ROMÃS DE VIDRO

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Neste "Romãs de vidro" os Haicais parece querer falar conosco, nos dizer algo acerca do que ainda não nos é dado saber. Eles vem igual partículas sagradas de um ostensório, onde a sublimação artística faz ressonância verbal e temporal à identidade regional a que estão inseridos. Neste "Romãs de vidro" a Ionete Brito encontrou a medida certa do sacrário, seus Haicais são lavras que nos guia a um mergulho jamais imaginado, eles nos ajuda a entender, natural e contextualmente, os estilhaços da uma personalidade ansiosa e criativa, apontando-nos uma vida em constante inquietude primaveril.

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ROMÃS DE VIDRO

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Copyright © Ionete BritoDireitos desta edição reservados à Ionete Britoyonete_35@hotmail.com Redenção – Pará - Brasil

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Ionete Brito

ROMÃS DE VIDRO

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ROMÃS DE VIDRO

Capa: Alufá-Licutã OxorongáDigitação: Ionete BritoEditoração: Ionete BritoRevisão: Ionete Brito

Ficha catalográfica:Brito, IoneteROMÃS DE VIDRORedenção-Pará – Brasil - América Literatura Paraense - poesia

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"Abre a romã, mostrando a rubicunda Cor, com que tu, rubi, teu preço perdes; (...........)" Luis Vaz de Camões, Os Lusíadas,IX,59

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APRESENTAÇÃONeste "Romãs de vidro" encontramos uma poesia em estado de maturação. Uma poesia que, tendo já vivenciando os prazeres e as intempéries da vida encontra-se pronta para ser colhida. E tal qual o fruto da romanzeira, que guarda no seu interior pequenas sementes possuidoras de uma polpa comestível, este "Romãs de vidro" também possui suas sementes de sabedoria: películas de cores intensas, de cheiros e formas dispares que, harmoniosamente reunido, traz à boca aquele acentuado gosto de quero mais.Quando me veio às mãos este "Romãs de vidro" não o imaginava tão delicioso. Quis devorá-lo de uma só vez, pois desconfiava de seu verdadeiro sabor, mas acabei por comê-lo devagar e demoradamente, como se fosse um antioxidante descendo a garganta e limpando não só o corpo, mas a alma.Neste "Romãs de vidro" os Haicais parece querer falar conosco, nos dizer algo acerca do que ainda não nos é dado saber. Eles vem igual partículas sagradas de um ostensório, onde a sublimação artística faz ressonância verbal e temporal à identidade regional a que estão inseridos. Neste "Romãs de vidro" a Ionete Brito encontrou a medida certa do sacrário, seus Haicais são lavras que nos guia a um mergulho jamais imaginado, eles nos ajuda a entender, natural e contextualmente, os estilhaços da uma personalidade ansiosa e criativa, apontando-nos uma vida em constante inquietude primaveril. E não há angústia ou dor, tudo se desapega e se desprende naturalmente, como folhas secas no outono. A busca interminável pelo fugaz faz de cada Haicai contido neste "Romãs de vidro" um ofício de revelação. Tudo aponta para o mistério: os avanços, os recuos, as descobertas, as aliterações e até mesmo as ocultações

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renitentes são momentos únicos de reflexão sobre as muitas estações que permeia toda uma vida. E que nos salta aos olhos com graça sugestiva de uma noite de verão. Ionete Brito é, sem dúvida, uma 'haicazeira' (não confundir com raizeira, embora as duas funções se completam, uma, sendo bálsamo para a alma e a outra, para o corpo). Ionete Brito, neste "Romãs de vidro" desnuda-se em uma poeta do instante, do acaso e do transitório. Ela se apresenta concisa, precisa e sem rodeios. Passeia, livremente, em sintonia com a carga sensível que permeia toda a sua vida. O encontro casadouro com o Haicai, o tom espontâneo da natureza e a beleza plástica e poética de cada cena nos alarga a mente e traz consolo ao coração. Ela nos apresenta o sol, a chuva, as flores, os insetos, os pássaros, enfim, todas as mutações repentinas e cotidiana da vida com pinceladas tão suave que toca o nosso ser, e nos deixa querendo imortais.Neste "Romãs de vidro" podemos contemplar um por de sol se ocultando, devagarinho, no ignoto horizonte, abrindo caminho para que a lua se apresente em toda a sua intensidade "no canteiro de flores / trieiro das formiguinhas- / é final de tarde", ou o amanhã florescendo em seu jardim de paz, como se a vida, de fato, recomeçasse a cada manhã "ja é madrugada - / anuncia um novo dia / o canto do galo". Podemos ver o amarelado e o violácio das borboletas, em suas eternas cultivações de jardins " no jardim florido / borboleta não se cansa / de beijar a flor" ou o solitário vôo de uma mariposa, tímido e errante, sob a luz de uma lâmpada " na luz do poste / faz pirueta e dança / a mariposinha". Podemos ouvir o alegre gorjeio dos pássaros, entre folhas e galhos de encopadas árvores, "lá no quintal / pé de cajú florido: / passarada feliz", ou o aquietar-se, sorrateiro, de

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uma lagartixa no muro de uma casa: a lagartixinha / grudada no muro- / diz sim com a cabeça". Não há como resistir a tamanha beleza. Neste "Romãs de vidro" dá pra se ouvir o rumor das asas dos pardais, as folhas e arbustos se movendo sutilmente, daqui, prali, pracolá, a dor sistemática de um velho oiti caído ao solo, imóvel, satisfeito, inteirado, a policromia das cores, a placidez da natureza, o calor do sol, o doce aroma da terra e das plantas, o cheiro dos frutos sazonais (delicioso pequi), o cheiro quente do ar, a grandeza do firmamento e a luz embriagante do sol. Ionete Brito, neste seu universo haicaístico, tanto se preocupou em graduar o tempo quanto em louvar a paz e, com isto, desnudou toda a plasticidade de sua alma poética nunca dantes conhecida. O sangue haicaístico habitou de uma vez por toda em suas veias, escorrendo em cada poro, em cada vasos sanguíneos, e tudo isto é para mim, um presente de Deus. Ler este "Romãs de vidro" aprazerou a minh'alma e acalmou o meu espírito. E, em meio à tantas controvérsias vivenciais, fiz-me um velho intruso, que, apoiado ao bordão do verso e da poesia, cauteloso e vagarosamente adentra neste "Romãs de vidro" e, com a camisa aberta ao peito, sentindo a brisa da vida que lhe passa benfazeja e com o rosto tostado de sol, pela exposição diária e necessária do viver, se deixa saborear por cada Haicai lido. Por isto eu o recomendo, não apenas como leitura deliciosa (que se come e se sacia), mas como prato necessário (que dá forças e reanima) a todos os momentos desta longa caminhada que é a nossa vida.Ionete Brito, o teu cheiro de vida inebria meus olhos!

Alufá-Licutã OxorongáPoeta

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“A vida é mais fantástica do que qualquer fantasia”

Dostoievski

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FLASHES DA VIDA I

dona de casana melancolia da tardeprepara o jantar..na velha poltronatricota e cerze as meiasa dona de casa..rajada de ventona estradinha de chãoo oiti caído..ah,que tristezaa morte de uma árvore-que fim infeliz!..na fina teiao inseto debateu-sefim de vida..cheiro de flores-na latada de maracujáscantam os pássaros..diversos cantosno mês de agosto escuto-são os pardaizinhos

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.florada em setembrofalta pouco para primaveracheiro de flores..

caem devagaras pétalas da roseira-bem-te-vi canta..no canteiro de florestrieiro das formiguinhas-é final de tarde..luz da lamparina:o fogo bruxuleanteatrai os insetos

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MELHORES VENTOS I

ah! a libélula!a vida por um fiodepois de fecundar..as flores voltaramo jardim está colorido-acabou o frio..canto de insetosna noite alongadame deixam a pensar..primavera alegre-um casal de velhinhospasseia na praça..hoje caiu chuvaa cravina na janelanão a esperava

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OLHARES DE SAUDADE

janelas abertas na casinha do sítio- vento primaveril. . no jardim florido há cravinas e rosas é primavera!

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VISLUMBRES

entre nuvensa lua de primavera ri-amor distante..momentos a sósno quintal aqui de casaacácia florida..sol de primaveraa brisa sopra nuvens-a criança espia..fim de tardeo sabiazinho cantando-saudade sem fim..a chuva cessoujoão barreiro da terrafaz sua casinha

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MOMENTOS SUSPENSOS

roupa no varal-a borboleta pousadana anágua da vovó..tarde chuvosa-na rede da varandacochila o vovô..primavera azulexalando perfumeamores-perfeito..café da tarde-na mangueira em florfarra de pardais..chuva primaveril:a garota na janelapensa no amor..pétalas rosas-galhos da buganviliaacenam ao vento..flores vermelhaspor cima do telhadotorram ao sol!

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CANTO VERNAL

chuva miúdaquietinho ali no fiofilhote de pardal..campo queimadomas o ipê resistentepassou pela prova..quietude:por-do-sol primaveril-sabiá no ninho..chuva primaveril:chegou e fez a alegriado joão-de-barro..ali na colinano alto da árvorearaponga canta

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AR PRIMAVERIL

flor de manacásob o beiral do telhadoenfeita a varanda..três libélulasvoejam a poça d'água-vida por um fio!..brisa no capimtarde some no horizonte-lembranças doloridas

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BONANÇA VERNAL

veja! que lindo!na corticeira secao ninho de pássaro..na corticeira seca o passarinho se ajeita-cuida dos ovos..fim de tardepousa na antena da tvbando de pardais..depois da chuvano topo da antena-o pardalzinho..tarde vernal:plainando o céu azulo casal de pássaro..depois da chuvaas flores do vizinhoestão mais alegres

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ANDANÇAS

chuva sem fim-a calçada coloridacom pétalas da flor..já é visível:pela janela da casa-a acácia em flor..todo dia chegaatrás da fruta madura-o camaleão..sonolência:o tic-tac do relógioé canção de ninar..todos os dias-filhote do gato espreitano muro da casa..beiral da casa-os pombos ficam aguardandoa chuva cessar..após a chuvao sol surge bem tímidopor trás da serra

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.troveja longe...a chuva de primaveramolha o jardim..dia primaveril:um gato corre no quintalatrás do calango

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MELHORES VENTOS II

bela folhagemadornada de gotinhasdo orvalho vernal..sete da manhãantes do despertadorcanta um sabiá..em todo lugarcomo passe de mágicaacácias floridas..ixora floridaborboletas amarelasem vôos rasantes..do galho da árvoreo primeiro canto do diasabiá-laranjeira

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HAICAIS PARA CALLIOPE

pingos no varalda mi'a janela observoo colar transparente..manhã nubladacheiro de café no arcasa em silêncio..finda a chuvao dia também finda-lua primaveril.

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BUTTERFLY I

na pontinha do pé- bailando sobre a pétala linda borboleta

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BUTERFLY II

brisa suave:voejam borboletaspor todo jardim..vai rodopiandoem leves movimentosa bela borboleta

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CIGARRA CANTORA

agarrada na cascaa cigarrinha cantoraafina o gogó..ouço a cigarraquem diz que seu cantoa faz estourar?..alegria infinitanas tardes enfadonhascanto da cigarra..no tronco do oitia cigarra faz melodiana tarde longa..a formiga trabalha-e a cigarra sempre atoano um-sete-um..mês de agosto:a cigarra cantandodá um desgosto!

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PIRILAMPOS

início de verão-diversos pirilampos clareiam o caminho..noite escura- vaga-lumes sobrevoam brincam de ciranda!..dia de ano-bom-os pirilampos anunciamfesta ao ar livre

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CAMINHOS ABERTOS

cintilante céu-na noite fresca de janeiroalguns vaga-lumes..chuva de verão-um vôo do pardalzinhopor entre os pingos..alguns pássarospousados no fio do varal-nuvens de verão...

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ANDANÇAS

o um cacarejo:na tarde modorrentaninho de fartura..luz do lampião-à boquinha da noitevoam muriçocas..rangido do portão-na chuvosa manhã de verãoalegre retorno.....passos ligeiros-em meio ao aguaceiroescuto o sino..modorra da tarde:dorme embaixo do bancoum cão magrelo..noite de verãoà caça das cortadeiras-as duas velhinhas

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JÁ É VERÃO

no rabo da vacauma mosca insistente-tarde modorrenta..aranha tecelã- entre meio a forquilhaa renda perfeita..maria joaninha-na plantação de morangosquem é quem no canteiro?..já é madrugada-anuncia um novo diao canto do galo

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HAIBUM DE VERÃO

antigamente as brincadeiras eram muito diferentes das de hoje. Logo aqui em frente à minha casa havia um pé de pequi (hoje fica do lado de dentro do muro de Seu Bandeira, o homem das buganvileas) e, quando criança, ficávamos vigiando aqueles pequis. Queríamos ver quem apanhava mais frutos. Como ficava do outro lado da rua, 'apurávamos' os ouvidos (como Teiú) e corríamos em disparada até lá. Ficava bem carregadinho, e pela manhã, o chão ficava forrado de pequis bem madurinhos... a criançada ficava até com cheiro de ferrugem de tanto ficar no sol e saircorrendo em direção à velha árvore.....

final da tarde-barulho do pequi que caicorreria de crianças

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HAICAIS 106

quintal da vovó-sob a sombra da caixa d'águao pé de eloendro..observo o jardim-a pequena formiga de fogosegue com a folha..nuvem de verão:no vaso da samambaia secaum ninho de pássaro..final da tarde-barulho do pequi que caicorreria de crianças

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VERÃO AVANÇADO

noite insone-indiscreto casal de gatosnamora no telhado..vento matinal-com as pétalas murchasa papoula cai..velha tapera-nas paredes em ruínasum veludo verde...

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TRANSPARENCIAS

finda o verãono pátio da casa grande-cacos do vaso... ..arrepia as águasda lagoa atrás da casa-o vento estival..no fio de energiaas aves todas em fila-verão que fenece

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FENECE O VERÃO

outro dia de chuvao barulho da água na calha-e mais nada!..um belo dia-adornado de onze-horastodo o canteiro..manhã de sol-passeia pela pracinhaa pequena senhora

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DIAS DE CERRAÇÃO

tantos outonose vejo a mesma paisagemao longo da estrada..lua- desta- noite-galhos nus se abraçamcúmplices do vento..céu azul profundoos mesmos ventos trabalham-ramos ou braços?..tarde que passa-empoleirado no galhoum pássaro preto..vento sorrateiroderruba mais uma folhada árvore já nua!

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SEMENTES LANÇADAS

ninhos de guaxe-seriam grandes brincos?adornos da árvore.....pleno sol-das-três:deslizando pelo céucinco urubus..flores de jasmim-encostadinhos ao portãoum casal namora.....chuva ligeira-lava as folhas do jasmineiroao sabor do vento...

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MELHORES VENTOS III

gotículas de chuvabrilham à luz do poste-olho da varanda..eco do trovão-um clarão no céu anunciainício de chuva..tranquilidade:há uma rã escondidaentre bromélias..atrás da folhatecendo uma bela teia-a pequena aranha..tarde morna-o gorjeio dos pássarosrompe o silêncio

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REMINISCÊNCIAS

manhã de chuva-agasalhada entre folhasa pequena aranha.....primeiro bom dia-cheiro de dama-da-noitena entrada da casa..aranha miúda-hoje foi dia de despejo:faxina na estante..coro afinado-dezenas de muriçocasadentram a casa

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CHEIRO DE CHUVA

manhã escura-junto com a ventaniao cheiro da chuva..bem cedinho-o orvalho na florzinhaé encantador!..manhã nubladao pássaro solitárioprocura abrigo

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CHUVAS LIGEIRAS

chuva de pedrano amanhecer canta o galo-danos na horta!..velha mangueiravira banquete de pássarosao raiar do dia..chuva de pedrao barulho na janela causa um temor!..modorra da tardeno vai e vem da velha redepensamento voa.....pomba rolinha-majestosamente pousana grama do pátio..casa de veraneio-o sol beija as novas folhasna paz da tarde..casca da árvore:trieiro de formiguinhascarregando folhas

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.todo dia chegaatrás do mamão maduro-pequeno bem-te-vi..da velha janelaolho a plantação de feijão-homens na lida

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DIAS CHUVOSOS

arco-íris vernal-corre apontando o céu a criança feliz . . de repente treme: de uma flor de ipoméia surge a borboleta. . aguaceiro: há batuque na latinha embaixo da calha . . época de plantio sementes na terra arada traz vida nova. . lá se vai a tarde o vai e vem dos transeuntesna volta do trabalho . . dia chuvoso- dentro da velha padaria a mosca zunindo

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DIAS DE TORÓ

vento aromal-a tarde some no horizontehá tristeza no olhar.....dias de toró-sob o beiral do telhadoo ninho de pássaro..noite silenciosaa caminho da velha casa-um cheiro de jasmim

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FLASHES DA VIDA II

triste cantarna acácia amarelao fogo-pagô..chuva miúdacortina transparentecai pelo beiral..gotículas de chuvabrilham na luz do poste-observo da janela..tear da aranhade uma folha para outrafio prateado..flor de jasmim-mesmo a distânciainsiste no aroma..bela companhia:entra pela frestaa lua alvíssima

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ENTÃO É NATAL

da sala da casaouço a chuva primaveril-já penso no natal

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.preparos de natal-a casa toda ornadaé atração da rua!

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HAICAIS DE ANO NOVO

folhinha nova-para o ano que cheganovos projetos.....ceia de ano novo-cintilando no céu escurofogos de artifícios..o ano fenece-deixa uma saudade imensano velho coração..depois do trabalhosem pique para comemorar-um brinde a sós..antes dos fogos-a contagem regressivatraz muitas alegrias.....comemorações:o que restou do ano velhofoi só a ressaca!.depois dos fogosna primeira noite do ano-homem solitário...

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HAIGATOS

silêncio no quintal-no velho muro cintilaos olhos do gato..armazém da rua-o gato gordo ronronaesticado no chão..sobre o telhadofazendo algazarraum par de gatos

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HAICAIS PARA SeGyn

sol do meio dia-sobre o velho cavalogavião pinhé.....calmaria da tarde-de olhos semicerradoso gato espreita.....noite mal dormida-ao vento frio da manhão canto do galo..tímido sol:no começo da manhã o apito do trem...depois da chuvao pelotão de patinhosadentram o lago..manhã chuvosa-protegido pelas folhaso ninho da rolinha..outro dia de chuvana casa a velha rotina:hora da oração

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.encolhido no cantoo gato fica à espreita-cadê o pássaro?

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ACONTECÊNCIAS I

gato perdidodorme sobre o borralhodo velho fogão..zunem as moscas-em baixo da mangueirafrutos maduros..um galho seco-descendo pela cascafieira de formigas..filhote de gatoainda mais solitário com a chuva que cai..quietude:na tarde modorrentao gato cochila..vento sacode-sob a fria tempestadeo pássaro treme

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PINGENTES

fios delicados-uma aranha tece a teiano canto da parede..frutos maduros-as crianças disputandoquem colhe mais?..o sol já se foi-se agasalham no poleirogalos e galinhas..a chuva passou:um pardalzinho alegresaltita por ali..noite estrelada-um velhinho solitáriopassa devagar...

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ACONTECÊNCIAS II

visitas na sala-roçando entre pernasum gato manhoso..gota na vidraça-no rosto um olhar tristemais um dia passa.....sopra o vento:a borboleta se esforçasegura na folha..oco na árvore-imóvel de olhos abertosa velha coruja..tudo escurece-um leve vento balançaa roupa no varal

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ROMÃS DE VIDRO

a romã rachadaos seus favos são brilhantes-ou serão rubis?..na floriculturaentre os braços da moçaum buquê de flores..resto de chuva:dentro das broméliasa rãzinha dorme..na manhã de sol-os encantos de minha ruasão canteiros flores..zunem as moscas-embaixo da mangueirafrutos maduros..um galho seco-descendo pela cascafieira de formigas

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DIA DE FINADOS

dia de finados- embaixo de um pequizeiro túmulo de mamãe...

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OLHARES I

quintal varrido:embaixo da aceroleirafilhote de gato..lá na goiabeiraanuncia um novo diao sabiá-da-mata..manhã cinzenta-em cima da porteirao pequeno sabiá

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OLHARES II

filhote de gatonesta manhã chuvosadorme no sofá..cores diferentesem meio a primavera-diversos perfumes..mata em gorjeiopela pequena trilhasubo a colina

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CRIANÇAS

meninos, meninos!ninguém consegue pará-loshoje é tudo festa!..ali na calçadariscada com caco de telhaa amarelinha...

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RECORDAÇÕES

na luz do poste faz pirueta e dança a mariposinha . .tarde de mormaço assustado o cão acorda:tiro de foguetes... . .no jardim florido borboleta não se cansa de beijar a flor . . lago tranquilo: atiro uma pedrinha e faço anéis . . o som da chuva na folha da bananeira traz recordações. . .

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BRISAS

com melancoliano telhado da casacanta o bem-te-vi..nova estação:ao sabor da brisabaila a florzinha

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SITIO I

enfeitado como árvore de natal- pé de acerola. . . as maritacas chegam em bandos- fim de tarde... . . árvore nua no alto do morro- casa do joão-de-barro . . no quintal as galinhas cacarejam- disputam o milho . . na cozinha tem café quentinho- o cheiro avisa... . . quero-quero todo alegre mergulha- banho no riacho. . . sol poente com fios dourados- banha a tarde...

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SITIO II

canção matinal- o canto do galo é despertador . . na tarde morna- o cacarejar da galinha rompe o silêncio . . a galinha se mexe ajeitando-se no ninho- aquece os pintinhos . . festa do divino- o cãozinho assustado com tanto foguete . . vento sopra suave- as folhas madurinhasbailam até o chão . . bambuzais ao vento- ramos fortes e flexíveis quase beijam o chão

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na força d'água o monjolo trabalha: triturando o grão . . da janela espia as crianças correndo envolta do cão . . ribombar do trovão: voraz é o vento daqui do sul do pará

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BORBOLETAS I

ei! acorda! vem pousar aqui borboleta linda. . borboletas voam em pleno mês de abril são mais coloridas . .no casulo lagarta se esforça linda borboleta . .aflita borboleta procura onde pousar entre as florzinhas... . . sobre a folha repousa e sonha a borboleta

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BORBOLETAS II

borboleta amarela revoando tão baixinho sobre o girassol . . festival de coresas borboletas circulam em meio ao canteiro . . borboleta lindaesconde entre as flores e rouba a cena! . . cores vibrantes borboletas e abelhinha uma paixão! . . . no roseiral um monte de borboletas circulam o ar . . um ponto na folha- ao vento morninho uma borboleta . . pousa na flor- um leve bater de asas diz que tá ali!

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CAJUS

lá no quintal pé de caju florido: passarada feliz . . tacho de cobre: os cajús perfumados viram compotas . . fim de tarde- no cajueiro carregado pardais em festa

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FLAMBOYANT

brisa suave acaricia paisagem... distante flamboyant.

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NINHO

jacarandá em flor ninho do joão-de-barro família a vista.....amanhece o dia- passarada bem feliz acácia em flor . .farfalho- folhas forram o chão pássaros voam.....novo amanhecer suavemente chega- canto do sabiá...sabiá canta cheiro de café no ar hora de levantar...

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LAGARTIXAS

lá do muro espia pela janela- a lagartixa gorda . . a lagartixinha grudada no muro- diz sim com a cabeça . . só observando: a lagartixa mira inseto voador . . lá concordando- a lagartixa gorda espera a vítima . . sempre faceira anda rebolando -a lagartixa . . o que será? dizem: é lagartixa! mas falam em jacaré! . . tomando o sol: para o inseto que passa lagartixa finge...

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. entre olhos: a danadinha espreita a mosca que passa...

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NO COMPASSO

compasso lento-quem jogou o punhado de salnas costas da lesma?..dia de sol tórrido-banhando no monte de areiapequenos pardais.....manhã de domingo-um tucunaré fresquinhovai virar almoço?

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CANTO QUE ENCANTA

sombreamento:um galo canta no quintal-finda-se a tarde..chuva ligeiraagora o calor é intenso-prossegue a capina..manhã de janeiroroupas quarando ao solcanto da lavadeira

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ESTAÇÃO

época chuvosa-também chora o coraçãona hora do adeus..vento aromal:o trem já na plataforma-aceno um adeus.....férias de verão:a grande estação vaziadepois da despedida

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TRIEIROS

água de nascente-caminhando no trieiroouço o regato..bica d'água-na corredeira incessantea lida matinal..arco-celestedepois de tanta chuvaa linha do horizonte..embaixo das folhashá um sem fim de baratas-é festa de fraque?..crime cometido-contra a barata cascudao chinelo voador!..largado no chãoum pedaço de bolacha doce-trieiro de formigas!

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HAICAIS 122 inicio da manhã:de um lugar não distantearrulho de pombos..forno de barro-biscoitos recém assadosaroma pela casa!..pequena pausa-após longo dia na lidaa volta pra casa..tomando a fresca-sob um céu bem claroestrelas cintilam..hora de brincar-ali no jardim floridocacos do vaso

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HAICAIS PARA PEDRO OTÁVIO, MEU FILHO dia agitado-uma criança em disparadaa professora chegou!..sorriso da criança-escondida na mochilauma lagartixa.. pátio da escola-há dezenas de olhinhosvendo um sapo gordo..maldade de irmão-um brinquedo escondidoatrás do sofá..... Presente que ganhei de Luiz Gustavo Pires..mãe aflita: primeiro dia de aula do filho inocente.....toca a sineta crianças em disparada para o recreio.....

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alunos felizes pulam amarelinha no pátio da escola.....só estudar ? eu quero é brincar diz a criança.....dia de aula - até logo diz a mãe ao filho que cresce.....reencontro:histórias são contadas à espera da aula.....reencontro:planos são traçados à espera do recreio...

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HAICAIS PUBLICADOS NA REVISTA CAQUI/GRAFFITI

brisa suave: voejam borboletas por todo jardim ..roupa no varal— a borboleta pousada na anágua da vovó ..café da tarde— na mangueira em flor farra de pardais ..gato perdido dorme sobre o borralho do velho fogão ..zunem as moscas— embaixo da mangueira frutos maduros

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FLASHES DA VIDA III

coisa mais bela!na ponta da folhaa borboletinha..barco de papelalegria da criançana poça d'água..árvore amarelarevoada de folhas-serão borboletas?..filetes de luzpor entre folhas do oitiespreita o sol..hoje choveu-a grama do quintalestá agradecida

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OLHARES III

de flor em flor-beija uma,beija outracolibri feliz!..acácia florida-colibri não se cansade tantos beijos!..manhã friorenta-o colibri suga o néctarda bela roseira...

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Ionete Brito, neste "Romãs de vidro" desnuda-se em uma poeta do instante, do acaso e do transitório. Ela se apresenta concisa, precisa e sem rodeios. Passeia, livremente, em sintonia com a carga sensível que permeia toda a sua vida. O encontro casadouro com o Haicai, o tom espontâneo da natureza e a beleza plástica e poética de cada cena nos alarga a mente e traz consolo ao coração. Ela nos apresenta o sol, a chuva, as flores, os insetos, os pássaros, enfim, todas as mutações repentinas e cotidiana da vida com pinceladas tão suave que toca o nosso ser, e nos deixa querendo imortais.