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A3NÚMERO 02 - ABRIL A SETEMBRO / 2012
Revista de jornalismo científico e cultural da Universidade Federal de Juiz de Fora
www.ufjf.br/secom/A3
Dissertação premiada pelo BNDES mapeia transporte utilizado na exportação
Pesquisadores monitoram rota da baleia Jubarte no litoral brasileiro
Programa institucional destina bolsas para qualificação de técnicos e docentes
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BEM COMUM,RESPONSABILIDADE COMPARTILHADA
DCAMPUS
A UFJF
Preparar o espaço do Campus para deixá-lo aprazível, aproveitando da natureza o que ela generosamente nos proporciona, é uma tarefa nossa. Conservar esse patrimônio, que é de todos, é responsabilidade sua. Cuide bem do que é seu.
BEM COMUM,RESPONSABILIDADE COMPARTILHADA
DCAMPUS
A UFJF
Preparar o espaço do Campus para deixá-lo aprazível, aproveitando da natureza o que ela generosamente nos proporciona, é uma tarefa nossa. Conservar esse patrimônio, que é de todos, é responsabilidade sua. Cuide bem do que é seu.
A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012
A divulgação científica como instrumento para mudar o aqui e o agora
Chegamos ao segundo número da “A3”! Isso representa o for-
talecimento do projeto da Secretaria de Comunicação (Secom)
da Universidade Federal de Juiz de Fora no sentido de discutir e
estabelecer a política de divulgação científica da instituição. A
revista é um produto que ganha relevância na medida em que faz
parte de uma reflexão coletiva sobre a missão da UFJF. Ela não
pode ser compreendida de forma isolada. E não haveria sentido
nesse investimento se ele não conseguisse cumprir o desafio de
revelar a Universidade na sua complexidade e dinâmica.
Certamente, o perfil da UFJF mudou. A Universidade
que se tornou referência pela excelência dos seus cursos de gra-
duação e pela inserção regional através das atividades extensio-
nistas, hoje, produz ciência de qualidade, investe na inovação e
dialoga com o mundo. Mas será que a população sabe disso?
Será que os moradores do entorno do campus percebem que a
Federal é muito mais que um dos cartões postais da cidade de
Juiz de Fora? Até mesmo aqueles que estudam e trabalham na
instituição parecem ter dificuldade em perceber a pujança e a
diversidade da produção acadêmica.
No ano de 2011, a UFJF ganhou a liderança nacional, en-
tre as instituições de ensino superior do país, como aquela que
teve o maior percentual de alunos egressos da Iniciação Científica
titulados em Programas de Mestrado e Doutorado. Fizemos bo-
nito na produção de artigos científicos indexados em bases inter-
nacionais (como o Scopus), com crescimento percentual de arti-
gos publicados (432%) que foi o dobro do alcançado pelo Brasil
(197%) nos últimos seis anos, e ficamos entre as 100 melhores
universidades da América Latina em três diferentes rankings in-
ternacionais. Nossos programas de pós-graduação demonstram
grande vigor: se, em 1989, inauguramos nosso primeiro mestrado,
hoje, temos mais de 1500 alunos matriculados em 44 cursos de
EDITORIAL
mestrado e doutorado. Mas, infelizmente, não ganhamos ainda
de modo consistente as manchetes da grande mídia por conta
desses resultados, que deveriam encher de orgulho não apenas
os servidores e alunos da instituição, mas todos aqueles que, de
uma forma ou de outra, têm contato com a UFJF.
O mesmo ranking que indica que estamos produzindo
de forma cada vez mais relevante expõe o nosso “calcanhar de
Aquiles”: ainda estamos muito defasados na divulgação daquilo
que produzimos. Isso é fatal para qualquer empreendimento do
século XXI. Temos com urgência que dar maior visibilidade ao
que estamos pesquisando em nossos laboratórios, bibliotecas e
trabalhos de campo – disso depende a nossa consolidação como
instituição de excelência. Cada vez mais a captação de recursos
humanos de qualidade e de aportes financeiros vai depender de
nosso desempenho institucional. Cada vez mais nossa reputação
vai ser determinada pela visibilidade do trabalho de excelência
aqui desenvolvido e consequente inserção social. Por isso é tão
importante que tenhamos uma reflexão e um projeto político de
divulgação científica.
A “A3” faz parte desse investimento no aqui e no agora.
Investimento que garante visibilidade ao que temos de melhor. A
revista, a partir de várias sugestões do Conselho Editorial, apos-
ta na diversidade de conteúdos que ilustram com objetividade
e clareza o atual estágio da produção acadêmica. Privilegiando
também outros olhares, temos textos extremamente ricos de co-
laboradores externos, que somam novos pontos de vista àqueles
de nossa “prata da casa”. E temos também uma boa novidade: a
circulação da revista passa, este mês, para 10 mil exemplares. A
primeira edição, já esgotada, mostra que temos fôlego para ultra-
passar metas, e continuar a crescer com qualidade.
Boa leitura!
Christina Ferraz Musse
Editora-chefe
3
A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012
REVISTA DE JORNALISMO CIENTÍFICO E CULTURAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA
REITORHenrique Duque de Miranda Chaves Filho VICE-REITORJosé Luiz Resende Pereira
CONSELHO EDITORIALPresidentePaulo Nader (Faculdade de Direito)
Alexander Moreira (Faculdade de Medicina)Anderson Ferrari (Faculdade de Educação)Cícero Inácio da Silva (Instituto de Artes e Design)Cristiano José Rodrigues (Faculdade de Comunicação)Edimilson de Almeida Pereira (Faculdade de Letras)Heloísa D’Avila (Instituto de Ciências Biológicas)Jorge Mtanios Iskandar Arbach (Faculdade de Engenharia)Marcelo do Carmo (Instituto de Ciências Humanas)Paulo Monteiro Vieira Braga Barone (Instituto de Ciências Exatas)Paulo Nepomuceno (Faculdade de Engenharia)Paulo Roberto Figueira Leal (Faculdade de Comunicação)Robert Willer Farinazzo Vitral (Faculdade de Odontologia)Suzana Quinet (Faculdade de Economia)
COMISSÃO EDITORIALAnne Marie Autissier (Universidade de Paris VIII)Antônio Fernandes de Carvalho (Universidade Federal de Viçosa)Cláudio Soares (Fapemig)Luiz C. Wrobel (School of Engineering and Design - Brunel University - Middlesex, UK)Luis Felipe Feres Pereira (University of Wyoming – USA)Márcio Simeone Henriques (Universidade Federal de Minas Gerais)
EXPEDIENTEEditora-chefe Christina Ferraz MusseEditoraOseir CassolaReportagensBárbara Duque, Carolina Nalon, Raul Mourão ColaboradoresAntenor Salzer Rodrigues; Camilo Gomides; Cícero Inácio da Silva; Eduardo Borges; Fernando Lobo; Geraldo Lúcio de Melo (Gerrô); Jorge Arbach; Luiz Ruffato; Maria Cristina Andreolli; Marialva Carlos Barbosa; Mário Sérgio Ribeiro; Marilú Perez; Paulo Roberto Figueira Leal; Regina Castelo; Sandra Sato; Toninho Dutra; Ubirajara Moreira da Silva JúniorProjeto GráficoCléber “Kureb” Horta e Marcelo ViridianoFotografiaMarcelo ViridianoIlustraçãoCléber “Kureb” Horta, Charleston Hokama, Eduardo BorgesProduçãoMarcelo Viridiano, Renata Botti, Taís MarcatoMarketing e DistribuiçãoValéria Borges CostemalleRevisãoRafael Costa Marques
REVISTA A3 Rua José Lourenço Kelmer, s/n - Campus UniversitárioBairro São Pedro - CEP: 36036-900 - Juiz de Fora - MGTelefones: (32) 2102-3967/ 3968/ 3997E-mail: revistaa3@secom.ufjf.brImpressão: Gráfica AméricaTiragem: 10 mil exemplares
06 VOZ DO LEITOR Confira as repercussões do primeiro número da Revista A3
07 INOVAÇÃOA importância do Ciência sem Fronteiras é tema do artigo da
coordenadora de Pesquisa e Inovação da UFJF, Maria Cristina Andreolli Lopes
08 GEOPOLÍTICAEm outubro passado chegamos aos 7 bilhões vivendo neste
planeta. Como manter uma população de dez bilhões daqui a 60 anos? Para
pesquisadores, o problema é o padrão de consumo da população. Para chefes
de nações, o desafio é manter o crescimento com sustentabilidade
12 POLÍTICA O mestre e doutor em Ciência Política, Paulo Roberto Figueira Leal,
analisa os riscos do personalismo na política
13 TESES E DISSERTAÇÕES Vencedora do 32º prêmio de Economia do BNDES, em 2011, a
dissertação de Admir Antônio Betarelli Júnior radiografa os sistemas de
transportes para exportar produtos
17 DIVULGAÇÃO CIENTÍFICAO Brasil está na 13ª posição no rol dos produtores de artigos científicos,
à frente de países como Canadá e Rússia. A importância disso é avaliada pelo
assessor de Comunicação do CNPq, Ubirajara Moreira da Silva Júnior
18 ENCONTROS POSSÍVEIS Os cientistas Rossana Melo (UFJF) e Peter F. Weller (Harvard)
dialogam sobre doenças infecciosas e alérgicas, avanço dos estudos na área e
a importância de parcerias
23 SAÚDE O consumo de substâncias psicoativas é abordado pelo professor
doutor Mário Sérgio, responsável pelo Laboratório de Pesquisas em
Personalidade, Álcool e Drogas da UFJF
ÍNDICE
02
A3 - ABRIL A SETEMBRO/201244
A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012
ÍNDICE
24 ALÉM DA PALAVRAA pesquisadora de artes plásticas Sandra Sato leva o leitor a uma
viagem de jogos de palavras e emoções no texto revelador “Eu olho uma coisa
e vejo outra”
26 FEMININO Uma reflexão sobre o feminino, aos olhos da Psicanálise, é o que
propõe a professora Regina Castelo no artigo “Devastação do Feminino”
29 MEIO AMBIENTE Desde 2001, o pesquisador da UFJF, Artur Andriolo, participa da
equipe que monitora a rota das baleias Jubarte no litoral brasileiro, da Bahia
até a Antártida. O objetivo, agora, é ampliar estudos desde o Norte do país
34 INICIAÇÃO CIENTÍFICAPrêmio de universidade com maior número de egressos da iniciação
científica titulados na pós-graduação demonstra a força da UFJF
36 FÍSICAO pesquisador da UFJF, Gil de Oliveira Neto, estuda as possíveis causas
para a expansão acelerada do Universo. Para o físico, o cosmo não se inicia
com a grande explosão, o Big Bang
40 OLHAR ESTRANGEIRO Os professores doutores da Universidade de Porto Rico, Camilo
Gomides e Marilú Perez, revelam a importância do ensino do Português num
contexto globalizado
42EXTENSÃOVinte e nove projetos de extensão são oferecidos na Faculdade de
Educação Física da UFJF. As diversas modalidades de esporte e ginástica
são desenvolvidas no Complexo Esportivo, espaço habilitado pelo Comitê
Organizador dos Jogos Olímpicos como local de treinamento
44 PENSAR A UNIVERSIDADEPrograma institucional recém-criado, o Proquali, destina 250 bolsas de
apoio para a qualificação de técnico-administrativos e docentes. Em dois anos,
o número de TAEs com mestrado e doutorado deve dobrar
46 MUNDO DIGITALO Youtube recebe 48 horas de produções por minuto, o equivalente
a oito anos de conteúdo audiovisual a cada 24 horas. O pesquisador Cícero
Inácio da Silva revela números impressionantes do mundo digital
47 PESQUISA Experimentação de voz, poesia sonora, a música questionando os
limites entre as expressões artísticas são a base dos estudos desenvolvidos
pelo professor doutor do Instituto de Artes e Design da UFJF, Daniel Quaranta
50 MÚSICANo artigo “Canções de artigos impalpáveis”, o jornalista Geraldo Lúcio
de Melo (Gerrô) descreve o lirismo do último CD do médico da UFJF, Marcinho
Itaboray
51 LITERATURAOs direitos garantidos por lei à criança doente é o tema do artigo
“Qual é a idade da cidadania?”, do psicólogo clínico Antenor Salzer. O docente
aborda o lançamento da cartilha “Os direitos educacionais da criança e do
adolescente: orientações para escolas, famílias e hospitais”
52 MEMÓRIAEm um texto emocionado e emocionante, a doutora em História pela
UFF, Marialva Carlos Barbosa, nos leva à reflexão sobre a importância da
memória em um mundo que não cessa de incluir o futuro no presente, tal a
aceleração com que vivemos o cotidiano
54 LANÇAMENTOSObras lançadas pela Editora UFJF são as dicas de leitura deste número
55 ENSAIO FOTOGRÁFICOUm passeio pela história de Juiz de Fora registrado pelas lentes do
repórter fotógráfico Jorge Couri
66 LEIA-MEPremiado escritor mineiro Luiz Ruffato brinda leitores com “Promessa”
A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012 55
A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012
VOZ DO LEITOR
4ª CAPAO desenho “Composição com sublime e cisnes”, da 4ª Capa, é obra do artista plástico Eduardo Borges, formado na UFJF. Na narrativa de imagens, tenta mostrar, como o próprio define, a questão do sublime na paisagem: “o perigo eminente, o som do trovão, o espanto, as raízes invasivas e os feixes de luz – a boa paisagem é inquieta e avassala-dora”. Para trabalhar livremente tendo como pano de fundo o Campus da UFJF, o artista diz ter se inspirado nas paisagens românticas do séc. XIX, contidas nas obras de Caspar David Friedrich, Arnold Böcklin, William Blake, Turner e Edmund Burke.
Que linda capa! Parabéns pelo trabalho e sucesso.Maria Berenice Machado(Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS)
O primeiro número da “A3” foi lançado em outubro de 2011 e a receptividade dos leitores nos mostrou que estamos no caminho certo.
Esta seção é reservada para ser o seu espaço. Contribua para que aprimoremos cada vez mais a nossa publicação. Envie sugestões,
críticas e temas de pesquisas e dissertações que gostaria de ver nas nossas páginas. O leitor que tiver sua opinião publicada aqui
receberá um kit da UFJF. Aguardamos a sua contribuição. E-mail: revistaa3@secom.ufjf.br
A revista “A3 é o resultado do excelente trabalho de uma equipe ágil e dinâmica que sabe dar visibilidade à ciência. Parabéns, vocês estão mostrando na UFJF como deve ser a comunicação social em uma universidade.
Flávio Porcello
(Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS)
Parabéns pela linda revista. Que seja um sucesso.Edna de Mello Silva(Universidade Federal de Tocantins - UFT)
Que bela iniciativa! Como eu trabalho com jornalismo científico, gostaria de saber como posso adquirir um exemplar da publicação? Abraços desde terras catarinas.Tattiana Teixeira (Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC)
Redação: Para receber o exemplar em sua casa, envie seu endereço para o e-mail revistaa3@secom.ufjf.br e providenciaremos a entrega.
Parabéns pela iniciativa!Luiza Lusvarghi (Universidade Nove de Julho - Uninove - SP)
Parabéns pelo trabalho. Sempre que precisar, estarei à disposição.Flora Neves (Universidade Estadual de Londrina - UEL)
Seu espaçoFOTO: ALEXANDRE DORNELAS
Parabéns pela conquista!Valquíria Kneipp (Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN)
Parabéns por esta realização. A UFJF vai se firmando no cenário acadêmico.Célia Mota (Universidade de Brasília - UNB)
6
A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012
INOVAÇÃO
No dia 26 de julho de 2011 foi lançado o Ciência sem
Fronteiras, um programa do Governo Federal, que
visa promover a expansão, a consolidação e a inter-
nacionalização da ciência, da tecnologia e da inova-
ção brasileira, através da concessão de cerca de cem mil bolsas
de estudos para alunos de graduação, pós-graduação e docentes,
para realizarem estágios nas melhores universidades e empresas
do mundo. Sem sombra de dúvidas, trata-se da iniciativa mais
ousada do Governo brasileiro de todos os tempos, em promover
o crescimento da economia brasileira de maneira sólida, funda-
mentada no conhecimento, aumentando a competitividade de
nossos produtos no mercado internacional, através da qualidade
e do aumento do número de patentes.
Os R$ 3 bilhões investidos são provenientes de impostos pagos
pelo povo brasileiro, e uma porcentagem menor, cerca de 25%,
de empresas privadas. Explicar a estreita relação entre educação,
investimento em tecnologia e desenvolvimento econômico é des-
necessário. De fato, e em tese, este é o caminho trilhado pelas
grandes potências no mundo. Seus cidadãos pagam impostos
que são investidos pelos seus governos, na cultura e na qualidade
de vida daquele país. Seguindo esta lógica, o Ciência sem Frontei-
ras funciona como uma escola, que tem como meta formar alunos
nas universidades e laboratórios mais conceituados do planeta,
mudando suas perspectivas de vida, tornando-os competitivos
em relação à tecnologia e inovação.
A questão principal aí está no investimento nos cérebros mais
privilegiados do país para funcionarem como mola propulsora do
conhecimento e da inovação nas universidades brasileiras, melho-
rando a mão de obra, preparando nossos jovens para o futuro que
A escola Ciência sem Fronteiras
desejamos para este país. Para fazer frente às atuais mudanças
globais da economia é necessária a consciência que o crescimen-
to do país demanda uma massa crítica de talentos; e melhor que
importá-los de outros países a altos custos, um investimento de
grande risco, é formar esta massa de brasileiros.
Espera-se que esta ação seja o despertar de uma nova época em
nosso país. Não se está, entretanto, com esta iniciativa, tirando
um coelho da cartola. Países desenvolvidos como Estados Unidos
e Alemanha investem maciçamente há décadas em educação e,
por isso, produzem grandes talentos, mentes bem formadas. Não
podemos deixar de reconhecer o mérito desta iniciativa do Go-
verno federal, embora exista uma conjuntura mundial que aponta
nesta direção. O Brasil tem se destacado com o desempenho de
sua economia, integrando o conjunto de países emergentes que
formam os Brics (Brasil, Rússia, Índia e China) e a África do Sul, e
esta estratégia de investimento em educação está sendo adotada
por todos eles.
O Brasil, apesar de ser hoje a sexta potência econômica no
mundo e ocupar a 13ª posição no ranking mundial de produção
científica, está em 47º lugar na inovação, que faz crescer depósitos
de patentes. Espera-se assim que estudantes de graduação,
pós-graduação e pesquisadores ao passarem pelo programa
Ciência sem Fronteiras retornem para casa com a nova cultura
de inovação e possam atuar com propagadores deste saber. Na
UFJF este programa está sendo implementado pela Pró-Reitoria
de Pesquisa, que já colocou seus alunos de graduação em
universidades da Austrália, dos Estados Unidos, do Reino Unido,
da França e da Itália.
Maria Cristina Andreolli Lopes*
*Professora doutora do Departamento de Física e coordenadora de Pesquisa e Inovação da Pró-reitoria de Pesquisa da UFJF
7
Sete bilhões de pessoas e o desafio das nações em crescer com sustentabilidade RELATÓRIO DO PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O MEIO AMBIENTE APONTA QUE UMA DAS SAÍDAS É
MELHORAR A PRODUTIVIDADE DOS RECURSOS, FAZENDO MAIS COM MENOS E MAIS RÁPIDO DO QUE A TAXA DE
CRESCIMENTO ECONÔMICO
Saber que existem sete bilhões de pessoas vivendo no
planeta gerou preocupação entre especialistas de di-
versas áreas. O número inteiro, atingido em outubro
passado, serviu para fomentar a agenda da mídia que,
embasada pelo relatório da Organização das Nações Unidas
(ONU), publicou prognósticos alarmantes sobre o futuro, em es-
pecial, sobre como manter uma população de dez bilhões daqui a
60 anos senão de forma sustentável. Às vésperas da conferência
mundial Rio+20, o tema volta a ser foco de debate.
Para o coordenador do Laboratório de Demografia (Ladem)
da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), professor
Luiz Fernando Soares de Castro, o número por si só diz muito
pouco. Citando o presidente da Associação Brasileira de Estudos
Populacionais, o doutor em Demografia e Ecologia George Martine,
Castro afirma que as sete bilhões de pessoas caberiam fisicamente
no perímetro da Grande São Paulo. O planeta aguentaria, segundo
Castro, uma quantidade até maior de habitantes, considerando-
se apenas a questão do espaço. Esse não é foco da discussão.
O real problema hoje é o padrão de consumo da população,
principalmente, a dos países desenvolvidos.
“A pegada ecológica deixada por um norte-americano ou europeu
é bem maior que a produzida por alguém de uma tribo no Quê-
nia, por exemplo”, esclarece o professor, referindo-se à pressão
exercida pelos indivíduos sobre os recursos naturais. Isto é, estilo
de vida. São os países ricos os responsáveis pelo maior impacto
nas fontes de energia, alimento e água, e pela produção de lixo.
“Frear o crescimento populacional, portanto, pode não significar
uma solução. Precisamos reduzir o desperdício e a produção de
dejetos nocivos ao ambiente.”
De acordo com dados publicados pelo Programa das Nações Uni-
das para o Meio Ambiente, cidadãos dos países desenvolvidos
consomem, em média, 16 toneladas de minérios, combustíveis
fósseis e biomassa por ano per capita. Em comparação, a média
de consumo das pessoas na Índia, segundo país mais populoso
do mundo, é de quatro toneladas por ano. Melhorar a produtivida-
de dos recursos, ou seja, fazer mais com menos e mais rápido do
que a taxa de crescimento econômico, é o que sugere o relatório.
CAROLINA NALON | repórter
GEOPOLÍTICA
A3 - ABRIL A SETEMBRO/201288
Para o diretor da Faculdade de Economia da UFJF, professor Lou-
rival de Oliveira, a maior eficiência na utilização dos recursos é
central na busca por soluções sustentáveis. É preciso investimen-
to pesado em pesquisa, desenvolvimento e inovação para que
“uma máquina qualquer utilize bem menos energia para funcionar
do que hoje é disponibilizado para ela”.
Além dessa alternativa, na opinião de Oliveira, só existe outra:
a distribuição de renda. Ele lembra que o impasse envolvendo
economia e meio ambiente não é algo novo, vem sendo tratado
desde o fim da década de 1960 com a criação do Clube de Roma,
mas, até hoje, pouco foi feito a respeito. Isso porque a discussão
“está mascarando o debate ideológico, fundamentado na distri-
buição de renda e, em última instância, na luta de classes”.
Assim, além dos que consomem mais terem que mudar seus
hábitos, aqueles que nada têm precisam ter acesso, “pois, num
ambiente democrático não se pode negar o direito das pessoas
ao consumo”, argumenta. Essa é uma questão essencial no
caso de alimentos. O economista indiano Amartya Sem, um
dos criadores do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e
ganhador do Prêmio de Ciências Econômicas em Memória de
Alfred Nobel (1998), defende que o problema da fome no mundo
não é em razão da insuficiência de alimento, mas sim resultado do
funcionamento da economia e de disposições políticas e sociais.
INFORMAÇÃO E AUTONOMIANo mundo, a taxa de mortalidade começou a reduzir drastica-
mente a partir da década de 60. Com o fim da Segunda Guer-
ra, os avanços na medicina, a chegada de grandes laboratórios
aos países em desenvolvimento e as instalações de saneamento
básico, debates sobre a possibilidade de uma superpopulação
começaram a surgir. No Brasil, explica Castro, as previsões, com
base na taxa de crescimento da época, eram de que no ano 2000
a população do país seria de 200 milhões. “O que não se concre-
tizou, estamos em 2012 e com 193 milhões.”
Para o professor, a previsão não se confirmou, principalmente por
causa da projeção da quantidade de filhos por mulher. A taxa de
fecundidade nos anos 60 era de seis filhos por mulher, e hoje está
em 1,8. “Essa queda no Brasil foi vertiginosa se comparada aos
países europeus. A França demorou um século e meio para atingir
tal média.” A pílula anticoncepcional e a inserção da mulher no
mercado de trabalho foram fortes determinantes nesse processo.
De 1960 para cá, a população mundial vem aumentando em um
bilhão a cada 12 anos, em média. A expectativa dos especialis-
tas de que em 2070 haverá dez bilhões de habitantes no planeta
alarga esse período, confiante na tendência de que a quantidade
de filhos por mulher cairá ainda mais. Para que isso aconteça, no
entanto, é necessário dar melhores condições de vida às nações
mais pobres. As mulheres precisam ter mais autonomia sobre
seus corpos, acesso à educação e à informação. “É a melhoria de
vida das pessoas que reduz a natalidade.”
A professora da Faculdade de Enfermagem da UFJF Sueli dos
Reis Santos compartilha a opinião. Ela coordena um projeto de
extensão voltado para gestantes e argumenta que “informação
elas já têm, o que falta é formação e poder de decisão”. Para a
maioria do grupo de 15 mulheres a gravidez não foi planejada,
simplesmente “aconteceu”. Apenas duas das participantes relata-
ram ter desejado a criança, e todas afirmaram conhecer métodos
contraceptivos.
Com 27 anos e na quarta gestação, Geisislane Caetano Machado
é um dos casos. “Tive meu primeiro filho com 15 anos, na época
a gente acha que tudo é brincadeira.” Hoje, admitindo ter mais
responsabilidade, decidiu ligar as trompas após o parto. “Já que-
ria ter feito da última vez, mas o médico do posto de saúde me
desaconselhou por causa da idade.”
No projeto “Roda de conversa com gestantes e crianças”, manti-
do desde 2004 com apoio do Centro de Ação Social da Catedral
GEOPOLÍTICA
A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012 99
de Juiz de Fora, já apareceram jovens de 13 anos. Atualmente, há
no projeto uma de 16 anos e outra de 17, esta já na segunda gravi-
dez. O objetivo da professora Sueli é promover um espaço aberto,
no qual as mulheres podem tirar dúvidas, receber informações
sobre saúde e compartilhar experiências. Entre os temas, pater-
nidade responsável, violência doméstica, desenvolvimento fetal
e da criança, aleitamento materno e cuidados ao recém-nascido
entram na roda.
MENOS CRIANÇAS, MAIS IDOSOSA tendência é que relatos como o de Geisislane se tornem menos
frequentes daqui a algumas décadas no Brasil. Ao invés de muitas
crianças, mais idosos. Aquela pirâmide etária, sempre presente
nos livros de geografia do ensino fundamental e médio, não terá
mais qualquer semelhança com a forma triangular de tempos
atrás.
De acordo com as previsões do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), em 2050, haverá mais do que o triplo de pes-
soas com 60 anos ou mais: os cerca de 20 milhões atuais serão
65. O crescimento da faixa com início nos 80 anos será ainda mais
surpreendente: de 2,6 milhões pularemos para 13,7, ou seja, cinco
vezes mais octogenários.
Com isso, a preocupação não é só quanto ao número de pessoas
no mundo, mas de que forma oferecer condições para que essa
parcela da população, cada vez mais representativa, viva com
qualidade. Países desenvolvidos como Alemanha e Japão, este
último com número expressivo de centenários, passaram por esta
situação de maneira gradual, ao contrário do Brasil, que precisará
promover melhorias em relação ao sistema de saúde e previden-
ciário e à infraestrutura das cidades num período mais curto de
tempo.
Para os especialistas, até lá será crucial aproveitar a chamada
janela demográfica, período caracterizado pela maior proporção
de pessoas em idade ativa e, portanto, menor número de depen-
dentes. Até 2020, cerca de 70% da população do país terá entre
15 e 64 anos, refletindo diretamente no crescimento econômico.
“A razão de dependência tem declinado no país desde os anos
1960. Atingirá seu valor mínimo por volta de 2020 e então come-
çará a subir em decorrência do envelhecimento da população”,
explica o professor Luiz Fernando de Castro.
Para o diretor da Faculdade de Economia, Lourival de Oliveira, o
fato de mais pessoas estarem entrando no mercado de trabalho
torna este um ótimo momento para se repensar a previdência
pública no país. “O atual modelo, no qual quem está na ativa
sustenta os que não estão, é furado.” Ele aposta no sistema de
capitalização composto por contribuições do trabalhador, do
empregador e do governo, cujo fundo poderia até ajudar no pa-
gamento da dívida pública. “É uma política de Estado que precisa
ser implantada já pensando neste futuro com mais idosos.”
No entanto, o próprio professor pondera: “Por outro lado, há um
problema sério, aquilo que os empresários chamam de apagão
da mão de obra”. A falta de qualificação (leia-se educação de
qualidade desde a escola básica) tem interferido no potencial de
crescimento da economia. Há mais pessoas em idade ativa, há
postos de trabalho, mas falta a habilitação necessária para ocupá-
los. “No fundo, o capital humano é o grande problema do Brasil. E
isso tem a ver, principalmente, com educação.”
O OUTRO QUE NOS ATRAVESSAOs bilhões de pessoas do mundo que no passado representavam
o estrangeiro ou o desconhecido, hoje têm rostos e vozes. “Os
outros” compartilham suas experiências e opiniões no Facebook
e no Twitter, postam vídeos como forma de denúncia e protesto
no YouTube, viajam, circulam mais. A experiência da alteridade se
tornou mais rica não só em razão do crescimento populacional,
mas em função dos novos meios de comunicação e da economia.
Os sete bilhões não são mais anônimos.
A professora do curso de Filosofia da UFJF Nathalie Barbosa de
La Cadena acredita que esta comunicação mais intensa tem leva-
do ao reconhecimento do outro como semelhante, criando uma
empatia entre as pessoas. “É extremamente positivo o reconheci-
mento da diferença, contribui para a democracia, uma democracia
real.” Pode-se dizer que o desafio de enxergar a universalidade do
ser humano, sem anular as singularidades do sujeito, vem ganhan-
do novos contornos a partir da maior possibilidade de encontro.
Para Nathalie, atualmente em seu segundo doutorado, agora na
área de Direitos Humanos, “a ética da internet”, incentivadora do
debate, é fundamental neste processo. “Agir de maneira autoritá-
ria, desqualifiicar o outro, ou simplesmente não reconhecer seu
direito de se pronunciar é visto como algo negativo. Estamos em
pé de igualdade na rede.” O exemplo da Primavera Árabe foi, nos
últimos anos, o mais visível em relação às mudanças no sentido
da mobilização desde a criação da Web 2.0. Em relação ao futuro,
a professora não vê razões para não ser otimista. “Olho para a
Os bilhões de pessoas do mundo que no passado representavam o estrangeiro ou o desconhecido, hoje têm rostos e vozes. “Os outros” compartilham suas experiências e opiniões no Facebook e no Twitter, postam vídeos como forma de denúncia e protesto no YouTube, viajam, circulam mais
GEOPOLÍTICA
A3 - ABRIL A SETEMBRO/20121010
história da humanidade e vejo que os conflitos são menos vio-
lentos, menos pessoas morrem proporcionalmente e a cada
dia há maior interatividade e admiração pelas diferentes
culturas e religiões.” Aponta, porém, que a valorização
da diferença não pode servir de pretexto para impor
às pessoas condições subumanas nas quais elas
não querem continuar a viver. “É preciso equili-
brar liberdade e igualdade, para que, em nome
de uma, a outra não seja sacrificada.”
A Rio+20 marca o 20º aniversário da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992, e o 10º aniversário da Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, promovida em Johanesburgo, África do Sul, em 2002.
Com a presença de chefes de Estado e Governo, a expectativa é de uma conferência do mais alto
nível. De 20 a 22 de junho, no Rio de Janeiro.
Entre os temas da Rio+20, a reafirmação de compromissos políticos já acordados, como o
empenho na erradicação da pobreza e da fome no mundo, incentivo à economia
verde, à segurança alimentar, energia e água.
GEOPOLÍTICA
GEISISLANE, QUE ESTÁ NA QUARTA GESTAÇÃO, TEVE O PRIMEIRO FILHO AOS 15 ANOS.
A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012 1111
Os riscos do personalismo na política Paulo Roberto Figueira Leal *
Por todo o mundo, variadas democracias vêm assistindo nas últi-
mas décadas a um processo de transformação da natureza e da
forma das campanhas eleitorais e das estratégias de comunicação
política de candidatos e governos. Mesmo em países com longa
tradição de consolidação do sistema partidário – por exemplo, a
Grã-Bretanha –, caem sistematicamente os indicadores de identi-
ficação partidária e aumentam os índices de volatilidade eleitoral.
A esses fenômenos, soma-se uma importância crescente da mídia
como arena central da disputa política.
Uma das marcas desse modelo é a valorização da figura do can-
didato ou do governante em detrimento do partido político ou
do governo. No Brasil, todas as eleições presidenciais disputadas
democraticamente desde 1989 parecem corroborar a hipótese:
Collor se elegeu por uma agremiação inexpressiva; FHC venceu
fortemente ancorado em fatores econômicos conjunturais (o
Plano Real em 1994; o risco da perda da estabilidade econômica
em 1998); Lula, em suas duas vitórias, mostrou ser eleitoralmente
muito mais significativo que o PT; e, por fim, Dilma deveu muito
de sua eleição à estratégia de campanha que colou sua imagem
à de Lula.
Cada vez mais as propagandas institucionais dos governos, em
todos os níveis, também tentam associar as eventuais conquistas
– mesmo que indiretamente, já que a lei cria entraves para isso
– ao governante de plantão. No caso brasileiro, as sistemáticas
mudanças de partido por parte das lideranças políticas agravam
ainda mais o quadro.
O autor norte-americano Martin Wattenberg designa esse
fenômeno como a “ascensão da política centrada nos candidatos”.
Em resumo, ele sustenta que, quando a opinião pública tende à
neutralidade sobre os partidos, é o candidato quem polariza o
debate. A perda de referenciais ideológicos dos partidos ajudou
a deslocar o eixo da discussão para as supostas qualidades
dos candidatos e para fatores de curto prazo. Competência,
integridade, capacidade de decisão, carisma e atributos pessoais
(aparência, idade, religião, saúde etc.) preenchem o espaço
deixado vago pela discussão política, sobretudo, em disputas
pouco ideologizadas.
Há muitos riscos e problemas nesse modelo: a sociedade fica à
espera daquele que nos redimirá dos problemas como se essa
liderança existisse. Má notícia para quem espera por isso: na vida
real, só há homens e mulheres, não heróis. Ou a sociedade se or-
ganiza para discutir seus problemas e apresentar soluções – e os
partidos políticos deveriam ser fóruns para isso – ou o país conti-
nuará à espera de “salvadores” que nunca chegarão. Ou pegamos
coletivamente o destino do espaço público em nossas mãos, o
que implica que temos todos que participar do jogo político, ou
os muitos problemas que se arrastam historicamente, mesmo
que o país tenha avançado muito nos últimos anos, tendem a se
perpetuar.
Não é com um discurso mitológico, em que políticos são transfor-
mados em “paladinos”, que se enfrentam os problemas coletivos.
Ao contrário, é com trabalho duro de todos – dos políticos, dos
partidos, da sociedade organizada, dos cidadãos. Em resumo,
com a recuperação da atividade política como meio de transfor-
mação da realidade, e não como mero teatro burlesco.
*Professor da Faculdade de Comunicação/UFJF; mestre e doutor em Ciência Política pelo Iuperj; jornalista pela UFRJ; co-organizador dos livros “Mídia e identificação política” (Editora Multifoco, 2011) e “Identidades midiáticas” (E-Papers, 2009); autor dos livros “Identidades políticas e perso-nagens televisivos” (Editora Corifeu, 2007), “O PT e o dilema da representação política” (Editora da Fundação Getúlio Vargas, 2005) e “Os debates petistas no final dos anos 90” (Editora Sotese, 2004)
POLÍTICA
A3 - ABRIL A SETEMBRO/201212
A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012
Uma série de estudos pioneira no Brasil, produzida no Pro-
grama de Pós-graduação em Economia da Universidade
Federal de Juiz de Fora (UFJF), analisa o quanto 32 se-
tores produtivos requerem do transporte rodoviário, ferroviário,
fluvial, aéreo e marítimo quando destinam seus produtos para
exportação. Entre as pesquisas produzidas está a dissertação
de Admir Antonio Betarelli Júnior, vencedora do 32º prêmio de
Economia do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social (BNDES), em 2011, na categoria mestrado.
A escolha por investigar a exportação tem razões claras para Be-
tarelli, que, atualmente, cursa parte do doutorado pela Universi-
dade Federal de Minas Gerais (UFMG) nos Estados Unidos. O vo-
lume brasileiro de vendas para o exterior vem crescendo. Houve
recorde, em 2011, quando foram alcançados US$ 256,04 bilhões,
quase cinco vezes mais do que os US$ 60 bilhões de 2002. Esse
avanço pode acarretar ainda mais depreciação física da estrutura
de movimentação de carga, estrangulamento em determinados
pontos do sistema de transporte, ampliação do tempo de estoca-
gem de produtos e elevação do custo da mercadoria. Situações
assim se repetem todo ano. Em fevereiro de 2012, empresários e
motoristas interditaram a BR-364, em Rondônia, para exigirem
reparo na estrada para escoar a produção de grãos. Em maio de
2011, caminhões fizeram fila com mais de 30 quilômetros de ex-
tensão para embarcar material no porto de Paranaguá, no Paraná.
E, em 2006, aeroportos sofreram apagão.
RAUL MOURÃO | repórter
Estudos pioneiros radiografam sistemas de transportes utilizados para exportar produtos
ENTRE AS PESQUISAS REALIZADAS ESTÁ A DISSERTAÇÃO VENCEDORA DO 32º PRÊMIO DE ECONOMIA DO BNDES,
EM 2011, PRODUZIDA NO MESTRADO DA ÁREA NA UFJF
Conforme a orientadora da dissertação, professora Suzana Qui-
net, “o trabalho fornece informações de demanda que subsidiam
as decisões dos planejadores públicos na elaboração de políticas
setoriais de exportação, direcionadas para não comprometer a
atual oferta de transporte no Brasil, e para a realização de novos
investimentos em infraestrutura que suporte uma participação
contínua ou expansiva do país no mercado internacional”. A ne-
cessidade de pesquisa é ainda mais importante, pois a aplicação
de recursos na área é uma das mais altas e arriscadas, porque exi-
ge capital inicial volumoso e possui estimativa de uso complicada.
O Rodoanel Mário Covas, que circunda a Região Metropolitana de
São Paulo, é um exemplo. Somente para a construção do trecho
Norte, de 44 quilômetros, serão gastos R$ 6 bilhões.
Na dissertação “Análise dos modais de transporte pela ótica dos
blocos comerciais: uma abordagem intersetorial de insumo-pro-
duto”, Betarelli analisou as exportações do Brasil destinadas ao
Mercosul (para Argentina, Paraguai e Uruguai), União Europeia,
Nafta (Tratado Norte-Americano de Livre Comércio, composto
por Estados Unidos, México, Canadá e Porto Rico) e restante do
mundo. Os dados da dissertação, defendida em 2007, são de
2003, mas ainda se mantêm atuais. “Isso porque a distribuição
de carga, por modal, para as exportações brasileiras, feita pelo
Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior
(MDIC), ainda se mostra concentrada nos principais portos e vias
de transporte, tendo, portanto, certa rigidez.” Ainda de acordo
com o economista, quando a grande parte dos investimentos do
TESES E DISSERTAÇÕES
13
A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 1 e 2) estiver em
operação, será possível observar mudanças no fluxo de carga
visando ao exterior. “Contudo, tenho dúvidas se tais mudanças
serão significativas, pois existem corredores de transporte con-
solidados no Brasil.”
TONELADAS DE DADOSPara chegar ao resultado, o economista recorreu a diversos ban-
cos de dados. O objetivo era reunir informações sobre a quanti-
dade de toneladas transportadas das 32 atividades econômicas,
como agropecuária e siderurgia, por meio dos cinco modais de
transporte - aéreo, ferroviário, fluvial, marítimo e rodoviário - para
cada bloco comercial. “Uma das principais contribuições desse
trabalho consistiu na preparação dos dados.”
O levantamento incluiu o quanto saiu de cada local de embarque
e foi enviado aos países compradores, cujo total é mais fácil de
ser encontrado. E também a quantidade e a forma com que essas
mercadorias chegaram até os portos, aeroportos e outros pon-
tos de envio - a parte mais trabalhosa da pesquisa. Foi preciso
destrinchar relatórios, entrar em contato com administradoras
de ferrovias e com pesquisadores da área e, quando necessário,
também verificar como era o acesso logístico aos portos e aero-
portos para deduzir o modelo de transporte usado. O que chegou
ao porto de Salvador (BA), por exemplo, foi todo creditado às
rodovias, que eram sua única forma de ingresso. Apenas o último
tipo de transporte usado, antes de a mercadoria sair do país, foi
considerado no estudo, devido à falta de informações sobre toda
a cadeia.
TESES E DISSERTAÇÕES
UNIÃO EUROPÉIA
NAFTA RESTANTE DO MUNDO
14
A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012
Com isso, Betarelli soube quantas toneladas circularam pelo país e
por qual via e quantas foram distribuídas para o Mercosul, a União
Europeia, o Nafta e o restante do mundo e, também, como foram
levadas, se pelo mar, pela terra ou pelos rios. A partir daí, o autor
classificou os produtos exportados em uma das 32 atividades
econômicas, com base em um estudo de seu então co-orientador,
e atual pró-reitor de Pós-graduação da UFJF, Fernando Perobelli.
Com os dados em mãos, o ex-aluno da UFJF calculou tudo em uma
“matriz híbrida intersetorial de insumo-produto”, que permite um
panorama sobre a intensidade de uso, efeitos multiplicadores e
outros aspectos sobre o transporte e a exportação. Nesse tipo de
arranjo matemático, os números são organizados em linhas - em
que são listados os materiais exportados, considerados insumos
-, e em colunas - em que aparecem os modais de transporte, in-
corporados como setores. Cada um dos quatro blocos comerciais
ganhou uma matriz. A partir dos cálculos nos arranjos, é possível
obter uma gama de resultados e análises.
DO BRASIL PARA O MUNDOAlém de outras formas de apresentação da coleta, Betarelli pre-
parou uma escala com o efeito multiplicador de uma atividade,
representando o quanto ela requer direta e indiretamente do sis-
tema de transporte. O grau vai de ínfimo (20% de efeito), baixo
(20% a 40%), moderado (40% a 60%), alto (60% a 80%) e muito
alto (acima de 80%). “Se um setor tem um grande número de
fornecedores, quando suas exportações aumentam, ele também
demandará insumos dos demais setores e assim do transporte,
portanto, terá efeito alto ou muito alto.” Caso haja mais venda
de itens de agropecuária para a China, haverá a possibilidade de
atingir outros grupos. Ou se uma empresa ou governo desejar
intensificar a relação com a União Europeia, será preciso saber
se o país possuirá infraestrutura para isso, pois uma determinada
atividade pode ter efeito multiplicador alto e, conforme o caso,
já estar exigindo demais de rodovias ou ferrovias. É um tipo de
reação em cadeia.
“Quando o Brasil exporta para o Mercosul, verifica-se que meta-
lurgia de não-ferrosos (como zinco, alumínio e cobre) é o setor
que exerce significativo peso sobre a maioria da demanda dos
modais. Dentre as toneladas de itens exportados, 54,7% são re-
lacionados ao chumbo, seguido de cobre e estanho (ambos com
21%). A atividade ainda tem poder muito alto de multiplicação
sobre o uso fluvial, marítimo, ferroviário e rodoviário. Siderurgia
e agropecuária são outros dois conjuntos expressivos quando o
país visa ao Cone Sul. O investimento nessas áreas pode surtir
efeitos em cadeia mais intensos do que em outras. Para a região,
as rodovias são utilizadas para exportar mais de 70% da pro-
dução da indústria têxtil, de artigos plásticos, celulose, papel e
gráfica. Embora o modal rodoviário seja fortemente empregado
nas vendas para a Argentina, o Paraguai e o Uruguai, os efeitos
propagadores são baixos ou ínfimos, ou seja, o aumento no uso
das rodovias não influenciaria intensamente outros setores ou
nem causaria transtornos consideráveis para a infraestrutura de
transporte.
A fim de atender a União Europeia, a extração mineral - de es-
córias, cinzas, minérios e outros - é a atividade que exerce mais
demanda sobre a via marítima, o modal mais empregado na re-
lação comercial com o Velho Continente. Se houver o acréscimo
de R$ 1 milhão no volume de exportação desses minerais para
os países do bloco europeu, a tendência é que haja o acréscimo
de 6.510 toneladas pela via marítima. “Aliás, dentre os modais, o
marítimo é o único capaz de transportar mercadorias, em larga
escala, em longo curso e a um custo menor, para continentes que
não fazem fronteira com a América do Sul”, explica Betarelli. Em
contraposição, o uso de aeronaves é o menos empregado, por ser
mais caro e limitar grandes volumes.
Para os países do Nafta, os que produzem mais forte pressão são
metalurgia dos não-ferrosos (zinco, cobre, estanho e outros) e
material elétrico. E o principal caminho também é o mar. Para
chegar até os portos, a produção escoa, principalmente, pelas
rodovias e ferrovias. “Esse fato se deve à maior participação na
pauta exportadora de setores econômicos intensivos no uso do
modal rodoviário: fabricação de açúcar, madeira e mobiliário, ele-
mentos químicos e indústria do café.”
Quando o foco são os países que não se enquadram em nenhum
dos blocos comerciais analisados (restante do mundo), o trans-
porte ferroviário é o modal central para o escoamento de mer-
cadorias até o ponto de embarque, principalmente, na área de
extração mineral, siderurgia e metalurgia. “As exportações para o
restante do mundo, além do alto peso, exercem, potencialmente,
pressões mais significativas sobre os modais de transporte, ge-
TESES E DISSERTAÇÕES
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A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012
Admir Antonio BetArelli Júnior Graduou-se em CiênCias eConômiCas pela universidade metodista de piraCiCaba (unimep/sp); ConCluiu o mestrado em eConomia apliCada na uFJF;
Cursa, aGora, parte do doutorado pela uFmG na universidade de illinois – em urbana e ChampaiGn, nos estados unidos
baixe a dissertação em http://miGre.me/7ZC4a
e um artiGo também premiado em http://miGre.me/7ZCpp
www.uFJF.br/poseConomia/
MAIS
rando grande número de setores com alto ou muito alto poder de
multiplicação.” A União Europeia aparece em segundo com esse
potencial.
“Caso fosse feita uma análise de demanda apenas com os dados
do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior,
RODOVIÁRIOEXTRATIVA MINERAL
MINERAIS NÃO-METÁLICOSSIDERURGIA
METALURGIA DE NÃO-FERROSOSMADEIRA E MOBILIÁRIO
ELEMENTOS QUÍMICOS (NÃO-PETROQUÍMICOS)FABRIÇÃO DE AÇÚCAR
MARÍTIMOEXTRATIVA MINERAL
MINERAIS NÃO-METÁLICOSSIDERURGIA
METALURGIA DE NÃO-FERROSOSOUTROS METALÚRGICOS
MATERIAL ELÉTRICO ELEMENTOS QUÍMICOS (NÃO-PETROQUÍMICOS)
FERROVIÁRIOEXTRATIVA MINERAL
EXTRAÇÃO DE PETRÓLEO, GÁS E OUTROSMINERAIS NÃO-METÁLICOS
SIDERURGIAMETALURGIA DOS NÃO-FERROSOS
OUTROS METALÚRGICOSMATERIAL ELÉTRICO
OUTROS VEÍCULOS, PEÇAS E ACESSÓRIOSELEMENTOS QUÍMICOS (NÃO-PETROQUÍMICOS)
INDÚSTRIAS DIVERSAS
FLUVIALEXTRATIVA MINERAL
MINERAIS NÃO-METÁLICOSSIDERURGIA
METALURGIA DE NÃO-FERROSOSOUTROS METALÚRGICOS
MATERIAL ELÉTRICO ELEMENTOS QUÍMICOS (NÃO-PETROQUÍMICOS)
INDÚSTRIAS DIVERSAS
os efeitos indiretos estariam ocultos por não considerar toda
a relação de compra e venda do sistema produtivo. Com esse
mapeamento, é possível discutir os efeitos do crescimento das
exportações e suas prováveis repercussões nos principais modais
de transporte.”
O QUE CADA TIPO DE TRANSPORTE LEVA MAIS PARA OS QUATRO BLOCOSEssas atividades aparecem mais vezes entre as que mais são transportadas para a maioria dos blocos
TESES E DISSERTAÇÕES
16
Há mais de 30 anos o Brasil envia estudantes de
mestrado, doutorado e pós-doutorado ao exterior.
Foi parte dessa massa crítica que permitiu ao país não
só implantar sua própria pós-graduação, como fincar
as estacas de instituições sólidas como Embraer e Petrobras, por
exemplo. Também foi essa mobilidade, espargida agora para além
do horizonte com a criação do programa Ciência sem Fronteiras,
gerenciado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico (CNPq) e pela Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior (Capes), que possibilitou, entre
outras coisas, absorver volume de conhecimento que ajudou o
Brasil a ocupar hoje a 13ª posição no rol dos produtores de artigos
científicos, ficando à frente de países como Canadá e Rússia.
Em paralelo, o país contribui no momento com 2,5% do
conhecimento científico produzido anualmente no mundo.
Todavia, quanto desse volume chega ao conhecimento da
população? Quando, onde e quem pesquisa no Brasil? Que ciência
chega ao dia a dia das pessoas? As respostas a essas indagações
ainda são balbucios e não afirmações consistentes.
Pesquisa sobre a percepção pública da ciência feita no Brasil
e outros países da América Latina mostra que a população é
ávida por informação científica. Entretanto, 90% dessa amostra
nacional de interessados por assuntos científicos não são capazes
de citar o nome de meia dúzia de cientistas brasileiros ou, diante
de uma listagem de personalidades, sabe distinguir pelo menos
três grandes figuras do meio.
Parte dessa incômoda realidade se deve à nossa pálida divulgação
científica. A decantada popularização da ciência, embora
cantarolada em janelas escancaradas, ainda não tem prosa e
versos completos. Faltam jornalistas com conhecimento do
universo científico para traduzir as pesquisas à população, para
mostrar onde, quanto e o que produzimos de ciência, assim como
quem e porque recebe parte dos impostos que todos pagam,
para desenvolver estudos e pesquisas.
Quando as pessoas se dizem interessadas pelo conhecimento
sobre ciência, mas não recebem informação adequada,
permanecem questionando com viés negativo e melindroso o
porquê de se investir em programas como o espacial, o nuclear e
mesmo o astronômico, quando morremos de tuberculose.
Até mesmo para os jornalistas, que esporadicamente esbarram
em pautas científicas, essa resposta pode parecer destoante.
Assim como ainda estamos anêmicos na composição do
quadro de cientistas, estamos desguedelhados na formação de
comunicadores científicos. Jornalismo científico não aparece
como disciplina optativa nem em meia dúzia de universidades
do país e os cursos e outras iniciativas que hoje se propõem a
colaborar na formação de profissionais para a área acabam
sendo iniciativas paroquiais. Muito timidamente ainda os
espaços para divulgação científica vão se alargando, inclusive
na mídia comercial, mas faltam jornalistas preparados; uma
ampla discussão dos patamares e rumos a seguir, bem como da
imprescindível postura crítica que deve permear uma divulgação
científica séria e robusta. Isso tudo sem esquecer que as fontes
produtoras de conhecimento científico, como universidades e
centros de pesquisas, por exemplo, ainda carecem de programas
e projetos de divulgação científica e quando os têm, lhes falta
quem domine as competências necessárias para executá-los.
O terceiro lado do círculoUbirajara Moreira da Silva Júnior*
* Bacharel em Comunicação Social pela UFJF, atua há 15 anos no jornalismo científico; assessor de Comunicação Social do CNPq
17
DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA
A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012 17
ENCONTROS POSSÍVEIS
Parceria entre pesquisadores da UFJF e Harvard conquista espaço em publicações internacionais
OS CIENTISTAS ROSSANA MELO (UFJF) E PETER F. WELLER (HARVARD)
CONVERSAM SOBRE AS DOENÇAS INFECCIOSAS E ALÉRGICAS, OS AVANÇOS
DA MEDICINA NESTES ESTUDOS E A IMPORTÂNCIA DA COOPERAÇÃO
INTERNACIONAL. JUNTOS, JÁ PRODUZIRAM 23 ARTIGOS CIENTÍFICOS E
FIRMARAM ACORDO ENTRE SEUS GRUPOS DE PESQUISA
CAROLINA NALON | repórter
O peso de trabalhar na mesma área do pai, prêmio
Nobel de Medicina e Fisiologia, não impediu
Dr. Peter F. Weller de se destacar na pesquisa
científica. Pelo contrário. O professor titular da
Universidade Harvard (EUA) coleciona números impressionantes:
300 publicações na área da biologia da inflamação e quase 12 mil
citações na Web of Science. Weller, atualmente chefe da Divisão
de Doenças Infecciosas e da Divisão de Alergia e Inflamação do
Hospital Beth Israel da Escola de Medicina de Harvard, é, ainda,
editor associado do prestigiado periódico “Journal of Infectious
Diseases.” Pelo conjunto dos trabalhos, em 2011 foi premiado pela
National Institutes of Health (NIH), a maior agência de fomento a
pesquisa dos Estados Unidos na área de saúde.
A3 - ABRIL A SETEMBRO/201218
A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012
ENCONTROS POSSÍVEIS
No “Encontros Possíveis” deste número, a professora do Depar-
tamento de Biologia da Universidade Federal de Juiz de Fora
(UFJF) Rossana Melo conversa com Weller e aborda sua carreira
e contribuições para os estudos de um tipo específico de leucóci-
to – os eosinófilos, células sanguíneas derivadas da medula óssea.
Weller cita de forma bastante modesta a pesquisa desenvolvida
pelo pai, Thomas Weller, e relembra parcerias e projetos desen-
volvidos com pesquisadores brasileiros. Seu laboratório serviu de
“estágio” para diversos pós-doutorandos, inclusive para Rossana,
que passou uma temporada em Harvard entre 2002 e 2005. A
experiência foi extremamente produtiva. Rossana e Weller já pro-
duziram 23 artigos científicos em parceria e firmaram cooperação
entre seus grupos de pesquisa. Ela se tornou professora visitante
de Harvard em 2006, onde também atua como consultora em
projetos financiados pelo NIH.
Rossana Melo: Dr. Weller, você tem tido uma carreira científica produtiva, centrada no entendimento de mecanismos básicos de funcionamento de células humanas de defesa (leucócitos) em diferentes formas de inflamação. O que o levou a esta carreira?
Peter F. Weller: Inicialmente, meu interesse científico estava
relacionado com infecções humanas causadas por parasitas
helmínticos (vermes) e a notável resposta imunológica do
hospedeiro, caracterizada pelo número elevado de eosinófilos,
desenvolvida contra estes parasitas. Como esta resposta dos
eosinófilos aos vermes era a mesma observada em muitas doenças
alérgicas, meu treinamento como médico em Harvard acabou
incluindo as doenças infecciosas e as alérgicas. Posteriormente,
como bolsista do National Institutes of Health (NIH), e estudando
filariose humana no Sul do Pacífico, foquei meus trabalhos no
entendimento de mecanismos básicos ligados à patogenicidade
e, especialmente, sobre as funções de leucócitos humanos.
Rossana: E o que você considera serem suas principais contribuições para a área?
Weller: Minhas pesquisas sobre a filariose humana (doença para-
sitária crônica causada por vermes nematóides – filárias) identifi-
caram habilidades ainda não conhecidas a respeito dos parasitas
causadores da doença (Wuchereria bancrofti), como a capacida-
de de sintetizar moléculas envolvidas na sobrevivência destes pa-
tógenos. Em seguida, direcionei meus estudos na imunobiologia
de eosinófilos. Em conjunto com muitos colaboradores, fomos os
primeiros a demonstrar que eosinófilos secretam leucotrieno C4
(LTC4), molécula envolvida na inflamação; a identificar organelas
A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012 1919
A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012
ENCONTROS POSSÍVEIS
celulares (corpúsculos lipídicos) com função de síntese de media-
dores inflamatórios; a demonstrar que eosinófilos humanos são
fonte de citocinas e que estas são pré-formadas em grânulos ci-
toplasmáticos; e a elucidar mecanismos de secreção de citocinas
em eosinófilos. Demonstramos, ainda, que os grânulos intracelu-
lares de eosinófilos, quando liberados extracelularmente, funcio-
nam como organelas secretoras independentes, e que eosinófilos
atuam como células apresentadoras de antígenos.
Rossana: Realmente, o entendimento de aspectos básicos dos eosinófilos, ou seja, de sua estrutura e funcionamento, é cru-cial para o tratamento de doenças inflamatórias, como, por exemplo, da asma, doença respiratória crônica, de causas não completamente conhecidas, que afeta cerca de 235 milhões de pessoas no mundo, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). No passado, o papel dos eosinófilos parecia ligado particularmente a doenças parasitárias. No entanto, a associação frequente dessas células com inúmeras doenças despertou grande interesse no estudo de sua biologia. Tanto o é que, em 1999, foi criada uma sociedade internacional, a Inter-national Eosinophil Society (IES), focada exclusivamente neste tipo celular. Em relação aos trabalhos desenvolvidos em parce-ria com cientistas brasileiros, o que você pode nos dizer sobre estas experiências?
Weller: Eu tenho sido particularmente afortunado em receber
cientistas treinados no Brasil como parte de minha equipe
de pesquisa. Estes cientistas vieram, inicialmente, como pós-
doutores e, posteriormente, deram continuidade às suas
renomadas carreiras, com trabalhos de reconhecimento
internacional. Patrícia Bozza (pesquisadora da Fundação
Oswaldo Cruz) foi a primeira pós-doutoranda brasileira em meu
laboratório e contribuiu com estudos inovadores sobre organelas
inflamatórias (corpúsculos lipídicos) em leucócitos. Outros pós-
doutorandos brasileiros incluem Christianne Bandeira-Melo
(UFRJ), Sandra Rodrigues (Fiocruz) e Josiane Neves (UFRJ),
as quais contribuíram substancialmente em estudos sobre a
imunobiologia de eosinófilos. Você, Rossana, vem sendo, por
uma década, uma colaboradora com experiência e habilidade
fantásticas em técnicas avançadas de microscopia eletrônica e
imunocitoquímica. Os trabalhos desenvolvidos em parceria com
o Grupo de Pesquisas em Biologia Celular da UFJF têm permitido
entender mecanismos de inflamação até então desconhecidos,
relacionados com transporte vesicular, secreção de citocinas
e corpúsculos lipídicos em eosinófilos humanos. Os resultados
vêm sendo publicados em revistas de excelência, de alto fator de
impacto, como “Proceedings of the National Academy of Science
of the United States of America (Pnas)”, “Blood” e “Faseb Journal”.
Os projetos em andamento com a UFJF incluem, também,
estudos em modelos experimentais. Eu me sinto gratificado por
ter me beneficiado das contribuições científicas de meus colegas
brasileiros em meu laboratório e também reconheço a importância
das contribuições geradas a partir de estudos em seus próprios
laboratórios de origem para a ciência mundial.
Rossana: Para nós, cientistas, é mesmo fundamental a parceria, não só em função da troca de conhecimento mas, também, pela oportunidade de termos contato com técnicas mais avançadas, como no caso da tomografia eletrônica automatizada. Esta tec-nologia permite estudar a organização interna das células em três dimensões e em alta resolução, revelando com precisão dados sobre a arquitetura celular e permitindo entender melhor a atividade funcional das células e suas respostas em diferentes situações, incluindo respostas a doenças. No caso dos nossos estudos, a tomografia eletrônica permitiu entender como os eosinófilos compartimentalizam seus estoques de citocinas e, posteriormente, mobilizam estas moléculas quando estimula-dos em situações de inflamação. Os eosinófilos estocam deze-nas de moléculas em seus grânulos secretores, mas são capazes de selecionar qual molécula deve ser especificamente liberada numa determinada resposta celular. Com a tomografia associa-da a outras técnicas, como por exemplo, nanopartículas ligadas a anticorpos (imunonanogold), identificamos os compartimen-tos celulares onde estas moléculas são transportadas. Os dados obtidos por nossos estudos com a tomografia eletrônica, com-binada a outras técnicas, resultaram em capas de duas revistas internacionais, além de uma importante premiação na Suíça em 2004. A tomografia eletrônica já vem sendo usada pelo Gru-po de Pesquisas em Biologia Celular da UFJF por meio de uma parceira com o Centro de Microscopia da UFMG. Porém, a par-tir da implantação do nosso Centro de Microscopia Eletrônica, aprovado em proposta de financiamento da Finep, poderemos ter acesso à tomografia eletrônica na própria UFJF, o que será um grande ganho para toda a comunidade científica. Pela sua experiência, quais são ainda as barreiras encontradas no nosso país para o avanço da pesquisa e para o reconhecimento na área acadêmica e científica?
“Os projetos em andamento com a UFJF incluem, também, estudos em modelos experimentais. Eu me sinto gratificado por ter me beneficiado das contribuições científicas de meus colegas brasileiros em meu laboratório e também reconheço a importância das contribuições geradas a partir de estudos em seus próprios laboratórios de origem para a ciência mundial”
(Peter F. Weller)
BOOKSTORE NA UNIVERSIDADE HARVARD
20
A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012
Weller: Os cientistas brasileiros com os quais eu tenho interagido
são experimentalistas soberbamente e rigorosamente treinados.
Assim como em qualquer país, inclusive o meu, nós precisamos
ter certeza de que nossos cientistas em formação terão apoio
para suas carreiras acadêmicas e científicas. A excelência dos
cientistas brasileiros e suas contribuições certamente irão asse-
gurar o reconhecimento crescente do país no contexto global da
ciência.
Rossana: O Brasil é afetado por várias das principais doenças tropicais negligenciadas (neglected tropical diseases – NTDs) como a doença de Chagas, leishmaniose, esquistossomose e dengue. Não existe vacina contra a maioria dessas doenças. Como os estudos envolvendo mecanismos básicos de infla-mação podem contribuir para o entendimento e combate das NTDs?
Weller: Os diversos agentes (patógenos) que causam doenças in-
fecciosas desenvolvem-se em seus hospedeiros mamíferos. Para
alguns deles, deficiências na resposta imune inata do hospedeiro
levam estes patógenos a causar doenças. Para outros patógenos,
a relação entre eles e as respostas imunes e inflamatórias do hos-
pedeiro contribuem para a morbidade das doenças infecciosas.
Desta forma, o conhecimento de como as doenças infecciosas
desencadeiam a resposta inflamatória do hospedeiro pode per-
mitir o uso de novas metodologias para tratar as infecções em
humanos, incluindo o desenvolvimento de vacinas. Obviamente,
é importante também enfatizar, em paralelo, melhorias relacio-
nadas com controle dos vetores, medidas sanitárias e questões
socioeconômicas.
Rossana: Certamente, a pesquisa básica é fundamental para se entender como as células do hospedeiro respondem a doenças infecciosas, ou seja, como as células do indivíduo infectado se
ENCONTROS POSSÍVEIS
BOOKSTORE NA UNIVERSIDADE HARVARD FOTO: ROSSANA MELO
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A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012
ENCONTROS POSSÍVEIS
MAISRossana Melo
editora do livro “liGht miCrosCopy: methods and protoCols”, publiCado pela editora sprinGer/humana press; autora da obra “Células
& miCrosCopia: prinCípios básiCos e prátiCas”, publiCado pela uFJF; Coordenadora do proJeto de implantação do Centro de miCrosCopia
eletrôniCa na uFJF (pro-inFra/Finep); FaZ parte da equipe do núCleo em miCrosCopia e miCroanálise de alta resolução dentro do pro-
Grama pronex, aprovado reCentemente pela FapemiG; orientadora de mestrado e doutorado na FioCruZ (proGrama de bioloGia Celular e
moleCular), na uFmG (proGrama de bioloGia Celular) e na uFJF (proGrama de eColoGia)
além do extenso CurríCulo Já menCionado, peter F. weller é, ainda, editor do livro “tropiCal inFeCtious diseases: prinCiples, pathoGens,
and praCtiCe”, publiCado pela editora saunders, Já em sua 3ª edição.
comportam, quais os produtos que secretam, como elas intera-gem com os agentes infecciosos e como elas podem combater estes agentes. Infelizmente, a complexidade das respostas celu-lares do hospedeiro às NTDS constitui um grande desafio para o desenvolvimento de vacinas. Veja como exemplo a doença de Chagas, causada pelo parasita Trypanosoma Cruzi. Mesmo após mais de cem anos de sua descoberta (em 1909, pelo médico e cientista brasileiro Carlos Chagas, que descreveu em detalhes o ciclo completo do parasita), ainda não temos um panorama completo dos mecanismos da doença, o que dificulta seu tra-tamento. Pesquisas do Grupo de Biologia Celular da UFJF têm contribuído para o entendimento sobre o funcionamento de cé-lulas da primeira linha de defesa (macrófagos) geradas pelo or-ganismo contra a doença de Chagas. O Grupo tem também pes-quisado ativamente mecanismos básicos celulares em resposta a outras doenças infecciosas como tuberculose, leishmaniose, esquistossomose e lepra. Projetos em andamento também têm como foco investigações sobre a interação parasita-hospedeiro--meio ambiente, com o objetivo de se entender a doença no contexto ecológico. Por falar em pesquisa básica relacionada a doenças infecciosas, comente sobre os estudos de seu pai, Thomas Weller.
Weller: Meu pai, com seus trabalhos envolvendo culturas do vírus
da poliomielite, ganhou o prêmio Nobel em Medicina e Fisiologia
em 1954 (em conjunto com John Enders e Frederick Robbins).
Seus estudos contribuíram para o desenvolvimento da vacina
antipólio que erradicou a doença das Américas. Meu pai tinha
grande interesse no estudo de doenças tropicais e, na qualidade
de chefe do Departamento de Saúde Pública Tropical na Facul-
dade de Saúde Pública da Universidade Harvard, estabeleceu, em
1970, um programa de colaboração em Salvador (BA), focado em
estudos sobre a doença de Chagas e esquistossomose.
Rossana: No ano passado, Peter Salovey, um dos líderes admi-nistrativos da Universidade Yale, visitou o Brasil à procura de estudantes talentosos para estudar naquela universidade. Ele disse que “uma universidade global era prioridade de Yale”.Você acha que universidades tradicionais como Yale e Harvard estão mais devotadas ao processo de internacionalização?
Weller: Harvard sempre valorizou a presença de estudantes
e pesquisadores internacionais, pois acredita na diversidade
cultural como elemento de suma importância para o crescimento
acadêmico. Com a emergência do interesse em saúde global e
outros problemas globais, como questões ecológicas, Harvard
encontra-se totalmente focada em expandir oportunidades
voltadas para a cooperação internacional.
Rossana: Realmente, a colaboração internacional é fundamental para encontrar soluções para problemas que desafiam o mundo. Como pesquisadora e secretária de Relações Internacionais da UFJF não poderia deixar de ratificar que é impossível pensar em excelência acadêmica sem internacionalização. Conforme vem sendo amplamente discutido no âmbito das instituições de ensino e pesquisa e, no momento, exaustivamente pelo Governo Federal (o Programa Ciência sem Fronteiras é um dos exemplos), um ambiente acadêmico com estudantes com diferentes experiências é enriquecedor. A internacionalização na UFJF já é uma realidade e vem sendo tratada como uma das principais estratégias de crescimento institucional. Obrigada, Dr. Weller, pela entrevista. Eu e a UFJF nos sentimos honradas pela longa e produtiva parceria científica com o seu grupo.
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Tudo se passa, em nosso estado de civilização industrial, como se,
tendo inventado alguma substância, inventassem, conforme suas
propriedades, uma doença que ela curasse, uma sede que ela pu-
desse aplacar, uma dor que ela abolisse. Inoculam-nos, portanto,
gostos e desejos que não têm raízes em nossa vida fisiológica
profunda, mas que resultam de excitações psíquicas ou sensoriais
deliberadamente infligidas. O homem moderno se embriaga de
dissipação.
O parágrafo acima, escrito pelo poeta francês Valéry ainda em
1935, resume belissimamente este movimento de busca do prazer
e/ou evitação do sofrimento, que parece hoje acentuado. Sempre
traduzidas e exploradas por diferentes campos tecnológicos, as
novas utopias permitem aos cidadãos sonharem com o preenchi-
mento de suas, cada vez mais exigentes, demandas. Dos bens de
consumo à estética, dos esportes à política, nossa sociabilidade
está fortemente marcada pela dissipação acima de tudo.
Neste contexto, a produção, a circulação e o consumo de subs-
tâncias psicoativas têm merecido destaque na mídia, em especial
pela violência associada às chamadas drogas ilícitas. Todavia,
costuma ser esquecido que o uso de drogas — ou melhor dito, de
substâncias psicoativas —, sempre se associou a diferentes ritos
culturais, que incluem desde comportamentos vinculados aos
prazeres físicos e eróticos até práticas mais típica e caracteristi-
camente religiosas.
Em especial nas últimas décadas, a crescente oferta de psicoati-
vos se associou a processos sociais de natureza diversa, dentre os
quais os movimentos migratórios e a urbanização acelerada, os
movimentos hippie e yuppie e, mais recentemente, o hedonismo
de mercado, tal como observado entre frequentadores das raves.
Contudo, drogas não são apenas substâncias psicoativas de uso
ilícito: nosso insuspeito cafezinho já foi proibido em alguns países
e as substâncias de prescrição médica, como tranquilizantes e
anfetaminas (inibidores do apetite) e certos analgésicos também
podem levar a uma Síndrome de Dependência.
Se o beber pesado e o uso de drogas ilícitas constituem uma
parte mais visível da cultura de nossos dias, os possíveis abusos
também estão presentes na prescrição e utilização dos psicofár-
macos — mediadas pela pressão da demanda, frequentemente
comprometida pelo viés de interesses inconfessos. Ainda que a
ciência possa ser vivida, ou vendida, como qualquer outra mer-
cadoria à disposição do mercado, parece razoável supor que sua
aplicação à saúde humana deveria associar-se a um conhecimen-
to eticamente bem fundamentado e metodologicamente bem
produzido. No entanto, a racionalidade e a moralidade dominan-
tes parecem conduzir a uma atualizada versão do “Pai Nosso”:
dai-nos hoje o Diazepan nosso de cada dia!
Um evidente contraponto ao hedonismo culturalmente dominan-
te foi expresso pela personagem Lóri, de Clarice Lispecto, em
“Livro dos Prazeres: Uma Aprendizagem”:
Lóri achava que estava certo o estado de gra-
ça não nos ser dado frequentemente. Se fosse,
(...) perderíamos a linguagem em comum.
(...) E se aparecesse mais amiúdo Lóri tinha certeza de que
abusaria: passaria a querer viver permanentemente em graça.
E isto representaria uma fuga imperdoável ao destino humano,
que era feito de luta e sofrimento e perplexidade e alegrias.
O uso médico (ou não) de substâncias psicoativas
Mário Sérgio*
* Psiquiatra; professor associado do Departamento de Clínica Médica da UFJF; doutor em Filosofia; coordenador do Laboratório de Pesquisas em Personalidade, Álcool e Drogas (Lappda-UFJF)
SAÚDE
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Eu olho uma coisa e vejo outra
Sandra Sato*
Eu não sei desenhar. Já fiz aulas, consegui colocar
algo sobre o papel, mas sei que não sei desenhar.
Dos artistas que conheço e admiro eu invejo a
sofisticação de abstrair para enxergar e se expressar
bidimensionalmente. Essa é uma habilidade adquirida que em
algumas pessoas é tão natural que parece fisiológico. Em mim
seria um esforço que pesaria na mão e doeria nos olhos. Penso
que isso reafirma minha escolha pelas formas tridimensionais.
O meu olhar no processo de criação se dá por outro caminho.
Ao invés de ver uma imagem tridimensional e traduzi-la para um
plano 2D, como fazem desenhistas e pintores, eu olho uma coisa
e vejo outra. A partir de uma figura humana enxergo um objeto,
em um conjunto vejo uma unidade, imagino uma forma no lugar
de outra, altero proporções. Então transformo potes de vidro em
lagartas, cavaletes em sofás, madeira em vidro, frases em objetos.
Esses produtos são derivados do olhar intuitivo, mas ruminados
antes de tomar forma, pois sou refém do princípio de que o
raciocínio deve agir sobre as ideias espontâneas em qualquer
processo de criação.
É que desconfio da “inspiração pura”. O pintor Décio Bracher
outro dia leu a minha mão e disse: “Você é Razão, sem frescura”.
Foi uma das coisas mais verdadeiras que alguém já usou para me
descrever. Era a primeira vez que ele falava comigo e ouso já me
sentir amiga dele por isso.
Engraçado que falar sobre processo de criação é, em si,
um processo de criação. Porque nós pensamos sobre o não
constumamos pensar, pensamos sobre o pensar. E isso é
outro exercício maravilhoso, representa aprimoramento pela
autoavaliação. Por isso, a minha atração por espelhos e reflexos,
cada vez mais presentes nas coisas que construo.
Venho de uma escola das palavras. Minha formação acadêmica
deriva das letras e tenho na redação um ganha-pão desde o
meu primeiro emprego, há exatos 30 anos. Desta combinação
entre a minha maneira de ver as coisas e a convivência com as
palavras, descobri nas artes plásticas um idioma no qual busco
fluência porque é uma alternativa eficiente para me comunicar.
Sou péssima para contar piadas, mas dizem que minha ironia faz
sentido quando componho um objeto. Falo muito, mas consigo
ser direta quando crio formas.
Fiquei feliz com esta oportunidade de contar tudo isso, justa-
mente agora. É que neste momento resgato minhas origens nas
artes plásticas, retomando as pesquisas sobre cerâmica, que foi a
primeira referência a me seduzir. É que a cerâmica sofre, eu diria,
de “múltipla personalidade”. É um material pré-histórico, dos pri-
meiros utilizados pelo homem para exercer seu raciocínio e aten-
de, ao mesmo tempo, a tecnologias de vanguarda em pesquisas
espaciais. Cobre o telhado das casas e é exposto em museus de
história e galerias de arte contemporânea. Assume praticamente
qualquer forma a partir do estado líquido, de massa ou de pedra
e, em qualquer dessas fases, pode ser reciclado. Também se reci-
cla conceitualmente.
Para mim, isso é uma metáfora. É como se o barro, ao se adaptar a
todas essas circunstâncias, aproveitasse todas as oportunidades,
graças a sua simplicidade e acessibilidade.
O que aconteceria se fôssemos assim?
ALÉM DA PALAVRA
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* Educadora do Museu de Arte Murilo Mendes (Mamm), mestre em Teoria da Literatura pela UFJF e doutoranda em Poéticas Visuais pela Universidade de São Paulo (USP)
ALÉM DA PALAVRA
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FOTO: JOÃO PAULO OLIVEIRA
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FEMININO
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Devastação do Feminino
Consideramos que o feminino, fonte de inquietação
inesgotável para Sigmund Freud, o fundador da
Psicanálise, foi fundamental na criação de sua teoria
revolucionária, a ponto de cogitarmos que ele não a
teria criado sem a “amável” contribuição das mulheres, sobre-
tudo, das histéricas, como bem analisa Colette Soler (2006), em
seu texto introdutório de “O que Lacan dizia sobre as mulheres”.
Desse modo, para que possamos introduzir uma reflexão sobre o
feminino, na Psicanálise, é imprescindível que retomemos o refe-
rencial teórico psicanalítico e, como este anunciou, tanto a emer-
gência desse conceito quanto suas nuances epistemológicas.
A marca radical que distingue o discurso psicanalítico do discurso
científico e de tantos outros saberes é o ancoramento da Psicaná-
lise situado no registro do desejo, e este, como efeito da falta. Isso
pode parecer óbvio, na medida em que não se pode desejar o que
se tem: só se quer o que não se possui. Assim sendo, essa falta a
que o ser humano está, inexorável e irremediavelmente subme-
tido é, de acordo com nossa reflexão, o que mais nos representa
como seres humanos que somos.
Se consideramos que, em Psicanálise, o feminino é um conceito
fundamental apontando para a falta que não pode ser represen-
tada, para Malvine Zalcberg (2002), a incompletude do feminino
não está, em absoluto, centrada em “menos”, através do qual cos-
tumava-se definir a mulher. Pelo contrário, o que está em questão
é um “não todo”. Dessa forma, visitado por mulheres ou homens,
o feminino é um lugar ilimitado.
A falta como prerrogativa do feminino e inerente à condição de
ser humano cria, já de antemão, impasses diante de qualquer ten-
tativa de encerrar esse conceito, de confiná-lo em um lugar, como
num dicionário da língua materna, por exemplo. Tal tentativa seria
inglória, na medida em que o feminino escapa por completo do
dizível, cabendo-lhe uma categoria de “sem registro”. Aludindo
à obscuridade impenetrável do conceito, Freud denominou a
feminilidade como “continente negro”.
Sem muito argumento e sem retórica que possa dizer sobre esse
indizível, propomos, nesta reflexão, o tal lugar como um “estado
da subjetividade” visitada tanto por homens – especialmente em
Regina Castelo*
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tempos atuais – quanto por mulheres, desde os tempos da doce e
sedutora Eva, aquela que deixou como herança às outras as do-
res do parto e o apego ao seu homem. Por isso haveria de sofrer,
afinal, foi responsável pela expulsão do casal do jardim do Éden.
É importante ressaltar que, para a Psicanálise, a subjetividade
em questão não é aquela apresentada no século iluminado que
se primou pela razão. Contrariamente, a Psicanálise aponta, no
rigor de seu objeto, para o não sabido, para uma razão outra des-
conhecida pelo cogito.
O feminino, portanto, quando interrogado, refere-se, entre outros
aspectos, às mulheres, aos gêneros, ao processo de sexuação.
Enfim, há um leque de dizeres sobre o feminino, embora, naquilo
que o conceito abrange, não se possa dizer tudo. O que podería-
mos supor da condição do feminino, já que, contemporaneamen-
te, subjaz um estado de devastação?
Estar devastado, como propõe este artigo, ou estar deslocado,
como propõe a psicanalista Maria Rita Kehl (2008), quando inves-
tiga as relações da mulher com a feminilidade, seus ajustes e de-
sajustes produzidos pelo campo cultural, já não mais importa, na
medida em que o feminino não é o mesmo. Ele já não está ligado
às condições específicas que davam à mulher a condição dessa
falta. A mulher de hoje não é mais a mulher do tempo de Freud.
Dessa forma, nesta sociedade narcísica da qual fazemos parte, o
feminino talvez já não se refira mais, quem sabe, a uma “falta a
ser”. Estaríamos presenciando uma etapa “tudo ser e tudo ter”,
que devastou a “falta a ser”, justo ela que nos coloca na ordem
desejante?
A devastação é um conceito, enquanto da Psicanálise, apresen-
tado e desenvolvido por Jacques Lacan, no texto “O aturdito”, e
diz respeito, como destaca, à relação mãe e filha. Constitui-se “na
mulher em sua maioria” e na relação com a mãe, de quem “como
mulher ela parece esperar mais substância do que do pai”.
Devastação, ou seja, “terra arrasada”, levaria, por consequência,
à reedição de relações amorosas devastadoras. Na falta da subs-
tância oriunda da mãe, algo que não é apresentado atualiza-se
pela vida afora através de acordos amorosos traçados pelos de-
vastados. Mulheres, e nesta atualidade, homens devastados, nos
são apresentados.
Nascidos em “terras arrasadas”, desprovidos de “tal” substância,
poderíamos refletir sobre um espaço árido nas relações afetuo-
sas neste contemporâneo, consequência talvez, quem sabe, desta
transmissão, sempre malograda, “fadada à perdição”, como pro-
põe Malvine Zalcberg, a qual uma mulher está sujeita sempre em
seu processo de “tornar-se mulher”.
Sigmund Freud propôs o termo catástrofe para referir-se ao epi-
sódio frequente na relação mãe e filha, e como proposto nesta
reflexão, na contemporaneidade, também verificado na relação
mãe e filho, quando uma mãe não pode viver-se como mãe e
como mulher, sem abdicar de nenhum desses dois aspectos pelos
quais sua feminilidade se constitui e é transmitida.
Nas mudanças operadas nas relações familiares, as conquistas e
avanços em campos inimagináveis pela mulher contemporânea
adicionaram a esta tarefa de mulher-mãe extrema complexidade.
A devastação do feminino sem dúvida reordena a atualidade,
instala-se como paradigma na medida em que edita novas formas
de ser sujeito, este, sempre efeito do amor.
* Professora convidada do Programa de Pós-graduação em Psicanálise: Subjetividade e Cultura da UFJF
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RESULTADOS INDICAM QUE O DESTINO MIGRATÓRIO DESSA ESPÉCIE SÃO AS ILHAS GEÓRGIA DO SUL E SANDWICH
DO SUL. PROJETO ANTÁRTICO BRASILEIRO CONVIDOU PESQUISADORES A FAZEREM PARTE DA MARCAÇÃO DE
BALEIAS NA ANTÁRTICA
Pesquisadores monitoram por satélite a rota das baleias Jubarte no litoral brasileiro
A cada inverno e boa parte da primavera, o litoral
brasileiro é refúgio obrigatório das baleias Jubarte,
mais especificamente no Banco dos Abrolhos,
ao largo do Sul do Estado da Bahia. A passagem
desse cetáceo já era do conhecimento dos nossos especialistas.
Mas o desafio de saber exatamente qual é o destino desses
mamíferos aquáticos e a trajetória de migração para, assim,
preservar a espécie, começa a ser desvendado por um grupo
de pesquisadores do Instituto Aqualie, no intitulado Projeto de
Monitoramento de Baleias por Satélite (PMBS).
Com o risco de extinção iminente – no século XX, só no litoral
Nordeste do Brasil 35 mil baleias foram mortas, até 1986, quando
foi instituída moratória da caça comercial por prazo indeterminado
– mapear seus hábitos ajudaria a discutir o problema permitindo
protegê-las de seus algozes. O avanço da tecnologia propiciou
um monitoramento ainda mais refinado, dando uma noção mais
precisa sobre o comportamento desses cetáceos.
Evitar a acelerada marcha da extinção é o principal motivador
dos naturalistas contemporâneos e embarcar em uma aventura
BÁRBARA DUQUE | repórter
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humana em busca do conhecimento científico parecia a única
maneira de salvar essas espécies. Estudos já mostravam que
a maior concentração de baleias da espécie Jubarte ocorria
no Banco dos Abrolhos, cerca de 85% da sua população, já as
rotas de migração e áreas de alimentação eram praticamente
desconhecidas. É estimado que existam hoje no litoral brasileiro
aproximadamente 17 mil cetáceos. Cada animal pode alcançar
16m e mais de 40kg.
Era preciso, então, investir em um sistema que permitisse detectar
os locais críticos por onde passam as baleias, avaliar o impacto
humano na vida desses animais e em seu habitat para viabilizar a
criação de mecanismos de proteção. O único processo conhecido
pelos pesquisadores capaz de solucionar tais questões seria a
Metodologia de Telemetria Satelital (MTS).
Em 2001, os pesquisadores Artur Andriolo, Alexandre Zerbini e
José Luis Pizzorno desenvolveram um projeto de dez páginas para
apresentar a possíveis patrocinadores, pois os custos da MTS são
muito altos. Para Andriolo, professor Associado do Departamento
de Zoologia, especialista em Comportamento Animal e orientador
nos programas de Pós-graduação em Comportamento e Biologia
Animal e Ecologia da Universidade Federal de Juiz de Fora
(UFJF), a telemetria satelital, já desenvolvida na Dinamarca e nos
Estados Unidos, seria a única maneira possível de esclarecer com
precisão a real rota das baleias.
Não houve problema para que, rapidamente, conseguissem
patrocínio da Shell Brasil, que acreditou no projeto e na
credibilidade dos profissionais envolvidos. Vislumbrando que
investir nesse estudo poderia identificar, também, quais os
possíveis impactos das atividades da indústria do petróleo no
comportamento e nas rotas migratórias dos animais.
PRIMEIRA MISSÃONo mesmo ano a equipe partiu para a primeira missão,
conseguindo marcar somente um animal. O transmissor parou de
funcionar e nenhum sinal via satélite foi emitido. Mesmo com o
resultado pífio, a equipe chegou a algumas conclusões, facilitando
os futuros trabalhos. Os relatórios incentivaram a multinacional
a continuar investindo. No segundo ano, a expedição marcou
oito baleias, como previsto, porém, devido a um problema na
bateria, apenas um transmissor emitiu sinal. Somente no terceiro
ano, ainda com o mesmo patrocínio, baseados em Conceição
da Barra (ES), foi que os pesquisadores conseguiram marcar 11
baleias. Aparelhos funcionando perfeitamente, traçaram pelo
computador a primeira linha mostrando o percurso de migração
das baleias Jubarte. A linha saía da região do Banco dos Abrolhos
e ia até o Oceano Antártico. O fato assinalou uma série de novas
descobertas sobre a vida dessas baleias.
O grande desafio é conseguir implantar corretamente os dispositivos na pele desses gigantes aquáticos. O pequeno radiotransmissor automático de 250g deve ser implantado bem abaixo da nadadeira dorsal, e é importante que não fique submerso, quando a baleia sai da água para respirar, para não impedir o envio de informações aos satélites
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TELEMETRIA SATELITALA Metodologia de Telemetria Satelital permite acompanhar, quase
em tempo real, o movimento dos animais, os quais carregam
no corpo pequenos transmissores que emitem sinais de rádio
captados pelos satélites localizados a quilômetros de distância da
Terra. Os sinais são processados e convertidos em coordenadas
geográficas, transmitidas às estações receptoras e, por fim,
disponibilizadas para os pesquisadores via internet. A telemetria
possibilita o acesso, de forma mais eficiente, a dados inéditos
sobre os hábitos desses animais, informações antes impossíveis
de se ter acesso.
O grande desafio é conseguir implantar corretamente esses
dispositivos na pele desses gigantes aquáticos. O pequeno
transmissor automático de 250g deve ser implantado bem abaixo
da nadadeira dorsal, e é importante que não fique submerso,
quando este sai da água para respirar, para não impedir o envio
de informações aos satélites.
Devido ao porte da Jubarte, é preciso utilizar técnicas avançadas
de marcação. Os pesquisadores do PMBS utilizam três
instrumentos. Um deles é a haste de Villum, feita de fibra de vidro
ou carbono com aproximadamente 8m. O transmissor fica preso
na ponta dessa vara e o responsável pela marcação deve ficar a, no
máximo, 5m do animal. Outro método é o Air Rocket Transmitting
System (Arts), sistema de ar comprimido semelhante a um rifle
que pode ser usado a uma distância maior. Por fim, a balestra, que
consiste no lançamento de flechas levando transmissores e pode
MEIO AMBIENTE
A tripulação “persegue” a baleia em uma lancha, atenta aos borrifos - condensação da expiração - evidência de sua presença. Preso em uma plataforma fixada na frente do bote, o pesquisador, chamado de marcador, fica parado onde, possivelmente, a baleia voltará a subir, após ficar até 30 minutos sem respirar. Carregando a lança de marcação, o pesquisador, seguro por um cinto com quatro cabos presos ao assoalho da embarcação, tem que ser preciso em seu lançamento, em um ângulo de 90 graus do corpo da baleia
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ser usada a distâncias de quatro a dez metros. Os transmissores
são presos ao tecido das baleias por pequenas garras feitas de
inox ou titânio cirúrgico para minimizar o risco de infecção e
rejeição. Fixado em condições ideais, os transmissores podem
ficar presos por mais de 205 dias e com o tempo são expelidos
pelo organismo.
O pequeno aparelho envia sinais de rádio em direção ao satélite
em períodos pré-programados. Dessa forma, os satélites
geoestacionários calculam a posição exata do transmissor,
portanto, do animal que o carrega. A partir desses dados, dessas
coordenadas, é possível saber com precisão a rota seguida pelas
baleias.
As expedições para a marcação das baleias no oceano intercalam
períodos de grande espera e trabalho árduo, tanto em mar
quanto em terra. Normalmente, os pesquisadores partem para a
busca em uma lancha oceânica e dois botes. Neste procedimento
é fundamental a utilização de botes infláveis e estáveis, rápidos o
suficiente para o sucesso da perseguição.
A escolha por pesquisar os hábitos da espécie Jubarte se deu em
função de ter sido uma baleia muito caçada no Brasil. Colaborou
também o fato de ser um animal costeiro e subir constantemente
à superfície, características que facilitam sua visualização e a
colocação dos transmissores, viabilizando o trabalho. Foram
feitos, além das marcações, estudos de comportamento,
bioacústica e fotoidentificação, criando um banco de imagens
dos animais marcados com os transmissores.
A capacidade de organização e formação de equipe possibilitou
ao grupo desenvolver métodos de trabalho muito eficientes,
conseguindo marcar o maior número de baleias no menor
espaço de tempo possível. Para desenvolver o projeto, além
dos pesquisadores especialistas, fazem parte alunos de
iniciação científica e pós-graduandos da UFJF, como é o caso
dos doutorandos Luiz Cláudio Alves e Natália dos Santos
Mamede e a mestranda Franciele Castro. “Poder participar
de um projeto tão especial como este é fascinante, claro que
passamos por dificuldades no início, mas com o incentivo dos
profissionais envolvidos, conseguimos contribuir para aumentar
o conhecimento e a conservação dos animais que tanto nos
instigam”, ressalta Franciele.
RESULTADOSOs resultados indicam que o destino migratório das baleias é
próximo à região das Ilhas Geórgia do Sul e Sandwich do Sul –
territórios britânicos ultramarinos que correspondem a parte do
arco de ilhas que ligam a América do Sul à Antártida – onde se
alimentam. Descrever pela primeira vez na história a trajetória
de migração das Jubartes que se reproduzem na costa brasileira
auxiliou a Comissão Internacional da Baleia (IWC - sigla em
inglês) a completar a avaliação populacional dessas espécies no
hemisfério sul. Além disso, a partir dos resultados obtidos nesse
estudo, o Projeto Antártico Brasileiro convidou os pesquisadores
PMBS a fazerem parte da marcação de baleias na Antártica.
Com as trajetórias traçadas, o objetivo, agora, é refinar a pesquisa
definindo onde, de fato, começa o processo migratório, por
exemplo; ampliar o estudo até o Norte do país, mapeando um
território maior; definir quais os principais fatores que influenciam
tais rotas; e aproveitar essa metodologia, toda desenvolvida pelo
grupo, para pesquisar os hábitos de outras baleias de grande
porte. Para isso, é necessário continuar atraindo recursos de
diferentes fontes. Uma possibilidade é que o projeto seja mantido
pela Agência Nacional do Petróleo, que já manifestou grande
interesse pelo trabalho.
ARTHUR ANDRIOLO TRABALHA NO PROJETO DESDE 2001
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MAISaRthuR andRiolo
proFessor assoCiado do departamento de ZooloGia, espeCialista em Comportamento animal e orientador nos proGramas de pós-Graduação
em Comportamento e bioloGia animal e eColoGia da uFJF
saiba mais:
http://www.uFJF.br/Comportamento
http://www.uFJF.br/eColoGia
http://www.aqualie.orG.br
A população de baleias Jubarte, que
se reproduz no Brasil, chega ao nosso
litoral no inverno, normalmente em
junho. Espécies jovens de ambos os
sexos e os machos adultos chegam
antes, sendo seguidos pelas fêmeas
no período reprodutivo e, por último,
as gestantes. A maior incidência de
baleias ocorre em agosto e setembro.
No final desse período, grande parte
dos animais começa a migrar de volta
para as áreas de alimentação. As
últimas a partir são as fêmeas com os
filhotes, que ficam no litoral brasileiro
até dezembro ou janeiro. A principal
área de reprodução das Jubartes no
Atlântico Sul Ocidental é o Arquipélago
do Banco dos Abrolhos, na costa
do Espírito Santo e da Bahia, mas
é possível encontrá-las desde o Rio
Grande do Norte até o Rio de Janeiro.
Recentemente, Jubartes foram vistas
até o litoral Norte do país (Ceará, Piauí
e Maranhão) e também próximo às ilhas
oceânicas (Arquipélago de Fernando
de Noronha, Trindade, Martim Vaz e
rochedos de São Paulo e São Pedro)
MEIO AMBIENTE
ROTA NO LITORAL BRASILEIRO
33
A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012
Número de egressos da Iniciação Científica na Pós-graduação leva a UFJF ao 1º lugar entre as instituições do país
Investir na ciência e na popularização do conhecimento avan-
çado é um fator social de maior importância para um país
que pretende avançar na economia mundial. Não se pensa
em inovação, em desenvolver novos produtos, com maior va-
lor agregado, sem um planejamento para formação de cientistas
com um saber sistematizado, que tire o país da subordinação dos
países detentores do conhecimento, do saber e, principalmente,
do controle da propriedade intelectual.
O incentivo prematuro de talentos potenciais ajuda a despertar
para a vocação científica, sofisticando sua análise crítica, maturi-
dade intelectual, compreensão da ciência e possibilidades futuras
tanto acadêmicas como profissionais. Isso faz toda a diferença
em um mundo movido pela economia do conhecimento, no qual
aquele que sabe vence o que não sabe e, não mais, o grande ven-
ce o pequeno.
BÁRBARA DUQUE | repórter
PROGRAMAS INSTITUCIONAIS FOMENTAM A
PESQUISA ACADÊMICA, INVESTINDO NA FORMAÇÃO
DE JOVENS CIENTISTAS FOCADOS NA GERAÇÃO E NO
DOMÍNIO DO CONHECIMENTO
INICIAÇÃO CIENTÍFICA
ROBERTO PEDROSO DIAS EROBERTO MARCHESINI
EM UM DOS LABORATÓRIOS DA UFJF
A3 - ABRIL A SETEMBRO/201234
A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012
Em 2011, dentre os Destaques do Ano na Iniciação Científica pelo
CNPq, a UFJF conquistou o prêmio na categoria Mérito Institucio-
nal, por ser a Instituição com maior índice de egressos do Pro-
grama Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic) que
concluíram Mestrados e Doutorados reconhecidos pela Capes.
Esse fato demonstra a relevância nacional das estratégias da UFJF
em priorizar a iniciação científica como agente de transformação
da qualidade acadêmica”, ressalta a pró-reitora de Pesquisa, Mar-
ta d’Agosto. São diversos programas institucionais de incentivo
à investigação, sendo dez com bolsas e um voluntário, cada um
com uma fonte financiadora distinta.
Todas essas iniciativas possuem a finalidade de propiciar ao es-
tudante condições para que este se dedique à pesquisa, à qualifi-
cação, participando ativamente de projetos com cunho científico
e tecnológico. “Na Iniciação Científica recebi as primeiras lições,
ritos e técnicas da ciência. Vivenciei, neste período, no labora-
tório, a ‘indissolubilidade ensino-pesquisa’. Os benefícios eram
evidentes, desde então. Quando iniciei a IC despertaram em mim
algumas habilidades e, principalmente, a necessidade de buscar
algo por mim mesmo”, comenta Roberto Pedroso Dias, que parti-
cipou da IC na UFJF, no curso de Biologia, e hoje está finalizando
o doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e,
no próximo mês, retorna à UFJF como pós-doutorando pelo Pro-
grama Nacional de Pós-doutorado Institucional da Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
Opinião semelhante tem Roberto Marchesini sobre a importân-
cia de iniciar precocemente a pesquisa científica. Marchesini é
estudante de graduação da UFJF e trabalha no mesmo projeto
que Pedroso Dias. “Quando comecei na Iniciação Científica ainda
não tinha experiência, mas no laboratório de Protozoologia temos
contato com doutorandos, mestrandos e graduandos mais expe-
rientes. O convívio diário com estudantes de diferentes níveis de
formação é essencial para uma boa formação científica.”
PROGRAMAS NA UFJFO Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica da
UFJF (BIC), além de outros de apoio à pesquisa, conta com recur-
sos orçamentários da própria instituição, objetivando propiciar
maior articulação entre a graduação e a pós-graduação. Finan-
ciado pelo CNPq, o Pibic concede cota de bolsas determinadas a
cada instituição de ensino e pesquisa. Já no Programa Institucio-
nal de Bolsas de Iniciação Científica e Tecnológica Fapemig/UFJF
(Probic), que visa estimular nos graduandos a vocação pelo saber
científico e tecnológico, as bolsas são destinadas a atender os
projetos vinculados à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado
de Minas Gerais (Fapemig).
Em conjunto com os editais do BIC e Pibic, são solicitados alunos
para suprir as vagas do Programa Institucional Voluntário de Ini-
ciação Científica da UFJF (Provoque). O estudante que permane-
cer no projeto por, no mínimo, seis meses, e cumprir as exigências
do Programa tem direito a certificado. O cumprimento das tarefas
desses programas não pode prejudicar as obrigações discentes.
Ampliando a proposta de incentivar precocemente o gosto pela
pesquisa nos jovens estudantes, foi criado o Programa Institu-
cional de Bolsas de Iniciação Científica Júnior Fapemig/UFJF
(Probic-Jr). O objetivo é incluir estudantes do ensino médio de
escolas estaduais e federais nos projetos de pesquisa de res-
ponsabilidade de um professor orientador da UFJF. Cada aluno
contemplado recebe uma bolsa remunerada com vigência de dez
meses e vale-transporte e, neste período, deverá cumprir oito ho-
ras de trabalho semanais.
Segundo o gerente do Probic-Jr, Celso Bandeira de Melo Ribeiro,
este programa possibilita aproximar a Universidade das escolas,
contribuindo para a formação de recursos humanos e criando
perspectivas de uma pesquisa contínua e integrada, dando a
oportunidade de o aluno atuar em projetos de pesquisa desde
a educação do ensino médio, passando pela graduação e pós-
graduação.
“O Programa possui também um importante viés social, criando
possibilidades para a realização de parcerias entre a Universidade
e as escolas. Nele, o aluno do ensino médio é estimulado a apre-
ciar a pesquisa. O bolsista passa a conhecer o ambiente universi-
tário e atuar como agente multiplicador na sua escola, passando
sua experiência aos colegas, o que instiga outros estudantes a
desenvolverem trabalhos semelhantes, ampliando o pensamento
para novas possibilidades”, reforça Bandeira.
As vantagens da IC são diversas. A possibilidade de fugir da ro-
tina curricular desenvolve nos alunos capacidades diferenciadas
como aprender a ler bibliografia de forma crítica, distinguindo
textos mais bem fundamentados, além de familiarizar com fontes
de referências. O estudante que inicia sua pesquisa na graduação,
ou mesmo antes disso, aprende a ter mais autonomia, a perder o
medo diante das dificuldades, desenvolve melhor a capacidade
de falar em público. Todas essas características propiciam, geral-
mente, um melhor desempenho na seleção para a pós-graduação
e terminam a conclusão mais rápida do processo de titulação.
Mesmo aqueles que optam pelo exercício profissional, fatalmente
usufruem de melhor capacidade de análise crítica, de maturidade
intelectual e discernimento para enfrentar dificuldades.
INICIAÇÃO CIENTÍFICA
MAISiniciação científica ufJfhttp://www.uFJF.br/propesq/iniCiaCao-CientiFiCa
A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012 35
A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012
De olho no futuro da humanidade, cientistas buscam explicações na origem do Universo
Observar os fenômenos naturais e explorar o espaço
exerce um fascínio no homem há milhões de anos.
Pensadores de todas as eras já se atreveram a
descrever a história do Universo, criando teorias
evolucionistas, tentando, assim, prever seu destino mais provável.
Aos poucos, as experiências foram provando que não deveríamos
nos ater aos porquês do processo, e sim, ao como. Pela
composição de diversas áreas da ciência, o grande quebra-cabeça
da evolução, aos poucos, vem sendo montado. A astronomia
exerce, sem dúvida, um papel protagonista no desfolhar desse
mistério existencial.
BÁRBARA DUQUE | repórter
Astrometria de Posição, Mecânica Celeste e Astrofísica,
juntamente com a Cosmologia, compõem esse elaborado ramo
da ciência. Devemos, aqui, nos ater à última área mencionada, a
Cosmologia, que, baseada em observações, estuda a estrutura, a
evolução e a composição do Universo como um todo.
Como parte da ciência moderna, a Cosmologia é baseada em
observações. Os dados podem ser colhidos ou pelos diversos
aparelhos, como telescópios e rádio telescópios posicionados
na Terra, ou do espaço, pelos satélites artificiais em órbitas ao
redor do planeta. Os satélites captam a radiação eletromagnética
proveniente do espaço, em diferentes comprimentos de ondas,
Desenvolveu suas teorias baseadas nos quatro elementos: água, terra, fogo e ar.
Detalhou a relação entre esses elementos, suas dinâmicas, como eles impactaram na Terra e como eles eram, em muitos casos,
atraídos entre si por forças não específicas
Construiu a primeira luneta astronômica e com ela observou a Via Láctea, os
satélites de Júpiter, as manchas do Sol e as fases de Vênus. Achados astronô-micos que embasaram a afirmação de Copérnico sobre a teoria heliocêntrica
ARISTÓTELES(384 A.C. A 322 A.C.)
GALILEU GALILEI(1564 A 1642)
NA UFJF, O FÍSICO GIL DE OLIVEIRA NETO DESENVOLVE PESQUISAS EM COSMOLOGIA QUÂNTICA, TRABALHANDO
EM POSSÍVEIS CAUSAS PARA O FENÔMENO DA EXPANSÃO ACELERADA DO UNIVERSO
Conhecimento Científico na
linha do tempo:Sucessões e rupturas
FÍSICA
A3 - ABRIL A SETEMBRO/20123636
A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012
Desenvolveu as Três Leis Fundamentais da Mecânica e a Teoria da Gravitação Universal.
Com essa última foi capaz de unificar fenômenos tão distintos, como o movimento orbital da Lua
ao redor da Terra, dos planetas e cometas ao redor do Sol e o movimento das marés na Terra
Mostrou que massa é equivalente a energia e a luz é composta de partículas chamadas
de fótons. Culminou com sua teoria da gravitação, denominada Relatividade Geral, na qual o espaço é encurvado
pela presença de matéria e as partículas seguem trajetórias nesse espaço curvo
Responsável pela equação de Dirac, a qual descreve, com sucesso, partículas elementares
como o elétron. Introduziu, teoricamente, o conceito de antipartícula. Desenvolveu o formalismo hamiltoniano de sistemas
vinculados, o que permitiu o desenvolvimento da teoria da Relatividade Geral Quântica
ISAAC NEWTON(1642 A 1727)
ALBERT EINSTEIN(1879 A 1955)
PAUL DIRAC(1902 – 1984)
possibilitando atingir, hoje, um nível de elaboração teórico
bastante elevado.
Um dos maiores avanços para esta ciência foi a formulação da
lei da gravitação, interação fundamental mais importante para
representar a dinâmica da matéria no Universo. Para explicar
tal fenômeno, a teoria mais aceita, hoje em dia, é a Relatividade
Geral (RG), formulada pelo físico alemão Albert Einstein, em 1916.
Assim, os modelos cosmológicos são pensados em termos dessa
elaborada teoria.
EVOLUÇÃO DO PENSAMENTOÉ comum definir o início do pensamento científico no século IV
a.C., com os conceitos “metafísicos”, eminentemente qualitativos
e fundamentados em princípios filosóficos desenvolvidos por
Aristóteles. Ideias essas que prevaleceram por mais de dois mil
anos até a ciência moderna, estruturada sobre uma combinação
de empirismo e fórmulas matemáticas, iniciada com o físico inglês
Isaac Newton, no século XVII.
Um Universo rigidamente ordenado segundo critérios
metafísicos foi substituído por um novo Cosmos regido pela
causalidade mecânica, expressa por meio de leis matemáticas, e
completamente destituído de conceitos como finalidade e valor.
A revolução introduzida por Copérnico ultrapassou os limites da
astronomia, promovendo uma transformação do pensamento
científico que conduziu ao nascimento da física de Isaac Newton,
estabelecendo que o Universo é regido por leis matemáticas
imutáveis.
O paradigma newtoniano foi ultrapassado no início do século XX
com a teoria da Relatividade Geral. Segundo essa nova teoria,
um corpo muito massivo deforma o espaço em sua volta, assim
um segundo corpo se propagando nessa região é atraído. A luz
quando se propaga tem energia, portanto massa. Desta forma, ao
invés de seguir em uma linha reta, nas proximidades de um corpo
massivo, ela faz uma curva.
Este foi um grande salto para a compreensão da evolução, dando
suporte para que outros físicos pudessem avançar nessa linha
do tempo, agregando dados a esta elaborada equação. Baseado
nesse novo quadro, teorias avançadas sobre a origem do universo
puderam ser descritas. A mais importante delas é a teoria do Big
Bang, aceita até hoje como a melhor explicação para o início do
Universo.
Desenvolver teorias mais simples e consistentes é o principal desafio dos físicos que buscam desvendar os mistérios do Universo, desde o nascimento, passando por sua evolução, até seu fim. Grandes pensadores marcaram a história com descobertas que mudaram o rumo da humanidade
FÍSICA
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A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012
Introduziu o termo “buraco negro” para descrever um sistema gravitacional tão intenso do qual nem
mesmo a luz pode escapar. Um dos pioneiros da teoria de fissão nuclear. Propôs, juntamente
com Bryce DeWitt, a equação fundamental da Relatividade Geral Quântica, em 1967
Desenvolveu, juntamente com John Wheeler, a equação fundamental da
Relatividade Geral Quântica, hoje conhecida como equação de Wheeler-DeWitt. Aplicou essa equação, pela primeira vez, no estudo
de um modelo cosmológico, fundando assim a chamada Cosmologia Quântica
Desenvolveu trabalhos sobre as características dos buracos negros, o efeito da mecânica quântica
sobre eles e como principal resultado descobriu que buracos negros emitem radiação térmica. Foi
o responsável pelo ressurgimento do interesse em Cosmologia Quântica no início dos anos 80
JOHN ARCHIBALD WHEELER(1911 – 2008)
BRYCE DEWITT(1923 - 2004)
STEPHEN HAWKING(1942 ATÉ HOJE)
A RG descreve a força da gravidade em termos da geometria
do espaço-tempo. Medir a curvatura do espaço causada pela
gravidade é um viés importante para compreender como essa
teoria se relaciona com a física quântica. Descrever essa interface
é um dos principais objetivos para a física do século XXI. Desafio
esse assumido por uma grande parcela da comunidade física de
todo o mundo, inclusive nomes populares como o físico inglês
Stephen Hawking.
ORIGEM DO UNIVERSOCom base em dados observacionais e na RG, a teoria do Big Bang
diz que há aproximadamente 13,7 bilhões de anos houve uma
explosão inigualável da única coisa que existia nessa época: um
átomo primordial extremamente denso. A explosão deste átomo
deu origem não só a toda matéria que vemos ao nosso redor, mas
também ao próprio espaço e ao eixo do tempo. A esse evento
cataclísmico foi dado o nome de Big Bang.
Logo após o Big Bang, o Universo era extremamente pequeno
e quente. Inicialmente, passou por uma fase de rápida expansão
chamada inflação. Em um período muito curto, o raio do Universo
cresceu diversas vezes. No final desse período, o Universo estava
extremamente homogêneo e isotrópico. Qualquer irregularidade
proveniente da explosão inicial havia desaparecido. À medida que
o Universo expande, seu tamanho aumenta e sua temperatura
diminui.
ESPAÇO - TEMPO
O Big Bang é um exemplo do que é chamado em RG de
singularidade do espaço-tempo. Isso significa que toda a
possibilidade de previsão física da RG é perdida nesse instante.
Desta forma, os físicos começaram a pensar em novas teorias
para estudar o momento inicial do Universo.
A primeira teoria proposta foi a Cosmologia Quântica (CQ), que
resulta de uma combinação da RG com a Mecânica Quântica.
Essa última foi formulada, de maneira satisfatória, na década de
1920, por diversos físicos, entre eles o dinamarquês Niels Bohr, o
alemão Werner Heisenberg e o austríaco Erwin Schrödinger.
A CQ teve sua origem com os trabalhos do físico inglês Paul
Dirac, o qual escreveu pela primeira vez as equações da RG
de uma forma apropriada para a quantização. Depois disso, os
físicos americanos John Archibald Wheeler e Bryce DeWitt
desenvolveram a equação fundamental da CQ, a qual leva o nome
dos seus dois descobridores. Já na década de 1980, um grande
impulso foi dado com os trabalhos do físico Stephen Hawking,
explorando modelos do Universo utilizando a formulação de
integrais de caminho da Mecânica Quântica.
COSMOLOGIA QUÂNTICA NA UFJFO físico Gil de Oliveira Neto, professor desde 2010 do curso
de Licenciatura a Distância do Departamento de Física da
Universidade Federal de Juiz de Fora (DF/UFJF), desenvolve
pesquisas em Cosmologia Quântica. Seus trabalhos na área
tiveram ínício em 1995, quando obteve seu doutoramento pela
Universidade de Newcastle-Upon-Tyne, no Reino Unido.
FÍSICA
A3 - ABRIL A SETEMBRO/20123838
A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012
No período em que esteve no Reino Unido foi orientado pelo físico
inglês Ian Gordon Moss, o qual obteve o seu doutoramento pela
Universidade de Cambridge, sob a orientação do físico Stephen
Hawking.
Oliveira Neto se dedicou a estudar o início do Universo como
descrito pela CQ. De volta ao Brasil, trabalhando sozinho, como
pós-doutorando em instituições do Rio de Janeiro e no DF/UFJF,
onde permaneceu de 1999 até 2004, demonstrou que em todos
os modelos para o nosso Universo, estudados por ele, o instante
inicial não é singular. Ou seja, o Universo não se inicia com a grande
explosão chamada de Big Bang. A explicação para esse resultado,
em alguns casos, é porque o ‘tamanho’ inicial do Universo é maior
que zero. Em outros casos, isso acontece porque a geometria do
espaço-tempo é regular no instante inicial do Universo.
A partir de 2004, Gil se tornou professor adjunto efetivo da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) na Faculdade
de Tecnologia de Resende (FAT) quando iniciou, juntamente com
outros colegas, o grupo de pesquisa em Física Computacional, no
qual lidera a área de Cosmologia Quântica. A partir de então, com
mais recursos computacionais, foi possível não só demonstrar que
os instantes iniciais de diversos modelos do nosso Universo são
regulares, livres de singularidades, como calcular a probabilidade
para o surgimento desses universos. Além disso, ele começou a
se dedicar ao estudo da interpretação de Bohm aplicada a CQ.
Esses trabalhos contam com a colaboração de professores de
instituições como: Universidade Federal do Espírito Santo (UFES),
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade
Federal Fluminense (UFF), UFJF e alunos do Programa de Pós-
graduação em Física da UFJF. Oliveira Neto já orientou e co-
orientou três alunos do PPG-Física da UFJF.
Já na UFJF, trabalha em possíveis causas para o fenômeno da
expansão acelerada do Universo, descoberto em 1998, o que
rendeu prêmio Nobel de Física em 2011 aos seus descobridores.
Tem estudado também modelos em CQ em que as variáveis
dos modelos não satisfazem a conhecida regra de comutação
do produto entre números e funções, cujos resultados já foram
submetidos a publicação em revistas científicas internacionais.
MAIS
Gil de oliveirA neto
Gilneto@FisiCa.uFJF.br
proFessor adJunto e membro permanente do proGrama
de pós-GraduaCao do departamento de FísiCa da uFJF
FÍSICA
A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012 39393939
No primeiro dia de aula perguntamos aos alunos de
Português para iniciantes: por que vocês querem
estudar Português? Dentro de uma variedade de
respostas, as que mais se destacam são: “Adoro a
sonoridade da língua”, “quero ler as literaturas na língua origi-
nal” e “gosto muito da música brasileira”. Vem então a segunda
pergunta: vocês sabiam que o Português é a sexta língua mais
falada no mundo? Com esse fato tomamos os alunos de surpresa,
pois a maioria relaciona a língua portuguesa somente a Portugal
e ao Brasil, esquecendo-se da África de expressão lusófona, de
Timor Leste na Oceania e de Goa e Macau na Ásia. Destacamos,
também, que, no contexto norte-americano, há comunidades de
imigrantes portugueses em Providence (Rhode Island), Newark
(Nova Jersey) e grupos recentes de imigrantes brasileiros que se
estabeleceram nas cidades de Boston, San Diego, Nova York e
Fort Lauderdale, espalhadas por diferentes estados norte-ame-
ricanos.
A nossa formação como professores de Português com douto-
rado nos Estados Unidos tem sido de grande proveito para os
alunos que têm o espanhol como língua nativa. Nos departa-
mentos chamados Departamentos de Espanhol e Português das
universidades norte-americanas, os alunos de pós-graduação são
expostos tanto à literatura latino-americana quanto à literatura
espanhola e à literatura em língua portuguesa. Em lugares onde
os grupos de imigrantes de origem centro e sul-americanas se
estabeleceram no passado houve a necessidade de criar áreas de
especialização que lidassem com as culturas destas novas comu-
nidades. Com a chegada de portugueses no passado e de brasilei-
ros mais recentemente, as universidades localizadas nas regiões
de concentração dessas populações vieram com o tempo criando
cursos que atendessem ao interesse pelo estudo das culturas
em Português relacionadas à Lusofonia. O interesse por esses
grupos e as culturas representadas por eles vem conquistando
espaço além das comunidades, o que reflete a importância tanto
do espanhol quanto do Português num contexto globalizado. A
exemplo disso podemos citar os departamentos de Espanhol e
Português da Georgetown University, Indiana University, Rutgers
University, Tulane University, University of California (Santa Bár-
bara e Los Angeles), University of Florida, entre outras.
Dentro desse âmbito panlatino, os professores têm a capacidade
de permear entre diferentes culturas, o que facilita ao docente
formado em um Departamento de Espanhol e Português traba-
lhar em universidades onde a língua franca é o espanhol. Este
professor funciona como um mediador ou elo entre as culturas
hispânicas e as culturas da lusofonia, permitindo uma aproxi-
mação informada às literaturas, culturas e línguas de ambos os
mundos. Compete a esse professor levar em conta a bagagem
cultural e linguística trazida pelos alunos à sala de aula, permitin-
do a aquisição da nova língua através de um contraste com a sua
língua materna.
Porto Rico é um exemplo do que mencionamos acima. Na Ilha
temos duas línguas oficiais: o inglês e o espanhol. Se bem obser-
varmos na maioria dos alunos um verdadeiro bilinguismo, o espa-
nhol é a língua prezada no uso cotidiano e tida como marca da
identidade nacional porto-riquenha. No campus de Río Piedras da
O ensino de português no Caribe: o caso da Universidade de Porto Rico, Campus de Río Piedras Camilo Gomides e
Marilú Pérez*
OLHAR ESTRANGEIRO
FOTO: DIVULGAÇÃO
A3 - ABRIL A SETEMBRO/201240
A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012
*Professores doutores de Português do Departamento de Línguas Estrangeiras da Universidade de Porto Rico no campus de Río Piedras
Universidade de Porto Rico (UPR-RP), convivemos diariamente
com um grande número de alunos interessados na aprendizagem
do Português. Há 420 estudantes que anualmente fazem conosco
cursos que vão desde o nível básico ao nível avançado. O progra-
ma de ensino do Português na UPR-RP utiliza o método intensivo.
Este método consiste em maximizar a exposição do aluno à lingua
em questão através de cinco horas de contato com um professor,
mais duas horas e meia de contato com um assistente, nativo da
língua, no que chamamos de “laboratório vivo”. Sendo assim, as
quatro destrezas linguísticas: compreensão auditiva, expressão
oral, leitura e expressão escrita são desenvolvidas ao mesmo
tempo em que a pronúncia e a produção oral são substanciadas.
Em um terceiro semestre os alunos são introduzidos à literatura
lusófona através de peças teatrais e se familiarizam nos cursos
avançados com as literaturas africanas de expressão lusófona,
literatura portuguesa e brasileira, estudos culturais portugueses
e brasileiros, cinema brasileiro e português, abrindo os horizontes
desses estudantes para o mundo cultural da Lusofonia.
Para alcançar esta meta contamos há sete anos com a presença
de um leitor do Instituto Camões (IC), que é um órgão público do
Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal que atua nas
áreas da cultura e do ensino. O IC articula a sua ação com outras
instâncias competentes do Estado português, nomeadamente os
Ministérios da Educação, da Cultura e da Ciência, Tecnologia e
Ensino Superior. Tem por missão propor e executar a política de
divulgação e de ensino da língua e cultura portuguesas no estran-
geiro e promover o português como língua de comunicação in-
ternacional, além de favorecer a divulgação de diferentes formas
de expressão artística. Atualmente, o IC desenvolve atividades em
72 países, atendendo a 155 mil alunos de português ao redor do
mundo.
Brevemente, contaremos com a colaboração da Divisão de Pro-
moção da Língua Portuguesa (DPLP). A DPLP é uma secretaria
dentro do Departamento Cultural do Ministério de Relações Exte-
riores do Brasil que possui uma rede de leitorados que reúne pro-
fessores especialistas em língua portuguesa, literatura e cultura
brasileiras, incumbidos de atuar em conceituadas universidades
estrangeiras. Os leitores são selecionados pela Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior do Ministério da
Educação (Capes/MEC) e pelas instituições acadêmicas no exte-
rior. Atualmente, o Departamento Cultural do Itamaraty coordena
e subsidia as atividades de 64 leitorados distribuídos em univer-
sidades de reconhecido prestígio em 41 países. Adicionalmente,
colabora com diversas outras instituições acadêmicas estrangei-
ras que desenvolvem trabalhos voltados para o estudo de temas
brasileiros. Com o objetivo de fortalecer ainda mais o nosso
vínculo com a Lusofonia estão sendo estabelecidos acordos de
colaboração com diferentes instituições internacionais, entre elas
a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), a Universidade do
Porto e a Universidade de Coimbra. Esses acordos visam inter-
câmbios culturais, científicos e acadêmicos, ampliando a oferta
de cursos em diversas áreas para aqueles estudantes que irão
aprofundar os seus estudos em universidades brasileiras, euro-
peias e americanas na área de literatura, linguística e tradução
ou trabalhar na área de turismo ou em empresas multinacionais.
Com a sinergia entre a UPR-RP, o IC, a DPLP e o mundo acadê-
mico lusófono, o Departamento de Línguas Estrangeiras da UPR-
-RP se tornará o primeiro programa de português especializado
em Estudos Lusófonos do Caribe. Assim, contribuiremos com o
desenvolvimento e a formação de profissionais, partindo de uma
visão de mundo e uma compreensão das culturas lusófonas de
uma maneira integrada.
OLHAR ESTRANGEIRO
NA UNIVERSIDADE DE PORTO RICO É GRANDE A PROCURA PELO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA.
FOTO
: CR
ISTI
AN
O R
OD
RIG
UES
A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012 41
A busca por melhor qualidade de vida é uma neces-
sidade de boa parte da população mundial. Um ca-
minho é o abandono da vida sedentária. Oitocentas
e noventa pessoas praticam diferentes atividades de
lazer e esporte nas dependências do Complexo Esportivo da Fa-
culdade de Educação Física e Desportos (Faefid) da UFJF em 29
projetos de extensão.
Aficionado pelo vôlei, Rafael Neves, 20 anos, é um dos partici-
pante. Nos últimos oito meses, três dias são dedicados ao projeto
Iniciação ao Voleibol. Fora das quadras, mantém o olhar nos jogos
transmitidos pela TV e marca presença na torcida nas partidas do
time profissional masculino da UFJF, nascido como atividade de
extensão. “Desejo me capacitar e entrar no vôlei da Universida-
de”, diz o estudante, incentivado pela escalada da equipe que, em
quatro anos, chegou à elite do vôlei, a Superliga 2011/2012.
Assim como Neves, alunos, servidores e integrantes da
comunidade externa frequentam a Faefid, de segunda a sexta-
feira, das 7h às 21h, e, aos sábados, das 7h às 12h. São oferecidos
atletismo, caminhada, dança, futsal, hidroginástica, musculação,
natação, pilates, tênis, ioga e seis alternativas de ginástica: para
mulheres com câncer; no climatério; para idosos; rítmica; artística;
e trampolim acrobático. Este semestre traz duas novidades: jiu
jitsu e futsal feminino.
A maioria das opções são gratuitas, possibilitando o acesso a
esportes rotulados como de elite, tal qual o tênis. Acostumado
a usar controles sem fio que simulam a raquete do esporte em
um videogame, Eduardo Mezzonato, 30, pôde jogar partidas reais
nas quadras da Faefid. “Nunca fui amante de atividade esportiva,
mas quando assistia ao Gustavo Kuerten ou ao Roger Federer
jogando, ficava com vontade de tentar. Mas as despesas com trei-
namento e material são caras.” A raquete mais barata custa cerca
RAUL MOURÃO | repórter
EXTENSÃO
Esporte e lazer para o dia a diaPROJETOS DE EXTENSÃO, DESENVOLVIDOS NA FACULDADE DE EDUCAÇÃO FÍSICA
E DESPORTOS (FAEFID) DA UFJF, BENEFICIAM AS COMUNIDADES INTERNA E
EXTERNA COM AÇÕES QUE VÃO DO ATLETISMO AO TÊNIS
A3 - ABRIL A SETEMBRO/20124242
de R$ 80, e a mensalidade em clube de Juiz de Fora, R$ 120. “É
bem-vinda a abertura dos portões da UFJF.”
JOGO DE MUDANÇASA interface entre a Faefid e as comunidades interna e externa,
nos últimos dois anos, foi otimizada. A qualificação de docentes
trouxe mais projetos e pesquisas relacionados com a população.
Em 2010, o complexo esportivo foi ampliado e modernizado com
investimentos de R$ 16 milhões. Para os próximos anos, o reitor
Henrique Duque quer criar quadra de areia para vôlei e futebol;
ginásio de artes marciais; reformar vestiário; duplicar a piscina
para 50m; e aumentar a capacidade do ginásio de 500 para 2 mil
pessoas.
“A expansão da infraestrutura se deu em caráter qualitativo e
quantitativo, pois, foi possível oferecer melhores condições para
as práticas desenvolvidas na faculdade e aumentar a quantidade
de projetos e vagas”, afirma o coordenador da Extensão na unida-
de, Luís Fernando Gomes Nascimento. Ele é autor de dissertação,
em andamento, sobre o impacto do novo complexo na Extensão.
Entre as iniciativas mais recentes está Musculação e Qualidade
de Vida, para pessoas acima de 50 anos, com atendimento per-
sonalizado três vezes por semana. Desenvolvida por docentes e
alunos de Fisioterapia e Educação Física, a ação visa a pesquisar
os efeitos benéficos da musculação nessa faixa etária e auxiliar na
prevenção e na reversão parcial de perdas funcionais decorrentes
do envelhecimento. Os participantes passam por avaliação arte-
rial, controle de frequência cardíaca, teste de carga e análise car-
diovascular, segundo a docente de Fisioterapia Gabriela Trevizani.
A dor no joelho que Maria Inês Cyrino Oliveira, 55, sentia foi em-
bora ao longo dos meses em que participa do projeto de pesquisa
articulado com a extensão. “Estou me sentindo disposta em tudo.
Até meu humor mudou.” Já Raimundo Rezende Machado, 62,
sente melhoria em atividades simples, como carregar sacolas sem
se cansar tanto. “Quando descia um morro, sentia dor até que o
corpo esquentasse.”
O progresso das atividades deriva, ainda, do envolvimento dos
alunos dos cursos responsáveis pelas ações. São eles que estão
em contato mais direto com a população como instrutores. Para
participarem, recebem bolsa mensal em forma de auxílio financei-
ro. Em 2011, foram pagos R$ 115.200 a 40 alunos.
Em um ano e meio, mais de cem inscritos em dois projetos fo-
ram orientados pelo bolsista de Educação Física Sérgio Ribeiro
Barbosa, para quem o desempenho estimula o aluno estudar,
pesquisar e criar. “Além disso, contribui para uma metodologia de
trabalho, ao passar pelos desafios de elaborar e ministrar aula ou
treino e lidar com diversos públicos e situações inusitadas.”
A abertura dos portões da Faefid traz também desafios, como
manutenção da infraestrutura, contato mais intenso com a co-
munidade externa e demanda crescente pelo uso do complexo.
A diretora da Faefid, Edna Martin, frisa que a manutenção da es-
trutura é feita regularmente e segue trâmites burocráticos legais
para contratar empresas. Ao definir a ocupação do espaço é dada
prioridade ao ensino. “As instalações são as salas de aula prática
de nossos alunos. Atendemos também a necessidade de todos
os projetos e outras práticas. Mas ainda há horário livre para uso
do espaço.”
NOVA ORDEMAinda que a procura pela vida saudável seja mais evidente, nos
últimos anos, resiste a percepção de que tempo útil é só o des-
tinado ao emprego ou a outras obrigações diárias. Segundo o
docente Luiz Carlos Lira, em estudo produzido com alunos de
Ginástica e Turismo Social para Idosos, ocorre com frequência “a
mistificação, a exaltação do trabalho, o que gera quase sempre
atitude de desconhecimento de outras dimensões do humano,
sobretudo, as possibilidades pela vivência do tempo de lazer”.
O peso que o esporte possui é acentuado pelo antropólogo
Roberto DaMatta. No livro “A bola corre mais que os homens”,
de 2010, o pesquisador considera que, “excetuando a guerra e
certos rituais (dos quais o carnaval é o exemplo mais significati-
vo), nada é mais claramente construído por oposição às normas
e valores que governam o cotidiano do que o esporte”. A ativi-
dade “suspende o trabalho como castigo e vocação” e “coloca
de quarentena os tabus diários relativos ao corpo e aos poderes
constituídos”, quando, por exemplo, está em jogo a capacidade
do participante e não a classe social.
A Faefid recebe atletas que querem se dedicar mais a esses mo-
mentos de suspensão de tabus, como atualmente jogadores de
vôlei e ginastas, e também se prepara para atrair delegações da
Copa de 2014 e das Olimpíadas de 2016. O complexo esportivo
já foi habilitado pelo Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos
como local de treinamento. Enquanto isso, mais de 50 crianças
de 7 a 13 anos trilham, no atletismo, o caminho das medalhas no
projeto Minas Olímpica - Geração Esporte em parceria com a Se-
cretaria de Estado de Esportes e da Juventude. O objetivo é criar
equipes para competições oficiais a partir de seletivas em escolas
da Cidade Alta, no entorno do campus. “O projeto é um ótimo
espaço para pesquisas do Mestrado em Educação Física”, conclui
o coordenador local, professor Jorge Perrout.
EXTENSÃO
MAISinfoRMações e novidades sobRe a faculdade de educação física:www.ufJf.bR/faefid
A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012 4343
A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012
Buscando qualificação, técnico-administrativos em
educação (TAEs) e docentes da Universidade Federal
de Juiz de Fora (UFJF) frequentam atualmente cur-
sos de graduação, mestrado e doutorado com apoio
de bolsa institucional. O programa que tornou isso possível teve
início em setembro de 2011, com base em pesquisa feita interna-
mente pela Administração Superior sobre o interesse dos servi-
dores em possuírem mais um grau acadêmico. No ano passado,
155 pessoas foram contempladas.
A Universidade investiu, até dezembro de 2011, cerca de R$ 700
mil em bolsas do Programa de Apoio à Qualificação (Proquali).
A expectativa é de que os recursos sejam ainda maiores com a
abertura do edital 2012. O documento publicado no final de mar-
ço trouxe 250 oportunidades.
“Aquela antiga percepção de que o técnico é responsável apenas
pelo serviço operacional acabou. Entendemos que servidores
mais bem preparados alavancam mudanças na gestão organi-
zacional, aprimorando os processos, opinando criticamente e
agregando valor”, ressalta a pró-reitora de Recursos Humanos,
Jackeline Fernandes Fayer, sobre a aplicabilidade do programa.
CAROLINA NALON | repórter
Programa institucional destina 250 bolsas de apoio para qualificação de técnicos e docentesINCENTIVO CONTEMPLA CURSOS DE GRADUAÇÃO E PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU E PODERÁ DOBRAR, EM DOIS
ANOS, NÚMERO DE TÉCNICOS COM MESTRADO NA UFJF
PENSAR A UNIVERSIDADE
HENRIQUE, DENISE E THIAGO SE BENEFICIAM COM A OPORTUNIDADE OFERECIDA PELO PROGRAMA
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A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012
Segundo ela, a intenção é de que o Proquali seja integrado aos
objetivos do Plano de Desenvolvimento Institucional da UFJF e
contribua para a formação continuada de TAEs e docentes.
Para a graduação, o apoio cobre até 80% da mensalidade dos
cursos em instituição particular de ensino, limitado ao valor de R$
700. Para os que estão fazendo mestrado ou doutorado, o incen-
tivo é de R$ 1 mil, não sendo possível acumular bolsas. Segundo o
assistente em Administração Bruno Stigert do Valle, o programa
tem sido fundamental para ajudar nas despesas com a Faculdade
de Direito. O estudante trabalha na Secretaria de Assuntos Ju-
rídicos onde passou a ter contato com o universo da sua futura
profissão. “Ver as coisas na prática é muito mais interessante do
que na teoria”, admite ele, que pretende continuar contando com
o Proquali para fazer mestrado no próximo ano.
No Centro de Gestão do Conhecimento Organizacional (CGCO)
há cinco técnicos se preparando para serem mestres. Três deles
estão no segundo ano do curso, e outros dois iniciaram as aulas
há cerca de dois meses, estimulados pelos colegas.
Para o analista de Tecnologia da Informação Francisco Henri-
que Ferreira, continuar estudando é uma maneira de se valori-
zar profissionalmente. Seu objeto de pesquisa no Programa de
Pós-graduação em Ciência da Computação está relacionado à
modelagem de sistemas P2P, ou seja, ponta a ponta. “Estudo a
dinamicidade do tráfego na rede, o que pode levar a um melhor
entendimento sobre perfil e comportamento do usuário.” Para ele,
a pesquisa tem grande aplicabilidade no estabelecimento de po-
líticas de uso e realização de projetos de redes mais inteligentes.
Colega de trabalho e classe de Ferreira, Thiago Nery procurava
se aproximar da docência, mas nunca pôde se dedicar inteira-
mente aos estudos. “Passar no mestrado foi uma boa surpresa.”
Sua linha de pesquisa é em engenharia de software, ligada às
atividades desempenhadas no CGCO. Nery já enxerga possíveis
contribuições de seu objeto de estudo, a busca semântica - um
tipo de mecanismo de pesquisa mais inteligente -, nos sistemas
da Universidade, em especial, no da Biblioteca.
O mestrado sempre foi um objetivo de Denise Schmitz mesmo
antes de se tornar servidora da UFJF. Há um ano como analista de
Tecnologia da Informação, agora tenta conciliar o papel de mãe e
profissional com a dissertação que está por vir. Optou pelo mes-
trado em Modelagem Computacional e acredita que a especiali-
zação stricto sensu abre novos horizontes. “Quando focamos só
no trabalho, não vemos soluções para alguns problemas com que
nos deparamos. A pesquisa nos mostra outras possibilidades.”
Para os entrevistados, o Proquali traz mais tranquilidade e mostra
que a Universidade reconhece o esforço dos servidores. A bolsa
possibilita arcar, ainda, com custos na participação de congressos
e publicação de artigos. Nery, por exemplo, investiu os recursos
para apresentar trabalho em seminário em Aracaju (SE), em 2011.
Esse também é o caso da professora do Departamento de Educa-
ção Física do Colégio de Aplicação João XXIII Eliete Verbena, que
utiliza o apoio para eventos e aquisição de livros. Em seu último
ano de doutorado na Universidade do Minho (Portugal), desen-
volve tese na área de Sociologia da Infância. “Estudo a autonomia
e a mobilidade (o ir e vir) da criança no espaço escolar e na cidade
a partir da compreensão de suas atitudes e comportamentos e re-
presentações.” Ao dar aula para as turmas de sexto e sétimo anos
do ensino fundamental, Eliete tenta colocar em prática as lições
de sua investigação. “Busco criar espaços de participação desses
sujeitos no cotidiano da escola, dando voz às crianças, uma voz
efetivamente ouvida, dialogada e compreendida, considerando as
especificidades da criança e da infância.” Para a doutoranda, os
estudos melhoraram sua relação pessoal com os alunos. “A pes-
quisa tem me tocado no sentido de observar e compreender a
criança com o olhar dela, despindo-me da visão ‘adultocêntrica’.”
A UFJF possui 78 TAEs com mestrado (6%) e 12 com doutorado
(1%). Entre os docentes, a pós-graduação stricto sensu é prati-
camente uma exigência da carreira e 68% já são doutores. Para
a coordenadora de Capacitação e Desenvolvimento de Pessoas
da Pró-reitoria de Recursos Humanos, Sônia Mara Marques, esse
número aumentará a partir do Proquali. Pode-se prever que, em
dois anos, o percentual de técnicos mestres na instituição dobre,
considerando que todos os matriculados em programas de mes-
trado concluam o curso. Segundo ela, o fato de o servidor público
federal contar com percentual de aumento no salário após a ti-
tulação contribui, ainda, para melhorar a autoestima profissional.
No caso da docência, a afirmação da professora Eliete é ilustrativa:
“Entendo nossa carreira como um processo contínuo de formação
e crescimento, para o qual diferentes aspectos se relacionam,
tais como o conhecimento, a afetividade e os contextos social
e cultural em que ocorrem. Sinto-me instigada a crescer nessa
profissão tão desafiadora”.
SAIBA COMO OBTER A BOLSAServidores interessados no Proquali devem ficar atentos
à publicação do edital. O último foi lançado em março e o
próximo ainda não tem data definida. A inscrição é feita pelo
Sistema Integrado de Gestão Acadêmica (Siga) em período
pré-determinado. Entre os requisitos para candidatura, é preciso
estar em efetivo exercício na UFJF, não exercer outra atividade
remunerada nem ser beneficiário de outra bolsa. O interessado
também não pode ter grau de formação ou titulação equivalente
a pleiteada e deve permanecer na instituição pelo mesmo período
de concessão da bolsa. Na seleção, conta ponto o tempo de
carreira e a relação do curso com as funções desempenhadas.
PENSAR A UNIVERSIDADE
45
Bem-vindo à cultura digitalCicero Inacio da Silva*
A escala com que avançam as inovações tecnológicas
na contemporaneidade não tem comparativo na
história da humanidade. Hoje, o planeta possui sete
bilhões de habitantes e muito desse crescimento se
deve ao avanço das técnicas de cultivo, distribuição de energia,
medicina, comunicação e sociabilidade. Atualmente, geramos
uma quantidade de informações diárias que suplanta praticamen-
te todos os dados pregressos.
O site de vídeos Youtube recebe 48 horas de conteúdo por mi-
nuto, o que equivale a oito anos de conteúdo audiovisual a cada
24 horas. Em comparação, a Rede Globo produz em média 22
horas de conteúdo diário. Dados como esses mostram que nós
alteramos radicalmente a forma de computar o tempo e de pen-
sar linearmente em termos de períodos. Hoje, a produção cultural
mensal da população global equivale, no âmbito da fotografia, da
música e do vídeo, à soma de tudo produzido desde o início da
era da reprodutibilidade técnica até os anos 2000.
Essas novas escalas de produção, distribuição, visibilidade e aces-
so tornam o nosso cotidiano cada vez mais intenso e interessante.
Cada vez mais serão necessárias novas formas de adequação dos
gastos energéticos que reduzam emissões poluentes, que melho-
rem o desempenho dos equipamentos e que previnam alterações
climáticas. Diante dessa imensa massa de dados democratizados
a todos com conexão à Internet, a maneira como ensinamos hoje
deveria ser radicalmente diferente, já que qualquer aluno pode
acessar e ler aquilo que o professor levou anos em sua formação
para aprender ou até mesmo conhecer. Contudo, somente as in-
formações, e não o conhecimento, estão em todos os suportes a
qualquer momento e em qualquer lugar.
Os sistemas computacionais do Google e do Facebook armaze-
nam e cruzam trilhares de dados por minuto para prover resulta-
dos sobre nossos desejos. Ou você leitor nunca foi surpreendido
em uma busca na internet com uma informação que você mesmo
não sabia que estava procurando? Essas situações são descritas
como o futuro da rede e delas dependerá muito da nossa con-
dição de sociabilidade e, em alguns casos, até de sobrevivência.
Atualmente, o Google desenvolve um sistema de rastreamento de
equipamentos que envia dados à “nuvem” informando posições
geográficas dos usuários e consegue observar a partir de cruza-
mento de dados se há uma alteração na velocidade do aparelho
em uma determinada via, tendo assim condições de calcular um
congestionamento. Existem também sistemas de catalogação
de dados interconectados em escala global sobre doenças que
permitem diagnósticos com extrema precisão. Um médico terá à
sua disposição bases de informação que, quando analisadas com
milhares de outros casos, poderão prover resultados precisos em
termos de diagnóstico.
Hoje é possível utilizar supercomputação para prever modifica-
ções climáticas com bases em modelos muito mais complexos.
Para que tudo isso funcione, existem milhares de computadores
interconectados em redes e padrões de acesso a dados ainda ini-
magináveis. Esse novo paradigma dos computadores é hoje co-
nhecido como Exoescala – possibilidade de fazer um computador
possuir um bilhão de processadores. Estima-se que só em 2018
chegaremos a esse patamar. Um computador de performance
média que temos em casa possui algo em torno de 500 Gb de
disco rígido, o que equivale a 90 DVDs. Um supercomputador
como o Blue Gene, da IBM, pode comparar-se a 180 milhões de
DVDs e conseguir analisar em poucos segundos todos os dados
contidos em seus discos. Isso nos permite dizer que, em um
futuro próximo, teremos ao nosso alcance a possibilidade de
programar ou até mesmo de alterar eventos. Em certo sentido,
programar o futuro sempre foi um desejo humano. Se colocarmos
em perspectiva o que aconteceu no último século em termos
de mudanças na compreensão do mundo, podemos afirmar que
nunca estivemos tão perto de realizá-lo.
*Coordenador do Grupo de Estudos do Software; pesquisador e professor adjunto da UFJF
MUNDO DIGITAL
A3 - ABRIL A SETEMBRO/201246
A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012
Música: obras experimentais questionam os limites entre as expressões artísticas
PROFESSOR DO INSTITUTO DE ARTES E DESIGN DA UFJF, DANIEL QUARANTA (FOTO), QUESTIONA FRONTEIRAS
DA ARTE AO PESQUISAR E CRIAR OBRAS EXPERIMENTAIS QUE USAM MÚSICA, POESIA, VÍDEO E PERFORMANCE.
A PARTIR DA ANÁLISE TEÓRICA, ORGANIZA EVENTOS, COMO O ENCONTRO INTERNACIONAL DE MÚSICA E ARTE
SONORA (EIMAS), NA UNIVERSIDADE
RAUL MOURÃO | repórter
Imagine sintonizar uma estação de rádio e se deparar com
ruídos, distorções de voz e harmonias, em alguns casos, pouco
cotidianas. A cena é muito pouco provável de acontecer,
principalmente, quando a busca é por uma estação de rádio
comercial. A combinação de sons, que, para o senso comum, não
passaria de algum tipo de interferência na recepção do aparelho,
é também música, experimental e questionadora dos limites entre
as expressões artísticas.
Nas décadas de 30, 40 e 50 do século passado, a sintonia, ainda
que raramente, poderia trazer manifestação de vanguarda de um
dos precursores da experimentação sonora, o americano John
Cage, que completaria cem anos em 2012. O compositor, poeta
e pintor trouxe o som do dia a dia, o barulho e o ruído, marcados
pela aleatoriedade, para o status de música. A sua mais famosa
composição “4:33”, de 1952, não tem nem sequer uma nota. O
músico fica em silêncio durante toda a apresentação para que a
plateia perceba o burburinho do ambiente. Simples e provocante.
PESQUISA
FOTO
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A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012
Distante das emissoras de rádio no Brasil, criações dessa linha
podem ser encontradas na internet, eventos e em trabalhos cien-
tíficos, sendo tema de pesquisa em diversos centros de estudo
no mundo. Na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), pro-
fessores como Daniel Quaranta, do curso de Música do Instituto
de Artes e Design (IAD), desenvolvem pesquisas sobre experi-
mentação da voz, poesia sonora e outras manifestações. A partir
da análise teórica, Quaranta compõe obras e organiza eventos,
como o Encontro Internacional de Música e Arte Sonora (Eimas),
na Universidade.
Em seus estudos, traça uma análise histórica e filosófica das ma-
nifestações musicais “de borda, da marginália”, como define, e
discute os limites difusos entre os diversos campos da arte, que
se inter-relacionam. O poema, por exemplo, não se restringe ao
suporte tradicional do papel, não tem a obrigação de ter sentido
e pode se associar a métodos típicos de outras expressões, assim
como a música pode estar presente na poesia e em representa-
ções.
“Não penso a obra como um caminho único, apenas vinculada a
questões sonoras, pois ela carrega toda a história da arte. Gosto
da ideia de arejar a música com outros discursos que a atraves-
sam”, diz o pesquisador, que trabalha com a colaboração interdis-
ciplinar de artistas, poetas e até filósofos.
Um dos exemplos mais representativos do entrelaçamento entre
as formas de arte é o poema-partitura “Ursonate” do alemão Kurtz
Schwitters (1887-1948), analisado por Quaranta em uma pesquisa.
O artista europeu usou procedimentos de variação sonoro-vocal
muito utilizados na composição musical para criar complexas es-
truturas de melodia e motivos. Para ler o poema ou executar uma
performance baseada no texto, o autor insere instruções sobre a
sonoridade das sílabas, a pronúncia e a cadência. “Na ´Ursonate`,
não existem as palavras no sentido ordinário, assim como não
existe lógica de significação nela”, ressalta o professor.
CONTRIBUIÇÃO DE VANGUARDAA concepção padronizada de cada expressão artística, com refrão
claro, lirismo clássico e estrutura rígida, foi abrindo espaço para
novas possibilidades. O processo de transformação ganhou noto-
riedade, a partir do século XX, com movimentos de vanguarda, na
Europa, como demonstra o levantamento histórico e fonográfico
feito pelo pesquisador.
O futurismo italiano e o futurismo russo foram os responsáveis
por marcar mais fortemente a ruptura com as tradições literária e
musical. Aboliram o advérbio, mudaram signos de pontuação por
matemáticos e musicais e utilizaram martelos, motores ou máqui-
nas de escrever como instrumentos. “Para os futuristas, o poema
não estava destinado à leitura silenciosa, mas a uma proposta
para sair da página e ser encenado, convidando a participação
“Não penso a obra como um caminho único, apenas vinculada a questões sonoras, pois ela carrega toda a história da arte. Gosto da ideia de arejar a música com outros discursos que a atravessam”
(Daniel Quaranta)
PESQUISA
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A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012
do público. Um recital poético futurista era, antes de tudo, um
espetáculo visual e fonético.”
Em seguida, os dadaístas criaram o conceito de antipoesia, de
versos sem palavras e poemas de sons. Onomatopeias, neologis-
mos e combinações de letras, musicalmente arranjadas, fazem
parte do movimento. No México, em 1920, surge o estridentismo,
combinando aspectos do cubismo, do futurismo e do dadaísmo.
O advento de tecnologias de gravação abre novas possibilidades
de criação a partir da década de 50. Nessa época, desenvolvem-
se a música concreta e a poesia sonora, que exploram o
processamento do som, principalmente, da voz, e o sentido
semântico fica em segundo plano. “Quando escutamos poesia
sonora, percebemos que há uma fronteira expressivo-territorial
difusa, e, assim, o que era sólido no papel se dilui no ar, nas ondas
sonoras e no intangível da experiência da perfomance. E o que é
poema sonoro pode se transformar em música poética.” Surgem
o movimento letrista e, na década de 80, a polipoesia, concebida
para o espetáculo ao vivo.
NA CADÊNCIA DA TECNOLOGIAAtualmente, a criação é estimulada pela proliferação de novas
tecnologias, como smartphones, tablets e programas de com-
putador. Mas “a reflexão estética não costuma acompanhar o
rápido avanço das indústrias tecnológicas”, diz. Desse descom-
passo, aparecem produtos “muito padronizados”. Vários vídeos
no Youtube listam canções com a mesma base. Em um deles, são
tocados 40 hits que usam os mesmos quatro acordes, que é a
execução de três ou mais notas em sequência.
“As pesquisas acadêmicas têm como objetivo tentar observar
de que maneira a produção está ocorrendo, ao refletir sobre os
meios, a bagagem estética e teórica. Muito já foi escrito sobre
Mozart, mas no campo da tecnologia, o mercado é mais rápido do
que o pensamento sobre ela”, reitera. O professor busca produzir
obras de cunho experimental, estimuladas pelo estudo teórico,
mas “não tão radicais” como as dos pioneiros John Cage, Chris-
tian Morguenstern e Man Ray.
Uma das composições, que foram frutos de pesquisa, chama-
se “SerVoz”, executada, em tempo real, a distância. Em março,
o professor e a artista Michele Aguinez ficaram posicionados
em Belfast, capital da Irlanda do Norte, acompanhados por dois
compositores na Universidade de São Paulo (USP). A performance
com voz e produção de vídeo, criada coletivamente, foi transmitida
pela internet, como parte do festival Sonorities, de um dos mais
importantes centros de experimentação artística do mundo,
o Sonic Arts Research Centre (Sarc, ou Centro de Pesquisa em
Artes Sonoras). “Usamos a voz como um instrumento extremo,
e não como um meio de comunicação, linguístico. Importa mais
o som.”
Juiz de Fora já recebeu apresentações semelhantes, nas duas
edições do Encontro Internacional de Música e Arte Sonora
(Eimas), organizado por Quaranta, em parceria com os professores
Luiz Eduardo Castelões (UFJF) e Pedro Bittencourt (UFRJ). O
evento, neste ano, acontecerá entre 12 e 16 de setembro, também
com a presença de artistas importantes de diferentes lugares do
mundo. Entre eles, Stefano Scarini, produtor de vídeo e música,
que trabalhou com o artista Peter Greenaway, conhecido por seus
filmes e inovações multimídias, e o compositor e programador
Francisco Colasanto, ganhador do prêmio alemão de música
eletrônica Giga-Hertz.
MAISdaniel QuaRanta é MestRe e doutoR eM Música pela ufRJ, pRofessoR de Música na gRaduação da ufJf e na pós-gRaduação da univeRsidade fedeRal do paRaná. Já se apResentou eM diveRsos festivais e encontRos na aleManha, na aRgentina, no bRasil, na bolívia, no chile, na espanha, na iRlanda do noRte, no México e eM outRos países
conheça as suas pRoduções: http://soundcloud.coM/danielQuaRanta e eM www.Myspace.coM/danielQuaRanta
ouça Músicas no aceRvo do site: www.ubu.coM
site da oRganização the John cage tRust: http://Johncage.oRg
página do sonic aRts ReseaRch centRe: www.saRc.Qub.ac.uk
“As pesquisas acadêmicas têm como objetivo tentar observar de que maneira a produção está ocorrendo, ao refletir sobre os meios, a bagagem estética e teórica. Muito já foi escrito sobre Mozart, mas no campo da tecnologia, o mercado é mais rápido do que o pensamento sobre ela”
(Daniel Quaranta)
PESQUISA
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A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012
Em seu último CD, “Artigos Impalpáveis”, Marcinho
Itaboray fez a sua primeira parceria com Fernando
Brant, na música “Guardar e não guardar”, momento
alto de uma carreira, paralela à Medicina, feita sob a
inspiração de Milton Nascimento – que cantou no CD anterior, na
faixa “Não há paz” (parceria Itaboray/Rodrigo Barbosa) – e do
pessoal do famoso Clube da Esquina.
O disco foi lançado dia 22 de dezembro de 2011 com um show no
Cultural Bar, em Juiz de Fora. Na letra de “Guardar e não guardar”,
Fernando Brant retoma suas preocupações com a harmonia de
si e com a vida: “Guarde no aposento mais claro de sua alma /
seus pequenos e grandes momentos / O seio da mãe e o abraço
do pai... E seja moleque por toda essa vida / ...Guarde a água, não
guarde a mágoa / Guarde o amor, não guarde a dor...”
A canção foi gravada por Nair de Candia que, no final, solta
uma nota aguda espetacular. O arranjo e acompanhamento é
de seu marido, Jaime Álem, maestro de Maria Betânia há anos,
e amigos de Marcinho há mais tempo. A letra atende também à
ideia de Marcinho: “Um dia um dos meus filhos me perguntou o
que eu coleciono ou colecionava. Eu respondi que eram artigos
impalpáveis, como a saudade, a alegria, as angústias, as paixões,
as emoções nos livros que leio, nos filmes que vejo ou nas canções
que ouço. Partiu daí, a iniciativa de gravar um novo CD e passear
por esses artigos impalpáveis nas canções”.
Se é função da arte tornar visível o que está invisível (Vilém Flusser
/Merleau Ponty), neste sentido, musicar é mapear emoções.
Palpáveis ou impalpáveis.
Isabella Ladeira, vocalista do trio Lúdica Música (junto com Rosana
Britto, voz/violão e Gutti Mendes, violão) que faz a base do CD e
do show, crê que a música de Marcinho “expõe nuances de uma
personalidade tão boêmia e interiorana, quanto cosmopolita e
moderna”.
Pois assim é, interior e cosmopolita, parafraseando Fernando
Pessoa: “Cante a sua aldeia, que cantará o mundo”, ou Milton em
“Para Lennon e McCartney”, dele e Márcio Borges: “Sou do mundo,
sou Minas Gerais”. Marcinho é como todo artista, uma espécie de
desaguadouro de sentimentos coletivos e, também, um tipo de
antena da raça, por vislumbrar, intuitivamente, às vezes, caminhos
desconhecidos até para si próprio, tanto melódica, como poética
e tematicamente.
Marcinho Itaboray, que não quis seguir a carreira musical para se
dedicar com igual valor à Medicina - formou-se na Universidade
Federal de Juiz de Fora em 1980 -, convidou grandes profissionais
para produzir este CD. Além de Nair, Jaime Álem e Lúdica Música,
participaram Sueli Costa, Zé Renato (ex-Boca Livre), Myllena,
Edson Leão e o Márcio Hallack Trio. Os filhos Renato (22) e Pedro
(12), também estiveram presentes, dando continuidade à já antiga
saga musical dos Itaboray.
Marcinho, por exemplo, estreou na música aos 3 anos de idade,
numa rádio de São João Nepomuceno (MG), levado por seu pai,
Francisco Itaboray (1920-2005), “seu” Chiquito, um dos troncos
mais fortes de uma frondosa família musical. Todos os seus filhos
com dona Maria, de Monte Verde (MG): Dadá, Cezar, Marcinho
e Ronaldo, são músicos e compositores. O conjunto de baile
“Itaboray”, sediado naquela cidade, formado por vários parentes,
era um dos mais conhecidos em toda a Zona da Mata Mineira, dos
anos 50 aos 70.
Neste disco, Marcinho Itaboray fez canções extremamente líricas
como “O menino” (para os seus filhos); “Foi melhor assim”;
“Água e pão”; “Rio de águas claras”, com Guilherme de Andrade;
“Palavras de Rosa”, “O tempo do amor” e “Dor e carnaval”, com
Rodrigo Barbosa; “O amor me acordou”, com Márcio Hallack;
“Transbordou”, “Garras da paixão” e “Artigos impalpáveis”, com
Marcus Pestana: “...Eu vou nessa busca louca e apaixonada /
Ao seu mundo de sonhos tão viáveis / Ouça então essa canção
desarrumada / Tão repleta de artigos impalpáveis...”.
Comigo, fez “Santo de barro”, uma canção de 1974. Houve uma
tremenda coincidência nesse CD: metade das canções fala em
água de alguma forma. Começou com a mais antiga (todas as
demais são recentes) e terminou com o alerta necessário de
Fernando Brant. Simples acaso?
Geraldo Lúcio de Melo (Gerrô)*
*Jornalista, formado pela UFJF em 1972, mestre em Comunicação pela UFRJ, em 2009
MÚSICA
Cançõesde artigos impalpáveis
A3 - ABRIL A SETEMBRO/201250
A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012
Os desenhos de colorido vibrante camuflam a realida-
de da doença. Nas formas e cores surgem afetos li-
gados à família, aos amigos e à escola. É como se as
formas no papel trouxessem de volta o tempo em
que o corpo não representava ameaça. A perspectiva de retorno
às brincadeiras, as árvores frutíferas e as flores borradas relem-
bram folguedos da saúde e transmitem esperança de retorno ao
mundo fora do hospital. Entretanto, Maria, do leito 8 (ver página
9 da cartilha “Os direitos educacionais da criança e do adolescen-
te: orientações para escolas, famílias e hospitais”) revela o outro
lado da doença: a solidão e a ausência de cores em seu mundo
de paciente internada na enfermaria de pediatria. Essas imagens
ilustram uma realidade bipartite de sentimentos antagônicos. Es-
peranças enfeitam a imaginação. A tristeza acinzenta a vida.
A enfermaria de pediatria de um hospital talvez seja o seu local
mais comovente. Ali, encontram-se crianças com diferentes
quadros clínicos: alguns de ótimo prognóstico, outros sem
esperanças de recuperação. Alguns quadros terminais que abalam
os profissionais que ali trabalham, desestruturam as famílias,
deprimem as crianças. Algumas ficam pouco tempo, outras
têm internações mais demoradas e outras, ainda, são pacientes
crônicos: pacientes renais, diabéticos, cardíacos etc. Encontram-
se também nas enfermarias de pediatria, casos desesperadores
de crianças com doenças terminais cuja única perspectiva, que
vem a termo, é o óbito. Alegrias de partidas e luto de perdas.
Em qualquer dos casos, essas crianças estão fora do seu ambien-
te familiar, desestimuladas pela doença e ausentes da escola. Seu
tempo de internação pode causar transtornos emocionais e re-
presentar uma grande perda de rendimento escolar e a reprova-
ção. Para que isso não aconteça, são fundamentais os programas
de atendimento psicológico e de estimulação pedagógica.
Entre as inúmeras necessidades de uma criança doente, internada
ou com doença crônica que se mantém em tratamento, mas que
continua na esfera doméstica, é o estabelecimento de ações que
a mantenham ligada à escola. Não apenas a sua vida pessoal, mas
também o seu estatuto de cidadão dependem da educação que
lá recebe.
Por isso, a criança doente possui direitos garantidos por lei, não
apenas de assistência médica, mas também pedagógica. Essa
realidade é, entretanto, desconhecida de muitas escolas e de inú-
meros hospitais que, por isso, não estão preparados para cumpri-
rem o que determina a lei no sentido de prover a criança doente
da educação oficial ou de mantê-la estimulada pedagogicamente.
Em algumas escolas, por exemplo, determinadas professoras, por
não conhecerem a lei, acreditam que podem recusar a presença
de uma criança diabética em sala de aula pelo acréscimo de tra-
balho que isso significa.
Nesse sentido, o curso de Psicologia da Universidade Federal de
Juiz de Fora (UFJF), tanto a graduação quanto a pós-graduação
em nível de mestrado, vem coordenando, com o apoio das pró-
-reitorias de Graduação e Extensão, do Serviço de Psicologia e do
Serviço de Pediatria do Hospital Universitário (HU) e com a par-
ticipação da Faculdade de Educação (Faced), um programa de
atendimento psicológico e pedagógico à criança doente que se
encontra internada nas dependências do HU da UFJF. Esta é uma
ação humanizadora que tem em vista, entre as demais, também
o desenvolvimento do sentimento de cidadania: nos profissionais
envolvidos, nas crianças internadas e em suas famílias e, ainda,
no trabalho de conscientização dos profissionais das escolas dos
direitos da criança enquanto cidadã adoentada.
A cartilha “Os direitos educacionais da criança e do adolescen-
te: orientações para escolas, famílias e hospitais” agora lançada
como uma ação social da Editora UFJF (EDUFJF), com distri-
buição gratuita, traz todos os esclarecimentos necessários à
orientação de hospitais e escolas para o atendimento correto e
humanizado da criança adoentada. Nesse empenho de diferentes
grupos de trabalho está vinculada a convicção de que o sujeito é
cidadão pelo seu nascimento, mas que ele precisa ter os seus di-
reitos reconhecidos para entender as suas obrigações e desfrutar
amplamente da sua condição social.
Qual é a idade da cidadania? Antenor Salzer*
* Psicólogo clínico; doutor em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da Uerj; professor adjunto do curso de Psicologia da UFJF; diretor administrativo da Editora UFJF
LITERATURA
A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012 51
O passado que nos atinge e nos fascina
Num mundo que não cessa de incluir o futuro no
presente, tal a aceleração com que vivemos o
cotidiano, salta aos olhos a forma como o passado
tem sido referenciado através de múltiplos trabalhos
de memória.
Alguns autores afirmam que estamos sendo “seduzidos pela me-
mória”, como bem disse Andreas Hayssen. Outros, ao contrário,
asseguram que vivemos a era da amnésia coletiva tal a forma
como o mundo contemporâneo nos induz em direção ao novo e
ao espetáculo de futuro que produzimos no presente.
Polêmicas à parte, é visível que o passado nos atinge e nos
fascina, transformando-se numa âncora temporal capaz de nos
fixar em um solo movediço, no qual as referências se encontram
muitas vezes irremediavelmente perdidas.
Como explicar as modas retrôs, os filmes antigos repaginados, as
intensas comemorações e a profusão de celebrações do passado?
Como explicar a multiplicação de museus, monumentos e exposi-
ções produzindo exaustiva documentação do passado? Na cena
pública, as cerimônias referenciando datas, personagens e acon-
tecimentos, que se transformam em supra-históricos, invadem as
telas da TV, dando nova significação ao passado.
Nas imagens ficcionais produzidas nas telenovelas e nas minissé-
ries, o passado passa a ser personagem. Das telas da TV vemos
surgir roupas que mostram que se vive outra época. Móveis com-
pondo os ambientes materializam um passado que conhecemos.
A memória que permite reconhecer aqueles traços como sendo
de um tempo histórico nos é informada por um conhecimento
coletivo, indicando traços de um tempo que designamos no
Marialva Carlos Barbosa*
MEMÓRIA
A3 - ABRIL A SETEMBRO/201252
calendário. Seduzidos pela memória que, afinal, é construção
do presente, acionamos uma história que produz identificação
coletiva: todos nos reconhecemos como fazendo parte daquele
universo, da mesma ancestralidade. Os trabalhos da memória
constroem aderências da vida à história comum, produzindo
identificações que se faz também a partir do passado partilhado.
Essa profusão de memória levou a um movimento singular
do ponto de vista teórico. Diversos campos de conhecimento
- a História, a Sociologia, a Psicologia, as Neurociências etc-
tornaram mais complexas as reflexões em torno do fenômeno
memorável. E a tradição de construção do conceito - na longa
linhagem que vem desde o século XIX com os estudos de Freud,
passando por Bérgson e Maurice Halbwachs no início do século
XX - foi adensada por novas reflexões. Vestígios, restos, farrapos,
trabalhos são palavras que tentam explicar esses traços que
invadem o presente. É pela ação memorável que se pode acessar
o passado, mesmo aquele que não vivemos, mas que nos atinge
- e nos fascina.
A memória, a partir dos testemunhos que dá ao seu portador a
autoridade de ter presenciado algo que pode trazer de volta, é
um trabalho que coloca sempre em referência o esquecimento.
A memória é dialética fundadora no espírito humano, em relação
com a categoria imaginação e com a possibilidade do esqueci-
mento. Memória é experiência vivida, lugar de disputas e de con-
flitos, na busca incessante por sentido.
A memória é também a primeira - e talvez a mais importante -
abertura em direção ao passado. Cada um de nós possui como
estrutura de imaginação imagens-lembrança de um tempo que
passou. Essas imagens dão a certeza de que há uma tempora-
lidade cambiante, móvel, indicando a passagem do tempo. Um
tempo vivido como progressão que, aprisionado pela narrativa,
torna-se a primeira possibilidade de conexão com o passado.
Se a memória é a primeira abertura em direção ao passado, a se-
gunda é a sequência de gerações. Sentimos no corpo a passagem
do tempo, nas marcas visíveis que figuram na face, no corpo, na
certeza inelutável da morte. As marcas visíveis para nós e para
todos os outros indicam que a vida passa.
O terceiro conector que permite acessar o passado é o rastro,
mostrando a passagem de alguém que deixou uma marca e que
pode também estar depositada num lugar físico: o arquivo, as
bibliotecas, os museus. A questão central: porque preservamos
determinados rastros e outros não?
Instala-se em relação aos rastros a problemática da memória.
Os documentos preservados mostram algo feito para durar, tor-
nando-se lembrança do passado no futuro. Estar de posse dessa
possibilidade é ser guardião da temporalidade histórica.
Deixar rastro significa deixar algo que fixa uma marca do passado
em direção ao futuro. O paradoxo é que a passagem não existe
mais, mas o rastro permanece. Portanto, é a ação humana que
deixa as marcas. O rastro mostra o aqui no espaço e o agora no
tempo, ou seja, a própria historicidade do homem. Nada existe
sem a ação humana.
MEMÓRIA
*Vice-Presidente da Intercom; pesquisadora do CNPq; doutora em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), professora titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro
A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012 53
A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012
A divulgação da produção científica é fundamental para o
fortalecimento dos programas de pós-graduação. Segundo o diretor
administrativo da Editora UFJF, professor doutor Antenor Salzer,
o trabalho realizado pela Editora contribui para o crescimento da
instituição e para que ela seja reconhecida como uma referência
de qualidade e de comprometimento com a pesquisa e a inovação.
Para Salzer, o fato de a Editora estar localizada no interior não a
impede de se destacar entre as grandes da área. Aos 25 anos, com-
pletados em 2011, mostrou que está bem no mercado brasileiro. No
ano passado foram publicados mais de 50 títulos, entre obras iné-
ditas, reedições, reimpressões e periódicos, além da participação
na Bienal do Livro, no Rio de Janeiro, com estande próprio – afora
UFJF, apenas a Editora UFMG, que é uma das maiores do país, tinha
seu próprio estande. Esta participação foi, segundo Salzer, uma
oportunidade de aumentar as vendas, e principalmente, de conso-
lidar a imagem da Editora diante do mercado de livros acadêmicos
e do mercado editorial, em geral.
Os lançamentos não são exclusivamente voltados para o meio aca-
dêmico. Atualmente, a editora tem autonomia para trabalhar como
uma empresa, transformando-se num birô de criação e, por isso,
pode atender a todo o público interessado.
Divulgação da produção científica é fundamental para fortalecer a pós-graduação
a editora uFJF está situada na rua benJamin Constant 790, no prédio do museu de arte murilo mendes (mamm) - JuiZ de Fora/mG.
tel.: (32) 3229-7646 | Fax: (32) 3229-7645 / e-mail: seCretaria@editorauFJF.Com.br
BULLYING: CONHECER E INTERVIR(Altemir Gonçalves Barbosa, Lélio Moura Lourenço e Beatriz Pereira (Orgs.) 148 páginas. R$ 20)Bullying - a “popularização” do tema trouxe como consequências o uso indiscriminado do termo e a disse-
minação de explicações simplistas, superficiais ou distorcidas a respeito dessa forma de agressão. Com o
objetivo de auxiliar pais e educadores a prevenir e combater o bullying, os professores Altemir Gonçalves
Barbosa (UFJF), Lélio Moura Lourenço (UFJF) e Beatriz Pereira (Universidade do Minho - Portugal) organiza-
ram esta obra, que se divide em duas partes: conhecendo o bullying escolar e intervindo no bullying escolar.
SILÊNCIOS E EDUCAÇÃO (Anderson Ferrari e Luciana Pacheco Marques (Orgs.) 148 páginas. R$ 25)Os organizadores, professores e pesquisadores Anderson Ferrari (UFJF) e Luciana Pacheco Marques (UFJF),
trabalham com a questão da construção das diferenças e das identidades. Eles perceberam que a escola e
outros espaços que dialogam com a educação nem sempre são locais de fala, de participação e de troca;
mas podem ser também lugares de sofrimento, silenciamento e disciplinamento. Os artigos buscam romper
esses silêncios e refletir sobre os processos de construção e de sustentação das relações desiguais entre os
sujeitos que compõem a dinâmica escolar.
OS PRÉ-SOCRÁTICOS(Mário José dos Santos. 1ª reimpressão. 136 páginas. R$ 17)O livro vem atender a demanda dos alunos de Filosofia e também do público interessado, em geral. Escrita
em estilo tão claro e simples quanto possível, a obra enumera os principais filósofos do período, situa-os
em seu contexto histórico e salienta sua contribuição para o desenvolvimento da Filosofia no Ocidente,
apresentando textos comparativos, comentários e citações. As ideias gregas constituem a base de grande
parte do pensamento ocidental e o estudo dos pré-socráticos é o ponto de partida para uma compreensão
mais exata de todas as escolas filosóficas que se seguiram.
FERNANDO LOBO | repórter
LANÇAMENTOS
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A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012
A memória adormecida de Jorge Couri pode ser despertada pela (e para a) cidade
Em 2011, incumbido de organizar uma exposição a partir
dos registros fotográficos de Jorge Couri, que atuou
ao longo de mais de quatro décadas, conheci o suave
e encantador Jorge e tomei contato com sua obra. Na
época, trabalhava na edição de estreia do projeto Foto 11, cria-
do pela Prefeitura de Juiz de Fora e pela Funalfa para celebrar
o Mês da Fotografia - agosto -, para ampliar a visibilidade dessa
linguagem artística e promover o diálogo dos profissionais com
o público e com o que é produzido em outras partes do mundo.
A primeira notícia que tive de Jorge Couri veio do Arquivo Histó-
rico de Juiz de Fora e de seus inspirados diretores. Foi a partir do
acervo fotográfico dos extintos jornais “Diário Mercantil” e “Diário
da Tarde”, sob a guarda do Arquivo Histórico, que conheci a sig-
nificativa produção do profissional. Depois de muitas tentativas
de encontro pessoal com o fotógrafo, conseguimos agendar uma
visita dele à Funalfa. Neste dia, houve uma longa espera, uma vez
que Jorge errou o endereço e atrasou-se por mais de 40 minutos.
Finalmente chegou, em companhia de sua simpática e comunica-
tiva esposa Marilda.
Não o conhecia pessoalmente e ele não se mostrava muito à von-
tade. Um senhor de 82 anos, ágil no raciocínio, mas com eviden-
tes limitações físicas impostas pela idade. Quando nos sentamos
à mesa, apresentei a equipe de trabalho e pedi autorização para
registrar em vídeo a nossa conversa. Falei da mostra, da homena-
gem e da necessidade que teríamos de seu auxílio para escolher
imagens que seriam pinçadas do grande universo de seu acervo.
Ele, então, se manifestou de forma pouco entusiástica em relação
à proposta de trabalharmos com as imagens digitalizadas a
partir de negativos de um determinado período do acervo dos
diários. Disse que só estava ali porque fui muito gentil e educado
com ele no período que antecedeu esse primeiro encontro, mas
que não era seu desejo mexer “naquelas coisas”, uma vez que
ENSAIO FOTOGRÁFICO
Toninho Dutra
Superintendente da Fundação Cultural Alfredo Ferreira Lage (Funalfa) e mestre em Educação pela UFJF
1978 - NA AVENIDA RIO BRANCO, PRÓXIMO À ESQUINA COM A AVENIDA PRESIDENTE ITAMAR FRANCO (ANTIGA INDEPENDÊNCIA), IMÓVEIS NÃO RESISTIRAM AO TEMPO. HOJE, NO LOCAL, HÁ LOJAS, EDIFÍCIOS COMERCIAIS E AGÊNCIAS BANCÁRIAS
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A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012
ENSAIO FOTOGRÁFICO
suas recordações não eram boas e, com certeza, o trabalho
resgataria fatos que, na realidade, ele preferia esquecer. No relato
pessoal, fica clara uma grande mágoa em relação ao término das
atividades dos jornais e a forma como ele e outros profissionais,
que, durante anos, neles atuaram, foram tratados no ato do
encerramento. Jorge Couri, por exemplo, foi proibido de entrar
no imóvel onde funcionaram os jornais até para pegar pertences
pessoais.
Intuí que nossa proposta poderia ser dolorosa para ele, e que
talvez não quisesse participar do movimento. Mas precisava
construir um caminho: seguir no trabalho ou, em última hipóte-
se, encerrá-lo. A busca da memória não pode ser uma manobra
violenta, então, argumentei que nosso desejo não era falar do
jornal, mas dele, Jorge Couri, e de sua produção fotográfica. In-
formo que este seria o foco do trabalho. Ele, então, sugeriu que
começássemos.
No início, se manteve completamente distante, reticente. As
imagens eram apresentadas a ele, projetadas na parede, mas a
qualidade perdia muito na comparação com as que apareciam
na tela do computador compacto que eu manuseava para que
pudesse apresentar a projeção.
As imagens, pelo menos no princípio, impactaram mais sua es-
posa Marilda do que a ele mesmo. A presença dela foi funda-
mental para modificarmos o envolvimento do homenageado. Ela
mostrava com alegria algumas pessoas nas fotos e comentava,
de forma descontraída, as imagens projetadas. As fotografias
não causavam incômodo à dona Marilda, que parecia se diver-
tir e, com prazer, tecia comentários sensíveis sobre a época, as
pessoas e aquele cotidiano retratado. Suponho que a postura da
esposa tirou Jorge da proteção do distanciamento que, aparente-
mente, havia proposto para si. Gradativamente, assumiu o posto
de comentarista das imagens, e a esposa, não sei se por haver se
cansado ou por sua postura de refletir de alguma forma a relação
dos dois, ou, quem sabe, até por, de forma consciente ou não, ter
percebido que cumpriu seu papel naquele momento, parece que
transmitiu a ele o direito de operar suas memórias.
1965 - INDÚSTRIA DE REFRIGERANTES LANÇAVA PROMOÇÕES EM CARREATA PELA CIDADE. NO FLAGRANTE, OS CAMINHÕES NA AVENIDA DOS ANDRADAS EM FRENTE AO COLÉGIO SANTA CATARINA
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A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012
ENSAIO FOTOGRÁFICO
1956 - CORRIDA DOS GARÇONS NA AVENIDA RIO BRANCO, PRÓXIMO AO PARQUE HALFELD
1979 - MANIFESTANTES OCUPAM AS ESCADARIAS DA CÂMARA MUNICIPAL EXIGINDO ANISTIA TOTAL E IRRESTRITA PARA OS QUE LUTARAM CONTRA A DITADURA MILITAR
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A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012
Jorge ficou mais falante. Aceitou o café, antes recusado. Comeu
biscoito e passou a sorrir e a brincar. Pediu umas três vezes que
tentássemos conseguir o acervo de fotos de papel. “Ali, eu já sei,
é meu material. Lidava com aquilo. Aqui (no computador) é dife-
rente.” Não são muitas as fotos de sua autoria reveladas em papel
existentes hoje. Na verdade, bem poucas.
É importante citar que naquele primeiro dia, nosso encontro se
prolongou por quase três horas e, como já disse, o sentimento
de nosso homenageado em relação ao trabalho foi se modifican-
do ao longo dessa sessão. No final, ao se despedir, ele pergunta:
“Quando será o próximo dia? Agora me interessa continuar. Já
que comecei, quero ir até o final.” E foi!
Enviamos à sua casa as fotos existentes, além de um conjunto que
revelamos a partir de negativos e imagens digitalizadas, somando
mais de 400 imagens. Era no papel que ele reconhecia a si mes-
mo, o tempo que chamava de seu e o trabalho que desenvolveu
ao longo de uma vida inteira. Era assim que suas memórias eram
operadas e foi assim que a mágoa inicial cedeu lugar ao entusias-
mo e ao orgulho por sua significativa produção.
A primeira reação que, no início, apontava para um caminho de
negação e, até mesmo, sofrimento, foi sendo gradativamente
substituída por outros sentimentos. Seus comentários sobre sua
produção passaram a ser prazerosos. As observações agora eram
acompanhadas de um brilho no olhar, que combinavam mais com
alguém que tem orgulho de sua produção. Orgulho e honra de
cidadão trabalhador e honesto, já que ele se identifica como um
trabalhador mais do que como um artista. E as memórias foram
divididas com a família, que se envolveu no processo.
Em uma destas conversas Jorge me contou, cheio de orgulho,
como conseguiu fotografar a moça soltando uma pomba, na
abertura dos Jogos Olímpicos Universitários, e ainda me revelou
que, entre todas as fotos que tirou, era essa a sua preferida. Foi
assim que, com um sorriso de menino, contou-me da ousadia para
obter os registros fotográficos do famoso “sequestro da Rua das
Margaridas” (ocorrido em 1990 em Juiz de Fora e que mobilizou
a mídia nacional), e ainda me disse de suas preferências: fotogra-
far crianças, principalmente, as mais pobres; os políticos e suas
obras; eventos envolvendo autoridades da cidade; seu cotidiano
e os lances fantásticos do futebol. Foi assim que Jorge Couri tra-
balhou com suas memórias e nos ajudou a fortalecer a memória
coletiva da cidade.
JORGE COURI (SEGUNDO À ESQUERDA) EM UMA DAS COBERTURAS DO “DIÁRIO MERCANTIL”
ENSAIO FOTOGRÁFICO
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1980 - TRADICIONAL CHUVA DE PAPEL PICADO NO CALÇADÃO DA RUA HALFELD
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ABERTURA DE UMA DAS EDIÇÕES DOS JOGOS OLÍMPICOS UNIVERSITÁRIOS REALIZADOS NA UFJF
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ENSAIO FOTOGRÁFICO
1964 - VERÕES MARCADOS POR ENCONTROS NO SPORT CLUBE JUIZ DE FORA
1956 - RESISTINDO AO TEMPO, A CASA CHIC FUNCIONA NO MESMO ENDEREÇO, NA REGIÃO CENTRAL DA CIDADE, DESDE OS ANOS 30
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1965 - DESFILE DE CORSOS DURANTE OS DIAS DE CARNAVAL
1990 - JORGE COURI DURANTE A COBERTURA DO “SEQUESTRO DA RUA DAS MARGARIDAS”, FATO QUE OBTEVE AMPLA COBERTURA DA MÍDIA NACIONAL
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1952 - ESCOLHA DA RAINHA DO TUPI MOBILIZAVA A SOCIEDADE JUIZ-FORANA
1970 - LONGE DA ERA DIGITAL, A PERCEPÇÃO DO FOTÓGRAFO NO MOMENTO MÁGICO DO FUTEBOL
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1952 - CAFÉ DIA E NOITE, NA ESQUINA DA AVENIDA GETÚLIO VARGAS COM RUA MARECHAL DEODORO, NO MESMO LOCAL DESDE SUA INAUGURAÇÀO
1969 - PRÉDIO DOS GRUPOS CENTRAIS, REFERÊNCIA ARQUITETÔNICA DO CENTRO DA CIDADE
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1963 - LOJA DA GASTAL S.A., EM EXPOSIÇÃO QUE TINHA COMO UM DOS DESTAQUES O CARRO GORDINI
1965 - A ENTREGA DE LEITE ERA FEITA POR CARROCEIROS EM TODA A CIDADE
ENSAIO FOTOGRÁFICO
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PromessaLuiz Ruffato*
Meu pai vivia bêbado. Talentoso, no entanto não con-
seguia manter-se em nenhum serviço. Não nasci
pra ser empregado de ninguém, revoltava-se. Acor-
dava cedo, antes de todos, e saía, envergonhado,
só aparecendo à noite, cambaleante, fedendo à cachaça, sombra
se esgueirando no mundo. Minha mãe, com suas costuras, é quem
sustentava a casa. As discussões, antes frequentes, já nem mais
ocorriam – ele dormia num sofá velho, onde os gatos afiavam as
garras, a pequinesa entre as pernas. Nós éramos quatro meni-
nas em escadinha, para desgosto dele: eu, Ju, a maior, 12 anos;
a Nem, 11; a Zô, 9; e a Bia, 7. Morávamos numa casa modesta,
quintal pequeno, acimentado, uma jabuticabeira no centro que
dava frutos quase que com raiva, expulsando os caroços negros
que explodiam no chão, abertos em carnadura branca. No come-
ço, gostava de jabuticaba, mas com o tempo enjoei, o cheiro me
causava náuseas. Meu pai se prontificou a cortar a árvore, minha
mãe se interpôs, e essa foi a última e pior briga entre eles, Você
é amaldiçoada, Cinira, ele gritou, Dessa barriga só nasce mulher!
E nunca mais se falaram. Eu passei a odiar meu pai que, por não
colocar dinheiro em casa, obrigava minha mãe a se desdobrar na
máquina de costura, dia e noite o entra e sai de gente que vinha
encomendar um vestido, conferir um ajuste, aviar um modelo. Vi-
víamos escondidas entre retalhos, manequins e linhas esfiapadas,
chafurdando em cores e texturas. Mas nós nos amparávamos:
mamãe tomava conta de nós, e nós cuidávamos umas das outras,
cidadela inexpugnável contra as mazelas do mundo.
Uma sexta-feira, meu pai entrou em casa exultante, ligeiramente
alto, Ganhei no jogo do bicho! Ganhei no jogo do bicho! Macaco
na cabeça!, sobraçando um saco de pães quentinhos, mortadela
fatiada e um litro de refrigerante. Era um fim de tarde, e minha
mãe se apurava para terminar dois vestidos para um casamento
no dia seguinte. Conciliador, meu pai falou, Para um pouco, Cinira,
vem comemorar com a gente! Mas, ela, indignada, concentrou-
se ainda mais no trabalho. Percebendo a decepção do meu pai,
tentamos, eu e minhas irmãs, consolá-lo. Arrumei a mesa de
fórmica da cozinha, e comemos, prazerosamente, o pão com
mortadela, e nos fartamos de refrigerante. Ele não tocou em nada,
limitando-se a observar, melancólico, talvez imaginando, naquela
cena, a vida que poderia ter sido. Dia seguinte, acordou tarde, e
saiu, dizendo que voltaria com uma surpresa. Como já estávamos
acostumados com suas promessas nunca cumpridas, fomos para
o quintal, brincar de casinha. No começo da noite, minha mãe já
havia despachado as últimas encomendas e assistíamos televisão
na sala desarrumada, ele voltou, um pacote na mão, e, bafo de
bebida ordinária, dirigiu-se à minha mãe, Olha, Cinira, o que eu
trouxe pras meninas. E desembrulhou sobre a mesa, orgulhoso,
quatro uniformes completos do seu time: camisa, calção, meias.
Gastara todo o restante do prêmio com aquilo. Minha mãe
levantou-se, aos berros, Você não tem juízo mesmo!, e fechou-
se no quarto, chorando. Ele, desconcertado, mirou-nos, os olhos
brilhando: Amanhã vamos ao estádio, eu vou comprar picolé,
cachorro-quente, tudo que vocês quiserem, está bem?, tudo que
vocês quiserem.
LEIA-ME
*Escritor, autor de “Eles eram muitos cavalos” (também publicado na Itália, na França, em Portugal e na Argentina); “Estive em Lisboa e lembrei de você” (também lançado em Portugal, Itália e Argentina); e da série “Inferno provisório” (composto por cinco volumes: “Mamma, son tanto felice”, “O mundo inimigo”, “Vista parcial da noite”, “O livro das impossibilidades” e “Domingos sem deus”, sendo que o primeiro foi lançado também na França e no México, e o segundo, na França); tem histórias publicadas em francês, espanhol, inglês, italiano, sueco e polonês; escritor-residente na Universidade da Califórnia (Berkeley - EUA)
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A REVISTA A3 NÃO ACABA AQUI.VISITE HTTP://WWW.UFJF.BR/SECOM/A3/ E CONFIRA O NOSSO CONTEÚDO ONLINE.
A3Revista de jornalismo científico e cultural da Universidade Federal de Juiz de Fora
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