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UFRJ IFCS
A TEORIA DAS IDIAS DE PLATO
Sir DAVID ROSS
2008.2
A Teoria das Idias de Plato
2
A TEORIA DAS IDIAS DE PLATO
Sir DAVID ROSS
Turma Geral III
Traduo
Prof. Marcus Reis
Orientao
Ttulo do original:
Platos Theory of Ideas
Grenwood Press, Publishers
Reprinted in 1976
Westport, Connecticut, USA
2008.2
UFRJ / IFCS
A Teoria das Idias de Plato
3
PREFCIO
Traduo:
Fred Woodi de Lacerda
Queens University, Belfast, UK, concedeu-me em 1948 a honra de proferir uma Conferncia em Memria de um notvel historiador dos tempos antigos, Sir Samuel Dill (18441924)1. Aproveitei a oportunidade
para comentar algo sobre a Teoria das Idias de Plato, pois j estava trabalhando nela j havia algum tempo. Ento o essencial do que foi a Conferncia est inserido no Captulo Final e outras partes deste Livro. No achei que fosse necessrio, como uma regra, grafar as passagens de Plato ou outros autores Gregos na sua lngua original. Mas, fiz com prazer as tradues, ou adotei uma que fosse boa entre as existentes. Devo agradecer, em particular, aos Senhores Routledge e Kegan Paul 2 por permitirem que eu fizesse citaes das excelentes tradues feitas por Cornford 3, do Parmnides, Teeteto, Sofista e Timeu. Para facilitar a recuperao das passagens Platnicas no original forneci referncias precisas indicando numerao das linhas no texto de Burnet.
W.D.R. (18771971)
1 Sir Samuel Dill (18441924): Roman Society from Nero to Marcus Aurelius. 2 Routledge e Paul Kegan so duas editoras importantes, que imprimiram algumas obras de Sir Cornford. 3 Sir Francis Macdonald Cornford (1874 1943). Platos Cosmology: The Timaeus of Plato; Before and after Socrates; Plato and Parmenides: Parmenides Way of Truth and Platos Parmenides; Platos Theaetetus; Platos Theory of Knowledge: The Theaetetus and the Sophist of Plato.
Nota do aluno tradutor: Esta obra de Ross foi publicada pela primeira vez em 1951, pela Clarendon Press, Oxford
A
A Teoria das Idias de Plato
4
SUMRIO I A Ordem dos Dilogos .............................................................................................................. 5
II O Incio da Teoria ................................................................................................................... 14
III O Fdon ................................................................................................................................ 25
IV - A Repblica e o Fedro ........................................................................................................... 38
V O Parmnides e o Teeteto ..................................................................................................... 71
VI O Sofista e o Poltico............................................................................................................. 82
VII Timeu e Filebo ..................................................................................................................... 97
VIII As Leis e a Stima Carta ................................................................................................... 113
IX As Doutrinas No-Escritas de Plato ................................................................................ 116
X Consideraes de Aristteles Acercada Doutrina Inicial de Plato ..................................... 126
XI A Populao do Mundo das idias ..................................................................................... 134
XII Os Nmeros Ideais ............................................................................................................ 141
XIII Depois dos Nmeros ........................................................................................................ 165
XIV As idias e a Alma............................................................................................................. 170
XV As Idias e os nmeros ideais ........................................................................................... 173
XVI As Idias e as Coisas Sensveis ......................................................................................... 177
XVII - Retrospecto ...................................................................................................................... 181
A Teoria das Idias de Plato
5
I A ORDEM DOS DILOGOS Traduo:
Fred Woodi de Lacerda
uem tentar traar a histria da teoria das idias, com certeza ir considerar os dilogos em uma ordem particular. A ordem correta difcil de precisar, e assim permanecer em muitos pontos, ensejando
sempre novas conjecturas. As obras de Plato contm poucas aluses a eventos histricos contemporneos, exceto a priso e julgamento de Scrates; E quando existem estas referncias, s vezes ser difcil dizer a qual de dois eventos elas se referem. Repisando no assunto, os dilogos raramente se reportam a outro, mesmo vagamente; Ou a obras recentes de outros autores. Se nos tornssemos prisioneiros destas duas evidncias ns s conheceramos muito pouco da ordenao dos dilogos. Tentativas tm sido feitas para dat-los por outros mtodos, assumindo que o desenvolvimento das doutrinas tivessem seguido certa ordem, e que os dilogos pudessem assim ser datados, de acordo com a maturidade comparada das doutrinas que eles contm. Mas este procedimento tem finalizado com diversas concluses em mos diferentes, portanto, mesmo que em princpio no se revelem irreais, suas concluses tornam-se passveis de subjetividades. O mtodo que se mostrou mais apropriado, e que tem levado a resultados mais harmoniosos, quando aplicado por vrios estudiosos, tem sido o mtodo de estudo do estilo do texto. Partindo com a tradio mencionada por Diogenes Laertius4, de que Plato deixou Leis inacabada; E com o ponto de vista universalmente aceito de que o ltimo dos trabalhos de Plato (a menos que Epinomis seja considerado tendo Plato como seu autor, e posteriormente datado); Tomando o estilo e o vocabulrio de As Leis como padro; E testando a afinidade de outros dilogos em relao a este ltimo citado, com respeito a um numeroso conjunto de pontos independentes {o uso de partculas discretas da linguagem (prefixos, sufixos e infixos) ou combinao destas, e a escolha deste ou daquele sinnimo, o no usar hiatos, etc.}; Assim fazendo, diferentes estudiosos tm chegado a resultados que parcialmente concordam ou no, sobre a ordem destes dilogos. O Quadro que se segue sumariza as opinies de cinco proeminentes estudiosos do assunto. Comparadas lista de Raeder cada uma das listas omitem, por razes que no temos interesse em comentar, alguns dilogos citados por ele. No caso de Ritter, apresento a lista que incluiu em seu ltimo trabalho,
4 Iii, 37 (25)
Q
A Teoria das Idias de Plato
6
Kerngedankem der platonischen Philosophie, traduzida com o ttulo de The Essence of Platos Philosophy.
Arnin Lutoslawski Raeder Ritter Wilamowits
Apologia Apologia. Hpias Menor Ion
Ion Ion Hpias Menor
Protgoras Hpias Maior Laques Protgoras
Laques Eutifro Laques Protgoras Apologia
Rep. I Crito Crmides Crmides Criton
Lisis Crmides Crito Euthyph. Lach.
Crmides Hpias Maior Apologia
Eutifro Lach. Prot. Crito Lisis
Eutidemos Protgoras Grgias Grgias Crmides
Grgias Menexenos Hpias Maior Eutifro
Menon Mnon Eutifro Eutidemos Grgias
Hpias Menor Eutidemos Menon Crtilo Menexenos
Crtilo Grgias Eutidemos Menon Menon
Simpsio Rep. I Crtilo Menexenos Crtilo
Hpias Maior Crtilo Lisis Lisis Eutidemos
Fedo Simpsio Simpsio Simpsio Fedo
Crito Fedo Fedo Fedo Simpsio
Rep. 2-10 Rep. 2-10 Repblica. Repblica Repblica
Teeteto Fedro Fedro Fedro Fedro
Parmnides Teeteto Teeteto Teeteto Parmnides
Fedro Parmnides Parmnides Parmnides Teeteto
Sofista Sofista Sofista Sofista Sofista
Poltico Poltico Poltico Poltico Poltico
A Teoria das Idias de Plato
7
Filebo Filebo Filebo Timeu Timeu
Timeu Timeu Critias Critias
Critias Critias Filebo Filebo
Leis Leis Leis Leis Leis
Epinomis
Duas coisas saltam aos olhos quando examinamos estas listas: Em relao aos dilogos antigos existe muita discordncia entre os cinco estudiosos; Quanto aos mais recentes, a partir da Repblica em diante, quase existe um acerto razovel de opinio. Se mais estudiosos tambm recentes fossem citados estas duas observaes seriam logo repetidas. Isto se deve ao seguinte fato: Sobre o provvel desenvolvimento do pensamento de Plato, os pontos de vista dos pesquisadores sobre a ordem dos dilogos antigos so em sua maioria baseados em teorias subjetivas. Sobre a ordem dos dilogos estudados mais recentemente, estes j esto sedo observados no terreno firme dos testes de estilo iniciados por Lewis Campbell. Pode-se dizer tambm que, quando so abordados pelo estudo do estilo, a datao mais tardia do Parmnides e do Teeteto sugere uma ordenao mais aceitvel do que trat-los como se pertencessem fase inicial do filsofo. Muitos comentrios devem ser feitos sobre estas listas 5:
1. Elas convergem ao omitir um considervel nmero de dilogos que foram includos na lista de tetralogias de Trasilo, ou em seus apndices, no entanto eles so neste momento universalmente considerados esprios. Cartas era at recentemente assim tambm considerada. Porm, opinies mais recentes tendem a trat-las como genunas. impossvel ter certeza disso, se so genunas, mas provvel que a nica realmente importante, filosoficamente, a stima carta. Ela genuna, e pode ser datada entre 353 e 352 a.C.
2.A genuinidade de Hpias Maior tem sido contestada por muitos estudiosos. No Catlogo Platnico s existe um par de dilogos de mesmo nome, Alcibiades I e Alcibiades II, os quais so hoje definitivamente rejeitados. Isso cria uma pequena, somente uma pequena presuno, contra a crena de que Plato escreveu dois dilogos com o mesmo nome de Hipias.
Existe tambm o fato de que Aristteles em Met. 1025a6 usa a frase o argumento no Hipias sobre um argumento que ser encontrado no Hipias
5 Omitirei discusses que no esclarecem a Teoria das Idias
A Teoria das Idias de Plato
8
Menor 6; Tem sido argido que ele dificilmente teria feito referncia ao pouco importante dilogo Hipias como se Plato houvesse escrito o outro. Mas se Plato escreveu os dois dilogos, Aristteles conheceria qual deles ele mencionaria como Hipias, podendo provavelmente contar com o fato de que seus ouvintes tambm conheciam o que dizia. J os argumentos contra a autenticidade do dilogo baseados em fatores de estilo e gramtica, estes so fracos. Por outro lado: O primeiro exemplo de definio citado por Aristteles em Top.
146a2I-3 parece ser to claro como uma aluso ao Hipias Maior 297a3-
303aII, onde a definio do belo discutida, aquilo que d prazer atravs da
audio ou da viso; Assim como o segundo exemplo o em relao ao
Sofista 247d3-4. Similarmente a sugesto definida do Belo como a que mais
se ajusta a Tpicos 102a6 e I35a13 provavelmente uma reminiscncia de
Hipias Maior 293a6 -294e10. Ainda mais, o dilogo mostra sinais de um desenvolvimento da teoria das idias, e assim sendo ele dificilmente poderia ser alinhado a qualquer outro autor, exceto Plato. Neste particular, por exemplo, e em nenhum outro lugar, Scrates aponta a diferena para a maioria das idias, quais so as verdadeiras para um nmero de coisas individuais; E idias de nmero, quais so verdadeiras para um grupo, mas no para seus membros, individualmente 7. Alinhando com esta maturidade comparativa da doutrina, o fato de que Von Armin coloca este dilogo aps, at do Simpsio, em terreno puramente estilstico, irei to distante quanto necessrio para coloc-lo, tentativamente, aps o Eutfro. 3. Como a Apologia pressupe o julgamento de Scrates 8 em 399 a.C., a ordem adotada por Lutoslawski e Raeder claramente assume que Plato no escreveu um dilogo antes daquela data. Grote defendeu vivamente este ponto de vista, baseando-se principalmente no fato de que o servio militar na Guerra do Peloponeso, e o estado de Atenas com problemas, dali em diante, isso ento impossibilitou o trabalho literrio de Plato antes de 399 a.C.. Mas no parece impossvel que por este tempo (quando ele tinha 28 ou 29 anos) Plato j no tivesse escrito alguns dilogos. O argumento de Burnet e Taylor, de que psicologicamente impossvel que ele tivesse escrito um dilogo sobre Scrates enquanto seu Mestre ainda era vivo, isso est longe de ser convincente. Se supusermos que uns poucos dilogos foram escritos antes da
6 Sobre estes argumentos ver a edio de Miss Tarrant Ixxx-Ixxx. Estas e outras objees ao dilogo tem
sido habilmente trabalhadas pelo Professor G.M.A.Grube na Class. Quart. xx (1926), 134-48 e na Class.
Quart. Xxiv (1929), 369-75.
7 300d5-302 b 3
8 Em Sitzb. Preuss. Akad. (1928) Xxv, 402 n 2.
A Teoria das Idias de Plato
9
Apologia, no estaremos necessariamente datando estes dilogos antes de 399 a.C. (Porque no sabemos que a Apologia foi escrita imediatamente depois do julgamento de Scrates); estaremos apenas deixando em aberto esta possibilidade. 4.Existe uma grande dvida sobre a data do Crtilo. A maioria dos estudiosos a datam no muito depois de 390 a.C., e o ordenam na mesma posio em que o colocamos nas listas que citamos. Mas o Professor Jaeger apontou 9 para a semelhana parcial de nomes para as propriedades da mente no
Cratilo 4IId4-412b8 phronesis, gnome,, noesis, sophrosyne, eoisteme,,
synesis, sophia, com aquelas que ocorrem num dilogo muito antigo, Filebo,
I9d4-5 , nous, episteme, synesis, tekhne. M. Warburg 10 argiu que as afinidades
do dilogo so na realidade expostos no Teeteto, o qual foi escrito entre 390 e 370 a.C., Qanto a E. Haag 11 e a E. Weerts12, ambos expressaram pontos de vista semelhantes. Por outro lado, detalhes estilsticos sugerem uma data mais antiga. A questo fica em aberto. 5.Taylor coloca todos os Dilogos antes da fundao da Academia em 387 a.C., incluindo a Repblica. Ele se apia no fato de que na Stima Carta13, onde Plato est descrevendo seu estado de esprito durante sua primeira visita Sicilia, ele diz que foi levado a dizer em um discurso puramente filosfico, que a humanidade no deixaria de sofrer enquanto verdadeiros filsofos no ocupassem cargos polticos, ou que governantes polticos, por uma feliz providncia, se voltassem para a filosofia. Isso parece uma aluso Repblica 473cII-e2, onde a mesma coisa foi dita, quase que com as mesmas palavras, como parte de um Discurso sobre a verdadeira filosofia. Como Plato, que nasceu em 428 a.C., diz14 que tinha 42 anos na poca desta viagem, isto d a parecer que a Repblica foi escrita antes de 388 a.C. No entanto, Plato no diz diretamente que j tinha usado estas palavras quando ele foi pela primeira vez Sicilia; ainda menos, que as tinha colocado em um dilogo. O que ele disse que j tinha estas coisas no pensamento quando foi Sicilia15, e isto compatvel com a sua aluso a ambas, mais tarde, na Repblica. Temos que considerar as probabilidades gerais. O ponto de vista de Taylor que Plato j escrevera o conjunto total de dilogos, at ter a idade de 40 anos, isto , com um perodo de tempo igual a vinte anos, at Repblica, inclusive, e tudo isso cobre umas 1.200 pginas16, E diz mais que nos ltimos 40 anos de sua vida no produziu mais
9 Como o Eutifro e o Crito
10 Zwei Fragen zur Kratylus, 31-61
11 Crtilo de Plato, 86-90
12 Em Filebo. Supplememtband xxiii(1932), I-84
13 32
6 a 5-b4
14 324 a
6 No texto de Burnett
15 32
6 b 5
16 No texto de Burnett
A Teoria das Idias de Plato
10
que 1.050 pginas. Isso no de todo impossvel, mas no parece ser o caso. Isso envolve tambm ignorar a referncia existente no Simpsio 17(o qual pode ser considerado como anterior Repblica) a um evento no ano 385 ou 384 a.C., e a outra indicao que aponta para a datao do Simpsio aps estes anos. Ritter sugere18 fortemente que a descrio do Tirano no Livro 9 da Repblica deve-se mais experincia de Plato na Corte de Dionsio, e pressupe ao menos que Plato esteve l em 389-8 6.Parmnides, Teeteto, Sofista e Poltico compem o que se pode classificar como um s grupo; Na tentativa de determinar suas inter-relaes muitas coisas evidentes devem ser tomadas em considerao. (a) No Teeteto, como nos dilogos mais antigos, Scrates o personagem principal. Na primeira partedo Parmnides ele tem papel destacado, mas Parmnides o personagem principal; E na segunda parte Scrates apenas um ouvinte silencioso; Em Sofista e Poltico ele aparece apenas no incio, e estes dilogos so na verdade um monlogo virtual da parte de um Desconhecido Eletico, com Teeteto em Sofista e o jovem Scrates no Poltico nada mais fazendo do que responder sim ou no s questes do desconhecido. No Timeu e no Critias Scrates aparece no princpio, mas Timeu tambm na prtica um Monlogo de Timeu, e o Critias um monlogo de Critias. Em Leis Scrates no aparece definitivamente, e o dilogo conduzido no geral por um Ateniense desconhecido. De todos os ltimos dilogos, Filebo o nico em que Scrates o principal falante; e no h dvida disso porqu, solitrio entre os ltimos dilogos Filebo o nico em que Scrates est ocupado com seu assunto primrio, que a tica. No geral, ento, os derradeiros trabalhos se caracterizam por uma ausncia de animao nos dilogos e pelo fato de que Scrates no era mais o principal ator. b)No incio do Teeteto 143b5-c5 o narrador explica que ele prope omitir frases tediosas como e eu disse e ele concordou, fazendo surgir simplesmente as palavras do personagem que fala; Teichmuller deduziu da que qualquer dilogo no qual estas frases aparecem devem ser as primeiras, antes do Teeteto; Quando no ocorrem nos demais dilogos, d-se o contrrio, eles esto alm do Teeteto. Mas ele superestimou sua opinio: Muitos dos dilogos que por outros critrios tambm so datados como os primeiros, caem nestes casos relativos ao Teeteto, para o qual o Drama Grego estabeleceu um precedente. Mas seria uma surpresa se nos dilogos que escreveu a seguir, Plato voltasse ao mtodo de apresentao que ele abandonou; Ento ele usa este meio na primeira, e no na segunda parte do Parmnides19.
17
193 a I-3 18
P/L/S.L. i. 243 19
A melhor discusso sobre as variaes daforma do dilogo por Plato a que fez Raeder (Plato Phil. Entw. 44-61)
A Teoria das Idias de Plato
11
c)No Parmnides surge o relato de uma conversao entre Parmnides, Zeno o Eletico e Scrates. Deveramos acreditar que a mesma teria sido realizada em um tempo em que Parmnides tinha sessenta e cinco anos (127 b
3), Zeno teria por volta de quarenta (IBID 4) e Scrates ainda era um jovem 127 c 4; Igualmente deveramos dar crdito a Scrates por j ter chegado Teoria das Idias; E porqu tambm j pudera refletir bastante sobre ela; Mais ainda Scrates nasceu em 460. Plato evidentemente representa Parmnides tendo nascido no antes c. 515, e Zeno no antes de 490. As datas tradicionais para o nascimento de Parmnides e Zeno so respectivamente
544-54o e 544-540 e 504-500. impossvel acreditar que, se Parmnides e Scrates um dia se encontraram, eles puderam ter uma conversao tal como est no dilogo; No temos razo para supor Parmnides capaz de manter este tipo de discusso dialtica que estrutura o final do dilogo, e tambm contrrio a qualquer probabilidade supor que Scrates com vinte anos j concebesse a teoria das idias tal como descrita na primeira parte. Mas, se o rumo do dilogo imaginrio, no temos ento razo para consider-lo histrico. Burnet e Taylor, verdade, atacam as datas tradicionais de nascimento de Parmnides e Zeno como ditadas por opinies arbitrrias; mas isto se d porqu ambos esto determinados a acreditar na preciso da Biografia de Scrates escrita por Plato. E se estamos certos em rejeitar esta viso estamos justificados por tratar o encontro como fictcio. Veja-se que em ambos os dilogos, Teeteto (183 e 7) e Sofista (217 c 4- 7), Scrates descreve a si mesmo como tendo se encontrado com Parmnides quando ainda era jovem. Se estivermos certos em considerar a conversao no Parmnides como uma fico, estas aluses se referem no a um encontro real, mas ao encontro fictcio descrito no dilogo. (d) Tanto quanto sei, as nicas aluses claramente feitas aos eleticos, nos dilogos que antecederam os ltimos 4 citados, elas esto no Simpsio
178 b9 e no Fedo 26Id6. Mas existem outras trs aluses no Teeteto. Em 152 e 2, Parmnides veementemente mencionado como o nico dos sbios que no concordam com a certeza de que nada existe sempre, mas
todas as coisas esto sempre sendo. Em 180 d 7-181 b 5 Plato opina que deve
enfrentar no somente os Heraclidianos, mas tambm os adeptos do uno inamovvel, entre os quais ele coloca Melissus e Parmnides. Em 183e 5-184 a I Parmnides descrito como uma figura superior e horrenda, e como possuidora de uma profundidade com certa nobreza. No Parmnides como j vimos, ele tem o principal papel. No Sofista e no Poltico (que se apresentam como uma continuao do dilogo iniciado no Teeteto)20, um membro da escola eletica desempenha o principal papel.
20
Teeteto 210 d3 Sofista 216 a I, Poltico 257 a I
A Teoria das Idias de Plato
12
Portanto estes quatro dilogos esto interligados por numerosas referncias cruzadas, criando um novo interesse voltado para a filosofia eletica. Deveria parecer natural que, num primeiro olhar, devemos trat-los como um grupo nico, e acreditar que o interesse de Plato no eleatismo foi estimulado pelos encontros com membros daquela escola na Magna Graecia, enquanto ele estava a caminho da Siclia, apr. no ano de 367 a.C. Mas linguisticamente os quatro dilogos caem em dois grupos muito contrastantes: Parmnides e Teeteto ficam ligados aos ltimos livros da Repblica; O Fedo, o Sofista; E o Polticomais perto de Timeu e Filebo. Isto pode ser explicado pela suposio de que dois dos quatro dilogos devero ser separados dos dois primeiros pelo espao de tempo e pelo afastamento dos interesses envolvidos no segundo longo Perodo, quando Plato foi visitar a corte de Dionsio em Siracusa., em 367-6. Concomitantemente: Aceitar a transio das certezas contidas nas asseres da teoria das idias na Repblica para o questionamento em si das inclinaes variveis do Parmenides; Isso s seria aceitvel se supusermos que certo nmero de anos tenham se interposto entre as duas ocasies, isto , quando uma terminou e a outra foi iniciada. Finalmente, os fatos mencionados em (b), logo acima, podem ser mais bem explicados supondo que, ou a primeira parte do Parmnides foi escrita antes do Teeteto; E a segunda parte depois do mesmo; Ou, que o Teeteto simplesmente anuncia um princpio que Plato j teria de fato adotado na segunda parte do Parmnides. 7. Sobre a questo das datas relativas ao Timeue ao Filebo, a opinio dos estudiosos muito bem dividida. Testes lingsticos no resolveram em nada a questo, e no total os demais argumentos levantados para qualquer um dos pontos de vista no tinham grande peso. Somente um argumento apontou definitivamente, embora no decisivamente, para uma direo: A derivao dos nmeros ideais extrada da idia do Uno e do grande e o pequeno, do qual sempre escutamos tanto da parte de Aristteles, e que claramente pertencem a Plato, em sua ltima fase; Estas coisas se juntam mais intimamente com o limite e o ilimitado (ou o grande e o menor) do Filebo, mais do que com o Timeu. Isto me parece a ocasio de mexer na escala em favor do Filebo como o ltimo dos dois dilogos21. Os dados definitivos para precisar quando foram escritos os dilogos individuais so escassos. Menexenos, uma orao fnebre em honra dos cados em combate, no pode ter sido escrito antes de 390, e mais
21
O Filebo tambm colocado depois do Timeu por Bakumker, Prob. D. Matria em d. gr. Philos. 114, 197, por Bury na sua edio do Filebo Ixxx, por I. A. Post em Trans. Of the American Philological Assn. Ix (1929), 12, por Ritter em seu ltimo livro, The Essence os Platos Philosophy, 27, por Robin em La Place de La Physique dans La Philosophie de Platon, 10 n. 2, por Taylor A Comm. On Platos Timaeus, 9n, e por Wilamowits, P, i.
62
8.
A Teoria das Idias de Plato
13
provavelmente foi escrito aps a paz de Antalcidas em 386; o Simpsio se refere a um evento no ano 385 ou 384 22, o Teeteto23 a outro no ano 360, e Leis24 a um terceiro no ano 356. A dedicao e o engenho dos estudiosos descobriram muitas pistas, as quais sugerem limites de data para este ou aquele dilogo, mas nenhuma destas conjecturas chega perto da realidade com certeza. Existem dois pontos gerais que devem ser tomados em conta por aqueles que tentam colocar os dilogos em ordem. Um se refere tarefa de composio de cada um dos dois longos dilogos, a Repblica e Leis, que devem ter ocupado um perodo de alguns aos, e ainda mais quando nos referimos aos dilogos curtos, os quais podem ter sido desenvolvidos durante a composio dos maiores; O outro ponto refere-se ao fato de que Plato conhecido por ter sido assduo na reviso de seus trabalhos,25 de tal forma que certos trechos que sugerem datas mais tardias, podem bem ter sido assim tardios porque foram escritos bem mais tarde do que os trechos principais. Em vista destas dificuldades qualquer ordem que seja proposta estar fadada a ser apenas uma tentativa. Com estes alertas, o que segue uma provvel ordem daqueles que so os mais antigos dilogos que lanam luz sobre a Teoria das Idias, e aps isso, os trabalhos finais. (na tabela da prxima pgina esto os trabalhos na ordem citada) Nascimento de Plato, 429- 42 Segunda visita Siclia, 367-366 Carmides Sofistas Laques Poltico Eutfro Terceira visita Siclia, 361-360
Menon Timeu Primeira visita Siclia, 398 - 388 Critias ? Crtilo Filebo Simpsio, 385 ou mais tarde Stima Carta, 353-352 Fedon Leis Repblica Morte de Plato, 348-347 Fedro Parmnides Teeteto, 369 ou mais tarde
22
193 a 3 23
142 a 6
24 638 bi.
25 Dion. Halic. Comp. PP. 208-9
A Teoria das Idias de Plato
14
II O INCIO DA TEORIA Traduo:
Sarah Moura
entre os primeiros dilogos, h quatro cuja inteno principal discutir as
definies de certas coisas. O Crmides questiona o que temperana?, o
Laques o que coragem?, o Eutifro o que piedade?, o Hipias Maior o
que beleza?. Na insistncia de cada questo, o broto da Teoria das Idias j est
latente. Fazer essa pergunta pressupe haver uma nica coisa para a qual cada
palavra como temperana sustenta e que isso diferente para cada uma das
muitas pessoas ou aes que podem corretamente ser chamadas de temperadas.
Nesses dilogos, aquele em que Plato mostra uma mnima conscincia do
significado mais geral do que ele falou sobre uma virtude em particular o Crmides,
e h uma razo, embora no uma submisso, para olhar este como o primeiro dos
quatro.
As sementes da Teoria das Idias aparecem mais precisamente no Laques.
Nesse dilogo26, Scrates, aps enumerar vrias circunstncias nas quais a coragem
pode ser mostrada, pergunta o que isso, existente em todas essas coisas, o
mesmo? , assim assumindo que h algo que o mesmo; e ele faz a mesma
presuno sobre a atividade em 192 a 1 b 3. Aqui ns temos, em broto, a viso de
que para todo nome comum h um nico ente o qual referido em toda ocorrncia
do nome27. Mas no Laques, e muito depois de sua escrita, o interesse de Plato no
est na condio metafsica desse ente. Seu interesse aquele que o prprio Scrates
caracterizou, o interesse na resposta a uma disponvel questo particular, como o
que coragem?. Mas esse interesse na coragem, tanto em Scrates como em
Plato, dobrado. Talvez, primeiramente, isso venha a ser um interesse prtico. Tanto
Scrates como Plato querem saber o que coragem, porque eles esto interessados
que os indivduos cidados se tornem corajosos. Mas igualmente caracterstico dos
dois que, ao contrrio somente dos moralistas prticos, eles estavam convencidos de
que pelo conhecimento do que virtude, e por isso somente, que o homem pode
tornar-se realmente virtuoso28. E a este interesse prtico se adicione uma curiosidade
intelectual provocada por dois fatos: que embora haja uma variedade de muitas
26
191 e 10. 27
Rep. 596 a 6 28
Laques 190 b3-c2
D
A Teoria das Idias de Plato
15
coisas corajosas diferentes, todas so igualmente instncias de coragem29, e que
muitas coisas que tm muito em comum com essas instncias no so, contudo,
instncias de coragem30. Foi essa combinao de interesses que levou doutrina
metafsica das Idias. A isso se pode somar que, enquanto no Laques como em
outros dilogos da juventude era nos termos ticos que Plato est diretamente
interessado. E ele ainda reconhece, em referncia natureza comum da rapidez, que
a relao do universal com o particular no est confinada aos termos ticos.
Plato no discute as implicaes de cada questo como o que
coragem?, mas no difcil ver quais so suas implicaes31. Em primeiro lugar,
implica que h no meramente a palavra coragem, nem meramente isso e o
pensamento de coragem, mas uma coisa real cujo nome coragem.
Secundariamente, implica que isso uma coisa e no muitas. Plato foi sensvel
possibilidade de ambigidade no significado de um nome. Mas, aparentemente, ele
considerou isso somente como algo que raramente ocorre, e no foi plenamente
sensvel aos variantes matizes dos significados nos quais igualmente a aparentemente
mais simples palavra pode ter. Em terceiro lugar, est implcito que coragem uma
coisa complexa apta a ser analisada em elementos; no caso de no ser assim, a
questo o que coragem? seria uma questo estpida, e a nica resposta
verdadeira que coragem coragem. As respostas que de tempos em tempos ele d
s questes dessa forma indicam que, a princpio, ele estava assumindo como
Aristteles fez explicitamente que definio anlise per genus et differentiam. Mas
no at que ns cheguemos ao Sofistas encontraremos Plato dizer explicitamente
isso.
Parece provvel o Eutifro ser o 1 dilogo no qual tanto as palavras IDEA e
EIDOS aparecem nos seus sentidos platnicos peculiares, como ambas aparecem
nesse dilogo. As passagens so as seguintes: 5 d 1 - 5 No h piedade em toda
ao sempre a mesma? E a impiedade, de novo, no o oposto de toda piedade?
No tudo aquilo que ser mpio o mesmo como ele prprio, tendo, como
impiedade, a Forma (IDEA) singular?, 6 d 9 e 6 Voc lembra que eu no lhe pedi
para me dar um ou dois exemplos de piedade, mas para explicar que h muitas
formas (EIDOS) as quais fazem todas as coisas piedosas serem piedosas? Voc no
lembra que voc disse haver uma Forma (IDEA) a qual faz mpios atos mpios e
piedosos atos piedosos?... Diga-me, ento, qual a natureza dessa Forma (IDEA), que,
29
190 e7-198 e8 30
192 b9 193 d10 31
O significado e as implicaes de questes como o que x? em Plato so bem discutidas por R. Robinson em Platos Earlier Dialectic, 51-62.
A Teoria das Idias de Plato
16
olhando para ela e usando-a como modelo, posso dizer que qualquer ato feito por
voc, ou outro, que tenha o mesmo carter piedoso, e qualquer ato que no o
tenha impiedoso?
Tanto EIDOS e IDEA so derivados de IDEIN, ver, e o significado original de
ambas as palavras , sem dvida, forma visvel. Taylor fez na Varia Socratica32 um
estudo abrangente do uso das palavras na literatura grega antes de Plato, e chegou
a concluso de que o uso que encontramos em Plato e, ocasionalmente, em outros
lugares, tem uma origem no uso pitagrico desses termos, no sentido de modelo
geomtrico ou forma. A lista de cotaes de Taylor foi cuidadosamente examinada
por C. M. Gillespie33, que chegou a concluso diferente:
... no tempo de Scrates as palavras ... mostram duas tendncias de
significao no vocabulrio geral da cincia. O primeiro eminentemente fsico, mas
sem associaes matemticas: incluindo numerosas gradaes de significado, desde
o popular ao tcnico: a forma de um objeto corpreo, ocasionalmente usada para o
objeto corpreo ele mesmo, como nossas prprias palavras forma (form) e aparncia
(shape), mas sempre distintas do SOMA: s vezes a forma externa visvel e muitas vezes
na forma interna, a estrutura, a natureza, a PHYSIS, uma concepo especificamente
fsica, muitas vezes estendida a outra natureza dos objetos que no a corprea: em
um tratado de carter retrico passageiro, por uma transio fcil, aproximadamente,
se no completamente, na noo metafsica de essncia. A segunda semi-lgica,
classificatria: usada especialmente em cada contexto como em existem quatro
formas, tipos de qualquer coisa, se uma substncia como o mido ou uma doena
ou outra coisa ... Nessa linha de desenvolvimento, o significado tardio de espcies
apenas um nico passo adiante. Professor Taylor parece ter esclarecido um caso para
o uso de EIDOS na matemtica pitagrica no sentido do modelo geomtrico ou figura.
Mas no h qualquer evidncia que mostre que esse significado altamente
especializado foi um fator determinante de outros desenvolvimentos; parece ter sido
um crescimento colateral.
Os dois usos especificados por Gillespie so desenvolvimentos naturais do
significado original. A viso o mais informativo dos nossos sentidos, e no surpresa
que palavras as quais originalmente significavam forma visvel possam vir a significar
natureza visvel, e ento a natureza em geral; no que desse significado de natureza
eles possam vir a significar classe marcada pela natureza dos outros.
32
178 267 33
Class Quart, vi (1912), 179 -203
A Teoria das Idias de Plato
17
H. C. Baldry34 tem sugerido que o uso platnico dos termos EIDOS e IDEA, e,
decerto, o princpio fundamental da metafsica de Plato foram alcanados pela
fuso de ensinamentos de Scrates sobre valores morais com o ensinamento
pitagrico sobre valores numricos. Mas nossa ignorncia sobre a histria do
pitagorismo e sobre a poca de seu desenvolvimento profundo. Ns no sabemos
se no tempo da juventude de Plato os pitagricos chamavam os modelos numricos
EIDE ou IDEAI. Ns no sabemos se Plato visitou a Itlia antes de 389 ou 388 a,C., e
ns podemos estar bem certos de que os primeiros dilogos nos quais a Teoria das
Idias encontrada foram escritos muito antes disso. No obstante Aristteles fale que
Plato atribuiu s idias o mesmo tipo de funo que os pitagricos vinculavam aos
nmeros35, e que mais tarde ele identificou as idias com nmeros36, ele no sugere
que o modelo numrico tivesse qualquer coisa a ver com o comeo da Teoria das
Idias. Acima de tudo, no h nada nos primeiros dilogos que sugira isso. A posio
antes parece ser aquela do questionamento socrtico como o que virtude?, o
que coragem?, e similares, que levou Plato a reconhecer a existncia de universais
como uma classe distinta de ente, e que ele assumiu como nomes para eles as
palavras EIDOS e IDEA, as quais no grego ordinrio j haviam comeado a ser usadas
no sentido de qualidade ou caracterstica. O que foi original no foi o uso das
palavras, mas a condio que Plato inferiu s coisas que as palavras sustentam.
Para o uso platnico dessas palavras [EIDOS e IDEA] temos um exaustivo estudo
na Nova Anlise (Neue Untersuchungen) de Ritter37. Ele distingue seis sentidos:
1 A aparncia exterior.
2 A constituio ou condio.
3 A caracterstica que determina o conceito.
4 O conceito ele mesmo.
5 O gnero ou a espcie.
6 A realidade objetiva realando nosso conceito.
Para nos tornarmos capazes de julgar o valor das distines que ele extraiu
entre os sentidos 2, 3, 4 e 6, podemos observar alguns exemplos tpicos. Ritter considera
que em muitas passagens duvidoso quais desses significados esto em questo: Eu,
portanto, tomo passagens nas quais ele assume sem hesitao um significado ou
outro.
34
Class. Quart. Xxxi (1937), 141-5 35
Met. 987b 9-13 36
1078b 9-12 37
228 - 326
A Teoria das Idias de Plato
18
Sentido 2 Menon 72 d 1: Voc pensa que h uma sade do homem e outra
da mulher? Ou a mesma Forma (EIDOS) em todos os lugares? Se sade num
homem ou em qualquer outra coisa?
Sentido 3 Menon 72 e 6: Ento, tambm, assim as virtudes; embora elas sejam
muitas e de todos os tipos, todas certamente tm um Forma (EIDOS) idntica, razo
pela qual elas so virtudes, com uma viso a qual aquele que responde possa indicar
para aquele que pergunta o que virtude realmente .
Sentido 4 Fedon 104 e 1: Ento, a Forma (IDEA) da igualdade nunca passar
para dentro de um grupo de trs coisas.
Sentido 6 Fedon 102 a 11: Desde que foi acordado que cada uma das
Formas (EIDE) alguma coisa real e que pela virtude de compartilhar nessas que
outras coisas so chamadas depois delas.
Olhe no somente essas passagens, mas os seus contextos, e voc ser
convencido de que Plato tencionava uma e a mesma coisa em todos os casos; que
em nenhuma parte ele est falando do conceito ou do contedo dos conceitos,
mas em todos os casos de alguma coisa a qual ele considera perfeitamente objetiva,
existindo nela prpria, e no em virtude de nosso pensamento sobre isso. Ritter est
atento para distinguir que h entre esses quatro sentidos um produto do
conceitualismo do sculo XIX, o qual , em alto grau, transferido do simples realismo
do pensamento de Plato.
O que ns achamos que Plato no raramente usa ambas as palavras no
seu significado original forma visvel, que ele usa ambas as palavras em vrios
sentidos no tcnicos, nos quais elas tm sido usadas pelos primeiros escritores, e que
ele usa ambas as palavras nos dois sentidos tcnicos de idia e classe. Enquanto
nos dilogos do Fedon em diante, com exceo do Parmnides, o significado classe
o mais comum significado de EIDOS, somente raramente que IDEA usada nesse
sentido. DEA a mais vivaz das duas palavras, e tende a ser preferida nas mais
coloridas e imaginativas passagens. A isso pode ser somado que Plato muitas vezes
usa OUSIA e PHYSIS como meios de referncia para a idia, e que ele ainda usa
GENOS no Sofistas, e HENAS e MONAS no Filebo.
No Hipias Maior uma interessante aluso pode ser pensada como aquela que
levou Plato ao seu interesse por definies. Algum tardiamente, Scrates diz em
286 c 5, quando eu estava censurando certas coisas como feias e exaltando outras
como belas, arremessou-me dentro da confuso por questionar-me muito
A Teoria das Idias de Plato
19
insolentemente, diga-me, como voc veio a saber que tipo de coisas so belas ou
feias? Vamos, voc pode me dizer o que o belo? .
O que levou Plato para esse interesse em definio, se ns tomamos essa
aluso, seria a convico de que ningum pode aplicar uma palavra corretamente, a
menos que ele possa construir para ele mesmo alguma avaliao geral do seu
significado. No somente, como ele fala muitas vezes, est apontando para os casos,
no uma pergunta verdadeira para o problema da definio; ns no podemos estar
certos de que ns estamos apontando para os genunos casos a menos que primeiro
ns conheamos o que definio; o conhecimento da conotao deve preceder o
conhecimento da denotao. Ensina-me, diz Scrates para Hypias, o que o belo
ele mesmo (AUTO TO KALON) 38. A questo oculta uma certa ambigidade da qual
Plato talvez no estivesse ciente. A questo pode significar o que a real
caracterstica que a palavra belo sustenta? ou ela pode significar qual a
caracterstica ou o conjunto de caractersticas, outras que a beleza, que uma coisa
tem de ter como condio para ser bela? Mas a frase o belo em si mesmo aponta
para a primeira interpretao; e uma aluso em favor disso pode ser vista na
passagem do Crmides39, na qual Scrates est perguntando questo semelhante
sobre autocontrole. L, ele diz, ns temos fracassado em descobrir o que aquilo que
a imposio de nomes deu o nome de autocontrole. No esta, entretanto, a
conexo entre beleza e suas condies que Scrates quer saber, mas a natureza da
real caracterstica a qual se refere a palavra belo.
A passagem do Hipias Maior fornece uma dos primeiros exemplos da frase
AUTO TO, em si mesma, a qual se tornou uma das expresses-modelo para uma Idia;
a frase repetida em diversos lugares no dilogo40. EIDOS aparece no 286 d 4 e no 298
b 4.
Nesse estgio, a relao da Idia para o particular pensada simplesmente
como aquela do universal para o particular; como ainda no h meno da falha do
particular em ser um exemplo verdadeiro da Idia. A Idia de beleza aquela coisa
idntica a qual d o prazer da viso, o prazer da audio, que est presente em
ambas simultaneamente e em cada uma separadamente 41. O objetivo tal que as
coisas individuais no so sempre, ou em todas as relaes, exemplos dos mesmos
universais, que em algumas relaes ouro aparecer no mais belo do que lenha42,
38
286d 8 39
175 b 3 40
288 a 9, 289 c 3, 292 c 9; Prot. 360 e 8 pode ser anterior. 41
300 a 9 b 1 42
291 c 7
A Teoria das Idias de Plato
20
mas o objetivo no tal que o no particular sempre o verdadeiro exemplo de uma
Idia, que a Idia um modelo ou limite prefervel que o universal, e a relao do
individual com ele [o modelo] de imitao e no de participao.
H uma passagem no Hipias Maior a qual parece ser evidncia do posterior
desenvolvimento da Teoria das Idias como algo a ser encontrado no Laques ou no
Eutifro. Na sua pesquisa por uma resposta para a questo o que o belo?, Scrates
sugere que o agradvel, apreendido pela audio e pela viso, e soma que a
palavra belo aplicvel igualmente a ambas as formas do agradvel e para cada
uma delas. Hipias afirma que qualquer termo aplicvel a ambas simultaneamente
tambm aplicvel a cada uma. Scrates alude que h muitas excees, e finalmente
aponta que o termo um aplicvel somente para uma coisa por vez e no para
ambas as duas, enquanto dois aplicvel para ambas simultaneamente e no a
cada uma e de novo que cada um eventual e no sempre, enquanto ambas juntas
so sempre e no ocasionalmente. A passagem interessante em dois aspectos:
primeiro porque antecede o problema promovido no Parmnides como para se ser o
todo ou somente uma parte de cada Idia que possuda pelos indivduos, e,
secundariamente, porque indica um interesse precoce nas Idias de nmero, as quais
absorveram Plato no seu perodo mais tardio.
No Menon h uma boa quantidade de referncias s Idias, sob o nome de
OUSIA ou EIDOS. E, ainda, a imanncia das Idias nos particulares que persiste em
Todas as virtudes tm uma Forma idntica43 H uma frase que pode ser a origem do
termo de Aristteles KATHOLOU e de nosso termo universal falando sobre virtude,
como um todo (KATA HOLOU), o que isto 44. O que est ausente no Menon , talvez,
mais surpreendente do que o que est presente nele: nenhum esforo feito para
conectar as Idias com a doutrina da anamnese. No somente no h referncia,
explcita ou implcita, s Idias na passagem lidando com anamnese45, mas o mtodo
pelo qual o jovem escravo levado a descobrir que quadrado tem duas vezes a rea
de um quadrado dado puramente emprico, est na evidncia de sua viso e no
de qualquer relao claramente apreendida entre universais que ele admite que o
quadrado feito com a diagonal do quadrado dado duas vezes o tamanho do
quadrado dado. Ele admite que certos tringulos tm reas iguais, e a rea de cada
um deles, tem a metade da rea do quadrado dado, e que a figura a qual eles
compuseram ela mesma um quadrado, no porque ele v que essas coisas devem
ser assim, mas porque eles olham como se essas coisas existissem. Para o
43
72 c 7; cf. 74 a 9. 44
77 a 6. 45
81 a 5 86 b 5.
A Teoria das Idias de Plato
21
estabelecimento de relao entre as Idias e anamnese ns temos que olhar para o
Fedon, e no Menon a Teoria das Idias trazida no mais do que nos primeiros
dilogos.
O Crtilo compe uma importante parte no desenvolvimento da metafsica de
Plato; para isso nesse dilogo ele se ope a ele mesmo mais explicitamente para
completar o subjetivismo. Ele insiste que coisas tm um ser protegido de si mesmas,
no relativo a ns, nem arrastado para cima e para baixo pela fora de nossa
fantasia, mas neles mesmos relatados para seus prprios seres como eles so por
natureza46. Mas apesar de encontrarmos a idia descrita em diversos lugares como o
ser (OUSIA) desses particulares, e de encontrarmos a palavra OUSIA aqui, seria
provavelmente um erro supor que h aqui uma referncia direta teoria das Idias.
Por OUSIA de uma coisa Plato parece se referir sua verdadeiramente real natureza
plena, como oposto natureza com a qual o juzo humano pode atribuir para ela
[OUSIA]; mas nenhuma Idia sempre pensada para ser a natureza plena de todas as
suas instncias; um ato particular perfeitamente justo, por exemplo, tem alguma coisa
nele que o distingue de outro ato justo, e isto deve ser alguma outra coisa que a Idia
de justia. Em diversos lugares, realmente, h referncias s Idias47; mas elas no
contm nada novo, exceto estarem definitivamente em oposio doutrina
heracltica do fluxo universal, que a doutrina das Idias posta em evidncia. Como
Aristteles diz48, Plato aceita a doutrina heracltica bem longe, como coisas sensveis
so afetadas, mas evidencia que h coisas no sensveis, no sujeitas ao fluxo.
Num ponto, talvez, haja um trao de algo novo. H uma passagem que sugere
mais claramente que em alguma coisa ns temos encontrado at aqui a
transcendncia das Idias. Para onde o carpinteiro olha?, diz Scrates49, ao fazer a
lanadeira? Ele no olha para alguma coisa que foi naturalmente entalhada para agir
como uma lanadeira?... E suponha que a lanadeira quebre na sua fabricao, ele
far outra viso para essa quebrada? Ou ele olhar para a Forma de acordo com a
qual ele fez a outra? E isso ele procede para descrever como precisamente aquilo
que a lanadeira ou a Forma da lanadeira. Isso parece como se houvesse aqui
uma sugesto de uma Forma de lanadeira a qual pode ser contemplada, e embora
deva existir, antes de estar incorporada em alguma lanadeira particular. Dificilmente
podemos supor que aquilo que o arteso visou ao fazer a lanadeira
necessariamente um universal resumido das lanadeiras existentes, a qual faz a
46
386 d 8 c 4. 47
389 d 6 7, e 3, 439 c 8. 48
Met. 987 a 32 b 1. 49
389 a 6 c 1.
A Teoria das Idias de Plato
22
inveno da lanadeira possvel. Ainda enquanto Plato parece estar pensando na
Forma da lanadeira como existente em si mesma antes de ser incorporada em
matrias particulares, ele no se refere a isso como existncia meramente
transcendente; para ele avanar e falar do carpinteiro como sucedido, quando ele
hbil em incorporar a Forma em matrias particulares50. Ele ainda no alcanou o
objetivo de pensar que uma Idia nunca perfeitamente exemplificada, mas apenas
imitada. E talvez em reflexo, ns devamos admitir que o pensar que sua linguagem
pode ser interpretada como inferindo a existncia da Forma antes de ela ser
incorporada, no uma interpretao necessria. Quando ele fala que o carpinteiro
visa a forma, ele pode no pensar na Forma como pr-existente nada mais do que,
quando ele diz ns almejamos algum fim, ns pensamos o fim como j existindo.
Para Nosso propsito, a mais interessante passagem do Crtilo aquela que
vem no final51. De acordo com Aristteles, as primeiras associaes filosficas de
Plato foram com Crtilo, o heracltico, e ele conservou a crena que todas as coisas
sensveis esto em constante fluxo; mas, quando ficou sob a influncia de Scrates, ele
sustentou que, por causa da sua mutabilidade, no elas, mas alguma outra coisa
deve ser o objeto do conhecimento. Isso exatamente o que ns encontramos no
Crtilo.
O conhecimento das coisas no derivado de nomes. No; eles devem ser
estudados e investigados neles mesmos... Diga-me, se h ou no h alguma beleza ou
bondade absolutas, ou alguma outra existncia absoluta. Ento, busquemos a
verdadeira beleza, no perguntando se a face formosa, ou alguma coisa dessa
sorte. Vamos nos perguntar se a verdadeira beleza no sempre bonita... Ento,
como pode aquilo ser uma coisa real a qual nunca est no mesmo estado
(obviamente as coisas que sempre esto no mesmo estado no podem mudar
enquanto permanecem as mesmas; e se elas so sempre as mesmas e no mesmo
esto, e nunca se afastam de uma forma original, como podem elas mudarem ou
serem alteradas?)... Ela ainda nem pode ser conhecida por ningum; no momento
que o observador se aproxima, ele ento se torna outro e de outra natureza, que
ento voc no pode conhecer por muito tempo sua natureza ou seu estado;
certamente nenhum conhecimento conhece o que isso conhece, se aquilo no tem
estado.... Nem podemos raci0nalmente dizer, Crtilo, que h conhecimento em tudo,
se todas as coisas esto em estado de transio e nada est permanecendo. Pois se o
conhecimento no deixa de ser conhecimento, ele continua sempre a permanecer e
a ser conhecimento; mas se a real natureza do conhecimento muda, isso mudar
50
389 c 3 6; cf. 390 b 1 2. 51
439 b 4 440 c 1.
A Teoria das Idias de Plato
23
para outra natureza que conhecimento e logo ser conhecimento; e se a transio
est sempre seguindo, no tempo quando a mudana ocorre no haver
conhecimento, e de acordo com essa viso, no haver nada para conhecer e nada
para ser conhecido; mas se h sempre aquilo que conhece e aquilo que conhecido,
e o belo e o bom e toda outra coisa que exista tambm, ento eu no penso que elas
possam assemelhar-se a um processo de fluxo, como ns estvamos supondo h
pouco.
Esta a primeira aparncia distinta em Plato do argumento da existncia de
um conhecimento da existncia do imutvel, de objetos no sensveis. Isso o que
Aristteles chama52 o argumento das cincias, s como aquilo o qual ns temos
encontrado nos primeiros dilogos o argumento de um alm de muitos.
A mais definitiva afirmao de transcendncia de todas as que ns
encontramos at agora ocorre na famosa passagem do Banquete53: Ele que tem sido
assim instrudo longe das coisas do amor... subitamente perceber uma beleza da
magnfica natureza... uma beleza a qual em primeiro lugar est sempre
permanecendo, no florescendo e decaindo, ou crescendo e minguando;
secundariamente, no bonita em um ponto de vista e feia em outro, ou em um tempo
ou em uma relao ou em um lugar bonito, em outro tempo ou em outra relao ou
em outro lugar feio; ou na semelhana de uma face ou mos ou qualquer outra parte
da carcaa material, ou em qualquer forma de fala ou conhecimento, ou existindo
em lugar nenhum em nenhum outro ser, como por exemplo no animal, ou na terra, ou
no cu, ou em qualquer outra coisa; mas beleza absoluta, separada, simples, e eterna,
perptua (AUTO KATHAUTO METHAUTOU MONOEIDES AEI ON), enquanto todas as
outras coisas bonitas compartilham nisso alguma semelhana como essa: enquanto os
outros vm dentro do ser e dele saem, nem assim a beleza se torna maior ou menor,
nem sofre qualquer mudana.
Certamente essa uma forte afirmao da transcendncia da Idia de
beleza, mas ns temos de lembrar que essas no so as palavras de Plato nem as de
Scrates. Eles colocaram na boca de Diotima, a sbia mulher da Mantinia, cujo tom
aquele de um profeta mais do que de uma filsofa. legtimo supor isso, traduzindo
para a linguagem da filosofia, a nica passagem que afirma, no a existncia
separada da Idia de beleza, mas sua diferena de todas as suas incorporaes, e
suas eternidade e pureza, em contraste s transitoriedade e imperfeio [das
incorporaes].
52
Ibid, 990 b 11 - 14 53
210 e 2 211 b 5
A Teoria das Idias de Plato
24
parte dessa passagem, esse grupo completo dos primeiros dilogos trata as
Idias como seres imanentes em coisas particulares. As Idias esto presentes nas
coisas particulares; esto situadas nelas pelo arteso; elas vm a estar nelas; so
comuns a elas; as coisas particulares, por sua vez, as possuem ou as compartilham54.
54
Por evidncia, cf. pp 228-30.
A Teoria das Idias de Plato
25
III O FDON55 Traduo:
Victor Galdino
o Fdon, as Idias tm um papel mais significante do que em qualquer dilogo
anterior. So praticamente onipresentes no dilogo; mas sua introduo est sempre
subordinada prova da imortalidade, e muito do que agora dito sobre elas no
lana nenhuma nova luz nas vises de Plato sobre sua natureza. A primeira passagem em que
so mencionadas1 nos diz somente que as Idias no podem ser conhecidas por meio de
qualquer um dos sentidos, mas pelo pensamento puro ( '
). Mais tarde, no entanto, Plato descreve o processo de conhecimento das Idias de
maneira mais definitiva do que o tem feito at ento. Vimos no Mnon que a teoria da
anamnesis no ligada ao conhecimento das Idias; mas no Fdon ela . Primeiro Plato
mostra que a reminiscncia pode ser derivada tanto de coisas semelhantes quanto de coisas
dessemelhantes, ou seja, que pode haver associao tanto pela similaridade (como quando
somos levados a nos lembrar de Smias ao ver um retrato de Smias),3 quanto pela
contiguidade (como quando vemos uma lira e somos levados a nos lembrar de seu dono);4 e
que, no primeiro caso, tambm notamos se a coisa percebida se distancia, de alguma maneira,
daquilo de que nos faz lembrar.5 Sustentamos (ele continua) que a igualdade em si exista, e
que sabemos o que ela . E temos chegado a esse conhecimento vendo pedaos iguais de
madeira, pedra, etc.6 Esses so bastante diferentes da igualdade em si, o que provado pelo
fato de que pedras ou paus, enquanto permanecem o mesmo, podem parecer iguais para uma
pessoa e no para uma outra, mas o igual em si mesmo nunca aparece como desigual, nem
igualdade como desigualdade.7 Casos particulares perfeitos de uma Idia so aqui distinguidos
tanto de particulares imperfeitos e sensveis, quanto da Idia propriamente dita; isso
importante por ser a primeira sugesto de uma crena em entidades matemticas como algo
intermedirio entre as Idias e os particulares sensveis.8 Mas, enquanto Plato faz a distino
entre particulares perfeitos e a Idia, ele no acentua essa distino, no tendo ela papel
algum em seu argumento.
1 65 d 4-66 c 8. 2 74 a 2. 3 73 e 9. 4 73 d 5-10.
5 74 a 5-7. 6 74 b 4-7. 7 74 b 7-c 6. 8 A crena atribuda a Plato por Aristteles na Met. 987
b14-18.
55
As notas de rodap deste captulo no acompanham a numerao dos demais. (N.T.)
N
A Teoria das Idias de Plato
26
O reconhecimento das Idias desta maneira trazido sob o ttulo de associao por
similaridade, e sob aquela sub-forma dele em que a similaridade bem imperfeita. Seria fcil
para um pensador moderno dizer que o que nos sugere a idia de igualdade nossa
experincia da desigualdade; pois somos familiares com o fato de que instrumentos exatos de
medida revelam desigualdades onde o olho no consegue detect-las, e que provavelmente
nunca vimos dois corpos fsicos que fossem exatamente iguais. Embora seja verdadeiro dizer
que provvel que no existam dois corpos fsicos que sejam exatamente iguais em suas
dimenses, no verdadeiro dizer que somente a experincia de desiguais sugere a idia de
igualdade; pois certamente temos muitas experincias de objetos em que no podemos
detectar a diferena de tamanho, o que seria mais corretamente chamado de experincia de
iguais aparentes do que de desiguais. Parece que a verdade que experincias de iguais
aparentes e de desiguais aparentes so igualmente capazes de trazer s nossas mentes a idia
de igualdade.
Plato, em todo caso, no nos diz que a experincia do desigual que nos sugere a idia de
igualdade. Ele se refere experincia, durante toda a passagem, como sendo a experincia dos
iguais; e ainda assim, acentua a imperfeio deles. O motivo pelo qual os acha imperfeitos
que parecem iguais para uma pessoa, e diferentes para outra (74 b 7-9); ele est pensando,
talvez, nos efeitos da perspectiva. H uma certa inconsistncia no pensamento dele aqui. Pois
em vista de sua enftica afirmao, no Protgoras e no Crtilo, de que coisas corpreas tm
sua prpria natureza e podem ser diferentes do modo como aparecem para ns, segue-se que
coisas que paream diferentes para algumas pessoas podem, no entanto, ser iguais e,
portanto, perfeitos exemplos de igualdade. Mas Plato no percebe essa inconsistncia, e
durante a passagem, fala como se as coisas sensveis necessariamente se aproximassem
somente da igualdade; e essa a passagem mais antiga (excetuando-se a mstica passagem
presente no Banquete) em que esse aspecto das Idias, no como universais manifestados em
particulares, mas como ideais, padres, ou limites dos quais as coisas individuais somente
podem se aproximar enfatizado ( ,
75 b 1; cf. 74 d 9, 75 b7).
Pela primeira vez, a relao das coisas sensveis com as Idias pensada mais como uma
imitao () do que como compartilhamento ( ), e ainda assim ela contm um
elemento de compartilhamento, j que o tempo todo se fala das coisas sensveis como iguais,
e no desiguais.1
Quatro passagens do Fdon so interessantes, tanto por mostrar de maneira bem clara que
Plato atingiu uma teoria generalizada das Idias, quanto por mostrar a natureza dos nmeros
tpicos no seu mundo das Idias - 75 c 10-d 3, 76 d 7-9, 78 d 3-7, 100 b 3-7. Aqui ele se refere a
tudo aquilo em que colocamos o cunho da realidade em si mesma ( ),2 e descreve
a doutrina como algo que estamos sempre repetindo;3 e os casos que se repetem so os de
beleza, bondade, justia, piedade, igualdade, grandeza ideais. Em dilogos anteriores tm
A Teoria das Idias de Plato
27
aparecido referncias incidentais s Idias de velocidade, de tear, e de nome, mas as duas
primeiras foram introduzidas apenas como ilustraes incidentais, e a terceira apenas por
interesse em uma teoria da linguagem especial. Quando Plato quer se referir a Idias tpicas,
se refere ou a valores morais ou estticos, ou a qualidades matemticas ou relaes como
tamanho e igualdade. Valores e entidades matemticas permanecem sendo seu interesse
dominante - os valores, durante toda a sua vida, e entidades matemticas, com nfase cada
vez maior com o passar dos anos, at que no final (pelo menos de acordo com o que
Aristteles diz) a teoria das Idias se tornou uma teoria dos nmeros. Idias de substncias
(como animal em si mesmo) no so mencionadas no Fdon, e no so proeminentes em
lugar algum, com exceo do Timeu, embora estivessem envolvidas na teoria, j que era a
teoria de que existe uma Idia que responde a cada nome comum.5
1 Na passagem 100 c 3-6, d 6 particulares ainda so descritos como tendo participao nas Idias; na 100
d 5 a Idia ainda descrita como estando presente neles.
2 75 d 1-2. 3 76 d 8.
4 Laques 192 a 1, Crtilo 389 b 5, 390 a 5.
5 Rep. 596 a 6.
A Teoria das Idias de Plato
28
No desprezando os sentidos e se voltando pura contemplao, mas usando os sentidos e
descobrindo o que eles sugerem a ns, que (na viso de Plato) chegamos ao conhecimento
das Idias; so nossos sentidos que devem nos sugerir o pensamento de que todo os iguais
aparentes sensveis aspiram ao que igual, e ao mesmo tempo no atingem seu objetivo;1 e
dizendo isso ele descreve muito verdadeiramente a cooperao dos sentidos com a razo ao
nos levar ao conhecimento. Mas a sugesto das Idias pelas coisas dos sentidos pode, ele
afirma, acontecer somente porque conhecamos as Idias em uma existncia anterior.2 Mas
como sabamos delas ento? Se tambm as conhecamos somente pela sugesto das coisas
dos sentidos, a referncia a uma existncia anterior no ajuda em nada no sentido de explicar
o processo de conhecimento delas. Se o vir a conhecer as Idias atravs da sugesto de coisas
sensveis no inteligvel em si, mas pressupe um conhecimento a priori das Idias, um
conhecer anterior das Idias atravs da sugesto das coisas sensveis seria to inteligvel
quanto tal ocorrncia seria no presente. Assim, se a reminiscncia deve explicar o que
introduzido para explicar, o conhecimento anterior das Idias deve ser um conhecimento delas
no atravs da sugesto das coisas do sentido, mas direto e imediato. E dessa maneira que
Plato nos concebe como possuindo esse conhecimento em uma vida anterior. Assim, a
doutrina da anamnesis claramente implica na existncia separada das Idias, no como
estando incorporadas imperfeitamente nas coisas sensveis, mas existindo parte em sua
pureza. nessa passagem que Plato claramente expressa sua crena na existncia separada
das Idias; o que caminha naturalmente ao lado do seu comear a usar a linguagem da
semelhana, embora ele conserve a linguagem da participao para expressar a relao das
coisas sensveis com as Idias.
Seria um erro descrever Plato como tendo feito, ou nesse ou em qualquer outro estgio de
seu desenvolvimento, uma completa bifurcao do universo em Idias e coisas sensveis. Uma
razo para isso o fato de termos a referncia casual aos iguais em si mesmos3 uma aluso
a entidades matemticas que no so nem Idias nem coisas sensveis, uma aluso que
pavimenta o caminho para a doutrina dos Intermedirios. bem provvel que, nesse estgio,
Plato no tenha percebido a significncia de sua prpria aluso. Mas ele certamente
reconhece a existncia de outro tipo de entidade que no nem Idia, nem coisa sensvel; pois
h uma seo inteira em que ele descreve a alma como sendo semelhante s Idias a no s
coisas sensveis no que diz respeito imutabilidade, e mesmo assim no sugere em lugar
algum e como poderia ele? que as prprias almas so Idias.
1 75 a 5-b 2.
2 76 d 7-e 7. 3 74 c 1. 4 79 b 1-80 b 6.
A Teoria das Idias de Plato
29
A prxima passagem que chama a nossa ateno a famosa passagem (95 e 7-102 a 2) em que
Plato apresenta Scrates descrevendo seu desenvolvimento filosfico. A parte mais antiga
dessa descrio no muito clara, mas este parece ser o ponto apresentado. Scrates, em sua
juventude, havia se ocupado com os problemas fsicos e fisiolgicos correntes no meio do
sculo cinco, mas a confuso causada pelo conflito entre teorias apenas produziu nele um
estado de espanto diante de um problema que ia mais fundo do que as teorias poderiam
penetrar. Parece claro, por exemplo, que um homem cresce ao comer e beber, e os tericos se
ocuparam com os detalhes desse processo; mas eles criaram na cabea de Scrates a questo
prioritria de como uma coisa que pequena pode se tornar grande, e de forma geral, de
como algo caracterizado de uma forma pode vir a ser caracterizado de outra. Ele ficou
perplexo com a questo dos nmeros, em particular. No consigo nem mesmo deixar de
duvidar, quando algum adiciona uma unidade outra unidade, se essa unidade a qual outra
unidade foi adicionada se tornou dois,1 ou se a unidade juntada e aquela qual ela foi
acrescentada se tornaram dois pela juno das duas (96 e 6-97 a 1). Novamente, ele no pde
compreender como pode ser verdadeiro dizer que a adio de uma unidade outra resulta em
dois, e que tambm a diviso de uma unidade cria o dois, j que a causa da produo do dois
deveria ser uma s (97 a 5-b 3).
A grande sentena de Anaxgoras de que o intelecto era a causa e o ordenador de tudo parece
ter trazido luz para sua escurido. Se o intelecto o ordenador, disse ele para si, ele ir
coordenar tudo em vista do melhor, e a explicao para alguma coisa ser do jeito que deve
ser que melhor para ela estar nessa condio. Mas, na verdade, a teleologia de Anaxgoras
no era mais esclarecedora do que o materialismo dos outros pr-Socrticos; pois quando
entrou em detalhes ofereceu explicaes to materialistas quanto qualquer outro, atribuindo,
como se fossem as causas das coisas serem como so, condies materiais que so
meramente as sine qua non para a operao da causa verdadeira (96 b 8-99 c 6).
1 A duplicao de Wyttenbach de na passagem 96 e 9 um tanto desnecessria.
A Teoria das Idias de Plato
30
Anaxgoras falhou no por ser teleolgico demais, mas por no o ter sido suficientemente, e o
desapontamento de Scrates com Anaxgoras no o levou a abandonar sua esperana em
uma explicao teleolgica do mundo. Mas ele no viu nenhum caminho direto para alcan-
la, e ento recuou para um modo secundrio ( , 99 d 1) de perguntar sobre a
causa das coisas. O era originalmente o uso de remos quando o vento
cessava, e a frase sugere, como o indica Burnet, o que no necessariamente um mtodo
menos efetivo, mas um mais lento e laborioso. A sugesto de Scrates que investigaes
anteriores falharam porque tentaram descobrir a explicao para as coisas serem do jeito que
so, diretamente pelo uso dos sentidos, e sofreram o mesmo destino dos que tentam olhar
diretamente para o Sol durante um eclipse, em vez de olhar para o seu reflexo na gua (99 d 5-
e 4). Mas a comparao inadequada; ele no vai admitir completamente que seu mtodo de
estudar as coisas menos direto que o dos fsicos (99 e 6-100 a 3). Seu mtodo, de qualquer
forma, seja chamado de direto ou de indireto, estudar a verdade das coisas , isto
, assumir em cada caso o que ele julga ser o mais forte, adotar como verdadeiro o que
concordar com isso, e rejeitar tudo o que discorda (100 a 3-7).
so aqui, no para serem entendidos como definies; pois no exemplo que d no h
uso de definies. Nem, embora haja uso de conceitos ou universais, devem os ser
entendidos como tendo esse significado; nem mesmo como sendo argumentos. A linguagem
do acordo, e o fato de que o que Plato chama de mais forte a proposio de que
Idias existem, mostram que significa afirmaes ou proposies. Scrates no muito
justo com seus predecessores ao contrastar seu mtodo com o deles como sendo o estudo de
coisas , em oposio a um estudo . Pois o que eles fizeram no foi
simplesmente, como ele sugere, usar seus sentidos e registrar o que eles reportaram. Eles
tambm tiveram seus ou , vises gerais que lhe foram sugeridas pelo que
seus sentidos reportaram, e de onde deduziram conseqncias assim como Scrates as tirou
de seu prprio . A verdade que o tipo de que eles tomaram como seu ponto de
partida foi o sugerido por observaes particulares, como o de Tales de que tudo era
gua, enquanto Scrates toma como seu ponto de partida algo sugerido por uma reflexo
muito mais geral. Pois seu mais forte se mostra no fim como nenhuma novidade (100
b 1), mas a desgastada tese ( , ibid. 4) que nesse e em outros
dilogos freqentemente o ouvimos defender, de que existe uma beleza, uma bondade, uma
grandeza absolutas, entre outras coisas. Essa o tipo de causa que ele estudava (100 b 3-4),
distinguida das causas materiais e eficientes estudadas pela maioria dos pr-Socrticos, e da
causa final cujo reconhecimento Anaxgoras pregou, mas no praticou.
Existem (ou melhor, em algumas circunstncias podem existir) trs fases no tratamento
apropriado de um ou . (1) A primeira aceitar o que est de acordo com ele
(100 a 3-7) isto , as concluses que se seguem dele e rejeitar o que discorda. (A afirmao
desse elemento do mtodo fraca; pois o estar de acordo que vai justificar a aceitao da
proposio B pela aceitao da proposio A deve constituir uma seqncia lgica, enquanto,
A Teoria das Idias de Plato
31
se o discordar deve justificar a rejeio da proposio C, ento deve significar no a no-
seqncia, mas inconsistncia.) Mas a aceitao deve ser apenas provisria. Pois (2) pode ser
que concluses contraditrias sigam-se da hiptese (101 d 5), e nesse caso a prpria hiptese
deve ser abandonada. Alguns crticos tm duvidado da possibilidade de tal contradio
ocorrer, mas claro que pelo menos Plato pensou que fosse possvel. Existe apenas um modo
(a) dessa contradio realmente acontecer, por exemplo, quando A uma proposio
complexa incluindo duas proposies inconsistentes. Mas h tambm um modo (b) dela
parecer acontecer, caso B seja acarretada no por A sozinha, mas por A e C, e uma proposio
D, inconsistente com B, acarretada por A e E. No caso (a), segue-se, evidentemente, que A
falsa; no caso (b), no. Mas duvidoso se Plato previu qualquer um desses casos; ele fala
como se de uma nica proposio simples pudessem se seguir concluses contraditrias. Na
terceira fase (3), se a hiptese mesma no se apresentar como auto evidente, deve-se
percorrer as hipteses de onde ela se seguiu, de trs para a frente, at que seja encontrada
uma hiptese que seja suficiente (), ou seja, que satisfaa tanto voc quanto seu
oponente. E a todo o momento deve-se tomar cuidado para no confundir as diferentes
etapas da investigao.1
1 101 d 3-e 3. Para uma boa e completa discusso sobre o tratamento da hiptese no Fdon, cf. R.
Robinson, Plato's Earlier Dialetic, 128-50.
A Teoria das Idias de Plato
32
Esse terceiro elemento o procedimento j advogado e usado no Mnon,1 aquele de testar a
verdade de uma proposio A procurando por uma proposio mais fcil de estabelecer, da
qual a verdade de A se seguiria. No Mnon, Scrates tira seu exemplo da matemtica, e o
mtodo de fato o mtodo apropriado para descobrir a prova de teoremas matemticos.
Os segundo e terceiro estgios no ocorrem no caso da prpria hiptese de Scrates no Fdon.
adotada sem nenhum questionar por Cebes, o oponente do momento,2 e no parece resultar
em conseqncias inconsistentes. A nica concluso que Scrates tira dela a de que a alma
imortal.3
O relato que Plato d, ento, do histrico mental de Scrates (embora seja provavelmente
sua prpria histria que ele est descrevendo) este: primeiro, ele tentou explicar os fatos do
universo assumindo, como o faziam os pr-Socrticos, causas materiais, como substncia
quente ou fria, ar ou fogo.4 No encontrando satisfao alguma, ele tentou explicar os fatos
usando uma causa final, o bem, e uma causa eficiente, o intelecto, que procurava produzir o
bem.5 Mas tambm a ele falhou, e ento recuou para a suposio (que ele j havia feito, com
outras justificativas, em outros dilogos) de causas formais, as Idias, para justificar o fato das
coisas serem do jeito que so.
Nessa declarao da teoria das Idias, Plato usa certos termos importantes em conexo com
a relao entre Idia e particulares. Do lado da Idia, chamada presena (),6 do
lado dos particulares, participao (, , ).7 Mas Scrates
acrescenta que ele no insiste em nenhum nome em particular para a relao, mas apenas no
fato de que por causa das Idias que os particulares so o que so, e que o que belo belo
por meio do Belo.8 A crtica que Scrates passou para as explicaes correntes da causalidade
foi que a causa indicada no era coextensiva com o efeito; dizer que a adio de duas unidades
a causa do nmero 2 deve ser errado, pois o 2 pode ser igualmente produzido a partir da
diviso do 1.9 L a causa alegada era muito restrita.
1 86 e 1-87 c 3.
2 100 c 1.
3 100 b 7-9.
4 96 b 2-4.
5 97 b 8-d 3. 6 100 d 5. 7 100 d 6, 101 c 5, 102 b 2.
8 100 d 7. 9 97 a 5-b 3.
A Teoria das Idias de Plato
33
Aqui ele mostra que as explicaes correntes da causalidade so algumas vezes muito amplas.
No basta dizer que A mais alto do que B por causa de uma cabea, pois A pode ser mais
baixo que C tambm por uma cabea, e ento a cabea to causa de A ser mais alto quanto
de ser mais baixo.1 A nica explicao verdadeira que A maior que B por causa da grandeza,
e menor que C devido pequenez; causas formais por si s so coextensivas com seus efeitos.
Tendo mostrado que a mesma coisa particular pode participar de Idias opostas, Scrates
prossegue para mostrar que no somente uma Idia no pode ser caracterizada por seu
oposto, mas que tambm a particularizao de uma Idia em uma coisa particular no pode
ser caracterizada pela Idia oposta; a grandeza em ns nunca admite pequenez.2 Deve fazer
uma das duas coisas ou se retirar com a aproximao de seu contrrio, ou ser aniquilada
caso seu contrrio obtenha a entrada. O que a grandeza no pode fazer aceitar a pequenez e
se tornar algo que no o que era antes.
Em face disso, a acentuao em passagens anteriores da natureza separada das Idias difcil
de ser reconciliada com a linguagem aqui usada da presena da Idia nas coisas particulares.
Mas os dois modos de se expressar podem ser reconciliados se atentarmos para a distino
que Plato estabelece entre semelhana em si e semelhana em ns. Vemos ento que sua
teoria envolve no apenas a Idia e coisa particular, mas tambm a qualidade na coisa
particular. O que est presente na coisa particular no , estritamente falando, a Idia, mas
uma cpia imperfeita da Idia. Se levarmos em considerao a frase o igual em si, vemos que
Plato mantm que de certas Idias existem exemplos perfeitos. Dessa maneira, o esquema
perfeito :
Idias imitadas imperfeitamente por Qualidades
exemplificadas em exemplificadas em
Nmeros e formas imitadas imperfeitamente por Coisas sensveis
No muito claro o que Plato quer dizer com as duas alternativas ceder ou ser aniquilada. A
frase repetida (103 a 1, d 8-11, 104 c 1, 106 a 3-10), e as alternativas, portanto, devem ser
tomadas como alternativas reais, e no meros caminhos diferentes de se dizer a mesma coisa.
Taylor sustenta1 que o derretimento da neve quando exposta ao calor um exemplo de
aniquilao, e que quando um homem tem seu quarto filho, o fato de que o conjunto filhos de
x deixa de ser mpar um exemplo de retirada, j que imparidade no , como
temperatura alta ou baixa, uma qualidade que pode ser destruda. Esta mal pode ser a
interpretao real; pois, de um lado, nem frio em geral, nem imparidade em geral poderiam
ser descritas por Plato como destrutveis (j que ambas so Idias), e de outro lado, ele
poderia dizer que a quantidade mpar de membros de uma famlia deixa de ser quando o
1 100 e 8-101 b 2. 2 102 d 7.
3 102 d 5-8; cf. 103 b 5 e Parm. 130 b 1-4. 4 74 c 1.
A Teoria das Idias de Plato
34
quarto filho nasce, assim como o frio de uma certa parcela de neve deixa de ser quando essa
parcela derrete. E, de fato, ele diz explicitamente que a destruio que deve ser aplicada no
caso de um nmero mpar sujeito aproximao do par (ou seja, daquilo que tem uma
unidade adicionada a si) (106 b 7-c 3). A distino pode, talvez, ser feita desta maneira: se
existe um nome N que representa uma substncia S caracterizada por uma qualidade Q,
ento o que no pode acontecer a substncia, enquanto possuir a qualidade Q, assumir a
qualidade contrria Q. O que s vezes acontece a substncia S admitir a qualidade contrria
Q, nesse caso a coisa chamada N (que significa S qualificado por Q) aniquilada e uma nova
coisa, que deve ser chamada por um nome diferente de N (por exemplo, gua em oposio a
neve), vem a ser. Mas no caso especial em que a qualidade Q a qualidade da
indestrutibilidade, a coisa chamada N (que corresponde a unio de uma certa substncia com
a indestrutibilidade) , devido natureza especial do seu atributo, incapaz de perder o
atributo, e em vez de ser aniquilada se retira devidamente ( , 106 a 5; a
metfora, como mostra Taylor, militar). Isso o que Plato acredita acontecer no caso da
alma, que, sendo o prprio princpio da vida (105 c 9-11), incapaz de admitir o atributo da
destrutibilidade (106 b 1-4).
Scrates mostra que essa repulso mtua de Idias contrrias bastante compatvel com o
que foi previamente afirmado no dilogo, que as coisas vm a ser de seus contrrios. Uma
coisa contrria ( ) pode vir de sua coisa contrria, ou seja, uma coisa
caracterizada por uma qualidade pode vir a ser caracterizada pela qualidade contrria; mas
uma qualidade no pode se tornar seu contrrio (103 a 4-c 2). Nessa passagem encontramos,
talvez, a origem da doutrina de Aristteles de que mudana sempre a mudana da matria
permanente de ser caracterizada por um de dois contrrios para ser caracterizada pelo outro.
A distino que Plato faz entre e (ou
) equivalente ao que Aristteles expressa em uma linguagem diferente.
Scrates agora passa a expor um desenvolvimento importante da teoria ideal. Neve no
idntica ao frio; mas a neve no pode, enquanto permanece neve, se tornar quente, assim
como o frio no pode se tornar quente (ou calor Plato no distingue claramente as duas
coisas). No somente uma Forma merecedora de seu nome eternamente, mas existem
coisas que possuem certas Formas ao longo de sua existncia (103 e 2-5). No s o mpar
sempre mpar, mas o nmero trs, o cinco, etc., so sempre mpares; ou seja, enquanto
existem coisas que podem passar de um estado para o estado contrrio, existem outras que
esto to presas a um estado ou qualidade que no podem receber seu contrrio, e ao mesmo
tempo permanecer elas mesmas. Em outras palavras, existem Formas que compelem tudo
aquilo que ocupam () no s a possuir sua prpria Forma (ou seja, a Forma em
questo), mas como tambm a Forma de um determinado contrrio1. Um grupo ocupado pela
Forma do trs deve ser mpar, assim como deve ser um grupo de trs. E, enquanto em um
sentido a Forma do trs que exerce essa compulso (104 d 1-3), tambm pode ser dito que
a Forma do mpar que a exerce (ibid. 9-12). O princpio reafirmado desta maneira: se uma
Forma introduz uma de duas Formas contrrias em todas as coisas nas quais entra, ela nunca
recebe o contrrio daquela Forma. (105 a 1-5).
1 P.M.W. 205-6.
A Teoria das Idias de Plato
35
Essa descoberta permite a Plato dar uma nova resposta para uma velha questo. Para a
questo, pela presena de que numa coisa essa coisa tornada quente?, sua velha, segura e
estpida resposta (105 b 6-c 1) era pela presena do calor, mas ele agora pode dizer com
igual segurana e mais perspiccia pela presena do fogo. Para a questo pela presena do
que num corpo esse corpo tornado doente?, ele agora ir responder, no doena, mas
febre. Para a questo pela presena do que em um nmero esse nmero se torna mpar?,
ele agora vai dizer unidade, e no imparidade.
A passagem tambm tem grande interesse histrico, pelo fato de que nela podemos
certamente encontrar a origem da descoberta do silogismo por Aristteles.1 Na teoria de
Aristteles, a nica figura do silogismo que reconhecida como vlida por direito a primeira;
e nessa figura termo maior, termo mdio, e termo menor so, respectivamente, propriedade,
qualidade genrica e espcie. O que justamente o que encontramos no Fdon. A presena do
fogo em uma classe de coisas introduz calor nela e exclui o frio. O que isso seno o silogismo
calor pertence ao que possui fogo, fogo pertence a uma determinada classe de coisas,
portanto calor pertence a essa classe, e o silogismo Frio no pertence ao que possui fogo,
fogo pertence a uma determinada classe, portanto frio no pertence a essa classe silogismos
tpicos em Barbara e Celarent? Que a conexo entre o Fdon e a teoria do silogismo uma
conexo real, o mostrado por dois fatos; no somente , termo to freqentemente
usado por Plato para denotar a presena de uma Idia em seus particulares, usado s vezes
por Aristteles para descrever a relao do termo maior com o mdio, ou do mdio com o
menor, mas tambm, assim como Plato usa para descrever a introduo da
propriedade pela qualidade genrica,3 Aristteles usa da mesma maneira na
teoria do silogismo.4
Devemos perguntar se a teoria ideal, da forma como aparece nos dilogos at e incluindo o
Fdon, implica a existncia separada das Idias. Nas afirmaes feitas diretamente sobre a
natureza das Idias existe pouca evidencia disso; o que enfatizado repetidas vezes que as
Idias so diferentes dos particulares, e que elas esto presentes nos particulares. A passagem
que mais claramente sugere sua existncia transcendente a famosa passagem do Banquete5
que claramente atribui Forma do belo um ser parte de sua incorporao em qualquer coisa
bela. Mas essa a linguagem da sbia Diotima, e no de Scrates, e na passagem do Fdon6
que se refere a isso, os elementos mais transcendentes desaparecem, e so simplesmente
auto-identidade () e imutabilidade que so afirmadas com relao Forma.
1 Lendo na passagem 104 d 3 , como Stallbaum; ou 'do contrrio de alguma coisa',
se lemos , como Robin.
A Teoria das Idias de Plato
36
1 Isso foi claramente mostrado por Shorey na Classical Philology, xix (1924), 1-19.
2 Analytica Posteriora 44
a4, 5, 45
a10.
3 104 e 10, 105 a 3, 4, d 10.
4 Analytica Posteriora 52b7.
5 210 e 2-211 b 5.
6 78 d 5.
O que dito ali pode ser dito por qualquer um que acredite em universais objetivos,
acreditando ou no que eles possuem qualquer existncia que no seja a existncia em
particulares. Mas devemos olhar no somente para o que Plato diz sobre as Formas, mas
tambm para o que ele diz sobre nossa apreenso delas. O que ele diz sobre nossa apreenso
delas nesta vida se resume a duas coisas que somente pela experincia dos particulares
que as Formas so sugeridas ao nosso intelecto, mas essa sugesto pressupe um
conhecimento prvio delas. Se considerarmos essas duas afirmaes, somos levados
concluso de que a teoria da anamnesis envolve logicamente a crena em Formas
transcendentes.1
um erro por de lado a teoria da anamnesis, como o faz Ritter,2 como sendo algo meramente
secundrio. Scrates diz expressamente, e Smias concorda, que a existncia das Idias e a
preexistncia da alma andam juntas (76 d 7-77 a 5). Somos, dessa maneira, deixados com
apenas duas alternativas ou Plato (assumindo que podemos tomar o que Scrates diz, de
uma maneira to sria, como representando as vises de Plato) falhou em perceber que a
doutrina da anamnesis, se deve ter algum uso, implica em um conhecimento prvio direto das
Idias incorpreas, ou ento ele enxergou essa implicao e deliberadamente a aceitou.
impossvel decidir com certeza entre essas alternativas; mas a afirmao constante de
Aristteles de que Plato acreditava em Idias separadas confirma a segunda alternativa; pois
bastante difcil supor que depois de dezenove anos passados na Academia Aristteles
pudesse estar desinformado sobre um assunto to importante.
Reunindo o que aprendemos at agora sobre a doutrina das Idias de Plato, podemos dizer
isto: originalmente a doutrina era simplesmente a crena na existncia de universais como
implicado pela existncia de indivduos possuindo qualidades. A linguagem predominante
usada para expressar a relao de universais com particulares a da presena de universais
em particulares, do compartilhamento de universais por particulares.
1 Cf. p. 25
2 P.L.S.L. i. 584-6.
A Teoria das Idias de Plato
37
Mas no Banquete, e de maneira mais definitiva no Fdon, outro elemento entra na teoria; os
particulares so referidos como tendo se distanciado das Idias, no somente por serem
particulares e no universais, mas por no serem exemplos genunos das Idias, mas apenas
exemplos aproximados delas; a linguagem da imitao comea a aparecer, sem, no entanto,
s
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