Paulo: Quartier Latin, 2003, p. 346. Sobre o processo de construção de sentido, ver as lições de Paulode Barros Carvalho. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário – fundamentos jurídicos da incidência. SãoPaulo: Saraiva, 1998, p. 109-110.Como principal expoente da corrente com a qual não concordamos, ver: GARBARINO, Carlo. La tassazione delreddito transnazionale. Padova: Cedam, 1990, p. 143 e seguintes.
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residência), ou objetivos, se se reportam às coisas e aos fatos (como a fonte de produção
ou pagamento da renda, o lugar do exercício da atividade, o lugar da situação dos bens, o
lugar do estabelecimento permanente, o lugar de celebração de um contrato)”114.
O conceito do citado jurista elucida as notas que podem corresponder
ao critério de conexão, o que nos permite verificar que a relação entre um fato e um
território pode dar-se, ou em função do sujeito que o pratique, ou em função desse fato
poder ser considerado ocorrido nesse território115. Como bem demonstrado por Alberto
Xavier116, nessa última circunstância – ocorrência do fato no território -, o critério de
conexão varia em função do tributo que se está tratando. Assim, o critério de conexão
pode assumir apenas duas feições: uma pessoal; outra, objetiva ou material.
2.4.3 Relação entre critério de conexão e a regra-matriz de
incidência
A norma jurídica em sentido estrito é proposição que prescreve
comandos que regulam condutas intersubjetivas mediante a ocorrência de um fato por ela
previsto. Para que corresponda a uma unidade de manifestação do deôntico117, carece a
norma de mínimas informações para a regulação das condutas intersubjetivas. Em matéria
tributária, especificamente, necessita-se identificar o fato que desencadeia a obrigação,
quem e a quem se deve pagar a dívida tributária, e quanto se deve pagar. Em sede de
normas gerais e abstratas essas informações correspondem a notas que permitirão realizar-
se a subsunção do fato que possua as propriedades por elas indicadas, bem como o
surgimento da respectiva obrigação tributária.
114 XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil, 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 218.115 BRADLEY ALVES, Taciana Stanislau Afonso. O princípio da renda mundial no direito brasileiro. In: TÔRRES,Heleno Taveira (Coord.), Direito tributário internacional aplicado. São Paulo: Quartier Latin, 2003, p. 608.116 XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil, 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 269-273.117 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário – fundamentos jurídicos da incidência. São Paulo: Saraiva,1998, p. 57-76.
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Concordamos em gênero, número e grau com Sacha Calmon Navarro
Coêlho118, para quem o estudo da estrutura da norma jurídica tributária na literatura
hispano-lusitana encontrou em Paulo de Barros Carvalho seu maior expositor119. Este
último autor analisou e dissecou os elementos mínimos formadores da norma-padrão de
incidência tributária, convencionando denominá-la “regra-matriz de incidência tributária”,
terminologia que passaremos a utilizar daqui por diante. A despeito de o modelo teórico
aplicar-se quer a normas gerais e abstratas, quer a individuais e concretas, o utilizaremos
no presente trabalho somente com referência à primeira categoria.
Em sua análise120, Paulo de Barros Carvalho identificou que a regra-
matriz de incidência, de qualquer tributo que seja, possui a seguinte estrutura:
Critério MaterialHIPÓTESE Critério Espacial
Critério Temporal
Critério Pessoal:- sujeito ativo- sujeito passivo
118 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro, 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p.382.119 CARVALHO, Paulo de Barros. Teoria da norma tributária. São Paulo: Max Limonad, 1998; Curso de direitotributário, 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000; Direito tributário - fundamentos jurídicos da incidência. São Paulo:Saraiva, 1998.120 CARVALHO, Paulo de Barros. Teoria da norma tributária. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 124 a 171.
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CONSEQÜENTE Critério Quantitativo- base de cálculo- alíquota
Hipótese e conseqüente121 são relacionados (relação condicional) por
meio de um functor deôntico, que caracteriza a imputação jurídico-normativa122. Vale
dizer, se a hipótese, então o conseqüente123.
A hipótese corresponde a notas124 mínimas, mediante as quais se
descreve um fato de possível ocorrência, que, se ocorrido, resultará numa conseqüência –
obrigação tributária. Para Paulo de Barros Carvalho, as notas mínimas para identificação
de um fato ocorrido concretamente referem-se ao comportamento ou estado de uma
pessoa, condicionado no tempo e no espaço, e podem ser agrupadas em classes, ou
melhor, critérios, designadamente material, temporal e espacial.
Já o conseqüente corresponde a notas mínimas125 que, mediante a
subsunção de um dado fato à hipótese, permitirão o nascimento da relação jurídica pela
qual o sujeito ativo terá o direito subjetivo público de exigir do sujeito passivo uma dada
121 Os critérios, quer da hipótese, quer do conseqüente, serão analisados um a um e com maior detalhamento quandotratarmos da regra-matriz de incidência do imposto sobre a renda devido por não-residentes.122 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 236.123 Segundo Lourival Vilanova: “É a norma mesma, é o Direito positivo que institui o relacionamento entre odescritor (hipótese) e o prescritor (tese). Agora, uma vez posta a relação, uma vez normativamente constituída, arelação de implicação, como relação lógico-formal, obedece às leis lógicas. Assim, se se dá a hipótese, segue-se aconseqüência; se não se dá a conseqüência, necessariamente não se dá a hipótese (“se p, então q”, “se não-q, entãonão-p”)”. VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo: Max Limonad,1997, p. 97. Ver também: BORGES, José Souto Maior. Obrigação tributária: uma introdução metodológica, 2ª ed.São Paulo: Malheiros, 1999, p. 20.124 Tais notas são selecionadas pelo legislador ao instituir um tributo, seleção esta cujos limites encontram-serigidamente fixados na Constituição Federal, quando compartilha e delineia a competência tributária das pessoaspolíticas, bem como nas normas gerais de direito tributário, mormente no Código Tributário Nacional, na sua funçãode sistematização de todo o esquema dos procedimentos de tributação, a coordenação dos distintos tributos e aregulação dos direitos dos contribuintes no campo dos procedimentos. Sobre a questão das normas de direitotributário nesse tocante, ver: TÔRRES, Heleno Taveira. Código tributário nacional: teoria da codificação, funçõesdas leis complementares e posição hierárquica no sistema. Revista Dialética de Direito Tributário, n.º 71. São Paulo:Dialética, 2001, p. 87.125 Assim como no caso da hipótese, o legislador somente pode selecionar as classes de notas do conseqüente daregra-matriz de incidência dentro dos estritos limites previstos pela Constituição, ainda que esses limites estejamimplícitos no texto constitucional.
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quantia a título de tributo - obrigação tributária126. Para tanto, segundo Paulo de Barros
Carvalho, as notas devem permitir pelo menos a identificação dos sujeitos (ativo e
passivo) da relação em causa, bem como a apuração do montante da dívida (base de
cálculo e alíquota), e podem ser acomodadas em critérios, designadamente pessoal e
quantitativo.
Conquanto somente mediante a configuração no mundo real das notas
correspondentes ao critério de conexão127 faz-se possível haver incidência tributária
(subsunção do fato à hipótese da regra-matriz de incidência), sobretudo nos impostos
cujos fatos jurídicos tributários sejam dotados de elemento de estraneidade128, entendemos
ser esta informação essencial à existência da norma. Sem ela, resta prejudicada a
manifestação do deôntico e, portanto, a existência da norma jurídica. Não por outra razão,
entendemos que, por força constitucional, a regra-matriz de incidência deve, em sua
hipótese, possuir notas (critério de conexão) que permitam subsumam-se à ela somente
fatos que guardem relação com o território da pessoa política que a tenha editado129.
Já demonstramos que são duas as possibilidades de critério de
conexão, a saber, pessoal e objetiva/material. Diante dessa constatação, a fim de que não
seja a primeira possibilidade tolhida, o que, se acontecesse, representaria afronta à
Constituição, imperioso concluir que a regra-matriz deve possuir um critério pessoal, de
tal sorte que seja possível a adoção do critério de conexão subjetivo correspondente130.126 A conduta objeto das relações jurídicas em geral, necessariamente, é modalizada por um dos três operadoresdeônticos, a saber: obrigatório (O), permitido (P) ou proibido (V). Por razões lógicas, não há um quarto modal, de talsorte que a conduta objeto da relação jurídica somente pode assumir uma dessas três feições. O functor deôntico queliga hipótese normativa e conseqüente normativo, conhecido como operador intranormativo, é neutro, enquanto que ooperador intra-relacional é necessariamente modalizado.127 Por determinação do princípio da territorialidade material.128 E por ser a territorialidade material limite objetivo ao exercício da competência tributária, o critério de conexãoacaba por ser critério de outorga desta. Ver: MOREIRA FILHO, Aristóteles. Os critérios de conexão na estrutura danorma tributária. In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.), Direito tributário internacional aplicado. São Paulo:Quartier Latin, 2003, p. 345.129 TÔRRES, Heleno Taveira. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas, 2ª ed. São Paulo: RT,2001, p. 98-99.130 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro, 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p.382-385; Noções da fiscalidade internacional. Movimento editorial da faculdade de direito da Universidade Federalde Minas Gerais. Belo Horizonte: Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, 1998, p. 3;JUSTEN FILHO, Marçal. O imposto sobre serviços na Constituição. São Paulo: RT, 1985. p. 50-52; QUEIROZ,
- 52 -
Nos fatos ocorridos fora dos limites territoriais do Estado Brasileiro,
estes só ganham sentido se conotados com certas qualidades das pessoas. É o caso da
tributação da renda em bases universais, em que isso somente se faz possível mediante a
qualificação do sujeito que a aufere. Sendo o contribuinte qualificado como residente
neste País, tem-se a possibilidade de suas rendas auferidas ultraterritorialmente serem
tributadas no Brasil.
Em outras situações os atributos ou qualificações da pessoa direta e
pessoalmente relacionada ao fato jurídico tributário são determinantes para a delimitação
da regra-matriz de incidência. Aristóteles Moreira Filho expõe alguns exemplos dessa
natureza. Segundo este autor: “Não menos demonstrativos da necessidade do critério
pessoal no antecedente normativo são os enunciados que compõem negativamente a regra-
matriz de incidência tributária, especialmente aqueles resultado da projeção de imunidades
(enunciados competenciais, constitucionais) e isenções (enunciados legais, de norma de
conduta), quando se dirigem a determinada classe de pessoas (v.g. entidades
assistenciais). Decerto, estas modalidades de desoneração tributária, por operarem
preventivamente à incidência normativa, não podem constar do conseqüente da norma
impositiva; somente a retirada dos fatos ou pessoas do antecedente pode prevenir a
incidência e viabilizar a desoneração implicada por imunidade e isenções, porque se
preenchidas as condições da hipótese, fatalmente serão imputados os efeitos da tese”.
A ausência do critério pessoal, na hipótese, implica inexistência da
norma, por lhe faltarem requisitos mínimos de incidência, razão pela qual discordamos do
posicionamento de Paulo de Barros Carvalho acerca do tema.
Luís Cesar Souza de. Sujeição passiva tributária. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 169 e seguintes; MOREIRAFILHO, Aristóteles. Os critérios de conexão na estrutura da norma tributária. In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.),Direito tributário internacional aplicado. São Paulo: Quartier Latin, 2003, p. 337-339.
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Verificamos que o critério de conexão informa a regra-matriz de
incidência, todavia não como uma classe autônoma. Deveras, as notas correspondentes ao
critério de conexão ora acomodam-se no critério pessoal da regra-matriz – conexão
subjetiva -, ora no critério espacial – conexão material.
Independentemente do critério de conexão que se esteja tratando,
subjetivo ou material, este sempre informará o alcance do critério espacial da regra-
matriz. Já não se pode dizer que a recíproca seja verdadeira, isto é, que o critério de
conexão material sempre qualificará o critério pessoal. Nos impostos sobre a propriedade
de bem imóvel, por exemplo, o critério de conexão será a localização do respectivo bem.
O critério pessoal mantém-se intacto nesse caso.
No caso de uma conexão pessoal com o território, a verificação in
concreto das notas qualificadoras do contribuinte é que deflagará a relação entre o fato
jurídico tributário e aquele. É o caso que ilustramos acima, da tributação no Brasil da
renda auferida fora de seus limites territoriais. Mediante a qualificação do contribuinte
como residente, essa propriedade deflagra relação sua com o território, autorizando a
tributação de sua renda em bases mundiais. Ou seja, no critério pessoal da regra-matriz
acomodar-se-ia o critério de conexão. Mas não só. O critério de conexão informa o
critério espacial da regra-matriz ora tratada, determinando a possibilidade de o fato
ocorrer ultraterritorialmente.
Cuidando-se de uma conexão objetiva, material, a verificação in
concreto das notas configurará a ocorrência do fato no território, autorizando o
ordenamento que lhe corresponda a regulá-lo (fato). Nesse caso, a nota da hipótese que
permite a localização do fato seria o critério de conexão, a qual se acomodaria no critério
espacial da regra-matriz. É porque o fato ocorreu no território do ordenamento que há
relação entre eles. Esse é justamente o caso de não-residente que aufere renda em
território brasileiro, que analisaremos especificamente a partir do Capítulo 3 do presente
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trabalho. A fonte da respectiva renda permite identificar seu local de ocorrência, de modo
que, localizando-se a fonte em território brasileiro, este País está autorizado a gravar as
rendas obtidas por não-residentes. O critério de conexão objetivo, material, neste caso,
qualifica o critério pessoal – sujeito não-residente.
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3. CRITÉRIOS DE CONEXÃO FACE À RIGIDEZ DO SISTEMA
CONSTITUCIONAL BRASILEIROSumário: 3.1 Considerações gerais – 3.2 Rigidez e exclusividade das competências
tributárias: 3.2.1 Competência tributária e a forma do Estado Brasileiro; 3.2.2
Competência tributária e os direitos fundamentais – 3.3 Rigidez e critérios de conexão –
3.4 Lei complementar tributária: 3.4.1 Lei complementar tributária e critérios de conexão.
3.1 Considerações gerais
O Estado necessita de recursos para que possa desempenhar as funções que
motivam sua existência. Um dos instrumentos para tanto é a cobrança de tributos. Com o
Estado Constitucional nasce a modalidade do Estado Fiscal, que realiza despesas públicas
em favor de um patrimônio público, suportado num orçamento, tudo consentido pelo povo
por meio de seus representantes. Nesses termos, limitando a liberdade e a propriedade,
deve a cobrança de tributos ser feita mediante um procedimento devidamente aprovado
pela sociedade – due process of law. Estado e contribuinte, com isso, encontram-se no
mesmo patamar, isto é, ambos submetidos à lei e à jurisdição.
Falar-se em instituição e regulação da fiscalização e arrecadação de tributos
é falar de competência legislativa (soberania popular institucionalizada). E é disso que
trataremos nesse Capítulo, das características dessa competência legislativa131 no Sistema
Constitucional Brasileiro, denominada pela dogmática jurídica competência tributária, e
de suas implicações quanto à eleição de critérios de conexão que possibilitem a tributação
de um dado fato por um ordenamento, sobretudo os dotados de elemento de estraneidade.
Já tecemos algumas considerações sobre o tema ao longo do trabalho, e a elas
retornaremos, todavia, com maior profundidade, já que se cuida de tópico próprio para
analisarmos o assunto.
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No Brasil, um Estado Democrático de Direito, sob a forma de República
Federativa, federalismo (descentralização de poder) e república (coisa pública)
encontram-se no direito de o Estado instituir tributos (autonomia financeira) e no respeito
aos direitos fundamentais. Por essa razão, não haveria alternativa, senão o próprio texto
constitucional dispor sobre competências tributárias. Segundo Oswaldo Aranha Bandeira
de Mello132: “Qualquer que seja, porém, o processo histórico pelo qual se originou um
Estado federal, os seus poderes emanam de constituição que, promulgada em nome do
Estado federal, constitui a lei fundamental da nova organização política. A distribuição de
competências em tal forma de Estado é sempre feita na própria Carta Federal”.
A Constituição não institui este ou aquele tributo, mas tão só outorga
competências legislativas, o que se convencionou denominar “discriminação
constitucional de rendas”, que, para nós, se configura como discriminação de
competências tributárias133.
Nessa discriminação, pois, é dado que o constituinte brasileiro tratou do
Sistema Tributário de maneira rígida, procedendo a uma exaustiva enunciação de
dispositivos tendentes a disciplinar a ação de tributar através de outorgas de competência,
vedações ou limitações. A rigidez constitucional é critério sombranceiro para o
atingimento do ideal republicano, razão pela qual faz-se obrigatória a transcrição das
lições de Geraldo Ataliba134, que nortearão todo o espírito do presente Capítulo: “(...) em
contraste com os sistemas constitucionais tributários francês, italiano ou norte-americano,
por exemplo, o constituinte brasileiro esgotou a disciplina da matéria tributária, deixando
à lei, simplesmente a função regulamentar. Nenhum arbítrio e limitadíssima esfera de
discrição foi outorgada ao legislador ordinário. A matéria tributária é minuciosamente
132 BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo Aranha. A natureza jurídica do Estado Federal. São Paulo: Prefeitura doMunicípio de São Paulo, 1948, p. 74.133 APOCALYPSE, Sidney Saraiva. O município e o imposto sobre o solo criado. Revista de estudos tributários, n.º1. São Paulo: Resenha Tributária, 1977, p. 29.134 ATALIBA, Geraldo. Sistema constitucional tributário brasileiro. São Paulo: RT, 1968, p. 18.
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tratada pela Constituição Federal, sendo o nosso sistema tributário todo moldado pelo
próprio constituinte, que não abriu à lei a menor possibilidade de criar coisa alguma – se
não expressamente prevista – ou mesmo introduzir variações não, prévia e explícitamente
(sic), contempladas. Assim, nenhuma contribuição pode a lei dar à feição do nosso
sistema tributário. Tudo foi feito e acabado pelo constituinte”. E nem poderia ser de outra
forma. Como bem nos ensina Aliomar Baleeiro135: “O sistema tributário movimenta-se sob
complexa aparelhagem de freios e amortecedores, que limitam os excessos acaso
detrimentosos à economia e à preservação do regime e dos direitos individuais”.
Antes de adentrarmos em nossa análise, mister registrar que não será
cuidada, aqui, da rigidez da Constituição, mas sim da discriminação de competências
tributárias, que, como veremos, é garantida por aquela. As constituições rígidas,
estabelecendo limites aos poderes governamentais, restringem a órbita dentro da qual
estes devem agir, e proclamam a superioridade dos dispositivos constitucionais sobre
todos os demais elementos do ordenamento jurídico, aos quais estes precisam ser
conformes136. Discriminação rígida de competências significa esta ser feita
separadamente, em termos expressos, unívocos e inconfundíveis, a cada uma das pessoas
políticas, de tal sorte que para cada uma destas se configure uma área nítida e definida137.
Contrapõe-se a esta última, a discriminação elástica, feita por meio de princípios
genéricos, cabendo ao legislador infraconstitucional circunscrevê-la138.
135 BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar, 7ª ed. Anotado por Misabel de AbreuMachado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 2.136 BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo Aranha. A teoria das constituições rígidas. São Paulo: José Bushatsky, 1934,p. 35-36; ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 110.137 FALCÃO, Amílcar de Araújo. Sistema tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Edições Financeiras, 1965, p. 24.138 É o caso típico dos Estados Unidos da América.
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3.2 Rigidez e exclusividade das competências tributárias
3.2.1 Competência tributária e a forma do Estado Brasileiro
Já asseveramos anteriormente que a forma do Estado Brasileiro é a
federação com autonomia dos municípios139. Cada pessoa política integrante do Estado
Brasileiro é autônoma, ou seja, encontra fundamento de validade na Constituição. Mas
não é suficiente a autonomia política sem que haja também autonomia financeira. Aquela
inexiste sem a última. O único remédio contra isso é prever-se fontes de receitas às
pessoas políticas, dentre as quais, historicamente, a tributária tem sido a principal delas140.
Conquanto coexistam na federação competências partilhadas entre
ordens jurídicas parciais141, essas competências são caracterizadas pela
incomunicabilidade das áreas respectivas142. Constata-se, pois, que, a rigor, a outorga de
competência tributária a uma ou outra pessoa política, inibe, por conseguinte, exercício,
por outra, da nomeação àquela atribuída, salvo nos casos expressamente indicados no
próprio texto constitucional.
Significa dizer que, a priori, as competências tributárias são
exclusivas143. Dizemos a priori, pois esse não pode ser um atributo considerado universal,
ao menos quanto às materialidades dos impostos. Isso porque a Constituição Federal,139 Importante registrar que, dentro de nossa perspectiva, o federalismo no Brasil é formado exclusivamente pelosEstados membros, não se incluindo aí quer a União, quer os Municípios. Tanto é assim, que não há representação dosMunicípios no Congresso Nacional. O Senado representa os Estados e a Câmara dos Deputados, o povo.140 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988 – sistema tributário, 8ª ed. Rio deJaneiro: Forense, 1999, p. 27.141 KELSEN, Hans. Teoria geral do estado, 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 434.142 ATALIBA, Geraldo. Sistema constitucional tributário brasileiro. São Paulo: RT, 1968, p. 24; FALCÃO, Amílcarde Araújo. Sistema tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Edições Financeiras, 1965, p. 17.143 Importante mencionar que nos referimos à exclusividade ao invés de privatividade, não por mero capricho, massim rigor terminológico. Apoiados nas robustas lições de José Afonso da Silva, temos que a competência privativa éaquela que é delegável, ao passo que a exclusiva, não. Ora, se o constituinte repartiu as competências de forma a nãodar origem a conflitos, claro está ser atributo daquela a indelegabilidade. Por essa razão, não se cuida deprivatividade o atributo das competências tributárias, e sim exclusividade. SILVA, José Afonso da. Curso de direitoconstitucional positivo, 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 1992, p. 420. Ver também sobre essa questão: SALIBA,Ricardo Berzosa. Fundamentos do direito tributário ambiental. Dissertação de mestrado. São Paulo: PUC/SP, 2004,p. 99.
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artigo 154, II, outorga à União competência para instituir essa espécie de exação, inclusive
sobre materialidades reservadas às outras pessoas políticas, na iminência ou no caso de
guerra externa, razão pela qual acompanhamos o posicionamento de Paulo de Barros
Carvalho sobre a questão144 145, qual seja, de que, quanto à matéria tributável, somente a
competência da União é absolutamente exclusiva.
No entanto, temos que as ditas competências residual e comum (taxas
e contribuição de melhoria) são exclusivas. Na primeira, somente a União pode instituir
impostos sobre materialidades outras que não as referidas na Carta Magna. Na segunda, a
exclusividade se equaciona em outro plano, a saber, administrativo. A taxa ou
contribuição de melhoria somente poderá ser instituída pela pessoa política competente
para prestar ou colocar à disposição o serviço público, exercer o poder de polícia ou
realizar a obra pública.
A fim de que a exclusividade das competências fosse relativizada tão
somente quanto ao “imposto de guerra”, fez-se necessário a Constituição proceder à
repartição de competências de maneira rígida e exaustiva. E assim foi feito. Em
observância aos princípios do federativo e da autonomia municipal146 foram eliminadas ao
máximo as possibilidades de conflito de competência147.
No campo dos impostos, deu-se nominalmente a repartição das
competências, mediante indicação de fatos signos presuntivos de riqueza; nas taxas e
contribuições de melhoria, vinculando-as às competências administrativas (é dizer, a
competência administrativa precede a tributária e a determina); nas contribuições e
empréstimos compulsórios, indicando expressamente sua motivação constitucional, o que,
147 Nunca é demais invocar as lições de Rubens Gomes de Sousa, pelo que as transcreveremos: “A delimitação decompetências tributárias é um imperativo do regime federal (...)”. SOUSA, Rubens Gomes de. Compêndio delegislação tributária. São Paulo: Resenha Tributária, 1975, p. 189.
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indiretamente, circunscreve as materialidades sobre as quais podem incidir, e, em algumas
contribuições, não só essa motivação, mas também expressamente suas materialidades.
E por ser tão minuciosa, a Constituição praticamente não deixou
margem de ação ao legislador. No texto constitucional, não só é possível identificar a
materialidade dos tributos, como também as coordenadas de tempo e espaço possíveis, o
sujeito passivo possível, o sujeito ativo possível, a base de cálculo possível e a alíquota
possível148.
Tão rígida é a discriminação de competências tributárias, pode-se
dizer, a Constituição traçou o arquétipo dos tributos, a regra-matriz possível destes. Todos
os critérios da regra-matriz estabelecida pelo legislador ordinário, sem nenhuma exceção,
devem conformar-se ao arquétipo previsto na Constituição Federal149.
Isso se torna mais claro ainda à medida que, não só a discriminação,
mas também a própria Constituição é rígida, ou seja, não pode ser alterada pelo legislador
infraconstitucional e, muitas vezes, sequer pelo legislador constitucional, salvo mediante a
instauração de uma nova ordem jurídica. A rigidez da discriminação de competências é
garantida pela rigidez da Constituição, sobretudo se termos em mente que, no que diga
respeito àquela matéria, sequer o constituinte pode alterá-la.
3.2.2 Competência tributária e os direitos fundamentais
148 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária, 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 32-33;CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário, 9ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 297-298; GIARDINO, Cléber. ISS – Competência municipal. O Estado de São Paulo. Edição de 16.12.1984, p. 68.149 LIMA GONÇALVES, José Artur. Imposto sobre a renda – pressupostos constitucionais. São Paulo: Malheiros,1997, p. 98.
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A Constituição brasileira, num nítido processo de evolução
histórica150, incorporou ao seu texto inúmeros direitos fundamentais dos cidadãos,
sobretudo, e não somente, os de previsibilidade quanto à ação estatal e de proteção da
liberdade, da propriedade e da família151. Valiosas são as lições de Ricardo Lobo Torres152
sobre o assunto: “O poder de tributar nasce no espaço aberto pelos direitos humanos e por
eles é totalmente limitado. O Estado exerce o seu poder tributário sob a permanente
limitação dos direitos fundamentais e suas garantias constitucionais”.
É possível vislumbrar, pois, o Capítulo Do Sistema Tributário
Nacional como mera decorrência do rol de direitos fundamentais previstos ao longo do
texto constitucional, pelo que se faz necessário, mais uma vez, invocarmos as lições de
Ricardo Lobo Torres153, a fim de reforçarmos essa inteligência: “O poder de tributar surge
na Constituição Tributária, especialmente no art. 145, que desenha o sistema de tributos e
nos arts. 153 a 156, que outorgam a competência tributária à União, aos Estados e aos
Municípios. Mas como o poder de tributar nasce no espaço aberto pela liberdade, a sua
verdadeira sede está na Declaração dos Direitos Fundamentais (art. 5º do texto de 1988) e
no seu contraponto fiscal que é a Declaração dos Direitos do Contribuinte e de suas
garantias (art. 150 a 152)”.
Ao lado da forma do Estado Brasileiro, temos que a repartição de
competências deu-se de forma rígida e exaustiva, pelo fato de o povo, através do
constituinte originário, ter se auto-assegurado os direitos de proteção da propriedade e da
liberdade. Como a tributação afeta diretamente esses direitos, o próprio constituinte
originário previu uma série de mecanismos de freios e contrapesos, determinando
detalhadamente em que hipóteses pode haver transferência de patrimônio do povo em prol
150 ATALIBA, Geraldo. República e Constituição, 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 30.151 ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. São Paulo: Saraiva, 2004, p.110; DERZI, Misabel de AbreuMachado. In: BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar, 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense,2001, p. 14.152 LOBO TORRES, Ricardo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário - os direitos humanos e atributação: imunidades e isonomia. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, vol. III, p. 4.153 LOBO TORRES, Ricardo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário - os direitos humanos e atributação: imunidades e isonomia. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, vol. III, p. 20.
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dos cofres públicos, o que permite seja a ação legiferante absolutamente previsível. Isso
tudo nos leva a crer que o federalismo e a república encontram-se no direito de o Estado
instituir tributos e no respeito aos direitos fundamentais dos cidadãos.
Mais do que isso, contempla a Constituição brasileira, como vimos, a
obrigatoriedade de haver motivação constitucional para o exercício das competências
tributárias. Decorrência de mais um direito fundamental, próprio do Estado Democrático
de Direito, é o princípio da proporcionalidade, orientador das condutas de agentes
públicos de todas as espécies. Todos seus atos, sejam estes legiferantes, executivos ou
jurisdicionais, devem ser motivados. A Constituição não tolera o arbítrio e ao se exigir a
obrigatoriedade de motivação, prevista explícita ou implicitamente no texto
constitucional, asseguram-se aos cidadãos meios para controlar a proporcionalidade da
atividade de produção de normas.
3.3 Rigidez e os critérios de conexão
As considerações acima nos levam a crer que praticamente tudo que diga
respeito à tributação está previsto pela própria Constituição. Decorre a rigidez do sistema,
quer em função da forma do Estado Brasileiro, quer porque a Constituição incorporou
uma série de direitos fundamentais em seu texto, que definem como e em que medida
pode dar-se o exercício da competência tributária.
O arquétipo dos tributos, isto é, as notas mínimas necessárias para sua
instituição pelo legislador ordinário, designadamente a materialidade, coordenadas de
tempo e espaço, sujeito ativo, sujeito passivo, base de cálculo e alíquota possível, tudo
isso é previsto, implícita ou explicitamente, no próprio texto constitucional. E por serem
tanto a discriminação de rendas quanto a própria Constituição rígidas, é inteiramente
descabida, por conseguinte, a busca de critérios ou parâmetros definidores das
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competências tributárias em normas que não sejam desse próprio diploma154. Nos dizeres
de Humberto Ávila155: “O importante é que a Constituição não apenas define hipóteses de
incidência, mas também predetermina o conteúdo material para o exercício da
competência”.
O critério de conexão é, juntamente com outros, informação mínima que
carece a norma para existir. Sem ele, já registramos, resta prejudicada a manifestação do
deôntico e, portanto, a existência da norma jurídica.
Face às peculiaridades do Sistema Constitucional Brasileiro, a própria
Constituição previu, ainda que implicitamente, todas as informações mínimas de que
necessita o legislador ordinário para instituir um tributo. É por isso que afirmamos tantas
vezes ao longo do texto que o arquétipo dos tributos, no Brasil, é eminentemente
constitucional. A liberdade de escolha pelo legislador ordinário restringe-se às
possibilidades indicadas no texto da Constituição. Poderia ser aventado em oposição à
nossa assertiva que, expressamente, a Carta Magna só indica a materialidade. Mero
recurso de desespero.
O direito, por ser sistema, é uno, de tal sorte que o arquétipo constitucional
dos tributos deve ser construído não só com base em sua materialidade, mas sim mediante
a compreensão sistemática dos dispositivos constitucionais (constantes do próprio texto ou
por absorção156) que expressa ou implicitamente, imediata ou mediatamente, digam
respeito à ação de tributar157.
154 BARRETO, Aires Fernandino. ISS na Constituição e na lei. São Paulo: Dialética, 2003, p. 25.155 ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 111.156 Segundo Humberto Ávila: “A Constituição Brasileira está expressamente aberta para outras normas implícitas quesão incluídas no Sistema Tributário, sem, porém, delimitar abstratamente seu conteúdo. Essa abertura significa que oSistema Tributário protege a esfera privada intensamente, seja porque prevê a dedução de direitos fundamentais egarantias indeterminadas (art. 150 e §2º do art. 5º), seja porque assegura aplicação imediata das normas decorrentesdos direitos e garantias fundamentais (§1º do art. 5º)”. ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. SãoPaulo: Saraiva, 2004, p. 108. Sobre o assunto, ver também: AMARO, Luciano da Silva. Direito tributário brasileiro,4ª ed. São Paulo. Saraiva, 1999, p. 104-107.157 ÁVILA, Humberto. A hipótese de incidência do imposto sobre a renda construída a partir da Constituição. Revistade direito tributário, n.º 77. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 104.
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Isso tudo para deixar claro que o critério de conexão não pode ser escolhido
pelo legislador ordinário ao seu bel prazer. As possibilidades já estão reservadas pela
Constituição e devem ser identificadas mediante a conjugação da materialidade com
outros dispositivos constitucionais. Qualquer informação obtida que não através desse
método é juridicamente imprestável para fins de eleição de critério de conexão.
3.4 Lei complementar tributária
Tema espinhoso é a análise do regime jurídico da lei complementar em
matéria tributária, antes de mais nada, em razão desta ter mais de uma função nesta seara
do direito. No entanto, dado que, como veremos, isso toca o objeto do presente trabalho,
não podemos nos eximir da tarefa.
A lei complementar caracteriza-se por possuir pressupostos materiais e
formais diversos dos demais veículos introdutores de normas no ordenamento jurídico158.
Pressupostos materiais (competência), pois lhe compete regular apenas matérias
delimitadas previamente pela Constituição. Pressupostos formais, à medida que deve ser
observado quorum específico para sua aprovação159.
Como função precípua, à lei complementar compete integrar e conter a
eficácia de dispositivos constitucionais – lei complementar nacional160. Frise-se, integrar e
158 ATALIBA, Geraldo. Lei complementar na Constituição. São Paulo: RT, 1971, p. 28; ÁVILA, Humberto. Sistemaconstitucional tributário. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 131; BORGES, José Souto Maior. Lei complementartributária. São Paulo: RT EDUC, 1975, p. 54; CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, 13ª ed.São Paulo: Saraiva, 2000, p. 203; COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988 – sistematributário, 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 67; TÔRRES, Heleno Taveira. Código tributário nacional: teoriada codificação, funções das leis complementares e posição hierárquica no sistema. Revista Dialética de DireitoTributário, n.º 71. São Paulo: Dialética, 2001, p. 93.159 Constituição Federal, artigo 69.160 “Parece-nos necessário discriminar ainda mais, a fim de fazer-se uma separação de certas normas que prevêemuma legislação futura mas não podem ser enquadradas entre as de eficácia limitada. Em vez, pois, de dividir asnormas constitucionais, quanto à eficácia e aplicabilidade, em dois grupos, achamos mais adequado considerá-las sobtríplice característica, discriminando-as em três categorias: I – normas constitucionais de eficácia plena; II – normas
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conter, jamais emendar a Constituição161. Mas além dessa função, serve a lei
complementar de instrumento para o exercício de competências da União – lei
complementar federal162 -, o que não corresponde à integração ou contenção de eficácia de
dispositivos constitucionais. Exemplo disso, em matéria tributária, é a competência para
instituição de empréstimos compulsórios163, a qual somente pode ser exercida mediante o
veículo em causa.
Da análise do Sistema Constitucional Tributário, podemos vislumbrar dois
campos (âmbitos materiais de validade164) em que a introdução de normas no sistema
jurídico deve dar-se mediante lei complementar:
exercício de competência da União, a qual se divide em165: i) exercício
de competências privativas; ii) exercício de competência residual. edição de normas gerais de direito tributário, as quais se prestam a166: i)
regular as limitações constitucionais ao poder de tributar; ii) dispor
sobre conflitos de competência; iii) dispor sobre fatos geradores, bases
de cálculo e contribuintes dos impostos; iv) dispor sobre os
procedimentos de cobrança e fiscalização dos tributos, tratando de
obrigação, lançamento e crédito; v) dispor os prazos de decadência e
constitucionais de eficácia contida; III – normas constitucionais de eficácia limitada ou reduzida. Na primeiracategoria incluem-se todas as normas que, desde a entrada em vigor da constituição, produzem todos os seus efeitosessenciais (ou têm a possibilidade de produzi-los), todos os objetivos visados pelo legislador constituinte, porque estecriou, desde logo, uma normatividade para isso suficiente, incidindo direta e imediatamente sobre a matéria que lhesconstitui objeto. O segundo grupo também se constitui de normas que incidem imediatamente e produzem (ou podemproduzir) todos os efeitos queridos, mas prevêem meios ou conceitos que permitem manter sua eficácia contida emcertos limites, dadas certas circunstâncias. Ao contrário, as normas do terceiro grupo são todas as que não produzem,com a simples entrada em vigor, todos os seus efeitos essenciais, porque o legislador constituinte, por qualquermotivo, não estabeleceu, sobre a matéria, uma normatividade para isso bastante, deixando essa tarefa ao legisladorordinário ou a outro órgão do Estado”. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, 3ª ed.São Paulo: Malheiros, 1999, p. 82-83.161 “A lei complementar tem por função – como o nome indica – complementar o sistema federal de governo, não ade emendar a Constituição”. BORGES, José Souto Maior. Lei complementar tributária. São Paulo: RT EDUC,1975, p. 55.162 Por determinação constitucional, possui o Congresso Nacional três funções: i) constituinte derivado; ii) legisladornacional; iii) legislador federal.163 Constituição Federal, artigo 148.164 BORGES, José Souto Maior. Lei complementar tributária. São Paulo: RT EDUC, 1975, p. 72.165 Constituição Federal, artigos 148; 153, VII; 154, I; 195, § 6º.166 Constituição Federal, artigos 146, I, II e III; 150, VI, “c”; 155, § 2 º, XII; 156, III e § 3º; 195 § 7º.
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prescrição; vi) dispor sobre adequado tratamento tributário ao ato
cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas.
Quanto às funções acima, quais sejam, exercício de competência (âmbito
federal) e edição de normas gerais (âmbito nacional) 167, não registramos polêmica
doutrinária, mesmo porquê, salvo melhor juízo, inexiste motivo para tanto. O embate
teórico dá-se historicamente em torno das funções das chamadas normas gerais de direito
tributário.
O tema é de dificílimo trato, como bem registrou Sacha Calmon168, face à
estrutura do Estado Brasileiro, em que há três espécies de pessoas políticas, cada qual,
obviamente, autônoma política e financeiramente, e ao fato de a Constituição, ao mesmo
tempo, prever uma série de matérias a serem cuidadas pela União, em âmbito nacional.
Para uma primeira corrente, denominada dicotômica, liderada por Geraldo
Ataliba169, as normas gerais que disponham sobre as matérias acima arroladas somente
têm caráter nacional - isto é, União, Estados e Municípios como destinatários de seus
comandos - quando disponham sobre conflitos de competência ou quando regulem
limitações constitucionais ao poder de tributar. No tocante à definição da regra-matriz do
tributo, dada à rigidez e exaustividade do texto constitucional, nenhuma informação mais167 Apesar de entendermos que a classificação das normas em de conduta e de estrutura peca por precisão, uma vezque as normas necessariamente regulam condutas, esta classificação ilustra bem a diferença entre as funções da leicomplementar em matéria tributária. Com efeito, no caso de exercício de competência para instituição de tributo, a leicomplementar teria como função a introdução de normas de conduta no ordenamento jurídico, ao passo que, nahipótese de normas gerais, a função deste veículo seria a de introduzir normas sobre como produzir normas noordenamento, dirigidas à conduta do legislador – normas de estrutura. As lições de Paulo de Barros Carvalho tornammais claras nossas considerações: “Os teóricos gerais do direito costumam discernir as regras jurídicas em doisgrandes grupos: normas de comportamento e normas de estrutura. As primeiras estão diretamente voltadas para aconduta das pessoas, nas relações de intersubjetividade; as condutas interpessoais, tendo por objeto, porém, oscomportamentos relacionados à produção de novas unidades deôntico-jurídicas, motivo pelo qual dispõem sobreórgãos, procedimentos e estatuem de que modo as regras devem ser criadas, transformadas ou expulsas do sistema”.CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 136-137.168 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988 – sistema tributário, 8ª ed. Rio deJaneiro: Forense, 1999, p. 67.169 ATALIBA, Geraldo. Lei complementar em matéria tributária. Revista de direito tributário, n.º 48. São Paulo:Malheiros, 1989, p. 84-106. Ver também: CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário,9ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 474 e seguintes; CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário,13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 207-209.
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necessitam as pessoas políticas para instituí-la. Quanto às questões de arrecadação e
fiscalização, face à autonomia das pessoas políticas e condição de absoluta igualdade de
umas com relação às outras, cada qual pode dispor da forma que melhor lhe convenha
sobre as matérias em questão. As normas gerais, que não as que disponham sobre
limitações constitucionais ao poder de tributar ou conflitos de competência, são
simplesmente normas federais, ou seja, dirigem-se somente à União.
Para uma segunda, denominada tricotômica170, as normas gerais têm as
funções acima arroladas, pouco importando se isso diga respeito ou não, quer a conflitos
de competência, quer a limitações constitucionais ao poder de tributar. Defende-se, nesta,
uma necessidade de harmonia de definição das matérias atinentes à instituição,
arrecadação e fiscalização dos tributos, sob pena de instauração do caos.
Não obstante, em nosso pensar, se é certo ser preciso atribuir aos
dispositivos constitucionais um mínimo significado normativo171, por outro lado, nunca
pode se perder de vista o pacto federativo na interpretação das prerrogativas das normas
gerais de direito tributário172.
Tércio Sampaio Ferraz Júnior173 fornece subsídios sólidos para uma tomada
de posição: “Em termos de segurança, esta é tanto maior, para o sistema material, quanto
mais uniformemente certos forem os conteúdos; para o sistema formal, o importante é a
uniforme e não conflitiva discriminação geral das competências, a fim de prevenir
decisões contraditórias que valessem, desigualdade, para uns e para outros. É óbvio, no
entanto, que a segurança, nos dois casos, não é necessariamente a mesma, posto que a
170 Ver sobretudo: ULHÔA CANTO, Gilberto de. Lei complementar tributária. Caderno de pesquisas tributárias.São Paulo: Resenha Tributária, 1990, p.7-8; SOUZA, Hamilton Dias de. Comentários ao Código Tributário Nacional– arts 1º e 2º. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.), Comentários ao Código Tributário Nacional, 3ª ed. SãoPaulo: Saraiva, 2002, p. 11 e seguintes; MACHADO, Brandão. Breve exame crítico do art. 43 do CTN. In:MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.), Estudos sobre o imposto de renda, em memória de Henry Tilbery. SãoPaulo: Resenha Tributária, 1994, p. 110.171 Vale aqui invocar a máxima de que a Constituição não possui palavras inúteis.172 ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. São Paulo: Saraiva, 2004 p. 136.173 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Segurança jurídica – normas gerais tributárias. Revista de direito tributário,n.º 17-18. São Paulo: RT, 1981, p. 52.
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certeza dos conteúdos sistematizados favorece mais a imposição de diretrizes
centralizadas quanto ao comportamento prescrito aos cidadãos, enquanto a discriminação
das competências assegura a ordem de subordinação funcional das autoridades, sendo
mais livres os conteúdos (e, pois, os comportamentos prescritos). Ora, deste ponto de
vista, a segurança obtida pela sistematização pode estar a serviço de interesses distintos.
Quando se enfatiza a certeza, a segurança se torna tributária de um poder centralizador.
Quando se enfatiza a isonomia, a segurança será tributária de uma maior liberdade de
conteúdos, exigindo-se apenas a correta uniformidade na discriminação de competências,
favorecendo, pois, a livre iniciativa”. Nomearemos a primeira vertente função-certeza e a
segunda, função-igualdade, acompanhando a terminologia do referido autor.
Não se cuida de paradoxo entre a função-certeza e função-igualdade das
normas constitucionais, e sim de mecanismo de freio e contrapeso. A Constituição
brasileira, em matéria tributária, assegura o pacto federativo e também previsibilidade
quanto à ação estatal, seja quanto ao conteúdo das normas – instituição dos tributos -, ou
no que tange ao procedimento de positivação do direito tributário (fiscalização e
arrecadação)174. Mediante a repartição rígida de competências às pessoas políticas
prestigiada está a função-igualdade, e, concomitantemente, assegurando previsibilidade
quanto ao conteúdo das normas relativas à instituição, arrecadação e fiscalização de
tributos, prestigia-se a função-certeza.
No caso específico das normas atinentes à instituição de tributos, à lei
complementar que oriente essa atividade mediante a definição de tributo e suas espécies
não é permitido qualificar particularizadamente específicas situações com exclusões de
outras; ou que se afastem dos aspectos fundamentais ou básicos, descendo a pormenores
ou detalhes e que impliquem interferências nas competências alheias175.
174 BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro, 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. 26-27.175 TÔRRES, Heleno Taveira. Código tributário nacional: teoria da codificação, funções das leis complementares eposição hierárquica no sistema. Revista Dialética de Direito Tributário, n.º 71. São Paulo: Dialética, 2001, p. 98.
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Detalhamento de fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes, somente
quando se tratar de possível conflito de competência, relativamente a impostos já
identificados na Carta Magna, tendo sempre como limite o arquétipo constitucional
destes. Já vimos anteriormente que, mesmo com toda a aparelhagem prevista pela
Constituição quanto à repartição das competências tributárias, em algumas situações há
espaço para a existência de conflitos, tanto heterogêneos (pessoas políticas de espécies
diferentes) quanto homogêneos (pessoas políticas da mesma espécie). Cumpre à lei
complementar, aqui, aparar arestas. Diante dessa situação, compete ao legislador dispor
sobre o conflito, de modo que possa o pacto federativo operar plenamente.
Lembramos que, nesse caso, a norma geral não criará nada. Em matéria de
competência, todas as possibilidades já estão previstas pela Carta Magna. Reina nessa
seara de forma absoluta a rigidez da discriminação de competências tributárias. Caberá ao
legislador ordinário simplesmente eleger um critério dentre as opções determinadas no
texto constitucional ou aclarar eventuais zonas cinzentas entre materialidades intituladas
por pessoas políticas de natureza diversa. Vislumbra-se, nessa hipótese, prestígio à
função-igualdade a ser desempenhado pelas normas gerais.
Já a função-certeza resta prestigiada quando deparamo-nos com a
competência para definir tributos e suas espécies, dispor sobre obrigação, lançamento,
crédito tributário, prescrição, decadência e adequado tratamento ao ato cooperativo.
Cumpre à norma geral uniformizar e harmonizar essas questões reduzindo o campo de
incertezas quanto à regulação dessas matérias.
Por tudo que foi exposto, filiamo-nos à posição de Heleno Taveira Tôrres
sobre o assunto. Assevera o Professor de Direito Tributário da Universidade de São Paulo,
quanto às funções da lei complementar em matéria tributária, que: “Desse modo,
apreciando as hipóteses de lei complementar em matéria tributária, temos que, no
ordenamento constitucional vigente, são matérias de reserva de lei complementar, em duas
- 70 -
das funções legislativas do Congresso Nacional: 1) O exercício de competência da União
(lei complementar federal), a qual se subdivide em: i) exercício de competências
privativas específicas – arts. 148; 153, VII, CF; e ii) exercício de competência residual –
arts. 154, I; 195, § 6º, CF; 2) A criação das normas gerais em matéria de legislação
tributária (lei complementar nacional – art. 24, I e 146, CF), as quais se encontram
expressas nas seguintes possibilidades: i) regular as limitações constitucionais ao poder
de tributar, restritamente àquelas que exigem lei específica para surtir efeitos (art. 146, II;
150, VI, ‘c’, 195, § 7º, 156, § 3º, CF); ii) evitar eventuais conflitos de competência entre
as pessoas tributantes, quando deverá dispor sobre fatos geradores, bases de cálculo e
contribuintes dos impostos já identificados na Constituição (art. 146, I e III, ‘a’; 156, III;
155, § 2º, XII, CF); iii) definir os tributos e suas espécies (art. 146, III, ‘a’, CF); iv)
harmonizar os procedimentos de cobrança e fiscalização dos tributos, tratando de
obrigação, lançamento e crédito (redução de divergências) – art. 146, III, ‘b’, 155, § 2º,
XII, CF); v) uniformizar os prazos de decadência e prescrição – art. 146, III, ‘b’, CF –
podendo estipular suas exceções; vi) fomentar, de modo harmonizado, adequado
tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas”.
A não edição de lei complementar quanto às matérias que devam ser objeto
de normas gerais de direito tributário não impede que as pessoas políticas as regulem. No
entanto, sobrevindo lei complementar competente, esta prevalece sobre a legislação de
cada pessoa política que lhe contrarie.
Há que se frisar que a lei complementar tem como destinatários os
legisladores das pessoas políticas, e não os jurisdicionados nem muito menos os agentes
administrativos de cada uma delas. A superveniência da lei complementar, nesse caso,
suspende a eficácia técnica da lei tributária “local” que lhe seja contrária. Por força do
princípio da legalidade e do pacto federativo, a matéria objeto da lei complementar
- 71 -
somente surtirá efeitos com relação aos jurisdicionados e agentes administrativos quando
for editada lei “local” dela cuidando176.
3.4.1 Lei complementar tributária e critérios de conexão
Por vigorar no Sistema Constitucional Brasileiro o princípio da
territorialidade material, vimos que a regra-matriz de todo e qualquer tributo deve
contemplar notas que, quando deflagradas concretamente, permitam vislumbrar relação
entre o fato jurídico tributário e o território da pessoa política que deseje atribuir-lhe
efeitos – obrigação tributária.
No fato gerador, entendido como hipótese da regra-matriz de
incidência tributária, é que se localizam as notas correspondentes ao critério de conexão
que, como vimos, ora acomodam-se no critério pessoal, ora no espacial.
Dentre o rol de matérias que podem ser objeto de normas gerais de
direito tributário, é possível concluir que a possibilidade destas tratarem de critério de
conexão reduz-se à de dispor sobre fatos geradores de impostos já previstos no texto
constitucional, visando prevenir a ocorrência de conflitos de competência.
Dois fatores podem dar origem a conflitos de competência nos
impostos, a materialidade (i.e. industrialização versus serviço) e as formas com que um
fato possa relacionar-se com um território.
O critério de conexão, como vimos, tem o condão de deflagrar
relação entre um dado o fato e um dado território, razão pela qual, quanto aos fatos que
comportem diversidade de possibilidades de critério de conexão, haverá sempre176 BORGES, José Souto Maior. Lei complementar tributária. São Paulo: RT EDUC, 1975, p. 60-62.
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possibilidade de existência de conflito de competência. Nessas situações, caberá a edição
de lei complementar, definindo o critério de conexão que pode ser eleito pelas pessoas
políticas.
Interessante notar que, a par dessas considerações, somente os
impostos de competência dos Estados membros e dos Municípios é que podem dar origem
a esse tipo de conflito de competência. E sempre impostos de mesma natureza, frise-se.
Um imposto municipal, tal qual o imposto sobre serviços de qualquer natureza, pode
relacionar-se com o território de mais de um Município. Um imposto estadual, tal qual o
imposto sobre circulação de mercadorias e prestação de serviços de comunicação e
transportes intermunicipais ou interestaduais, pode relacionar-se com o território de mais
de um Estado membro. É impossível que esse conflito dê-se entre pessoas políticas de
diferentes espécies, por ser a materialidade comum pressuposto de sua existência.
No que se refere à União, a possibilidade de conflitos desta com
outras pessoas políticas retringe-se à materialidade. Isso porque não há meios de uma
materialidade tributável pela União assim ser também por outra pessoa política, em função
de relação fato-território. A União, mormente quanto ao imposto sobre a renda, pode
concorrer com outros países, mas aí não se trataria de conflito de competência, e sim
concurso de pretensões impositivas.
Por tudo isso, entendemos que somente podem ser objeto de
regulação por normas gerais de direito tributário critérios de conexão referentes a
impostos de competência dos Estados membros e dos Municípios. Para o imposto sobre a
renda, não há razão para que o critério de conexão, especificamente, seja definido por
normas gerais de direito tributário.
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4. TRIBUTAÇÃO DE RENDAS AUFERIDAS POR PESSOA NÃO-
RESIDENTESumário: 4.1 Conceito de pessoa não-residente: 4.1.1 Considerações gerais; 4.1.2
Pessoas físicas; 4.1.3 Pessoas jurídicas - 4.2 Conceito de renda: 4.2.1 Considerações
gerais; 4.2.2 Do conceito em si: 4.2.2.1 Conceito de renda e princípios
constitucionais; 4.2.2.2 Período como condição inexorável para apuração de renda;
4.2.2.3 Contraponto entre renda e rendimento; 4.2.3 O artigo 43 do Código
Tributário Nacional: 4.2.3.1 Disponibilidade econômica e jurídica – 4.3 Renda
auferida por pessoa não-residente: 4.3.1 Critério de conexão possível: 4.3.1.1
Momento de ocorrência do fato e critério de conexão; 4.3.2 Regime analítico: 4.3.2.1
Período; 4.3.3 Critério de conexão no regime analítico e a jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal: 4.3.3.1 Juros – primeira fase; 4.3.3.2 Juros – segunda
fase; 4.3.3.3 Serviços – primeira fase; 4.3.3.4 Serviços – segunda fase; 4.3.3.5 Nossa
avaliação acerca da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
4.1 Conceito de pessoa não-residente
4.1.1 Considerações gerais
Compete-nos agora conceituar o que seja pessoa não-residente, para
que seja possível investigarmos o regime jurídico do imposto sobre a renda sobre essa
espécie de contribuinte, que, como veremos, possui peculiaridades com relação ao
aplicável às pessoas físicas e jurídicas residentes no Brasil.
No Brasil, já assinalamos, vigora o princípio da territorialidade
material, razão pela qual entendemos que o critério nacionalidade não pode ser eleito
como forma de atribuir-se este ou aquele regime de incidência de imposto sobre a renda
sobre esta ou aquela categoria de sujeitos. O vínculo de nacionalidade é eminentemente
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político e prescinde vínculo do sujeito com o território para que este seja qualificado como
“nacional”177.
Coadunam-se com o Sistema Constitucional Brasileiro os critérios de
residência e domicílio para fins de verificação de que tipo de relação é relevante para
eleger este ou aquele regime de tributação, se pessoal (pessoa residente)178, ou se
material/objetivo (fato ocorrido nos limites do território).
Residente ou domiciliado no Brasil será aquele que guardar relação
pessoal com seu território, relação esta identificada a partir de critérios determinados pelo
direito positivo, a saber179: permanência física - corpus, nuns casos, animus, noutros, se
pessoas naturais; local da sede estatutária, quanto a pessoas jurídicas180.
No caso de pessoas físicas, como veremos, difere o conceito de
residência e domicílio, para fins de imposto sobre a renda, daquele adotado por outros
ramos do direito, e até pelo próprio Código Tributário Nacional181. Curiosamente, a
177 “Mentre la residenza esprime una relazione tra una persona ed un determinato territorio, la cittadinanza e lanazionalità, al contrario, sono degli status Che esprimono uma relazione di appartenenza ad un determinato grupposociale in virtù della quale in capo al soggetto sorgono una serie di dirriti e di doveri”. MARINO, Giuseppe. Laresidenza. In: UCKMAR, Victor (Coord.), Corso di diritto tributario internazionale, 2ª ed. Padova: Cedam, 2002, p.235.178 Em sede de imposto sobre a renda, adotam a nacionalidade como critério de conexão objetivo para fins detributação de pessoas físicas somente os Estados Unidos da América e as Filipinas.179 “(...) o direito brasileiro acolheu uma noção de residência que se situa a meio caminho entre a noção meramenteobjetiva, que contenta com o simples corpus, e a noção subjetiva, que exige a presença cumulativa dos doisrequisitos, o corpus e o animus”. XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil, 5ª ed. Rio de Janeiro:Forense, 2002, p. 257.180 “Diz-se que as pessoas físicas são pessoas naturais, ao passo que as pessoas jurídicas são artificiais, só existindoem função do sistema jurídico que as congrega. Num primeiro momento, sim, mas não podemos esquecer que tantoas físicas como as jurídicas são criações do direito, são feixes de normas incidindo num ponto de confluência e,portanto, nesse sentido, ambas artificiais”. CARVALHO, Paulo de Barros. O princípio da territorialidade no regimede tributação da renda mundial (universalidade). Justiça Tributária. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 670.“Pessoa física ou natural é o ser humano. A pessoa a que não corresponde tão-só ser humano diz-se pessoa jurídica.A expressão ‘jurídica’ esta, aí, empregada em sentido estrito, porquanto pessoas físicas e jurídicas são igualmentejurídicas”. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado: parte geral. Campinas:Bookseller, 1999, t. I, p. 209-210.181 “Note-se que não existe contradição alguma em ser-se considerado residente no Brasil para certos efeitos, e, paraoutros, residente em Portugal, dado que o conceito de domicílio – como tantos conceitos jurídicos – pode sermodelado diversamente por vários ramos do direito, em razão dos princípios e dos interesses que os inspiram”.XAVIER, Alberto. Tributação da remuneração de administradores com dupla residência. Direito tributário eempresarial – pareceres. Rio de Janeiro: Forense, 1982, p. 184.
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conceituação de domicílio fiscal estabelecida por este Diploma nada tem a ver com a
conceituação para fins de incidência de imposto sobre a renda. Restringe-se o Código
Tributário Nacional a conceituar domicílio para fins de cumprimento da obrigação
tributária, principal ou acessória. Não é este critério relevante para se aferir qual regime
jurídico de imposto sobre a renda aplicar.
Vimos afirmando ao longo do presente trabalho que toda a
sistemática de freios e contrapesos reguladoras da tributação, desde a instituição das
exações até a constituição e exigência do respectivo crédito tributário, fundamenta-se na
forma jurídica do Estado Brasileiro e também no rol de direitos fundamentais garantidos
aos cidadãos.
Uma leitura isolada do artigo 5º da Constituição Federal poderia
direcionar o intérprete à conclusão de que toda a aparelhagem constitucional atinente à
tributação não seria aplicável com igual rigor aos contribuintes não-residentes estrangeiros
(sim, estrangeiros, pois pode haver brasileiros não-residentes no Brasil), por não terem
sido estes indicados no rol de destinatários dos direitos e garantias fundamentais arrolados
pelo dispositivo em causa, desde o caput até seus últimos parágrafos. Senão, vejamos:
Constituição Federal, “Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...)
”. (grifamos)
Certamente não é essa a inteligência do sistema. A se chegar a uma
conclusão dessa natureza, todo esforço despendido até o momento teria sido em vão.
Todo o mecanismo de freios e contrapesos constitucionais à atividade
tributária (instituição, fiscalização e arrecadação, a grosso modo) aplicam-se in totum aos
não-residentes estrangeiros, em função da vedação constitucional de existência de
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discriminação entre estes, quer em relação aos nacionais não-residentes, quer, sobretudo,
quanto aos nacionais residentes.
A vedação de tratamento discriminatório, seja em função da
residência, seja por conta da nacionalidade, de fato, não se fundamenta no artigo 5º da
Constituição Federal – princípio da igualdade. A vedação desse tipo de conduta respalda-
se nos artigos 3º, IV182; 145, § 1º183; 150, II184, todos da Carta Magna185.
Como bem nos ensina Alessandra Okuma186: “Esse princípio está
positivado em nosso ordenamento jurídico com feições de limite objetivo. Impede que
seja dado tratamento mais gravoso, injustificadamente, aos sujeitos nacionais do outro
Estado contratante do que aos brasileiros que se encontrem em situação equivalente”.
E prossegue a citada autora187: “Tratando especificamente de matéria
tributária, o artigo 150, II, da Constituição Federal traz outro princípio-valor, que impede
a concessão de benefícios e a imposição de ônus mais gravosos, a quaisquer contribuintes
em uma mesma situação”.
Complementando o raciocínio de Alessandra Okuma, entendemos
que determina também o dispositivo ora citado que todos os mecanismos de freios e182 Constituição Federal: “Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (...) IV –promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas dediscriminação”.183 Constituição Federal: “Art. 145. (...) § 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serãograduados segundo a capacidade econômica do contribuinte (...)”.184 Constituição Federal: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União,aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que seencontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função poreles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos”.185 Quanto à nacionalidade especificamente, o comando é didaticamente explicitado pela Lei n.º 4.131/62, artigo 2º.Isto sem falar dos Tratados assinados pelo Brasil, para evitar a dupla tributação, que contemplam, sem exceção, essaorientação, comumente denominada princípio da não-discriminação.186 OKUMA, Alessandra. Princípio da não-discriminação e a tributação das rendas de não-residentes no Brasil. In:TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.), Direito tributário internacional aplicado. São Paulo: Quartier Latin, 2003, p.263.187 OKUMA, Alessandra. Princípio da não-discriminação e a tributação das rendas de não-residentes no Brasil. In:TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.), Direito tributário internacional aplicado. São Paulo: Quartier Latin, 2003, p.268.
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contrapesos constitucionalmente estabelecidos aplicam-se igualmente aos sujeitos não-
residentes, nacionais ou estrangeiros.
Significa dizer, dentre outras importantes conclusões, que os tributos
devidos por não-residentes, mormente o imposto sobre renda, possuem seu arquétipo, sua
regra-matriz de incidência possível, previstos na Constituição Federal. Não só. A
territorialidade material, assim entendida como limite objetivo ao exercício das
competências tributárias, é aplicável com igual rigor aos tributos devidos por não-
residentes.
Da conjugação dos princípios da isonomia tributária e da não-
discrimação (desdobramento daquele), temos que a residência da pessoa, muito menos sua
nacionalidade, não pode, nesta seara, servir como critério de discriminação188. Em sede de
impostos, o único critério, a priori189, legítimo para se instituir tratamentos diferenciados é
a capacidade contributiva.
4.1.2 Pessoas físicas
188 “Ao partirmos da premissa, falsa, por evidência, de que todo e qualquer ‘não-residente’ não está em situação‘equivalente’ em relação a todo e qualquer ‘residente’, caímos numa generalidade fácil de argumentar, mas nunca nosdomínios do direito tributário”. TÔRRES, Heleno Taveira. Capital estrangeiro e princípio da não-discriminaçãotributária no direito interno e nas convenções internacionais. Revista dialética de direito tributário, n.º 87. São Paulo:Dialética, 2003, p. 37.Em sentido contrário, ver: COSTA, Alcides Jorge. Os acordos para evitar a bitributação e a cláusula de não-discriminação. Revista dialética de direito tributário, n.º 6. São Paulo: Dialética, 1996, p. 10; SAMPAIO DÓRIA,Antônio Roberto. Direito constitucional tributário e due process of law, 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 217e seguintes; XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil, 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.246.189 Dizemos a priori, pois pode a capacidade contributiva dar lugar a outros critérios de discriminação, desde quepara atender valores constitucionalmente prestigiados.
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Da análise da legislação aplicável190, é possível identificar a condição
de não-residente em três situações, a saber: i) estrangeiros que no Brasil nunca tiveram
residência; ii) estrangeiros que adquiriram residência e depois a perderam; iii) nacionais
que perderam a condição de residentes.
Os critérios para se definir as situações acima ora priorizam o animus,
ora a permanência física neste País – corpus, como bem sublinhado por Alberto Xavier191.
Os estrangeiros que nunca tiveram a condição de residentes são não-
residentes por excelência. Ainda que tenham estado em território brasileiro, ou sua estada
não cumpriu o período mínimo exigido pela legislação brasileira, ou não possuíam animus
de residir no Brasil.
São também não-residentes os estrangeiros ou nacionais que tenham
perdido a condição de residentes, o que ocorre mediante:
saída definitiva do País, independentemente de período de
ausência, configurada por ocasião do requerimento de certidão
negativa de tributos federais192 193 - transferência de residência;
190 Apenas ilustrativo, as orientações da legislação brasileira coadunam-se com que estabelecem países comoAlemanha, Austrália, Bélgica, Canadá, França, Holanda, Inglaterra, Japão e Suécia. Ver: AVERY-JONES, John F.;BERG, Charles J.; DEPRET, Henri-Rober; FONTANEAU, Pierre; KEULEN, A. Van; LENZ, Raoul; MIYATAKE,Toshio; ROBERTS, Sidney I.; SANDELS, Claes; STROBL, Jakob; WARD, David A. The Idea of resident.MARTINS, Ives Gandra da Silva e XAVIER, Alberto (Coords.), Estudos jurídicos sobre investimento internacional.São Paulo: 1980, RT, p. 151-179. Aliás, outras também não são as orientações previstas nos Tratados assinados peloBrasil para evitar a dupla tributação.191 XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil, 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002 p. 257.192 Lei n.º 3.740/58, artigo 17, caput e § 3º.193 Na data da saída deverá o contribuinte, entregar declaração indicando seus bens e direitos por ocasião dorequerimento da certidão negativa, bem como os ganhos e rendimentos auferidos de 1º de janeiro até esta data.Apurando-se valor de imposto devido, deve este ser recolhido na data da entrega da declaração em causa. Caso estadeclaração seja apresentada antes da declaração de imposto de renda da pessoa física referente ao ano-calendárioanterior, deverá ser esta última entregue juntamente com aquela, bem como recolhido eventual imposto devido. Lein.º 3.740/58, artigo 17.
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ausência do Pais por mais de doze meses ininterruptos194 195,
independentemente de apresentação quer de declaração de saída,
quer de certidão negativa de tributos federais196 - regime de
ausência.
No primeiro caso, mister sublinhar que a certidão negativa de tributos
federais não atesta a perda da condição de residente. Isto ocorre em razão do animus de
transferência de residência para o exterior, cuja manifestação sob o ponto de vista jurídico
(linguagem competente) dá-se por ocasião do requerimento da certidão em causa197.
A pessoa que saia do País sem cumprir a formalidade acima tem seu
status de residente mantido durante doze meses. Ou seja, ainda que adquira, nesse
período, condição de residente em outra nação, será tratada como tal no Brasil e alhures. É
o que Manuel Pires chama de residência sucessiva198. Na eventualidade de o Brasil e o
país onde o sujeito adquira condição de residente não possuírem tratamento de
reciprocidade199, este sujeito poderá sofrer com elevada carga tributária sobre suas rendas,
posto que estas continuarão sujeitas à tributação no Brasil em bases universais, sem que
seja possível compensar-se o imposto sobre elas pago no exterior.
194 Decreto-lei n.º 5.844/43, artigo 97, “b”.195 As pessoas físicas domiciliadas no Brasil, ausentes no exterior a serviço do País, que recebam rendimentos dotrabalho assalariado, em moeda estrangeira, de autarquias ou repartições do Governo brasileiro situadas no exterior,têm seu status de residente mantido, independentemente do tempo que fiquem ausentes. O imposto devido porpessoas nessa situação possui critério específico de apuração, consoante dispõe a Lei nº 9.250/95, artigos 4º e 5º. Oimposto retido na fonte, assim como o devido na declaração, tem como base de cálculo 25% das rendas cuja fontesejam as remunerações recebidas do Governo brasileiro ou suas autarquias. Além disso, do valor obtido mediante aaplicação do referido percentual poderão ser deduzidas despesas nos mesmos moldes de pessoa física residente noBrasil, sujeita à apuração ordinária do imposto sobre a renda. 196 A Secretaria da Receita Federal, sem embasamento legal, exige, mesmo para o regime de ausência, a apresentaçãode declaração de saída definitiva em até 30 dias após decorridos doze meses ininterruptos da saída da pessoa do País.Vide Instrução Normativa deste Órgão, de número 425/04.197 TÔRRES, Heleno Taveira. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas, 2ª ed. São Paulo: RT,2001 p. 136.198 PIRES, Manuel. Da dupla tributação jurídica internacional sobre o rendimento. Lisboa: Centro de EstudosFiscais, 1987, p. 231.199 No que tange a pessoas físicas, a legislação brasileira somente admite a compensação de imposto sobre a rendapago no exterior na hipótese deste tê-lo sido em país que permita sujeito nele residente compensar imposto sobre arenda cobrado no Brasil com imposto dessa mesma natureza lá devido. Lei n.º 4.862/65, artigo 5º.
- 80 -
Por outro giro, são residentes no País, via de regra200, os nacionais ou
naturalizados que não incorram em nenhum dos eventos outrora analisados, mediante os
quais se adquire a condição de não-residente.
Não-residente estrangeiro adquire a condição de residente nas
seguintes situações201 202:
com visto temporário: i) para trabalhar com vínculo empregatício,
a partir da data de sua chegada - animus; ii) por qualquer outro
motivo, se permanecer por período superior a cento e oitenta e
três dias, consecutivos ou não, contado, dentro de um intervalo de
doze meses, da data primeira chegada dentro desse intervalo -
corpus;
com visto permanente, a partir de sua chegada - animus.
Volta a ter o status de não-residente aquele que incorrer numa das
duas situações de perda de residência, anteriormente comentadas.
No caso de nacionais não-residentes, estes adquirem a condição de
residentes se retornarem a este País em caráter definitivo – animus - ou se, num período
de doze meses ininterruptos, permanecerem no Brasil por período superior a cento e
200 Sendo filho de pai ou mãe brasileiro, é possível alguém, mesmo tendo nascido no exterior, ter nacionalidadebrasileira. Isto é, a pessoa pode ser brasileira e nunca ter ingressado no Brasil, hipótese em que, para fins fiscais, seráconsiderada não-residente.201 Lei n.º 9.718/98, artigo 12.202 Servidores diplomáticos de governos estrangeiros, servidores de organismos internacionais de que o Brasil façaparte e servidores estrangeiros de embaixada, consulado e repartições oficiais de outros países no Brasil não perdema condição de não-residentes. Quanto às rendas cuja fonte seja o trabalho nesses organismos, estas são isentas detributação, salvo se o sujeito optar por residir permanentemente no Brasil. As demais são tributadas normalmente, deacordo com a sistemática de não-residentes (regime analítico). Lei n.º 4.506/64, artigo 5º; Lei n.º 7.713, de 1988,artigo 30; Convenção de Viena - Decreto n.º 56.435/65.
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oitenta e três dias, consecutivos ou não, contado a partir da primeira chegada ocorrida
dentro daquele período de doze meses203 - corpus.
4.1.3 Pessoas jurídicas
Diferentemente das pessoas físicas, não dispõe a legislação tributária
de um conceito de residência para fins de tributação das pessoas jurídicas.
São diversos os critérios que podem ser utilizados para se determinar
a residência de uma pessoa jurídica, tais como seu local de constituição, local de sua sede
social, local de sua direção efetiva, local onde é exercida sua atividade principal. São
critérios também utilizados para determinação da nacionalidade das pessoas jurídicas, que
não necessariamente confunde-se com sua residência.
No Brasil, para que uma sociedade possa ser considerada como
nacional, deve esta atender cumulativamente a duas condições: i) ser constituída em
conformidade com a legislação brasileira; ii) aqui estar localizada a sede de sua
administração. É a inteligência conjunta da Lei de Introdução ao Código Civil, artigo 11, e
do Decreto-lei n.º 2.627/40, artigo 60204, que nos remete a essa conclusão205 206.
Domicílio ou residência, no ordenamento brasileiro, não se
confundem com nacionalidade. Diferentemente das pessoas físicas, não há determinação
específica acerca da residência ou domicílio das pessoas jurídicas para fins de tributação,
203 Decreto-lei n.º 5.844/43, artigo 61; Lei n.º 9.718/98, artigo 12.204 “Antiga Lei das S/A”, que teve a validade de seus artigos 59 a 73 expressamente mantida pela Lei n.º 6.404/76,artigo 300.205 Apenas a título ilustrativo, essa distinção, até 1995, era feita pela própria Constituição Federal, artigo 171, que foitotalmente revogado pela Emenda Constitucional n.º 06/95.206 Heleno Taveira Tôrres encampou valioso estudo comparativo dos critérios adotados por diversos países para aatribuição de nacionalidade às pessoas jurídicas. TÔRRES, Heleno Taveira. Pluritributação internacional sobre asrendas de empresas, 2ª ed. São Paulo: RT, 2001, p. 149-170.
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razão pela qual deve ser utilizado o critério previsto no Código Civil, artigo 75207, isto é,
local de sua sede estatutária208.
Pessoa jurídica não-residente, portanto, é aquela cuja sede estatutária
não se localize no território brasileiro. A despeito de não ser nacional ou domiciliada no
Brasil, reconhece o direito brasileiro a personalidade de pessoa jurídica não-residente,
pelo que pode realizar negócios jurídicos neste País209.
4.2 Conceito de renda
4.2.1 Considerações gerais
Dado que o presente trabalho tem como um de seus objetivos a
análise dos fundamentos constitucionais da tributação das rendas auferidas por não-
residentes, mister debruçarmo-nos sobre o conceito de renda no ordenamento jurídico
brasileiro, levando em conta as premissas até agora traçadas.
207 “Art. 75. Quanto às pessoas jurídicas, o domicílio é: (...) IV – das demais pessoas jurídicas o lugar ondefuncionarem as respectivas diretorias e administrações, ou onde elegeram domicílio especial no seu estatuto ou atosconstitutivos”.208 OKUMA, Alessandra. Princípio da não-discriminação e a tributação das rendas de não-residentes no Brasil. In:TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.), Direito tributário internacional aplicado. São Paulo: Quartier Latin, 2003, p.275; PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Imposto sobre a renda – pessoas jurídicas. Rio de Janeiro: Justec, 1979, p. 23;TÔRRES, Heleno Taveira. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas, 2ª ed. São Paulo: RT, 2001,p. 169; XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil, 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 263.209 Lei de Introdução ao Código Civil, artigo 11.
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Procuramos demonstrar ao longo do presente trabalho que a
discriminação de competências tributárias no Brasil é rígida e exaustiva. É mínima,
portanto, a margem de discricionariedade do legislador infraconstitucional para compor a
regra-matriz de incidência dos tributos. Seja por conta da forma do Estado Brasileiro, seja
em razão dos direitos fundamentais, a própria Constituição, como afirmamos linhas atrás,
já prevê o arquétipo do tributo, ou como quer Roque Antonio Carrazza210, a regra-matriz
de incidência possível dos tributos.
No tocante aos impostos, à lei complementar é reservada a
incumbência de “clarear zonas cinzentas” relativamente aos fatos geradores, bases de
cálculo e contribuintes dessa espécie tributária, assim como definir o critério de conexão
aplicável, quando na eminência de possíveis conflitos de competência. Nessa esfera,
compete à lei complementar somente elucidar o que já prevê a Constituição, explícita ou
implicitamente.
Foi outorgada à União competência211 para instituir imposto sobre a
renda e proventos de qualquer natureza. Significa dizer, pois, que o imposto deve recair
sobre a renda e proventos de qualquer natureza. Nada além disso212. Parece até infantil
essa primeira premissa, mas decorre da rigidez da discriminação de competências
tributárias. E o imposto é sempre o mesmo, independentemente de quem seja o
contribuinte, se pessoa física, se pessoa jurídica ou se pessoa não-residente. Pouco
importa que o imposto em causa possa assumir feições peculiares em função do
contribuinte. Sempre será imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza.
210 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário, 9ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p.297-298.211 Constituição Federal, artigo 153, III.212 Segundo Ricardo Mariz de Oliveira: “Um primeiro princípio, que se confunde com a própria competênciaconstitucional tributária da União Federal advinda do art. 153, inciso III, da Constituição, consiste em que o impostoem questão incide sobre a renda e os proventos de qualquer natureza, vale dizer, somente pode ser cobrado quandohouver renda ou provento de qualquer natureza”. MARIZ DE OLIVEIRA, Ricardo. Princípios fundamentais doimposto de renda. In: SCHOUERI, Luís Eduardo; ZILVETI, Fernando Aurélio (Coords.), Direito tributário –estudos em homenagem a Brandão Machado. São Paulo: Dialética, 1998, p. 201.
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Importante fixarmos, desde já, que, a nosso ver, proventos de
qualquer natureza, por corresponderem à remuneração recebida por uma pessoa em razão
do trabalho, mas depois que ela já deixou de trabalhar, por motivo de doença ou idade213,
nada mais são do que ingressos que integram positivamente o patrimônio, portanto,
mutação patrimonial que deve ser considerada na apuração da renda. O recebimento dos
proventos, em si, não indica capacidade contributiva para fins do imposto aqui analisado,
senão quando confrontado com outras mutações patrimoniais, sobretudo às necessárias à
aquisição, produção e manutenção da renda e do patrimônio, como veremos a seguir. Por
essa razão, trataremos o imposto em causa simplesmente como imposto sobre a renda.
Se assim é, mister investigarmos o conteúdo semântico214 do vocábulo
renda, tal como empregado pela Constituição Federal, artigo 153, III, a fim de que seja
possível identificar a materialidade do respectivo imposto e a partir desta sua regra-matriz
de incidência possível.
Uma coisa é certa, na aferição do conceito em comento, renda não se
confunde com faturamento, lucro, receita nem com quaisquer outras materialidades
previstas no texto constitucional, na discriminação de competências. Por ser rígida essa
discriminação, a Constituição não outorga a mesma competência duas vezes. Cada
materialidade indicada pela Carta Magna corresponde a um conceito próprio, que não se
confunde com outros215.
213 ATALIBA, Geraldo. Periodicidade do imposto de renda 2. Revista de direito tributário, n.º 63. São Paulo:Malheiros, 1994, p. 58. Para uma exaustiva análise do significado da expressão proventos de qualquer natureza, ver:MOSQUERA, Roberto Quiroga. Renda e proventos de qualquer natureza – o imposto e o conceito constitucional.São Paulo: Dialética, 1996, p. 59-67.214 O ordenamento jurídico, por se constituir em linguagem, caracteriza-se pela existência de três planos básicos: i)sintático; ii) semântico; iii) pragmático. No seu aspecto sintático, interessam especificamente as interconexões entreos signos normativos. O plano semântico diz respeito à relação entre o signo normativo – palavra – e sua significação(aspecto conotativo), ou à relação entre o signo normativo e os objetos ou situações objetivas a que se refere. Porfim, o plano pragmático evidencia o relacionamento entre os signos – palavras e seus utentes. Sobre o assunto, ver:CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 97-99; NEVES,Marcelo. Teoria da inconstitucionalidade das leis. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 21-22.215 Ver, dentre outros: ATALIBA, Geraldo. Periodicidade do imposto de renda 1. Revista de direito tributário, n.º 63.São Paulo: Malheiros, 1994, p. 22; JUSTEN FILHO, Marçal. Periodicidade do imposto de renda 1. Revista dedireito tributário, n.º 63. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 17; LIMA GONÇALVES, José Artur. Imposto sobre arenda – pressupostos constitucionais. São Paulo: Malheiros, 1997, 176-177.
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Além disso, a rigidez da discriminação das competências tributárias,
cuja efetividade é garantida pela rigidez da Constituição Federal, impede que o intérprete
identifique o conteúdo semântico das materialidades dos impostos a partir da legislação
infraconstitucional, sob pena de afronta ao pacto federativo e aos direitos fundamentais216.
Os dispositivos previstos em normas gerais de direito tributário quando muito servem
somente para conferir clareza à Constituição ou definir o que deve ser considerado pelo
legislador na instituição de tributos, quando a própria Constituição oferecer mais de uma
possibilidade. Esse é o caso típico dos critérios de conexão em sede de competência
homogênea.
Como vimos asseverando, o direito positivo é uno, por conseguinte, a
interpretação de uma norma pressupõe a do sistema do qual ela faz parte. Conquanto
assim seja, há sincronia na interpretação das normas, devendo-se interpretar uma ao
mesmo tempo que se analisa as demais217. As normas, unidades do sistema jurídico,
relacionam-se vertical (relações de subordinação) e horizontalmente (relações de
coordenação), como bem nos ensina Paulo de Barros Carvalho218. Mais do que isso,
cuidando-se de investigação de norma de competência tributária, a interpretação deve ser
feita mediante a integração de normas previstas no próprio texto constitucional, salvo
quando este se refira expressamente a conceitos previstos na legislação
infraconstitucional, sobretudo em sede de direito privado, desde que tais conceitos já
existissem por ocasião da promulgação da Constituição.
O direito tributário comumente faz uso de conceitos de outros ramos
do direito, mormente quando se trata de instituição de tributos. Em diversas passagens da
216 São as palavras de José Artur Lima Gonçalves: “Admitindo-se que é a Constituição que confere ao legisladorinfraconstitucional as competências tributárias impositivas, os âmbitos semântico dos veículos lingüísticos por elaadotados para traduzir o conteúdo dessas regras de competências não pode ficar à disposição de quem recebe aoutorga de competência.” LIMA GONÇALVES, José Artur. Imposto sobre a renda – pressupostos constitucionais.São Paulo: Malheiros, 1997, 170.217 ÁVILA, Humberto. A hipótese de incidência do imposto sobre a renda construída a partir da Constituição. Revistade direito tributário, n.º 77. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 105.218 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 14.
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Constituição verifica-se que a repartição das competências dá-se por meio de remissão a
conceitos de direito privado. É o caso do imposto sobre transmissão “causa mortis” e
doação, por exemplo. Noutros, não é assim. O texto constitucional faz referência a fatos
com conteúdo econômico, mas que não possuem uma “pré-roupagem” jurídica. Fique
claro que, a despeito disso, o fato regulado sempre é jurídico219. Por vezes este pode já ter
sofrido a incidência de outras normas, mormente de direito privado, por vezes, não220.
Como objeto cultural que é, o direito positivo verte-se
necessariamente em linguagem. E não poderia ser diferente com a Constituição, haja vista
esta ser parte daquele.
As palavras, signos que compõem o texto constitucional, não são
vazias de conteúdo. Ali onde houver um signo, sempre haverá um conteúdo semântico,
ainda que mínimo. Segundo Luis Alberto Warat221: “Dentro da linguagem natural
podemos distinguir dois níveis, que compreendem: o léxico, que é produto espontâneo da
comunidade, e o técnico, que é produzido por estipulações convencionais em uma área
particular da atividade humana, como, por exemplo, a linguagem jurídica”. Com base
nessas lições, temos que o conteúdo semântico das palavras empregadas no texto
constitucional, quando não determinado pelo próprio sistema jurídico, é produto da
comunidade, sobretudo dos ambientes social e econômico. A palavra, quando incorporada
ao direito, tem um conteúdo semântico, o qual pode ser amoldado ou mesmo alterado
mediante sua contextualização no sistema jurídico.
semântico. Na segunda, os problemas semântico-pragmáticos.
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São as lições de Celso Antônio Bandeira de Mello222: “Regras
jurídicas expressam-se em palavras. Palavra é um signo, o que quer dizer significante: que
abriga o significado. Quando não há um significado, não há significante e portanto não há
signo; logo, não há palavra. A menos que se queira abraçar o absurdo, o ‘happening’,
como critério de análise jurídica, tem-se que admitir que as palavras, vasadas na Carta do
País, são efetivamente palavras e por isso contêm um significado cognoscível, o qual
serve de inadversável limite para o legislador e para o intérprete. Assim, salvo
disparatando, é forçoso concluir que as expressões constitucionais têm um conteúdo, isto
é, abrigam conceitos que não podem ser manipulados pelo legislador ou pelo intérprete, a
seus gostos”.
Nesse mesmo sentido são as lições de Luís Cesar Souza de
Queiroz223: “É fundamental reiterar que a Constituição da República se apresenta em
forma de texto, que, por sua vez, é composto por palavras. As palavras são signos
simbólicos que exprimem um significado. As palavras são a expressão verbal de
conceitos. Portanto, para que seja possível considerar que a Constituição da República
apresenta um texto com algum sentido, é necessário compreender que as palavras que o
integram representam conceitos, os quais apresentam limites máximos”.
E dessa mesma forma já se pronunciou o Pleno do Supremo Tribunal
Federal, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário n.º 166.772-9/RS224, em
que ficou decidido que: “O conteúdo político de uma Constituição não é conducente ao
desprezo do sentido vernacular das palavras, muito menos ao técnico, considerados
institutos consagrados pelo Direito. Toda ciência pressupõe a adoção de escorreita
linguagem, possuindo os institutos, as expressões, os vocábulos que a revelam conceito
222 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio.Imposto sobre a renda – depósitos bancários – sinais exteriores deriqueza. Revista de direito tributário, n.º 23/24. São Paulo: RT, 1983, p. 92. Ver também: AMARO, Luciano.Periodicidade do imposto de renda 1. Revista de direito tributário, n.º 63. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 27.223 QUEIROZ, Luís Cesar Souza de. Imposto sobre a renda – requisitos para uma tributação constitucional. Rio deJaneiro: Forense, 2003, p. 218.224 Relator Ministro Marco Aurélio, DJ 16.12.1994.
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estabelecido com a passagem do tempo, quer por força dos estudos acadêmicos quer, no
caso do Direito, pela atuação dos Pretórios”.
4.2.2 Do conceito em si
Da análise das diferentes acepções do vocábulo “renda” no texto
constitucional225, verificamos que este apresenta muitas ambigüidades, o que acaba por
dificultar o processo de construção de seu conteúdo semântico. Mesmo considerando o
contexto constitucional, procedimento fundamental para essa tarefa, não conseguimos
chegar próximo a um conceito claro de “renda tributável”226.
Nada obstante, quando utilizada pelos constituintes originários a
expressão “renda” já possuía um sentido, ainda que “bruto”, de tal sorte que este deve ser
o ponto de partida para verificação desse conceito, o qual, certamente, deve ser adequado
ao contexto constitucional, que prevê uma série de mecanismos de freios e contrapesos à
atividade de tributação.
Como bem leciona Humberto Ávila227: “A concretização da relação
obrigacional tributária (que tem por objeto o pagamento do imposto sobre a renda)
provoca, necessariamente, a incidência de determinadas normas jurídicas: de um lado, das
normas, princípios e regras que protegem os bens jurídicos cuja realização é por ela
restringida (...)”.
225 Constituição Federal (incluindo alterações promovidas por emendas constitucionais), artigos 7º, XII; 30, III; 43, §2º, IV; 48, I; 150 VI, “a”, “c”, § 2º, § 3º, § 4º; 151, II; 153, III, § 2º, II; 157, II; 158, I; 159, I, § 1º; 192, VII; 201, II,III. Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, artigos 72, I, II, V, § 5º; 79.226 Nossa conclusão é a mesma a que chegou Luís Cesar Souza de Queiroz. QUEIROZ, Luís Cesar Souza de. Impostosobre a renda – requisitos para uma tributação constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 215-216.227 ÁVILA, Humberto. A hipótese de incidência do imposto sobre a renda construída a partir da Constituição. Revistade direito tributário, n.º 77. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 105.
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Há mais de duzentos anos estuda-se o que significa renda, havendo
dezenas de teorias sobre o assunto, quer de cunho econômico, quer de cunho jurídico228.
Da análise das teorias mais relevantes sobre o tema, parece-nos possível agrupá-las em
três classes229: i) teoria da renda-produto; ii) teoria da renda-acréscimo patrimonial230; iii)
teoria legalista231, que se subdivide em duas correntes: iii.a) em sentido estrito232; iii.b) em
sentido amplo233.
228 Nossos comentários baseiam-se no apanhado realizado por Horacio Belsunce, em estudo publicado em meadosdos anos 60. BELSUNCE, Horacio. El concepto de redito en la doctrina y en el derecho tributario. Buenos Aires:Depalmas, 1967.229 Os representantes da doutrina brasileira de modo geral, com uma ou outra variante, enquadram-se ou na correnterenda-acréscimo patrimonial, ou na corrente legalista, uns em sentido estrito, outros em sentido amplo, excetoAliomar Baleeiro, José Luiz Bulhões Pedreira e Sidney Saraiva Apocalypse, para os quais o conceito constitucionalcorresponde ao da teoria renda-produto. Para tanto, ver: APOCALYPSE, Sidney Saraiva. Doação recebida porpessoa jurídica – imposto de renda. Revista dialética de direito tributário, n.º 48. Dialética: São Paulo, 1999, p. 176;BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro, 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p.183; PEDREIRA, JoséLuiz Bulhões. Imposto sobre a renda – pessoas jurídicas. Rio de Janeiro: Justec, 1979, p. 175-176. 230 Teoria renda-acréscimo patrimonial: i) AMARO, Luciano. Periodicidade do imposto de renda 1. Revista dedireito tributário, n.º 63. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 27; ii) ATALIBA, Geraldo. Periodicidade do imposto derenda 2. Revista de direito tributário, n.º 63. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 58; iii) ÁVILA, Humberto. A hipótesede incidência do imposto sobre a renda construída a partir da Constituição. Revista de direito tributário, n.º 77. SãoPaulo: Malheiros, 2000, p. 13-114; iv) BARRETO, Paulo Ayres. Imposto sobre a renda e preços de transferência.São Paulo: Dialética, 2001, p. 93; v) DERZI, Misabel de Abreu Machado. Periodicidade do imposto de renda 2.Revista de direito tributário, n.º 63. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 45; v) ELBE QUEIROZ, Mary. Imposto sobre arenda e proventos de qualquer natureza. São Paulo: Manole, 2004, p. 84; vii) LIMA GONÇALVES, José Artur.Imposto sobre a renda – pressupostos constitucionais. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 170-198; viii) MARIZ DEOLIVEIRA, Ricardo. Fundamentos do imposto de renda. São Paulo: RT, 1977, p. 22; ix) MOSQUERA, RobertoQuiroga. Renda e proventos de qualquer natureza – o imposto e o conceito constitucional. São Paulo: Dialética,1996, p. 71-116; x) QUEIROZ, Luís Cesar de Queiroz. Imposto sobre a renda – requisitos para uma tributaçãoconstitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p.239; xi) ROLIM, João Dácio.O conceito jurídico de renda eproventos de qualquer natureza: alguns casos concretos – adições e exclusões ao lucro real. In: ROCHA, Valdir deOliveira (Coord.), Imposto de renda – questões atuais e emergentes. São Paulo: Dialética, 1995, p. 93.231 Dentre aqueles que se filiam à corrente legalista, em quaisquer de suas acepções, uns entendem que norma geralbrasileira (Código Tributário Nacional, artigo 43) adotou a teoria renda-produto, outros a teoria-acréscimopatrimonial.232 Teoria legalista em sentido estrito (todos os autores identificados entendem que o Código Tributário Nacional,artigo 43, adotou a teoria renda-produto: i) CARVALHOSA, Modesto. Imposto de renda – conceituação no sistematributário da Carta Constitucional. Revista de direito público, n.º 1. São Paulo: RT, 1967, p. 188-196; ii) MARTINS,Ives Gandra da Silva. Inconstitucionalidade do artigo 35 da Lei n.º 7.713/88. In: ROCHA, Valdir de Oliveira(Coord.), Imposto de renda – questões atuais e emergentes. São Paulo: Dialética, 1995, p. 63; iii) SOUSA, RubensGomes de: O fato gerador do imposto de renda. Revista de direito administrativo – seleção histórica. Rio de Janeiro:Renovar, 1991, p. 167-187; A evolução do conceito de rendimento tributável. Revista de direito público, n.º 14. SãoPaulo: RT, 1970, p. 339-353; Imposto de renda e seguro dotal. Revista de direito administrativo, n.º 27. Rio deJaneiro: FGV, 1952, p. 12-33; Imposto de renda – amortização das ações das sociedades anônimas. Revista dedireito administrativo, n.º 49. Rio de Janeiro: FGV, 1957, p. 475-493; iv) TILBERY, Henry: Comentários ao CódigoTributário Nacional – arts 43, 44 e 45. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.), Comentários ao CódigoTributário Nacional, 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 312-336; A tributação dos ganhos de capital. São Paulo:Resenha Tributária, 1977, p. 12-17; ULHÔA CANTO, Gilberto de. Imposto sobre a renda. Tributação das mais-valias em geral, e, especialmente, das realizadas por pessoas residentes ou domiciliadas no exterior. Estudos epareceres de direito tributário. São Paulo: RT, 1975, p.298.233 Teoria legalista em sentido amplo: ii) JUSTEN FILHO, Marçal. Periodicidade do imposto de renda 1. Revista dedireito tributário, n.º 63. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 18; iii) LEMKE, Gisele. Imposto de renda – os conceitos de
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Essa terceira corrente pouquíssimo oferece em termos de proposta de
conteúdo semântico do vocábulo renda, haja vista, para esta, competir à lei a definição em
causa. Num sentido estrito, teria o legislador infraconstitucional ampla liberdade para
definir o que seja renda. Num sentido amplo, o legislador infraconstitucional teria
liberdade para definir o que seja renda, todavia respeitando os parâmetros constitucionais,
tal qual a delimitação negativa, isto é, outras materialidades já indicadas no texto
constitucional.
Já as teorias renda-produto e renda-acréscimo patrimonial não
divergem quanto ao vocábulo renda corresponder a acréscimo a um patrimônio. O ponto
fundamental que diferencia uma teoria da outra é a fonte de produção da renda. Para a
primeira corrente – teoria renda-produto – a renda tem como fonte uma atividade ou fluxo
de “riqueza” em certo período de tempo. Para a segunda – teoria renda-acréscimo
patrimonial, a renda consiste em riqueza nova, derivada ou não da própria atividade ou
patrimônio da pessoa. Pouco importa para essa última vertente qual seja a fonte da renda,
se interna ou externa ao patrimônio.
Nessa esteira, temos que o conteúdo semântico do vocábulo renda
que deve ser tomado como partida para sua verificação no contexto constitucional é o de
acréscimo patrimonial, riqueza nova. Confrontando isso com os princípios constitucionais,
mais o que dispõem as normas gerais de direito tributário presentes no Código Tributário
Nacional, vislumbraremos o conteúdo semântico da materialidade utilizada na
discriminação de competências tributárias234.
renda e de disponibilidade econômica e jurídica. São Paulo: Dialética, 1998, p. 30; iv) MACHADO, Hugo de Brito.A tributação do lucro e a compensação de prejuízos. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.), Imposto de renda –questões atuais e emergentes. São Paulo: Dialética, 1995, p. 52-54; v) PAIVA, Ormezindo Ribeiro. Periodicidade doimposto de renda 2. Revista de direito tributário, n.º 63. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 41-42; TÔRRES, HelenoTaveira. Pluritributação internacional das rendas das rendas de empresas, 2ª ed. São Paulo: RT, 2001, p. 123;XAVIER, Alberto. Transmissão de imóvel situado na França por residentes no Brasil. Direito tributário eempresarial - pareceres. Rio de Janeiro: Forense, 1982, p. 148.234 ELBE QUEIROZ, Mary. Imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza. São Paulo: Manole, 2004, p.84.
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Por se tratar de acréscimo patrimonial, verifica-se, desde já, que com
o conceito de patrimônio não se confunde o de renda235. Mas não necessariamente é
preciso haver patrimônio para existir renda. As pessoas, físicas ou jurídicas, podem ter
nenhum patrimônio. Quando passam a ter, isto será produto de um acréscimo, mas não
acréscimo a um patrimônio, e sim de um patrimônio.
Patrimônio é a universalidade de direitos reais e pessoais, e
obrigações economicamente avaliáveis, intitulada por uma pessoa236 237. Por
economicamente avaliáveis entendam-se direitos reais e pessoais, e obrigações,
mensuráveis em moeda.
Modesto Carvalhosa238 inclui nesse conceito a capacidade intelectual
ou laborativa, com o que, ao menos para fins tributários, não podemos concordar. Esta
capacidade não é avaliável economicamente, salvo quando exercida mediante
remuneração. Mas, nesse caso, não será a capacidade mensurável economicamente, e sim
sua remuneração, o que sem sombra de dúvidas poderá corresponder a um direito real ou
pessoal.
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Como elemento do ordenamento jurídico, o patrimônio também deve
ser vertido em linguagem competente para existir juridicamente. A referência para o
direito, para se verificar se houve acréscimo ou não a um dado patrimônio, são direitos
reais ou pessoais e obrigações, vertidos em linguagem competente239.
Por vezes, como demonstraremos, deixa o patrimônio de ser aferido
exclusivamente em função da pessoa, mas também por força de circunstâncias em torno
das quais existam conjuntos de direitos pessoais ou reais, e obrigações240. Isto é, o
ordenamento jurídico pode determinar a segregação de patrimônio em função de critérios
previstos pelo próprio ordenamento.
Quando uma pessoa relacione-se pessoalmente com o território de um
dado ordenamento, de fato, há somente um patrimônio, a saber, a universalidade de
direitos reais ou pessoais, e obrigações, por ela intitulados. Por outro lado, quando essa
relação dá-se em função de atos ou fatos ocorridos nos limites territoriais de um dado
sistema jurídico, é possível haver segregação do patrimônio. A pessoa nunca deixa de ser
referência. Mas a esse critério podem ser adicionados outros, de tal sorte que seja possível
identificar diferentes patrimônios intitulados por uma única pessoa.
Renda, então, quer para a teoria renda-acréscimo patrimonial, quer
para a teoria renda-produto, consiste no acréscimo a um dado patrimônio (vertido em
linguagem competente), obtido mediante o confronto de mutações patrimoniais positivas e
negativas, ambas as espécies de mutações mensuráveis em moeda241. Outrossim, a adoção
239 Leciona Paulo de Barros Carvalho que: “De ver está que o discurso prescritivo do direito posto indica, fato porfato, os instrumentos credenciados para constituí-los, de tal sorte que os acontecimentos do mundo social que nãopuderem ser relatados com tais ferramentas de linguagem não ingressam nos domínios do jurídico, por maisevidentes que sejam”. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário - fundamentos jurídicos da incidência. SãoPaulo: Saraiva, 1998, p. 98.240 BEVILÁQUA, Clóvis. Teoria geral do direito civil, 7ª ed. Rio de Janeiro: Paulo de Azevedo, 1955, p. 154;SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de direito civil. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1960, vol. VI, p. 70.241 O pleno do Supremo Tribunal Federal já decidiu, por unanimidade no sentido de que renda possui um significadomínimo, independentemente da teoria que se adote, se renda-produto, ou se renda-acréscimo patrimonial. RecursoExtraordinário n.º 117.887-6/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 23.04.1993. Ver também Recurso Extraordinário n.º89.791/RS, Rel. Min. Cunha Peixoto, DJ 20.10.1978.
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desta ou daquela teoria implicará tão-somente ampliação ou restrição das mutações
patrimoniais que devem ser levadas em conta em função de sua origem.
Por mutações patrimoniais positivas entendam-se ingressos de
direitos pessoais ou reais242 que se incorporem positivamente ao patrimônio, ou liquidação
de obrigações sem que estas tenham sido satisfeitas243.
Mutações patrimoniais negativas, pode-se dizer, equivalem às
assunções de obrigações que não tenham como contrapartida a aquisição de um bem ou
direito, assim como os dispêndios de direitos reais ou pessoais que impliquem
descréscimo patrimonial.
242 Não é correto efetuar-se a contraposição entre bens e direitos. É errôneo afirmar-se que uma pessoa possui umbem. O que existe, na verdade, é uma relação jurídica entre um sujeito conhecido e a universalidade de pessoas –erga omnes -, mediante a qual aquele tem o direito de não ser impedido de exercer os direitos de uso, gozo edisposição sobre algum bem. São os chamados “direitos reais”. Quando se diz que uma pessoa possui um bem, naverdade cuida-se de um direito real, direito de propriedade. 243 Para pessoas jurídicas, receitas, por exemplo, correspondem a mutações patrimoniais positivas.
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4.2.2.1 Conceito de renda e princípios constitucionais
É necessário contextualizar o conceito anteriormente formulado junto
aos princípios constitucionais que lhe permeiam diretamente. O conceito proposto, por si
só, não fornece subsídios para saber como deve ser considerado o acréscimo patrimonial,
se separadamente, em função da natureza de cada mutação patrimonial, ou se
conjuntamente, deduzindo-se toda e qualquer mutação patrimonial negativa ou somente
aquelas necessárias à manutenção do patrimônio.
As respostas a essas questões somente podem ser obtidas mediante
análise dos princípios constitucionais que informam diretamente o imposto sobre a renda,
a saber, igualdade, capacidade contributiva (objetiva e subjetiva), universalidade e direito
de propriedade.
Determina o princípio da igualdade, como vimos, que a discriminação
entre pessoas por meio de normas jurídicas somente pode ocorrer se houver correlação
lógica entre o discrímen e a situação discriminada, bem como fundamentação desta
correlação nos valores constitucionalmente prestigiados.
Regular relações intersubjetivas sempre é uma forma de
discriminação, e, mesmo quando essa regulação diga respeito à transferência de dinheiros
para os cofres públicos a título de tributo, não é diferente. Quando esta transferência der-
se por meio de impostos, será norteada pelo princípio da capacidade contributiva. Este, a
priori, é o discrímen constitucionalmente eleito para a instituição e cobrança de exações
dessa natureza. Exige o princípio da igualdade à observância da capacidade contributiva
em sede de instituição e exigência de impostos.
No plano legislativo, o princípio da capacidade contributiva tem a
função de servir como limite à escolha da matéria factual para compor a hipótese da regra-
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matriz de incidência (capacidade contributiva objetiva). No plano da aplicação da regra-
matriz – instituição da norma individual e concreta – funciona como critério de graduação
individual do quanto pode o contribuinte suportar em termos de carga fiscal244.
A capacidade contributiva, seja objetiva, ou subjetiva, não deve ser
considerada globalmente, tendo em conta todo o patrimônio do contribuinte. Deve,
outrossim, ser aferida em função de cada imposto especificadamente245. Do contrário,
restaria desvirtuada sua função de princípio norteador dessa espécie de exação, para ser de
todo e qualquer tributo, o que certamente não guardaria consonância com o texto
constitucional.
Não podem servir como critério de gradação da capacidade
contributiva as mutações negativas que não as necessárias à aquisição, produção e
manutenção da própria renda e do patrimônio246. Toda e qualquer mutação negativa que
não o seja para esses fins é supérflua.
Admitindo-se que toda e qualquer mutação negativa possa ser
deduzida na apuração da renda, o critério de discriminação entre um contribuinte e outro,
relativamente ao montante a se pagar de imposto, seria, em última análise, o volume de
gastos, e não mais capacidade contributiva.
244 Ver sobretudo: GIARDINA, Emilio. Le basi teoriche del principio della capacità contributiva. Milão: Giuffrè,1961, 477 p.; COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p.26; TÔRRES, Heleno Taveira. Direito Tributário e Direito Privado – autonomia privada, simulação, elusãotributária. São Paulo: RT, 2003, p. 262; 245 BECKER, Alfredo Augusto.Teoria geral do direito tributário, 3ª ed. São Paulo: Lejus, 1998, p. 496-497;COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva, 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 55-58; DERZI,Misabel de Abreu Machado. In: BALEEIRO, Aliomar, Limitações constitucionais ao poder de tributar, 7ª ed. Rio deJaneiro: Forense, 2001, p. 694-695. Em sentido contrário, ver: BARRETO, Aires Fernandino. Base de cálculo,alíquota e princípios constitucionais, 2ª ed. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 135-136; COÊLHO, Sacha CalmonNavarro. Comentários à Constituição de 1988 – sistema tributário, 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 46-47.LIMA GONÇALVES, José Artur. Isonomia na norma tributária. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 64-65; OLIVEIRA,José Marcos Domingues de. Direito tributário – capacidade contributiva, 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 91e seguintes.246 O mínimo vital a que se referem muitos autores corresponde às despesas necessárias à aquisição, produção emanutenção da renda e do patrimônio, razão pela qual não fizemos uso dessa expressão. Pode-se dizer que nãosomente o direito de propriedade justifica isso, mas também, no caso de pessoas físicas, o princípio da dignidadehumana.
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Distorcendo-se o discrímen, distorce-se a correlação lógica entre este
e a situação discriminada, o que implica afronta ao princípio da igualdade. Por força do
princípio da capacidade contributiva objetiva, deve o legislador determinar que sejam
consideradas na apuração de acréscimo patrimonial somente as mutações negativas
necessárias à aquisição, produção e manutenção da própria renda e do patrimônio247.
E por ser o imposto sobre a renda tributo nitidamente pessoal, as
mutações negativas necessárias à manutenção do patrimônio devem ser aferidas caso a
caso, norteando-se pela capacidade contributiva subjetiva248.
A consideração das mutações negativas necessárias à aquisição,
produção e manutenção da renda e do patrimônio é corolário do direito de propriedade.
Não admiti-las seria uma forma de relativização do direito a possuir um patrimônio249.
Como nos ensina Misabel de Abreu Machado Derzi250: “O que se
tributa por meio da renda não é o próprio patrimônio, de modo algum, mas o algo novo
que é acrescido ao patrimônio ou algo novo como excedente e, portanto, é preciso não
atingir aquele mínimo dispensável à manutenção do próprio patrimônio, sob pena de
confundirmos renda com imposto sobre patrimônio”.
Se há restrições quanto à consideração das mutações patrimoniais
negativas, o mesmo não se pode dizer das positivas. Além da imposição de critérios para
247 Por essa razão, entendemos ser incorreto cogitar-se, para fins de tributação, a hipótese de renda consumida.Consome-se renda depois que esta é verificada. Antes disso, o que se tem é apuração de renda, cujo processoconsistirá no confronto entre todas as mutações patrimoniais positivas e as mutações negativas necessárias àaquisição, manutenção e produção da própria renda e do patrimônio.248 Apenas a título ilustrativo, estabelece a legislação infraconstitucional do imposto sobre a renda devido por pessoasjurídicas que, via de regra, são dedutíveis da apuração deste imposto somente as despesas usuais, normais enecessárias à consecução das atividades da empresa – Lei n.º 4.506/64, artigo 47.249 ELBE QUEIROZ, Mary. Imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza. São Paulo: Manole, 2004, p.76.250 DERZI, Misabel de Abreu Machado. Periodicidade do imposto de renda 2. Revista de direito tributário, n.º 63.São Paulo: Malheiros, 1994, p. 45.
- 97 -
se realizar discriminações, estabelece o princípio da igualdade251 que todos que se
encontrem na mesma situação devem ser tratados igualmente.
A pretensão de eficácia do princípio da igualdade exige que todas as
mutações patrimoniais positivas252 dos contribuintes sejam computadas na apuração de
acréscimo patrimonial253. O princípio da universalidade254, outrossim, nada mais é que
mero desdobramento do princípio da igualdade255. Mas para serem consideradas, deve
haver critério de conexão legítimo entre as mutações patrimoniais, cujo confronto dá
origem à renda, e o território brasileiro, haja vista vigorar, por força constitucional, o
princípio da territorialidade material.
Tendo em conta essas premissas, fácil verificar que o acréscimo
patrimonial não é aferido em função dessa ou daquela mutação patrimonial positiva, tal
como recebimento de salário, de juros etc. Face ao princípio da igualdade, deve a renda
corresponder ao saldo positivo obtido mediante o confronto de todas256 as mutações
patrimoniais positivas e as negativas necessárias à aquisição, manutenção e produção da
própria renda e do patrimônio.
251 Constituição Federal, artigo 5º, caput.252 Significa dizer que é indiferente o fato ou ato jurídico motivador da mutação patrimonial positiva dar-se a títulooneroso ou a título gratuito.253 MARIZ DE OLIVEIRA, Ricardo. Princípios fundamentais do imposto de renda. In: SCHOUERI, Luís Eduardo;ZILVETI, Fernando Aurélio (Coords.), Direito tributário – estudos em homenagem a Brandão Machado. São Paulo:Dialética, 1998, p. 214.254 Constituição Federal, artigo 153, § 2º, I.255 São desdobramentos do princípio da igualdade, também, o da generalidade e progressividade (ConstituiçãoFederal, artigo 153, § 2º, I). Determina o princípio da generalidade que todos os contribuintes que aufiram rendadevem ser gravados pelo respectivo imposto. E o da progressividade que a alíquota do imposto em causa sermajorada quanto maior for o valor da renda. Dado que estes princípios não informam diretamente o conceito derenda, deixaremos de tratá-los com maiores detalhes.256 Ver, dentre outros: PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Imposto sobre a renda – pessoas jurídicas. Rio de Janeiro:Justec, 1979, p. 179; ULHÔA CANTO, Gilberto de. A aquisição de disponibilidade e o acréscimo patrimonial noimposto sobre a renda. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva, Estudos sobre o imposto de renda, em memória deHenry Tilbery. São Paulo: Resenha Tributária, 1994, p. 33-40.Em sentido contrário: COSTA, Alcides Jorge. Imposto sobre a renda – a aquisição da disponibilidade jurídica oueconômica como seu fato gerador. Limite de sua incidência. Revista de direito tributário, n.º 40. São Paulo: RT,1987, p. 103-107; FANUCCHI, Fábio. Curso de direito tributário brasileiro. São Paulo: Resenha Tributária, 1971,vol. II, p. 66; MARTINS, Ives Gandra da Silva. A hipótese de imposição do imposto sobre a renda e proventos dequalquer natureza. A convivência de regimes jurídicos distintos para a apuração do “quantum debeatur” concernenteao referido tributo. Opinião legal, imposto de renda – estudos, n.º 37. São Paulo: Resenha Tributária, 1993, p. 09-25.
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Por tudo que foi exposto, entendemos que o conceito constitucional
de renda coaduna-se com as orientações da teoria renda-acréscimo patrimonial.
4.2.2.2 Período como condição inexorável para apuração de renda
Não requer muito esforço verificar que a idéia de acréscimo somente
pode ser vislumbrada a partir de um dado pré-estabelecido. O acréscimo ou decréscimo
patrimonial nada mais é do que uma comparação entre o patrimônio numa data e em outra.
Período é o lapso de tempo compreendido entre um dado marco
inicial e um marco final. O confronto de mutações patrimoniais positivas e negativas
dentro de um dado período, se resultar saldo positivo, corresponde a acréscimo
patrimonial.
Isso chega até ser intuitivo. Sem cortes temporais para se verificar o
resultado de confrontos de mutações patrimoniais restaria impossível a verificação de
ocorrência ou não de acréscimo patrimonial. Imperioso, portanto, admitir que é
essencial257 a existência de período para que se possa cogitar em renda258.257 Em sentido contrário, ver: FANUCCHI, Fábio. Curso de direito tributário brasileiro. São Paulo: ResenhaTributária, 1971, vol. II, p. 66; MARTINS, Ives Gandra da Silva. A hipótese de imposição do imposto sobre a rendae proventos de qualquer natureza. A convivência de regimes jurídicos distintos para a apuração do “quantumdebeatur” concernente ao referido tributo. Opinião legal, imposto de renda – estudos, n.º 37. São Paulo: ResenhaTributária, 1993, p. 09-25.258 Qual é o período necessário para apuração de renda? Por ser ínsito ao conceito de renda, entendemos que afixação de período não pode ficar à disposição do legislador infraconstitucional. Deve ser pesquisado critérioconstitucional indicativo do período a ser considerado na apuração de renda tributável e, a nosso ver, duas são aspossibilidades. Para os residentes e domiciliados no Brasil, bem como os não-residentes sujeitos ao regime sintéticode tributação, esse período deve ser de um ano. A Constituição consagra a anualidade do exercício financeiro, peloque deve este critério ser aplicado não só ao imposto sobre a renda, como também aos impostos sobre a propriedade,enfim, aqueles que necessitam de fixação de um período para que possam ocorrer seus respectivos fatos jurídicotributários. No caso dos não-residentes sujeitos ao regime analítico de tributação, isso não se aplica. A forma deapuração da renda nesse caso não se coaduna com uma periodização pré-determinada. Com efeito, o período variaráem função de cada espécie de fonte de produção de renda, assim como em função de cada caso concreto. Sobre aquestão da periodização anual, ver, dentre outros: ATALIBA, Geraldo. Periodicidade do imposto de renda 1. Revistade direito tributário, n.º 63. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 20-21; COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Periodicidadedo imposto de renda 2. Revista de direito tributário, n.º 63. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 52; DERZI, Misabel deAbreu Machado. In: BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar, 7ª ed. Rio de Janeiro:Forense, 2001, p. 160-161; LIMA GONÇALVES, José Artur. Imposto sobre a renda – pressupostos constitucionais.
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Por tudo que foi exposto até o presente momento, temos que renda é
acréscimo patrimonial, decorrente do confronto entre todas as mutações patrimoniais
positivas e as mutações negativas necessárias à aquisição, manutenção e produção da
própria renda e do patrimônio, ocorridas num determinado período. Para tanto, devem ser
consideradas somente as mutações patrimoniais, quer positivas, quer negativas, que
guardem relação com o território brasileiro, o que é vislumbrado mediante a existência de
um legítimo critério de conexão.
4.2.2.3 Contraponto entre renda e rendimento
Os vocábulos rendimento e renda são tradicionalmente tratados como
sinônimos, quando na verdade não o são. A própria Constituição, assim como faz com
proventos, refere-se a rendimentos na grande maioria das vezes259 como mutação
patrimonial positiva.
Ensina-nos Misabel de Abreu Machado Derzi260 que: “Nós sabemos
muito bem que rendimento é só retribuição ou remuneração no sentido de contra-
prestação de atividade qualquer ou de um fator que produza riqueza. (...) O conceito de
rendimento, de fato, independe do tempo, mas não significa renda”.
São Paulo: Malheiros, 1997, p. 186. Entendem pela necessidade de período, mas não necessariamente anual, dentreoutros: AMARO, Luciano. Imposto sobre a renda. Revista de direito tributário, n.º 60. São Paulo: Malheiros, 1993,p. 210-220; APOCALYPSE, Sidney Saraiva. Imposto de renda. Período-base deve ser anual? Revista de direitotributário, n.º 60. São Paulo: Malheiros, 1993, p.106-108.259 Constituição Federal (incluindo alterações promovidas por emendas constitucionais), artigos 145, § 1º; 150, II;153, § 2º, II; 155, II; 157, I; 158, I; 195, I; 201, § 5º, 239, § 3º. Ato das Disposições Constitucionais Transitórias,artigos 53, II; 81, § 1º. O único artigo que não usa o vocábulo “rendimento” com essa conotação é o artigo 217, II, daConstituição Federal.260 DERZI, Misabel de Abreu Machado. Periodicidade do imposto de renda 2. Revista de direito tributário, n.º 63.São Paulo: Malheiros, 1994, p. 44-45. Ver também: QUEIROZ, Luís Cesar de Queiroz. Imposto sobre a renda –requisitos para uma tributação constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 194.
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Ainda que possa ser vislumbrado lapso de tempo para a verificação
de rendimento, dado que a noção deste prescinde o confronto com outras mutações
patrimoniais, sobretudo as negativas necessárias à sua obtenção, não há como confundi-lo
com o conceito de renda proposto no presente trabalho.
Rendimento corresponde, pois, à mutação patrimonial positiva.
Conceito inconciliável com o de renda. Rendimento integra a apuração da última, mas
com esta não se confunde.
4.2.3 O artigo 43 do Código Tributário Nacional
O Estado Brasileiro, como já vimos, é formado por três espécies de
pessoas políticas, União, Estados e Municípios, todas iguais entre si, cada qual com
competências legislativas próprias, inclusive de cunho tributário.
Por ser assim, a própria Constituição encarregou-se de discriminar as
competências para instituição de impostos indicando a materialidade destes, o que previne
duas ou mais pessoas políticas recorrerem a uma mesma hipótese (fato gerador) para
instituírem mais de um imposto.
Dada a possibilidade de haver “zonas cinzentas” entre um e outro
conceito utilizado na discriminação de competências tributárias, remeteu a Constituição à
lei complementar a tarefa de veicular normas gerais definindo com maior precisão os
fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes dos impostos nela já previstos.
O Código Tributário Nacional, recepcionado pela atual Carta Magna
como lei complementar, exerce a função acima indicada com relação a alguns impostos,
dentre estes o sobre a renda, conforme dispõe seu artigo 43:
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“Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e
proventos de qualquer natureza, tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade
econômica ou jurídica:
I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da
combinação de ambos;
II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os
acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.
§ 1º A incidência do imposto independe da denominação da receita
ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem
e da forma de percepção.
§ 2º Na hipótese de receita ou de rendimento oriundos do exterior, a
lei estabelecerá as condições e o momento em que se dará sua disponibilidade, para fins
de incidência do imposto referido neste artigo”.
Esse dispositivo, salvo com relação à conceituação do que sejam
proventos de qualquer natureza, elucida bem o conceito de renda constitucionalmente
pressuposto.
Quanto a proventos de qualquer natureza, é extremamente infeliz a
redação do dispositivo em causa, dado que a Constituição os define como remuneração
decorrente do trabalho recebida por quem já deixou de trabalhar, quer por motivo de
doença, quer de aposentadoria, e não como acréscimos patrimoniais que não decorrentes
do trabalho, do capital ou da combinação de ambos.
Além disso, a noção de proventos de qualquer natureza ofertada pelo
dispositivo acima colacionado distorce o conceito de renda, confundido-o com mera
mutação patrimonial positiva.
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Renda, materialidade da regra-matriz de incidência do imposto em
causa, equivale a acréscimo decorrente do confronto entre mutações patrimoniais
positivas e negativas num determinado período. Conceito inconciliável com o de mutação
patrimonial positiva, a qual corresponde a ingresso de direito pessoal ou real,
economicamente mensurável, que se integre positivamente ao patrimônio, ou liquidação
de obrigação sem que esta tenha sido satisfeita.
Note-se que, a se adotar o tratamento sugerido pelo inciso II do
dispositivo em análise, chegar-se-ia ao cúmulo de se ter a tributação de uma mutação
patrimonial positiva como se renda fosse, sem a dedução da ou das mutações negativas
necessárias à aquisição, manutenção e produção da própria renda e do patrimônio,
garantida constitucionalmente. Por óbvio não é essa a orientação do Sistema Jurídico
Brasileiro, haja vista recair o imposto sobre renda, e não sobre mutações patrimoniais
positivas pura e simplesmente, tais como rendimentos.
Nada obstante, a despeito do inciso II apontado, o inciso I e
parágrafos do artigo 43 interpretados sistematicamente permitem vislumbrar que a
referência é ao conceito constitucional de renda em sua inteireza.
Em consonância com nossas considerações acerca da impossibilidade
de, em sede de impostos de competência da União, norma geral dispor sobre critérios de
conexão, assim é o tratamento dispensado pelo Código Tributário Nacional. Em nenhuma
de suas passagens é determinado que este ou aquele deva ser o critério de conexão para
fins de rendas, quer auferidas por residentes ou domiciliados neste País, quer por não-
residentes. O conceito constitucional por si só, elucidado pelo que dispõe o dispositivo em
análise, permite ao legislador identificar os critérios de conexão possíveis para dar lugar à
incidência do imposto sobre a renda.
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4.2.3.1 Disponibilidade econômica e jurídica
É determinado pelo caput do artigo 43 do Código Tributário Nacional
que o imposto aqui analisado tem como fato gerador a disponibilidade econômica ou
jurídica da renda. Somos da opinião que o dispositivo anteriormente colacionado não trata
dos possíveis critérios temporais do imposto sobre a renda, mas sim de elemento atinente
à sua própria materialidade261.
Deveras, a disponibilidade é elemento da propriedade262, que consiste
no poder de dispor sobre algo, ou seja, gozar da livre faculdade de dar ao bem ou direito a
utilidade que desejar o seu titular263 264. Falar em ingresso de direito real ou pessoal que se
incorpore positivamente ao patrimônio (uma das possibilidades de mutação patrimonial
positiva) é assumir que estes sejam de titularidade daquele que os adquire e, para tanto,
imperioso haver disponibilidade.
Mais uma razão para se refutar a tese de que disponibilidade
econômica ou jurídica da renda corresponde a possíveis critérios temporais do imposto
261 “Portanto, as aquisições de disponibilidade econômica ou jurídica de rendas e proventos não correspondemexatamente ao elemento temporal do fato gerador, mas se constituem em fatos participantes do próprio aumentopatrimonial, indicadores da circunstância de que cada um desses fatos está completo, tendo produzido aumentopatrimonial”. MARIZ DE OLIVEIRA, Ricardo. Princípios fundamentais do imposto de renda. In: SCHOUERI, LuísEduardo; ZILVETI, Fernando Aurélio (Coords.), Direito tributário – estudos em homenagem a Brandão Machado.São Paulo: Dialética, 1998, p. 225.“Quindi, pertettamente d’accordo che la realizzazione sia condizione indispensable perchè il reddito siaassoggettabile al tributo, ma in quanto essa costituisce un momento della produzione, per cui dicendo redditoprodotto si dice che il reddito è stato anche realizzato”. ZAPPALA, Lelio e LANZA, Francesco. L’imposta suiredditi mobiliari. Napoli: Casa Editrice Dott. Eugenio Joveven, 1964, p. 51.262 O Código Civil brasileiro não define o que seja propriedade, mas indica notas (poderes do proprietário) quepermitem identificá-la: “Artigo 524 - A lei assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens e dereavê-los do poder de quem quer que os injustamente possua”.263 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, vol. IV, p. 70:“O ius abutendi, no sentido de disponendi, envolve a disposição material que raia pela destruição (De Page) como ajurídica, isto é, o poder de alienar a qualquer título – doação, venda, troca; quer dizer ainda consumir a coisa,transformá-la, alterá-la; significa ainda destruí-la, mas somente quando não implique em procedimento anti-social.264 “O direito de dispor, o mais importante dos três, consiste no poder de consumir a coisa, de aliená-la, de gravá-lade ônus e de submetê-la ao serviço de outrem”. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direitodas coisas, 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 1974, p. 93.Ver PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Imposto sobre a Renda – Pessoas Jurídicas. Rio de Janeiro: Justec, 1979, vol.I, p. 196: “O direito de dispor é um dos elementos da propriedade e assegura ao proprietário o poder jurídico de dar àcoisa, objeto do domínio, o destino que lhe aprouver – usando-a, consumindo-a ou transferindo-a a terceiros”.
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em causa é o fato de que a disponibilidade não se refere à renda, mas sim a um de seus
elementos formadores, a saber, os ingressos de direitos pessoais ou reais que se
incorporem positivamente ao patrimônio de alguém. Ainda que não houvesse
determinação expressa nesse sentido, a inteligência do conceito renda por si só já nos
remeteria a essa conclusão265.
Último ponto a ser tratado no presente tópico diz respeito à
diferenciação que é feita entre disponibilidade econômica e jurídica. Costuma-se
diferenciá-las indicando, a grosso modo, que: a primeira corresponde ao poder de dispor
efetivamente da renda – renda realizada -, isto é, ter a posse direta da renda (moeda, bens
ou direitos)266; a segunda, equivale à renda adquirida, a qual o beneficiário tem o poder de
possuir a posse direta, quando melhor lhe aprouver.
Não há razão para a distinção comentada267. Ambas as espécies de
disponibilidade são jurídicas. E, aliás, aproveitamos, mais uma vez para destacar que a
265 “Ligeira leitura do texto mostra que há nele palavras que, na verdade, não exercem nenhuma definitória. É aexpressão disponibilidade econômica ou jurídica, que, efetivamente, está na definição, mas pode dela ser retirada semqualquer prejuízo para sua inteligência. Fica difícil explicar uma disponibilidade econômica de acréscimo de direitos.Se o acréscimo é sempre de direitos, não há como conceber que possam estar economicamente disponíveis. Todoacréscimo de direitos (reais ou pessoais, portanto, patrimoniais) estará necessariamente disponível, pelo fato singularde que os direitos acrescem ao patrimônio”. MACHADO, Brandão. Breve exame crítico do artigo 43 do CTN. In:MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.), Estudos sobre o imposto de renda, em memória de Henry Tilbery. SãoPaulo: Resenha Tributária, 1994, p. 115.266 “(...) a disponibilidade adquirida pode, nos termos da definição, ser ‘econômica’ ou ‘jurídica’ (CTN, art. 43,caput). A aquisição de ‘disponibilidade econômica’ corresponde ao que os economistas chamam ‘separação’ derenda: é a sua efetiva percepção em dinheiro ou outros valores (RIR, art. 498). A aquisição de ‘disponibilidadejurídica’ corresponde ao que os economistas chamam de ‘realização’ da renda: é o caso em que, embora orendimento não esteja ‘economicamente disponível’ (isto é, efetivamente percebido), entretanto o beneficiado játenha título hábil para percebê-lo (RIR, art. 95, § 1º)”. SOUSA, Rubens Gomes de. Pareceres – II1- imposto derenda. São Paulo: Resenha Tributária, 1975, p. 277.“Disponibilidade econômica é poder de dispor efetivo e atual, de quem tem a posse direta da renda.(...)Disponibilidade jurídica é a presumida por força de lei, que define como fato gerador do imposto a aquisição virtual,e não efetiva, do poder de dispor de renda. A disponibilidade é virtual quando já ocorreram todas as condiçõesnecessárias para que se torne efetiva”. PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Imposto sobre a renda – pessoas jurídicas.Rio de Janeiro: Justec, 1979, vol. I, p. 119-120.267 “O que é criticável naquele enunciado normativo (art. 43, CTN) é apenas a terminologia adotada, porque não nosparece apropriado falar numa ‘disponibilidade econômica’ como contraposta a uma ‘disponibilidade jurídica’, porqueambas são plenamente jurídicas, sendo a primeira (dita econômica) apresentada, ainda mais, como materialmentedisponível. Como ‘renda’, para o direito, ambas são a mesma coisa, sendo a ‘disponibilidade jurídica’ adotada emfunção do regime de competência, ex vi legis. TÔRRES, Heleno Taveira. Pluritributação internacional sobre asrendas de empresas, 2ª ed. São Paulo: RT, 2001, p. 325.
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disponibilidade não é da renda, mas dos direitos economicamente avaliáveis que lhe
tenham dado origem.
Pode ocorrer de, em relação a algumas espécies de direitos, dada a
natureza do ato ou fato que tenha motivado a respectiva mutação patrimonial positiva, esta
somente ser possível mediante a atribuição da posse direta desses direitos ao
beneficiário268. É o caso típico dos rendimentos obtidos mediante o exercício de atividade
ilícita.
A mutação patrimonial somente poderá ser considerada ocorrida
quando o beneficiário tiver a posse direta do produto dessa atividade (moeda, por
exemplo). Pode, ainda, o próprio legislador optar por considerar ocorrida uma mutação
patrimonial somente quando o beneficiário detenha a sua posse direta, a despeito de ser
possível aferir capacidade contributiva anteriormente a esse momento269.
4.3 Renda auferida por pessoa não-residente
4.3.1 Critério de conexão possível
A tributação de um dado fato por uma pessoa política brasileira
pressupõe haja relação entre aquele e o território dessa pessoa política. Existindo essa
relação, sobretudo por conta da própria ocorrência do fato nos limites territoriais do
Estado Brasileiro, sua tributação legitima-se pela soberania fiscal (devidamente
268 “Em suma, o problema não está em distinguir o econômico do jurídico, tarefa de resto impossível, se posta noplano do Direito, onde só se pode distinguir entre fatos jurídicos diversos, e não entre fatos jurídicos e fatoseconômicos”. AMARO, Luciano. Imposto de renda: regime jurídico. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.),Curso de direito tributário, 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 279.269 “Nesta ótica, dá-se realização da renda, afastada, para a exigência do imposto, a necessidade do recebimentofinanceiro, salvo nos casos em que a lei expressamente previr o diferimento da tributação para quando ocorrer orecebimento da renda, e também nos casos de proventos oriundos de situação de fato”. MARIZ DE OLIVEIRA,Ricardo. Princípios fundamentais do imposto de renda. In: SCHOUERI, Luís Eduardo; ZILVETI, Fernando Aurélio(Coords.), Direito tributário – estudos em homenagem a Brandão Machado. São Paulo: Dialética, 1998, p. 225.
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institucionalizada, como vimos demonstrando ao longo do presente trabalho) sobre o
respectivo território270.
Por força da territorialidade material, somente é passível de tributação
renda relacionada ao território brasileiro. Essa relação, como vimos, é vislumbrada por
meio de um critério de conexão, que, quando verificado concretamente, desencadeia
relação entre o fato jurídico tributário auferir renda e o território brasileiro.
As notas mínimas necessárias para a instituição de tributos pelo
legislador ordinário, designadamente a materialidade, coordenadas de tempo e espaço,
sujeito ativo, sujeito passivo, base de cálculo e alíquota possível, tudo isso é previsto,
implícita ou explicitamente, na própria Constituição, face às peculiaridades do Sistema
Jurídico Brasileiro.
Conquanto seja o critério de conexão, juntamente com outros,
informação mínima que carece a norma para existir, esse não pode ser escolhido pelo
legislador ordinário ao seu bel prazer. As possibilidades já estão reservadas pela
Constituição e devem ser identificadas mediante a conjugação da materialidade com
outros dispositivos constitucionais que digam respeito à ação de tributar.
A materialidade do imposto aqui analisado - auferir renda -, oferta
duas possibilidades conexão com o território brasileiro, quais sejam: i) sujeito que aufere a
renda ser pessoa física ou jurídica residente no Brasil – conexão pessoal; ou ii) o
auferimento da renda dar-se nos limites territoriais, independentemente de relação pessoal
– conexão material ou objetiva. Acomodam-se as notas correspondentes ao critério de
conexão pessoal no critério pessoal da hipótese da regra-matriz de incidência, ao passo
que as referentes ao critério de conexão objetivo, no critério espacial.
- 107 -
Pessoas não-residentes, por não guardarem relação pessoal com o
território brasileiro, somente podem ser tributadas no Brasil quanto às rendas auferidas
nos limites daquele. Inexiste outra possibilidade.
Na situação em que o fato auferir renda somente possa ser tributado
pela União se ocorrido em território brasileiro, o critério de conexão configura-se como
típico enunciado de localização desse fato no espaço. Mas, afinal, que dado do fato
auferir renda pode cumprir essa tarefa?
As mutações patrimoniais, cujo confronto dá origem à renda,
correspondem à fonte dessa última. Não toda e qualquer mutação, mas tão somente as
positivas, vis a vis renda consistir num acréscimo patrimonial. Deveras, sem mutações
positivas não é possível existir renda. Se mutações negativas houver, é certo que as
necessárias à aquisição, manutenção e produção da própria renda e do patrimônio deverão
ser confrontadas com as positivas, pelo que é possível concluir que as mutações dessa
natureza conformam o conceito de renda, mas não dão origem a esta.
Seria possível afirmar, então, que o local de auferimento da renda é
aquele onde esteja localizada sua fonte de produção?
Devemos ter cuidado com resposta à indagação acima, haja vista
existirem diferenças entre os regimes de apuração de renda de pessoa residente e de
pessoa não-residente.
Tratando-se de pessoa residente no Brasil, como sabemos, em função
da relação pessoal que guarda com o território desse País, é indiferente a localização da
fonte da renda. É permitido ao legislador infraconstitucional determinar que mutações
patrimoniais positivas ocorridas quer em território brasileiro, quer alhures, devem ser
computadas na apuração da renda.
- 108 -
Se é assim, a fonte de produção da renda, para pessoa residente, não é
critério consistente para localizá-la, conquanto seja perfeitamente possível haver mais de
uma fonte dessa natureza e, pior, fontes localizadas em territórios de países diferentes.
A importância da localização da renda de pessoa residente reduz-se à
necessidade de fixar um local de possível ocorrência do fato correspondente, de modo a
viabilizar sua subsunção à hipótese da regra-matriz de incidência. Há, nesse caso, ampla
liberdade do legislador para determinar que local será considerado como o de auferimento
da renda.
Diferentemente, tratando-se de pessoa não-residente, esta só pode ter
renda tributada no Brasil se no território deste País for auferida. Cuida-se de decorrência
do princípio da territorialidade material. Nesse caso, não há margem para o legislador
definir onde o fato ocorre. Deve ser identificado no próprio arquétipo constitucional do
imposto critério para se definir quando o respectivo fato jurídico tributário dá-se em
território brasileiro.
Renda de pessoa não-residente, por essa razão, somente pode ser
considerada auferida no Brasil e, portanto, por este País tributável, quando em seu
território localize-se a fonte de produção correspondente. É esse o critério de conexão que
possibilita a tributação em causa.
Mutações patrimoniais, dentre as quais as positivas – fonte da renda -
necessariamente resultam de um ato ou fato jurídico. A partir do momento que a
localização dessas mutações passa a ser juridicamente relevante, ingressam no
ordenamento jurídico também os fatos que as tenham motivado. Pode acontecer de
ocorrerem mutações patrimoniais em razão de atos ou fatos já regulados por outras searas
do Direito, tais como mútuo de recursos financeiros, compra e venda de bens, entre
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outros. Mas, mesmo nos casos em que isto não aconteça, o mero fato social passa a ser
fato jurídico, dado que sobre aquele incidirão regras atinentes à localização da renda271.
Importa dizer que o local de ocorrência do ato ou fato jurídico que
motive uma mutação patrimonial positiva corresponderá ao seu local de ocorrência. Se é
assim, o local de ocorrência desse ato ou fato jurídico, para fins de tributação de pessoa
não-residente, também será o de auferimento da renda.
A renda, portanto, tem como fonte atos ou fatos jurídicos que
motivem a ocorrência de mutações patrimoniais positivas. E isto é muito bem anotado
pelo Código Tributário Nacional, quando indica de maneira exemplificativa atos ou
fatos272 que podem dar lugar a mutações patrimoniais dessa natureza, designadamente o
trabalho e a exploração do capital, ou a combinação de ambos273.
Ainda tratando de Código Tributário Nacional, temos que o parágrafo
único do artigo 43 desse Diploma274 deve ser interpretado em harmonia com as conclusões
a que chegamos até o presente momento.
Pois bem, dentre outras coisas, prescreve esse comando que a
incidência do imposto aqui tratado independe da localização da fonte da renda. Sem
271 Os atos ilícitos, a despeito de serem contrários ao direito, são também “pré-juridicizados”. Aliás, o mero afirmarque estes sejam ilícitos implica reconhecê-los como fatos jurídicos. Como nos ensina Pontes de Miranda: “O suportefático, em que há o elemento ato humano, pode entrar no mundo jurídico como negócio jurídico, se esse ato humanoé negotium (= escolha de uma categoria jurídica: vender, trocar, casar-se, alugar), ou como ato jurídico não-negocial(ato jurídico stricto sensu), ou como ato-fato jurídico, ou como fato jurídico stricto sensu, ou como ato ilícito”.PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado: parte geral. Campinas: Bookseller,1999, t. I, p. 125.272 O dispositivo em comento não limita a fonte da renda a esses dois casos. Pelo contrário, em estrita consonânciacom a Constituição Federal, estabelece que a renda é formada por mutações patrimoniais motivadas por quaisqueratos ou fatos.273 TÔRRES, Heleno Taveira. Princípio da territorialidade e tributação de não-residentes no Brasil. Prestações deserviços no exterior. Fonte de produção e fonte de pagamento. In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.), Direitotributário internacional aplicado. São Paulo: Quartier Latin, 2003, p. 90.274 “Art. 43. (...)§ 1o A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condiçãojurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção. (...)”
- 110 -
sombra de dúvida, essa é exatamente a orientação aplicável relativamente à renda de
pessoa residente. Aliás, cuida-se de determinação constitucional, apenas melhor
explicitada pelo dispositivo em comento.
Todavia, estamos convictos que é inaplicável o comando acima
mencionado quanto à renda de pessoa não-residente. Nessa situação, é imprescindível
localizar-se a fonte de produção da renda em território brasileiro.
- 111 -
4.3.1.1 Momento de ocorrência do fato e critério de conexão
O critério de conexão, já vimos, consiste em notas constantes da
regra-matriz de incidência. Cuidando-se de imposto sobre a renda devido por não-
residentes, as notas descritivas de atos ou fatos jurídicos motivadores de mutações
patrimoniais positivas corresponderão ao critério de conexão que permitirá a tributação
daquela.
Pode a legislação infraconstitucional determinar seja considerado
ocorrido o fato jurídico tributário auferir renda por ocasião da realização em moeda da ou
das mutações patrimoniais positivas que lhe tenham dado origem.
Nada obstante, ainda que seja a renda considerada auferida por
ocasião de sua realização em moeda, para efeitos de sua localização no espaço e, portanto,
aferição da possibilidade de a União tributá-la ou não, o que continuará sendo
determinante para a verificação de conexão entre o fato auferir renda e o território
brasileiro serão os atos ou fatos motivadores de mutações patrimoniais positivas que
possam dar origem à renda275. Por tudo que analisamos até aqui, estamos convictos ser
esta uma determinação constitucional.
A realização da renda em moeda, por conseguinte, poderá ser
relevante para fins de determinação do momento de ocorrência do fato jurídico tributário
auferir renda, assim como possibilitar a atribuição de responsabilidade pela retenção e
275 São as lições de Gilberto de Ulhôa Canto: “Não se deve taxar um lucro apenas produzido mas ainda irrealizado.Entretanto, quando o problema se desdobra no espaço, não se há de reconhecer capacidade impositiva ao Estado darealização em detrimento do Estado da produção, quando uma e outra se verifiquem em lugares diversos”. ULHÔACANTO, Gilberto de. Juros pagos por residente ou domiciliado no Brasil a vendedor de bens no exterior, em virtudede concessão de financiamento pelo próprio vendedor. Produção e realização do rendimento: local onde deve sertributado. Territorialidade. In: Estudos e pareceres de direito tributário. São Paulo: RT, 1975, p. 26. Ver também:MANGANO, Sampiere. L’Imposta di ricchezza móbile e le società commerciali per azioni. Milão: Società EditriceLibreria, 1936, vol. I, p. 692-693; ZAPPALA, Lelio e LANZA, Francesco. L’imposta sui redditi mobiliari. Napoli:Casa Editrice Dott. Eugenio Joveven, 1964, p. 51.
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recolhimento do imposto à fonte pagadora, nunca para localização daquele fato no
espaço276. Nesse caso, deverão localizar-se em território brasileiro tanto a fonte de
produção da renda quanto sua fonte pagadora. Aliás, como veremos no Capítulo 6, esse é
o regime hoje adotado pela legislação infraconstitucional.
4.3.2 Regime analítico
Pessoas não-residentes não se submetem à soberania fiscal brasileira,
salvo quanto a fatos ocorridos no território do Brasil. Em sede de imposto sobre a renda,
somente quanto às mutações patrimoniais ocorridas em território brasileiro, bem como os
direitos reais e pessoais, e obrigações, mantidos neste território. Nos dizeres de Alberto
Xavier: “As pessoas domiciliadas no exterior, sejam pessoas físicas, sejam pessoas
jurídicas, apenas são tributáveis no Brasil pelos rendimentos que aqui tenham sido
produzidos, isto é, por rendimentos imputáveis a fontes nacionais”277.
A submissão de pessoa não-residente à soberania fiscal brasileira,
pois, pela sua própria condição, é casual, fortuita278. De posse dessa premissa, forçoso
concluir ser impossível obrigar pessoa não-residente, ao final de um dado período,
confrontar suas mutações patrimoniais ocorridas nos limites do território brasileiro e
276 Segundo Ricardo Mariz de Oliveira: “Por fontes nacionais deve-se entender corretamente fontes que exercem asatividades, e não fontes pagadoras”. Fundamentos do imposto de renda. São Paulo: RT, 1977, p. 267.277 XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil, 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 387.278 “(...) seria inconcebível e inexeqüível, no caso das pessoas jurídicas domiciliadas no exterior, apurar o lucro realauferido por ela da fonte produtora no país, mediante escrituração mantida na sede delas no exterior – este já, por si,seria um argumento suficiente para justificar nossa tese que também as pessoas jurídicas – não só as físicas –residentes no exterior só podem ser tributadas pelo ‘rendimento’ (como definido na legislação aplicável às pessoasfísicas residentes no país) e não sobre o ‘lucro’ apurado pela contabilidade”. TILBERY, Henry. A tributação dosganhos de capital nas vendas de participações societárias pelas pessoas físicas. São Paulo: Resenha Tributária,1976, p. 94.“Não sendo possível qualificar a presença da pessoa não-residente como ‘estabelecimento permanente’, o tratamentoisolado justifica-se pelo próprio tipo de conexão que se forma entre o contribuinte e o território do Estado (ocasionale fortuito), sendo autônomos os rendimentos, por força das próprias circunstâncias do modo como são produzidos,sem um referencial que possa consolidá-los”. TÔRRES, Heleno Taveira. Pluritributação internacional sobre asrendas de empresas, 2.ª ed. São Paulo: RT, 2001, p. 335.
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recolher imposto sobre a renda, se acréscimo patrimonial for verificado279, salvo se aquela
for equiparada à pessoa jurídica brasileira280.
Nem se diga que a instauração de obrigatoriedade de pessoa não-
residente outorgar poderes a pessoa residente no Brasil, responsabilizando este último
pelo controle das mutações patrimoniais por aquele realizadas em território nacional. Isso
porque o representante da pessoa não-residente somente pode ser responsabilizado pelo
controle de mutações patrimoniais decorrentes de atos ou fatos dos quais participe. Aliás,
essa limitação é didaticamente prevista pelo Código Tributário Nacional, artigo 128. Não
há meios de se exigir que o não-residente informe seu procurador acerca das mutações
patrimoniais decorrentes de ato ou fatos com os quais se relacione, salvo se houver
aplicação da lei brasileira no país onde aquele resida, o que somente pode ser feito se
existir acordo de vontades para tanto.
Caso se incumbisse à administração tributária realizar essa tarefa,
qual seja, verificação das mutações patrimoniais promovidas por pessoa não-residente,
apuração do imposto e sua cobrança, sua tamanha complexidade certamente implicaria
afronta ao princípio constitucional da praticidade, que determina não sejam editadas leis
cuja execução seja trabalhosa281, o que seria o caso. A se editar lei de difícil execução,
tem-se, por conseqüência, grande possibilidade de não ser aplicada igualmente a todos,
indo contra ao que determina o princípio da igualdade.
Por conseguinte, deve ser considerado patrimônio da pessoa não-
residente existente no ordenamento jurídico brasileiro o conjunto de direitos reais ou
279 “Estou fazendo remessa de dinheiro, remessa de juros, pagamento disto ou daquilo a um beneficiário do exterior;vou exigir que ele venha aqui no final do período para fazer uma declaração onde ele compute também o que elegastou lá com os filhos ou com a família e as demais rendas que ele teve, para dizer: ‘olha, meu caro, então a suarenda aqui é x nesse período e o senhor vai pagar imposto’? Ora, ele não está sujeito à minha soberania; se eu deixaro dinheiro sair não há nada que juridicamente o obrigue a vir ao Brasil pagar o imposto”. AMARO, Luciano.Periodicidade do imposto de renda 1. Revista de direito tributário, n.º 63. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 30.280 Hipótese que não será analisada no presente estudo, conforme ressalvado anteriormente.281 DERZI, Misabel de Abreu Machado. In: BALEEIRO, Aliomar, Limitações constitucionais ao poder de tributar,7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 789.
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pessoais referentes a uma dada fonte de produção de renda (ato ou fato jurídico),
isoladamente tomada.
Haverá tantos patrimônios, ou possibilidade de formação de
patrimônios, quantas fontes de produção de renda houver. A unicidade patrimonial revela-
se não em torno de seu titular, mas em torno da fonte de produção da renda. Cuida-se de
desdobramento da forma que pessoa não-residente submete-se à soberania brasileira.
Isso de modo algum fere o princípio da universalidade, pelo qual
devem ser tomadas em conta todas as mutações patrimoniais do contribuinte. No tocante a
uma dada fonte de produção de renda, devem ser levadas em conta todas as mutações
patrimoniais positivas e as negativas (estas últimas, somente as necessárias à aquisição,
manutenção e produção da renda e do patrimônio particularmente considerado).
Esse regime de tributação, em que o acréscimo é apurado em função
de cada fonte de produção isoladamente considerada282, denomina-se analítico, expressão
consagrada por Alberto Xavier283.
A despeito das peculiaridades relativamente ao patrimônio da pessoa
não-residente, o conceito constitucional de renda não pode de maneira alguma ser
desvirtuado, apenas para que seja possível a tributação de não-residentes, sob pena de
afronta à rigidez e exaustividade da discriminação das competências tributárias.
Admitindo-se que o não-residente pode ser contribuinte de imposto
sobre a renda, este tributo necessariamente incidirá sobre acréscimo patrimonial, só que
acréscimo a cada conjunto de direitos reais ou pessoais, e obrigações, referentes a uma
dada fonte de produção de renda isoladamente considerada.
282 GARBARINO, Carlo. La tassazione del reditto transnazionale. Padova: Cedam, 1990, p. 243; TÔRRES, HelenoTaveira. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas, 2ª ed. São Paulo: RT, 2001, p. 336.283 XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil, 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 388.
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A atribuição de tratamento diferente em matéria de impostos somente
pode dar-se, via de regra, em função da capacidade contributiva. Pelo fato de pessoas não-
residentes e residentes denotarem capacidade contributiva de maneiras diferentes,
justifica-se plenamente diferença de regime de tributação de suas rendas, em estrita
consonância com o princípio da isonomia tributária.
Assim, se o patrimônio de não-residente, para fins de apuração de
renda, é cada conjunto de direitos reais ou pessoais, e obrigações, referentes a uma dada
fonte de produção isoladamente considerada, e não a universalidade de bens e direitos por
ele detidos, renda será o acréscimo a cada conjunto assim considerado.
Essas conclusões fundamentam-se na conjugação do artigo 153, III,
da Constituição Federal e os princípios informadores da tributação. Nada tem a ver com a
previsão de imposto sobre a renda na fonte, sobre rendimentos pagos, contida nos artigos
157 e 158 da Constituição Federal. Prestam esses artigos a possibilitar a antecipação de
imposto sobre a renda devido ao final do exercício, mediante a cobrança desse imposto
sobre rendimentos.
Incide o imposto devido por pessoas não-residentes sobre a renda, e
não rendimentos, conceitos, como vimos anteriormente, absolutamente distintos.
4.3.2.1 Período
É inconcebível haver renda sem a existência de período, assertiva que
se aplica com igual rigor às rendas auferidas por não-residentes. Admitir-se o contrário
implica negar que a União tenha competência para tributar as rendas de pessoas não-
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residentes segundo regime analítico, o que, como procuramos demonstrar, não procede de
forma alguma.
A consideração do conjunto de direitos pessoais ou reais, e
obrigações, em função de uma dada fonte de renda isoladamente considerada, não implica
abandono da necessidade da existência de período para verificação de acréscimo.
O que se tem é o estabelecimento do período em função de cada
categoria de renda. Não há uniformidade, diferentemente do que ocorre com as pessoas
residentes, em que, por força constitucional, as rendas devem ser apuradas num período de
no mínimo um ano, tal como registramos anteriormente.
No caso de pessoas não-residentes, em que não é possível determinar-
se um período uniforme, para que este exista, é necessário ocorrer um ato ou fato jurídico
que fundamente a ocorrência de outro ato ou fato jurídico que dê lugar a uma mutação
patrimonial positiva. Aquele primeiro ato ou fato corresponderá ao marco inicial do
período e o que motive a mutação patrimonial positiva, ao marco final.
Na maioria das vezes, consiste a renda auferida por pessoas não-
residentes em frutos do trabalho ou do capital aplicado. Nesses casos, a renda pode ser
reproduzível ao longo do tempo.
É certo que não pode sobre um determinado acréscimo patrimonial
recair imposto sobre a renda mais de uma vez. O fato jurídico tributário é um só e ocorre
num determinado espaço e tempo perfeitamente identificados. O fato auferir renda denota
capacidade contributiva uma única vez, cabendo uma e somente uma incidência do
respectivo imposto. Não há autorização constitucional para se exigir duas vezes a mesma
exação sobre o mesmo fato.
- 117 -
Por essa razão, tratando-se de patrimônio que possa dar lugar à
mesma categoria de renda, mais de uma vez ao longo do tempo, não pode haver
sobreposição de período. A se entender de forma diferente, a tributação do segundo
acréscimo patrimonial, implicará mais uma tributação do primeiro; a tributação do
terceiro, nova incidência sobre o primeiro e o segundo, e assim sucessivamente.
Nas categorias de renda reproduzíveis ao longo do tempo, deve o
período do primeiro acréscimo patrimonial ter como marco inicial o ato ou fato jurídico
que tenha possibilitado a ocorrência do ato ou fato jurídico motivador de mutação
patrimonial positiva. No segundo acréscimo, o marco inicial do período será a data de
auferimento do acréscimo imediatamente anterior, e assim por diante.
Num contrato de mútuo de dinheiros com prazo de duração de doze
meses, por exemplo, em que fique estabelecida a incidência mensal de juros, o período
para apuração do primeiro acréscimo terá como marco inicial a data de concessão dos
recursos e como marco final, o vencimento da primeira parcela. Para a apuração do
segundo acréscimo, o marco inicial será o vencimento de juros imediatamente anterior e o
marco final, o vencimento da segunda parcela.
Na categoria de renda não reproduzível ao longo do tempo, isto é,
cuja fonte seja mutação patrimonial positiva decorrente da própria alienação, total ou
parcial, do patrimônio particularmente considerado, a situação é diferente. É o caso do
ganho de capital. Nessa situação, o período para apuração de renda terá como marco
inicial o ato ou fato jurídico (aquisição de direito real ou pessoal) que possibilite a
ocorrência de ato ou fato (alienação de direito real ou pessoal) motivador de mutação
patrimonial positiva. Já o marco final será a data deste último ato ou fato jurídico.
As situações acima, utilizadas para melhor elucidação de nossas
proposições, voltarão a ser analisadas no Capítulo 5 do presente trabalho.
- 118 -
4.3.3 Critério de conexão no regime analítico e a jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal
O estudo da territorialidade material em sede de imposto sobre a
renda devido por pessoas não-residentes e, por conseqüência, das possibilidades de
critérios de conexão, tem como objeto o Sistema Constitucional Brasileiro. Dado que
compete ao Supremo Tribunal Federal a interpretação definitiva da Constituição,
imprescindível faz-se a análise do posicionamento deste Tribunal sobre os temas em
causa.
Manifestou-se o Supremo Tribunal Federal, em diversas
oportunidades, com relação a duas categorias de rendas de pessoas não-residentes, a saber,
juros remuneratórios e a decorrente de prestação de serviços. Em ambas as categorias, a
nosso ver, o entendimento deste Tribunal pode ser dividido em duas fases.
4.3.3.1 Juros – primeira fase
Num primeiro momento, por ocasião do julgamento de Embargos
Infringentes, ocorrido em 06 de dezembro de 1963, em decisão proferida no Recurso
Extraordinário n.º 52.165/GB, firmou o Pleno do Supremo Tribunal Federal entendimento
de que era inconstitucional a incidência de imposto sobre a renda sobre juros remetidos ao
exterior, decorrentes de contrato de financiamento de bens firmado no exterior, lá
pagáveis.
- 119 -
Da análise do voto do Relator, Ministro Victor Nunes Leal284,
acompanhado unanimemente pelos demais Ministros, conclui-se era entendimento do
Supremo Tribunal Federal ser a territorialidade material limite objetivo (constitucional) ao
exercício de competências tributárias, mediante o qual somente seriam passíveis de
tributação as rendas auferidas por não-residentes produzidas ou pagas no Brasil.
A despeito dessa orientação, foi entendido que a fonte de produção
dos juros era o contrato de financiamento, e não o débito do financiado, de tal sorte que,
firmado o contrato no exterior e sendo este lá pagável, fora do campo de incidência do
imposto sobre a renda estariam os juros remetidos ao financiador285.
4.3.3.2 Juros – segunda fase
Em 1968 foi publicado o Decreto-lei n.º 401, cujo artigo 11 assim
dispõe: “Art. 11. Está sujeito ao desconto do imposto de renda, na fonte, o valor dos juros
remetidos para o exterior, devidos em razão da compra de bens a prazo, ainda quando o
beneficiário do rendimento for o próprio vendedor. Parágrafo único. Para os efeitos deste
artigo considera-se fato gerador do tributo a remessa para o exterior e contribuinte, a
remetente”.
284 “No mérito, entretanto, rejeito os embargos, que são cabíveis pelo regimento. O extenso relatório, que acabei defazer, me dispensa de mais ampla fundamentação, porque o voto do eminente Ministro Pedro Chaves foisuficientemente claro e convincente. S. Exa., data venia do eminente relator na Turma, demonstrou não ser devido oimposto de renda sôbre (sic) a remessa de juros para o exterior, em pagamento de preço da mercadoria, uma vez queos contratos de compra foram celebrados no estrangeiro, onde estão sediadas as vendedoras, que não operam noBrasil e, portanto, aqui não auferiram qualquer rendimento. O rendimento resultante dos financiamentos queconcederam à compradora escapa, assim, à incidência da nossa lei tributária”. Embargos Infringentes à decisãoproferida no Recurso Extraordinário n.º 52.165/GB, Relator Ministro Victor Nunes Leal, DJ 01.04.1964.285 Arnold Wald, à época, teceu interessante estudo sobre a evolução da jurisprudência do Supremo Tribunal Federalcom relação à tributação de juros auferidos por não-residentes. Nesse estudo, não chegou a ser analisada a decisãoproferida no Recurso Extraordinário n.º 71.758/GB, que, como veremos, representou mudança no entendimento daSuprema Corte sobre o assunto. WALD, Arnold. Evolução jurisprudencial sobre o imposto de renda referente a jurospagos a financiadores estrangeiros. Revista de direito público, n.º 17. São Paulo: RT, 1972, p. 347-351.
- 120 -
Suscitada a inconstitucionalidade desse dispositivo junto ao Supremo
Tribunal Federal, manifestou-se a Primeira Turma (Recurso Extraordinário n.º 71.077/SP)
no sentido de que, com relação às remessas ocorridas anteriormente à sua publicação, este
seria inaplicável, e, quanto às posteriores, seria o dispositivo em causa inconstitucional.
Foi Relator deste julgamento o Ministro Luiz Galloti, tendo sido seu voto286 acompanhado
pelos demais Ministros presentes à sessão.
O Pleno do Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do
Recurso Extraordinário n.º 71.758/GB, em que mais uma vez foi discutida a
inconstitucionalidade do Decreto-lei n.º 401/68, artigo 11, manifestou entendimento
diferente daquele da Primeira Turma, acima comentado.
Desse julgamento, cuja decisão não foi unânime, destacamos os votos
dos Ministros Oswaldo Trigueiro287 e Bilac Pinto288, seguidos, de uma maneira geral, pelos
demais Ministros289. A despeito de discordantes com relação à questão da
inconstitucionalidade, depreende-se dos votos em causa que o entendimento era de que
vigorava no ordenamento brasileiro o princípio da territorialidade material, que limitava a
286 “Examinei detidamente as decisões do Supremo Tribunal, notadamente a proferida no recurso extraordinário52.165, em grau de embargos. E por elas vejo que é irrelevante a distinção, com que argumenta a recorrente. OSupremo Tribunal Federal assentou que, no caso, não se trata de rendimentos auferidos no Brasil, e, assim, não podeincidir a lei tributária brasileira, pois a prerrogativa de tributar é inerente à soberania, só podendo incidir sôbre (sic)os nacionais ou sôbre (sic) negócios ocorridos em território nacional”. Recurso Extraordinário n.º 71.077/SP, RelatorMinistro Luiz Gallotti, DJ 24.03.1974.287 Ministro Djaci Falcão e Ministro Luiz Gallotti seguiram o voto do Ministro Oswaldo Trigueiro.288 Ministro Amaral Santos e Ministro Eloy da Rocha seguiram o voto do Ministro Bilac Pinto.289 Ministro Carlos Thompson Flores entendeu pela constitucionalidade do Decreto-lei n.º 401/68, artigo 11, sejaporque pode ser considerado ter sido instituído um imposto sobre operações de crédito, seja porque, tratando-se deimposto sobre a renda, a fonte dos juros, por ser o capital aplicado, estaria localizada no Brasil, o que tornariaaqueles passíveis de tributação por este País. Quanto à questão do sujeito passivo, foi o único dos Ministros queasseverou haver impropriedade na redação do dispositivo em causa, de modo que onde estivesse escrito contribuinte,fosse entendido responsável. Contribuinte seria o beneficiário dos juros. Fundamentou Ministro Carlos ThompsonFlores essa conclusão acerca da sujeição passiva no Código Tributário Nacional, artigo 45.Ministro Antonio Neder também entendeu pela constitucionalidade do Decreto-lei n.º 401/68, artigo 11, asseverando,tal como Ministro Carlos Thompson Flores, ser o capital aplicado a fonte dos juros. Sendo o devedor destes pessoajurídica domiciliada no Brasil, no território deste País estaria localizada a fonte de produção da renda, o que oautorizaria a tributá-la. Com relação ao contribuinte, entendeu, tal como Ministro Bilac Pinto, ser este o sujeitopessoal e diretamente relacionado ao fato jurídico tributário. Correspondendo este fato à remessa de juros, seriaabsolutamente legítimo indicar o remetente como seu contribuinte.
- 121 -
incidência do imposto sobre rendas auferidas no território brasileiro ou pagas por fonte
aqui localizada, sobretudo quando se tratasse de contribuinte pessoa não-residente.
Ministro Oswaldo Trigueiro290 apontou a inconstitucionalidade do
Decreto-lei n.º 401/68, artigo 11, por determinar este dispositivo a incidência de imposto
sobre a renda sobre juros produzidos e pagáveis no exterior. Sustentou Ministro Oswaldo
Trigueiro que sequer se entendendo o dispositivo em causa como instituidor de outro
imposto que não sobre a renda, designadamente imposto sobre operações de crédito, tal
como pretendeu o Relator, Ministro Carlos Thompson Flores, seria impossível tomá-lo
como constitucional, haja vista o Código Tributário Nacional não permitir imprecisões
técnicas na definição dos fatos geradores e das bases de cálculo. Ministro Oswaldo
Trigueiro asseverou, ainda, que não seria cabível tratar o imposto previsto no Decreto-lei
401/68, artigo 11, como imposto inominado, instituído com base na competência residual
da União, por não terem sido previstos os critérios mínimos para sua exigência.
Em seu voto, Ministro Bilac Pinto trouxe novos subsídios para
apreciação da questão. Asseverou que legitimaria a tributação o simples fato de a fonte
pagadora ser brasileira, tal como disposto no Decreto-lei n.º 401/68, artigo 11,
independentemente de onde tivesse sido firmado o contrato de financiamento. Um dado
interessante do voto é quando Ministro Bilac Pinto refere-se à competência para assinar
convenções para evitar a dupla tributação. Sustentou que os acordos assinados pelo Brasil
remetem ao país de fonte a competência para tributação de juros e que, a se negar isso,
invalidado estaria o acordo nesse tocante. Por fim, manifestou entendimento de que não
haveria qualquer problema em se indicar como contribuinte o remetente, posto ser este
290 Concluindo seu voto, asseverou Ministro Oswaldo Trigueiro: “O Supremo Tribunal Federal apenas entendeu, atéagora, que o impôsto (sic) de renda não incide sôbre (sic) a remessa de juros contratados e pagáveis no exterior,quando o credor não opera no Brasil. Mas, se o que se quer é cobrar do devedor brasileiro, essa pretensão me pareceinviável, em face de obstáculo de natureza constitucional. Exigir-se dêle (sic) que pague impôsto (sic) de renda seráato contrário ao Código Tributário Nacional. Cobrar-se o mesmo imposto (sic), sob outro rótulo, é igualmenteinadmissível, por falta de apoio em lei”. Recurso Extraordinário n.º 71.758/GB, Relator Ministro Carlos ThompsonFlores, DJ 29.08.1973.
- 122 -
direta e pessoalmente relacionado ao fato jurídico tributário do imposto em causa, a saber,
remessa de juros.
Seguiram-se a este julgamento outros291 no mesmo sentido, o que
culminou na Súmula 586, que assim dispõe: “Incide imposto de renda sobre os juros
remetidos para o exterior, com base em contrato de mútuo”.
4.3.3.3 Serviços – primeira fase
O Pleno do Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do
Recurso Extraordinário n.º 72.190/SP, em que foi discutida a inconstitucionalidade de
exigência de imposto sobre a renda sobre valores remetidos ao exterior, para pagamento
de empresa estrangeira por serviços contratados, prestados e pagos fora do Brasil,
manifestou-se no sentido de que não se aplica ao caso o Decreto-lei n.º 401/68, artigo 11,
pelo fato deste cuidar da tributação de juros remetidos ao exterior.
Ministro Oswaldo Trigueiro, Relator do julgamento, cujo voto292 foi
seguido pelos demais Ministros presentes à sessão, entendeu que, por não serem os
serviços nem prestados nem pagáveis no Brasil, não haveria como se cogitar a tributação
da respectiva renda.
291 Recurso Extraordinário n.º 76.792/SP, Relator Ministro Xavier Albuquerque, DJ 11.10.1974; RecursoExtraordinário n.º 75.852/SP, Relator Ministro Djaci Falcão, DJ 18.02.1975; Recurso Extraordinário n.º 77.608/SP,Relator Ministro Aliomar Baleeiro, DJ 08.01.1975; e outros.292 “Nestas condições, não há o que censurar na decisão recorrida que, de resto, se inspirou na doutrina da própriaadministração federal, tal como compendiada na Portaria 184, de 8.6.66. Neste ato está dito que, se os serviços sãovendidos por emprêsa domiciliada no exterior, e produzidos mediante atividade exercida exclusivamente no exterior,o preço pago na importação dos mesmos serviços não constitui rendimento sujeito à tributação do impôsto de renda”.Recurso Extraordinário n.º 72.190/SP, Relator Ministro Oswaldo Trigueiro, DJ 22.09.1971.
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Seguiram-se a este julgamento outros293 no mesmo sentido, o que
culminou na Súmula 585, que assim dispõe: “Não incide o imposto de renda sobre a
remessa de divisas para pagamento de serviços prestados no exterior, por empresa que não
opera no Brasil”.
Foi proferida outra decisão, também pelo Pleno, por ocasião do
julgamento do Recurso Extraordinário n.º 72.822/SP, em que foi discutida a
inconstitucionalidade de exigência de imposto sobre a renda sobre remuneração de
serviços prestados por empresa estrangeira em território brasileiro.
Ministro Oswaldo Trigueiro, Relator também desse caso, cujo voto294
foi acompanhado pelos demais Ministros presentes à sessão, entendeu que no caso de
serviços prestados no Brasil por empresa estrangeira, ainda que contratados no exterior, a
respectiva renda estaria sujeita ao imposto brasileiro. Com isso, infere-se que, para o
Supremo Tribunal Federal, a fonte de produção da renda, e não o seu local de pagamento,
era o critério idôneo para se determinar a incidência ou não do imposto em causa.
Seguiram-se a este julgamento outros295 no mesmo sentido, o que
culminou na Súmula 587, que assim dispõe: “Incide imposto de renda sobre o pagamento
de serviços técnicos contratados no exterior e prestados no Brasil”.
293 Recurso Extraordinário n.º 77.773/SP, Relator Ministro Djaci Falcão, DJ 26.04.1974; Recurso Extraordinário n.º78.749/SP, Relator Ministro Xavier de Albuquerque, DJ 18.02.1975; Recurso Extraordinário n.º 80.622/MG, RelatorMinistro Thompson Flores, DJ 15.08.1975; e outros.294 “Desejo observar, por último, que, com esse entendimento, não modifico os votos anteriores, que proferi, sobre acobrança do imposto de renda nas remessas para o exterior, particularmente quanto à transferência de numerário parapagamento de juros, após a vigência do Dl. 401, de 1968”. Recurso extraordinário n.º 72.822/SP, Relator MinistroOswaldo Trigueiro, DJ 16.06.1972.295 Recurso Extraordinário n.º 77.773/SP, Relator Ministro Djaci Falcão, DJ 26.04.1974; Recurso Extraordinário n.º78.749/SP, Relator Ministro Xavier de Albuquerque, DJ 18.02.1975; Recurso Extraordinário n.º 80.622/MG, RelatorMinistro Thompson Flores, DJ 15.08.1975; e outros.
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4.3.3.4 Serviços – segunda fase
Em 1975, foi publicado Decreto-lei de número 1.418, cujo artigo 6º
assim dispõe: “O imposto de 25% de que trata o artigo 77 da Lei n.º 3.470, de 28 de
novembro de 1958, incide sobre os rendimentos de serviços técnicos e de assistência
técnica, administrativa e semelhantes derivados do Brasil e recebidos por pessoas físicas
ou jurídicas residentes ou domiciliadas no exterior, independentemente da forma de
pagamento e do local e data em que a operação tenha sido contratada, os serviços
executados ou a assistência prestada”.
Suscitada a inconstitucionalidade desse dispositivo junto ao Supremo
Tribunal Federal, manifestou-se o Pleno desta Corte no sentido de que, com relação às
remessas referentes a serviços prestados anteriormente à sua publicação, este seria
inaplicável, e, quanto às posteriores, seria o dispositivo absolutamente constitucional. Foi
o Relator deste julgamento o Ministro Oscar Corrêa, cujo voto foi acompanhado pelos
demais Ministros presentes à sessão.
Ministro Oscar Corrêa entendeu que a territorialidade da tributação
de rendas provenientes unicamente de serviços prestados por empresa estrangeira no
Brasil tinha como fundamento a Lei de Introdução ao Código Civil, artigo 9º. Com a
edição do Decreto-lei n.º 1.418/75, artigo 6º, foi o dispositivo em causa da Lei de
Introdução ao Código Civil revogado, quanto à matéria regulada por aquele Decreto-lei,
pelo que deixou de ser aplicável a Súmula 586 com relação às rendas referentes a serviços
prestados posteriormente ao início da vigência do Decreto-lei n.º 1.418/75.
O entendimento ora esposado, apesar de ainda não ter sido objeto de
súmula, vem sendo adotado pelo Supremo Tribunal Federal até os dias atuais.
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4.3.3.5 Nossa avaliação acerca da jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal
Na nossa avaliação, o Supremo Tribunal Federal, ao longo dos
últimos quarenta anos, vem entendendo que a territorialidade material é limite objetivo ao
exercício da competência da União com relação à tributação de rendas auferidas por não-
residentes.
No entanto, parece-nos que esse Tribunal não entende ser a
Constituição rígida quanto às possibilidades de critérios de conexão. Basta que a renda,
por alguma razão, guarde relação com o território brasileiro, o que acaba por conferir
ampla liberdade ao legislador infraconstitucional para eleger critérios de conexão que
permitam a tributação de rendas auferidas por não-residentes.
Como vimos, nas manifestações mais recentes, ficou consignado
entendimento de que, sendo a fonte pagadora da renda sujeito residente no Brasil, isso já
configura critério de conexão entre esta renda e o território brasileiro, o que legitima a
União a proceder à sua tributação.
Face às características do Sistema Constitucional Brasileiro,
mormente a rigidez da discriminação das competências tributárias, entendemos não ser o
atual posicionamento da Suprema Corte o que melhor atende às determinações da Carta
Magna.
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5. CATEGORIAS DE RENDAS AUFERIDAS POR PESSOA NÃO-
RESIDENTESumário: 5.1 Considerações gerais - 5.2 Ganho de capital – 5.3 Juros – 5.4
Dividendos: 5.4.1 Juros sobre capital próprio – 5.5 Royalty – 5.6 Serviços.
5.1 Considerações gerais
Neste tópico aplicaremos as considerações tecidas até o presente momento
na análise de algumas das categorias de rendas comumente auferidas por pessoas não-
residentes. Outras certamente existem, mas julgamos por bem proceder à análise daquelas
que julgamos mais relevantes.
Importante fixar que denominamos as categorias de rendas em função da
mutação patrimonial que permita sua existência. Assim, renda decorrente de ganho de
capital cuidar-se-á da categoria ganho de capital, aplicando-se essa tomada de posição
quanto aos demais casos analisados a seguir.
5.2 Ganho de capital
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Ganho de capital, pode-se dizer, é a diferença positiva entre o quanto se
gastou para possuir um direito real ou pessoal e o quanto se recebeu pela sua alienação296,
liquidação ou reembolso297 298, conceito este acolhido pelo direito pátrio299.
Duas mutações patrimoniais, pelo menos, são necessárias para se identificar
a realização ou não de ganho de capital: i) uma primeira que não aumenta nem diminui o
patrimônio, correspondente à apropriação do custo de aquisição do direito real ou pessoal;
ii) uma mutação positiva, relativa ao valor de alienação, liquidação ou reembolso do
direito real ou pessoal.
Quando se cuidar de direito real ou pessoal adquirido a título oneroso haverá
ainda uma terceira mutação patrimonial, de natureza negativa, referente à realização do
seu custo de aquisição.
Dada à necessidade de existir mutação patrimonial positiva, temos que
somente pode dar lugar a ganho de capital, nos termos aqui analisados, alienação,
liquidação ou reembolso a título oneroso, isto é, deve o alienante receber algo
economicamente avaliável como contrapartida de um desses atos.
No que tange a pessoas residentes no Brasil, a nosso ver, o conceito de
ganho de capital ora proposto pouco oferece300. Isso porque, como já asseveramos,296 Porque existe um conjunto de direitos reais ou pessoais vinculados a uma pessoa, há a necessidade de se assegurara transferibilidade de partes ou da totalidade desses direitos. Alienar significa transferir, transmitir. É gênero,composto de várias espécies, tais como a compra e venda, a permuta, a cessão de direitos pessoais etc.297 A mera valorização de um direito real ou pessoal não é suficiente para dar origem a um ganho de capital. Nãodenota capacidade contributiva a expectativa de uma pessoa ter seu patrimônio aumentado. A mais-valia só é certaquando realizada, vale dizer, por ocasião da alienação do direito real ou pessoal ao qual se refira. Em sentido análogoao nosso, ver: LEMKE, Gisele. Imposto de renda – os conceitos de renda e de disponibilidade econômica e jurídica.São Paulo: Dialética, 1998, p. 70; MATTOS FILHO, Ary Oswaldo. Notas sobre a tributação de ganhos de capital.Tese de doutorado. São Paulo: USP, 1972, p. 75; PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Imposto sobre a renda – pessoasjurídicas. Rio de Janeiro: Justec, 1979, p. 622. 298 Sobre o conceito de realização de ganho de capital, ver: TILBERY, Henry. A tributação dos ganhos de capital.São Paulo: Resenha Tributária, 1977, p. 26 e 78.299 Lei n.º 7.713/88, artigo 3º, § 2º.300 Nos casos em que o legislador deseje dar cabo a valores constitucionalmente prestigiados, o conceito pode tervalia. Com efeito, a depender do critério de discriminação, pode ser determinada a exclusão de mutaçõespatrimoniais cujo confronto dê lugar a ganho de capital da apuração da renda. Nada mais que isso.
- 128 -
determina a Constituição a possibilidade de instituição de imposto sobre a renda, ou seja,
sobre saldo positivo decorrente do confronto de mutações patrimoniais positivas e
negativas (estas últimas somente as necessárias à aquisição, manutenção e produção da
renda e patrimônio).
A competência para tributação de renda pressupõe, portanto, a consideração
de ganhos de capital na sua apuração301. Trata-se de corolário dos princípios da igualdade
e da universalidade. Por outro lado, não incide o imposto sobre esta ou aquela mutação
patrimonial positiva isoladamente considerada nem sobre o produto de um grupo
específico mutações patrimoniais, tal qual o ganho de capital302.
Ao contrário, com relação a pessoas não-residentes, tendo em vista o
peculiar regime de apuração de imposto sobre a renda devido por estas pessoas, analisado
no Capítulo 4 do presente trabalho, é possível vislumbrar o ganho de capital como
categoria de renda.
Pois bem, afirmamos linhas atrás que, quando se cuida de pessoa não-
residente, a renda deve ser apurada analiticamente, isto é, mediante o confronto de
mutações patrimoniais motivadas por ato ou fato jurídico (fonte) isoladamente
considerado.
Da análise do conceito de ganho de capital, verifica-se que este pode
corresponder a uma categoria de renda quando realizado por pessoa não-residente.
301 Para Henry Tilbery, mesmo que o Código Tributário Nacional, artigo 43, não estabelecesse o conceito deproventos da maneira ampla como o fez, a União Federal poderia tributar ganhos de capital, não mediante o exercícioda competência para instituição de imposto sobre a renda, mas mediante exercício da sua competência residual.Confira-se: “Nesta altura, é oportuno fazer uma observação à margem: A Lei Maior não somente autoriza a União atributar ganhos de capital dentro de sua competência privativa, mas a União pode, além disso, instituir impostossobre o patrimônio dentro da competência residual”. TILBERY, Henry. A tributação dos ganhos de capital. SãoPaulo: Resenha Tributária, 1977, p. 83.302 Com relação a pessoas físicas essa não é a orientação adotada pela legislação infraconstitucional. Para essacategoria de contribuintes, o ganho de capital é tributado separadamente, não sendo as mutações patrimoniais que lhedêem origem confrontadas com outras ocorridas num dado período, tais como as decorrentes do trabalho, deinvestimento no mercado financeiro e de capitais etc.
- 129 -
Deveras, ganho de capital nada mais é do que acréscimo a um patrimônio – direito real ou
pessoal - isoladamente considerado. E este acréscimo é apurado mediante o confronto de
mutações patrimoniais positivas e negativas (necessárias à aquisição, manutenção e
produção da renda e do patrimônio) ocorridas entre a data de aquisição de um dado direito
real ou pessoal e a data de sua alienação, liquidação ou reembolso303.
A realização de ganho de capital pressupõe um período304. Com efeito,
alguém só pode alienar, ter liquidado ou ser reembolsado de direito real ou pessoal do
qual detenha a titularidade. Para que se possa alienar, ter um direito liquidado ou
reembolsado faz-se necessário primeiramente adquirir. Sempre haverá um intervalo
(período) entre um ato e outro, por conseqüência, possibilidade de ser apurado acréscimo
patrimonial.
Ganho de capital auferido por pessoa não-residente somente pode ser
tributado no Brasil quando for realizado neste País. Deve a localização dessa categoria de
renda ser realizada mediante critério previsto no próprio arquétipo constitucional do
imposto correspondente. Se se trata de renda de não-residente, mister identificar-se que
categoria se trata e, depois, sua fonte de produção.
Afirmamos anteriormente que fonte de produção de renda são os atos ou
fatos jurídicos que motivem mutações patrimoniais positivas. No caso específico do ganho
de capital, a única mutação possível dessa natureza é a correspondente ao recebimento do
valor pela alienação, liquidação ou reembolso de um dado direito real ou pessoal. O que a
motiva é o ato jurídico alienação, liquidação ou reembolso, razão pela qual entendemos
serem estes a fonte de produção do ganho de capital.
303 Lembrando que ambas as espécies de mutação patrimonial devem ocorrer em território brasileiro. A alienação,liquidação ou reembolso de direito real ou pessoal motiva tanto a mutação positiva quanto a negativa, de tal sorte queocorrida esta alienação no território brasileiro, quer a primeira espécie de mutação, quer a segunda, devem serconsideradas na apuração da categoria de renda em análise.304 TILBERY, Henry. A tributação dos ganhos de capital. São Paulo: Resenha Tributária, 1977, p. 32.
- 130 -
Serão passíveis, pois, de tributação no Brasil os ganhos de capital cujos atos
jurídicos que lhe tenham dado origem sejam praticados nos limites do território brasileiro.
O direito real ou pessoal objeto de alienação, liquidação ou reembolso é
dado absolutamente estranho ao arquétipo constitucional do imposto sobre a renda devido
por pessoa não-residente. Não dá direito real ou pessoal lugar a mutação patrimonial
positiva, o que afasta a possibilidade de este ser considerado fonte de produção de ganho
de capital.
Diante dessas considerações, temos que é indiferente a localização do direito
real ou pessoal no espaço, se em território brasileiro ou alhures. Ainda que situado no
Brasil o direito real ou pessoal, se sua alienação, liquidação ou reembolso operar-se fora
dos limites territoriais deste País, falecerá competência à União para tributar o ganho de
capital eventualmente realizado305.
Ainda que o adquirente seja pessoa residente no Brasil, sendo o ato jurídico
de alienação, liquidação ou reembolso praticado no exterior, continuará falecendo
competência à União para tributar o ganho de capital eventualmente realizado. Como
dissemos, o critério de conexão constitucionalmente estabelecido é a fonte de produção,
nunca a fonte pagadora. Mesmo porque sequer é possível afirmar-se ser a pessoa não-
residente fonte pagadora, vez que esta paga preço, valor de liquidação ou valor de
reembolso, e não ganho de capital306.
305 Recentemente, por meio da Lei n.º 10.833, artigo 26, foi prevista incidência de imposto sobre a renda sobre ganhode capital realizado em operação praticada entre não-residentes ou entre não-residente (alienante) e residente(adquirente). Caso a operação que dê lugar a ganho de capital não seja realizada nos limites do território brasileiro,temos que é inaplicável o dispositivo em causa. Essa é a única interpretação que possibilita sua conformação aosditames constitucionais.306 Voltaremos a tratar da questão da inexistência de fonte pagadora de ganho de capital, por ocasião da análise daregra-matriz de incidência do imposto sobre a renda devido por não-residentes.
- 131 -
5.3 Juros
Juros são frutos (acessórios) decorrentes da utilização do capital alheio
(principal). Assim como o trabalho gera salário, a locação, o aluguel, o capital produz
juros.
Segundo Pontes de Miranda307, juros são: “Produtos do capital, seja
consistente em dinheiro, seja consistente em bem que não seja dinheiro, os juros entram
na classe dos frutos, o que deu ensejo à distinção entre ‘fructus naturales’ e ‘fructus
civiles’”.
Para Orlando Gomes308: “O uso do capital alheio pode ser remunerado
mediante o pagamento de quantia proporcional a seu valor e ao tempo da utilização. A
essa retribuição chama-se juro”.
Para fins do presente de trabalho, interessam-nos mais de perto os juros
remuneratórios convencionalmente estabelecidos, especificamente os atinentes a
operações de mútuo de recursos financeiros e de financiamento de bens e serviços.
A espécie de mútuo acima indicada consiste no empréstimo de dinheiro a
alguém, que tem a obrigação de restituir ao credor coisa (moeda) do mesmo gênero,
qualidade e quantidade, na data aprazada. Em outras palavras, se “A” emprestou a “B” R$
1.000,00, com vencimento em 30 dias, findo este prazo deverá o último restituir essa
quantia ao primeiro.
Financiamento de bens ou serviços é negócio jurídico mediante o qual uma
pessoa (financiador) adianta recursos a alguém (financiado), para que este possa adquirir
307 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado: parte especial, 3ª ed. São Paulo: RT,1984, t. XXXXII, p. 29.308 GOMES, Orlando. Obrigações, 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 52.
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aqueles, entregando o financiador os respectivos dinheiros diretamente ao fornecedor.
Financiado deve restituir ao financiador coisa (moeda) do mesmo gênero, qualidade e
quantidade entregue ao fornecedor de bens ou serviços.
Podem as partes, quer no mútuo, quer no financiamento, estabelecer que
será devida remuneração – juros309 – proporcionalmente ao tempo de duração dos
negócios em causa.
Para o credor (mutuante ou financiador), a restituição do capital aplicado
representa mutação patrimonial que nem aumenta nem diminui o patrimônio. Já a
remuneração – juros -, incorpora-se positivamente ao patrimônio do credor,
correspondendo, pois, a mutação patrimonial positiva.
Juros darão lugar a acréscimo patrimonial – renda - à medida que for
possível vislumbrar um período durante o qual possa ser confrontado com outras
mutações patrimoniais relacionadas à sua fonte de produção. Não se pode perder de vista
que, na apuração de renda, deverão ser consideradas as mutações patrimoniais negativas
necessárias à aquisição, manutenção e produção da própria renda e do patrimônio
particularmente considerado310.
Para alguém receber juros em virtude de concessão de mútuo de recursos
financeiros ou financiamento, é necessário primeiro transferir a titularidade de
dinheiros311.
309 Pontes de Miranda ensina que outros tipos de negócios jurídicos podem dar a lugar a juros, tais como na compra evenda a prazo: “Os juros, êsses (sic), não só se estipulam no mútuo. São meio para que não se deixe de perceber –por exemplo, com a venda a prazo – o equivalente ao que provàvelmente (sic) se perceberia, durante o tempo em quese aguarda o pagamento, se noutro negócio se aplicasse o dinheiro”. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti.Tratado de direito privado: parte especial, 3ª ed. São Paulo: RT, 1984, t. XXXXII, p. 30.310 Desde que ocorridas em território brasileiro. Por exemplo, despesa com honorários de advogado brasileiro paraorientação sobre procedimento para propositura de ação de cobrança dos juros, na eventualidade destes não serempagos no vencimento.311 “No direito brasileiro, o mútuo é, de regra, contrato real: exige, para ser, o elemento ‘entrega da coisa’. A entregada coisa aí, não é elemento necessário à validade do contrato nem à sua eficácia; é elemento necessário à suaexistência. Sem a entrega da coisa, não há ainda mútuo (...)”.PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti.Tratado de direito privado: parte especial, 3ª ed. São Paulo: RT, 1984, t. XXXXII, p. 8.
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Num mútuo ou financiamento em que seja devida uma única parcela de
juros, o período corresponderá ao intervalo entre a data da concessão dos recursos e a data
do vencimento daqueles. O patrimônio referência do não-residente corresponderá, por
conseguinte, aos recursos financeiros mutuados ou objeto do financiamento. Tudo que for
acrescido a esse patrimônio dentro do período indicado corresponderá à renda.
Por sua vez, num mútuo ou financiamento com prazo de duração de doze
meses, em que fique pactuado o pagamento de juros mensais, cada parcela destes,
individualmente considerada, poderá dar lugar a renda.
O período, nessa situação, terá uma peculiaridade. Na primeira parcela, ter-
se-á a mesma situação descrita acima, qual seja, período correspondente ao intervalo entre
a concessão dos recursos e o vencimento daquela, sendo o patrimônio referência para
apuração de renda o montante dos recursos concedidos. Diferentemente, as demais
parcelas terão como período o intervalo compreendido entre o seu vencimento e o da
parcela imediatamente anterior.
Dessa forma, o patrimônio referência deixará de ser tão somente o montante
dos recursos concedidos em mútuo ou financiamento312. Será este montante acrescido do
valor dos valores correspondentes às parcelas anteriormente vencidas. Assim, se foram
emprestados R$ 1.000,00 e pactuado o pagamento de R$ 10,00 mensais a título de juros
durante doze meses, o patrimônio referência para apuração de renda na quinta parcela, por
exemplo, serão os R$ 1.000,00 acrescidos das rendas apuradas na primeira, segunda,
terceira e quarta parcelas, ou seja, R$ 40,00313.
312 Sobre a questão do período no caso de renda reproduzível ao longo do tempo, remetemos o leitor ao Capítulo 4 dopresente trabalho, item 4.3.2.1.313 Assumindo que não houve mutações patrimoniais negativas necessárias à aquisição, manutenção e produção darenda e do patrimônio.
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A mutação patrimonial positiva correspondente aos juros, nas situações
objeto da presente análise, é motivada pelo fato de alguém deter capital alheio. De
harmonia com essa premissa, é possível concluir, então, que fonte de juros é o dever de se
restituir ao credor igual quantidade, espécie e qualidade da coisa mutuada – capital.
Juros devidos a pessoa não-residente somente podem ser tributados no
Brasil quando forem auferidos neste País, pelo que deve a localização daqueles ser
realizada mediante critério previsto no próprio arquétipo constitucional do imposto sobre
a renda. Se se trata de renda de não-residente, mister identificar-se de que categoria se
trata e, depois, sua fonte de produção.
Por ser o dever de restituir ao credor os dinheiros emprestados ou utilizados
em financiamento intitulado por alguém, temos que a residência ou domicílio do devedor
é o critério legítimo para se identificar o local da fonte de produção de juros, razão pela
qual nada oferece, para fins de localização de renda proveniente destes, o local de
firmamento dos respectivos contratos muito menos de seu pagamento314.
Diante disso, poderá dar lugar à renda tributável no Brasil juros devidos a
pessoa não-residente quando o devedor for pessoa residente ou domiciliada neste País.
Caso a dívida correspondente seja transferida a pessoa residente ou domiciliada em outro
país, os juros vencíveis a partir da data da assunção não serão mais tributáveis no Brasil.
A esta conclusão já havia chegado Gilberto de Ulhôa Canto315 há mais de
trinta anos: “É por isso que se entende, com toda propriedade, que os juros decorrentes de
mútuo feito por entidade do exterior a residente no Brasil são tão tributáveis como os
juros que devedor paga a credor, ambos aqui domiciliados. Se retomarmos a análise dos
314 Sobre o assunto, ver: XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil, 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense,2002, p. 412.315 ULHÔA CANTO, Gilberto de. Juros pagos por residente ou domiciliado no Brasil a vendedor de bens no exterior,em virtude de concessão de financiamento pelo próprio vendedor. Produção e realização do rendimento: local ondedeve ser tributado. Territorialidade. Estudos e pareceres de direito tributário. São Paulo: RT, 1975, p. 28.
- 135 -
elementos relevantes para determinar a qual Estado compete cobrar o imposto sobre a
renda, elementos esses que são, respectivamente, a produção e a realização, com nítido
relevo daquela sobre esta, facilmente chegaremos a concluir que no caso de mútuo o
rendimento dele resultante – o juro – é produzido no Estado onde se encontra o mutuário
(...)”.
5.4 Dividendos
Por dividendo entenda-se, a grosso modo, a parcela do lucro líquido316 da
sociedade a ser partilhada, via de regra em dinheiro, entre os respectivos sócios ou
acionistas317.
A grosso modo, pois, como prelecionam Egberto Lacerda Teixeira e José
Alexandre Tavares Guerreiro318, em sede de sociedade anônima, dividendo nem sempre
corresponde à distribuição de lucro líquido: “Com efeito, não é apenas o lucro líquido do
exercício que pode amparar o pagamento de dividendos: a sociedade pode não ter
registrado resultados positivos em determinado ano e, ainda assim, distribuir vantagens
pecuniárias aos acionistas. Para tanto, basta que disponha de lucros acumulados,
originados em exercícios anteriores, ou de reservas de lucros, cujo montante mediante
decisão da Assembléia, pode ser estornado com tal finalidade. Mas, mesmo nos casos de
indisponibilidade de lucros acumulados ou de inexistência de reservas de lucros, o
pagamento de dividendos ainda será possível, restrito embora à classe de dividendo
cumulativo. Sendo o lucro insuficiente para lhes permitir a vantagem em questão, autoriza
a lei que o dividendo respectivo seja pago à conta das reservas de capital (...)”.
316 Resultado positivo do exercício deduzido dos prejuízos acumulados, provisão para o imposto sobre a renda eparticipações de empregados, administradores e partes beneficiárias. Ver Lei n.º 6.404/76, artigos 189 a 191.317 TEIXEIRA, Egberto Lacerda e GUERREIRO, José Alexandre Tavares. Das sociedades anônimas no direitobrasileiro. São Paulo: José Bushatsky, 1979, p. 583.318 TEIXEIRA, Egberto Lacerda e GUERREIRO, José Alexandre Tavares. Das sociedades anônimas no direitobrasileiro. São Paulo: José Bushatsky, 1979, p. 583.
- 136 -
A despeito de confundirem-se substancialmente, por ambos constituírem
remuneração do capital aplicado, juros e dividendo não se confundem. Distinguem-se
juros de dividendo, sobretudo porque este último não constitui remuneração pela privação
do capital319.
A relação entre sócio/acionista e sociedade tem como característica
fundamental a independência de patrimônios. Cada qual, sócio/acionista e sociedade,
possuem personalidade jurídica própria320 e, portanto, capacidade para possuir patrimônios
distintos. Direito ao dividendo não significa que seja o sócio ou acionista titular do lucro
auferido pela sociedade. O lucro é de titularidade desta última. Por ocasião de sua
distribuição é que passará a ser detido pelo sócio ou acionista e, ainda assim, até o
montante objeto da distribuição.
Como muito bem observa Fábio Comparato321: “(...) enquanto o direito
genérico aos lucros sociais engendra a impugnação de contas e, eventualmente, a
pretensão de ver decretada a nulidade de lançamentos aprovados por assembléia geral, o
direito específico ao dividendo redunda numa pretensão de cobrança, como autêntico
crédito que é”.
Dividendo distribuído corresponde a ingresso que se incorpora
positivamente ao patrimônio do sócio ou acionista, isto é, uma mutação patrimonial
positiva. Cabe-nos verificar se, quando se tratar de sócio ou acionista não-residente no
Brasil, dividendo pode dar lugar à renda e, portanto, ser tributável pelo imposto
correspondente.
319 GOMES, Orlando. Obrigações, 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 53.320 Código Civil, artigo 985.321 COMPARATO, Fábio Konder. Novos ensaios e pareceres de direito empresarial. Rio de Janeiro: Forense, 1981,p. 153. Ver também: TEIXEIRA, Egberto Lacerda e GUERREIRO, José Alexandre Tavares. Das sociedadesanônimas no direito brasileiro. São Paulo: José Bushatsky, 1979, p. 589; XAVIER, Alberto. Pagamento parceladode dividendos com cláusula de correção monetária. Pareceres de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 14.
- 137 -
O patrimônio do não-residente corresponderá, nesses termos, à participação
no capital social da sociedade investida, avaliado de acordo com o quanto tenha sido gasto
na sua aquisição. Tudo que for acrescido a esse patrimônio dentro de um determinado
período corresponderá à renda. Para tanto, não se pode perder de vista que, na apuração
dessa, deverão ser consideradas as mutações patrimoniais negativas necessárias à
aquisição, manutenção e produção da própria renda e do patrimônio particularmente
considerado322.
Deve ser analisado, ainda, se dividendo coaduna-se com a idéia de período.
Pensamos afirmativamente. Isso porque o recebimento de dividendo pressupõe um ato
jurídico anterior, a aquisição de quotas ou ações representativas do capital social de uma
sociedade323.
O intervalo compreendido entre a realização do investimento e a primeira
distribuição de dividendos será o período para primeira apuração da renda correspondente.
As demais terão como período o intervalo entre o seu vencimento e o da distribuição
imediatamente anterior.
Com isso, cada distribuição, individualmente considerada, poderá dar lugar
à renda.
O patrimônio referência deixará, então, de ser tão somente o montante
desembolsado na aquisição de participação no capital de sociedade. Será este montante
acrescido do valor dos valores correspondentes às distribuições de dividendos
anteriormente realizadas.
322 Desde que ocorridas em território brasileiro. Por exemplo, remunerações pagas a procurador no Brasil querepresente o sócio ou acionista não-residente junto à sociedade investida.323 Ato este que pode dar-se quer mediante subscrição de novas quotas ou ações, ou aquisição junto a terceiros dequotas ou ações já existentes.
- 138 -
Assim, se foram gastos R$ 1.000,00 na aquisição de um investimento dessa
natureza, em 30 de fevereiro de 2000, e nos anos seguintes tenham sido feitas três
distribuições de dividendos nos valores de, respectivamente, R$ 100,00, R$ 200,000 e R$
400,00, o patrimônio referência para apuração de renda na terceira distribuição, por
exemplo, serão os R$ 1.000,00 acrescidos das rendas apuradas na primeira e segunda
distribuições, ou seja, R$ 300,00324.
A mutação patrimonial positiva correspondente à distribuição de dividendos
é motivada, ou em razão de o contrato social ou estatuto prever a distribuição automática
de dividendos, ou por deliberação por quem seja competente para tanto (sócios ou
assembléia de acionistas)325.
Nessa esteira, entendemos que a fonte dos dividendos, no primeiro caso, é a
própria apuração de lucros, e, no segundo, ato (deliberação) que determine sejam estes
distribuídos.
Tanto a apuração de lucros quanto a deliberação de sua distribuição ocorrem
no local de domicílio da sociedade. Conquanto seja esta domiciliada no Brasil – ou seja,
aqui se localize sua sede estatutária326 -, tem a União competência para instituir e exigir
imposto sobre a renda decorrente de dividendos distribuídos a sócio ou acionista não-
residente327.
5.4.1 Juros sobre capital próprio
324 Assumindo que não houve mutações patrimoniais negativas necessárias à aquisição, manutenção e produção darenda e do patrimônio.325 XAVIER, Alberto. Pagamento parcelado de dividendos com cláusula de correção monetária. Pareceres de direitotributário. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 16326 Código Civil, artigo 75.327 Atualmente, quer pessoas residentes, quer não-residentes, estão isentas de imposto sobre a renda sobre dividendosdistribuídos por sociedades domiciliadas no Brasil. Lei n.º 9.249/95, artigo 10.
- 139 -
É permitido às sociedades domiciliadas no Brasil pagar a seus sócios
juros sobre capital próprio, quer em razão do princípio da autonomia privada, ou da Lei
n.º 9.249/95, artigo 9º.
Apesar de se distinguirem como espécie328, pela circunstância de o
dividendo, a rigor, ser resultado da divisão do lucro líquido apurado pela empresa,
enquanto os juros representarem remuneração calculada sobre parcela do patrimônio
empresarial, em decorrência da privação do capital, têm tais mecanismos de remuneração
a investidores característica de representarem o produto de um capital aplicado na
sociedade329.
Diante disso, entendemos que pode o recebimento de juros sobre
capital próprio por pessoa não-residente dar lugar à renda tributável no Brasil, apurável
segundo os mesmos critérios aplicáveis a dividendo, analisados no item 5.3. do presente
trabalho.
5.5 “Royalty”
328 Em sentido contrário, assim apregoa Alberto Xavier: “O § 7º do art. 9º da Lei n.º 9.249 estabelece que ‘o valor dosjuros pagos ou creditados pela pessoa jurídica, a título de remuneração de capital próprio, poderá ser imputado aovalor dos dividendos de que trata o art. 202 da Lei n.º 6.404, de 15 de dezembro de 1976, sem prejuízo do dispostono § 2º’. Ora, se o valor dos ‘juros’ pode ser imputado ao dividendo obrigatório, isso significa que eles próprios têma natureza substancial de dividendo”. XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil, 5ª ed. Rio deJaneiro: Forense, 2002, p. 487.329 Conforme acima se verificou, enquanto dividendos representa parcela do lucro, juros sobre o capital própriosignifica remuneração calculada sobre o patrimônio. Enquanto, ainda, dividendos só possam ser pagos após absorçãode prejuízos acumulados (Lei nº 6.404/76, artigo 189), juros, que, como já se sublinhou, representa remuneraçãocalculada sobre o patrimônio, leva em conta a existência de prejuízos, mas não tem seu pagamento impedido, nahipótese de inexistência de lucro distribuível. A fórmula de cálculo dessa remuneração (aplicação da taxa de juros delongo prazo sobre as contas do patrimônio líquido), bem como a limitação de pagamento equivalente ao maior valorentre 50% dos lucros acumulados e o lucro do exercício, não se refere a pagamento dos juros, mas sim à suadedutibilidade para fins fiscais. Observar, ou não, tais orientações – cuja conseqüência pertine à dedutibilidade - édecisão consentida pelo Direito. Não é proibido à sociedade alguma pagar os juros em questão, caso o resultado dafórmula adotada não coincida com resultado que assegure a dedutibilidade de tal pagamento. A empresa pode pagar.A conseqüência será a indedutibilidade da despesa correspondente.
- 140 -
Dispõe a Lei n.º 4.506/64, artigo 22, que royalty corresponde a rendimentos
de qualquer espécie decorrentes do uso, fruição e exploração de direitos:
“Art. 22 – Serão classificados como royalties os rendimentos de qualquer
espécie decorrentes do uso, fruição, exploração de direitos, tais como:
a) direito de colhêr ou extrair recursos vegetais, inclusive florestais;
b) direito de pesquisar e extrair recursos minerais;
c) uso ou exploração de invenções, processos e fórmulas de fabricação e de
marcas de indústria e comércio;
d) exploração de direitos autorais, salvo quando percebidos pelo autor ou
criador do bem ou obra.
Parágrafo único. Os juros de mora e quaisquer outras compensações pelo
atraso no pagamento dos "royalties" acompanharão a classificação destes”.
Concordamos com José Luiz Bulhões Pedreira330, para quem a enumeração
ofertada pelo dispositivo ora colacionado é exemplificativa, e não exaustiva. No entanto,
não podemos deixar de observar que as situações indicadas possuem notas comuns que
permitem a construção de um conceito de royalty no direito interno331.
Alberto Xavier, levando em conta as notas comuns às situações arroladas
pela Lei n.º 4.506/64, artigo 22, fornece o seguinte conceito: “À luz do direito interno, o
royalty é uma categoria de rendimentos que representa a remuneração pelo uso, fruição ou
exploração de determinados direitos, diferenciando-se assim dos aluguéis que representam
a retribuição do capital aplicado em bens corpóreos, e dos juros, que exprimem a
contrapartida do capital financeiro”332.
330 PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Imposto sobre a renda – pessoas jurídicas. Rio de Janeiro: Justec, 1979, p. 395.331 SAWAYA BATISTA, Luiz Rogério. A tributação das quantias pagas a título de licença de uso de software pelaCide. Revista dialética de direito tributário, n.º 85. São Paulo: Dialética, 2002, p. 85.332 XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil, 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 617.
- 141 -
Note-se que a cessão é do direito de uso e gozo sobre determinados
direitos333 - identificáveis mediante contraposição a direitos sobre bens corpóreos e sobre
capital financeiro - e não do direito de propriedade sobre estes últimos. Quando se tratar
de cessão dos direitos em si, a respectiva remuneração não terá a natureza de royalty, mas
sim de preço, que poderá dar lugar à realização de ganho de capital334.
Bem observa Daniel Vitor Bellan que, em se tratando de cessão de direito de
uso de direito autoral, a respectiva remuneração não corresponde a royalty, mas sim a
rendimento do trabalho autônomo, no caso de pessoa física, ou receita operacional, se
pessoa jurídica. Confira-se: “Finalmente, também os valores recebidos a título de
pagamento pelo uso de direitos autorais (softwares, por exemplo) recebidos diretamente
pelos próprios autores ficam excluídos do citado conceito”335.
Diante das considerações tecidas acerca do conceito de royalty, temos que
este corresponde à mutação patrimonial positiva para o seu beneficiário, seja este pessoa
residente, ou não-residente no Brasil.
Compete-nos, então, verificar se royalty cujo beneficiário seja pessoa não-
residente, pode dar lugar à renda, nos termos estabelecidos ao longo do presente trabalho.
Por ser condição do surgimento do royalty a prévia cessão de direito de uso,
isto, a nosso ver, possibilita a existência de período dentro do qual possam ser
confrontadas mutações patrimoniais relacionadas à fonte de produção em causa.
Paulo: Quartier Latin, 2003, p. 361.
- 142 -
Podem cedente e cessionário de direito de uso sobre algum direito
convencionar ser o royalty devido uma única vez ou periodicamente, em função do prazo
da cessão daquele direito.
Num negócio jurídico em que reste determinado o pagamento de royalty
uma única vez, o período corresponderá ao intervalo entre a data da cessão do direito de
uso sobre algum direito e a data do vencimento daquele.
Diferentemente, em negócio cujo prazo seja de doze meses e reste
determinado pagamento mensal de royalty, cada parcela destes, individualmente
considerada, poderá dar lugar à renda. Nesse caso, o primeiro royalty terá como período o
intervalo entre cessão do direito de uso e o vencimento daquele, sendo o patrimônio
referência para apuração de renda o valor do direito de uso. Já os demais royalties terão
como período o intervalo compreendido entre o seu vencimento e o do royalty
imediatamente anterior.
Nessa última situação, o patrimônio referência deixará de ser tão somente o
valor do direito de uso cedido336. Será este último acrescido dos valores correspondentes
aos royalties anteriormente vencidos. Assim, caso o direito de uso cedido valha R$
1.000,00 e seja pactuado o pagamento de R$ 10,00 mensais a título de royalty, durante
doze meses, o patrimônio referência para apuração de renda no quinto, por exemplo, serão
os R$ 1.000,00 acrescidos das rendas apuradas no primeiro, segundo, terceiro e quarto
royalties, ou seja, R$ 40,00337.
Com isso, cada royalty, individualmente considerado, poderá dar lugar à
renda. Ressaltamos que, na apuração desta, deverão ser consideradas as mutações
336 Sobre a questão do período no caso de renda reproduzível ao longo do tempo, remetemos o leitor ao Capítulo 4 dopresente trabalho, item 4.3.2.1.337 Assumindo que não houve mutações patrimoniais negativas necessárias à aquisição, manutenção e produção darenda e do patrimônio.
- 143 -
patrimoniais negativas necessárias à aquisição, manutenção e produção da própria renda e
do patrimônio particularmente considerado338.
Renda decorrente de royalty devido a pessoa não-residente somente pode ser
tributada no Brasil quando for auferida neste País, razão pela qual deve a localização
daquela ser realizada mediante critério previsto no próprio arquétipo constitucional do
imposto sobre a renda. Se se trata de renda de não-residente, mister identificar-se que
categoria se trata e, depois, sua fonte de produção.
Fonte da remuneração em causa é o direito de uso, cedido a alguém, sobre
direitos que não se refiram a bens corpóreos nem capital financeiro. A se entender dessa
forma, temos que o critério legítimo para se identificar essa fonte de produção é a
residência ou domicílio do cessionário. Onde tenha sido firmado o contrato de cessão,
muito menos onde deva dar-se o pagamento do royalty, são dados irrelevantes para fins de
localização de renda proveniente deste.
Dessa forma, sendo o cessionário de direito de uso sobre algum direito
pessoa residente ou domiciliada no Brasil, a renda originada por royalty decorrente do
negócio jurídico correspondente poderá ser tributada neste País.
5.6 Serviços
Pessoas podem realizar atividades em favor de terceiros, seja de forma
gratuita, seja de forma onerosa. Esse facere realizado em benefício de terceira pessoa
corresponde ao conceito de serviço339.
338 Desde que ocorridas em território brasileiro. Por exemplo, despesas com remuneração de representante do cedentenão-residente no Brasil, indicado junto à Secretaria da Receita Federal.339 Sobre o conceito de serviço, ver: BARRETO, Aires Fernandino. ISS na Constituição e na lei. São Paulo:Dialética, 2003, p. 29.
- 144 -
Serviço prestado de forma onerosa dá lugar à mutação patrimonial positiva
(preço) para o prestador, pelo que, quando se cuidar este de pessoa não-residente, deve ser
verificado se a referida mutação pode originar renda, segundo as premissas adotadas no
presente trabalho.
São em grande número as dificuldades para se efetuar a pretendida análise,
desde a questão do período até a fixação de critérios para localização da renda no espaço.
Primeiramente, deve ser sublinhado que o imposto objeto do presente estudo
não é o sobre prestação de serviços (cuja competência é dos Municípios340), e sim sobre a
renda que possa decorrer desta atividade. Não se deve confundir, portanto, os critérios
para localização do fato prestar serviços com os aplicáveis ao fato auferir renda
decorrente de serviço.
Não é condição à prestação de serviço a existência de um patrimônio da
pessoa não-residente em território brasileiro. Inexiste, a rigor, um patrimônio referência
que possibilite a aferição de acréscimo após um determinado intervalo de tempo.
Nada obstante, como vimos no Capítulo 4, item 4.2.2., do presente trabalho,
renda corresponde tanto a acréscimo a patrimônio pré-existente quanto acréscimo de
patrimônio. As pessoas não necessariamente surgem titulares de direitos reais ou pessoais
economicamente avaliáveis, de modo que, se no período entre seu surgimento e um marco
final qualquer, fixado pelo direito, houver mais mutações patrimoniais positivas do que
negativas, terão auferido renda.
Antes de se cogitar em prestação de serviços e, por conseqüência,
recebimento de preço, é necessária a contratação (ato jurídico) daquela. Por essa razão, o
direito a recebimento da remuneração em causa pressupõe um período, qual seja, o
340 Constituição Federal, artigo 156, III.
- 145 -
intervalo entre o firmamento do contrato de serviços e a entrega destes (momento em que
tem o prestador direito ao recebimento do preço). Nesse caso, pode a pessoa não-residente
sequer possuir patrimônio referência para apuração de renda, o que não constitui óbice a
esta tarefa, conforme verificamos.
Quando restar convencionado o fracionamento do serviço (isto se a sua
natureza assim permitir), existirão tantos períodos quantas frações de serviço houver. O
fracionamento pode consistir em etapas, fases, trechos ou, ainda, em intervalos de
tempo341.
O período da primeira fração de serviço terá como marco inicial a data de
firmamento do contrato e como marco final, a sua entrega . Já na segunda fração, o
período terá como marco inicial a entrega da fração anterior e como marco final, a sua
própria entrega, e assim por diante. Na primeira fração, não necessariamente haverá
patrimônio referência para apuração de renda. Na segunda, este patrimônio corresponderá
ao menos ao valor do preço342 referente à primeira fração.
Cada fração de serviço individualmente considerada, portanto, poderá dar
lugar à renda.
Somente serão passíveis de tributação no Brasil as rendas de serviços
auferidas nos limites do território deste País. A localização dessas rendas deverá ser
efetuada mediante critério de conexão identificado a partir da hipótese de sua respectiva
regra-matriz de incidência.
341 BARRETO, Aires Fernandino. ISS na Constituição e na lei. São Paulo: Dialética, 2003, p. 248.342 Assumindo que não houve mutações patrimoniais negativas necessárias à aquisição, manutenção e produção darenda e do patrimônio.
- 146 -
Não temos dúvida que a fonte da mutação patrimonial positiva no presente
caso é o serviço. A localização deste, portanto, permitirá localizar a renda que porventura
tenha dado origem.
Quanto ao seu objeto, podem as obrigações ser de dar ou de fazer (que
compreende o não-fazer), Serviço, já dissemos, consiste num facere, típica obrigação de
fazer.
Mas não só. Segundo Washington de Barros Monteiro: “As obrigações
distinguem-se ainda em obrigações de meio e de resultado. Essa divisão, que se deve a
Demogue, representa progresso notável, no dizer de Mazeuad et Mazeaud, pois permite
precisar qual seja o exato objeto da obrigação, dando-lhe explicação lógica sobre o ônus
da prova”343.
E prossegue o citado autor: “Nas obrigações de resultado, obriga-se o
devedor a realizar um fato determinado, adstringe-se a alcançar certo objetivo. Por
exemplo, no contrato de transporte, obriga-se o transportador a conduzir o passageiro, são
e salvo, do ponto de embarque ao ponto de destino. Nas obrigações de meio, o devedor
obriga-se a empregar diligência, a conduzir-se com prudência, para atingir a meta
colimada pelo ato” 344.
Correspondem as obrigações de meio a uma atividade concreta do devedor,
por meio da qual este faz o possível para cumpri-las. Nas de resultado, o cumprimento só
se verifica se o resultado é atingido345.
343 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil direito das obrigações – 1ª parte, 28ª ed. São Paulo.Saraiva, 1995, vol. IV, p. 52.344 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil direito das obrigações – 1ª parte, 28ª ed. São Paulo.Saraiva, 1995, vol. IV, p. 52.345 GOMES, Orlando. Obrigações, 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 16-17.
- 147 -
A obrigação ser de meio ou de resultado não diz respeito ao comportamento
do devedor, que consistirá sempre num dar, fazer ou não-fazer. Não se trata, portanto,
senão de agrupar obrigações tradicionalmente classificadas em certos planos346. Vale
dizer, um dar, assim como um facere, poderão ser de meio ou resultado, o que dependerá
da natureza da obrigação ou, quando houver opção, de como for acordado pelas partes.
A classificação em causa é muito utilizada no estudo da responsabilidade
civil, inclusive pelo Poder Judiciário347, e, a nosso ver, pode ser de grande serventia
também para fins de localização de renda decorrente de serviços.
Pois bem, sendo a obrigação na qual consista o serviço um fazer de meio, o
que se contrata é a atividade de execução deste, independentemente do seu resultado348, de
modo que esta corresponderá à fonte de mutação patrimonial positiva e, portanto, de
eventual renda eventualmente apurada.
Serviços advocatícios no patrocínio de demanda judicial são exemplo
clássico de fazer de meio. Deve o advogado empreender seus melhores esforços de modo
a lograr êxito para seu cliente, mas não há como se garantir a entrega do resultado
almejado. É o caso, também, de serviços médicos em geral e dos serviços prestados em
regime de relação de emprego.
Tratando-se de serviço de meio, no caso de prestador não-residente, renda
por este auferida somente será tributável no Brasil se aquele for executado nos limites do
território deste País.
346 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, 19ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, Vol. II, p. 34.347 É o que se depreende da análise de acórdãos da Terceira e Quarta Turmas do Superior Tribunal de Justiça.Recurso Especial n.º 594.962/RJ, Relator Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, Terceira Turma, DJ 17.12.2004, p.534; Recurso Especial n.º 196.306/SP, Relator Ministro Fernando Gonçalves, Quarta Turma, DJ 16.08.2004, p. 261.348 É certo, porém, que deve o prestador empreender seus melhores esforços para atingir o fim pretendido pelotomador. Ainda que a obrigação não seja de resultado, o tomador contrata um serviço para um determinado fim. Adiferença, nesse caso, é que a satisfação do objetivo do tomador não elide a entrega do serviço, que se perfazmediante a sua mera prestação.
- 148 -
Por outro giro, se consistir o serviço num fazer de resultado, a fonte de
eventual renda será este último, mesmo porque, sem a sua concretização, sequer haverá
direito a recebimento de preço349. Exemplo desse tipo de serviço é o de reparo de
equipamento. Se não há conserto, ainda que empreendido esforço para tanto, não há
serviço.
Importa afirmar que o Brasil, nesse caso, poderá tributar a renda decorrente
de serviços prestados por não-residentes, conquanto o resultado contratado se dê nos
limites do território deste País. Deixa de ser relevante, pois, o local da realização dos
serviços350 se contratada uma obrigação de resultado.
Não há margem para dúvidas com relação ao que seja resultado do serviço.
Este corresponderá àquilo que for contratado pelas partes. Dificuldades certamente pode
haver para sua localização no espaço, o que, a nosso ver, não o invalida como critério de
conexão.
349 Apenas a título ilustrativo, essa classificação nada oferece para fins de determinação do local de incidência doimposto sobre serviços, já que este incide sobre o fato prestar serviços. Ou seja, independentemente da obrigação defazer ser meio ou de resultado, o facere é que será relevante.350 Em sentido contrário ao nosso, isto é, de que sendo o serviço prestado alhures, independentemente de serobrigação de meio ou de resultado, a respectiva renda não é tributável no Brasil, ver: TÔRRES, Heleno Taveira.Princípio da territorialidade e tributação de não-residentes no Brasil. Prestações de serviços no exterior. Fonte deprodução e fonte de pagamento. In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.), Direito tributário internacional aplicado.São Paulo: Quartier Latin, 2003, p. 71-108; ULHÔA CANTO, Gilberto de. Imposto sobre a renda: serviços prestadosno estrangeiro, a empresas estabelecidas no Brasil, incidência. Territorialidade do tributo. Produção e realização dorendimento. Convenções internacionais definidoras da competência tributária, com o fito de evitar bitributação.Temas de direito tributário. Rio de Janeiro: Alba, 1963, Vol. I, p. 90-105; XAVIER, Alberto. O imposto de renda nafonte e os serviços internacionais – análise de caso de equivocada interpretação dos arts. 7º e 21 dos Tratados.Revista dialética de direito tributário, n.º 49. São Paulo: Dialética, 1999, p. 7-17.
- 149 -
Auferir rendadecorrente de
6. REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE A
RENDA DEVIDO POR PESSOA NÃO-RESIDENTESumário: 6.1 Considerações gerais – 6.2 Hipótese: 6.2.1 Critério material; 6.2.2
Critério temporal: 6.2.2.1 Crédito contábil; 6.2.2.2 Ganho de capital; 6.2.2.3 Serviços
técnicos e de assistência técnica – Decreto-lei n.º 1.418/75; 6.2.3 Critério espacial:
6.2.3.1 Ganho de capital – Lei n.º 10.833/03; 6.2.4 Critério pessoal - 6.3 Conseqüente:
6.3.1 Critério quantitativo: 6.3.1.1 Base de cálculo: 6.3.1.1.1 Ganho de capital em
alienação, liquidação ou reembolso de investimento – custo de aquisição; 6.3.1.2
Alíquota: 6.3.1.2.1 Países com tributação favorecida; 6.3.2 Critério pessoal: 6.3.2.1
Sujeito ativo; 6.3.2.2 Sujeito passivo: 6.3.2.2.1 Contribuinte; 6.3.2.2.2 Retenção na
fonte; 6.3.2.2.3 Retenção na fonte na legislação interna (pessoas não-residentes);
6.3.2.2.4 Incompatibilidade entre retenção na fonte e ganho de capital – a Lei n.º
10.833/03, artigo 26.
6.1 Considerações gerais
Regra-matriz de incidência, como dissemos, cuida-se de instrumental criado
por Paulo de Barros Carvalho, representativo da estrutura da norma geral e abstrata
instituidora dos tributos.
Esse instrumental, por permitir análise individualizada dos elementos
mínimos formadores da norma geral e abstrata, mostra-se extremamente útil na análise do
regime jurídico dos tributos.
Levando em conta que entendemos ser necessário um critério pessoal na
hipótese da regra-matriz de incidência (ver item 2.4.2.), temos que este instrumental pode
ser assim representado:
- 150 -
Critério MaterialHIPÓTESE Critério Temporal
Critério EspacialCritério Pessoal
Critério Pessoal:- sujeito ativo- sujeito passivo
CONSEQÜENTE Critério Quantitativo- base de cálculo- alíquota
Como dissemos anteriormente, hipótese e conseqüente são relacionados
(relação condicional) por meio de um functor deôntico, que caracteriza a imputação
jurídico-normativa.
Na hipótese, compreende-se a classe de fatos que, uma vez ocorridos
concretamente, desencadearão os efeitos previstos no conseqüente da regra-matriz.
Já no conseqüente, verifica-se a classe de notas que permitirão constituir a
relação jurídica entre sujeito ativo e sujeito passivo, e, principalmente, apurar o montante,
em pecúnia, da prestação devida pelo último ao primeiro.
Feitas essas breves considerações, passemos, então, à análise da regra-matriz
atualmente vigente do imposto sobre as categorias de rendas auferidas por não-residentes,
indicadas no Capítulo 5 do presente trabalho, primeiramente os critérios da hipótese,
depois, os do conseqüente.
- 151 -
6.2 Hipótese
6.2.1 Critério material
No critério material identifica-se o núcleo da hipótese
normativa/classe de fatos a que faz referência a hipótese da regra-matriz, a descrição, aqui
entendida sob o ponto de vista conotativo, de comportamentos, não condicionados pelas
coordenadas de espaço e tempo, representados por um verbo e seu complemento351.
O isolamento do critério material é feito tão-somente para fins
didáticos, vez que somente com tal critério não se consegue descrever uma classe de fatos.
Tal critério está intrinsecamente relacionado aos critérios espacial, temporal e pessoal da
hipótese normativa.
O critério material do imposto devido por não-residentes, incidente
sobre as categorias de rendas analisadas no presente trabalho, corresponde a:
6.2.2 Critério temporal
351 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 252-253.
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Ganho de capital
Juros
Dividendos/Juros sobrecapital próprio
“Royalty”
Serviços
No critério temporal da regra-matriz de incidência encontra-se a
classe de notas que permite identificar quando se dará por ocorrido o fato jurídico
tributário. Em outras palavras, mediante o critério temporal é possível identificar o
momento de ocorrência do fato jurídico tributário352.
A lei tributária pode estabelecer que um fato considera-se ocorrido
em momento posterior ao que efetivamente poderia assim ser. No caso do imposto sobre a
renda, ainda que já exista possibilidade de aferir que o beneficiário tenha disponibilidade
desta, por alguma conveniência pode o legislador determinar que o fato auferir renda
reputa-se ocorrido posteriormente, em função de algum ato jurídico, por exemplo.
É o que ocorre quanto à maioria das categorias de rendas auferidas
por pessoas não-residentes. Deveras, tem-se por auferida renda por essa espécie de
contribuinte, via de regra, por ocasião do seu pagamento, crédito, entrega, emprego ou
remessa353, prevalecendo o que ocorrer primeiro, nos termos do Decreto-lei n.º 5.844/43,
artigo 100.
No caso de renda decorrente de juros de financiamento concedido por
pessoa não-residente, o fato jurídico tributário é considerado ocorrido quando da remessa
daquela, por força do Decreto-lei n.º 401/68, artigo 11.
Os vocábulos pagamento, crédito, entrega, emprego e remessa
refletem, pois, a ocorrência do próprio fato jurídico tributário do imposto em causa,
genericamente definido no Código Tributário Nacional, artigo 43, como sendo a aquisição
da disponibilidade econômica ou jurídica de renda e de proventos de qualquer natureza.
352 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 252-258.353 É indiferente o local de ocorrência desses atos, se em território brasileiro ou alhures. Ainda que, por exemplo, sejafeito pagamento com recursos detidos na Inglaterra, desde que tenha sido a renda produzida no Brasil e seja a fontepagadora pessoa residente ou domiciliada neste último País, haverá incidência do imposto sobre a renda.
- 153 -
Qualquer outra situação, ainda que traduza, potencialmente, a
existência de renda, não é suficiente para incidência do respectivo imposto. O vencimento
de obrigação de pessoa residente ou domiciliada no Brasil pagar, por exemplo, juros ou
royalty, ao exterior, a priori, dariam lugar à incidência do respectivo imposto sobre a
renda. No entanto, face à determinação legal, isso não ocorre enquanto não houver
pagamento, crédito, entrega, emprego ou remessa daqueles354.
Dá-se, portanto, o fato jurídico tributário do imposto sobre a renda
devido por pessoas não-residentes de maneira qualificada, uma vez que somente ocorre
quando exteriorizado por meio dos atos acima mencionados.
Não se pode perder de vista que a ocorrência de qualquer um desses
atos não prescinde que anteriormente tenha sido possível verificar a existência de
disponibilidade da renda à pessoa não-residente. Ricardo Mariz de Oliveira355 faz
comentários elucidativos sobre o assunto, ainda que à luz do Código Tributário Nacional:
“Por ser assim, nenhuma infração ao Código Tributário Nacional ocorre quando a lei
define expressamente o momento do pagamento, crédito, emprego, remessa ou entrega
como o momento de ocorrência do fato gerador do imposto de fonte. Todavia, mesmo
assim, é preciso que tal momento seja contemporâneo ou posterior, nunca anterior, ao da
aquisição da disponibilidade econômica e jurídica de renda ou proventos”.
354 Segundo Gilberto de Ulhôa Canto: “(...) Quisesse a lei que o fato gerador da obrigação tributária surgisse com o sóvencimento do prazo contratual, tê-lo-ia dito, sem dúvida, de forma clara, sem condicionar a ocorrência do fatogerador a um ato positivo, um facere da fonte pagadora do rendimento.” ULHÔA CANTO, Gilberto de. Impostosobre a renda. Rendimentos (juros) auferidos por residentes no exterior, fato gerador. Prejuízos em câmbio,tratamento fiscal. Despesas deferidas. Estudos e pareceres de direito tributário. São Paulo: RT, 1975, p. 377.Nas são diferentes as lições de Alberto Xavier: “É importante frisar que a disponibilidade jurídica da renda não seconfunde com a aquisição nem com a exigibilidade do direito à renda. Pode ter-se constituído um direito e até ter-setornado exigível, sem que exista disponibilidade, pois esta pressupõe sempre um facere do devedor da renda, oufonte pagadora, que coloque o objeto da obrigação na livre disposição do beneficiário. Assim, por exemplo, sãoexistentes e exigíveis mas ainda não disponíveis os direitos a juros vencidos e não pagos ou o direito a lucrosdistribuíveis mas ainda não distribuídos”. XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil, 5ª ed. Rio deJaneiro: Forense, 2002, p. 402.355 MARIZ DE OLIVEIRA, Ricardo. Fundamentos do imposto de renda. São Paulo: RT, 1977, p. 52.
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A pessoa que realiza um dos atos acima enumerados é a denominada
fonte pagadora da renda. Todavia, como vimos demonstrando ao longo do presente
trabalho, não basta seja a fonte pagadora pessoa residente ou domiciliada no Brasil para
que este País possa tributar a renda356. Deve localizar-se em território brasileiro também,
por força constitucional, a sua fonte de produção, isto é, ato ou fato jurídico motivador de
mutação patrimonial positiva que dê lugar à renda357 358.
O que fez a legislação infraconstitucional foi tão-somente determinar
uma condição a mais para a tributação de rendas de pessoas não-residentes. Além de a
fonte de produção dever ser localizada em território brasileiro, deve também, na maioria
das categorias de rendas, ser a sua fonte pagadora pessoa residente ou domiciliada no
Brasil359.
6.2.2.1 Crédito contábil
356 MANGANO, Sampiere. L’Imposta di ricchezza móbile e le società commerciali per azioni. Milão: SocietàEditrice Libreria, 1936, vol. I, p. 692-693; ULHÔA CANTO, Gilberto de. Juros pagos por residente ou domiciliadono Brasil a vendedor de bens no exterior, em virtude de concessão de financiamento pelo próprio vendedor.Produção e realização do rendimento: local onde deve ser tributado. Territorialidade. Estudos e pareceres de direitotributário. São Paulo: RT, 1975, p. 26; ZAPPALA, Lelio e LANZA, Francesco. L’imposta sui redditi mobiliari.Napoli: Casa Editrice Dott. Eugenio Joveven, 1964, p. 51.357 Tratando-se de exigência constitucional, a despeito de não haver determinação legal expressa nesse sentido,entendemos que as leis que cuidam da tributação de não-residentes prevêem isso implicitamente. Tanto é assim, queo próprio Poder Executivo, no Regulamento do Imposto sobre a Renda, fez constar no artigo 682 deste Diploma quesão tributáveis no Brasil as rendas auferidas por pessoas não-residentes provenientes de fontes situadas neste País.Senão, vejamos: “Art. 682. Estão sujeitos ao imposto na fonte, de acordo com o disposto neste Capítulo, a renda e osproventos de qualquer natureza provenientes de fontes situadas no País, quando percebidos: I - pelas pessoas físicasou jurídicas residentes ou domiciliadas no exterior (Decreto-Lei nº 5.844, de 1943, art. 97, alínea "a"); II - pelosresidentes no País que estiverem ausentes no exterior por mais de doze meses, salvo os mencionados no art. 17(Decreto-Lei nº 5.844, de 1943, art. 97, alínea "b"); III - pela pessoa física proveniente do exterior, com vistotemporário, nos termos do § 1º do art. 19 (Decreto-Lei nº 5.844, de 1943, art. 97, alínea "c", e Lei nº 9.718, de 1998,art. 12); IV - pelos contribuintes que continuarem a perceber rendimentos produzidos no País, a partir da data em quefor requerida a certidão, no caso previsto no art. 879 (Lei nº 3.470, de 1958, art. 17, § 3º)”. Regulamento do Impostosobre a Renda, aprovado pelo Decreto n.º 3.000/99.358 Em sentido contrário, ver: GALHARDO, Luciana Rosanova. Serviços técnicos prestados por empresa francesa eimposto de renda na fonte. Revista dialética de direito tributário, n.º 31. São Paulo: Dialética, 1998, p. 39.359 Segundo Alberto Xavier: “Para que haja a incidência do imposto no Brasil, é necessário, repita-se, que no Brasilse localizem cumulativamente a fonte de produção e a fonte de pagamento”. XAVIER, Alberto. Direito tributáriointernacional do Brasil, 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 401.
- 155 -
Diante das premissas aqui adotadas, é bem de ver, portanto, que um
crédito feito em conta do passivo exigível, mercê de regime contábil de observância
compulsória não equivale ao crédito previsto na lei, cuja feitura deflagra o fato jurídico
tributário do imposto sobre a renda.
Com efeito, o crédito, para fins de incidência do imposto sobre a
renda, segundo a autorizada doutrina adiante referida, consiste no ato mediante o qual a
renda é formal e nominalmente colocada pela fonte pagadora à disposição do beneficiário,
seja em conta própria, seja de uma instituição financeira.
Segundo observa Gilberto de Ulhôa Canto360: “(...) é inviável a
inteligência dada à palavra crédito para compreender tanto o registro contábil como o
direito de haver prestação contratual, pois a lei fala em creditar e não em crédito; e, se o
substantivo poderia ter duplo sentido, o verbo não pode”.
Sob a ótica do beneficiário do rendimento/juros, é de se ver que a
provisão contábil da obrigação correspondente (juros ou royalty ao exterior, por exemplo)
não consubstancia título de aquisição da respectiva disponibilidade, isto é, não confere ao
beneficiário o poder de dispor do valor correspondente à obrigação provisionada, como
seu, que ficaria sendo, se se tratasse de um crédito nominal, incondicional, positivamente
feito em seu favor pela fonte pagadora, independentemente de ação judicial361.360 ULHÔA CANTO, Gilberto de. Imposto sobre a renda. Rendimentos (juros) auferidos por residentes no exterior,fato gerador. Prejuízos em câmbio, tratamento fiscal. Despesas deferidas. Estudos e pareceres de direito tributário.São Paulo: RT, 1975, p. 377.361 O entendimento da Primeira e Segunda Câmaras do E. Primeiro Conselho de Contribuintes do Ministério daFazenda, consoante se vê das ementas dos acórdãos a seguir transcritos, não diverge do entendimento doutrinárioacima destacado, até o amplia, como seja:“CRÉDITO EFETUADO NA CONTABILIDADE DE PESSOA JURÍDICA - Crédito efetuado na contabilidade depessoa jurídica em favor de sócio, sem comprovação do efetivo pagamento, não caracteriza o fato gerador doimposto da pessoa física beneficiária. Possibilidade de ter sido a despesa incorrida, mas não paga” (Acórdão104.17.291/00 – DOU 25/05/2000).“FATO GERADOR DO IR – A disponibilidade econômica ou jurídica ocorre quando os recursos estão à disposiçãodo beneficiário em moeda ou em crédito em conta corrente bancária não se assimilando a essa última o créditocontábil na empresa devedora” (Acórdão unanime nº 102-43.815, j. em 16/07/1999, Relator Conselheiro José ClóvisAlves).No voto do Relator José Clóvis Alves, da Segunda Câmara, lê-se que o fato gerador do imposto sobre a renda para apessoa física (que é o mesmo para a pessoa física ou jurídica não-residente) é o momento da efetiva entrega dos
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6.2.2.2 Ganho de capital
Tratando-se de renda oriunda de ganho de capital, tem-se a ocorrência
do fato jurídico tributário por ocasião da alienação, liquidação ou reembolso de direito
real ou pessoal. Essa categoria de renda não se coaduna com a regra aplicável às demais.
O valor de alienação, liquidação ou reembolso de direito real ou
pessoal pode ser pago, creditado, entregue, empregado ou remetido, o que não se sucede
com ganho de capital. Ainda que não haja intervalo temporal entre recebimento de preço,
valor de liquidação ou valor de reembolso, e apuração de ganho, há intervalo lógico. A
apuração é necessariamente posterior ao recebimento de uma das espécies indicadas.
Isso é, inclusive, o que determina a Lei n.º 9.249/95, artigo 18362,
quando estabelece que os ganhos de capital auferidos por não-residentes serão apurados e
arrecadados de acordo com as mesmas normas aplicáveis a pessoas físicas, sujeitas, nesse
particular, a regime de “auto-recolhimento”363.
Aliás, segundo regime aplicável a pessoas físicas residentes no Brasil,
extensível aos não-residentes, incide o imposto sobre a renda por ocasião da alienação,
liquidação ou reembolso do direito real ou pessoal, mas o pagamento deve ser realizado na
medida do recebimento do preço, do valor de liquidação ou do valor de reembolso364.
recursos ao beneficiário, seja por meio de pagamento direto, seja por crédito em conta corrente bancária dobeneficiário, certo que a legislação não equipara o crédito contábil na empresa devedora com o crédito bancário.362 O qual, a nosso ver, revogou tacitamente o artigo 33 da Lei n.º 7.713/88.363 Lei n.º 8.981/95, artigo 21.364 Lei n.º 7.713/88, artigo 21.
- 157 -
6.2.2.3 Serviços técnicos e de assistência técnica – Decreto-lei n.º
1.418/75
Determina o Decreto-lei n.º 1.418/75, artigo 6º que: “Art. 6º. O
imposto de 25% de que trata o artigo 77 da Lei nº 3.470, de 28 de novembro de 1958,
incide sobre os rendimentos de serviços técnicos e de assistência técnica, administrativa e
semelhantes derivados do Brasil e recebidos por pessoas físicas ou jurídicas residentes ou
domiciliadas no exterior, independentemente da forma de pagamento e do local e data em
que a operação tenha sido contratada, os serviços executados ou a assistência prestada”.
(grifamos)
O dispositivo já foi apreciado pelo Supremo Tribunal Federal, como
vimos linhas atrás, que o considerou constitucional. A despeito de o entendimento deste
Tribunal ter sido firmado sob ordem constitucional diversa da atual, entendemos que seus
pressupostos são inteiramente aplicáveis no Sistema Jurídico atualmente vigente.
Entendemos ser o posicionamento deste Tribunal acertado somente
quando se cuidem de serviços cuja obrigação consista num fazer de resultado. Com efeito,
registramos anteriormente (Capítulo 5, item 5.6.) opinião de que, quando se cuida dessa
espécie de serviço, sendo o resultado, na forma que tenha sido contratado, ocorrido no
Brasil, independentemente do local onde tenha sido executado o serviço, a renda
correspondente pode ser tributada neste País. Isso porque o resultado, nessa situação, seria
a fonte de produção da renda.
Outrossim, no que tange a serviços consistentes em fazer de meio,
entendemos contrariamente ao Supremo Tribunal Federal. Vale dizer, em nossa opinião,
se a sua execução der-se alhures, não restará localizada em território brasileiro a fonte da
renda correspondente.
- 158 -
É imposição constitucional ser a fonte de produção da renda, no caso
de tributação de pessoas não-residentes, localizada em território brasileiro a fim que se
faça possível a incidência do respectivo imposto. Sem o cumprimento desse requisito, é
indiferente que a fonte pagadora seja pessoa residente ou domiciliada no Brasil.
Por essa razão, entendemos ser o comando prescrito no Decreto-lei
n.º 1.418/75, artigo 6º, aplicável somente a serviços consistentes em fazer de resultado,
em que este ocorra no Brasil.
6.2.3 Critério espacial
O critério espacial na regra-matriz de incidência consiste em classe de
notas que permitem identificar os locais de possível ocorrência de fatos jurídicos
tributários365.
No caso de imposto sobre a renda devido por não-residentes, o
critério espacial genérico da respectiva regra-matriz de incidência tributária é
obrigatoriamente o território brasileiro.
Os critérios de conexão que permitem identificar relação entre as
categorias de rendas de não-residentes e o território brasileiro, isto é, notas
correspondentes à localização da fonte de produção dessas rendas, acomodam-se no
critério espacial da regra-matriz.
Nas categorias de renda analisadas no presente trabalho são os
seguintes os critérios de conexão:
365 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 254-255.
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CATEGORIA DE RENDA CRITÉRIO DE CONEXÃOFONTE DE PRODUÇÃO FONTE DE PAGAMENTO
Ganho de capital Ato de alienação de direito real ou
pessoal
Não aplicável
Juros decorrentes de mútuo ou
financiamento
Débito do valor principal objeto
do mútuo ou financiamento
Pessoa residente ou domiciliada
no BrasilDividendos/juros sobre capital
próprio
Apuração de lucros ou
deliberação de distribuição de
dividendos ou juros sobre capital
próprio por sociedade
domiciliada no Brasil
Pessoa residente ou domiciliada
no Brasil
“Royalty” Direito de uso, cedido a pessoa
residente ou domiciliada no
Brasil, sobre algum outro direito
Pessoa residente ou domiciliada
no Brasil
Serviço Obrigação de meio – atividade
executada no Brasil
Obrigação de resultado –
Resultado contratado ocorrido no
Brasil
Pessoa residente ou domiciliada
no Brasil
6.2.3.1 Ganho de capital – Lei n.º 10.833/03, artigo 26
Em 29 de dezembro de 2003, foi editada lei de número 10.833, que
em seu artigo 26 define ser a fonte de produção de ganho de capital o bem objeto da
alienação que lhe tenha dado causa:
“Art. 26. O adquirente, pessoa física ou jurídica residente ou
domiciliada no Brasil, ou o procurador, quando o adquirente for residente ou domiciliado
no exterior, fica responsável pela retenção e recolhimento do imposto de renda incidente
sobre o ganho de capital a que se refere o art. 18 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de
1995, auferido por pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no exterior que
alienar bens localizados no Brasil”. (grifamos)
- 160 -
Trocando em miúdos, dentre outras coisas, determina o dispositivo
ora colacionado que é tributável no Brasil ganho de capital decorrente de alienação de
bens localizados neste País, auferido por pessoas não-residentes, ainda que a alienação
tenha se procedido no exterior.
Decerto não é vedado ao legislador alterar conceitos, o que é
didaticamente explicitado pelo Código Tributário Nacional em seus artigos 109 e 110. No
entanto, face à rigidez da discriminação de competências tributárias, não pode o legislador
infraconstitucional alterar conceitos utilizados pela Carta Magna nessa discriminação.
Pois bem, ao longo do presente trabalho procuramos demonstrar que
o critério de conexão que permite a tributação de rendas de não-residentes é elemento do
arquétipo constitucional do imposto correspondente. Fixamos a premissa de que, nesse
caso, o critério de conexão equivale à fonte de produção da renda, assim entendida como
os atos ou fatos motivadores de mutação patrimonial positiva que possa dar origem a esta
última.
No caso de ganho de capital auferido por pessoa não-residente,
demonstramos que é o ato de alienação, liquidação ou reembolso de direito real ou pessoal
que motiva a mutação patrimonial que lhe dá origem, sendo este, então, o critério de
conexão constitucionalmente acolhido para tributação da respectiva renda pela União.
Diante dessa constatação, concluímos que é indiferente a localização do direito real ou
pessoal objeto da alienação, sendo relevante para fins de tributação no Brasil unicamente
ter sido neste País realizado o negócio jurídico em causa.
Face a todas essas considerações, não nos resta outra alternativa
senão reputarmos absolutamente inconstitucional a Lei n.º 10.833, artigo 26, no que tange
a ganho de capital auferido por pessoas não-residentes, em decorrência de alienação
praticada fora do território brasileiro.
- 161 -
Mais uma vez, o fato de o bem cuja alienação tenha dado lugar a
ganho de capital, por determinação da Constituição Federal, não é relevante para se
determinar se aquele ocorreu ou não no Brasil. Interessa tão-somente o local de ocorrência
do negócio jurídico sob análise – alienação onerosa de direito real ou pessoal.
Cuidando-se o beneficiário de pessoa não-residente, sendo o negócio
jurídico de alienação realizado no exterior, mesmo que o adquirente seja pessoa residente
ou domiciliada no Brasil, não tem a União competência para tributar o ganho de capital.
Isso porque fonte pagadora do preço pactuado não é fonte de produção do ganho.
6.2.4 Critério pessoal
No critério pessoal da hipótese da regra-matriz localiza-se a classe
notas que permitem identificar o contribuinte da exação tributária, isto é, o sujeito direta e
pessoalmente relacionado ao fato jurídico tributário366. No caso de impostos, essas notas
dirão respeito à pessoa que denota capacidade contributiva.
Mas não só. Pode o critério pessoal identificar, além do contribuinte,
pessoas outras indiretamente relacionadas ao fato jurídico tributário, que possam ser
chamadas a compor o pólo passivo da obrigação tributária, na qualidade de substitutos
tributários.
366 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro, 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p.382-385; Noções da fiscalidade internacional. Movimento editorial da faculdade de direito da Universidade Federalde Minas Gerais. Belo Horizonte: Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, 1998, p. 3;JUSTEN FILHO, Marçal. O imposto sobre serviços na Constituição. São Paulo: RT, 1985. p. 50-52; QUEIROZ,Luís Cesar Souza de. Sujeição passiva tributária. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 169 e seguintes; MOREIRAFILHO, Aristóteles. Os critérios de conexão na estrutura da norma tributária. In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.),Direito tributário internacional aplicado. São Paulo: Quartier Latin, 2003, p. 337-339.
- 162 -
Tratando-se do imposto sob análise no presente trabalho, o critério
pessoal da respectiva regra-matriz faz referência à pessoa não-residente que aufere renda
no Brasil - contribuinte do imposto. Quando se cuida de categoria de renda passível de
pagamento, crédito, entrega, emprego ou remessa, poderá referir-se o critério pessoal
também à fonte pagadora, na eventualidade de se desejar que esta componha o pólo
passivo da respectiva obrigação tributária, na qualidade de substituta, responsável pela
retenção e recolhimento do imposto em causa.
Cuidando-se de imposto sobre a renda, ainda que o legislador, tal qual
o fez quando da edição do Decreto-lei n.º 401/68, artigo 11, determine seja o contribuinte
a fonte pagadora da renda, não se transmuda a natureza jurídica dos sujeitos. Apenas
lembrando, determina este dispositivo que, no caso de renda decorrente de juros de
financiamento auferida por pessoa não-residente, o contribuinte é o remetente.
É determinação constitucional que somente pode ser contribuinte
imposto aquele que denota capacidade contributiva. Em sede de imposto sobre a renda,
quem a aufere; no presente caso, pessoa não-residente. A fonte pagadora, quando muito
poderá ser indicada como substituto tributário, responsável pela retenção e recolhimento
do imposto por ocasião do pagamento, crédito, entrega, emprego ou remessa da renda, o
que será melhor analisado no item 6.3.2.2.2. do presente trabalho.
6.3 Conseqüente
No conseqüente são previstas as classes de notas que permitirão a
constituição de outro fato, jurídico também, mas um fato relacional367, denominado aqui
obrigação tributária.
367 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário - fundamentos jurídicos da incidência. São Paulo: Saraiva,1998, p. 130.
- 163 -
Os critérios que acomodam as classes de notas que permitem constituir-se
uma obrigação tributária, no caso ocorrência do respectivo fato jurídico tributário, são
denominados “pessoal” e “quantitativo”.
Com base nas classes de notas acomodadas por tais critérios é possível
identificar os sujeitos da relação jurídica, bem como calcular o montante da prestação a
ser entregue ao Estado ou a alguém por ele designado, a título de tributo.
Assim como no caso da hipótese, o legislador somente pode selecionar as
classes de notas do conseqüente da regra-matriz de incidência dentro dos estritos limites
previstos implícita ou explicitamente pela Constituição Federal.
A conduta objeto das relações jurídicas em geral necessariamente é
modalizada por um dos três operadores deônticos368, a saber: obrigatório (O), permitido
(P) ou proibido (V). Por razões lógicas, não há um quarto modal, de tal sorte que a
conduta objeto da relação jurídica somente pode assumir uma dessas três feições.
Em razão disso, bem de ver que o direito tem a sua realização por excelência
no conseqüente normativo, já que é neste que as condutas intersubjetivas são reguladas.
6.3.1 Critério quantitativo
6.3.1.1 Base de cálculo
Como já visto anteriormente, o critério quantitativo da regra-matriz
de incidência é formado pela base de cálculo e pela alíquota, que, quando aplicada sobre a
primeira, permite a apuração do montante da dívida tributária.
368 Diferentemente do functor deôntico que liga hipótese normativa e conseqüente normativo, conhecido comooperador intranormativo, que é neutro, o operador intra-relacional é necessariamente modalizado.
- 164 -
É nosso entendimento que, diante do atual Sistema Constitucional
Tributário Brasileiro, todos os tributos, quando instituídos, devem possuir alíquota e base
de cálculo, do contrário, restarão desrespeitados os princípios da capacidade contributiva,
no caso das exações não vinculadas; da retributividade e do custeio do exercício do poder
de polícia, no caso das taxas; e da mais-valia imobiliária, para a contribuição de melhoria.
Dado que estamos analisando a estrutura de uma norma geral e
abstrata, forçoso concluir que, quando se diz “base de cálculo”, se faz referência à classe
de notas que permitem apurar a base de cálculo na norma individual e concreta.
Acompanhamos nesse ponto Aires Fernandino Barreto369, que denomina a classe de notas
contida na regra-matriz de “base de cálculo” e a expressão numérica contida na norma
individual e concreta, sobre a qual é aplicada a alíquota, de “base calculada”.
Com efeito, diferentemente do que entende grande parte da doutrina,
entendemos, como Aires Fernandino Barreto370 para quem, na regra-matriz de incidência,
a base de cálculo não é perspectiva dimensível de coisa alguma, haja vista não ser o
abstrato passível de mensuração. A “base calculada” comporta essa definição, todavia, a
base de cálculo, não.
Assim, dentre as funções da base de cálculo indicadas por Paulo de
Barros Carvalho371, - a saber: (i) mensuradora – medir as proporções reais do fato; (ii)
objetiva – compor a específica determinação da dívida; e (iii) comparativa – confirmar,
infirmar ou afirmar o verdadeiro critério material da descrição de classe de fatos contida
na hipótese normativa; - entendemos que, na regra-matriz de incidência, fica prejudicada a
primeira.
369 BARRETO, Aires. Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais, 2ª ed. São Paulo: Max Limonad, 1998,pp. 53 e 127.370 BARRETO, Aires. Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais, 2ª ed. São Paulo: Max Limonad, 1998,pp. 53.371 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 324.
- 165 -
Base de cálculo do imposto sobre a renda devido por não-residentes,
então, corresponde a notas que permitem a mensuração em moeda do respectivo fato
jurídico tributário.
Estabelece a legislação372 que a base de cálculo do imposto sobre a
renda devido por pessoa não-residente consiste no valor da mutação patrimonial positiva
que tenha dado lugar à renda. Não é permitida a dedução de nenhuma mutação
patrimonial negativa, salvo com relação ao ganho de capital, cujo conceito, por si só,
pressupõe a dedução do custo de aquisição do direito real ou pessoal alienado.
Tal previsão, a nosso ver, é inconstitucional à medida que distorce a
materialidade do imposto. Falece competência à União para instituir imposto sobre mera
mutação patrimonial positiva promovida por pessoa não-residente. Deve a exação em
causa recair sobre renda. Se assim não for, trata-se de violação à Constituição Federal.
A base de cálculo, a fim de corresponder fielmente à materialidade do
imposto aqui estudado, deve corresponder ao resultado do confronto de mutação
patrimonial positiva fonte da renda com mutações patrimoniais negativas necessárias à
aquisição, manutenção e produção desta.
Tal qual a mutação positiva, somente pode ser tomada em
consideração mutação negativa que guarde relação com o território brasileiro, isto é, cujo
ato ou fato motivador neste ocorra.
372 Decreto-lei n.º 5.844/43, artigo 97, § 3º.
- 166 -
Dado que, exceto quanto a ganho de capital, as rendas auferidas por
pessoa não-residente são tributadas mediante retenção e recolhimento pela fonte pagadora,
compete àquela informar e municiar a última de documentos comprobatórios de despesas
(mutações negativas) necessárias à aquisição, manutenção e produção da renda.
6.3.1.1.1 Ganho de capital em alienação, liquidação ou reembolso de
investimento – custo de aquisição
É permitido pessoas não-residentes realizarem investimentos no
Brasil. Segundo Alberto Xavier373 374: “Juridicamente, o investimento representa a
aquisição do direito a um rendimento, precisamente porque o capital é o ‘stock’ de que
brotam os frutos em que o rendimento se traduz”.
Fiquemos com três dos títulos sob os quais comumente pessoa não-
residente investe no Brasil, a saber: i) a título de constituição de uma sociedade, ou
aquisição dos direitos relativos a uma sociedade já existente; ii) a título de empréstimo ou
financiamento; iii) a título de transferência de tecnologia. A cada um deles corresponde
uma modalidade específica de investimento: o investimento societário, o investimento
financeiro e o investimento tecnológico375.
Investimentos tais quais os acima indicados podem ser realizados de
diversas formas, cada qual determinando a maneira que deve ser verificado seu custo de
aquisição, para fins de apuração da base de cálculo do imposto sobre renda decorrente de
ganho de capital.
373 XAVIER, Alberto. O conceito de capital estrangeiro. Direito tributário e empresarial – pareceres. Rio de Janeiro:Forense, 1982, p. 332.374 O citado autor contrapõe a noção de investimento à de haveres. Enquanto a primeira categoria caracteriza-se pelaaptidão de produzir rendimentos, a segunda não tem esse condão. XAVIER, Alberto. O conceito de capitalestrangeiro. Direito tributário e empresarial – pareceres. Rio de Janeiro: Forense, 1982, p. 332.375 XAVIER, Alberto. O conceito de capital estrangeiro. Direito tributário e empresarial – pareceres. Rio de Janeiro:Forense, 1982, p. 334.
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Pode a pessoa não-residente realizar investimento no Brasil mediante
ingresso de moeda estrangeira neste País, segundo regime determinado pela Lei n.º
4.131/62. O valor ingressado nesses termos deverá ser registrado junto ao Banco Central
do Brasil, por meio eletrônico376, consoante disposto na Resolução Conselho Monetário
Nacional n.º 2.337/96 e Circulares Banco Central do Brasil n.º 2.731/99, 2.816/00 e
2.997/00377 378.
Na eventualidade de alienação, liquidação ou reembolso do
investimento deverá ser verificada a realização ou não de ganho de capital. Para tanto
devem ser comparados o valor pelo qual foi praticado o ato de alienação, liquidação ou
reembolso e o valor do custo de aquisição do investimento em moeda estrangeira.
Isso porque não se cuida de investimento em moeda nacional
referenciado em moeda estrangeira. Há ingresso de moeda estrangeira no Brasil, razão
pela qual o seu equivalente em Reais deve servir como custo de aquisição na apuração de
ganho de capital. Cuida-se, pois, de regime estabelecido pela Lei n.º 4.131/62379 380. O376 Através do módulo denominado: i) “RDE-IED”, no caso de investimento societário; ii) “ROF”, no caso deinvestimento financeiro; iii) simplesmente “RDE”, no caso de investimento tecnológico.377 O registro do capital estrangeiro é condição para o seu retorno, bem como remessa de dividendos, juros, “royalty”etc. Lei n.º 4.131/62, artigo 3º.378 O sistema financeiro e monetário brasileiro tem a sua estrutura básica prevista na Lei n.º 4.595/64, que criou,também, o Conselho Monetário Nacional e o Banco Central do Brasil. O artigo 4º da Lei n.º 4.595/64 delegou aoCMN, dentre outras, competência para: (i) fixar as diretrizes e normas de política cambial, inclusive quanto à comprae venda de ouro e quaisquer operações em moeda estrangeira; (ii) outorgar ao Banco Central do Brasil o monopóliodas operações de câmbio quando ocorrer grave desequilíbrio no balanço de pagamento ou houver sérias razões paraprever tal situação; e (iii) baixar normas que regulem as operações de câmbio, inclusive "swaps", fixando limites,taxas, prazos e outras condições. O BACEN tem competência, ainda, conforme artigo 10 da Lei n.º 4.595/64, para:(i) exercer o controle dos capitais estrangeiros, nos termos da lei; (ii) ser depositário das reservas oficiais de ouro ede moeda estrangeira; e (iii) conceder autorização para as instituições financeiras praticarem operações de câmbio.379 Determina o artigo 690, II, do Regulamento do Imposto sobre a Renda, aprovado pelo Decreto n.º 3.000/99, quenão se sujeitam ao imposto sobre a renda na fonte os valores, em moeda estrangeira, registrados no Banco Centraldo Brasil, como investimentos ou reinvestimentos, retornados ao seu país de origem. Não se cuida de isenção adeterminação desse dispositivo. Só se isenta aquilo que, sem a previsão de isenção, é passível de tributação. Se ocusto de aquisição é em moeda estrangeira, por óbvio que tudo aquilo que não exceda a isso, em moeda estrangeira,não estará sujeito a imposto sobre a renda. O dispositivo em tela, a despeito da ausência de referência expressa, anosso ver, tem como fundamento a Lei n.º 4.131/62.380 Luciana Rosanova Galhardo, Giarcarlo Chamma Matarazzo e Ricardo Mariz de Oliveira entendem também que,nesse caso, deve o custo de aquisição ser verificado em moeda estrangeira, todavia, por razões distintas das nossas.GALHARDO, Luciana Rosanova e MATARAZZO, Giancarlo Chamma. Ganho de capital – não residentes – garantiados investimentos estrangeiros no Brasil. Revista dialética de direito tributário, n.º 74. Dialética, 2001, p. 94;
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registro do investimento junto ao Banco Central do Brasil será elemento probatório desse
custo de aquisição381.
Pode acontecer de uma pessoa não-residente adquirir de outra,
também não-residente, investimento no Brasil, adquirido pela última mediante ingresso de
moeda estrangeira no País. Neste caso, o registro será transferido ao novo investidor, sem
qualquer alteração com relação ao nele reportado.
Segundo nos ensina Alberto Xavier382, comentando a questão quanto
a investimento societário especificamente: “Nesta hipótese, ocorre que o novo investidor
adquirente das participações societárias sucede nos direitos de natureza cambial que a lei
reconhecia ao investidor anterior, representados no certificado de registro, notadamente no
direito ao retorno de capital, de remessa de lucros e de reinvestimento”.
No entanto, deixará o custo de aquisição do investimento de equivaler
ao valor expressado pelo registro junto ao Banco Central do Brasil, o qual corresponderá
ao montante efetivamente desembolsado pelo novo investidor, demonstrável no Brasil, na
eventualidade de futura apuração de ganho de capital, mediante apresentação de
documento traduzido para a língua portuguesa por tradutor juramentado e registrado em
cartório de títulos e documentos383.
A se admitir que, para o novo investidor, o custo de aquisição
continuará correspondendo ao montante registrado no Banco Central do Brasil, raciocínio
dessa ordem conduziria ao absurdo do preço pago por um terceiro (investidor anterior) ser
a referência para apuração de ganho de capital em alienação promovida pelo novo
investidor, e não o valor pago por ele próprio.
MARIZ DE OLIVEIRA, Ricardo. Repatriamento de capital estrangeiro – outras formas de extinção – ganhos decapital em geral. Guia IOB – imposto de renda pessoa jurídica. São Paulo: IOB, 2001, Procedimento XIII.4.381 TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional – planejamento tributário e operações transnacionais.São Paulo: RT, 2001, p. 569.382 XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil, 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 440-441.383 Lei n.º 6.015/73, artigos 129, § 6º, e 148.
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Mais uma vez aproveitamos para transcrever as lições de Alberto
Xavier384: “Isso significaria afrontoso atropelo ao próprio conceito de ganho de capital –
indissociavelmente ligado ao de acréscimo patrimonial, constante do art. 43 do Código
Tributário Nacional – na medida em que se compararia um acréscimo de valor, não com o
patrimônio próprio preexistente (preço de aquisição efetivo), mas com o patrimônio de um
terceiro , o anterior investidor (valor do certificado do registro). Por outras palavras: seria
transformar um simples meio de prova de um custo de aquisição (certificado de registro),
no próprio objeto da prova (a base de cálculo do imposto)”.
Pessoa não-residente pode, também, adquirir investimento no Brasil
mediante utilização de Reais detidos neste País385. Nesse caso, por óbvio, o custo de
aquisição não será aferido em moeda estrangeira, mas sim em Reais.
É possível uma pessoa não-residente adquirir de outra, também não-
residente, em moeda estrangeira, investimento no Brasil, adquirido pela última em Reais.
Neste caso, o custo de aquisição será aferido em moeda estrangeira, e não Reais.
Aplicando-se o raciocínio anteriormente averbado, o que valerá é o
preço pago pelo novo investidor. Se este foi em moeda estrangeira, em função de
aquisição ter se operado fora do Brasil, assim será a referência para apuração de eventual
ganho de capital. Tal custo pode ser demonstrado mediante apresentação de documento
traduzido para a língua portuguesa por tradutor juramentado, registrado em cartório de
títulos e documentos386, que comprove o montante desembolsado pelo novo investidor.
384 XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil, 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 440-441-442. No mesmo sentido, ver: GALHARDO, Luciana Rosanova e MATARAZZO, Giancarlo Chamma. Ganho decapital – não residentes – garantia dos investimentos estrangeiros no Brasil. Revista dialética de direito tributário, n.º74. Dialética, 2001, p. 92.385 Apenas a título ilustrativo, é permitido pessoa não-residente possuir conta-corrente em Reais no Brasil, nos termosda Circular Banco Central do Brasil n.º 2.677/96.386 Lei n.º 6.015/73, artigos 129, § 6º, e 148.
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6.3.1.2 Alíquota
Alíquota é unidade matemática que, quando aplicada sobre a base
calculada, permite a apuração do montante da dívida tributária387.
Note-se que a alíquota e o sujeito ativo, como será visto logo adiante,
não consistem em classes de notas, mas indicação objetiva388, haja vista serem elementos
conhecidos antes mesmo da constituição da norma individual e concreta.
Determina a Constituição Federal artigo 153, § 2º, I, que o imposto
sobre a renda sujeita-se ao princípio da progressividade, o qual é desdobramento do
princípio da capacidade contributiva e, por conseqüência, da igualdade. Não basta ser o
imposto proporcional. Certamente, por tratar-se a alíquota, no caso de impostos, de um
percentual, ainda que seja esta uma só, aquele que aufere mais renda pagará mais imposto
do que aquele que aufere menos. Todavia, proporcionalmente arcarão com a mesma carga
tributária.
O mandamento constitucional é no sentido de que aquele que aufira
maior renda arque, não só quantitativamente, mas também proporcionalmente, com carga
tributária superior àquele que aufere menos. E isso se faz mediante previsão de alíquotas
progressivas, isto é, quanto maior a base de cálculo for, maior será a alíquota aplicável389.
Face ao regime analítico de tributação das rendas de pessoas não-
residentes, temos que não se aplica o princípio da progressividade. Isso porque, nessa
387 BARRETO, Aires Fernandino.Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais, 2ª ed. São Paulo: MaxLimonad, 1998, p. 59.388 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário - fundamentos jurídicos da incidência. São Paulo: Saraiva,1998, p. 172.389 LÔBO, Marcelo Jatobá. A progressividade fiscal do IPTU à luz do princípio hermenêutico da unidade daConstituição. In: MOREIRA FILHO, Aristóteles e LÔBO, Marcelo Jatobá (Coords.), Questões controvertidas emmatéria tributária – uma homenagem ao Professor Paulo de Barros Carvalho. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p.332-333.
- 171 -
espécie, não se tributa acréscimo à universalidade de direitos reais ou pessoais e
obrigações, mas conjuntos agrupados em torno de uma fonte de produção de renda
isoladamente considerada.
A progressividade, no caso de rendas de pessoas não-residentes,
perderia seu sentido na medida que não mais corresponderia a desdobramento do princípio
da igualdade. Pode ocorrer de dois contribuintes auferirem o mesmo montante de renda,
um em decorrência de diversas fontes, outro, de uma única, e este último pagar mais
imposto do que o primeiro, por conta de ser a alíquota progressiva em função da
progressão da base de cálculo.
Ter-se-ia uma inversão de valores, haja vista a progressividade,
concebida para garantir efetividade ao princípio da igualdade, acabar por dar lugar a
tratamento desigual entre pessoas em idêntica situação.
Realizando-se balanceamento390 entre o comando que prescreve será
o imposto sobre a renda informado pela progressividade e o princípio da igualdade,
tratando-se de renda de pessoas não-residentes, temos que a alíquota sobre esta aplicável
não pode ser progressiva.
E assim determina a legislação infraconstitucional. Rendas em geral
auferidas por não-residentes estão sujeitas à incidência do respectivo imposto à alíquota
de 15%391. Nas rendas decorrentes de serviços, exceto técnicos, administrativos ou de
assistência técnica (em que a alíquota também é de 15%392), a alíquota aplicável é de
25%393.
390 “A Constituição é um pacto, um compromisso que funde valores e interesses antagônicos, muitas vezes énecessário balancear princípios, conceitos na busca da melhor solução”. DERZI, Misabel de Abreu Machado. In:BALEEIRO, Aliomar, Limitações constitucionais ao poder de tributar, 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 34.391 Lei n.º 9.249/95, artigos 18 e 28.392 Medida Provisória n.º 2.159-70/01, artigo 3º.393 Lei n.º 9.779/99, artigo 7º.
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Se andou bem o legislador infraconstitucional ao não estabelecer
alíquotas progressivas, o mesmo não podemos afirmar quanto à previsão de alíquota
superior - 25% - quando se trata de renda decorrente de serviços, que não técnicos,
administrativos ou de assistência técnica.
Consiste o critério de discriminação, nessa situação, na categoria de
renda. Não há, no entanto, como identificar correlação lógica entre este critério e a
desequiparação procedida – diferença na carga tributária. Inexiste justificativa para tanto.
De harmonia com as lições de Celso Antônio Bandeira de Mello394, não podemos senão
reputar inconstitucional a previsão em tela, por afronta ao princípio da igualdade.
6.3.1.2.1 Países com tributação favorecida
Rendas auferidas no Brasil, inclusive as decorrentes de ganho de
capital, cujos beneficiários sejam pessoas residentes ou domiciliadas em países395 que não
tributem a renda ou o façam à alíquota máxima inferior a 20%396 397, vulgarmente394 “(...) a discriminação não pode ser gratuita ou fortuita. Impende que exista uma adequação racional entre otratamento diferenciado construído e a razão diferencial que lhe serviu de supedâneo. Segue-se que, se o fatordiferencial não guardar conexão lógica com a disparidade de tratamentos jurídicos dispensados, a distinçãoestabelecida afronta o princípio da isonomia”. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. O conteúdo jurídico doprincípio da igualdade, 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 39.395 São elucidativos os comentários de Ana Cláudia Akie Utumi sobre a inclusão de dependências de países, taiscomo jurisdições, neste conceito: “Com base na modificação trazida pela Lei n.º 10.451/2002, passou-se a considerarseparadamente a tributação do trabalho e do capital, bem como as dependências do país de residência oudomicílio. Esta modificação veio acomodar a necessidade da Secretaria da Receita Federal em incluir dependênciasde países como jurisdições de tributação favorecida, enquanto que as normas em vigor possibilitavam apenas acaracterização de países considerados como Estados soberanos”. UTUMI, Ana Cláudia Akie. Países com tributaçãofavorecida no direito brasileiro. In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.), Direito tributário internacional aplicado.São Paulo: Quartier Latin, 2003, p. 233.396 Conceito previsto pela Lei n.º 9.430/96, artigo 24.397 Não se cuida de alíquota nominal de 20%, mas sim efetiva. Deve ser verificada a efetiva carga tributária. Aindaque se estabeleça percentual nominal de 20%, mecanismos tais como redução da base de cálculo ou do próprioimposto a pagar implicam alíquota efetiva diversa da nominalmente estabelecida. Como bem nos ensina HelenoTaveira Tôrres: “Para demonstrar a insuficiência da definição a partir de alíquotas nominais, basta lembrar a práxisadministrativa dos chamados rulings, que são acordos prévios firmados entre o contribuinte e o Fisco, vinculantespara este, para negociar a alíquota do imposto aplicável ou as regras de determinação da base de cálculo dosimpostos incidentes, quando requerida a consulta pelos investidores, para obter uma certeza jurídica sobre otratamento fiscal que lhes será aplicável numa determinada hipótese”. TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributáriointernacional: planejamento tributário e operações transnacionais. São Paulo: RT, 2001, p. 91-92. No mesmosentido, ver: UTUMI, Ana Cláudia Akie. Países com tributação favorecida no direito brasileiro. In: TÔRRES,
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denominados “paraísos fiscais”398 399, sujeitam-se ao imposto brasileiro à alíquota de
25%400 401.
Não é a progressividade, em nosso pensar, aplicável à renda de
pessoa não-residente, consoante registramos linhas atrás. Essa assertiva nada mais é do
que decorrência da impossibilidade de a base de cálculo do imposto sobre a renda devido
por pessoa não-residente servir como critério de discriminação para a previsão de
diferentes alíquotas.
De igual modo, pensamos não ser a categoria de renda critério
discriminador legítimo para previsão de alíquotas distintas quanto a esta ou aquela
situação, tal como ocorre hoje no caso de renda decorrente de serviço.
Conforme nos ensina Heleno Taveira Tôrres402: “Ninguém contesta o
fato de que a presença de uma certa competitividade entre os Estados é algo importante
para as economias, como fator de redução da pressão fiscal global, servindo de
estimulante para empregarem com mais eficiência a receita pública e otimizarem seus
orçamentos e serviços públicos”.
se arraigado na terminologia coloquial do Direito Tributário o jargão ‘paraíso fiscal’, tão ao gosto popular, paraidentificar as manifestações de concorrência fiscal prejudicial, cuja imprecisão é latente. Eis uma praga lingüísticamal importada dos imprecisos termos usados na doutrina do common law, disseminada em várias línguas, só nãodesagradável aos novidadeiros, que consideram manifestações de progresso a introdução de pragas léxicas, semqualquer compromisso com o conteúdo de significação que o termo possa representar”. TÔRRES, Heleno Taveira.Direito tributário internacional: planejamento tributário e operações transnacionais. São Paulo: RT, 2001, p. 75-76.400 Lei n.º 9.779/99, artigo 7º; Lei n.º 10.833/03, artigo 47.401 A nosso ver essa alíquota é aplicável a todas as categorias de rendas auferidas por pessoas residentes oudomiciliadas em países com tributação favorecida, salvo quando a legislação prever exceção à norma sob análise.Perfilhamos, pois, idêntica conclusão a que chegou Ana Cláudia Akie Utumi. UTUMI, Ana Cláudia Akie. Países comtributação favorecida no direito brasileiro. In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.) Direito tributário internacionalaplicado. São Paulo: Quartier Latin, 2003, p. 250.402 TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional: planejamento tributário e operações transnacionais.São Paulo: RT, 2001, p. 68-69.
- 174 -
E prossegue o citado autor403: “Contudo, paralelamente formou-se
uma espécie de concorrência fiscal internacional marcadamente agressiva, desprovida de
qualquer ética diplomática, praticada como forma de atração de investimentos, com erosão
fiscal das próprias receitas públicas, mediante subvenções públicas, financiamentos
vantajosos e todo tipo de incentivos fiscais, ressalvas quanto à importação desse conceito
do direito econômico. Pela série de malefícios que traz, essa é a concorrência fiscal
internacional ‘má’, ‘danosa’, ‘prejudicial’, ‘desleal’, ou ‘guerra fiscal internacional’, como
se queira, cuja forma mais grave é representada pelos chamados ‘paraísos fiscais’, ou
países com tributação favorecida”.
A “má” concorrência fiscal internacional, fazendo uso da expressão
adotada por Heleno Taveira Tôrres, é nitidamente danosa à cooperação entre os povos,
contrariando princípio constitucional404 norteador das relações internacionais mantidas
pela República Federativa do Brasil.
Por essa razão entendemos ser constitucional a eleição da residência
ou domicílio de uma pessoa que tenha auferido renda no Brasil como critério para se
diferenciar a alíquota aplicável do respectivo imposto405. Há correlação lógica entre o
critério discriminador – residência/domicílio do beneficiário da renda – e a
desequiparação procedida – majoração da carga tributária. Não só, fundamenta-se essa
correlação em valores constitucionalmente protegidos, conforme asseveramos acima.
6.3.2 Critério pessoal
6.3.2.1 Sujeito ativo
403 TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional: planejamento tributário e operações transnacionais.São Paulo: RT, 2001, p. 69.404 Constituição Federal, artigo 4º, IX.405 Em sentido contrário, entendendo pela inconstitucionalidade da discriminação em causa, ver: MOSQUERA,Roberto Quiroga. Tributação no mercado financeiro e de capitais, 2ª ed. São Paulo: Dialética, 1999, p. 283.
- 175 -
No critério pessoal, a indicação do sujeito ativo da obrigação
tributária já é feita objetivamente a partir da Constituição. A rigor, confunde-se o sujeito
ativo com a pessoa política competente para a instituição de um dado tributo, salvo nos
casos em que há delegação da capacidade tributária ativa406, por vezes promovida pelo
próprio texto constitucional, ou por opção407 da pessoa política competente para a
instituição de uma dada exação tributária.
No caso de imposto sobre a renda a pessoa política competente,
União, confunde-se com o sujeito ativo deste tributo.
6.3.2.2 Sujeito passivo
Em toda e qualquer relação jurídica, e com a tributária não é
diferente, existem, no mínimo, dois sujeitos em posições contrapostas, situação na qual
um deles, denominado sujeito ativo, tem o direito subjetivo de exigir o cumprimento de
uma dada conduta por outro, denominado sujeito passivo.
Já vimos anteriormente que essa conduta pode assumir três, e
somente três feições, a saber, proibida, permitida ou obrigatória; e que, na hipótese de
descumprimento, o sujeito passivo está sujeito a um ato coativo como sanção,
designadamente a privação coercitiva da liberdade, a execução forçada da conduta
prescrita na norma primária principal, a reparação do dano408.
Na relação jurídica tributária não é diferente. Deveras, ocorrido um
fato previsto numa hipótese normativa, como desdobramento inexorável ter-se-á a
406 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 294.407 A pessoa política tem liberdade, dentro dos limites e condições estabelecidas pelo sistema jurídico, de delegar acapacidade tributária ativa a outras pessoas, de direito público ou não.408 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991, p. 38.
- 176 -
instauração de uma relação jurídica, pela qual o sujeito ativo terá o direito subjetivo de
exigir do sujeito passivo uma dada quantia a título de tributo.
Nesse sentido, a regra-matriz de incidência tributária deve indicar
classes de notas, construídas nos estritos termos dos ditames constitucionais e das normas
gerais de direito tributário, que permitam identificar o sujeito passivo da obrigação
tributária.
6.3.2.2.1 Contribuinte
A identificação do contribuinte não oferece maiores dificuldades,
pois, além de ser ponto exaustivamente analisado pela boa doutrina, a quantidade de
enunciados normativos explícitos sobre a matéria facilita em demasia a tarefa do
intérprete.
Já verificamos que é a partir da Constituição Federal e das normas
gerais de direito tributário que devem ser identificadas as classes de notas possíveis da
regra-matriz de incidência tributária.
No tocante à classe de notas para identificação do contribuinte, há
diversas disposições constitucionais e de normas gerais de direito tributário (em especial o
Código Tributário Nacional) que permitem ao intérprete identificar com precisão os
contribuintes possíveis dos tributos previstos na Constituição Federal, de tal sorte que não
é tarefa que demanda grande esforço de interpretação a identificação dos destinatários
constitucionais da carga tributária, utilizando aqui a terminologia empregada por Geraldo
Ataliba, Cléber Giardino409 e Marçal Justen Filho410.
409 ATALIBA, Geraldo e GIARDINO, Cléber. Responsabilidade Tributária (Lei Complementar, 44/83). Revista deDireito Tributário, n.º 34. São Paulo: RT, 1986, p. 216.410 JUSTEN FILHO, Marçal. Sujeição Passiva Tributária. Belém: Cejup, 1986, p. 344.
- 177 -
Como primeiro critério, tem-se a relação que o sujeito passivo guarda
com o evento a que venha a se referir o fato jurídico tributário, critério este previsto pelo
artigo 121, parágrafo único, inciso I, do Código Tributário Nacional411. Deveras, tendo o
sujeito relação com o fato jurídico tributário, este é um primeiro passo para verificar se se
trata ou não de contribuinte412.
Não obstante, a identificação de relação de uma determinada pessoa e
o fato jurídico tributário não é suficiente para sabermos se estamos diante de contribuinte
de um dado tributo.
Com efeito, a Constituição Federal assegura às pessoas os direitos de
liberdade e propriedade, o que implica afirmar que, por conseqüência, somente podem ter
sua liberdade e seu patrimônio afetados pelo Estado nas hipóteses expressamente previstas
na Constituição.
Ensina-nos Geraldo Ataliba413 que toda vez que alguém esteja
colocado na contingência de ter o comportamento específico de dar dinheiro ao Estado
(ou a entidade dele delegada por lei), baseando-se exclusivamente no texto constitucional,
estará diante de uma dessas figuras: (i) multa; (ii) obrigação convencional; (iii)
indenização por dano; ou (iv) tributo.
Ou seja, no caso de retirada de dinheiro do particular, pelo Estado, a
Constituição permite que isso seja feito somente nas situações ora enumeradas.
411 “Art. 121 – Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidadepecuniária.Parágrafo único – O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:I – contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador;II – responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa delei”.412 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária, 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 77.413 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária, 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 34.
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Voltemos, então, ao contribuinte. Pois bem, no caso de tributo, a
pessoa somente poderá ter seu patrimônio afetado, ter de arcar com o ônus econômico do
tributo, na hipótese de guardar relação com uma das materialidades tributárias indicadas
no texto constitucional e revestir outra característica, que varia em função do princípio
informador do tributo que se está tratando.
No caso dos impostos, por exemplo, o princípio norteador é o da
capacidade contributiva. Nesse sentido, além de se aperfeiçoar uma relação entre o fato
jurídico tributário e uma dada pessoa, faz-se necessário que aludido fato se apresente
como signo presuntivo de riqueza, situação em que a Constituição permite ao Estado
exigir parcela em dinheiro do particular.
A Constituição, pois, autoriza às pessoas políticas exigirem parcela de
patrimônio, em dinheiro, a título de imposto, das pessoas que guardem relação com um
fato jurídico tributário e que denotem capacidade contributiva.
Somente aqueles que preencham tais requisitos podem, sob o prisma
constitucional, ter o patrimônio reduzido, sem direito a ressarcimento perante ninguém,
em razão de pagamento de imposto.
O contribuinte do imposto sobre a renda, então, é a pessoa que a
aufere. Tratando-se de imposto sobre a renda devido por pessoa não-residente, por óbvio,
esta será o contribuinte da exação em causa, independentemente de que categoria de renda
se cuide.
No caso do Decreto-lei n.º 401/68, artigo 11, a despeito deste
dispositivo estabelecer que o contribuinte de renda decorrente de juros de financiamento
de bens concedido por pessoa não-residente é o sujeito que promove a remessa dos juros,
há que se entender tratar-se impropriedade técnica.
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Não há como a lei mudar a natureza jurídica de algo quando isto é
previsto na própria Constituição. Contribuinte de imposto é quem denota capacidade
contributiva e no caso de imposto sobre renda decorrente de juros, este alguém é a pessoa
que recebe remuneração dessa natureza, não quem a remete ao exterior414.
6.3.2.2.2 Retenção na fonte
O recolhimento do imposto sobre a renda devido por pessoas não-
residentes, de uma maneira geral, sujeita-se à sistemática de recolhimento denominada
retenção na fonte. Isto é, a fonte pagadora da renda tem obrigação de reter e recolher o
imposto incidente sobre renda auferida por pessoa não-residente, por ocasião do seu
pagamento, crédito, entrega, emprego ou remessa.
Afigura-nos essa técnica o que a doutrina415 416 comumente denomina
substituição tributária, em que o tributo deve ser recolhido por pessoa diversa do
contribuinte – aquele que guarda relação pessoal e direta com o fato jurídico tributário.
414 Segundo Alberto Xavier: “Ao designar a fonte remetente dos juros por ‘contribuinte’, ao invés de ‘responsável’, oart. 11 do Decreto-lei 401 não pretendeu subverter o esquema clássico da tributação sobre a renda consistente emjuros; limitou-se, isso sim, a seguir o modelo comum, tendo porém cometido impropriedade técnica, aliás explicávelnum domínio em que a flutuação terminológica ainda hoje é freqüente”. XAVIER, Alberto. Direito tributáriointernacional do Brasil, 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 412.415 TÔRRES, Heleno Taveira. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas, 2ª ed. São Paulo: RT,2001, p. 134; XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil, 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.423-430.416 Em sentido contrário, isto é, de que a técnica de retenção na fonte não configura substituição tributária ver:COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. O sujeito passivo da obrigação tributária – contribuintes e responsáveis.www.sacha.adv.br/doutrina/sacha/Responsab.htm, 19/05/2004, p. 13-14.
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Em matéria tributária, pouca é a margem de discricionariedade
conferida ao legislador infraconstitucional. Tudo que diga respeito à ação de tributar é
quase que exaustivamente previsto pela própria Constituição Federal. Não vamos voltar a
tratar das razões disso, haja vista termos repisado essa questão ao longo de todo o presente
trabalho.
Se é assim, poderia simplesmente o legislador prever seja o tributo
pago por pessoa diversa do contribuinte? A autorização constitucional para tanto consiste
unicamente no princípio da praticidade? Isso porque já vimos o quão trabalhoso e, em
alguns casos, até impossível cobrar o imposto aqui analisado diretamente da pessoa não-
residente.
A Constituição Federal autoriza a instituição de tributos pelas pessoas
políticas, fornecendo fartamente subsídios que permitem identificar precisamente de quem
pode ser exigida transferência definitiva de patrimônio em prol dos cofres públicos.
Pois bem, nos impostos, daqueles que denotem capacidade
contributiva; nas taxas daqueles que tomem ou possam tomar serviços públicos
específicos e divisíveis, ou sujeitem-se ao exercício do poder de polícia; na contribuição
de melhoria, daqueles que tenham imóvel valorizado em razão de obra pública; nas
demais contribuições e no empréstimo compulsório, o sujeito pessoal e diretamente
relacionado ao respectivo fato jurídico tributário, que pode ser ou não vinculado a uma
atividade estatal417.
417 Não sendo, denotará capacidade contributiva. Sendo, corresponderá, ou a sujeito tomador ou possível tomador deserviço público específico e divisível ou destinatário do exercício do poder de polícia, ou a proprietário de imóvelvalorizado em decorrência de obra pública.
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Significa dizer que, ao se instituir um tributo, o contribuinte
necessariamente deverá compor o pólo passivo da obrigação tributária, do qual não se
afasta em nenhuma hipótese418 419, salvo no caso de morte de pessoa física ou extinção da
pessoa jurídica, em que o efeito sucessório supre a sua ausência.
Outras pessoas, contudo, podem ser eleitas como sujeito passivo de
tributos, ou seja, obrigadas, ao lado do contribuinte, ao seu pagamento. E da mesma forma
que os critérios para eleição deste último são previstos constitucionalmente, com os
terceiros que possam também responder pelo pagamento do tributo não é diferente.
Podem ser chamados a pagar tributo, sujeitos outros que não o
contribuinte, seja em função de sucessão420 ou por ausência de diligência quanto ao
pagamento do tributo pelo contribuinte, nas situações em que possam aqueles sujeitos ter
controle sobre essa atividade421, seja porque se relacionam de forma indireta com o fato
jurídico tributário (sim, pois o contribuinte é que, com este, se relaciona diretamente).
No primeiro caso, podem ser indicadas pessoas a responderem pela
dívida tributária no caso de não pagamento no prazo legal pelo contribuinte. Norma que
418 Como nos ensina Heleno Taveira Tôrres: “Vale advertir que mesmo nos casos de haver a atribuição deresponsabilidade, em todos, não há qualquer espécie de transferência do dever jurídico tributário com afastamento docontribuinte do vínculo obrigacional. O contribuinte nunca é afastado da relação jurídica tributária”. TÔRRES,Heleno Taveira. Substituição tributária – regime constitucional, classificação e relações jurídicas (materiais eprocessuais). Revista Dialética de Direito Tributário, n.º 70. São Paulo: Dialética, 2001, p. 93.419 “Sabemos bien, por haberlo expuesto detenidamente en páginas precedentes, que en la obligación tributariaúnicamente es imprescindible en el lado pasivo de la relación el sujeto pasivo contribuyente. No hay obligacióntributaria sin contribuyente. El es el único sujeto pasivo auténticamente imprescindible. Puede existir una obligacióntributaria sin sustituto y sin responsable, pero nunca sin contribuyente”. GONZALEZ, Luis M. Alonso. Sustitutos yretenedores en el ordenamiento tributário espanol. Madrid: Marcial Pons, 1992, p. 148.420 TÔRRES, Heleno Taveira. Substituição tributária – regime constitucional, classificação e relações jurídicas(materiais e processuais). Revista Dialética de Direito Tributário, n.º 70. São Paulo: Dialética, 2001, p. 94.421 “Portanto, o destinatário da responsabilidade encontra-se em situação de poder sobre o sujeito passivo tributário,de molde a ser-lhe dado exigir ou verificar o cumprimento da prestação devida. Não se trata, evidentemente, dedescrever a conduta de um funcionário do fisco (embora até seja possível). Trata-se, isto sim, de alguém que está emsituação jurídica especial que lhe assegura, se o desejar, compelir o sujeito passivo a adimplir o dever tributário”.JUSTEN FILHO, Marçal. Sujeição passiva tributária. Belém: Cejup, 1986, p. 295.
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disponha nesse sentido tem cunho sancionatório422, haja vista responsabilizar pessoa pelo
adimplemento de obrigação de terceiro, não cumprida no prazo legal.
Nesse caso, confunde-se a sanção com o próprio tributo. Não há,
pois, como distingui-los423. É incabível levantar contra essa assertiva o fato de tributo não
constituir sanção a ato ilícito, preceito didaticamente previsto no Código Tributário
Nacional, artigo 3º. Ora, a obrigação tributária é anterior ao dever do responsável; surge
não em razão de um ato ilícito, mas sim de um fato jurídico tributário (auferir renda, por
exemplo). Quando se estabelece que tributo não pode constituir sanção a ato ilícito, o
comando é no sentido de que ato ilícito não pode dar lugar à obrigação tributária.
Diversamente, passa o tributo a ser devido também pelo responsável em razão de ato
ilícito praticado pelo contribuinte, qual seja, o não pagamento daquele no prazo legal424.
Já na segunda situação, pode terceira pessoa ser compelida ao
pagamento no lugar do contribuinte, fenômeno este correspondente à substituição
tributária. Segundo Héctor B. Villegas425: “O substituto existe porque o legislador o criou
para possibilitar ou facilitar a melhor consecução da principal finalidade para qual o
tributo é criado (levar fundos ao tesouro público). Basta então caracterizá-lo devidamente
e assinalar suas diferenças em relação a contribuintes e responsáveis solidários. As
realidades legislativas compelem o jurista tributário a, não raro, assumir atitudes
pragmáticas”.
A Constituição ao determinar o arquétipo constitucional dos tributos,
além de prever o contribuinte possível, o qual servirá como referência para verificação do
422 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 317; QUEIROZ,Luís César Souza de. Sujeição passiva tributária. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 189.423 JUSTEN FILHO, Marçal. Sujeição passiva tributária. Belém: Cejup, 1986, 293.424 “Em Teoria Geral do Direito a responsabilidade distingue-se da obrigação porque o responsável não pode evitar,com seu comportamento, a eventual aplicação de uma sanção de ato ilícito. Nada obstante, sobre ele recairá a sançãodecorrente de ato ilícito por outrem praticado. (...) O ‘responsável’ do Código Tributário Nacional não é apenas apessoa que suporta a sanção de ato ilícito. Ao contrário, ele responde pelo pagamento do tributo e eventualmente dapenalidade pecuniária”. BORGES, José Souto maior. Lançamento tributário, 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999,p.154-155.425 VILLEGAS, Héctor B. Curso de direito tributário. São Paulo: RT, 1980, p. 113.
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regime jurídico aplicável e é quem deve suportar em definitivo o ônus tributário, prevê
também pessoas que possam relacionar-se com o fato jurídico tributário e, por
conseguinte, serem chamadas a compor o pólo passivo da obrigação tributária juntamente
com aquele426.
Por essa razão, quando a norma geral e abstrata preveja além do
contribuinte um substituto para compor o pólo passivo, é incabível cogitar-se distorção da
hipótese. Utilizaremos o vocábulo substituição sem fazer nenhuma referência ao seu
conteúdo semântico. Na realidade, o chamado substituto não substitui o contribuinte na
obrigação427. Não se cuida de eleição de pessoa diversa do contribuinte por ocasião da
instituição do tributo, hipótese em que, a rigor, também não haveria substituição
propriamente dita428. Fora de cogitação também é a proposta de que a obrigação tributária
nasce para o contribuinte, que, em seguida, dá lugar ao substituto429.
426 O que é didaticamente previsto pelo Código Tributário Nacional, artigo 128, que determina que a lei pode atribuirde modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador darespectiva obrigação. Sacha Calmon Navarro Coêlho tece comentários precisos sobre esse dispositivo: “O artigo 128é uma restrição ao poder de tributar. O destinatário da regra é o legislador. O intento é proteger o contribuinte semestorvar, contudo, a ação do Estado. O legislador, assim, não é livre na estatuição dos casos de responsabilidadetributária. Nessa área não se permite alvedrio, que poderia redundar em arbítrio e opressão”. COÊLHO, SachaCalmon Navarro. O sujeito passivo da obrigação tributária – contribuintes e responsáveis.www.sacha.adv.br/doutrina/sacha/Responsab.htm, 19/05/2004, p. 6.427 Como bem nos ensina Luis M. Alonso Gonzalez: “Pero, sobre todo, la desaparición del contribuyente como sujetopasivo supondría, con toda seguridad, un desafío al principio de capacidad econômica”. GONZALEZ, Luis M.Alonso. Sustitutos y retenedores en el ordenamiento tributário espanol. Madrid: Marcial Pons, 1992, p. 186.428 A se entender dessa forma, não constando o contribuinte do pólo passivo da obrigação tributária, haveria distorçãoda própria materialidade do tributo, em afronta à rigidez da discriminação de competências tributárias, ao princípiodo republicano, e aos direitos de propriedade e liberdade. Precursor dessa corrente foi A.D. Giannini, o qual, noBrasil, foi seguido, dentre outros, por Alberto Xavier, Alfredo Augusto Becker, Geraldo Ataliba, Paulo de BarrosCarvalho, Rubens Gomes de Sousa e Sacha Calmon Navarro Coêlho. ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidênciatributária, 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 80; BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário,3ª ed. São Paulo: Lejus, 1998, p. 553; CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário,13ª ed. São Paulo:Saraiva, 2000, p. 297-299; COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. O sujeito passivo da obrigação tributária –contribuintes e responsáveis. www.sacha.adv.br/doutrina/sacha/Responsab.htm, 19/05/2004, p. 4; GIANNINI, A.D.Istituzioni di diritto tributario, 9ª ed. Milão: Giuffrè, 1974, p. 103-140; SOUSA, Rubens Gomes de. Compêndio delegislação tributária. São Paulo: Resenha Tributária, 1975, p. 56; XAVIER, Alberto. Direito tributáriointernacional do Brasil, 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 424-426.429 ALLORIO, Enrico. Diritto processuale tributario. Milão: Giuffrè, 1942, p. 189; FALCÃO, Amílcar de Araújo.Introdução ao direito tributário. Rio de Janeiro: Rio, 1976, p. 98; LAPATZA, Jose Juan Ferreiro. Curso de derechofinanciero español, 12ª ed. Madrid: Marcial Pons, 1990, p. 514-515.
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Ambos, contribuinte e substituto, podem estar referidos na hipótese
da regra-matriz de incidência, pelo que podem compor conjuntamente o pólo passivo da
obrigação tributária.
A se entender dessa forma, não há como haver descompasso entre
hipótese e conseqüente da regra-matriz. É a própria Constituição que autoriza a
substituição nos moldes acima comentados. E por ser assim, entendemos derivar o dever
do substituto da própria obrigação tributária, e não de outra com esta relacionada430.
Contribuinte e substituto serão devedores solidários do tributo, com
as peculiaridades que comentaremos a frente. Isso porque o fato de possível ocorrência
será o mesmo para ambos. No caso de um imposto, por exemplo, para um sujeito –
contribuinte - este fato denotará capacidade contributiva, para outro – substituto -, não.
Por ser o contribuinte quem manifesta capacidade contributiva, é este quem deverá
suportar em definitivo o encargo.
Aliás, o Código Tributário Nacional, em seu artigo 124, deixa bem
clara essa situação quando determina que são solidariamente obrigadas as pessoas que
tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal.
Interesse comum significa, a nosso ver, possibilidade de mais de um
sujeito guardar relação com o fato jurídico tributário por ocasião de sua ocorrência. Esse
interesse comum não pode ser criado pela própria hipótese da regra-matriz de incidência.
Esta se limita a descrever um fato de possível ocorrência, não tem o condão de constituir
absolutamente nada.
430 Em sentido contrário, ver: JUSTEN FILHO, Marçal. Sujeição passiva tributária. Belém: Cejup, 1986, p. 268;GONZALEZ, Luis M. Alonso. Sustitutos y retenedores en el ordenamiento tributário español. Madrid: MarcialPons, 1992, p. 159; PARLATO, Andrea. Il sostituto d’imposta. Padova: Cedam, 1969, p. 135 e seguintes.
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Por meio de situações alheias à regra-matriz de incidência é que deve
ser vislumbrado interesse comum no fato jurídico tributário de possível ocorrência. E
situações alheias que digam respeito à materialidade da hipótese da regra-matriz de
incidência.
Utilizemos mais uma vez o imposto para elucidarmos nosso
raciocínio. Pois bem, em algumas exações é possível um único fato denotar capacidade
contributiva de mais de um sujeito.
É o caso do imposto sobre propriedade territorial urbana, quando um
imóvel localizado em perímetro urbano é detido por duas pessoas em condomínio. Ambas
têm interesse comum na situação que constitui o fato jurídico tributário, por uma razão
alheia à respectiva regra-matriz de incidência, que diz respeito diretamente à sua
materialidade, qual seja, ser proprietário de bem imóvel localizado em perímetro urbano.
Os dois sujeitos serão solidariamente obrigados ao pagamento do
tributo na condição de contribuintes. Note-se que nesse caso não há opção ao legislador
para determinar seja a obrigação tributária constituída somente em relação a uma pessoa
quando as duas denotam capacidade contributiva exatamente da mesma forma. Do
contrário, restaria desrespeitado o princípio da igualdade.
Mas não só. Pode haver pessoa que tenha, ao lado do contribuinte,
interesse comum na situação que constitua o fato jurídico tributário, por razões alheias à
regra-matriz de incidência, mas que não preencha as características necessárias para ser
considerada como tal431.
Há uma premissa importante que deve ser relembrada antes de
darmos continuidade ao raciocínio. Deveras, a Constituição, no âmbito da regra-matriz de
431 GONZALEZ, Luis M. Alonso. Sustitutos y retenedores en el ordenamiento tributario español. Madrid: MarcialPons, 1992, p. 155-156; JARACH, Dino. O fato imponível, 2ª ed. São Paulo: RT, 2004, p. 192.
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incidência, determina que somente o contribuinte tenha o patrimônio onerado pela exação
tributária.
Para que possa a lei indicar pessoa a compor o pólo passivo da
obrigação tributária juntamente com o contribuinte deve o interesse comum consistir em
relação de poder mediante a qual este último encontra-se em posição de sujeição perante
àquela – substituto432. A fim de que seja respeitada a premissa outrora firmada, deve esta
relação consistir em poder que sujeite o gozo de riqueza do contribuinte à vontade do
substituto433 434.
Segundo Luciano Amaro435: “Porém, mais do que isso, deve-se dizer
que também não é qualquer tipo de vínculo com o fato gerador que pode ensejar a
responsabilidade de terceiro. Para que isso seja possível, é necessário que esse vínculo
seja de tal sorte que permita a esse terceiro, elegível como responsável, fazer com que o
tributo seja recolhido sem onerar seu próprio bolso”.
Com isso, resta assegurada ao substituto a faculdade de fazer uso ou
não de seu patrimônio para pagar o tributo. Tendo em suas mãos riqueza do contribuinte,
cuja transferência dependa de decisão sua, pode o substituto fazer uso de parcela dessa
riqueza para adimplir a obrigação tributária.
Não se pode perder de vista que a relação de poder deve guardar
referência com a materialidade da hipótese da regra-matriz de incidência. Assim,
utilizando o imposto objeto do presente trabalho como exemplo, no caso de o substituto
432 JUSTEN FILHO, Marçal. Sujeição passiva tributária. Belém: Cejup, 1986, p. 274 e seguintes.433 JUSTEN FILHO, Marçal. Sujeição passiva tributária. Belém: Cejup, 1986, p. 282.434 Segundo Luis M. Alonso Gonzalez, o ordenamento jurídico espanhol permite que o substituto faça uso depatrimônio próprio para pagar o tributo, desde que lhe reste assegurado direito de reembolso junto ao contribuinte.GONZALEZ, Luis M. Alonso. Sustitutos y retenedores en el ordenamiento tributario espanol. Madrid: MarcialPons, 1992, p. 155-156; JARACH, Dino. O fato imponível, 2ª ed. São Paulo: RT, 2004, p. 199.435 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 296. Ver também nessemesmo sentido: MARIZ DE OLIVEIRA, Ricardo. A sujeição passiva da fonte pagadora de rendimento, quanto aoimposto de renda devido na fonte. Revista dialética de direito tributário, n.º 49. São Paulo: Dialética, 1999, p. 93;QUEIROZ, Luís Cesar Souza de. Sujeição passiva tributária. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 200.
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dever juros à pessoa não-residente, é esta relação de poder que deve fundamentar a
instituição de substituição tributária para o pagamento do respectivo imposto sobre a
renda.
Concordamos com Marçal Justen Filho436, cuja linha de pensamento
no que tange à necessidade de existência de relação de poder acompanhamos, para quem,
por haver essa relação “(...) não há necessidade de a lei tributária instituir um direito de
regresso”.
Como dissemos, fica totalmente a cargo do substituto fazer uso ou
não da riqueza do contribuinte para adimplir a obrigação tributária437. Caso o substituto
não deseje fazer uso da riqueza do contribuinte ou assim convencione com este último,
esta será decisão consentida pelo Direito. Nessa hipótese, não haverá possibilidade de
regresso do substituto junto ao contribuinte.
Assim, conquanto haja sujeito que detenha poder sobre o gozo de
riqueza por parte do contribuinte, e esta relação possa guardar referência com a
materialidade de fato jurídico tributário que venha a ocorrer concretamente, é facultado ao
legislador indicar o sujeito em causa como substituto tributário, obrigado ao
adimplemento da obrigação tributária.
Para que exista substituição tributária, além do cumprimento das
condições até aqui analisadas, deve a lei instituí-la expressamente. Caso não o faça,
somente o contribuinte figurará no pólo passivo da obrigação tributária.
Ocorrido fato jurídico tributário cuja regra-matriz preveja a figura do
substituto, contribuinte e este último serão devedores solidários do tributo, nos termos do
Código Tributário Nacional, artigo 124. E nem poderia ser de outra maneira, já que como
436 JUSTEN FILHO, Marçal. Sujeição passiva tributária. Belém: Cejup, 1986, p. 283.437 LAPATZA, Jose Juan Ferreiro. Curso de derecho financiero español, 12ª ed. Madrid: Marcial Pons, 1990, p. 516.
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bem assevera Pontes de Miranda438: “O que faz a solidariedade passiva não é a unidade de
dívida e, pois, de crédito, mas sim a comunidade do fim”.
E prossegue o citado autor439: “A vinculação é uma só. Uma só a
relação jurídica, de que aliás se irradia pretensão única a que correspondem obrigações
solidárias. Assim, a) a relação jurídica é uma só; b) o crédito é um só; c) a pretensão é
uma só; d) as obrigações são múltiplas”.
Quer o contribuinte, quer o substituto440 são responsáveis pela dívida
toda441. O pagamento do tributo por qualquer um deles extingue a obrigação tributária.
Aqui cabe fazer um aparte. Consoante as lições de Héctor B. Villegas
transcritas linhas atrás, a substituição é criada para facilitar a arrecadação do tributo.
Sendo assim, há que se entender que caberá primeiramente ao substituto responder pela
dívida, o que não fará com que a obrigação deixe de ser solidária. É da natureza da
substituição tributária que assim seja. Segundo Pontes de Miranda442: “Nada obsta a que se
dê certa ordem à exigibilidade a respeito de cada devedor solidário (e.g., primeiro, A;
depois, B, só após, C)”.
Vê-se que, a priori, a substituição tributária implica co-existência de
responsabilidades de substituto e contribuinte, respondendo este último pela obrigação
438 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado: parte especial. Campinas:Bookseller, 2003, t. XXII, p. 375.439 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado: parte especial. Campinas:Bookseller, 2003, t. XXII, p. 375.440 “O responsável é, então, alguém que não responde por débito tributário de terceiro. O dever de prestar – obrigaçãotributária – é dele, e não do substituído. Responde, portanto, por débito tributário próprio, e não por débito tributárioalheio”. BORGES, José Souto Maior. Lançamento tributário, 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 154.“O responsável sempre é devedor de débito próprio. O dever que figura como conteúdo da relação jurídica quevincula o Estado (sujeito ativo) ao responsável legal tributário (sujeito passivo) é dever jurídico do próprioresponsável tributário e não de outra pessoa”. BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário, 3ª ed.São Paulo: Lejus, 1998, p. 558.441 Código Civil, artigo 264.442 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado: parte especial. Campinas:Bookseller, 2003, t. XXII, p. 385.
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tributária em caráter subsidiário443. Vale dizer, não adimplindo o substituto, pode o sujeito
ativo cobrar diretamente do contribuinte444.
Nessa situação, o contribuinte terá direito de regresso contra o
substituto somente quanto a eventuais encargos cobrados em função do não cumprimento
da obrigação no prazo legal. Isso porque, com relação ao tributo em si, dado que o
contribuinte é quem deve arcar com seu ônus, não há que se falar em pedido de
ressarcimento junto ao substituto.
Esta situação coaduna-se com o que dispõe o Código Civil, artigo
285: “Se a dívida interessar exclusivamente a um dos devedores, responderá este por toda
ela para com aquele que pagar”. Como contrario sensu dessa determinação entenda-se
quando quem paga é aquele a quem interessa a dívida, não cabe ressarcimento junto aos
demais devedores.
Há autores445 que rechaçam veementemente a possibilidade de
existência de obrigação dualista, em que se dissocia o débito da responsabilidade. Isto é,
em obrigações dessa natureza tem-se uma pessoa devedora e outra responsável pelo
adimplemento da obrigação.
Mas e se assim o Direito determinar, ou seja, que fica excluída a
responsabilidade do devedor, ficando esta a cargo de um terceiro, seria isto uma
anomalia? Poderia o Cientista simplesmente ignorar esse fenômeno?
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Pensamos, com convicção, que não. José Souto Maior Borges446,
analisando a questão de obrigação não necessariamente ter cunho patrimonial, demonstra
cabalmente que o método indutivo é inaplicável em sede de Direito Positivo.
Especificamente com relação à obrigação acessória, explica o citado autor que não é por
que normalmente a obrigação possui cunho patrimonial que sempre terá que ser assim.
Pode o Direito Positivo determinar que haja obrigação sem cunho patrimonial, e assim
será.
Aplicando o raciocínio do citado autor, temos que, ainda que
tradicionalmente assim não seja, o Direito Positivo pode sim determinar a possibilidade de
existir débito sem responsabilidade.
E isso é expressamente autorizado pelo Código Tributário Nacional,
quando determina a possibilidade de exclusão da responsabilidade do contribuinte, na
eventualidade de ser esta atribuída a terceiro vinculado ao fato gerador.
Dado que o contribuinte nunca se afasta do pólo passivo da obrigação
tributária, em nosso pensar, é possível indicar substituto tributário que seja único
responsável pelo adimplemento desta obrigação, de tal sorte que ambos serão devedores
em caráter solidário, mas somente um deles, o substituto, terá a responsabilidade447. Vale
dizer, a responsabilidade do contribuinte pode ser excluída, jamais sua condição de sujeito
passivo.
Nessa hipótese, o sujeito ativo não poderá reclamar o tributo junto ao
contribuinte448. Por outro lado, tanto o contribuinte quanto o substituto terão legitimidade
446 BORGES, José Souto Maior. Obrigação tributária: uma introdução metodológica, 2ª ed. São Paulo: Malheiros,1999, p. 69.447 FALCÃO, Amílcar de Araújo. Introdução ao direito tributário. Rio de Janeiro: Rio, 1976, p. 99; JARACH, Dino. O fato imponível, 2ª ed. São Paulo: RT, 2004, p. 191-192; LOBO TORRES, Ricardo. Curso de direito financeiro etributário, 7ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 217.448 Em sentido contrário, ver: MARIZ DE OLIVEIRA, Ricardo. Responsabilidade do contribuinte do imposto derenda na fonte e proponente de ação judicial afinal julgada improcedente. Revista dialética de direito tributário, n.º68. São Paulo: Dialética, 2001, p. 124-142.
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para discutir a exigência do tributo, haja vista os dois serem devedores da exação em
nome próprio. Já no que tange à repetição, apenas o contribuinte terá legitimidade para
requerê-la administrativa ou judicialmente, salvo se restar demonstrado que o substituto
tenha arcado com o ônus do tributo ou este último ter sido autorizado pelo primeiro para
tanto, nos termos do Código Tributário Nacional, artigo 166449.
6.3.2.2.3 Retenção na fonte na legislação interna (pessoas não-
residentes)
Determina a legislação450 que o imposto sobre a renda auferida no
Brasil por pessoas não-residentes, de uma maneira geral451, deve ser retido e recolhido
pela fonte pagadora, por ocasião do pagamento, crédito, entrega, emprego ou remessa
daquela.
Cuida-se a retenção acima indicada de substituição tributária, a nosso
ver, plenamente legítima, uma vez que há relação de poder entre a fonte pagadora e o
beneficiário, pela qual o gozo da renda pelo último se sujeita à vontade do primeiro. Há
possibilidade de o substituto fazer uso de riqueza do contribuinte para pagar o débito
tributário. Não só isso, a dita relação de poder guarda relação com a materialidade do
imposto aqui analisado, qual seja, auferir renda.
A substituição tributária em tela, nos termos da legislação aplicável, é
da espécie em que a responsabilidade do contribuinte é totalmente excluída, restando-lhe
449 “Art. 166. A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargofinanceiro somente será feita a quem prove haver assumido referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido aterceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la”.450 Decreto-lei n.º 5.844/43, artigo 100.451 No caso de renda decorrente de juros de financiamento, o imposto deve ser retido e recolhido por ocasião daremessa daquela, nos termos do Decreto-lei n.º 401/68, artigo 11, parágrafo único.
- 192 -
tão-somente o débito452. O substituto é quem responde ao sujeito ativo, não restando a este
possibilidade de reclamar o imposto junto ao contribuinte.
É permitido ao substituto arcar com ônus do imposto incidente sobre
renda auferida por pessoa não-residente, situação em que aquele deve ser incluído em sua
própria base de cálculo (gross up)453, exceto quando se tratar de juros decorrentes de
financiamento de bens454.
Quando restar demonstrado que o ônus do imposto sobre a renda
tenha sido arcado pelo substituto – fonte pagadora -, este terá legitimidade para requerer
sua restituição administrativa ou judicialmente, nos termos do Código Tributário
Nacional, artigo 166, caso o imposto em causa tenha sido pago indevidamente ou a maior.
Na hipótese de pagamento de renda a pessoa não-residente mediante
remessa de recursos ao exterior, a instituição contratada para o fechamento da respectiva
operação de câmbio deve verificar se houve recolhimento do imposto sobre a renda,
consoante disposto na Lei n.º 4.131/62, artigo 9º, parágrafo único.
6.3.2.2.4 Incompatibilidade entre retenção na fonte e ganho de
capital – a Lei n.º 10.833/03, artigo 26
É condição precípua da instituição de retenção na fonte - espécie de
substituição tributária - sobre uma determinada categoria de renda auferida por pessoa
não-residente a existência de relação de poder entre o agente retentor e o beneficiário, pela
qual o gozo da renda pelo último se sujeita à vontade do primeiro, de modo que haja
452 Decreto-lei n.º 5.844/43, artigo 103.453 Lei n.º 4.154/62, artigo 5º.454 Decreto-lei 401/68, artigo 11, parágrafo único.
- 193 -
possibilidade de o substituto fazer uso de riqueza do contribuinte para pagar o débito
tributário.
Mas não só. Deve a mencionada relação de poder guardar relação
com a materialidade do imposto sobre a renda.
Pois bem, ganho de capital, já asseveramos anteriormente, é a
diferença positiva entre o valor de alienação, liquidação ou reembolso de um determinado
direito real ou pessoal e o respectivo de custo de aquisição.
Em qualquer uma das hipóteses de realização de ganho de capital,
jamais se tem o pagamento, crédito, entrega, emprego ou remessa de renda dessa
categoria, tem-se, isto sim, preço, valor de liquidação ou valor de reembolso. Ainda que
não haja intervalo temporal entre a alienação, liquidação ou reembolso de direito real ou
pessoal, não se pode olvidar haver intervalo lógico. A apuração do ganho é sempre
posterior a esses, e posterior, também, ao pagamento de preço, de valor de liquidação ou
de valor de reembolso. Não há meios, portanto, de existir fonte pagadora de ganho de
capital.
Certamente há entre a fonte pagadora de preço, valor de liquidação ou
valor de reembolso e o respectivo beneficiário relação de poder, pela qual o gozo de
riqueza pelo último se sujeita à vontade do primeiro. O mesmo não pode ser dito, todavia,
quanto à existência de referência entre esta relação de poder e a materialidade do imposto
sobre a renda decorrente de ganho de capital. Repetimos, a fonte paga preço, valor de
liquidação ou valor de reembolso, não paga ganho de capital. Por essa razão, não há como
se adotar a sistemática de retenção na fonte no caso de renda dessa categoria auferida por
pessoa não-residente.
- 194 -
Além da impossibilidade jurídica em si, há óbice prático
intransponível para a grande maioria dos casos de alienação, liquidação ou reembolso de
direito real ou pessoal. Com efeito, a fonte pagadora do preço, valor de liquidação ou
valor de reembolso não tem conhecimento do custo de aquisição do direito real ou
pessoal, o que a impossibilita de verificar a realização ou não de ganho de capital.
Aliás, para os ganhos de capital em geral realizados até 31 de
dezembro de 2003 essa era a determinação legal aplicável - Lei n.º 9.249/95, artigo 18455
456, que estabelece sejam os ganhos dessa natureza auferidos por não-residentes apurados e
arrecadados de acordo com as mesmas normas aplicáveis a pessoas físicas, sujeitas, nesse
particular, a regime de “auto-recolhimento”457.
Com a edição da Lei n.º 10.833/03, alterou-se a sistemática até então
vigente, especificamente com relação a ganho de capital decorrente de alienação de bens
localizados no Brasil, cujo artigo 26 mais uma vez transcrevemos:
“Art. 26. O adquirente, pessoa física ou jurídica residente ou
domiciliada no Brasil, ou o procurador, quando o adquirente for residente ou domiciliado
no exterior, fica responsável pela retenção e recolhimento do imposto de renda incidente
sobre o ganho de capital a que se refere o art. 18 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de
1995, auferido por pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no exterior que
alienar bens localizados no Brasil”. (grifamos)
A realização de ganho de capital, por tudo que expusemos, não se
coaduna com a sistemática de fonte, pelo que entendemos ser o dispositivo acima
colacionado inconstitucional.
455 Mesmo sendo a determinação legal exatamente no mesmo sentido aqui exposto, lamentavelmente prevê oRegulamento do Imposto sobre a Renda, aprovado pelo Decreto n.º 3.000/99, artigo 685, que renda de ganho decapital sujeita-se à sistemática de fonte.456 O qual, a nosso ver, revogou tacitamente o artigo 33 da Lei n.º 7.713/88.457 Lei n.º 8.981/95, artigo 21.
- 195 -
Ainda que assim não fosse, não pode ser responsabilizado pela
retenção e recolhimento do imposto o procurador do adquirente não-residente de bem
localizado no Brasil quando não participe do negócio jurídico que tenha dado lugar a
ganho de capital. Nesse caso, além da ausência de referência entre relação de poder e
materialidade do imposto sob análise, o suposto substituto não seria parte da dita relação
de poder.
Não há meios de se indicar alguém como substituto tributário sem
que este sequer tenha participado do negócio que tenha dado origem ao ganho de capital.
Essa vedação é didaticamente prevista pelo Código Tributário Nacional, artigo 128, que
determina deve haver relação entre o potencial substituto e o fato jurídico tributário, o que
definitivamente não existe na hipótese aventada.
De mais a mais, restaria, ainda, o óbice prático atinente ao custo de
aquisição. Mesmo que o procurador do adquirente tenha participado do negócio que tenha
dado lugar a ganho de capital, não há meios deste saber o custo de aquisição do bem. Esta
é uma informação detida pelo alienante.
- 196 -
CONCLUSÕES
1. É a soberania que permite vislumbrar a existência de diversas ordens estatais,
que se relacionam exclusivamente em bases de coordenação, nunca de
subordinação.
2. Em matéria tributária, a soberania não se manifesta apenas internamente, sob a
forma de competências, mas também confere ao Estado atributos de
independência e autonomia em face dos demais, inclusive nesta seara.
3. Território é um espaço tridimensional juridicamente qualificado e delimitado.
4. A característica da soberania, mediante a qual o Estado somente pode instaurar
e fazer valer uma ordem jurídica nos limites do seu território, corresponde ao
conceito de territorialidade formal.
5. A territorialidade material consiste em critério de outorga de competência
tributária limitando a ação legislativa quanto à seleção de fatos aos quais serão
atribuídos efeitos jurídicos àqueles que guardem relação com o território do
ordenamento que lhe corresponda.
6. Diferentemente da territorialidade formal, não decorre a territorialidade material
da soberania, cabendo, portanto, a cada ordenamento adotá-la, ou não.
7. À lei complementar cumpre, dentro dos limites constitucionais, aclarar
eventuais “zonas cinzentas” atinentes às materialidades, assim como as
respectivas coordenadas de tempo e espaço que lhes condicionam, de modo a
prevenir possíveis conflitos de competência entre pessoas políticas.
- 197 -
8. Caso haja possibilidade de mais de uma pessoa política tributar o mesmo fato,
não se trata de mero concurso de imposições, mas sim potencial conflito de
competências.
9. Quanto a Estados e Municípios, a territorialidade material é princípio
constitucional.
10. O exercício da competência tributária deve ter uma motivação prevista implícita
ou explicitamente pela Constituição Federal.
11. A motivação constitucional do exercício da competência tributária pode ser
legítimo critério discriminatório entre contribuintes em sede de quaisquer
tributos, exceto nos impostos cuja finalidade do exercício da respectiva
competência seja o fomento de despesas gerais do Estado, em que somente a
capacidade contributiva pode servir como critério discriminatório.
12. A finalidade que legitima a instituição (ação legislativa) do imposto é a geração
de recursos para que o Estado possa fazer frente às despesas necessárias ao
exercício de sua função maior – propiciar o bem comum.
13. Somente é possível se instaurar deveres tributários quanto a sujeitos que possam
gozar os frutos da atuação administrativa.
14. Os sujeitos direta e pessoalmente relacionados a fatos que guardem algum tipo
de conexão com o território do Estado é que são, de alguma forma, os
beneficiários efetivos ou potenciais de sua atuação e, portanto, potenciais
titulares de deveres tributários.
- 198 -
15. A residência ou domicílio, por pressuporem vínculo com o território, seja
mediante presença física - corpus, seja mediante animus, são critérios
apropriados para se verificar a existência ou não de relação subjetiva com um
dado território.
16. A territorialidade material, no Brasil, é limite objetivo previsto no texto
constitucional ao exercício da competência tributária, inclusive pela União.
17. Critério de conexão corresponde a notas informadoras do conteúdo da norma
geral e abstrata que, quando configuradas concretamente, localizam um dado
fato no espaço e deflagram relação deste com o território de um dado
ordenamento.
18. Por força constitucional, a regra-matriz de incidência deve, em sua hipótese,
possuir notas (critério de conexão) que permitam subsumam-se à ela somente
fatos que guardem relação com o território da pessoa política que a tenha
editado.
19. Somente podem ser objeto de regulação por normas gerais de direito tributário
critérios de conexão referentes a impostos de competência dos Estados e dos
Municípios.
20. Coadunam-se com o sistema constitucional brasileiro os critérios de residência
e domicílio para fins de verificação de que tipo de relação é relevante para
eleger este ou aquele critério de tributação, se pessoal (pessoa residente), ou se
material/objetivo (fato ocorrido nos limites do território).
21. Residente ou domiciliado no Brasil será aquele que guardar relação pessoal com
seu território, relação esta identificada a partir de critérios determinados pelo
- 199 -
direito positivo, a saber: permanência física - corpus, nuns casos, animus,
noutros, se pessoas naturais; local da sede estatutária, quanto a pessoas
jurídicas.
22. Renda não se confunde com faturamento, lucro, receita nem com quaisquer
outras materialidades previstas no texto constitucional na discriminação de
competências.
23. O conteúdo semântico do vocábulo renda que deve ser tomado como partida
para sua verificação no contexto constitucional é o de acréscimo patrimonial,
riqueza nova.
24. Patrimônio é a universalidade de direitos reais e pessoais, e obrigações
economicamente avaliáveis (mensuráveis em moeda), intitulada por uma
pessoa.
25. Por vezes deixa o patrimônio de ser aferido exclusivamente em função da
pessoa, mas também por força de circunstâncias em torno das quais existam
conjuntos de direitos pessoais ou reais e obrigações.
26. Renda consiste no acréscimo a um dado patrimônio (vertido em linguagem
competente), obtido mediante o confronto de mutações patrimoniais positivas e
negativas, ambas as espécies de mutações mensuráveis em moeda.
27. Mutações patrimoniais positivas correspondem a ingressos de direitos pessoais
ou reais que se incorporem positivamente ao patrimônio, ou liquidação de
obrigações sem que estas tenham sido satisfeitas.
- 200 -
28. Mutações patrimoniais negativas equivalem às assunções de obrigações que não
tenham como contrapartida a aquisição de um bem ou direito, assim como os
dispêndios de direitos reais ou pessoais que impliquem descréscimo
patrimonial.
29. Determina o princípio da igualdade que a discriminação entre pessoas por meio
de normas jurídicas somente pode ocorrer se houver correlação lógica entre o
discrímen e a situação discriminada, bem como fundamentação desta correlação
nos valores constitucionalmente prestigiados.
30. A capacidade contributiva é, a priori, o discrímen constitucionalmente eleito
para a instituição e cobrança de impostos.
31. A consideração das mutações negativas necessárias à aquisição, produção e
manutenção da renda e do patrimônio é corolário do direito de propriedade.
32. A pretensão de eficácia do princípio da igualdade exige que todas as mutações
patrimoniais positivas dos contribuintes sejam computadas na apuração de
acréscimo patrimonial.
33. É essencial a existência de período para que se possa cogitar em renda.
34. Renda no Sistema Constitucional Brasileiro é acréscimo patrimonial, decorrente
do confronto entre todas as mutações patrimoniais positivas e as mutações
negativas necessárias à aquisição, manutenção e produção da própria renda e do
patrimônio, ocorridas num determinado período.
35. Rendimento corresponde à mutação patrimonial positiva, conceito inconciliável
com o de renda.
- 201 -
36. A idéia de disponibilidade não se refere à renda, mas sim a um de seus
elementos formadores, a saber, os ingressos de direitos pessoais ou reais que se
incorporem positivamente ao patrimônio de alguém.
37. Por força da territorialidade material, somente é passível de tributação renda
relacionada ao território brasileiro.
38. Não-residentes somente podem ser tributados no Brasil quanto às rendas
auferidas no território brasileiro.
39. Por ser renda acréscimo patrimonial, fonte desta são as mutações patrimoniais
positivas.
40. O local de ocorrência do ato ou fato jurídico que motive uma mutação
patrimonial positiva corresponderá ao seu local de ocorrência e, portanto, o de
auferimento da renda.
41. A submissão do não-residente à soberania fiscal brasileira, pela sua própria
condição, é casual, fortuita.
42. Deve ser considerado patrimônio da pessoa não-residente existente no
ordenamento jurídico brasileiro o conjunto de direitos reais ou pessoais
referentes a uma dada fonte de produção de renda (ato ou fato jurídico),
isoladamente tomada.
43. Haverá tantos patrimônios, ou possibilidade de formação de patrimônios,
quantas fontes de produção de renda houver.
- 202 -
44. Renda de pessoa não-residente corresponde acréscimo a cada conjunto de
direitos reais ou pessoais e obrigações, referentes a uma dada fonte de produção
isoladamente considerada.
45. Nas rendas auferidas por pessoas não-residentes o período varia em função de
cada categoria de renda, diferentemente do que ocorre com as pessoas
residentes, em que, por força constitucional, o período deve ser de no mínimo
um ano.
46. O marco inicial do período de apuração de rendas de pessoas não-residentes é o
momento de ocorrência de ato ou fato jurídico que fundamente a ocorrência de
outro ato ou fato jurídico que dê lugar a uma mutação patrimonial positiva.
47. O marco final do período de apuração de rendas de pessoas não-residentes é o
momento de ocorrência ato ou fato jurídico que dê lugar a uma mutação
patrimonial positiva.
48. Ganho de capital corresponde a uma categoria de renda quando realizado por
pessoa não-residente.
49. São passíveis de tributação no Brasil os ganhos de capital cujos atos jurídicos
que lhe tenham dado origem sejam praticados nos limites do território deste
País.
50. Pode dar lugar à renda tributável no Brasil juros devidos a pessoa não-residente
quando o devedor for pessoa residente ou domiciliada neste País.
51. Pode dar lugar à renda tributável no Brasil dividendos ou juros sobre capital
próprio recebidos por pessoa não-residente, conquanto seja a sociedade que
- 203 -
distribua essas remunerações domiciliada no Brasil – ou seja, aqui se localize
sua sede estatutária.
52. Pode dar lugar à renda tributável no Brasil “royalty” devido a pessoa não-
residente, desde que o cessionário do direito de uso sobre algum direito que lhe
tenha dado origem seja pessoa residente ou domiciliada no Brasil.
53. Remuneração de serviço de meio devida à pessoa não-residente pode dar lugar à
renda tributável no Brasil se aquele for executado no território deste País.
54. Remuneração decorrente de serviço consistente num fazer de resultado pode dar
lugar à renda tributável no Brasil se o resultado contratado se der nos limites do
território deste País.
55. O critério material da regra-matriz de incidência do imposto sobre a renda de
pessoa não-residente, nas categorias analisadas no presente trabalho,
corresponde a auferir renda decorrente de ganho de capital, juros, dividendos,
juros sobre capital próprio, “royalty” e prestação de serviços.
56. Nas rendas em geral auferidas por pessoa não-residente o critério temporal da
regra-matriz de incidência corresponde ao pagamento, crédito, entrega emprego
ou remessa daquelas.
57. No caso de renda auferida por pessoa não-residente, decorrente de juros de
financiamento, o critério temporal da regra-matriz de incidência corresponde à
remessa daquela.
- 204 -
58. O critério temporal da regra-matriz de incidência do imposto sobre a renda
decorrente de ganho de capital apurado por não-residente corresponde à
alienação, liquidação ou reembolso de direito real ou pessoal.
59. O critério espacial genérico da regra-matriz de incidência do imposto sobre a
renda devido por pessoa não-residente é o território brasileiro.
60. O critério pessoal da hipótese da regra-matriz do imposto sobre a renda devido
por pessoa não-residente corresponde ao contribuinte.
61. Quando se cuida de categoria de renda passível de pagamento, crédito, entrega,
emprego ou remessa, poderá o critério pessoal corresponder também à fonte
pagadora, na eventualidade de se desejar que esta componha o pólo passivo da
respectiva obrigação tributária, na qualidade de substituta, responsável pela
retenção e recolhimento do imposto em causa.
62. A base de cálculo, a fim de corresponder fielmente à materialidade do imposto
aqui estudado, deve corresponder ao resultado do confronto de mutação
patrimonial positiva fonte da renda com mutações patrimoniais negativas
necessárias à aquisição, manutenção e produção desta.
63. Face ao regime analítico de tributação das rendas de pessoas não-residentes,
temos que não se aplica o princípio constitucional da progressividade.
64. É constitucional a eleição da residência ou domicílio de uma pessoa que tenha
auferido renda no Brasil como critério para se diferenciar a alíquota aplicável
do respectivo imposto.
- 205 -
65. O sujeito ativo do imposto sobre a renda devido por pessoa não-residente é a
União Federal.
66. Contribuinte do imposto sobre a renda devido por pessoa não-residente é ela
própria, independentemente de que categoria de renda se cuide.
67. Contribuinte e substituto podem estar referidos na hipótese da regra-matriz de
incidência, pelo que podem compor conjuntamente o pólo passivo da obrigação
tributária como devedores solidários.
68. A substituição tributária, a priori, implica co-existência de responsabilidades de
substituto e contribuinte, respondendo este último pela obrigação tributária em
caráter subsidiário.
69. O Direito Positivo pode determinar a possibilidade de existir débito sem
responsabilidade.
70. Não poderá o sujeito ativo reclamar o tributo junto ao contribuinte, na hipótese
da responsabilidade deste ter sido excluída.
71. O imposto sobre a maioria das categorias de rendas auferidas por pessoa não-
residente está sujeito à substituição tributária, na espécie em que é excluída a
responsabilidade do contribuinte, restando-lhe somente o débito.
72. Não há como se adotar a sistemática de retenção na fonte no caso de renda
auferida por pessoa não-residente decorrente de ganho de capital.
- 206 -
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