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RESUMO
Fernanda de Oliveira Günther Montero
Advogada
A presente pesquisa tem como objetivos analisar e identificar os fundamentos do direito à nacionalidade e suas espécies, bem como descrever em que consiste a apatridia e analisar as soluções a ela apresentadas no Direito Pátrio. Diante da realidade apresentada, surgiram problematizações como saber quais eram os fundamentos da nacionalidade, quais suas espécies, em que consiste a apatridia e quais as formas apresentadas para sua extinção no Brasil. Como hipótese apresentou-se que o direito à nacionalidade é um direito de todo ser humano e a apatridia é anomalia decorrente de falha legislativa, influindo diretamente no exercício da cidadania de um indivíduo. Mudanças ocorreram, aguardando-se, porém as adaptações exigidas dos órgãos competentes para trabalhar o assunto. A escolha do tema se deu pela importância da nacionalidade para o exercício da cidadania das pessoas e sua relevância se percebe à medida em que se constata o contraste entre os que desejam ser reconhecidos como cidadãos de um país e os que desejam ter reconhecidas nacionalidades além da que já possuem. Como embasamento teórico foram utilizadas legislações atinentes ao tema, como a Constituição Federal de 1988 e suas emendas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, entre outras convenções, bem como doutrinas que tratam do direito constitucional brasileiro e também do internacional, destacando-se José Afonso da Silva, José Francisco Rezek e Francisco Xavier da Silva Guimarães. O método utilizado foi o científico dedutivo, partindo-se de um ponto geral para chegar ao mais específico. Apresenta abordagem de cunho bibliográfico e qualitativo. No primeiro capítulo são apresentados os elementos que compõem o Estado, a nacionalidade e a cidadania, a legislação pátria e internacional. No segundo capítulo são abordados os modos de aquisição da nacionalidade, originária e adquirida, bem como a diferença entre natos e naturalizados. Já no terceiro capítulo, os processos de perda e reaquisição da nacionalidade são abordados, e no quarto capítulo apresentam-se os conflitos de nacionalidade, positivo e negativo e a apatridia e sua solução no Brasil. Acredita-se que a pesquisa contribuirá para a formação acadêmica da autora e para a informação da importância da nacionalidade para que possam ser exercidos os direitos de cidadãos, especialmente, neste caso, os direitos da cidadania brasileira.
1
SUMÁRIO
Introdução
Capítulo I – Do Direito à nacionalidade
1.1.Elementos formadores do Estado
1.2.Nacionalidade e Cidadania
1.3.Constituição Federal de 1988 e sua evolução
1.4.Direitos Humanos e o Direito Internacional
Capítulo II – Nacionalidade brasileira
2.1.Modos de aquisição
2.2.Nacionalidade originária
2.3.Nacionalidade adquirida
2.4.Distinção entre natos e naturalizados
Capítulo III – Processos de nacionalidade
3.1.Perda da nacionalidade
3.2.Reaquisição da nacionalidade
Capítulo IV – Conflitos de nacionalidade
4.1.Conflito positivo
4.2.Conflito negativo
4.3.A apatridia no Brasil e soluções apresentadas
2
O DIREITO À NACIONALIDADE E A APATRIDIA NO BRASIL
INTRODUÇÃO
Como tudo o que envolve a sociedade, a massa humana, também o objeto da
presente pesquisa sofreu mudanças ao longo dos tempos. Trata-se da nacionalidade,
especificamente da nacionalidade brasileira. São, igualmente, objeto de estudo os
conflitos de nacionalidade, em especial o conflito negativo ou apatridia.
A nacionalidade é direito fundamental de todo ser humano, por isso tenta-se
preservá-la, como se depreende de muitas convenções internacionais e como explicita a
Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu artigo 15, in verbis:
“Art. 15
I - Todo homem tem direito a uma nacionalidade.
II - Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade.”
E por ser a nacionalidade um direito humano essencial, a apatridia, ou falta de
nacionalidade, se afigura como uma grande violação ao direito do homem, pois que o
priva de ser cidadão, participando ativamente das atividades do país onde se encontra.
Diante disso, surgiram as seguintes questões: Quais os fundamentos do direito à
nacionalidade e quais são suas espécies? Em que consiste a apatridia? Quais as
soluções apresentadas para a problemática da apatridia no Brasil?
Com isso estabeleceram-se como objetivos do trabalho analisar e identificar os
fundamentos do direito à nacionalidade e suas espécies, descrever em que consiste a
apatridia e, ainda, analisar as soluções a ela apresentadas no Direito brasileiro.
Em face do exposto, a hipótese suscitada é a de que o direito à nacionalidade é
um direito humano primordial e a apatridia é uma anomalia causada essencialmente por
falhas dos sistemas legislativos, que acabam por influenciar no exercício da cidadania
daquele que se encontra em tal situação.
O tema foi escolhido dada a importância da nacionalidade, que é pressuposto do
exercício da cidadania, modo pelo qual o indivíduo participa da sociedade. Sua relevância
se faz notar quando se constata o contraste entre aqueles que desejam ser reconhecidos
3
como cidadãos, nacionais, de um país e aqueles que desejam ter reconhecidas
nacionalidades além daquela de que já desfrutam.
O referencial teórico da pesquisa foi a Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988, bem como as Emendas Constitucionais referentes ao tema, quais sejam,
a de Revisão nº 3, de 1994, e a emenda nº 54, de 2007. Foram utilizadas também
algumas convenções internacionais que tratam do assunto, como o Estatuto do Apátrida,
a Convenção para Redução dos Casos de Apatridia, entre outras, além de ser utilizada a
legislação ordinária brasileira.
As doutrinas de base foram, entre outras, as de José Afonso da Silva, Francisco
Xavier da Silva Guimarães, Jacob Dolinger, José Francisco Rezek e Celso Duvivier
Albuquerque de Mello, todos na área de Direito Constitucional brasileiro ou Direito
Internacional Público ou Privado.
A metodologia da pesquisa segue o método científico dedutivo, que, segundo
Lakatos e Marconi1,é aquele que “... partindo das teorias e leis, na maioria das vezes
prediz a ocorrência dos fenômenos particulares (conexão descendente)”, sendo
apresentado o assunto, assim, do geral – o direito à nacionalidade – ao específico – a
apatridia no Brasil. Ainda de acordo com as autoras, a abordagem é de cunho qualitativo
e a pesquisa é bibliográfica.
A monografia foi desenvolvida num total de quatro capítulos. No primeiro capítulo
são apresentados os elementos formadores do Estado, que são povo, território e governo
soberano; também se apresenta breve conceito de nacionalidade e cidadania e o motivo
de não se poder confundi-las. É abordada, ainda, a Constituição Federal de 1988 e sua
evolução, em especial com as emendas atinentes ao tema, e, finalmente, o que concerne
aos direitos humanos e ao Direito Internacional.
O segundo capítulo aborda os modos de aquisição da nacionalidade, quais sejam
os critérios jus sanguinis, jus soli, por mutações territoriais, pelo casamento e outros.
Versa sobre a nacionalidade originária brasileira, que, hodiernamente, pode-se dizer, se
utiliza do critério misto para sua atribuição, sobre a nacionalidade adquirida, ou
secundária, que no sistema brasileiro se dá basicamente pela naturalização, e, por fim,
versa sobre a distinção feita entre brasileiros natos e naturalizados.
Estuda-se no terceiro capítulo os processos de perda e reaquisição de
nacionalidade, casos de relevância à pesquisa, pois de acordo com o desenrolar desses
processos pode ser acarretada a apatridia, como se depreende do artigo 8 da Convenção
para Redução dos Casos de Apatridia, in verbis: 1 Eva Maria Lakatos; Marina de Andrade Marconi, Metodologia Científica, p.91
4
“Artigo 8
1. Os Estados contratantes não privarão uma pessoa de sua nacionalidade se tal privação convertê-la em apátrida.
...”
Por fim, no quarto capítulo apresentam-se os conflitos de nacionalidade positivo,
ou polipatridia, e negativo, ou apatridia. Apresenta-se, ainda, como se deu a apatridia no
Brasil, com as constantes mudanças legislativas, e quais as soluções apresentadas à
problemática.
Serão retomados nas considerações finais os principais pontos da pesquisa,
analisando as questões, hipóteses e objetivos apresentados para a feitura do trabalho.
CAPÍTULO I
DO DIREITO À NACIONALIDADE
1.1. ELEMENTOS FORMADORES DO ESTADO
Estado, comumente chamado de “País”, é a pessoa jurídica soberana, de direito
internacional, cujo fim é o bem comum de sua população e a regulamentação das
relações sociais entre seus membros, bem como manter relações com a comunidade
internacional. É constituído de três elementos imprescindíveis.
Assim afirma Guimarães2: “O Estado é a comunidade política independente,
estabelecida, permanentemente, num território determinado, dotada de um governo
capaz de manter relações com a coletividade da mesma natureza.”
Define ainda Ferreira Filho3 : “... o Estado é uma associação humana (povo),
radicada em base espacial (território), que vive sob o comando de uma autoridade
(poder) não sujeita a qualquer outra (soberana).”
São, portanto, os elementos que compõem o Estado: povo, território e poder ou
governo soberano, que se passa a explanar brevemente.
Povo é tido como a dimensão pessoal do Estado. Atente-se que povo não é a
2 Francisco Xavier da Silva Guimarães, Nacionalidade - Aquisição, Perda e Reaquisição, p.3. 3 Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Curso de Direito Constitucional, p. 49.
5
população de um país, sendo esta o número de habitantes de uma mesma região, num
determinado momento, havendo, porém, pensamento divergente, afirmando que “povo” é
o conjunto de indivíduos, tanto nacionais quanto estrangeiros, ressalvadas as distinções
legais entre eles, mas tendo seus direitos fundamentais igualmente garantidos4. O
entendimento majoritário é o de que povo é o conjunto dos nacionais, ou seja, de
indivíduos possuidores de vínculos jurídicos com o Estado e que se submetem ao seu
ordenamento jurídico, onde quer que estejam, inclusive no exterior.
Território é tido como a dimensão material do Estado. É a delimitação do espaço
em que vige sua ordem jurídica, onde ele exerce seu poder, sua autoridade; é
compreendido pelas terras, ilhas, territórios fluviais e lacustres, águas e espaço aéreo,
até seus limites fronteiriços, bem como deve-se falar que, para definição de
nacionalidade, há também que se entender como território nacional, além dos locais onde
estão os órgãos representativos do Estado no estrangeiro, como aponta Silva5:
“(a) as terras delimitadas pelas fronteiras geográficas, com rios, lagos, baías, golfos, ilhas, bem como o espaço aéreo e o mar territorial, formando o território propriamente dito; (b) os navios e aeronaves de guerra brasileiros, onde quer que se encontrem; (c) os navios mercantes brasileiros em alto mar ou de passagem em mar territorial estrangeiro; (d) as aeronaves civis brasileiras em vôo sobre o alto mar ou de passagem sobre águas territoriais ou espaços aéreos estrangeiros.”
Poder ou governo soberano é tido como a dimensão política do Estado. É
responsável por sua estrutura organizada, subordinada a uma Constituição, incumbindo-
lhe o bem da coletividade e a preservação das relações com a comunidade internacional,
sendo considerado soberano por não estar subordinado a outra ordem estatal.
Já definidos de forma breve os elementos que formam o Estado, se deve dar
destaque ao elemento pessoal, ou o povo, pois é ele o sujeito que goza da nacionalidade.
Sendo assim, merece que se faça uma pequena apresentação de como se deu a
formação do povo brasileiro.
Como já é conhecido, o Brasil, antes de sua “descoberta”, era habitado por índios,
ou indígenas, que se espalhavam por todo o território, organizados em diferentes tribos
de acordo com seus usos e costumes e sua língua, não havendo, portanto uma unidade
cultural. Chegaram então os portugueses, brancos europeus, que também vinham de
várias regiões de Portugal, tendo também eles suas diversidades culturais, e, em sua
maioria, eram encarregados das feitorias e fortalezas, degredados, comerciantes e
náufragos. Logo após, foram inseridos em território brasileiro os africanos, com seus usos 4 Bruno Yepes Pereira, Curso de Direito Internacional Público, p. 82. 5 José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, p.326 ss.
6
e costumes próprios, trazidos como mão-de-obra escrava.
Com a soma de todas essas culturas foi surgindo uma cultura própria, brasileira,
ainda influenciada mais tarde, no século XIX, pela imigração alemã, italiana e japonesa,
além de outras, de menor expressão, que vieram a ocorrer ainda mais tarde.
Assim, com essa diversidade de pessoas e com o “contato físico entre essas
raças em fricção”6, se originaram os mestiços, que compõem uma boa parte do povo
brasileiro.
Visto que o Brasil, desde sua colonização, foi formado por várias correntes de
imigração, adotou-se, no princípio, o modo de aquisição de nacionalidade baseado no
direito do solo, que será apresentado adiante, como uma das formas de aquisição de
nacionalidade, favorecendo a essas pessoas vindas de outros países a aquisição da
nacionalidade brasileira sem grandes dificuldades.
1.2. NACIONALIDADE E CIDADANIA
É importante destacar que no Brasil não se deve confundir Nacionalidade com
Cidadania. Essa confusão, não raramente encontrada, tem sua maior causa no direito de
alguns países do exterior, como, por exemplo, nos Estados Unidos, onde a mesma
palavra é utilizada para definir os dois institutos, acabando, assim, por se dar a ambos o
mesmo significado.
Para dirimir tal equívoco mister se faz apresentar os institutos nacionalidade e
cidadania.
Nacionalidade é uma palavra que apresenta dois sentidos diversos, o sociológico
e o jurídico. O sentido sociológico diz respeito ao grupo de indivíduos que possuem
mesma raça, religião, língua, usos e costumes e possuem ânimo de viver juntos. Já o
sentido jurídico é a qualidade do indivíduo como membro de um Estado. Pode-se dizer,
portanto, que nacionalidade é um vínculo jurídico-político, de caráter permanente, entre o
Estado e o indivíduo, que é sua dimensão pessoal.
Observe-se que cabe apenas ao Estado soberano outorgar a nacionalidade ao
indivíduo, mas esse vínculo não deve ter como base apenas as regras formais ou a
engenhosidade procedimental de sua obtenção, deve considerar também a existência de
elos sociais consistentes entre o Estado e o indivíduo, gerando assim como que um
6 Ibid, p.325.
7
“princípio da efetividade” a ser considerado.7
Há ainda na nacionalidade alguns princípios gerais que a regem, porém não são
todos absolutos. São eles: ser a nacionalidade individual, ou seja, atinge apenas o
indivíduo, não se estendendo aos seus parentes ou dependentes; não ser a
nacionalidade permanente, podendo o indivíduo mudar de nacionalidade; e ser assunto
que compete ao próprio Estado tratar, mas devendo se sujeitar, em determinados casos,
ao controle internacional.8
Mas, qual a importância da nacionalidade? A nacionalidade tem como fim fazer
distinção entre aqueles considerados nacionais, ou seja, aquelas pessoas submetidas ao
poder do Estado, este que as reconhece como indivíduos que desfrutam de direitos,
deveres e proteção, e aqueles considerados estrangeiros, que, apesar de assegurado o
respeito à dignidade humana, não gozam dos mesmos privilégios dos nacionais, assim,
como afirma Dolinger9: “A aferição da nacionalidade de cada pessoa é importante, pois
distingue entre nacionais e estrangeiros, cujos direitos não são os mesmos.”
Entende-se, então, por nacionalidade, nas palavras de Guimarães10 que:
“Assim, o vínculo que une, permanentemente, os indivíduos, numa sociedade juridicamente organizada, denomina-se nacionalidade, que tem como fundamento básico razões de ordem política, traduzidas na necessidade de cada Estado indicar seus próprios nacionais. É, pois, o elo de subordinação permanente de uma pessoa a determinado Estado.”
Já o conceito de Cidadania vem desde a época da Roma Antiga, onde era usada
como indicação do status político dos indivíduos e dos direitos que gozavam. Os
cidadãos romanos tinham direito de participar da vida política do Estado, bem como de
ocupar altos cargos administrativos, ao contrário daqueles que não eram considerados
cidadãos.
Hodiernamente não é muito diferente o conceito de cidadania, que é tida como um
conjunto de direitos políticos que dá a quem a desfruta a oportunidade de participar
plenamente da vida do governo de seu Estado, intervindo nos negócios públicos e
participando no exercício de sua soberania. Tais direitos políticos são exercidos
basicamente pelo direito de votar e ser votado.
7 José Francisco Rezek, Direito Internacional Público, pp.180-182 8 Celso Duvivier de Albuquerque Mello, Curso de Direito Internacional Público, vol.2, p.994. 9 Jacob Dolinger, Direito Internacional Privado – parte geral, p.154 10 Francisco Xavier da Silva Guimarães, op. cit., p.1
8
Destarte, cidadão é aquele que obteve a qualidade de eleitor, e só pode ser eleitor
quem é nacional – surgindo aí mais uma possibilidade de confusão entre nacionalidade e
cidadania. Assim, a cidadania é, de certa forma, a condição de nacional somada aos
direitos políticos, dando ao indivíduo que a possui o poder de participar do processo
governamental.11
Conclui-se, portanto, que apesar de nacionalidade ser pressuposto de cidadania,
uma não se deve confundir com a outra.
1.3. CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E SUA EVOLUÇÃO
A Constituição Federal de 1988 inovou em diversos aspectos, dispensando
atenção a muitos assuntos de grande relevância, especialmente no que concerne aos
direitos humanos, constituindo marco jurídico neste ponto, ratificando a primazia de seu
respeito, ainda também em relação à ordem jurídica internacional12, passando a ser
conhecida como a Constituição Cidadã.
Encontra-se na Constituição supracitada, no Título II, que trata dos Direitos e
Garantias Fundamentais, um capítulo especialmente dedicado ao instituto da
Nacionalidade: é o terceiro capítulo, que compreende os artigos 12 e 13. Como a
sociedade se encontra em constantes mudanças há, por vezes, a necessidade de uma
adaptação da legislação, na maioria das vezes para consertar possíveis falhas que só
merecem reparo depois de anos e anos sendo discutidas pelos juristas, magistrados,
doutrinadores, etc. Não foi diferente com o assunto Nacionalidade, que sofreu duas
importantes reformas, tendo uma ocorrido em 7 de junho de 1994, a Emenda
Constitucional de Revisão n° 3 e outra, mais recente, a Emenda Constitucional n° 54 de
20 de setembro de 2007.
A mudança mais significativa ocorreu no artigo 12, inciso I, alínea “c”, cuja
redação original, em 1988, era, in verbis:
“Art. 12.(...)
I-(...)
c) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou de mãe
11 Manoel Gonçalves Ferreira Filho, op. cit., p. 116. 12 Romeu Felipe Bacellar Filho et al, Elementos de Direito Internacional Público, p.160
9
brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente, ou venham a residir na República Federativa do Brasil antes da maioridade e, alcançada esta, optem, em qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira.
...”
Com a Emenda Constitucional de Revisão n° 3/94, no artigo 12, inciso I, mesma
alínea, suprimiu-se a possibilidade de registrar os nascidos no estrangeiro em uma
repartição pública competente. Com essa redação ocorreram muitos problemas de
indivíduos que passaram a ser considerados apátridas, ou sem pátria, pois tinham pai e
mãe brasileiros, que, morando no exterior e não estando a serviço do Brasil, não podiam
registrar seus filhos numa repartição competente, qual seja o Consulado ou Embaixada
brasileira, não podendo os filhos ser considerados como brasileiros natos, como mais
adiante será analisado. Com a nova redação eliminou-se também a necessidade de
estabelecer residência no Brasil antes da maioridade.
Devido aos problemas que se tornavam recorrentes, sabendo que o Brasil, já há
algum tempo, não mais é considerado país que recebe muitos imigrantes, mas, ao
contrário, que cada vez mais vê seus nacionais irem para outros países, após longa
análise (note-se que a EC de Rev. n° 3 data de 1994), deu-se nova redação ao artigo 12,
inciso I, alínea “c” com a Emenda Constitucional n° 54, datada de setembro de 2007, que
ficou da seguinte forma, in verbis:
“Art. 12. (...)
I-(...)
c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira.
...”
Pode-se notar que essa nova redação não é exatamente nova, pois acaba
trazendo à tona as possibilidades presentes na redação original da Constituição Federal
de 1988, além de conservar parte da Emenda Constitucional de Revisão n° 3, ou seja,
houve o que se chama de repristinação parcial da redação da Constituição Federal de
1988, com a derrogação da Emenda Constitucional de Revisão nº 3/94.
Observa-se, por fim, que, com a redação da EC n° 54/07, para ser brasileiro nato,
mesmo nascido no exterior, há duas regras: ser filho de pai ou mãe brasileiros, e ter seu
10
registro feito na repartição brasileira competente, não sendo necessário que venha residir
no Brasil, nem que declare a opção pela nacionalidade brasileira. Essa atualização
influencia também nos modos de aquisição de nacionalidade adotados no Brasil, que
serão trabalhados com mais vagar em momento oportuno.
1.4. DIREITOS HUMANOS E O DIREITO INTERNACIONAL
Tamanha importância tem o instituto da nacionalidade, que se apresenta, além de
na legislação pátria, em vários tratados internacionais, posto que a nacionalidade se faz
fundamental no plano internacional por ser ela a dirimir a aplicação de leis em certos
casos, além de determinar a qual Estado caberá a proteção de determinado indivíduo13 e
ainda é protegida como sendo parte dos direitos humanos.
Direitos humanos são os direitos advindos do direito natural, ou seja, daqueles
inerentes a todo indivíduo e aceitos por toda uma comunidade, gerando normas implícitas
e cogentes como se jurídicas fossem. Cabível citar que, conforme afirma Bacellar Filho14:
“direitos humanos, segundo Pérez Luño, podem ser definidos como ‘[...] o conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento histórico, concretizam as exigências de dignidade, liberdade e igualdade humana, as quais devem ser reconhecidas positivamente pelos ordenamentos jurídicos, nos planos nacional e internacional.’.”
A positivação desses direitos tomou grande impulso em meados do pós-Segunda
Guerra Mundial, quando o mundo se deparou com as atrocidades causadas pelo
Nazismo, sentindo urgente necessidade de haver uma forma mais eficiente de proteger
esses direitos intimamente ligados ao homem. Como isso era uma necessidade mundial,
passou a ser um dos focos principais da comunidade internacional, e estabeleceu-se que
o meio mais apropriado para que os Estados se obrigassem uns com os outros, perante o
todo da ordem internacional, seria a assinatura de tratados.
13 Celso Duvivier de Albuquerque Mello, op. cit., p.993. 14 Antonio Enrique Pérez Luño. Derechos Humanos, Estado de Derecho y Constitución, 1999, p.48 apud Romeu Felipe Bacellar Filho et al. Elementos de Direito Internacional Público, Barueri – SP: Manole, 2003, p.127
11
Os tratados são, portanto, como ensina Pereira15,
“... como um conjunto de normas internacionais criadas pela convergência de vontades dos Estados que compõem a sociedade internacional, e que têm como objetivo a proteção do homem contra a invasão ou ameaça de invasão do Estado na esfera da individualidade, e que possam ferir direitos anteriores à própria existência do Estado.”
As normas estabelecidas em tratados apresentam força jurídica vinculante e
obrigatória, sendo assim, a violação a um tratado é como a violação de obrigações
assumidas internacionalmente.
Os tratados internacionais possuem um procedimento apropriado para sua
aprovação no Brasil e conseqüentemente para sua validade. Observa-se, porém, que
quando o tratado diz respeito a direitos humanos, que complementam e integram os
direitos consagrados nacionalmente, possuem um procedimento diferenciado de
integração ao Direito pátrio: são automaticamente incorporados e passam a ter status de
normas constitucionais, pois objetivam garantir a proteção da pessoa humana, podendo
ser assim até contra o próprio Estado16.
Já tendo sido apresentado o intuito da adoção de medidas internacionais de
proteção aos direitos do homem e o meio pelo qual elas geralmente se dão, não havendo
objetivo de esgotar toda legislação internacional atinente ao tema, apresentar-se-ão
apenas três que dispõem sobre a proteção do direito à nacionalidade, quais sejam a
Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948 (Organização das Nações Unidas -
ONU), o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, de 1966 (ONU) e a
Convenção Americana sobre Direitos Humanos, mais conhecida como Pacto de São
José da Costa Rica, de 1969 (Organização dos Estados Americanos - OEA).
Dispõe a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu artigo 15 que, in
verbis:
“Art. 15
I - Todo homem tem direito a uma nacionalidade.
II - Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade.”
15 Bruno Yepes Pereira, op. cit., p.183. 16 Flávia Piovesan, Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, p.310 ss.
12
No mesmo sentido, o artigo 24 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e
Políticos, promulgado pelo Decreto n° 592, de 6 de julho de 1992, ordena, in verbis:
“Artigo 24
(...)
3º. Toda criança terá o direito de adquirir uma nacionalidade.”
E, por fim, apresenta o Pacto de São José da Costa Rica, promulgado pelo
Decreto n° 678, de 6 de novembro de 1992, em seu 20° artigo, o seguinte, in verbis:
“Artigo 20
Direito à Nacionalidade
1-Toda pessoa tem direito a uma nacionalidade.
2-Toda pessoa tem direito à nacionalidade do Estado em cujo território houver nascido, se não tiver direito a outra.
3-A ninguém se deve privar arbitrariamente de sua nacionalidade, nem do direito de mudá-la.”
Esses são exemplos de como a nacionalidade é importante não só para o Direito,
mas por ser reconhecida como um direito do ser humano, que, por tê-la, goza de
proteção do Estado, não só nacional, mas internacional, salvo as devidas proporções e
casos específicos, visto que o fato da nacionalidade ser protegida internacionalmente não
significa que seja anulada a soberania de cada Estado individual.
Assim, cabe apresentar algumas convenções que estabelecem a soberania do
Estado no que tange à atribuição da nacionalidade, como a Convenção de Direito
Internacional Privado, firmada em Havana, Cuba, conhecida como Código Bustamante,
promulgada pelo Decreto nº 18.871, de 1929, que afirma, no Capítulo da Nacionalidade e
Naturalização, inserido no Título Primeiro – Das pessoas, em seu artigo 9º, in verbis:
“Artigo 9º. Cada Estado contratante aplicará o seu direito próprio à determinação da nacionalidade de origem de toda pessoa individual ou jurídica e à sua aquisição, perda ou recuperação posterior, realizadas dentro ou fora do seu território, quando uma das nacionalidades sujeitas à controvérsia seja a do dito Estado...”
13
E ainda a Convenção sobre nacionalidade firmada em Haia, Holanda, promulgada
pelo Decreto nº 21.798 de 1932, que em seu artigo 1º dispõe, in verbis:
“Artigo 1º
Cabe a cada Estado determinar por sua legislação quais são os seus nacionais. Essa legislação será aceita por todos os outros Estados, desde que esteja de acordo com as convenções internacionais, o costume internacional e os princípios de direito geralmente reconhecidos em matéria de nacionalidade.”
Por fim, se tratando a nacionalidade de assunto interno, mas de repercussão
internacional, devem estar de acordo com o Direito Internacional as leis sobre
nacionalidade, para que sejam reconhecidas pelos demais Estados17. E, assim sendo,
como já visto, a violação ao direito de nacionalidade, sendo este um direito estabelecido
em pactos internacionais, implica na violação de obrigações internacionais, além de
causar diversos problemas que devem ser evitados e sanados a todo custo, como o caso
da apatridia, além de trazer ao país que comete tal violação uma má imagem quanto ao
seu esforço na proteção dos direitos humanos.
CAPÍTULO II
NACIONALIDADE BRASILEIRA
2.1. MODOS DE AQUISIÇÃO
Como visto, a nacionalidade é um direito humano fundamental, considerado como
um vínculo jurídico-político entre o Estado e o indivíduo, distinguindo, assim, aquele que
é nacional do que é estrangeiro. Também já fora aventado que, ainda que se deva
obedecer a critérios de Direito Internacional, o Estado não perde sua soberania na
atribuição da sua nacionalidade. Desse modo, nota-se que o Estado é livre para escolher
os critérios que lhe convierem para conceder a nacionalidade, sendo que as escolhas de
outros Estados não são influência para que o Estado opte por um ou outro critério.
Atente-se, porém, que essa falta de uniformidade na adoção de critérios de atribuição de
nacionalidade acaba trazendo alguns inconvenientes, que são os conflitos de 17 Oliveiro Litrentos, Curso de Direito Internacional Público, p.300 ss
14
nacionalidade17, que serão ventilados oportunamente.
Existem, portanto, diversas maneiras de se adquirir certa nacionalidade. Costuma-
se diferenciar entre nacionalidade originária, que se adquire no momento do nascimento,
e nacionalidade adquirida, ou secundária, que é obtida tardiamente.
A nacionalidade originária segue, geralmente, dois critérios básicos ou ainda um
terceiro, derivado da combinação dos dois primeiros, incidindo no momento do
nascimento, são o jus sanguinis, o jus soli e o sistema misto.
Nacionalidade adquirida, ou secundária, por sua vez pode ocorrer por benefício de
lei, pelo casamento, por mutações territoriais, pelo jus laboris, pelo jus domicilii e pela
naturalização.
Apropriado se faz uma breve apresentação dos critérios de aquisição da
nacionalidade.
São modos de aquisição da nacionalidade originária:
Jus Sanguinis: é o sistema mais antigo de aquisição de nacionalidade, observado
em Roma e na Grécia antigas, onde o Estado era visto como um prolongamento e
agrupamento das famílias, que eram verdadeira base da organização da sociedade.
Na Grécia, aqueles que tinham descendência Espartana ou Ateniense eram
considerados como tais, mesmo se não tivessem nascido em Esparta ou Atenas. O
mesmo acontecia em Roma, onde filho de romano era romano, independente do local de
nascimento.
Por esse sistema, portanto, o indivíduo terá a nacionalidade dos seus pais à
época de seu nascimento, independentemente do local onde ele nasça.
Como grande resquício de hereditariedade que possui esse sistema,
especialmente do patriarcado, observa-se, acordando com Dolinger18:
“Tendo os pais nacionalidades diferentes, o filho seguirá a nacionalidade do pai, seguindo a nacionalidade da mãe em caso de ser filho natural ou de ser desconhecido o pai. Ignorados ambos os pais, o filho terá sua nacionalidade fixada pelo critério do ‘jus soli’.”
Em geral, adotam o sistema do jus sanguinis os Estados de emigração, ou seja,
que “exportam” seus nacionais, que vão para outros países em busca de oportunidades, 17 Celso Ribeiro Bastos; Ives Gandra da Silva Martins, Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988, 2.vol: arts, 5 a 17, p.585 18 Jacob Dolinger, op cit., p.160
15
vida nova, etc. Geralmente adotam esse sistema os países da Europa, pois assim
permite-se que os países mantenham influência e domínio jurídico mesmo sobre os
descendentes dos que emigraram19. Portanto, adotam o critério jus sanguinis, conforme
afirma Silva20: “com base na qual a diminuição de sua população pela saída para outros
países não importará em redução dos integrantes da nacionalidade.”
Esse sistema é seguido, por exemplo, pela Itália, Alemanha, Polônia, Japão,
Áustria, entre outros.
Uma última observação deve ser feita: o vínculo de nacionalidade criado pelo
critério ora em pauta não se dá, na realidade, apesar da sugestão do nome, pela
consangüinidade, mas sim pela filiação, pela dependência política dos pais, razão pela
qual alguns sugerem substituir o termo “jus sanguinis” por “critério de filiação”.
Jus Soli: esse sistema de aquisição tem origem na Idade Média, época em que
surgiu o feudalismo, situação em que um determinado número de pessoas estava
constituído em uma base territorial, e nesta base criavam suas raízes e dependências
econômicas e políticas; os feudos eram como que pequenos reinos, pois a terra era
símbolo de poder e riqueza.
Com a derrocada do sistema feudal, o sistema de aquisição jus soli se findou na
Europa. Porém, com as descobertas de novas terras ocorrem as migrações,
especialmente na época da colonização do dito “Novo Mundo”, em que aqueles que
procuravam novas oportunidades e melhores condições de vida, deixavam seus países
em busca das terras recém descobertas, e assim o sistema de aquisição pelo critério
territorial ressurgiu, pois, não havendo as novas terras seus próprios nacionais, na
concepção que se conhece hoje, havia que se formar naturais daquelas terras e, sendo
assim, não haveriam de alcançar tal intento pelo sistema de consangüinidade, pois desse
modo se observaria o desenvolvimento de diversas comunidades estrangeiras num
mesmo território e ninguém seria nacional21.
Conforme o exposto e como se é de deduzir, são os Estados de imigração os que
tendem a adotar como critério de aquisição o jus soli, posto que necessitam e procuram
integrar os descendentes de imigrantes o mais rápido possível ao novo Estado, isso se
dando pela nacionalização.
É, pois, pelo sistema jus soli, considerado nacional todo aquele que nasce no
território de determinado Estado, independente da nacionalidade dos pais. Cabe
19 Celso Ribeiro Bastos, Curso de Direito Constitucional, p.277 20 José Afonso da Silva, op. cit., p.320 21 Jacob Dolinger, op cit., p.160
16
relembrar que aqui, território, para efeito de atribuição de nacionalidade é, como já
tratado no capítulo anterior (item 1.1), o espaço aéreo, as terras, o mar territorial, os
navios e aeronaves de guerra brasileiros, os navios mercantes brasileiros em alto mar ou
de passagem em mar territorial estrangeiro e as aeronaves civis de bandeira brasileira
que estejam em vôo sobre águas territoriais estrangeiras, espaços aéreos estrangeiros
ou sobre o alto mar22.
São alguns dos países que adotam o critério jus soli para atribuição da
nacionalidade os seguintes: Chile, Paraguai, Uruguai, Guatemala, Argentina e Austrália.
Misto: esse sistema, como o próprio nome revela, é um entrelaçamento entre os
sistemas jus sanguinis e jus soli, ora adotando um, ora adotando outro critério. Desse
modo, facilita-se a aquisição da nacionalidade, tendo como objetivo evitar que surjam os
apátridas23.
Compreende-se que esse seja o sistema adotado pelo Brasil, apesar de ser
predominantemente o sistema jus soli o adotado, há exceções feitas ao jus sanguinis,
donde a conclusão.
O critério misto pode ser o mais justo quando se trata da aquisição de
nacionalidade, como ilustra Guimarães24:
“Com efeito. A adoção exclusiva de um sistema, sem concessões ao outro, ensejaria gravíssimos inconvenientes, como por exemplo:
- Negar a indivíduos nascidos no seu território, vivenciando os hábitos tradicionais do Estado, amante do país, a qualidade de nacionais;
- Conferir essa qualidade a descendentes de nacionais, nascidos alhures, embora com hábitos, educação, costumes diversos e sem vivência das preocupações nacionais.
Se o homem é produto do meio em que vive, mais lógico é que predomine o fato telúrico de vinculação à terra e ao ambiente que o rodeia. Daí certa inclinação à afeição, ao modo de agir e reagir contra estímulos externos.
O jus soli não só é um sistema mais simples de aplicação prática, como tem a virtude de evitar conflitos gerados com a adoção do jus sanguinis, a cujo sistema, no entanto, deve fazer concessões.”
Já os modos de aquisição da nacionalidade adquirida / secundária, são:
22 José Afonso da Silva, op. cit., p.326 ss 23 Sylvio Clemente da Motta Filho, Direito Constitucional, p.194 24 Francisco Xavier da Silva Guimarães, op. cit., p.12
17
Por Benefício da Lei: entende-se que a aquisição pela lei pode se dar por sua
vontade ou por sua permissão. O que quer dizer que, na primeira, quando há vontade da
lei, os indivíduos a quem a lei se endereça passam a ter a nacionalidade que lhes é
concedida, sem depender de qualquer manifestação de vontade de sua parte; já na
segunda, quando há permissão da lei, os indivíduos, seja para conservar ou adquirir uma
nacionalidade, precisam manifestar sua vontade.
Pelo Casamento: por esse modo de aquisição, a mulher, observe-se, adquire a
nacionalidade do marido, o que por muito tempo se justificou dizendo ser isso uma
maneira de manter a unidade familiar. Atente-se ao fato de que a Convenção sobre a
Nacionalidade da Mulher Casada, de 1957, estabeleceu como princípios gerais que o
casamento ou sua dissolução não devem afetar automaticamente a nacionalidade da
mulher, bem como a mulher poderá adquirir a nacionalidade do marido se solicitar
através de um processo especial e que a renúncia ou aquisição de nacionalidade pelo
marido não afetará a nacionalidade da mulher. O Brasil não reconhece esse modo de
aquisição.
Por Mutações Territoriais: por esse modo de aquisição, os indivíduos podem
mudar de nacionalidade nos casos de anexação ou cessão de território a um outro
Estado, ou seja, quando há diminuição ou aumento do território de um Estado para outro
ou quando há fusão de dois Estados. Quando tal fato ocorre, aos habitantes desse
território é dado o direito de opção, que permite que se declare a nacionalidade que se
pretende ter, se a nova (do Estado anexante) ou a antiga.
Jus Laboris: em certas legislações admite-se que os indivíduos adquiram a
nacionalidade do Estado por exercer nele, ou para ele, quaisquer funções, seja de
natureza pública ou particular, desde que considerada pelo Estado. Há também
legislações que vêem o jus laboris tão somente como um requisito favorecedor à
naturalização.
Jus Domicilii: na aquisição por esse sistema, se considerará nacional aquele que
se encontre domiciliado no Estado há um determinado tempo. A prática internacional
tende a esse sistema muitas vezes para dirimir conflitos de nacionalidade, decidindo-se
como nacionalidade do indivíduo aquela do país no qual mantém residência habitual e
principal.
Naturalização: ocorre quando a nacionalidade é concedida ao estrangeiro que a
requer, mediante preenchimento de requisitos que o Estado exige.
Mister se faz lembrar que nenhum país é obrigado a conceder sua nacionalidade a
quem quer que seja. A naturalização é benesse do Estado, é um ato de soberania, é
18
faculdade do Poder Executivo.
A naturalização segue basicamente três princípios, de acordo com o Direito
Internacional, quais sejam: a nacionalidade deve ser efetiva; a naturalização não tem
efeito retroativo, produzindo efeitos apenas após sua concessão; e um indivíduo não
pode adquirir por naturalização a nacionalidade de um outro Estado se já é nacional do
Estado onde reside.
Deve-se advertir que a naturalização não é um contrato entre o Estado e o
indivíduo, conforme expõe Mello25:
“Este modo de aquisição de nacionalidade não tem a natureza jurídica de um contrato, apesar de ela se revestir de um aspecto bilateral. Na verdade, ela é um ato de soberania do Estado que a concebe. Ela é um ato que o Estado pratica no seu próprio interesse. A vontade do indivíduo só tem importância para iniciar o procedimento da sua concessão. Não existe um acordo de vontades entre o indivíduo e o Estado.”
Pode-se dizer, por fim, como ensina Cretella Júnior26: “‘Nacionalidade brasileira’ é
o atributo da pessoa a quem a regra jurídica constitucional confere esse status, quer pelo
nascimento, quer por fato posterior ao nascimento.”
2.2. NACIONALIDADE ORIGINÁRIA
Como já exposto, a nacionalidade originária é aquela que se adquire com o
simples fato do nascimento. O Brasil, apesar de, tradicionalmente, adotar o critério de
aquisição jus soli, considerando como principal elemento a determinar a nacionalidade o
local onde se nasce, faz consideráveis aberturas ao sistema jus sanguinis, que considera
o principal elemento determinador da nacionalidade a nacionalidade dos pais, fazendo-se
bastante aceito dizer que aqui se adota o critério misto para a aquisição da nacionalidade
originária.
No sistema legislativo brasileiro, a nacionalidade originária é tratada com
exclusividade pela Constituição Federal, em seu artigo 12, inciso I, alíneas a, b e c, que
trazem a seguinte redação, in verbis:
25 Celso Duvivier de Albuquerque Mello, op. cit., p.999 26 José Cretella Júnior, Comentários à Constituição Brasileira de 1988, arts. 5º (LXVIII a LXXVII) a 17, p.1071
19
“Art. 12. São brasileiros:
I- natos:
a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país;
b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil;
c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira;
...”
Conforme pode-se perceber, há mais de uma possibilidade em que se possa ser
considerado brasileiro nato, então passa-se a elas. Serão, porém, analisadas por partes
para que o estudo seja facilitado.
A primeira alínea, a, deve ser considerada em duas partes. A primeira parte a ser
considerada é, in verbis:
“Art.12. (...)
I-(...)
a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros...”
Aqui, o critério definidor da nacionalidade é, definitivamente, o jus soli, pois afirma
que o nascimento deve ter ocorrido na República Federativa do Brasil, ou seja, em
território brasileiro, entendendo-se que seja isso em alguma parte do mundo que seja
submetida à ordem jurídica brasileira, como já observado em capítulo retro. Observa-se
que não se leva em consideração a nacionalidade dos pais.
A segunda parte do mesmo dispositivo, qual seja a alínea a, afirma que, in verbis:
“Art.12. (...)
I-(...)
a) (...) ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não
20
estejam a serviço de seu país;
...”
O que se vê aqui é uma exceção ao jus soli, havendo, portanto, a aplicação do
sistema de aquisição jus sanguinis. Neste caso, se os pais estiverem a serviço de seu
país, sendo o indivíduo nascido no Brasil, ele não será brasileiro, conforme ensina
Guimarães27:
“Neste caso, o nascimento no Território Nacional não tem qualquer influência sobre a nacionalidade. Atenta-se exclusivamente, à qualidade e à situação dos pais e à finalidade da estada destes, no Brasil. Os nascidos aqui, em tais condições são estrangeiros.”
Quanto à referência que se faz aos pais estrangeiros, há divergência doutrinária.
Toma-se, por exemplo, o próprio Guimarães28, que acredita que ambos os pais devem
estar a serviço de seu país ou se encontrem em território nacional em razão exclusiva
deste serviço público, pois afirma que na Constituição não há disposição expressa de que
possa ser “qualquer um deles”. Porém, o entendimento majoritário é o de que a hipótese
de ambos os membros do casal se encontrarem a serviço de seu país é muito remota,
sendo, portanto, mais razoável a interpretação de que basta um dos pais estar a serviço
de seu país, mesmo que o outro não faça nada mais que acompanhar seu cônjuge.
Nesse sentido, toma-se, por exemplo, Dolinger29, que expressa:
“A referência aos pais no plural – “ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país”, não significa necessariamente que ambos os pais estrangeiros devem estar a serviço de seu país, para que o filho aqui nascido não seja brasileiro, bastando que um deles – pai ou mãe – esteja a serviço de seu país para excluir o filho aqui nascido da regra sobre a nacionalidade adquirida ius soli. Assim, para excluir a operação do ius soli basta que um dos pais seja estrangeiro e esteja a serviço de seu país, mesmo que a outro genitor (sic) seja brasileiro.”
Quanto à referência feita acima, sobre o outro genitor ser brasileiro e ainda assim
o filho nascido no Brasil, tendo um dos pais estrangeiro e a serviço de seu país, ser 27 Francisco Xavier da Silva Guimarães, op. cit., p.23 28 Ibid, p.24 29 Jacob Dolinger, op. cit., p.166
21
estrangeiro, há, também, divergência doutrinária, sendo que há autores que afirmam que
se o outro genitor for brasileiro o filho aqui nascido será brasileiro, pois o genitor brasileiro
não está no Brasil em razão de serviço do país do genitor estrangeiro, aplicando-se, sim,
o jus soli30.
Importante estabelecer, também, o significado da palavra “serviço” neste
dispositivo.
Serviço é estabelecido como toda função consular, função diplomática, missões
oficiais e serviços públicos ligados ao Poder Executivo, sejam eles derivados do
executivo municipal, estadual ou federal.
Deve-se notar, igualmente, que o dispositivo apresenta que o estrangeiro deve
estar a serviço não de qualquer país, mas de seu país. Destarte, não haverá exclusão da
aplicação do critério jus soli e conseqüente aplicação do sistema jus sanguinis se o
estrangeiro cá estiver a serviço de outro país que não o seu. Aplicar-se-á, normalmente,
o critério de aquisição de nacionalidade baseado na territorialidade, conforme leciona
Rezek31:
“Há, na exceção ao jus soli, outro aspecto relevante, em torno do qual os autores não discrepam: os pais, estrangeiros, devem estar a serviço do país cuja nacionalidade possuem para que inocorra a atribuição da nacionalidade. Seria brasileiro, dessa forma, o filho de um egípcio que cuidasse no Brasil da representação de Catar ou Omã. A quem estranhe essa particularidade, convém lembrar que o constituinte não tencionou abrir exceção ao jus soli senão quando em presença de uma contundente presunção de que o elemento aqui nascido terá outra nacionalidade, merecedora, por razões naturais, de sua preferência, e de que assim a atribuição da nacionalidade local iria originar quase seguramente uma incômoda bipatria, a seu tempo resolvida em favor da nacionalidade estrangeira. Mas se o estado patrial dos genitores não é aquele mesmo a cujo serviço se encontram, a presunção perde sua energia, de modo que a recusa da nacionalidade local jure soli poderia não raro dar origem a uma situação que a todo custo tem de ser evitada, qual seja a apatria de um natural do Brasil.”
Constata-se, portanto, que no primeiro inciso do dispositivo constitucional de que
se trata, em sua primeira alínea, há dois sistemas de aquisição de nacionalidade aceitos,
um em regra geral, o jus soli, e outro por exclusão, o jus sanguinis.
30 Francisco Xavier da Silva Guimarães, op. cit., p.24 31 José Francisco Rezek, op. cit., p.187-188
22
Ainda no inciso I do artigo 12, existe a alínea b, donde se lê, in verbis:
“Art.12. (...)
I- (...)
b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil;
...”
Depreende-se do dispositivo que o critério utilizado para atribuição da
nacionalidade não é, como de regra, o jus soli, mas sim o jus sanguinis, atribuindo-se a
nacionalidade de acordo com a nacionalidade possuída pelo genitor brasileiro, desde que
este esteja a serviço da República Federativa do Brasil, podendo daí afirmar que com o
critério jus sanguinis é cumulado um critério funcional.
Cuida dizer que a nacionalidade brasileira se dá tão somente pelo nascimento,
quando um dos pais, ou ambos, estiverem a serviço da República Federativa do Brasil,
não havendo necessidade de nenhuma condição futura a ser satisfeita, não devendo se
pensar nem em opção de nacionalidade e muito menos em dever estabelecer residência
no Brasil. O que é realmente importante é avaliar o motivo que levou os pais ao exterior e
o motivo pelo qual um dos pais brasileiros, ou ambos, tiveram sua permanência
determinada no país estrangeiro, que é o “estar a serviço” do Brasil32.
Aqui, quando se diz que o nascido deve ser de pai ou mãe brasileiros, não se
estabelece qual o tipo de nacionalidade desses, pouco importando se são brasileiros
natos ou naturalizados, o que se estabelece é apenas que eles tenham a nacionalidade
brasileira no momento do nascimento do filho para que esse seja considerado como nato.
Observa-se também, que, apesar de a lei estabelecer o “nascimento”, pode-se
considerar, igualmente, os filhos adotivos, dependendo-se, neste caso, da verificação da
legitimidade do procedimento de adoção, e se, ao final, for comprovada sua validade, o
adotado adquire a condição de nacional como se houvesse nascido da relação
matrimonial33.
Como na alínea a, também na alínea b há a expressão “estar a serviço”. Deve-se
compreender como estar a serviço do Brasil, estar a serviço diplomático, consular e
qualquer outro encargo advindo do Executivo, ou seja, a serviço de pessoa jurídica de
32 Francisco Xavier da Silva Guimarães, op. cit., p.26 33 José Afonso da Silva, op. cit.,p.327-328
23
direito público, da administração direta ou indireta, do Distrito Federal, Municípios,
Estados ou da União, englobando-se autarquias e fundações públicas, sem poder excluir,
como lembra Chimenti34, as “... entidades paraestatais e concessionárias de serviço
público, se a natureza do serviço desempenhado for pública, também estarão atingidas
pela expressão.”
Declara ainda o professor Rezek35 que:
“Constitui serviço do Brasil, ainda, o serviço de organização internacional de que a república faça parte. No complexo e diversificado mecanismo das organizações internacionais contemporâneas, nem sempre a indicação do governo do país de origem precondiciona a investidura em cargo de relevo. Na falta de qualquer empenho, e mesmo da simpatia do governo de seu Estado patrial, pode alguém ascender, por exemplo, à Secretaria-Geral das Nações Unidas, ou a uma cátedra na Corte Internacional de Justiça. Isto, no caso brasileiro, de nenhum modo permitiria que se deixasse de entender a serviço do Brasil o nacional beneficiado pela escolha, mesmo porque, como integrante da organização, deve-lhe o país cooperação constante à luz dos dispositivos de sua carta institucional, onde se disciplinam os métodos de recrutamento do contingente humano.”
Constata-se, assim, na alínea b, que há claro modo de aquisição pelo método de
consangüinidade, e que este é vinculado à função de qualquer um dos pais brasileiros no
estrangeiro. Não importa aqui o local onde ocorreu o nascimento.
A última hipótese de aquisição da nacionalidade brasileira originária está elencada
na alínea c, do mesmo inciso I, artigo 12, que estabelece, in verbis:
“Art.12. (...)
I- (...)
c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira;
...”
Como já mencionado no capítulo anterior, esta alínea sofreu profundas mudanças
34 Ricardo Cunha Chimenti et al, Curso de Direito constitucional, p.149 35 José Francisco Rezek, op. cit. , p.188
24
desde seu texto original, quando da promulgação da Constituição Federal do Brasil de
1988, passando por mudanças em 1994 com a Emenda Constitucional de Revisão nº 3,
tendo sua última alteração ocorrido em setembro de 2007, com a Emenda Constitucional
nº 54, que dá a atual redação à alínea.
Para melhor estudá-la, se faz necessário separá-la em duas partes. A primeira
parte consiste na seguinte, in verbis:
“Art.12. (...)
I- (...)
c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente...”
Nesta primeira parte tem-se, claramente, a adoção do critério de aquisição de
nacionalidade determinado pela consangüinidade (jus sanguinis), cumulado com o
registro do indivíduo, ou seja, há que se atentar para dois requisitos para que se obtenha
a nacionalidade originária brasileira se o indivíduo for nascido no estrangeiro: ser filho de
pai brasileiro ou mãe brasileira (não importando se natos ou naturalizados, desde que o
sejam à época do nascimento do filho) e o registro feito em repartição brasileira
competente.
Entende-se por “repartição brasileira competente” os consulados e embaixadas
brasileiras, que se tornam responsáveis pelos registros desses indivíduos a que o
dispositivo se refere. Convém esclarecer que tais registros feitos no exterior possuem a
mesma eficácia jurídica dos registros formalizados no Brasil. Com o assentamento de
nascimento lavrado no estrangeiro, desde que em repartição brasileira competente para
isso, já é assegurada ao indivíduo a nacionalidade originária, sem ser necessária
qualquer opção confirmatória ou mesmo a fixação de residência no Brasil.
A segunda parte da alínea c a ser estudada é, in verbis:
“Art.12. (...)
I- (...)
c) (...) ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira;
...”
25
Nota-se aqui o caso em que não ocorreu o registro em repartição brasileira
competente e o indivíduo vem a residir no Brasil e opta pela nacionalidade brasileira. Este
tipo de aquisição da nacionalidade brasileira feita pela opção está subordinado a algumas
condições, quais sejam o nascimento do indivíduo no exterior do Brasil, ser nascido de
pai brasileiro ou de mãe brasileira (natos ou naturalizados), vir residir no Brasil a qualquer
tempo e fazer a opção pela nacionalidade, também a qualquer tempo, desde que atingida
a maioridade.
Cumpre explicitar a situação, ou a condição jurídica, daquele indivíduo que ainda
não realizou a opção pela nacionalidade brasileira: ele é brasileiro nato, porém essa é
uma condição suspensiva, dependendo de uma atitude, uma declaração de vontade,
para se confirmar. Neste sentido ensina Silva36:
“...o momento da fixação da residência no País constitui o fato gerador da nacionalidade, que fica sujeita a uma condição confirmativa, a opção, mas, como não há mais prazo para tal, a condição de brasileiro nato fica suspensa até a implementação da condição.”
Convém, ainda, dizer que a opção deve ser feita após atingida a maioridade pois
é quando se alcança a capacidade civil plena. Assim deve ser, pois a opção por uma
nacionalidade tem caráter personalíssimo, devendo ser feita com plena consciência do
optante.
A opção pela nacionalidade deve ser homologada por Juiz Federal, cuja
competência está estabelecida na Constituição Federal, artigo 109, inciso X, in verbis:
“Art.109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
(...)
X - ... as causas referentes à nacionalidade, inclusive a respectiva opção, e à naturalização.
...”
O juiz homologará a opção se preenchidos os requisitos exigidos pela
Constituição Federal, e sua sentença, que será feita de forma simples e concisa, não
estará sujeita à confirmação pelo Tribunal.
36 José Afonso da Silva, op. cit., p.330
26
A doutrina chama essa forma de aquisição da nacionalidade por opção de
“nacionalidade potestativa”, pois depende exclusivamente da vontade do interessado. O
critério adotado nesta segunda parte da alínea c foi o da consangüinidade combinada
com vínculo territorial e manifestação de vontade.
Finalmente, se mostra necessário dizer que a última mudança ocorrida nesta
alínea, com a Emenda Constitucional nº 54/07, se deu pelo fato da redação dada pela
Emenda Constitucional de Revisão nº 3 de 1994 fazer surgir um enorme grupo de
brasileiros apátridas, pois a legislação brasileira não reconhecia o vínculo de
nacionalidade originária aos filhos de mãe brasileira ou pai brasileiro nascidos no
estrangeiro, pelo simples registro realizado na repartição diplomática ou consular
brasileiras.
2.3. NACIONALIDADE ADQUIRIDA
Como já exposto, há diversas modalidades de obter a nacionalidade que não pelo
nascimento. A nacionalidade secundária, ou adquirida, o é por se caracterizar como uma
opção feita por alguém tempos depois do nascimento.
No direito constitucional brasileiro, o único meio de se adquirir a nacionalidade
brasileira secundária é pela naturalização. Está, na Constituição Federal, estabelecida no
artigo 12, inciso II, alíneas a e b, in verbis:
“Art.12. São brasileiros:
(...)
II- naturalizados:
a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas a residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral;
b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira.
...”
São naturalizados, portanto, indivíduos que eram nacionais de outros países e,
27
por vontade ou conveniência, decidem adquirir a nacionalidade brasileira.
Deve-se atentar ao fato de que a Constituição Federal indica quem será
naturalizado, porém cabe à legislação ordinária indicar como se deve proceder para a
aquisição da nacionalidade. Neste caso se fala da Lei nº 6.815/80, mais conhecida como
Estatuto do Estrangeiro, que teve alguns dispositivos alterados pela Lei nº 6.964/81. O
Estatuto do Estrangeiro trata da naturalização nos artigos 111 a 124.
É mister dizer que a naturalização é ato unilateral e discricionário do Estado, que
analisará a conveniência e a oportunidade políticas da concessão da nacionalidade, ou
sua recusa, além de analisar se são preenchidos os requisitos estabelecidos para que se
possa obter a nacionalidade brasileira ou não. Tais requisitos se encontram elencados no
Estatuto do Estrangeiro, e o poder discricionário do Estado, quando se trata de
concessão de nacionalidade, também. Sobre este último observe-se o artigo 121 da Lei
nº 6.815/80, in verbis:
“Art.121. A satisfação das condições previstas nesta Lei não assegura ao estrangeiro direito à naturalização.”
Hodiernamente, o Brasil aceita somente a naturalização expressa, ou seja, aquela
que depende da manifestação de vontade do indivíduo, que se dá pelo requerimento da
nacionalidade brasileira. Convém alertar que aquele que tem o desejo de se naturalizar,
com a efetiva naturalização irá perder a sua nacionalidade de origem, conforme se
estabelece no artigo 1º da Convenção sobre Nacionalidade, firmada em Montevidéu, em
1933 e promulgada no Brasil pelo Decreto nº 2.572 de 1938, in verbis:
“Art.1. A naturalização perante as autoridades competentes de qualquer dos países signatários implica a perda da nacionalidade de origem”
Ainda nesse sentido, explicita Guimarães37: “A renúncia da nacionalidade
originária (...) tem o efeito declaratório de querer alguém se desvincular dos laços
políticos que o une ao país de origem, para se considerar, unicamente, brasileiro.”
Para facilitar a compreensão dos casos em que o Brasil concede a naturalização
àqueles estrangeiros que a requeiram, utilizar-se-á a classificação de que se serve o
37 Francisco Xavier da Silva Guimarães, op. cit., p.42
28
Ministério da Justiça38 e alguns doutrinadores. É a seguinte:
Naturalização Comum: dá-se quando o indivíduo residir no Brasil por pelo menos
quatro anos e preencher os demais requisitos presentes no artigo 112 do Estatuto do
Estrangeiro.
Naturalização Extraordinária: destinada ao indivíduo estrangeiro que reside no
Brasil há mais de quinze anos e quer adquirir a nacionalidade brasileira. Deve preencher
os requisitos do artigo 12, II, b, da Constituição Federal.
Naturalização Especial: é dirigida ao estrangeiro casado há mais de cinco anos
com diplomata brasileiro em atividade ou ao estrangeiro com mais de dez anos
ininterruptos empregados em repartição consular brasileira ou em Missão Diplomática
brasileira. Esta é hipótese prevista no artigo 114 da Lei nº 6.815/80.
E, por fim, a Naturalização Provisória, que ocorre quando o indivíduo ingressa no
Brasil durante os primeiros cinco anos de vida e aqui se estabelece, requerendo a
naturalização por intermédio de seu representante legal, podendo torná-la definitiva por
sua expressa manifestação até dois anos após atingir a maioridade. Essa hipótese está
estabelecida no artigo 116 do Estatuto do Estrangeiro.
Na primeira hipótese de naturalização prevista pela Constituição Federal ocorre a
naturalização comum, ou ordinária, estabelecida no artigo 12, inciso II, alínea a, in verbis:
“Art.12. São brasileiros:
(...)
II- naturalizados:
a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral;
...”
A alínea a apresenta dois aspectos, um em que estabelece que a lei ordinária é
que tratará dos requisitos a ser preenchidos para a aquisição da nacionalidade brasileira
por via da naturalização, quando o indivíduo provier de qualquer país onde não se fale a
língua portuguesa, e outro aspecto, onde estabelece os requisitos para os estrangeiros
provenientes de países de língua portuguesa. Isto posto, faz-se necessário o estudo da
alínea em duas partes.
38 Ministério da Justiça – Departamento de Estrangeiros, Nacionalidade e Naturalização. Disponível em http://www.mj.gov.br
29
A primeira parte compreende, in verbis:
“Art.12. São brasileiros:
(…)
II- naturalizados:
a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira ...”
A lei de que fala o artigo acima é a Lei nº 6.815/80, o Estatuto do Estrangeiro, que
estabelece, então, quais os requisitos devem ser preenchidos para que se possa obter a
naturalização. Observa-se o artigo 112 da referida lei, que elenca, in verbis:
“Art.112. São condições para a concessão da naturalização:
I- capacidade civil, segundo a lei brasileira;
II- ser registrado como permanente no Brasil;
III- residência contínua no território nacional, pelo prazo mínimo de quatro anos, imediatamente anteriores ao pedido de naturalização;
IV- ler e escrever a língua portuguesa, consideradas as condições do naturalizando;
V- exercício de profissão ou posse de bens suficientes à manutenção própria e da família;
VI- bom procedimento;
VII- inexistência de denúncia, pronúncia ou condenação no Brasil ou no exterior por crime doloso a que seja cominada pena mínima de prisão, abstratamente considerada, superior a um ano; e
VIII- boa saúde.
...”
Os requisitos acima elencados devem ser observados cumulativamente,
lembrando, ainda, que o simples preenchimento dos mesmos não importará na
concessão da nacionalidade, por se tratar de ato exclusivo e discricionário do poder
Executivo, como já mencionado.
A capacidade civil é exigida pois deve a aquisição de nacionalidade ser feita com
plena consciência de quem a deseja, sendo manifestação amadurecida e inequívoca da
vontade de se tornar nacional brasileiro.
Outra condição é de ser registrado como permanente no Brasil, que significa dizer
30
que há realmente a vontade de enraizar-se em território nacional, ou seja, radicar-se
definitivamente no Brasil. É necessário que o indivíduo esteja portando o visto
permanente, que é indicador da vontade supramencionada, para que seja considerada
como preenchida essa condição.
O terceiro quesito é a residência contínua no território brasileiro por no mínimo
quatro anos, imediatamente anteriores ao pedido de naturalização, ou seja, a residência
do estrangeiro no Brasil deve ser de no mínimo quatro anos e ininterrupta. A quem se
perguntar o porquê de quatro anos, responde muito bem Guimarães39, ao afirmar que se
trata de um período que:
“É o meio material de aferir a presença física do estrangeiro entre nós, a assimilação dos costumes brasileiros, a integração à nossa sociedade e de afeição à nossa terra – são questões de caráter sociológico.
De resto, é tempo de que dispõe o poder Público para verificação da sinceridade de propósitos, da utilidade, da eficiência, da capacidade e demais qualificações do estrangeiro a ser admitido como membro do Estado.”
Quanto ao prazo dever ser ininterrupto, há exceção, estabelecida no §3º, do artigo
119 do Decreto nº 86.175/81, que regulamenta o Estatuto do Estrangeiro, como se lê, in
verbis:
“Art.119. (...)
§3º. Quando exigida residência contínua por quatro anos para a naturalização, não obstarão o seu deferimento as viagens do naturalizando ao exterior, se determinadas por motivo relevante, a critério do Ministro da Justiça, e se a soma dos períodos de duração delas não ultrapassar de dezoito meses...”
Observa-se que, ressalvada a exceção acima, se a residência for interrompida,
descaracterizar-se-á o ânimo de estabelecer-se definitivamente no país, e deve ser
iniciada nova contagem a partir da última entrada do estrangeiro em território brasileiro.
A próxima hipótese é a de ler e escrever a língua portuguesa, consideradas as
condições do naturalizando. Tal exigência se faz para que se possa aferir a integração do
indivíduo na comunidade brasileira. Note-se que não é exigido o domínio total do
39 Francisco Xavier da Silva Guimarães, op. cit., p.45
31
português lido e escrito, mas será avaliado, de acordo com a condição intelectual e social
do naturalizando, se o indivíduo entende e se faz entender em português. Se isso não
ocorrer, significa que o estrangeiro não se integrou satisfatoriamente e não está apto a
participar da vida em sociedade brasileira.
O quinto requisito é o exercício de profissão ou posse de bens suficientes à
manutenção própria e da família, que quer dizer que o estrangeiro que aqui reside deve
ter como se sustentar e a sua família, ou seja, deve exercer uma profissão, uma atividade
para colaborar com a sociedade, não sendo assim um fardo para o Estado. Já se não
tiver emprego, o estrangeiro deve possuir bens suficientes para sua manutenção em
condições dignas. Se por acaso ele for dependente economicamente de terceiros, deverá
fazer prova dessa situação.
Bom procedimento é outro quesito, que deve ser analisado de acordo com o
comportamento ético e civil do indivíduo que quer se naturalizar, sua conduta perante a
sociedade. Essa hipótese é independente da análise de processos penais a que o
naturalizando possa estar submetido, porém, deve-se reconhecer que o eventual
comportamento delituoso tem reflexo desabonador do bom caráter, probidade e
honestidade do indivíduo durante a permanência no Brasil40.
Também é uma condição a inexistência de denúncia, pronúncia ou condenação
no Brasil ou no exterior por crime doloso que seja apenado, no mínimo, com pena de
prisão superior a um ano. Esses são casos de suspensão da análise do pedido de
aquisição da nacionalidade, e essa suspensão se verifica até o fim do julgamento do
processo penal, que, se for no sentido de absolvição, não haverá mais impedimento de
obtenção da naturalização por este requisito. Se o crime for culposo ou se for doloso com
pena igual ou inferior a um ano de prisão também não será impedimento para o pedido
de aquisição da nacionalidade brasileira, como se pode deduzir da leitura do inciso que
sobre isso dispõe.
Por fim, tem-se como última condição a ser observada a boa saúde, ou seja, deve
o indivíduo ser física e mentalmente são. Isso deve ser analisado para que se afira a
capacidade do indivíduo para o trabalho e o convívio social. Deve-se notar que o §1º do
artigo 112 do Estatuto do Estrangeiro faz uma exceção ao requisito da boa saúde, como
se lê, in verbis:
“Art.112. (...)
§1º. Não se exigirá a prova de boa saúde a nenhum estrangeiro 40 Ibid, p.47
32
que residir no País há mais de dois anos.”
Sobre esta exceção à exigência de boa saúde, ficando sem sentido a exigência
feita de um período de quatro anos, no caso da residência fixa, expõe Guimarães41: “A
exceção (...) torna praticamente letra morta essa exigência, pois incompatível com a
regra geral de residência de quatro anos. A exigência, neste caso, só se dirige a
situações em que a própria lei autoriza a redução do prazo de residência...”
Sendo assim, a exceção da prova de boa saúde realmente só tem aplicação
quando não há necessidade mínima de quatro anos no Brasil, ou seja, só será aplicada
quando houver redução do prazo de residência exigido na lei.
Já analisados os requisitos exigidos dos estrangeiros que desejam se naturalizar
brasileiros, passa-se à segunda parte do dispositivo constitucional 12, II, a, que dispões,
in verbis:
“Art.12. São brasileiros:
(...)
II- naturalizados:
a) (...) exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral;
...”
Como se pode constatar, ao contrário do que acontece com os estrangeiros
provenientes de países cujo idioma não é o português, que devem obedecer a vários
quesitos para obter a naturalização, aos indivíduos vindos de países de língua
portuguesa só são necessários dois quesitos para que, preenchidos, obtenham a
qualidade de brasileiros. Este “atalho” para os de língua portuguesa se dá pelo fato de
ser o idioma um elemento essencial no andamento da integração do estrangeiro ao meio
social, sua aculturação e, enfim, adequação aos costumes brasileiros42.
Os dois requisitos são a residência contínua e definitiva no país, lembrando-se
que o estrangeiro deve portar o visto permanente, indicativo do animus de cá se
estabelecer, e a idoneidade moral, ou seja, honestidade, bom caráter, competência,
integridade. A idoneidade deve ser comprovada, não sendo suficiente apenas que o
indivíduo não seja contraventor ou criminoso. Supõe-se, ainda, que deve o estrangeiro ter
41 Idem, p.48 42 Sylvio Clemente da Motta Filho, op. cit., p.195
33
meios suficientes para a manutenção própria e de sua família.
Os países de língua portuguesa são Açores, Angola, Cabo Verde, Damão, Dio,
Goa, Guiné Bissau, Macau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste.
Observado o atalho criado no artigo 12, II, a, deve-se citar que há no Estatuto do
Estrangeiro mais alguns casos em que o prazo de residência estabelecido para adquirir a
naturalização é também reduzido. Isso se afere do artigo 113 do referido Estatuto, in
verbis:
“Art.113. O prazo de residência fixado no artigo 112, item III, poderá ser reduzido se o naturalizando preencher quaisquer das seguintes condições
I - ter filho ou cônjuge brasileiro;
II - ser filho de brasileiro;
III - haver prestado ou poder prestar serviços relevantes ao Brasil, a juízo do Ministro da Justiça;
IV - recomendar-se por sua capacidade profissional, científica ou artística; ou
V - ser proprietário, no Brasil, de bem imóvel, cujo valor seja igual, pelo menos, a mil vezes o Maior Valor de Referência; ou ser industrial que disponha de fundos de igual valor; ou possuir cota ou ações integralizadas de montante, no mínimo, idêntico, em sociedade comercial ou civil, destinada, principal e permanentemente, à exploração de atividade industrial ou agrícola.
Parágrafo único. A residência será, no mínimo, de um ano, nos casos dos itens I a III; de dois anos, no do item IV; e de três anos, no do item V.”
Como se depreende do artigo supracitado, a redução é do prazo de quatro anos,
estabelecido no artigo 112, III, do Estatuto do Estrangeiro, para três, dois ou até mesmo
um ano. Essa redução ocorre por se acreditar que nesses casos estabelecidos há maior
celeridade na integração do estrangeiro aos costumes do Brasil.
Convém destacar que quando o artigo se refere no inciso V a “maior valor de
referência”, deve ser substituído por outro índice oficial vigente, pois esse foi revogado e
o critério legal é o de avaliação do valor patrimonial real, considerado no ato do pedido de
naturalização.
34
No caso em que se trata de redução por ser filho de brasileiro, tem-se como
escopo facilitar a naturalização do estrangeiro aqui estabelecido, filho de brasileiro, para
que ele não se sinta deslocado na pátria de seu genitor. Já quando há o caso de ter filho
brasileiro o objetivo é o de tornar mais fácil a naturalização do genitor daquele que já é
nacional e, ainda, no caso de ter cônjuge brasileiro, o escopo é facilitar a naturalização
daquele que é casado com um nacional e tem residência fixa no Brasil43.
Quanto às hipóteses estabelecidas nos incisos III e IV, devem ser constatadas por
critérios objetivos, mas devendo-se ressaltar a relevância dos serviços prestados, que
motivarão o reconhecimento do governo e do povo brasileiro. Os serviços são
considerados em qualquer área de atividade.
Vista a naturalização comum e os casos de redução de prazo para a aquisição de
nacionalidade por essa via, passa-se a analisar a naturalização extraordinária,
estabelecida no artigo 12, II, b, da Constituição Federal, que assim dispõe, in verbis:
“Art.12. São brasileiros:
(...)
II- naturalizados:
(...)
b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira.
...”
São, neste caso, exigidos apenas dois simples requisitos, o que enseja também
chamar a naturalização extraordinária de simplificada. Os requisitos são residência no
Brasil por mais de quinze anos ininterruptos e que seja demonstrada a não existência de
condenação penal. Deve-se atentar que deve haver manifestação daquele que deseja se
naturalizar, pressupondo-se, assim, a sua plena capacidade civil.
Tem fundamento a dispensa de outros requisitos a se preencher, nesse caso. Isso
se dá porque aquele que vive por tão longo período ininterrupto no Brasil, convivendo e
colaborando na sociedade, com vida digna, bem adaptado aos costumes brasileiros,
merece a consideração do governo e reconhecimento constitucional. Não querendo,
porém, o legislador privar o estrangeiro de sua nacionalidade originária pela imposição da
nacionalidade brasileira, facilita a aquisição desta por meio de simples requerimento,
43 Francisco Xavier da Silva Guimarães, op. cit., p.50
35
manifestando a vontade de obtê-la44.
Quanto ao tempo de residência ininterrupto, é de posição majoritária o
entendimento aqui explicitado por Bastos e Martins45:
“A nosso ver, não interrompem o prazo de residência no Brasil saídas do País a título eminentemente passageiro e precário, como se dá com aqueles que viajam na condição de turistas. Seria uma conseqüência muito drástica o imaginar-se que a simples ida a um país vizinho, com mera transposição de fronteira, poderia configurar uma interrupção do prazo, afastando, assim, a incidência do dispositivo constitucional.”
Ressalte-se que quando o dispositivo constitucional fala da não existência de
condenação penal, a vontade da lei não é de se referir apenas ao tempo em que o
estrangeiro se encontra no território brasileiro, mas de se referir a toda a vida do
indivíduo.
É também passivo na doutrina afirmar que no caso da naturalização extraordinária
não há incidência do poder discricionário do estado, sendo, então, dever do Estado
conceder a naturalização, uma vez preenchidos os requisitos constitucionais, caso que
não ocorre quando se fala de naturalização ordinária ou comum46.
Deve-se frisar que o estrangeiro que não se enquadrar nessa hipótese dada pela
alínea b, do segundo inciso do artigo 12 da Constituição, poderá requerer a naturalização
de acordo com a alínea a, do mesmo dispositivo, ou seja, por via de naturalização
comum.
A próxima forma de naturalização é a naturalização especial, que, como já
mencionado, está prevista no artigo 114 do Estatuto do Estrangeiro, que dispõe, in verbis:
“Art. 114. Dispensar-se-á o requisito da residência, exigindo-se apenas a estada no Brasil por trinta dias, quando se tratar:
I - de cônjuge estrangeiro casado há mais de cinco anos com diplomata brasileiro em atividade; ou
II - de estrangeiro que, empregado em Missão Diplomática ou em Repartição Consular do Brasil, contar mais de 10 (dez) anos de serviços ininterruptos.”
44 José Afonso da Silva, op. cit., p.332 45 Celso Ribeiro Bastos; Ives Gandra da Silva Martins, op. cit., p.603 46 Jacob Dolinger, op. cit., p.180
36
Esta modalidade de naturalização leva esse nome por privilegiar aqueles que
possuem condições especiais para obtê-la, sendo assim dispensados outros requisitos.
Dispensa-se o requisito de residência e são exigidos apenas trinta dias de estadia
do Brasil, e esse período não é contado como em outros casos, imediatamente anterior
ao pedido, mas é qualquer época, desde que fique por esse prazo.
A naturalização que aqui se trata não exige outros quesitos pois, em ambos os
casos estabelecidos no artigo supracitado, a convivência com o brasileiro é de supor que
haja adaptação aos costumes brasileiros, tanto pela familiaridade quanto pela
convivência constante com assuntos nacionais47.
Observa-se que a naturalização especial não ocorre automaticamente, sendo uma
faculdade do estrangeiro se naturalizar, o que, querendo, deverá ser feito por
manifestação expressa de vontade.
Cabe, por fim, dizer que, no que tange ao ser cônjuge de diplomata, se o
casamento ocorreu depois do brasileiro ter entrado na carreira da diplomacia, exige-se
prova de que o casamento com estrangeiro foi autorizado pelo Ministro do Estado, isso
se dá em função do estabelecido no artigo 124 do Decreto nº 86.715/81, que
regulamenta o Estatuto do Estrangeiro, como se vê, in verbis:
“Art.124. Os estrangeiros (...) deverão instruir o pedido de naturalização:
I- ... com a prova do casamento, devidamente autorizado pelo Governo Brasileiro;
...”
A última modalidade de aquisição de nacionalidade secundária é a naturalização
provisória, tratada no artigo 116 do Estatuto do Estrangeiro, in verbis:
“Art.116. O estrangeiro admitido no Brasil durante os primeiros 5 (cinco) anos de vida, estabelecido definitivamente no território nacional, poderá, enquanto menor, requerer ao Ministro da Justiça, por intermédio de seu representante legal, a emissão de certificado provisório de naturalização, que valerá como prova de nacionalidade brasileira até dois anos depois de atingida a maioridade.”
Esta é a naturalização derivada do que se chama, doutrinariamente, de radicação
47 Francisco Xavier da Silva Guimarães, op. cit., p.57
37
precoce. Ao requerer a emissão do certificado, deverá o interessado provar sua
nacionalidade, data de nascimento e que ingressou no Brasil antes dos cinco anos de
idade. Se o interessado for menor de idade, será o representante legal a fazer o pedido,
sendo o menor devidamente representado ou assistido.
A naturalização provisória pode vir a se tornar definitiva, desde que obedecido o
que estabelece o parágrafo único do mesmo artigo 116, in verbis:
“Art.116. (...)
Parágrafo único. A naturalização se tornará definitiva se o titular do certificado provisório, até dois anos após atingir a maioridade, confirmar expressamente a intenção de continuar brasileiro, em requerimento dirigido ao Ministro da Justiça.”
Quer dizer isso que, para confirmar a nacionalidade brasileira, o interessado deve
fazê-lo até dois anos depois de atingida a maioridade, ou seja, o interessado tem até os
20 (vinte) anos de idade para confirmar sua naturalização. Se caso não o fizer deixará de
ser detentor da nacionalidade provisória.
Sobre esta naturalização bem expressa Guimarães48 ao escrever:
“A naturalização, assim, só é provisória porque obtida independentemente da manifestação plena da vontade do naturalizando, enquanto menor; só se torna definitiva, entretanto, por expressa e plena manifestação do naturalizado, para o que a lei, como já visto, lhe concede o prazo de dois anos após atingida a maioridade, tempo estimado suficiente para uma segura reflexão sobre se deseja ou não continuar brasileiro.”
Destaque-se, por fim, que a aquisição de nacionalidade secundária, ou
naturalização, no caso brasileiro, é um direito humano protegido tanto quanto o da
aquisição originária, conforme estabelecido na segunda parte do inciso II do artigo 15 da
Declaração Universal dos Direitos Humanos, in verbis:
“Art.15. (...)
II- ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade.”
48 Ibid, p.54
38
Quanto ao efeitos da naturalização, esses atingirão tão somente aquele que a
requer, conforme se depreende do artigo 5º, primeira parte, da Convenção sobre
Nacionalidade feita em Montevidéu, em 1933, in verbis:
“Artigo 5
A naturalização confere a nacionalidade somente à pessoa naturalizada...”
Neste mesmo sentido, esclarecendo melhor, o Estatuto do Estrangeiro estabelece
no artigo 123, in verbis:
“Art.123. A naturalização não importa aquisição da nacionalidade brasileira pelo cônjuge e filhos do naturalizado, nem autoriza que estes entrem ou se radiquem no Brasil sem que satisfaçam as exigências desta Lei.”
Para encerrar, a aquisição de nacionalidade secundária por via da naturalização
só será considerada efetiva após a entrega do certificado de naturalização àquele que
expressou seu desejo de tornar-se brasileiro. Neste sentido decidiu-se no STF que, in
verbis:
“O momento de aquisição efetiva da condição jurídica de brasileiro naturalizado coincide com o instante de entrega do certificado de naturalização ao estrangeiro naturalizando. Enquanto não se consumar essa entrega, o naturalizando continuará a ostentar a situação de não-nacional do Brasil. O procedimento de naturalização só se exaure com a solene entrega do certificado pelo magistrado competente. A partir daí, e com eficácia ex nunc, o estrangeiro será, então, investido em sua nova condição jurídica de brasileiro naturalizado. Enquanto não se promover a entrega do certificado referido, o naturalizando, que ainda é um estrangeiro, será suscetível de qualquer ato de exclusão do território nacional.
STF, Pleno, HC 62.795-1-SP, Rel. Min. Rafael Mayer, v. u., DJU, 22 mar. 1985, p. 3.623.”
2.4. DISTINÇÃO ENTRE NATOS E NATURALIZADOS
Já estabelecidos os modos de aquisição da nacionalidade brasileira e
39
estabelecido que pela aquisição originária o brasileiro é considerado nato e que pela
aquisição secundária o nacional é considerado naturalizado, se faz necessário
estabelecer qual a diferença entre nato e naturalizado.
A Constituição Federal adotou o princípio da isonomia, como se pode observar no
caput do artigo 5º, in verbis:
“Art.5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...”
E, neste mesmo sentido, estabelece o artigo 19, inciso III, do mesmo diploma, in
verbis:
“Art.19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
III- criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.”
Mesmo adotando o princípio da isonomia entre as gentes, dada a facilidade de
adquirir a nacionalidade brasileira pela naturalização, o Brasil optou por fazer algumas
ressalvas no que tange à participação dos naturalizados no exercício político do Brasil.
Tais ressalvas, porém, são reservadas às hipóteses constitucionais, como se lê no
disposto no artigo 12, §2º, in verbis:
“Art.12. (...)
§2º. A lei não poderá estabelecer distinção entre brasileiros natos e naturalizados, salvo nos casos previstos nesta Constituição.
...”
As ressalvas são as feitas nos seguintes artigos da Constituição Federal: artigo
12, §3º, que trata dos cargos privativos de brasileiros natos; artigo 89, VII, que dispõe
sobre a constituição do Conselho da República; artigo 5º, LI, que apresenta sobre a
extradição e, finalmente, o artigo 222, que consigna sobre a propriedade de empresa
jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens.
40
Estabelece o parágrafo 3º do artigo 12, in verbis:
“Art.12. (...)
§3º. São privativos de brasileiro nato os cargos:
I - de Presidente e Vice-Presidente da República;
II - de Presidente da Câmara dos Deputados;
III - de Presidente do Senado Federal;
IV - de Ministro do Supremo Tribunal Federal;
V - da carreira diplomática;
VI - de oficial das Forças Armadas;
VII - de Ministro de Estado da Defesa.
...”
Para estabelecer quais os cargos privativos de brasileiro nato o legislador se valeu
de dois critérios, quais sejam a linha sucessória do comando do país e a segurança
nacional49, pois são cargos que influenciam nas decisões do futuro do País, sendo natural
que sejam reservados a pessoas de maior confiabilidade possível, o que se subentende
serem os natos e não os naturalizados. A linha sucessória do comando do país
estabelece quem sucederá o Presidente da República quando este estiver ausente, e na
falta de seu sucessor quem assumirá o cargo e assim por diante. Os dispositivos
constitucionais que fundamentam tal critério são os artigos 79 e 80. Regula o artigo 79,
caput, o seguinte, in verbis:
“Art.79. Substituirá o Presidente, no caso de impedimento, e suceder- lhe-á, no de vaga, o Vice-Presidente.
...”
E ainda o artigo 80, in verbis:
“Art.80. Em caso de impedimento do Presidente e do Vice-Presidente, ou vacância dos respectivos cargos, serão
49 Alexandre de Moraes, Direito Constitucional, p.201 ss
41
sucessivamente chamados ao exercício da Presidência o Presidente da Câmara dos Deputados, o do Senado Federal e o do Supremo Tribunal Federal.”
Já quanto à segurança nacional, devem-se considerar as funções da carreira
diplomática e das Forças Armadas, que possuem essencial papel nos negócios do
Estado, em sua relação também com outros países. Sublinhe-se que é taxativo o rol de
cargos privativos de brasileiros natos, não sendo aceita qualquer ampliação de hipóteses
feita por legislação infraconstitucional.
A segunda ressalva à isonomia é feita pelo artigo 89, em seu inciso VII, in verbis:
“Art.89. O Conselho da República é órgão superior de consulta do Presidente da República, e dele participam:
(...)
VII- seis cidadãos brasileiros natos, com mais de trinta e cinco anos de idade, sendo dois nomeados pelo Presidente da República, dois eleitos pelo Senado Federal e dois eleitos pela Câmara dos Deputados, todos com mandato de três anos, vedada a recondução.”
São reservados os seis lugares aos brasileiros natos no Conselho da República
por ser justamente um órgão que serve para direcionar o Presidente da República em
suas decisões e nos negócios nacionais.
A próxima diferença estabelecida entre nato e naturalizado é no que diz respeito à
extradição. Assim estabelece o artigo 5º, inciso LI, da Constituição Federal, in verbis:
“Art.5º. (...)
LI- nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei;
...”
Entende-se, conforme o artigo supracitado, que o brasileiro nato nunca será
extraditado, sendo essa uma regra absoluta. Já quanto aos brasileiros naturalizados há
duas exceções, estabelecidas no mesmo artigo, que são quando o naturalizado tiver
praticado qualquer crime, excetuada a participação no tráfico ilícito de entorpecentes,
antes da sua naturalização, e a segunda é quando há comprovada participação do
naturalizado em tráfico ilícito de entorpecentes, independente se essa participação
42
ocorreu antes ou após a naturalização. Esta é a única hipótese em que o naturalizado
poderá ser extraditado por comportamento delituoso após a sua naturalização50.
A última diferença que se faz entre brasileiro nato e naturalizado é a disposta no
artigo 222 da Constituição Federal, donde se lê, in verbis:
“Art.222. A propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede no País.
...”
Aqui a diferença não está na exclusão do brasileiro naturalizado, mas apenas no
fato de ser dele exigido um prazo, um determinado período de naturalização, neste caso,
de dez anos, para exercer determinada função ou profissão (proprietário de empresas
jornalísticas, de radiodifusão, etc.).
Como se pôde constatar, são apenas quatro as diferenças estabelecidas entre
brasileiros natos e naturalizados, lembrando que todas elas são constitucionais, não
havendo possibilidade de se fazer quaisquer outras distinções por via de legislação
ordinária.
CAPÍTULO III
PROCESSOS DE NACIONALIDADE
3.1. PERDA DA NACIONALIDADE
Como visto nos capítulos anteriores, a nacionalidade é um direito humano
fundamental, sem o qual não se pode exercer a cidadania em lugar algum. A
nacionalidade pode ser adquirida tanto pelo fator nascimento quanto por fato posterior a
ele.
Justamente por se tratar de algo que pode ser adquirido, a nacionalidade também
pode ser retirada, perdida. A perda de nacionalidade é possível apenas quando ocorrem
as hipóteses previstas constitucionalmente, no parágrafo 4º do artigo 12, que trata de
50 Ibid, p.83
43
nacionalidade na Constituição Federal, in verbis:
“Art.12. (...) §4º. Será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que: I- Tiver cancelada sua naturalização, por sentença judicial, em virtude de atividade nociva ao interesse nacional; II- Adquirir outra nacionalidade, salvo nos casos: a) de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira; b) de imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em Estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis.”
As hipóteses aqui reconhecidas são taxativas, não podendo ser ampliadas por
legislação ordinária. São, portanto, duas as causas que levam à perda de nacionalidade,
quais sejam o cancelamento da naturalização por sentença judicial, por haver o indivíduo
praticado alguma atividade nociva ao interesse nacional, ou aquisição voluntária de outra
nacionalidade.
Em ambos os casos em que se pode perder a nacionalidade, a perda não ocorre
automaticamente, devendo ter sua causa devidamente apurada em processo específico,
que é regulado pela Lei nº 818 de 1949.
Vale, ainda, lembrar que os efeitos da perda da nacionalidade atingem tão
somente aquele que a perdeu, conforme se depreende do artigo 5º da Convenção sobre
nacionalidade, de Montevidéu, celebrada em 1933, in verbis:
“Artigo 5. (...) e a perda da nacionalidade, seja qual for a forma sob a qual se verifique, atinge apenas a pessoa que a tenha perdido.”
A primeira hipótese de perda da nacionalidade vem estabelecida no primeiro
inciso do parágrafo 4º, do artigo 12, já citado, que trata da perda por cancelamento da
naturalização, causada pela prática de atividade considerada nociva ao interesse
nacional. É conhecida como perda-punição e refere-se somente ao brasileiro
naturalizado.
Considera-se atividade nociva ao interesse nacional a perturbação da ordem por
meios violentos, qualquer outra atividade que atente contra as instituições democráticas,
ou ainda atividades de deslealdade ao Brasil51.
O processo de cancelamento da naturalização é de competência do Juiz Federal,
como estabelecido no artigo 109, inciso X, da Constituição Federal, e a legitimidade ativa
51 Francisco Xavier da Silva Guimarães, op. cit., p.91
44
da ação é do Ministro da Justiça, por solicitação, ou por qualquer pessoa, por meio de
representação, como se depreende do artigo 24 da Lei nº 818/49, in verbis:
“Art.24. O processo para cancelamento da naturalização será da atribuição do Juiz de Direito competente para os feitos da União, do domicílio do naturalizado, e iniciado mediante solicitação do Ministro da Justiça e Negócios Interiores, ou representação de qualquer pessoa.”
Cabível, igualmente, a provocação do Judiciário por intermédio do Ministério
Público Federal, pois este atua sempre que a questão envolver interesse público, agindo
com intuito de resguardar o respeito aos princípios e normas que garantem o bem-estar
do povo52, e ainda, conforme explicita o artigo 6º, inciso IX, da Lei Complementar nº 75
de 1993, in verbis:
“Art.6º. Compete ao Ministério Público da União: (...) IX- promover ação visando ao cancelamento de naturalização, em virtude de atividade nociva ao interesse nacional; ...”
O cancelamento se dará após o devido processo, com garantia ao contraditório e
à ampla defesa, e apenas por sentença judicial, o que significa dizer que só será
cancelada a naturalização depois de esgotados todos os meios de defesa do naturalizado
e ocorrido o trânsito em julgado do processo, produzindo, a decisão, efeitos ex-nunc, ou
seja, não retroativos. Em suma, o naturalizado somente perderá sua nacionalidade a
partir da sentença que não comporte mais recursos.
Por fim, cabe citar Bastos e Martins53, que afirmam:
“A perda da nacionalidade aqui significa a retirada de algo que foi conferido a um estrangeiro sem que a isso correspondesse de fato uma obrigação do Estado, e é lógico que atos desse tipo são levados a efeito na suposição de que serão úteis para a comunidade nacional.”
A segunda hipótese de perda da nacionalidade é a prevista no artigo 12,
parágrafo 4º, inciso II, que estabelece sobre a aquisição de outra nacionalidade. Não
estabelecendo a lei nada além disso, considera-se, então, que basta que a aquisição de
outra nacionalidade não seja imposta para que haja a perda da nacionalidade brasileira,
não havendo nem necessidade de manifestação expressa da opção por nova
52 Ministério Público Federal – Sobre o Ministério Público Federal, disponível em http://www2.pgr.mpf.gov.br 53 Celso Ribeiro Bastos; Ives Gandra da Silva Martins, op.cit., p.615
45
nacionalidade54.
Essa previsão de perda é dirigida tanto ao brasileiro nato quanto ao naturalizado,
e é chamada de perda-mudança, por se tratar de aquisição voluntária de nacionalidade
estrangeira, ou seja, de mudança de nacionalidade. Quanto à justa perda da
nacionalidade brasileira, tomam-se emprestadas as palavras de Dolinger55, que assim
expressa:
“... a perda da nacionalidade se dá por força da naturalização porque aí ocorre uma substituição, uma renúncia à nacionalidade de origem. Quem se naturaliza deliberadamente escolhe uma outra nacionalidade que deseja adquirir, que lhe é atraente, o que implica em um abandono da nacionalidade de origem.”
A perda se tornará efetiva após procedimento administrativo no Ministério da
Justiça e produzirá efeitos a partir de decreto do Presidente da República, publicado no
Diário Oficial da União. Neste sentido, deve-se observar o artigo 23 da Lei nº 818/49, in
verbis:
“Art.23. A perda da nacionalidade (...) será decretada pelo Presidente da República, apuradas as causas em processo que, iniciado de ofício, ou mediante representação fundamentada, correrá no Ministério da Justiça e Negócios Interiores, ouvido sempre o interessado.”
A perda da nacionalidade tem como conseqüência a alteração da condição
jurídica do indivíduo no Brasil, transformando-o, assim, de brasileiro a estrangeiro, o que
acarreta a perda de direitos políticos, ou seja, deixando de ser nacional, obviamente não
poderá exercer sua cidadania no Brasil, não será mais cidadão brasileiro56.
Estabelecida a hipótese da perda da nacionalidade brasileira por aquisição de
outra nacionalidade, convém ressaltar que a Constituição Federal faz a ela duas
exceções, estabelecidas nas alíneas a e b do inciso II, do parágrafo 4º, artigo 12.
A alínea a estabelece que não perderá a nacionalidade brasileira aquele que tiver
reconhecida a nacionalidade originária pela lei estrangeira, que significa dizer que,
mesmo que o indivíduo tenha de manifestar sua vontade, sendo nacionalidade originária,
ou seja, aquela decorrente, neste caso, do jus sanguinis, que confere aos descendentes
a nacionalidade dos ascendentes, o brasileiro não perderá sua nacionalidade. Aqui, o
reconhecimento de nacionalidade estrangeira não impede que o indivíduo continue a
54 Francisco Xavier da Silva Guimarães, op. cit., p.92 ss 55 Jacob Dolinger, op.cit., p.187 56 Alexandre de Moraes, op. cit., p.236
46
desfrutar o “ser brasileiro”. Afirma, assim, Guimarães57:
“... aquele que diz pretender utilizar-se da nacionalidade de outro país que a oferece na condição originariamente atribuída, não estará dizendo que quer deter apenas aquela atribuída por outro Estado, mas outra, cumulativamente com a brasileira e neste caso não mais perderá a que o Brasil lhe confere.”
A alínea b, por sua vez, estabelece que o brasileiro não perderá sua condição de
nacional se, porventura, houver imposição de naturalização, pela lei estrangeira, como
condição de permanência em seu território ou de exercício de direitos civis.
No caso apresentado, não se analisa a vontade do indivíduo em naturalizar-se,
por razões econômicas, afetivas, pessoais, etc., mas sim se analisará se houve
obrigação de naturalização pela lei do Estado onde se encontra, caso em que o brasileiro
se encontra forçado a se tornar nacional do país. Se assim acontecer, o indivíduo
continuará sendo considerado brasileiro. Nos dizeres de Bastos e Martins58:
“Naturalmente, o brasileiro que se submete a essa naturalização o faz por mera pressão dos fatos e das circunstâncias, que lhe demandavam a permanência nesse território estrangeiro. A não-fruição de direitos civis é algo até vexatório e carente da dignidade mínima de todo ser humano. De qualquer sorte, tendo o brasileiro se naturalizado por força de uma dessas condições, ameaça de ter de deixar o país ou perder os direitos civis, não se torna passível de perda da nacionalidade brasileira.”
São, portanto, apenas duas as hipóteses de perda da nacionalidade brasileira,
previstas na Constituição Federal, havendo também algumas exceções à regra geral,
casos em que o nacional brasileiro será também nacional de outro Estado.
3.2. REAQUISIÇÃO DA NACIONALIDADE
A nacionalidade, como já abordado, pode ser adquirida e também pode ser
perdida. A perda da nacionalidade, porém, não tem característica definitiva, ou seja, não
é irreversível. Sendo assim, a nacionalidade, outrora perdida, poderá ser readquirida.
A reaquisição só poderá ser efetuada quando a perda da nacionalidade tiver
ocorrido em virtude da aquisição de outra nacionalidade, conforme o artigo 12, §4º, inciso
II, da Constituição Federal. 57 Francisco Xavier da Silva Guimarães, op. cit.,p.97 58 Celso Ribeiro Bastos; Ives Gandra da Silva Martins, op. cit., p.617
47
Cumpre dizer que quando a perda da nacionalidade se der pela hipótese prevista
no inciso I, do mesmo parágrafo 4º, artigo 12, ou seja, pelo cancelamento da
naturalização, aquele que teve o cancelamento da naturalização decretado, só poderá
recuperar sua nacionalidade por meio de Ação Rescisória, desfazendo o cancelamento
da naturalização, caso contrário, nunca poderá readquirir a nacionalidade brasileira.
Isso dito passa-se a observar que a Constituição Federal não trata de forma
expressa o assunto, cabendo, então a aplicação da Lei nº 818/49, que não foi revogada
no que tange à matéria de reaquisição. Os artigos 36 e 37 da lei são os que tratam da
reaquisição e como se dará o processamento dela, in verbis:
“Art. 36 - O brasileiro que, por qualquer das causas do art. 22, números I e II, desta lei, houver perdido a nacionalidade, poderá readquirí-la por decreto, se estiver domiciliado no Brasil.
§ 1º O pedido de reaquisição, dirigido a Presidente da República, será processado no Ministério da Justiça e Negócios Interiores, ao qual será encaminhado por intermédio dos respectivos Governadores, se o requerente residir nos Estados ou Territórios.
§ 2º A reaquisição, no caso do art. 22, nº I, não será concedida, se se apurar que o brasileiro, ao eleger outra nacionalidade, o fez para se eximir de deveres a cujo cumprimento estaria obrigado, se se conservasse brasileiro.
§ 3º No caso do art. 22, nº II, é necessário tenha renunciado à comissão, ao emprego ou pensão de Governo estrangeiro.
Art. 37 - A verificação do disposto nos § § 2º e 3º, do artigo anterior, quando necessária, será efetuada por intermédio do Ministério das Relações Exteriores.”
Cumpre explicitar que ao se referir aos incisos I e II, do artigo 22, a lei se refere,
respectivamente, à perda da nacionalidade por naturalização voluntária ao adquirir outra
nacionalidade, e à perda da nacionalidade por ter aceitado comissão, emprego ou
pensão de governo estrangeiro sem licença do Presidente da República. Esta última
hipótese não é mais contemplada pela legislação brasileira, tornando, desta feita, sem
efeito, também, o disposto no parágrafo 3º do artigo 36, supracitado.
Para que possa ocorrer a reaquisição, são necessárias apenas duas coisas: que o
brasileiro não tenha adquirido outra nacionalidade apenas para escapar de deveres que
deveria cumprir se continuasse brasileiro, e que haja fixação de domicílio do “ex-
brasileiro”, novamente, em território pátrio.
48
Esclarece o Ministério da Justiça59 que não é necessário que o indivíduo outrora
nacional porte visto permanente, porém deve estar em situação regular no Brasil para
peticionar a reaquisição da nacionalidade, e deverá comprovar domicílio no País, por
meio de comprovantes de residência, como escritura de compra de imóvel, contrato de
aluguel, etc.
Depois de decretada a reaquisição da nacionalidade, antes que ocorra o
arquivamento do processo, serão feitas as devidas comunicações com relação à perda
da nacionalidade e restabelecimento de registros, tornando o indivíduo a ser considerado
nacional60.
Os efeitos produzidos pela reaquisição são de natureza ex-tunc, ou seja, são
efeitos retroativos, operados a partir do decreto que a concede. Controversa é, porém, a
doutrina, quando trata sobre a situação na qual o indivíduo que readquiriu a
nacionalidade brasileira se encontra, ou seja, sobre o status do nacional.
Parte da doutrina defende que se o indivíduo que readquire a nacionalidade era
brasileiro nato, voltará a ser nato e se era naturalizado, voltará a ter status de
naturalizado, pois se é reaquisição, o é de exatamente aquilo que se perdeu, e se assim
não fosse, não seria reaquisição, mas simples naturalização. Nesse sentido afirmam José
Afonso da Silva, Jacob Dolinger, Ilmar Penna Marinho, Oscar Tenório, Nádia Araújo,
Celso Ribeiro Bastos, Celso Duvivier de Albuquerque Mello, entre outros61.
Já a outra corrente determina que uma vez que se perde a nacionalidade, passa-
se a ser estrangeiro, e, sendo assim, o único modo de reaquisição de nacionalidade é
pela naturalização, não se devendo considerar a aquisição originária por jus soli ou jus
sanguinis, pois se trata aqui de nacionalidade adquirida, secundária62. Nesse sentido
consideram Francisco Xavier da Silva Guimarães, Pontes de Miranda, Francisco Rezek,
entre outros.
Nessa segunda corrente considera-se a reaquisição como simples naturalização,
mas se assim o fosse não haveria necessidade de regulamentação especial para a
reaquisição, bastando que se fosse regulamentada apenas a própria naturalização.
Em conclusão, quanto ao status daquele que se utiliza da reaquisição de
nacionalidade, cita-se decisão do Supremo Tribunal Federal, que esclarece, in verbis:
“A reaquisição da nacionalidade, por brasileiro nato, implica manter esse status e não o de naturalizado. Indeferido o pedido de extradição, desde logo, diante da prova da nacionalidade
59 Ministério da Justiça – Departamento de Estrangeiros – Nacionalidade e Naturalização, disponível em http://www.mj.gov.br 60 Francisco Xavier da Silva Guimarães, op. cit., p.108 61 Celso Duvivier de Albuquerque Mello, op.cit., p.1002 62 Francisco Xavier da Silva Guimarães, op. cit., p.109 ss
49
brasileira, determina-se seja o extraditando posto em liberdade, se al (sic) não houver de permanecer preso. STF, Pleno, Ext 441/EU- Estados Unidos da América, Rel. Min. Néri da Silveira, v.u., DJU 10 jun. 1988, p.14.400.”
CAPÍTULO IV
CONFLITOS DE NACIONALIDADE
4.1. CONFLITO POSITIVO
Os conflitos de nacionalidade existentes são decorrentes da variedade de critérios
que determinam a nacionalidade ao indivíduo. Os critérios a que se faz referência são os
de aquisição em razão da territorialidade – jus soli -, ou em razão da consangüinidade –
jus sanguinis.
No caso do conflito positivo, o que ocorre é a chamada polipatridia, que é o
fenômeno referente àqueles que possuem mais de uma nacionalidade, determinada pelo
nascimento ou até mesmo por fatores a ele posteriores. Sobre isso ensina Guimarães63:
“Assim, quando duas ou mais legislações internas de Estados diferentes são competentes para indicar os seus nacionais e, ao mesmo tempo, reger a nacionalidade, não haverá usurpação, mas efeitos práticos inconvenientes, sem que daí possa decorrer a dupla e absurda incidência cumulativa de leis de direito privado de Estados diferentes.”
Várias convenções internacionais foram promulgadas no intuito de resolver os
conflitos de nacionalidade, uma delas, a Convenção de Haia, de 1930, traz alguns
dispositivos sobre a polipatridia, confirmando que esta é uma situação aceita, embora
não seja confortável. Dispõe o artigo 3º da Convenção, in verbis:
“Artigo.3º. Sob reserva das disposições da presente Convenção, um indivíduo que tenha duas ou mais nacionalidades poderá ser considerado por cada um dos Estados cuja nacionalidade possua, como seu nacional.”
63 Ibid, p.16
50
Explicita o artigo supracitado um princípio a considerar nos casos de polipatridia,
que é o de que cada Estado pode considerar como seu nacional o indivíduo polipátrida,
lógico, desde que ele possua a nacionalidade de tal Estado. Há, porém, que se destacar
que como o indivíduo possui mais de uma nacionalidade, um dos Estados do qual o
polipátrida possui a nacionalidade, não poderá fazer valer a sua proteção diplomática em
relação ao outro Estado que também considera o indivíduo como seu nacional, isso se
depreende do artigo 4º, da mesma Convenção de Haia, que afirma, in verbis:
“Artigo 4º. Um Estado não pode exercer a sua proteção diplomática em proveito de um seu nacional contra outro Estado de que o mesmo seja também nacional.”
Se houver conflito com um terceiro Estado, o polipátrida, mesmo possuindo
diversas nacionalidades, deverá ser tratado como se possuísse apenas uma. Isto
estabelece o artigo 5º da mesma Convenção, in verbis:
“Artigo 5º. Em um terceiro Estado, o indivíduo que possua várias nacionalidades deverá ser tratado como se não tivesse senão uma. Sem prejuízo das regras de direito aplicadas no terceiro Estado em matéria de estatuto pessoal e sob reserva das convenções em vigor, esse Estado poderá, em seu território, reconhecer exclusivamente, entre as nacionalidades que tal indivíduo possua, tanto a nacionalidade do país no qual ele tenha sua residência habitual e principal, quanto a nacionalidade do país, ao qual, segundo as circunstâncias, ele, de fato, pareça mais ligado.”
Para dirimir os conflitos positivos entre os Estados envolvidos com o polipátrida, a
segunda parte do artigo acima citado resolve adotar como uma das regras a do local com
o qual ele pareça mais ligado, que vem a obedecer ao princípio da proximidade, sendo
este apurado com base nos aspectos da vida da pessoa, como propriedades, local da
educação, laços familiares, prestação de serviço militar, etc.64, e a outra a da residência
habitual e principal do indivíduo, ou seja, onde ele mora. De forma semelhante é
resolvida a questão pelo Código de Bustamante, que diz que o indivíduo deve ser
considerado nacional do Estado onde possui domicílio. Isso vem estabelecido no artigo
10, do referido Código, in verbis:
64 Jacob Dolinger, op. cit., p.196 ss
51
“Art.10. Às questões sobre nacionalidade de origem em que não esteja interessado o Estado em que elas debatem, aplicar-se-á a lei daquela das nacionalidades discutidas em que tiver domicílio a pessoa de quem se trate.”
Quando ocorrer, porém, que o polipátrida não estiver domiciliado em nenhum dos
Estados dos quais possui nacionalidade, prevalecerá a nacionalidade do Estado que
figura em seus documentos65.
Outro aspecto a ser observado nos casos de polipatridia é o das obrigações
militares. O que ocorre quando um indivíduo possui mais de uma nacionalidade e deve
prestar serviços militares? Na própria Convenção de Haia firmou-se um protocolo a fim
de dirimir tal questão, e assim o fez em seu primeiro artigo, in verbis:
“Artigo Primeiro
O indivíduo que possuir a nacionalidade de dois ou mais países e residir habitualmente no território de um deles, ao qual esteja de fato mais ligado, ficará isento de todas as obrigações militares no outro ou em qualquer dos outros países.”
Conclui-se, portanto, que quando o indivíduo for possuidor de mais de uma
nacionalidade só é obrigado a prestar serviço militar em um dos Estados, ficando eximido
do serviço militar nos outros Estados do qual também é nacional.
No Brasil a situação da multinacionalidade foi expressamente aceita quando da
reforma feita pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3 de 1994, especificamente no
parágrafo 4º, do inciso II, do artigo 12, ao acrescentar as alíneas a e b, comentadas em
capítulo retro. A Constituição aceitou, então, duas situações expressas de polipatridia,
onde o indivíduo terá a dupla-nacionalidade.
Na primeira se prevê que o nacional brasileiro tenha outra nacionalidade originária
reconhecida pela lei estrangeira (art.12, §4º, II, a); como exemplo temos que um indivíduo
nascido no Brasil, brasileiro, portanto, conforme o critério jus soli de aquisição da
nacionalidade, tem seus pais advindos do Japão, que utiliza como critério de
determinação de nacionalidade o jus sanguinis, que aprecia a consangüinidade. Sendo
assim, o indivíduo nascido no Brasil terá também a nacionalidade japonesa, ambas
originárias. Será, portanto, nacional do Brasil por critério de territorialidade e o será do
Japão por critério de consangüinidade.
65 Oliveiros Litrento, op. cit., p.304
52
A segunda hipótese prevista constitucionalmente (art.12, §4º, II, b) é a de que se
um indivíduo for forçado a adquirir a nacionalidade de outro país para poder exercer os
seus direitos civis com dignidade ou para poder permanecer em território estrangeiro, ele
não perderá a nacionalidade brasileira. Nas palavras de Silva66: “Evita-se, com isso, o
constrangimento de brasileiros que, por força de contratos, tinham que exercer atividade
profissional em países em que se requer se naturalize para trabalhar em seu território.”
Por fim, prova maior da aceitação da polipatridia no Brasil, desde idos tempos, é o
que cita Dolinger67:
“Narra Raul Pederneiras que o governo brasileiro, em circular do Ministério do Exterior sobre passaportes, baixou instruções relativas às pessoas que têm dupla nacionalidade com o seguinte teor:
‘1º- O Governo provisório reconhece como questão de fato a dupla nacionalidade, por isso que cada Estado estabelece livremente, de acordo com sua Constituição e suas leis, quais os indivíduos que considera seus nacionais; 2º - O indivíduo com dupla nacionalidade, sendo uma delas a brasileira, só pode entrar no Brasil com passaporte brasileiro; 3º - Desejando porém ingressar no território do outro Estado, de que é também nacional, só pode fazer, muitas vezes, com passaporte desse Estado; 4º - Em ambos os casos, o passaporte é legalmente expedido, porque todos os Estados têm o mesmo direito de proteger seus cidadãos, desde que não o pretendam fazer no território dos outros, que têm igual razão de o considerar nacional; 5º - Sempre, portanto, que se apresentarem brasileiros possuidores de outra nacionalidade, exibindo o respectivo passaporte estrangeiro, esse não deverá ser confiscado, mas, apenas, será concedido um passaporte brasileiro se o interessado o requerer, para voltar ao Brasil; 6º - No caso de terem conhecimento do confisco ou apreensão, por autoridade estrangeira, de algum passaporte brasileiro, deverá a autoridade consular trazer o fato, com todas as suas circunstâncias, ao conhecimento dessa Secretaria de Estado.’.”
Já estudadas as hipóteses de conflito positivo, que ocorre quando uma mesma
pessoa é considerada nacional de dois Estados ou mais, passa-se a analisar a situação
contrária, de conflito negativo de nacionalidade.
4.2. CONFLITO NEGATIVO
66 José Afonso da Silva, op. cit., p.322 67 Raul Pederneiras, Direito Internacional Compendiado, 1956, p.310, apud Jacob Dolinger, Direito Internacional – Parte Geral. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p.195
53
Como já aventado, os conflitos surgem, geralmente, por conta dos diversos
modos de aquisição de nacionalidade aceitos no mundo. O conflito negativo, ao contrário
do que acontece com o positivo, é quando a pessoa se vê privada de uma nacionalidade,
seja em razão do nascimento, seja em razão de causa posterior, como será em breve
comentado.
O conflito negativo não é acontecimento recente, sendo reconhecido inclusive nos
tempos áureos de Roma e Grécia, onde determinados indivíduos eram considerados
peregrinos, andantes, sem nacionalidade e ainda não gozavam de direitos civis ou de
proteção da lei. Apesar de ter desaparecido por um tempo, o conflito surgiu novamente,
no século XIX, no Império Alemão, com suas várias legislações sobre nacionalidade68.
A situação dos que não possuíam nacionalidade se tornou pior no último século,
como indica Mello69:
“... o fenômeno se agravou com as guerras mundiais, ocasionando o deslocamento de pessoas, a revolução comunista da URSS, o nazismo na Alemanha e o fascismo na Itália, uma vez que todos que fugiram a estes sistemas políticos perderam a sua nacionalidade.”
O termo hoje utilizado para identificar o conflito negativo é “Apatridia”, ou seja,
sem pátria. Essa expressão foi sugerida em 1918, por Charles Claro, um advogado da
Corte de Apelação de Paris, e foi consagrado pela Convenção de Haia, de 1930. Outros
termos, porém, também se referem ao conflito negativo, tais como heimatlos (sem pátria)
ou staatenlose (sem Estado), usados na Alemanha, ou ainda statelessness, como se
chamam na Inglaterra70.
Uma curiosidade é o motivo maior pelo qual foi despertada a intenção de
combater a apatridia no mundo: o apátrida era considerado como um problema social, um
desajustado, sem sentimento patriótico, insensível às necessidades da ordem pública, e,
por isso, eram muitas vezes recrutados pelos terroristas e agitadores71.
Por esse motivo e pelas grandes guerras ocorridas e suas conseqüências, como
já aventado anteriormente, a Declaração Universal dos Direitos Humanos estatui em seu
artigo 15, que convém novamente mencionar, in verbis: 68 Celso Duvivier de Albuquerque Mello, op.cit., p.999 69 Ibid, p.1000 70 Oliveiros Litrento, op. cit., p.303 71 Ibid, mesma página
54
“Artigo 15
I. Todo homem tem direito a uma nacionalidade.
II. Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade.”
Como disposto no artigo 15 supracitado, todos têm direito a uma nacionalidade,
sendo isso um direito humano fundamental. A apatridia é, assim, uma grave violação ao
direito do homem, um absurdo que não pode ser admitido pelos países do mundo, mas
infelizmente o é.
A situação do apátrida é de enorme dificuldade, pois gera para si absurdas
restrições jurídicas em qualquer Estado em que esse indivíduo viva72. Além disso, a falta
de pátria afeta o indivíduo em muitos aspectos de sua vida, pois além de não serem
considerados cidadãos em nenhum Estado, encontram dificuldades para matricular-se
em escolas, possuir imóveis, viajar, ser hospitalizados, trabalhar legalmente, casar-se,
recorrer ao judiciário e inclusive chegar a situações extremas como não poder ter um
nome oficialmente reconhecido, coisas que são ordinárias, mas muito importantes.
A apatridia pode surgir por alguns fatores, tais como o conflito de legislações que
determinam o critério de aquisição de nacionalidade originária (jus soli ou jus sanguinis),
a perda da nacionalidade, ou por fatores políticos, que geram a mais triste forma de
apatridia.
Do primeiro fator tem-se como exemplo alguém que tem os pais nacionais de um
Estado que adota exclusivamente o sistema jus soli, ou seja, que determina que será
nacional apenas aquele que nascer em seu território, e nasce em um Estado que adota
com exclusividade o sistema jus sanguinis, ou seja, que concede a nacionalidade pelos
laços de sangue, pela consangüinidade. Desse modo, o indivíduo não terá a
nacionalidade de seus pais, pois não nasceu naquele Estado, e nem terá a nacionalidade
do Estado onde nasceu, pois que seus pais não são seus nacionais, o que vem a dizer
que esse indivíduo será apátrida.
Também não terá nacionalidade o indivíduo que se naturaliza, tornando-se
nacional de um Estado, perdendo, portanto, sua nacionalidade originária, e mais tarde lhe
é retirada a sua naturalização, ou seja, perde a nacionalidade adquirida.
A apatridia causada por fatores políticos é a que ocorre em países onde ainda
hoje há a perseguição por ideais políticos, também por questões étnicas ou religiosas. 72 José Afonso da Silva, op. cit., p.322
55
Nesses casos muitos são expatriados e não conseguem voltar ao seu país de origem,
nem são aceitos em outros países. São os casos em que os apátridas assumem ainda a
triste condição de refugiados.
A questão da apatridia encontra especial dificuldade quando envolve um terceiro
País, que não tem como atribuir à pessoa uma nacionalidade, visto que outros Estados
que estariam envolvidos com o indivíduo afirmam que ele não é nacional de um nem de
outro73.
Por provocar tantos conflitos é que a apatridia despertou, em âmbito internacional,
a necessidade de celebrar acordos com o intuito de diminuir os casos de pessoas sem
nacionalidade.
Já na Convenção celebrada em Haia, em 1930, apareciam alguns dispositivos
que visavam proteger os indivíduos contra a apatridia, como, por exemplo, o artigo 7º,
que diz que se houver licença de deportação prevista na legislação, a perda da
nacionalidade só se dará quando seu titular possuir outra, ou se não possuir, quando
adquirir outra. O artigo 7º da Convenção, in verbis:
“Artigo 7º
A licença de expatriação, desde que prevista numa legislação, não acarretará a perda da nacionalidade do Estado que a expediu, senão quando o seu titular já possuir uma segunda nacionalidade, ou, senão a partir do momento em que ele adquirir nova nacionalidade...”
A mesma Convenção trata ainda da situação da mulher casada, evitando a
apatridia em conseqüência de casamento com alguém que não tenha a mesma
nacionalidade. Desse assunto também tratou a Convenção sobre a Nacionalidade da
Mulher Casada, de 1957, ambas afirmando que a mulher só perderá a sua nacionalidade
se por manifesta vontade adquirir a nacionalidade do marido.
A Convenção de Haia também se preocupou com o reconhecimento de uma
nacionalidade originária a ser atribuída à criança, para que ela não fique desamparada de
nacionalidade, conforme se pode notar nos artigos 14 e 15, in verbis:
“Artigo 14
A criança, da qual nenhum dos pais seja conhecido, terá a
73 Francisco Xavier da Silva Guimarães, op. cit., p.14
56
nacionalidade do país em que houver nascido. Se a filiação da criança vier a fixar-se, a sua nacionalidade será determinada segundo as regras aplicáveis ao caso em que a filiação for conhecida.
O enjeitado, até prova em contrário, presume-se nascido no território do Estado onde tiver sido achado.
Artigo 15
Quando a nacionalidade de um Estado não for adquirida de pleno direito, em conseqüência do nascimento no território desse Estado, a criança nascida de pais sem nacionalidade ou de nacionalidade desconhecida poderá obter a nacionalidade do dito Estado...”
Ressalte-se que a Convenção tinha por objetivo o ideal de suprimir os casos de
conflitos de leis sobre nacionalidade, que acarretam inclusive a apatridia, e esse foi o
primeiro ensaio de codificação sobre a matéria, intentando um início de uniformização do
tema.
Não tendo sido suficiente para solucionar os problemas de conflitos de
nacionalidade, em 1954 foi celebrada a primeira convenção dirigida especificamente aos
apátridas. A convenção ficou conhecida como Estatuto dos Apátridas, que tinha como
intuito solucionar problemas de ordem prática dos apátridas, bem como lhes assegurar o
exercício mais amplo possível de suas liberdades e direitos fundamentais, bem como
melhorar e regular sua situação, como se depreende de seu preâmbulo.
Define-se, legalmente, o que é o apátrida, no primeiro artigo do Estatuto, in verbis:
“Artigo 1 – Definição do Termo “Apátrida”
1. Para os efeitos da presente Convenção, o termo “apátrida” designará toda pessoa que não seja considerada seu nacional por nenhum Estado, conforme sua legislação...”
O Estatuto vem a resguardar certos direitos do apátrida e também estabelecer
seus deveres para com o Estado em que se encontra, além de dizer qual o tratamento
deve receber do mesmo Estado. Deve-se dar destaque, porém, a alguns artigos, como os
que tratam da condição jurídica do apátrida, como é o caso do artigo 12, que estabelece,
in verbis:
“Artigo 12. Estatuto Pessoal
1. O estatuto pessoal de todo apátrida será regido pela lei do
57
país de seu domicílio ou, na falta de domicílio, pela lei do país de sua residência.
2. Os direitos anteriormente adquiridos pelo apátrida e que decorrem do estatuto pessoal, notadamente os que resultem do casamento, serão respeitados por todo Estado Contratante, ressalvado, se for o caso, o cumprimento das formalidades previstas pela legislação do referido Estado, desde que, todavia, o direito em causa seja daqueles que seriam reconhecidos pela legislação do referido Estado, se o interessado não se houvesse tornado apátrida.”
Dá-se ênfase também ao direito que o apátrida tem de obter ao menos um
documento que o identifique. No caso é o passaporte, que do apátrida é identificado pela
cor amarela74. Estabelece o artigo 27, in verbis:
“Artigo 27. Documentos de Identidade
Os Estados Contratantes expedirão documentos de identidade a todo apátrida que se encontre no seu território e que não tenha documento de viagem válido.”
Cumpre, por fim, destacar a preocupação que tem o Estatuto quando fala da
aquisição de uma nacionalidade pelo apátrida, pois deseja-se a integração do indivíduo a
um Estado, conforme se verifica no artigo 32, in verbis:
“Artigo 32. Naturalização
Os Estados Contratantes facilitarão, na medida do possível, a assimilação e a naturalização dos apátridas. Esforçar-se-ão notadamente para acelerar o processo de naturalização e reduzir, na medida do possível, as taxas e despesas desse processo.”
Finalmente, em 1961, foi celebrada a Convenção para a Redução dos Casos de
Apatridia, cujo texto foi aprovado pelo Brasil em 2007 e formalizado pelo Decreto
Legislativo nº 274/07. Nos dizeres do Relator da mensagem nº 370 de 2001, que
submetia à consideração do Congresso Nacional o texto da Convenção, o Deputado José
Lourenço75:
74 O passaporte dos apátridas, emitido na cor amarela, é concedido pela Organização das Nações Unidas 75 Poder Executivo - Rel. Deputado José Lourenço, Mensagem nº 370, de 2001, disponível em http://www.camara.gov.br/sileg/MostrarIntegra.asp?CodTeor=107235
58
“A adesão à Convenção para a Redução dos Casos de Apatridia viria a complementar e fortalecer o compromisso assumido pelo Brasil em virtude da assinatura e ratificação da Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas. Paralelamente, o Brasil estaria reforçando seu firme compromisso com a proteção aos direitos humanos.”
A Convenção para a Redução dos Casos de Apatridia traz em seu bojo várias
situações em que se poderia configurar a apatridia, determinando, porém, como e qual
dos Países Contratantes deve agir em dada situação. Destacam-se aqui apenas alguns
artigos para fins de ilustração.
Sobre a concessão de nacionalidade dos Estados contratantes afirma o primeiro
artigo da Convenção, in verbis:
“Artigo 1
1. Todo Estado contratante concederá sua nacionalidade à pessoa nascida em seu território, que de outro modo seria apátrida.
(...)
3. (...) todo filho legítimo nascido no território de um Estado contratante, cuja mãe seja nacional desse Estado, adquire, no momento do nascimento, a nacionalidade de referido Estado se de outro modo seria apátrida.
4. Todo Estado contratante concederá sua nacionalidade à pessoa que de outro modo seria apátrida e que não pôde adquirir a nacionalidade do Estado contratante em cujo território tenha nascido por haver passado da idade estabelecida para a apresentação de seu requerimento ou por não preencher os requisitos de residência exigidos, se no momento do nascimento do interessado, um dos pais possuísse a nacionalidade do Estado contratante primeiramente mencionado...”
Para determinar qual o Estado responsável quando o nascimento ocorre a bordo
de um navio ou de aeronave, estabeleceu-se no artigo 3, in verbis:
“Artigo 3
Para fins de se determinar as obrigações dos Estados contratantes na presente Convenção, o nascimento a bordo de um navio ou de uma aeronave se considerará, conforme o caso, como ocorrido no território do Estado de cuja bandeira seja o navio ou no território do Estado em que a aeronave estiver matriculada.”
59
Por fim, estabelece a Convenção de 1961, que os Estados que acordaram na
convenção não poderão tornar uma pessoa apátrida, conforme se depreende do artigo 8,
in verbis:
“Artigo 8
1. Os Estados contratantes não privarão uma pessoa de sua nacionalidade se tal privação convertê-la em apátrida.
...”
Apesar dos esforços da Comunidade internacional no sentido de suprimir de
variadas maneiras os casos de apatridia, eles ainda se verificam na sociedade em
números bastante preocupantes, porém, há que se valorizar a tentativa de que se
resolvam os problemas da apatridia, que muitos acreditam poder ser solucionada com a
simples adoção do critério de domicílio para atribuição da nacionalidade76.
4.3. A APATRIDIA NO BRASIL E SOLUÇÕES APRESENTADAS
A apatridia é causada por uma aberração legislativa que deve ser a todo custo
evitada. Como observado na seção anterior, várias são as convenções existentes na
tentativa de solucionar ou ao menos amenizar esse problema.
Já foi a apatridia alvo de censuras no Brasil desde os idos tempos do Império,
como conta Silva77:
“Fica sempre o problema sério da posição do nascido de pais brasileiros, no exterior (...), carente de nacionalidade, situação essa que já merecera crítica de Pimenta Bueno, ao comentar o art.6º, II, da Constituição do Império: ‘Daí resulta o absurdo de ficarem os filhos dos brasileiros que nascerem em França ou outros países estrangeiros sem pátria, porquanto as leis destes estados reconhecem a sua qualidade brasileira, e por isso mesmo não lhes dão a nacionalidade francesa ou outra; e o
76 Celso Duvivier de Albuquerque Mello, op.cit., p.1001 77 José Antônio Pimenta Bueno, Direito público brasileiro e análise da Constituição do Império, 1958, p.444, apud José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2008, p.330
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Brasil de sua parte não reconhece, ao menos antes que abandonando seus negócios venham estabelecer domicílio no império! Nesse entretanto não terão pátria!’.”
O Brasil, apesar de se mostrar solícito com aqueles que não possuem
nacionalidade, fazendo, assim, parte das Convenções que tratam sobre o tema, cometeu
falha em seu próprio sistema legislativo. Tal falha se deu, mais recentemente, no artigo
12 da Constituição Federal, já comentado em capítulos anteriores, que trata da aquisição
da nacionalidade brasileira.
E como se deu tal falha? O texto original da Constituição Federal de 1988, em seu
artigo 12, I, c, identificava como brasileiros natos aqueles nascidos no estrangeiro, de pai
brasileiro ou mãe brasileira, desde que fossem registrados em repartição brasileira
competente, ou, se, antes da maioridade, viessem a residir no Brasil e fizessem a opção
pela nacionalidade brasileira em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade. Não
satisfeitos com a possibilidade de não haver prazo para que o indivíduo fizesse a opção
pela nacionalidade brasileira, houve uma revisão constitucional para tratar do assunto.
A revisão constitucional ocorreu em 1994 e discutia sobre o estabelecimento de
um prazo para que se exercesse a opção pela nacionalidade brasileira, voltando ao que
previa o texto da Constituição Federal de 1969, que era o prazo de quatro anos após
atingida a maioridade. Ao final do congresso que discutia a questão, o Relator, Deputado
Nelson Jobim, emitiu o parecer final do assunto, que concluía pela modificação da
Constituição, voltando a estabelecer o prazo para realizar a opção. Porém, houve, por
falta de atenção, uma inversão na ordem das votações, fazendo com que uma Emenda
Aglutinativa, que também tratava do tema, fosse votada após o Substitutivo do Relator, e
assim fez com que o texto aprovado por último fosse o que acabou sendo reproduzido na
Emenda Constitucional de Revisão nº 3/94, que, apesar de não representar a vontade do
Congresso, que era a de continuar prevendo a possibilidade de registro no estrangeiro e
apenas acrescentar o prazo para opção pela nacionalidade brasileira, deixou de prever
tanto uma possibilidade quanto outra78, como se pode ver de seu texto, in verbis:
“Art.12. (...)
I- (...)
c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que venham a residir na República Federativa
78 Nádia de Araújo et al, Direito Internacional Privado em 2007: Novidades no plano internacional e interno, p.3, disponível em: www.asadip.org/articulos/Microsoft%20Word%20-%20Informe%20ASIDIP%20Dipr%20br%202007.pdf
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do Brasil e optem, em qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira;
...”
Com essa redação, é suprimida, portanto, a possibilidade de registro do nascido
fora do Brasil, em repartição brasileira competente no estrangeiro, acarretando graves
problemas para os filhos de brasileiros nascidos no exterior, notadamente àqueles que
nasceram em Estados que adotam com exclusividade o critério jus sanguinis para
atribuição de nacionalidade originária, pois se tornavam assim apátridas, pois não
adquiriam a nacionalidade do Estado onde nasceram e tampouco a nacionalidade
brasileira.
Durante todos os anos em que vigorou a referida emenda, os filhos de brasileiros,
nascidos no exterior, não tinham nacionalidade brasileira, como já exposto, e, na maior
parte das vezes, também não possuíam qualquer outra nacionalidade. Percebidas as
conseqüências da falha ocorrida em 1994, tentou-se contornar os problemas, emitindo-se
passaportes brasileiros aos menores, sem que esse fosse, porém, um atestado de
nacionalidade, deixando-se estabelecido que ao atingir a maioridade o indivíduo deveria
fazer a opção pela nacionalidade brasileira.
Muitas foram as manifestações de pais brasileiros para que a legislação mudasse
e voltasse a permitir que se fizesse o registro de seus filhos no exterior. Dado o clamor do
povo, finalmente aprovou-se a proposta de emenda constitucional, que passou a ser a
Emenda Constitucional nº 54 de 2007, que visou colocar fim nas situações de apatridia
em que se encontravam aqueles que seriam brasileiros natos antes da Emenda
Constitucional de Revisão nº 3/94.
Para regularizar a situação daqueles que nasceram durante o período de vigência
da Emenda Constitucional de Revisão nº 3/94, ou seja, de 7 de junho de 1994 a 20 de
setembro de 2007, a Emenda Constitucional nº 54/07 trouxe em seu bojo um novo
dispositivo a ser acrescido aos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, o 95,
que dispõe, in verbis:
“Art. 95. Os nascidos no estrangeiro entre 7 de junho de 1994 e a data da promulgação desta Emenda Constitucional, filhos de pai brasileiro ou mãe brasileira, poderão ser registrados em repartição diplomática ou consular brasileira competente ou em ofício de registro, se vierem a residir na República Federativa do Brasil.”
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A partir de 20 de setembro de 2007, então, aqueles filhos de brasileiros nascidos
no exterior, que eram considerados sem pátria, passam a ter a possibilidade de ser
registrados em repartição brasileira competente, caso ainda estejam no estrangeiro, ou,
se já se encontrarem no Brasil, têm a possibilidade de recorrer ao ofício de registro de
pessoas naturais, que neste caso, conforme o parágrafo 2º, do artigo 32, da Lei de
Registros Públicos (Lei nº 6.015/73), será o 1º Ofício do Registro Civil, que deverá
registrar o indivíduo no livro “E”, destinado aos registros de filhos de brasileiros, nascidos
no estrangeiro e ainda não registrados em consulados brasileiros.
Já quanto aos nascidos no estrangeiro sob a égide da nova redação do artigo 12,
I, c, dada em 2007, esses poderão realizar o registro em repartição brasileira competente
no exterior, sem a necessidade de posterior confirmação ou opção de nacionalidade,
visto que o registro realizado terá a mesma eficácia daquele efetuado no Brasil.
Por essas medidas tomadas, o Brasil consegue fazer com que nenhum de seus
filhos fique desamparado da nacionalidade originária brasileira, desde que ajam de
acordo com aquilo prescrito em lei. Sendo assim, pode-se considerar que agora,
efetivamente, em âmbito nacional, se cumpre o objetivo de todas as convenções e
acordos feitos em âmbito internacional, que é o de eliminar o problema da apatridia, que
se afigura como uma grave violação dos direitos humanos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa teve como objetos principais a nacionalidade e a apatridia, duas
coisas antagônicas, mas totalmente ligadas uma a outra. O escopo do trabalho foi
estabelecido pelas questões de problematização levantadas no início da pesquisa, e era
o de analisar e identificar os fundamentos do direito à nacionalidade e suas espécies,
descrever em que consistia a apatridia e, por fim, analisar as soluções dadas à apatridia
verificada no Brasil.
No desenrolar da pesquisa notou-se que as respostas foram sendo obtidas de
forma linear e consecutiva, pois que um assunto tratado levava conseqüentemente ao
próximo a ser abordado, podendo-se verificar que o método escolhido para o seu
desenvolvimento, qual seja o dedutivo, foi realmente apropriado, partindo-se do ponto
mais geral, tratando da caracterização e fundamento do direito à nacionalidade,
passando pelas formas de sua aquisição e a distinção feita entre brasileiros natos e
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naturalizados, verificando-se que aquilo que pode ser adquirido também pode ser perdido
e, por fim, chegando-se ao ponto mais específico, que é o de analisar a falta de
nacionalidade ou apatridia, com foco nas situações em que o Brasil permitia
acontecessem.
Versou, portanto, o primeiro capítulo, sobre os Elementos formadores do Estado,
que é a quem compete a atribuição da nacionalidade, e por isso a importância de se
saber que o Estado é composto pelo povo, território e por um governo soberano, este
que, apesar de gozar de soberania, deverá agir também de acordo com o estabelecido
em normais internacionais, principalmente quando se trata de direitos humanos, também
objeto de estudo desse capítulo. Ainda versou sobre a evolução da Constituição Federal
de 1988, principalmente no que tange ao tema da nacionalidade, que foram mudanças
essenciais, ocorridas em 1994 e 2007, por emendas constitucionais.
A diferença entre nacionalidade e cidadania também foi tratada, sendo a
nacionalidade considerada como vínculo que une os indivíduos numa sociedade, sendo
criada uma subordinação definitiva do indivíduo ao Estado79; já a cidadania é considerada
como conjunto de direitos políticos, que geram a participação plena na vida
governamental do Estado, expressada basicamente pelo direito de votar e ser votado, ou
seja, de ser eleitor. A nacionalidade é pressuposto da cidadania, posto que só é eleitor
aquele que é nacional, não devendo pois a nacionalidade e a cidadania serem
confundidas.
Abordou-se no segundo capítulo os modos de aquisição da nacionalidade, que é
um direito fundamental do homem. A nacionalidade originária pode ser adquirida, via de
regra, pelo nascimento, obedecendo ao sistema de territorialidade, caso em que o
importante é que se estabeleça o local de nascimento do indivíduo, ou o sistema de
consangüinidade, em que o importante é a nacionalidade gozada pelos pais. A
nacionalidade adquirida, por sua vez, é caracterizada pela opção feita pelo indivíduo, por
manifestação de sua vontade. No Brasil, a nacionalidade secundária, ou adquirida,
decorre da naturalização, tornando-se o estrangeiro em nacional. A diferença entre natos
e naturalizados são poucas, estabelecidas constitucionalmente e envolvendo o exercício
político no Brasil.
O terceiro capítulo mostra os processos de nacionalidade, ou seja, a sua perda e
reaquisição. Tudo o que é conquistado também pode ser retirado, e, nesse sentido, pode
ocorrer a perda da nacionalidade em duas ocasiões, que são o cancelamento da
naturalização por sentença judicial ou pela aquisição voluntária de outra nacionalidade.
79 Francisco Xavier da Silva Guimarães, op. cit., p.1
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Já a reaquisição é possível pelo fato da perda não ser irreversível, porém só poderá
acontecer se a perda tiver ocorrido em virtude de aquisição de outra nacionalidade.
No último capítulo verificaram-se os conflitos positivo e negativo de nacionalidade,
além do tratamento dado ao conflito negativo no Brasil. O conflito positivo ocorre quando
um indivíduo possui mais de uma nacionalidade, ou seja, há a polipatridia.Verificou-se
que no Brasil a polipatridia é expressamente aceita, como se pode observar do disposto
na Constituição Federal de 1988, in verbis:
“Art.12. (...) §4º. Será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que: II- Adquirir outra nacionalidade, salvo nos casos: a) de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira; b) de imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em Estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis.”
O conflito negativo é o oposto do positivo, ou seja, enquanto este ocorre quando
envolve duas ou mais nacionalidades, aquele se estabelece quando não há nenhuma
nacionalidade adquirida pelo indivíduo. Isso ocorre em razão do nascimento ou por causa
posterior. A apatridia no Brasil verificou-se por causa das mudanças ocorridas no texto
constitucional pátrio, por ora permitir certas atitudes dos indivíduos e ora proibi-las.
Porém, a solução para o caso também surgiu com mudanças ocorridas na Constituição
Federal.
Encontrou-se a solução com a Emenda Constitucional nº 54/07, que restabeleceu
a possibilidade de filhos de brasileiros no estrangeiro serem registrados em repartição
brasileira competente, sem necessidade de posterior confirmação de opção pela
nacionalidade brasileira, e também com a inserção do artigo 95 no Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias, que estabeleceu que os nascidos sob a vigência da lei
anterior poderão agora realizar seu devido registro, sendo considerados como brasileiros
natos.
Desse modo, a hipótese apresentada no início da pesquisa acabou por se
confirmar em seu fim, pois que, realmente, se verificou que o direito à nacionalidade é um
direito humano fundamental e que a apatridia é anomalia causada essencialmente por
falhas legislativas, como se pôde perceber no caso brasileiro, e que devem ser evitadas a
todo custo, pois influenciam diretamente na vida e no exercício da cidadania do indivíduo.
Ressalta-se que o Brasil, com atitude ainda que tardia, conseguiu, devido às
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mudanças ocorridas recentemente, fazer com que os indivíduos que mereciam gozar da
nacionalidade originária brasileira não mais padecessem do estigma de apátridas.
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