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REPERCUSSÕES DO PRÓ-LETRAMENTO NAS PRÁTICAS DE AVALIAÇÃO
DE PROFESSORES ALFABETIZADORES
Francisca Edilma Braga Soares Aureliano (UERN/UFRN)
edilmaaureliano@hotmail.com
RESUMO
A perspectiva da avaliação processual precisa ser inserida nos cursos de formação
continuada de professores para que desenvolvam práticas que emancipem e incluam os
alunos em significativos processos de aprendizagem. Este trabalho é um recorte de uma
pesquisa do Mestrado Acadêmico concluído em 2012. Objetiva analisar as repercussões
do Pró-Letramento nas práticas avaliativas de quatro professoras alfabetizadoras que
lecionam em turmas de 1º e 2° ano do Ensino Fundamental de uma escola do Sertão da
Paraíba. A primeira etapa da pesquisa apresenta a revisão dos estudos de Vygotsky
(2008), Esteban (2002, 2008), Luckesi (1995), dentre outros, que tratam do
desenvolvimento da aprendizagem e da avaliação. As demais etapas seguem-se da análise
documental e da análise dos dados obtidos nas entrevistas e nas observações.
Desenvolvida na perspectiva da metodologia qualitativa e sob o procedimento da Análise
do Discurso, a pesquisa revela que a maioria das professoras cursistas do Pró-Letramento
avaliam com foco nos meios e nos resultados, desconsiderando a heterogeneidade
intrínseca nos processos individuais de aprendizagem da leitura e da escrita. Isso acentua
o descompasso entre a proposta do curso de formação e as práticas das professoras,
induzindo aos sistemas de ensino refletirem sobre as políticas de formação que
implementam. Os resultados acenam para a necessidade da formação continuada ser
concebida como momentos de aprendizagem dos docentes, visando a reconstrução das
práticas. Nesse sentido, os conteúdos e procedimentos didáticos devem se articular com
o saber-fazer dos professores, objetivando minimizar o fracasso das crianças na
alfabetização.
Palavras-chave: Pró-Letramento. Avaliação. Professores alfabetizadores.
INTRODUÇÃO
Avaliar é uma prática social que contribui para a compreensão dos processos
sociais, dentre estes, aqueles articulados à educação. Apesar de ser uma ação
indispensável ao processo de escolarização, o ato de avaliar ainda gera polêmicas
resultantes da forma como esse procedimento pedagógico se desenvolve nas práticas
escolares. Isso ocorre porque os educadores não apresentam uma base conceitual definida
para realizar um trabalho pedagógico que priorize a aprendizagem como processo
individual (intrapessoal) e ao mesmo tempo social (interpessoal), e que, portanto, precisa
ser mediado (VYGOTSKY, 2008).
As práticas avaliativas são configuradas como homogeneizadoras por
estabelecer um único padrão de acompanhamento da aprendizagem, desconsiderando os
Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade
EdUECE - Livro 303753
alunos como sujeitos históricos e sociais que apresentam níveis de abstrações
completamente divergentes. A escola precisa definir para quê avalia. É para medir,
quantificar e comparar? Ou para diagnosticar e acompanhar de forma qualitativa os
retrocessos, estagnações e avanços na atividade de aprender?
A definição da postura avaliativa da escola depende das concepções que
norteiam a prática pedagógica dos professores. Essas concepções são construídas ao
longo da formação inicial e continuada, bem como dos saberes que se apropriam ao longo
de suas vidas. A postura avaliativa do educador precisa atualmente está articulada aos
processos democráticos inclusivos, que oportunize a apropriação dos conhecimentos a
todas as pessoas.
No entanto, o fracasso escolar ainda é uma realidade marcante nas turmas em
processo de alfabetização. Muitas crianças chegam ao final dos anos iniciais do Ensino
Fundamental sem o domínio da leitura e da escrita, ou seja, são promovidas com
defasagens, o que pode limitar todo o resto da sua formação. Isso indica que a avaliação
que poderia funcionar como um instrumento regulador da aprendizagem e das ações do
ensino não está sendo bem definida ou compreendida.
A partir dessa realidade compreende-se que os conteúdos que tratam da
avaliação processual e formativa devem fazer parte dos processos formativos dos
professores para que estes desenvolvam práticas que favoreçam a reconstrução de novas
aprendizagens (ESTEBAN, 2008). Com base neste pressuposto, neste trabalho discute-
se a seguinte problemática: o Pró-Letramento enquanto política de formação continuada
para professores dos anos iniciais do ensino fundamental repercutiu nas práticas de
avaliação dos alfabetizadores? As discussões aqui postas se constituem de um recorte de
uma pesquisa realizada durante o Mestrado Acadêmico em Educação, realizado de 2009
a 2012.
A pesquisa se apropriou da metodologia qualitativa em que o interesse principal
do pesquisador é no processo e nas significações dos sujeitos do estudo Bogdan e Biklen
(1994). As etapas do estudo envolvem a revisão da literatura; a análise documental do
fascículo 2 do Curso de Alfabetização e Linguagem do Pró-Letramento (2006); e um
estudo empírico realizado em uma escola pública localizada em um município do Sertão
da Paraíba, envolvendo quatro (04) professoras alfabetizadoras que lecionavam em
turmas de 1º e 2º ano do Ensino fundamental.
O objetivo do estudo é analisar as repercussões do Pró-Letramento nas práticas
avaliativas de professores cursistas. Para apreensão dos dados no campo empírico
Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade
EdUECE - Livro 303754
realizou-se entrevistas semiestruturadas e observações registradas em Diário de Campo.
O procedimento teórico-metodológico da pesquisa foi a Análise do Discurso que
considera as palavras (discursos) dos sujeitos como materialidade da consciência social,
resultante de uma construção histórica e ideológica dos grupos sociais (BAKHTIN,
1988).
Inicialmente apresenta-se uma discussão teórica sobre a perspectiva processual
da avaliação da aprendizagem. Na sequência relata-se a análise da pesquisa documental,
especificamente da proposta de avaliação orientada pelo Pró-Letramento. Na última
sessão do texto, serão expostos os resultados da pesquisa empírica, que revela as
perspectivas teóricas e práticas de avaliação das professoras após cursarem o programa
de formação continuada. Por último, são tecidas considerações finais apontando a
relevância da pesquisa para a compreensão de como os cursos de formação continuada
têm atendido ou não às incertezas dos professores que necessitam entender o que avaliar,
pra que avaliar e como avaliar crianças que precisam se apropriar do sistema de escrita
alfabético.
AVALIAÇÃO PROCESSUAL: COMPROMISSO COM A APRENDIZAGEM
O ato de avaliar na escola ainda evidencia marcas do positivismo que tem como
principal objetivo classificar e certificar os alunos do seu sucesso ou fracasso na
aprendizagem. Essa perspectiva desresponsabiliza o educador do seu papel de mediador
da aprendizagem e atribui ao aluno a responsabilidade em aprender como se o ensino
ocorresse isolado desse processo. Isso esvazia o verdadeiro sentido da avaliação que é
redimensionar as práticas de ensino para o avanço da aprendizagem de todos os alunos.
Mas avaliar ainda continua sendo um grande desafio para os professores que
desejam construir uma cultura avaliativa para o sucesso escolar, que democratize o
conhecimento socialmente valorizado e priorize a aprendizagem significativa dos alunos.
Para Esteban (2002), o grande desafio é transformar as práticas excludentes da avaliação
certificativa que se pauta na relação de causa/efeito, e necessita de um conceito ou nota
para representar os processos de ensinar e aprender, em uma prática investigativa, que
valoriza a dúvida e considera a aprendizagem como uma atividade processual que ocorre
de forma individual e na interação entre os sujeitos. Essa perspectiva se classifica como
uma avaliação processual, em que a autora associa a ideia de co-evolução inspirada no
Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade
EdUECE - Livro 303755
paradigma complexo da realidade, de diversidade, de respeito à heterogeneidade e a
quebra de uma visão linear de conhecimento e de aprendizagem.
A idéia de co-evolução desenha um novo cenário para a sala de aula e formula
uma nova possibilidade para a prática de avaliação numa perspectiva de
investigação do processo ensino/aprendizagem, torna mais clara a
possibilidade de abandonar os parâmetros e objetivos pré-definidos sem perder
sua função, mas redefinindo sua esfera de ação. O processo de co-evolução
borra os pontos fixos de partida e de chegada, mas ressalta a necessidade de
configuração de esquemas mais potentes de apreensão da dinâmica que se
mescla à relação ensino/aprendizagem. A avaliação, como prática de interrogar
e interrogar-se, pode ser um aspecto significativo do processo. (ESTEBAN,
2002, p. 179)
Dentro desta perspectiva, a avaliação rompe as barreiras entre os professores e
alunos e entre os conhecimentos presentes no contexto escolar, assumindo um
compromisso com a formação destes sujeitos, com o conhecimento significativo e com a
superação das dificuldades. O professor utiliza a avaliação para investigar a sua própria
prática e entende que está em constante fase de aperfeiçoamento, à medida que “[...]
arriscam novas possibilidades, delineiam novos percursos, esboçam novas análises de
antigas questões e se sentem estimulados pelos desafios diários implícitos no ser
professor/a” (ESTEBAN, 2008, p. 21).
A avaliação nessa compreensão tem o caráter essencialmente qualitativo por se
deter a um processo de reflexão sobre e para a ação que contribui para que o professor
atinja níveis significativos de interpretação das demandas e necessidades de
aprendizagem dos seus alunos. Luckesi (1995) distingue juízo de existência, de juízo de
qualidade que permeia a prática de avaliação. O primeiro compreende o “aspecto
substantivo da realidade” que identifica o que é o objeto. O juízo de qualidade é atribuído
por critérios estabelecidos coletivamente em torno das aprendizagens para garantia da
formação dos sujeitos.
No juízo de qualidade, a avaliação procura responder o que o sujeito avaliado
aprendeu ou deixou de aprender, como aprendeu e a importância do que conseguiu
aprender. Ainda complementando esta ideia, Luckesi (1995) afirma à necessidade de se
tomar decisões a partir do juízo de qualidade atribuído a avaliação no que se refere à
melhoria da prática pedagógica, à retomada do trabalho junto ao aluno (caso não ocorra
aprendizagem) ou a continuidade à prática em andamento, caso esteja sendo satisfatória.
Assim, a avaliação é uma interpretação das atitudes ou comportamentos de quem é
avaliado e de quem avalia, que não obedece a uma lógica puramente objetiva, mas sim, à
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EdUECE - Livro 303756
lógica dos contextos, das necessidades dos sujeitos e dos valores assumidos por eles
(HADJI, 2001).
Neste estudo, posiciona-se a favor da avaliação processual que inter-relaciona
a avaliação diagnóstica e formativa em favor dos processos de formação individualizados
que garante amplos patamares de aprendizagem. De acordo com Esteban (2002) essa
relação coloca o diálogo como elemento central da prática avaliativa e o reconhecimento
da heterogeneidade (de vozes, pontos de vista, de conhecimentos) no processo de
aprendizagem, quebrando a objetividade e a homogeneidade propostas pela avaliação
tradicional que excluía muitos alunos do acesso ao conhecimento.
O PRÓ-LETRAMENTO E A AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM
O Pró-Letramento propõe para formação dos professores no curso Alfabetização
e Linguagem (BRASIL, 2006), o fascículo 2 destinado à avaliação da aprendizagem,
enfatizando sua ação reguladora e orientadora, destacando duas de suas funções:
diagnóstica e do monitoramento. A função diagnóstica tem como objetivo conhecer as
aprendizagens prévias das crianças, e a identificação dos seus progressos, dificuldades e
descompassos em relação às metas desejadas. A função de monitoramento visa
acompanhar e intervir na aprendizagem da criança, em seu processo de alfabetização e
reorientar o ensino, corrigindo ações inadequadas e resgatando a oportunidade de
aprender dos alunos (BRASIL, 2006).
Para cumprir sua função diagnóstica é orientado o registro das informações por
meio dos seguintes instrumentos: Observação e registro ao longo do processo de
aprendizagem, provas operatórias envolvendo os conhecimentos que estão sendo
processados pelos alunos ao longo do seu desenvolvimento e de suas aprendizagens; auto-
avaliação para que o aluno possa tomar consciência de suas capacidades e dificuldades,
de modo a reestruturar estratégias, atitudes e formas de estudo; e portfólio para arquivar
o registro das aprendizagens selecionadas pelos próprios alunos (BRASIL, 2006).
Percebe-se que a proposta de avaliação está centralizada no acompanhamento
das capacidades relacionadas à alfabetização, pois nos anexos do fascículo aparece, a
título de exemplo, uma matriz de referência da avaliação diagnóstica que discrimina
conhecimentos e competências a serem avaliadas com a finalidade de orientar estratégias
ou questões de avaliação. A matriz abrange os fenômenos de alfabetização e letramento
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EdUECE - Livro 303757
e leva em conta três eixos de conhecimentos discutidos no fascículo 1. São eles: aquisição
do sistema de escrita, leitura e produção de texto.
As ações avaliativas propostas pelo curso de formação são direcionadas ao
acompanhamento das capacidades (conhecimentos, procedimentos e atitudes) e dos
conteúdos curriculares relacionados aos anos iniciais do Ensino Fundamental. Focaliza
os processos de alfabetização e letramento, levando em conta as dimensões afetivas,
motoras, cognitivas, sócio-afetivas, éticas e estéticas. Sugere-se que o registro do
acompanhamento do desempenho das capacidades avaliadas deve ser feito em fichas
individuais.
As orientações desse instrumento abrangem três níveis de desempenho das
capacidades avaliadas: Nível 1: capacidades ainda não desenvolvidas, Nível 2:
capacidades em desenvolvimento (domínio parcial), Nível 3: capacidades já
desenvolvidas pelos alunos (BRASIL, Fasc. 2, 2006). Tal registro não deve se fixar
somente nestes três níveis, pois deve haver espaço na ficha para o professor fazer
comentários descritivos ou qualitativos sobre o desempenho dos alunos.
Como fundamentação teórica da proposta de avaliação os autores do fascículo
seguem a abordagem sócio-interacionista de Vigotsky (2008) por incorporar o discurso
pedagógico da zona de desenvolvimento proximal, ao caracterizar o Nível 1 com as
capacidades ainda não desenvolvidas como sendo os conhecimentos que ainda não se
articulam com os conhecimentos que os alunos dispõem. Os conhecimentos do Nível 2,
são aqueles em fase de elaboração e que poderão se desenvolver no futuro mediante as
intervenções de outros mais experientes, ou seja, são os conhecimentos que estão na zona
do desenvolvimento proximal. Os conhecimentos do Nível 3 são conhecimentos que se
encontram consolidados na zona de desenvolvimento real, ou seja, aqueles que o aluno já
apresenta total domínio (BRASIL, 2006).
Diante deste aporte teórico a avaliação ganha o sentido de acompanhar as
distâncias entre os processos reais (o que o aluno já sabe) e os processos em elaboração
que varia de um aluno para outro, e, portanto, interpretando suas trajetórias individuais
de elaboração do conhecimento. A partir do diagnóstico dos níveis de aprendizagem dos
alunos, o professor irá traçar estratégias interventivas que os façam avançar em novas e
mais elaboradas aprendizagens.
Além da função diagnóstica, é orientada a função de monitoramento que visa
criar estratégias de ação e de intervenção da escola para atender as crianças que se
encontram em grande atraso na aprendizagem das capacidades relativas à alfabetização,
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EdUECE - Livro 303758
como: reagrupamentos de alunos na mesma classe em horários específicos, em dias ou
horários previamente combinados, ou em tempo integral para atender as necessidades
específicas dos alunos. O objetivo é diagnosticar e monitorar com atenção o processo de
aprendizagem da leitura e escrita por parte da criança, que é defendida como uma
responsabilidade de todos que constituem a escola (BRASIL, 2006). O monitoramento se
assemelha a função formativa da avaliação é compreendida por Zabala (1998, p. 200)
como:
Aquela que tem como propósito a modificação e a melhoria contínua do aluno
que se avalia; quer dizer, que entende que a finalidade da avaliação é ser um
instrumento educativo que informa e faz uma valoração do processo de
aprendizagem seguido pelo aluno, com o objetivo de lhe oportunizar, em todo
momento, as propostas educacionais mais adequadas.
Considera-se que a proposta de avaliação orientada aos professores por meio do
programa Pró-Letramento é processual por apresentar uma perspectiva que focaliza a
avaliação, tanto a evolução dos alunos em seus processos de aprendizagens individuais e
grupais. Além disso, o processo de ensino, as metas de planejamento, os programas e
projetos estabelecidos pela escola, enfatizam que todos os instrumentos se coloquem a
serviço da alfabetização de todas as crianças, quebrando as barreiras que impedem a
aprendizagem.
O PRÓ-LETRAMENTO E AVALIAÇÃO: REPERCUSSÕES NAS PRÁTICAS DE
PROFESORAS ALFABETIZADORAS
A construção de uma prática de avaliação capaz de dialogar com a realidade
complexa, envolve apreensão da multiplicidade de conhecimentos, as particularidades
dos sujeitos, a dinâmica individual e coletiva, a diversidade de lógicas e valores, e se
concretiza em uma tarefa difícil que exige o comprometimento do professor e a
aprendizagem dos alunos. O Pró-Letramento como ficou exposto anteriormente,
apresenta para a formação dos professores, uma proposta de avaliação processual que se
institui pelas formas de avaliação diagnóstica e formativa. Ao analisar as repercussões
desta formação para as práticas de avaliação das professoras pesquisadas que atuam em
turmas de 1º e 2º ano do Ensino Fundamental, verifica-se que desenvolvem uma prática
muito arraigada nos métodos tradicionais, por centrar mais nos meios de avaliar do que
nos processos de aprendizagem, como se observa na sequência discursiva abaixo:
Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade
EdUECE - Livro 303759
Safira: Avalio o aluno continuamente. Todos os dias eu avalio os alunos
através de leituras, produção de texto, os ditados silábicos, leitura de rótulos,
nas ortografias.
Esmeralda: Eu avalio através da participação, observando as atividades, o
desenvolvimento da escrita e da leitura. Quando eles não estão desenvolvendo
aquele conteúdo, eu refaço até consegui que eles compreendam, pois meu
objetivo, é que eles leiam e escrevam.
Ametista: Eu sempre tô pegando leitura na sala de aula, quando não dá tempo
pegar da turma toda, eu fico pegando dos que eu vejo que tem mais dificuldade
na leitura pra que eu possa acompanhar e saber se eles estão aprendendo. [...]
Eu tô com esses alunos mais fracos, eu tô acompanhando, to pegando a leitura
pra vê como eles estão.
Topázio: Eu avalio meu aluno através de leitura de textos curtos, participação
nas aulas, a organização dos alunos na sala de aula, trabalho muito com
ditado de palavras, o ditado visual, mostro desenho, e peço pra eles
escreverem palavras, e através dessas atividades eu percebo se eles estão se
saindo bem ou não.
Avaliar continuamente para as professoras é observar o desempenho dos alunos
nas atividades e selecionar quem atende aos comandos das atividades ou não.
Compreende-se que é através das estratégias didáticas que o professor terá condições de
perceber as possiblidades de aprendizagem dos alunos. Mas os discursos da maioria das
nossas colaboradoras revelam que a avaliação se encerra no diagnóstico que os meios
possibilitam, havendo a intenção de intervir e replanejar a prática docente somente por
parte da professora Esmeralda quando diz que refaz as atividades até as crianças
aprenderem, dando a entender que se preocupa com o processo de aprendizagem
individual dos alunos.
O registro das observações das aprendizagens que é orientado no fascículo 2 da
formação, não aparece nos discursos das professoras, nem nas observações realizadas de
suas práticas (DIÁRIO DE CAMPO, 2010). A ausência desse procedimento avaliativo
impossibilita o registro de informações que favoreçam o redimensionamento de novas
estratégias didáticas. Para as professoras, os instrumentos de avaliação são os meios
didáticos como leituras, ditados e produções de textos.
Esses meios têm funcionalidade no processo de avaliação, se o professor definir
suas intenções sob o desenvolvimento de determinados conhecimentos por parte do aluno,
devendo ser observado e registrado os avanços, dificuldades e necessidades que
apresentar. De acordo com Zabala (1998, p. 209) “o meio mais adequado para nos
informarmos do processo de aprendizagem e do grau de desenvolvimento e competência
Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade
EdUECE - Livro 303760
que os meninos e meninas alcançam consiste na observação sistemática de cada um deles
na realização das diferentes atividades”.
A postura de Ametista evidencia a concepção classificatória da avaliação ao
expor os rótulos fracos e fortes, e ao mesmo tempo por acreditar que os alunos repetindo
as leituras, sem refletir como o sistema de escrita se estrutura, eles irão aprender a ler.
Para Esteban (2002, p. 165) “A avaliação como um processo de classificação está presa
à homogeneidade”, por se determinar que todos os alunos aprendem da mesma forma e
devem responder de um único jeito. Por outro lado, se as professoras compreendessem a
avaliação como uma prática de investigação apresentariam posturas que consideravam a
multiplicidade dos processos de elaboração individual em que emitem respostas
heterogêneas e em constante construção e reconstrução.
As professoras mesmo avaliando as crianças sem sistematizar as informações
para lançar mão de novas intervenções, procuram desenvolver a função diagnóstica da
avaliação, só que de uma maneira distinta da que o Programa de formação propõe. Este
preza por um diagnóstico das aprendizagens desenvolvidas, em desenvolvimento ou
ainda não desenvolvidas que permitam a intervenção direcionada ao nível de
aprendizagem das capacidades em que as crianças se encontram. As professoras Safira,
Ametista e Topázio se conformam com o diagnóstico dos conhecimentos consolidados
pelas crianças, desconsiderando os saberes em elaboração que são destacados pelo
programa de formação continuada, destacados como a etapa mais importante da
construção do conhecimento.
Durante a observação da prática pedagógica da professora Topázio, percebe-se
que ela desconsidera os conhecimentos que se encontram na zona de desenvolvimento
proximal (VYGOTSKY, 2008). Ao propor um ditado de frases isoladas para a turma, as
crianças perguntam constantemente como se escreve as palavras, e a professora responde,
mas quando observa que a criança não escreve as palavras convencionalmente, não
possibilita auto-reflexão da escrita, apenas fornece a resposta convencional para que faça
as devidas correções.
Ao ditar a frase: “_ A casa é de Maria”. Uma criança perguntou: “_Tia, casa
é /c/a/z/a”. A professora responde: “_Preste atenção: é /c/a/s/a/, casa”. A
professora ao concluir o ditado das frases, as escreve no quadro e pede que as
crianças observem se acertaram, em caso negativo, a professora pede que
corrijam, trocando pela escrita correta que ela grafa no quadro, sem que as
mesmas compreendam o porquê das palavras serem escritas como são
(DIÁRIO DE CAMPO, 8ª Observação, 07/06/2010).
Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade
EdUECE - Livro 303761
Assim, a professora Topázio impõe a todo o momento, a leitura e a escrita
convencional das palavras não dando oportunidade para que as crianças pensem sobre o
sistema de escrita alfabético, demonstrando mais uma vez que acredita que elas aprendem
memorizando para reproduzir. A professora parece esquecer que para aprender as
capacidades envolvidas na aprendizagem da leitura e da escrita, é necessário um processo
de reflexão e construção de conceitos que seguem etapas sucessivas, e que ocorre dentro
de uma lógica individual do pensamento. Esse processo precisa ser mediado por um
adulto mais experiente que deve criar situações de aprendizagem para que a criança possa
significar as atividades e se apropriar do sistema de escrita alfabético. Diante disso, a
professora demonstra que avaliar é apenas julgar se a criança apresenta respostas
previamente determinadas pelos conteúdos que ministra.
A postura de Topázio revela que a criança não tem espaço para errar e, sim, para
acertar, o que funciona como mais um empecilho ao avanço do aprendizado. As crianças
não são estimuladas a realizar com autonomia suas próprias tentativas de escritas, porque
muitas vezes o papel que a professora exerce é de fiscalizadora de erros e acertos e não
de possibilitadora de novas elaborações. Concorda-se com Fontana e Cruz (1997, p. 218)
quando dizem que: “os erros indicam a um só tempo o que já não precisamos trabalhar
com as crianças, porque já é do domínio delas, e o que ainda exige nossa intervenção, por
este em fase de elaboração”.
As análises sinalizam que as professoras priorizam a avaliação da aprendizagem
dos alunos em seu objetivo maior que é alfabetizá-los, mas centram-se nos meios e não
nos processos individuais de aprendizagem do sistema de escrita. Desconsideram o valor
conceitual dos erros que os alunos cometem e privilegiam respostas homogêneas de
condutas que se constroem em contextos e relações diversas, o que causa confrontos e
desajustes na aprendizagem. Desta forma, a avaliação ao invés de promover pode causar
o fracasso escolar das crianças que tentam e de outras que insistem em aprender a ler e
escrever, mas que nem sempre são compreendidas em seus processos de elaboração e
apropriação do sistema de escrita.
Ao que parece, as professoras não se apropriaram do conceito de zona de
desenvolvimento proximal defendido pelo programa de formação Pró-Letramento,
referendado nos estudos de Vygostky (2008). Seus discursos e práticas revelam uma
postura que corresponde a uma avaliação classificatória e autoritária em que o aluno que
não se enquadra nos meios de ensino, não correspondendo aos procedimentos pré-
estabelecidos pela escola. Para Esteban (2002, p. 143)
Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade
EdUECE - Livro 303762
O conceito de zona de desenvolvimento proximal é uma ferramenta relevante
porque promove a incorporação da diversidade, mostra a importância da
heterogeneidade no processo de ensino/aprendizagem e se conecta à ideia da
avaliação como uma prática de inclusão, superando a idéia de classificação que
vem caracterizando a dinâmica atual.
As posturas e concepções das professoras frente à avaliação e os procedimentos
didáticos que fazem parte da organização do planejamento da ação docente, evidenciam
que a formação continuada precisa se desvincular da ideia de multiplicação de saberes e
ser considerada como momentos de aprendizagens docentes. A reconstrução de práticas
avaliativas inclusivas que compreenda a aprendizagem da leitura como um processo inter-
individual, exige mudança de concepção dos professores. Isso imprime a necessidade dos
sistemas de ensino promover cursos de formação continuada que reflitam no saber pensar-
fazer docente, e considere o professor também como um sujeito em constante
aprendizagem do seu trabalho pedagógico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Avaliar para compreender os processos de aprendizagens individuais dos alunos
e para o replanejamento das práticas docentes implica em romper com as concepções
tradicionais ainda inerentes ao fazer pedagógico dos professores. O rompimento de tais
concepções imprime a necessidade de instituir nos programas de formação continuada de
professores a perspectiva da avaliação processual que prioriza a interpretação das
necessidades e demandas de aprendizagens, considerando a heterogeneidade que os
alunos apresentam na apropriação dos saberes.
A proposta de avaliação orientada pelo Programa Pró-Letramento encaminha a
prática dos alfabetizadores para essa perspectiva de avaliação à medida que prioriza a
forma diagnóstica e de monitoramento (formativa). Nessa perspectiva, orienta estratégias
de acompanhamento dos conhecimentos, capacidades e atitudes construídas, e em
construção, bem como as que precisam de mediação do professor para o avanço da
aprendizagem. No entanto, a maioria das professoras pesquisadas apresentam práticas
centradas nos meios, ignorando os processos individuais de aprendizagem, demonstrando
o descompasso entre a proposta do curso de formação que participaram e a forma de
avaliar seus alunos.
Este trabalho possibilita uma reflexão para o cenário acadêmico e para os
sistemas de ensino no que diz respeito às políticas de formação continuada que vêm sendo
Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade
EdUECE - Livro 303763
promovidas aos professores. O estudo revela que para a formação continuada repercutir
nas concepções e práticas docentes precisa articular os conteúdos com as necessidades
formativas dos professores alfabetizadores, considerando-os como sujeitos em constante
processo de aprendizagem da atividade de ensino. A formação continuada para
alfabetizadores deve focalizar a reconstrução de práticas avaliativas inclusivas que
priorize os processos individuais de apropriação do sistema de escrita, e oriente o
professor na criação de estratégias interventivas que impulsione a aprendizagem e evite
o fracasso das crianças em processo de alfabetização.
NOTA ¹ Programa de Formação Continuada de Professores dos Anos/Séries iniciais do Ensino Fundamental
desenvolvido pelo Ministério da Educação, em parceria com universidades públicas das diversas regiões
do país, a partir de 2006. O programa envolve duas áreas de conhecimento: Alfabetização e Linguagem e
Matemática. Em nosso estudo, focalizamos apenas a área de Alfabetização e Linguagem, que objetiva o
aperfeiçoamento do ensino da leitura e da escrita.
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Hucitec, 1988.
BRASIL. Secretaria de Educação Básica. Programa de Formação Continuada de
Professores dos Anos/Séries Iniciais do Ensino Fundamental: Alfabetização e
Linguagem. Fascículo: 2. Brasília/DF: MEC, 2006.
BOGDAN, R. BIKLEN, S. Investigação Qualitativa em educação: uma introdução à
teoria e aos métodos. Portugal: Porto, 1994.
ESTEBAN, Maria Tereza. O que sabe quem erra? Reflexões sobre avaliação e
fracasso escolar. 3ª edição. Rio de Janeiro: Editora DP&A, 2002.
____. A avaliação no cotidiano escolar. In: ____. (Org.). Avaliação: uma prática em
busca de novos sentidos. 5ª Ed. Petrópolis/RJ: DP et alii, 2008.
FONTANA, Roseli; CRUZ, Nazaré. Psicologia e Trabalho pedagógico. São Paulo:
Atual, 1997. Série Educador em Construção.
HADJI, C. Avaliação Desmistificada. Trad. Patrícia C. Ramos. Porto Alegre: Artmed,
2001.
LUCKESI, C. C. Avaliação da Aprendizagem Escolar. São Paulo: Cortez, 1995.
VYGOTSKY, L. S. A Construção do Pensamento e da Linguagem. São Paulo:
Martins Fontes, 2008.
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