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Escola de Verão para Juventudes Políticas Progressistas da América Latina
2ª
Rio+20, Economia vERdE E govERnança do dEsEnvolvimEnto sustEntávEl:
Texto de Rubens Harry Born, coordenador adjunto do Vitae Civilis – Instituto para o Desenvolvimento, Meio Ambiente e Paz, com base em palestra realizada em 22/02/2011 para participantes da II Escola de Verão para Juventudes Políticas da FES – Fundação Friiedrich Ebert, em Itapecerica da Serra, SP. Contatos: www.vitaecivilis.org.br e rborn@vitaecivilis.org.br
desafios associados às políticas públicas e construção de um mundo justo e saudável.
...Vivemos sob a hegemonia de um modelo de
desenvolvimento baseado em relações econômicas
que privilegiam o mercado, e usam a natureza e os
seres humanos como recursos e fontes de renda........
Todos os seres, animados ou inanimados, possuem
um valor existencial intrínseco que transcende
valores utilitários, por isso, a todos deve ser
garantido o direito à vida, à preservação, à proteção
e à continuidade.
Compromisso ético das ONGs para uma atitude e
conduta ecológica global, Fórum Internacional de
ONGs e Movimentos Sociais, 1992
O debate sobre o que possa significar economia verde não pode ser
feito independentemente do debate sobre arranjos e transformações políticas e
culturais que estruturam a forma como os seres humanos, em suas comunidades
e nações, se governam e se relacionam entre si e com o ambiente em que vivem.
Escola de Verão para Juventudes Políticas Progressistas da América Latina
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Economia verde, desenvolvimento sustentável, sustentabilidade e governança são
termos, entre vários, com possíveis interpretações diversas mas que exigem uma
perspectiva mais ampla do contexto presente, marcado pelo legado da história
humana, e focado em um futuro mais justo e saudável.
De início, quero deixar claro que os termos acima se referem
a conceitos politicamente construídos e em construção, que são usados com
diversos propósitos. Nesse processo, incumbe às pessoas e organizações que
lidam com a transformação, formulação, gestão ou monitoramento de políticas de
desenvolvimento e com a democracia, as iniciativas de aportar ao debate quais
sejam suas perspectivas, princípios e critérios, uma vez que a ausência nesse diálogo
e disputa pode significar a consolidação de visões que tem maior penetração nos
sistemas institucionais e econômicos vigentes, mesmo não sendo mais justas e
socioambientalmente mais adequadas.
Esse texto, associado à apresentação realizada, busca enquadrar o
debate sobre economia verde no processo da Rio+20, por um lado, e nos desafios
da construção da sustentabilidade e governança.
a Rio+20
A Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento
Sustentável em 2012, a Rio+20, foi decidida pela Assembléia Geral da ONU que
em dezembro de 2009, aprovou a Resolução A/RES/64/236, com base em uma
proposta do Brasil, formulada em decorrência de um desafio lançado pelo então
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Presidente Lula na ONU ainda em 2007: o de se promover os arranjos institucionais
globais adequados para a superação da pobreza e miséria social e o enfrentamento
dos problemas ambientais, dentro de enfoques de equidade e justiça.
A Rio+20 não pode ser vista como uma mera conferencia sobre
os desdobramentos dos acordos da Cúpula da Terra, a Rio-92, nome pelo qual
ficou conhecida a Conferencia da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
(CNUMAD ou na sigla em inglês UNCED). Nem se trata de um debate global sobre
questões ambientais somente. Se esperamos algum significado desse novo encontro
da ONU, ele certamente terá que estar associado a um amplo engajamento de
diversos grupos da sociedade em iniciativas voltadas às transformações de políticas,
fortalecimento e concretização de ações voltadas à fazer com que as atividades
econômicas observem rigorosamente preceitos de salubridade e equilíbrio
ambiental, de justiça social e de sistemas democráticos e pacíficos de convivência.
A Resolução da ONU que convoca a Rio+20 define três focos
temáticos:
• avaliação de progressos realizados no cumprimento dos
compromissos multilaterais adotados nos últimos 20 anos (ou seja,
inclui os compromissos internacionais da Rio-92 bem como dos
demais acordos nas Conferências sobre Desenvolvimento e suas
interfaces com direitos humanos, populações, bem-estar social,
igualdade de gêneros e papel das mulheres, habitat, cidades e
saneamento, segurança alimentar, etc que caracterizaram o Ciclo
Social de Conferências da ONU, culminando com os Objetivos e
Metas de Desenvolvimento do Milênio;
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• economia verde no contexto de erradicação da pobreza e
desenvolvimento sustentável, e
• “arranjos institucionais para o desenvolvimento sustentável” (ou
seja, traduzindo a linguagem da ONU, a temática de governança
global sobre desenvolvimento sustentável).
A proposta apresentada pelo Brasil enfrentou, segundo diplomatas,
forte resistência de alguns países, especialmente industrializados, talvez por
que não tenham honrado com seus compromissos de cooperação internacional,
inclusive de mobilização de recursos financeiros, para investir em atividades de
desenvolvimento sustentável. A aprovação da realização da Rio+20 foi impactada
pelos efeitos da Conferência de Mudanças de Clima em Copenhague, em dezembro
de 2009, quando apesar da grande mobilização da sociedade civil, intensa cobertura
da mídia, reiterados anúncios de cientistas do agravamento do aquecimento
global, os líderes governamentais lá presentes fracassaram no estabelecimento de
um acordo ambicioso, justo e legalmente vinculante para lidar com as mudanças
climáticas. Há, assim, um indisfarçável temor de lideres governamentais, em
expor deficiências e resistências, intra-governamentais e de setores econômicos
específicos, para a implementação efetiva de medidas e políticas de alteração dos
sistemas e tecnologias de produção e consumo, de transição para economias que
sejam ambientalmente íntegras e socialmente justas.
O processo preparatório da Rio+20 é , entretanto, limitado e arriscado,
considerando que se trata de conferencia da ONU. A Assembléia Geral estabeleceu
a realização de 3 sessões anuais do Comitê Preparatório - PrepCom, com duração
total (das três) de oito dias. Há também a previsão de encontros regionais e reuniões
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intersessionais na ONU,, sendo possível também o aporte de propostas sobre os
temas em debate que se originem dos diversos setores da sociedade.
Na primeira reunião preparatória da Rio+20, em maio de 2010, ficou
claro que não há, e talvez jamais haverá, consenso sobre o que pode significar a
expressão “ou “Green economy”, cuja mera tradução “economia verde” talvez não
indique que as abordagens devem incluir outras dimensões além da ambiental na
gestão da economia. Há múltiplas interpretações, com justificadas argumentações
que expõem visões diferenciadas: desde ajustes para a manutenção do sistema
econômico atual, o que gerou questionamentos de riscos de “green washing” e de
perpetuação das iniqüidades sociais e mazelas ambientais do capitalismo do século
XXI, até correntes que vem a expressão mais como uma forma de comunicação
com públicos especiais, progressistas, abertos e dispostos a se aventurar no
caminho da economia socialmente e ambientalmente sustentável para sociedades
inclusivas e democráticas.
Ora, nesses quase 20 anos desde 1992 foram incipientes, precárias
e frágeis, se formos otimistas, as ações da transição prometida pela Rio-92
para sociedades sustentáveis, qie deveriam estar consistentes com o uso dos
cinco instrumentos então aprovados: a Convenção de Diversidade Biológica, a
Convenção Quadro de Mudanças de Clima, a Agenda 21, a Declaração do Rio de
Janeiro sobre Desenvolvimento Sustentável e a Declaração sobre Conservação
e Uso de Florestas. Obviamente, dita transição não será obtida somente com a
efetiva implementação desses acordos, sendo as convenções e seus protocolos de
cumprimento obrigatório. Outras conferências da ONU nos anos 1990 abordaram
desafios relevantes para a consecução de sociedades justas e sustentáveis: a
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segurança social, a habitação e gestão dos assentamentos humanos, a segurança
alimentar e a agricultura, a igualdade e relação de gêneros, entre outros. Os
Objetivos e Metas de Desenvolvimento do Milênio (ODM), uma tentativa da ONU,
no ano 2000, de sintetizar, de forma pedagógica e prática, os principais desafios do
desenvolvimento humano até 2015 identificados naquelas conferencias, também
não tem servido de guia essencial para políticas públicas e ações empresariais, ou
sequer são de conhecimento generalizado por gestores locais e pela população.
Economia verde, sustentabilidade e governança
É importante enfatizar que nossas visões de mundo
não são somente abstrações sociais, mas são
especialmente a corporificação da compreensão
de nossos interesses próprios no mundo. A
transformação das políticas civilizatórias requererá
a transformação das condutas políticas de cada
ser humano. Curar o planeta e curar nós mesmos
são partes indispensáveis de um mesmo processo
restaurador. Jeremy Rifkin, Biosphere Politics (1991)
O debate sobre sustentabilidade, economia verde e governança
requer abordagens sistêmicas e cenários de curto, médio e longo prazos, para o
enfrentamento dos desafios da civilização humana em sua interação com o planeta.
Entretanto, os debates desses termos por vezes é levado e ou
limitado por idiossincrasias, intencionalidade política ou intelectual, entre outras
razões, a evidenciar a dimensão ambiental quase que exclusivamente. Certo é
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que atingimos, como civilizações humanas, graus elevados de degradação dos
processos e bens ecossistêmicos que sustentam a vida no Planeta, como foi
alertado pela ONU no estudo Avaliação Ecossistêmica do Milênio, e portanto, os
limites e a resiliência ambiental dos territórios e dinâmicas planetárias devem ser
fortemente considerados. O aquecimento global e seus impactos são fenômenos
que evidenciam a urgência e a gravidade da interferência antrópica na capacidade
de suporte de manutenção da Vida.
Como dito em outro trabalho (BORN, 1998), “a classificação e
conceituação de preocupações globais (global concern) para determinados
problemas ambientais permitiu alçar alguns deles à agenda global e à cooperação
multilateral sem que fossem ampliados os limites dos efeitos ou das múltiplas
causas (isentando assim, em parte, diversos atores estatais – notadamente
países industrializados e empresas transnacionais – das responsabilidades sobre
as causas). Classificar como “global concern” permitiu também driblar os receios
de países em desenvolvimento quanto à flexibilização e ataque aos preceitos de
soberania nacional. Essa categoria (global concerns) decorreu, em parte, da reação
de países em desenvolvimento e setores conservadores à noção de patrimônio
comum (global commons) da humanidade, seja aplicada a elementos naturais e
ecossistemas é defendida por muitos.
Vinte anos depois da Rio-92 e quarenta anos depois de Estocolmo,
busca-se agora, ainda mais depois das crises econômico-financeira do período final
da primeira década do século XXI, fazer da “economia verde” o novo desafio da
preocupação global (global concern).
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Não obstante, temas e problemas ambientais, incluindo-se as
questões de mudanças ambientais globais, que foram incorporadas à agenda
ambiental global (multilateral) definiram, historicamente, o marco do processo
da Rio-92 a partir do legado de Estocolmo, incidindo também sobre as diversas
abordagens e percepções que nos conduzem à Rio+20, por um lado, e formaram
o substrato do que se convencionou denominar de política ambiental global,
por outro lado. Consagram visões limitadas do desenvolvimento sustentável,
em suas dezenas de conceituações e perspectivas, que tendem a reduzir os
desafios da sustentabilidade à dimensão ambiental, como que para manter,
eventualmente, o sistema político e econômico predominante mediante algum
alívio dos problemas sociais.
Nas últimas quatro décadas, desde a Conferência das Nações
Unidas sobre o Ambiente Humano, realizada em Estocolmo em 1972, percebeu-
se a significativa ampliação do debate sobre os dilemas a civilização humana
em sua relação com o planeta e a base da Vida, especialmente no tocante aos
impactos associados aos sistemas econômicos e políticos vigentes no século XX.
Os desafios aflorados pela degradação ambiental em todo o planeta evidenciaram
também as mazelas sociais decorrentes de modelos de desenvolvimento e
sistemas políticos que, apesar da eventual retórica, reproduzem nefastas
conseqüências ainda que ao lado de resultados de bem-estar e maior qualidade
de vida para milhões de pessoas.
No Relatório Nosso Futuro Comum, divulgado em 1987, a Comissão
Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, também conhecida como
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Comissão Brundtland, criada em 1982 para avaliar os resultados e obstáculos à
consecução das propostas de Estocolmo-72, afirmou-se que “ meio ambiente e
desenvolvimento são inseparáveis” e que há uma única crise, a crise do modelo de
desenvolvimento, que está subjacente às crises (de então) econômica, financeira,
social e ambiental.
Ora, considerando então que os problemas ambientais ou sociais
são problemas de desenvolvimento a solução dos mesmos passa mais por novas
abordagens e arranjos políticos, institucionais e sociais do que somente pela
eleição de determinadas tecnologias, aporte de recursos financeiros ou execução
de programas compensatórios nas áreas sociais e ambientais como estratégias
imediatas úteis para enfrentar problemas urgentes. De fato, as tecnologias, se
bem que representem a formidável capacidade criadora do homem, não estão
desvinculadas de certos paradigmas culturais e políticos; a alocação de recursos
financeiros adicionais não significa necessariamente mudanças fundamentais nos
fatores institucionais, legais e tecnológicos que permeiam aqueles problemas. A
solução da crise humano-planetária, e, por conseguinte dos graves problemas sociais,
de saneamento e saúde ambiental, passam por profundas mudanças de estratégia e
abordagem das atividades do ser humano, de suas comunidades e nações.
De fato, como afirmou a presidente da Comissão das Nações
Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, Gro Harlem Brundtland, “o
meio ambiente não existe como uma esfera desvinculada das ações, ambições
e necessidades humanas, e tentar defendê-lo sem levar em conta os problemas
humanos deu à própria expressão meio ambiente uma conotação de ingenuidade
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em certos círculos políticos. Também a palavra desenvolvimento foi empregada por
alguns num sentido muito limitado, como o que as Nações pobres deviam fazer
para se tornarem mais ricas”.
Falar em economia verde, portanto implica, em certo grau, em avaliar
em que medida logramos fazer a vida econômica respeitar as limitações ambientais
e os aspectos de justiça social. Situações de crise financeira, como a iniciada em 2008
atingindo diversos países, deveriam servir como oportunidades para redirecionar as
políticas e práticas econômicas, para disseminar tecnologias, para inovar referencias
institucionais e efetivamente considerar compromissos já assumidos para colocar o
planeta em uma rota mais segura. Dezoito anos desde a Rio-92 já nos mostraram
que o mundo caminha para um agravamento do aquecimento global e mudanças
climáticas, uma desenfreada perda de biodiversidade e de serviços ambientais
(como fertilidade dos solos, renovação da produção de água, polinização, etc) dos
ecossistemas, colocando em risco a estabilidade das economias e das sociedades
em diferentes proporções ao redor do mundo.
Por isso, o segundo tema da Rio+20 não é menos importante:
governança do desenvolvimentos sustentável. Vejam bem, o debate não será
limitado à governança ambiental (se bem que a Rio+20 bem que deveria produzir
avanços institucionais concretos nessa área, para a qual também já se vão mais de
20 anos de debates, inclusive sobre criação de uma Organização Mundial do Meio
Ambiente ou um fortalecimento do PNUMA – Programa das Nações Unidas para
o Meio Ambiente). Se tomarmos como um ponto de partida o modelo, ingênuo e
simplista em demasia, de que os desafios do desenvolvimento sustentável podem
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2ª
ser equacionados mediante o equilíbrio dos “pilares econômico, social e ambiental”,
então a governança teria que ser governança sobre a dimensão econômica e sobre
as políticas e direitos sociais também.
Entendo que governança, em sentido mais amplo, refere-se à
capacidade das pessoas e das organizações da sociedade, mediante o uso de
instrumentos e sistemas da democracia, definir o rumo do seu desenvolvimento e,
portanto estar em condições de exercer controle sobre políticas públicas e sobre a
dinâmica econômica.
A construção de governança global ou local requer atenção para os
seguintes requisitos:
• Mecanismos de acesso à informação e à formação
• Formas e papéis da participação de cidadãos e organizações
• Mecanismos de gestão e controle das políticas e da economia
• Direitos e instrumentos de defesa de cidadãos
• Deveres e princípios
• Efetividade e eficiência na promoção do bem-estar humano e
ambiental
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Nessa perspectiva (e do ponto de vista das organizações da
sociedade civil e dos movimentos sociais) a governança deve ser construída
em distintos “espaço(s) e tempo(s) das políticas, das ações e da construção das
“vontades sociais”:
1. espaço (das atribuições) do Estado e Poder Público
2. espaço público, não estatal (“cidadania”)
3. espaços da vida econômica (empresas, consumidores, sindica-
tos, etc)
4. espaços da vida privada (indivíduos , família, comunidades)
No campo dos debates sobre “economia verde”, ressalto aqui alguma
das questões relevantes no contexto de erradicação da pobreza e promoção do
desenvolvimento sustentável e do processo da Rio+20:
• Devemos buscar um consenso sobre o que é a economia “verde
e inclusiva” ou melhor será identificar princípios gerais e agenda
comum entre diversas percepções sociais sobre o tema?
• Quais podem ou devem ser os princípios centrais de uma
Economia verde e inclusiva?
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• Como ela contribui para a formação de empregos decentes
e associados a atividades econômicas ambientalmente
sustentáveis? (empregos verdes e decentes, sejam novos
postos de trabalho ou resultantes de uma justa transição de
empregos atuais).
• O que já existe no país em termos de demonstração dos princípios
e práticas da economia verde e inclusiva e que, por isso, deveria
ser protegido, replicado ou usado como fonte de aprendizado?
• Como podemos fazer a transição (política, tecnológica, cultural)
para a economia verde e inclusiva?
• Que medidas são necessárias para acelerar estratégias para isso?
• Quais são as oportunidades e os desafios para a economia
verde? Quais são os riscos de uma transição longa demais, que
desconsidera os problemas emergentes, inclusive os associados
aos impactos das mudanças climáticas?
Entendemos que organizações da sociedade civil, movimentos sociais,
sindicatos, grupos de defesa de consumidores, de minorias e de populações indígenas
não podem ausentar-se dos debates sobre economia verde e inclusiva, solidária, sob
pena de permitir que atores que se beneficiem dos modos insustentáveis de produção
e consumo tenham maior voz na definição das políticas e da economia, seja na Rio+20
seja na governança do desenvolvimento humano em nossos países.
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Como parte de nossa contribuição a esse debate, buscamos (no
Vitae Civilis e com diversos parceiros) fomentar diálogos que nos permitam
identificar uma agenda essencial para construção de economia verde e inclusive,
que observe os seguintes desafios:
• Garantir políticas públicas para a inclusão econômica a partir
de enfoques de justiça social, dignidade de vida, diversidade
cultural, integridade ambiental e processos democráticos
• Relacionar governança da economia verde e inclusiva
com transição justa (demandas dos sindicatos), e urgente
enfrentamento eficaz (soluções e políticas efetivas) para os
desafios ambientais (ex: mudanças de clima, saneamento, etc) e
de erradicação da pobreza globais
• Lidar com riscos de foco exclusivo em soluções de mercado, que
enfraquecem o papel de políticas públicas e da sociedade em
Estados de Direito Democrático.
• Evitar e mitigar o “Green washing” (maquiagem verde)
No seminário “Diálogos Nacionais – Rumo à Rio+20”, realizado pelo
Instituto Vitae Civilis em novembro de 2010 em São Paulo, como parte da iniciativa
global da Green Economy Coalition, foram discutidos os elementos centrais
para composição de um quadro referencial reunindo diferentes perspectivas e
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2ª
desafios para a Economia Verde no Brasil. Esse quadro está sendo usado como
instrumento para subsidiar debates regionais e temáticos em 2011, bem como
para a articulação de iniciativas visando acelerar a transição do país rumo a esse
novo paradigma, valendo-se da Rio+20 como mais uma oportunidade de ampliar
o debate público sobre os temas.
Na fase preparatória de tal seminário entendeu-se que a expressão
“Economia Verde e Inclusiva” seria mais apropriada para transmitir a noção de que
a dimensão social deve sempre somar-se à dimensão ambiental, a que usualmente
remete o adjetivo “verde”. Mas, uma vez que no processo da Rio+20 a expressão
economia verde vem sendo usada e contextualizada nos objetivos de erradicação
da pobreza e construção do desenvolvimento sustentável, foi sugerido continuar
a valer-se de tal expressão, mesmo que conferindo a ela visões mais largas que
possam ser conferidas por alguns segmentos.
Na perspectiva então adotada pelo Vitae Civilis, entendeu-se
que promover o uso da expressão mais completa daria margem a confusões
e dificuldades de comunicação ao, por exemplo, estabelecer uma suposta
diferenciação entre a “Economia Verde e Inclusiva” e a Economia, “apenas
verde”. Considerou-se, portanto, mais eficaz utilizar o termo “Economia Verde”
mas, ao mesmo tempo, disseminando a idéia de que esta pressupõe, sempre e
necessariamente, o aspecto social. Ressalta-se ainda que o uso deste termo não
implica em homogeneidade no entendimento dos diversos atores sociais quanto
às abordagens, critérios e estratégias para a transição a sistemas econômicos mais
social e ambientalmente sustentáveis.
Escola de Verão para Juventudes Políticas Progressistas da América Latina
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No referido seminário foi ressaltado que “a transição da situação
atual para a economia verde (EV) não é um sistema binário (“verde” ou “não”) e
sim um processo gradual, no qual diferentes forças e iniciativas levam, de modo
mais lento ou mais rápido, na direção de uma “economia mais verde”. Devem ser
incentivadas as iniciativas mais rápidas e efetivas rumo a essa transição, e refreadas
as que trabalham no sentido oposto. Por “Economia” englobou-se o conjunto de
atividades e instituições envolvidas na produção dos bens e serviços demandados
pela sociedade, assim como os recursos (financeiros, materiais, humanos e
intelectuais) para isso alocados.
Os participantes do 1º. Seminário “Diálogos Nacionais para a Economia
Verde” usaram como um ponto de partida para os debates o seguinte entendimento
economia verde, que longe de ser uma formulação acadêmica,pretendeu dar bases
para um início de diálogo entre interlocutores de diversos setores (empresas,
governos, sindicatos, OSC – organizações da sociedade civil, etc):
“É a Economia que resulta em melhoria do bem-estar humano e equidade
social, ao mesmo tempo em que gera valor para a Natureza, reduzindo
significativamente os impactos e riscos sociais e ambientais e a demanda
sobre recursos escassos do ecossistema e da sociedade. Uma „Economia
Verde‟ se caracteriza pelo foco dos investimentos em atividades que,
visando tais resultados, aproveitam e potencializam o capital natural, social e
humano, considerando em suas decisões os limites do planeta e os interesses
sustentáveis da sociedade”.
Mas trata-se ainda de um conceito geral, muito amplo, e portanto
passível de interpretações e aplicações diversas. Para melhor enquadramento
Escola de Verão para Juventudes Políticas Progressistas da América Latina
2ª
foi proposto para sua aplicação prática um conjunto de princípios (Quadro I),
perspectivas e esferas (Quadro II). Tais sugestões e balizadores podem orientar
a avaliação se uma determinada opção (política , econômica, tecnológica, etc)
favorece ou cria dificuldades para uma transição rápida, justa e estruturante da
economia para bases da sustentabilidade.
Quadro I - Princípios: Atividades e instituições favoráveis à transição para a Economia
Verde se caracterizam por:
1. Contribuir para a construção de um sistema produção, distribuição e
consumo que promova o bem-estar humano de forma sustentável e equitativa, respeitando
os demais seres vivos e contribuindo para a integridade do conjunto de elementos e
processos ambientais do planeta;
2. Ter potencial para ampla assimilação pela sociedade envolvida e pelas
instituições e agentes do sistema produtivo, com aplicação efetiva a curto/médio prazo, ou
estruturando o longo prazo.
3. Levar em conta todos os fatores necessários ao funcionamento da
economia, valorando-os se necessário, porém sempre considerando trabalho humano,
ambiente natural e seres vivos não só como fatores de produção, mas como valores em si
mesmos, portadores de direitos e merecedores de respeito e proteção;
4. Visar não apenas a criação de riqueza, mas também sua justa distribuição,
evitando discrepâncias extremas e considerando as necessidades das gerações atuais, assim
como daquelas ainda por vir.
Escola de Verão para Juventudes Políticas Progressistas da América Latina
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5. Criar uma economia voltada a maximizar a qualidade de vida e as
oportunidades para sucesso na busca da felicidade por todo ser humano, ao invés da mera
acumulação de bens ou de riqueza;
6. Promover processos de produção e disseminação do conhecimento,
potencializando a contribuição da educação, da ciência e das demais atividades culturais para o
estabelecimento de práticas, valores e aspirações sociais compatíveis com a sustentabilidade;
7. Proteger o respeito à liberdade/responsabilidade de escolha, opinião
e expressão, a democracia, o estado de direito, os direitos humanos e coletivos, e a
diversidade cultural, individual e biológica;
8. Fomentar sistemas de governo, organização social e regulação abertos
à efetiva participação da sociedade nos processos decisórios e na governança dos países,
dos mercados e de demais organizações, fortalecendo as políticas públicas e promovendo,
dentre outras práticas, a transparência, a responsabilidade e a integridade ética.
Fonte: Vitae Civilis (2011)
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2ª
A aplicação de tais princípios para economia verde tem, por outro
lado, que considerar seus efeitos e impactos - positivos ou negativos - em termos
do seu alcance e das esferas da organização social em que ocorrem. Os alcances se
dão no tempo, no espaço e nas relações sociais:
• Tempo, avaliando-os frente ao curto, médio e longo prazo;
• Espaço, avaliando-os nos âmbitos local, regional, sub-nacional,
nacional, global e virtual; e
• Relações, avaliando-os holisticamente, e considerando a
diversidade humana e da natureza.
As oportunidades de iniciativas para fazer a construção de economia
verde e inclusiva, bem como da governança dessa transição, ocorrem em cinco
esferas segundo os organizadores do seminário do Vitae Civilis, a saber:
• “Legislação e Políticas Públicas, abrangendo instituições e/
ou políticas criadas por meio do sistema legal/regulatório do
Estado, ou que dele dependem para se efetivar;
• Mercados, indo desde as atividades livres de compra e venda de
mercadorias, até os sofisticados sistemas de criação de moedas,
ativos e valores intangíveis, e de valoração de produtos, serviços
e outros bens derivados do meio ambiente ou do labor humano;
• Ciência, Tecnologia e Inovação, abrangendo os desenvolvimentos
na produção de bens e serviços, na comunicação, na gestão de
dados, nas ciências da Terra e do espaço, na agricultura, etc.;
Escola de Verão para Juventudes Políticas Progressistas da América Latina
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• Gestão, abrangendo os modelos de organização, tanto nas
entidades de direito privado, quanto na esfera pública, incluída
aí a atividade política (evidentemente tangenciando a esfera da
legislação e das políticas públicas);
• Educação, Cultura e Comportamento, abrangendo aspectos
da sociedade não necessariamente explicitados ou expressos
através de códigos formais, mas que nem por isso deixam de ter
importância crucial na formação dos valores, opiniões, ações e
desígnios da sociedade.”
A Agenda 21 Brasileira, construída em processo de participação
social, relativamente inédito no período de 1998 a 2002, traz centenas de diretrizes
e propostas de ações para a transformação do desenvolvimento no Brasil, que
embora não rotulados então como “economia verde”, servem para demonstrar que
o debate já fora iniciado bem antes. As propostas da Agenda 21 estão distribuídas
em 21 objetivos prioritários agrupados em cinco blocos:
I - A economia da poupança na sociedade do conhecimento
II - Inclusão social para uma sociedade solidária
III - Estratégia para a sustentabilidade urbana e rural
IV - Recursos naturais estratégicos: água, biodiversidade
e florestas
V - Governança e ética para a promoção da sustentabilidade
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2ª
Com a aproximação da Rio+20, vale revisitar esse documento bem
como considerar as lições apreendidas com diversos outros processos participativos
de gestão e implementação de planos de desenvolvimento integrado e sustentável,
e perceber que o novo rótulo, embora traga novos desafios e riscos, é uma forma
distinta de lidar com problemas e compromisso já conhecidos para a promoção da
dignidade da Vida e da Paz.
Os desafios da transição para sociedades democráticas, justas,
ambientalmente saudáveis e multiculturais têm sido abordados por um amplo
conjunto de organizações não-governamentais, sindicatos e movimentos sociais que
lidam com temáticas diversas: organizações ambientalistas e de desenvolvimento, de
saúde, de erradicação do preconceito, de proteção de minorias e dos consumidores,
de monitoramento de políticas públicas e da atuação de órgãos internacionais, de
acesso a direitos, de cumprimento de acordos internacionais. Mais recentemente,
também representantes de outros setores da sociedade (empresariado, academia,
governos...) têm se debruçado sobre tais temas, isoladamente ou mesmo em
associações e outros formatos de atuação coletiva, passando a constituir-se, em
vários casos, como interlocutores ou aliados relevantes.
Mas todos esses desafios dependem de engajamento da sociedade,
para a construção, efetivação e consolidação de direitos e instrumentos
pertinentes à transição para e à consecução do ideário da sustentabilidade e da
democracia. O êxito da Rio+20 será função, portanto, do grau de mobilização
e articulação que distintos protagonistas e grupos da sociedade forem capazes
de realizar em torno daquele ideário, cujo esboço foi delineado na Rio-92 e nas
Conferencias da ONU subseqüentes.
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Referencias Bibliográficas
BELINKY, Aron. Rumo à Rio 2012: considerações sobre a 1ª.
Reunião Intersessional preparatória. São Paulo, Vitae Civilis (relatório interno),
Fevereiro de 2011.
BORN, RUBENS H.: Governança e sustentabilidade: desafios para
todos. São Paulo, Vitae Civilis, 2007 (relatório interno).
BORN, RUBENS H.: Os regimes internacionais da Rio-92 (Agenda
21 e Convenções de Clima e de Biodiversidade): a participação de atores não
governamentais, novos valores e instrumentos para a gestão do desenvolvimento
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RIFKIN, J. Biosphere Politics: A cultural Odyssey from the Middle
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Vitae Civilis.Quadro Referencial para a Economia Verde no Brasil:
Informe sobre o 1º. Seminário “Diálogos Nacionais – Rumo à Rio+20”, realizado em
novembro de 2010. São Paulo, Vitae Civilis, janeiro de 2011. www.vitaecivilis.org.br
e www.greeneconomy.org.br
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