View
1.292
Download
13
Category
Preview:
Citation preview
Salomão Rovedo
(Texto, pesquisa e organização)
Viagem em torno de
Dom Quixote
Rio de Janeiro 2008
2
Salomão Rovedo
Viagem em torno de Dom Quixote de
La Mancha e de um tal Miguel
de Cervantes Saavedra
Rio de Janeiro 2008
3
Viagem em torno de Dom Quixote de La Mancha
e de um tal Miguel de Cervantes Saavedra
Atenção! Este trabalho é de um leitor de Cervantes, são anotações feitas ao longo da segunda leitura do Dom Quixote (de uma edição obsoleta). Escritos de um escritor amador, portanto sujeito a falhas, omissões e com certeza sem nenhuma erudição. Mas foi produzido com amor e prazer, trazidos pela leitura amena, alegre e divertida das aventuras do Ilustre Cavaleiro e seu fiel escudeiro Sancho. Rio de Janeiro, Cachambi, 2002/2004 e-mail: rovedod10@gmail.com Blog: http://ww.salomaorovedo.blogspot.com/
FÓRMULAS, ADAGIÁRIO, FRASES FEITAS, EXPRESSÕES, POESIAS, CURIOSIDADES, REFERÊNCIAS, LIVROS, AUTORES, PERSONAGENS, etc. referentes ao livro O engenhoso fidalgo Dom Quixote de La Mancha, o desfazedor de agravos e sem-razões, o cavaleiro da triste figura, narrados por Cide Hamete Benengeli, flor dos historiadores mouro-hispânicos, a Miguel de Cervantes, no ano da graça de 1605, parte I e também a O engenhoso cavaleiro Dom Quixote de La Mancha 1615, parte II. Tradução Viscondes de Castilho e Azevedo e Fernando Nuno Rodrigues (Editora Nova Cultural, São Paulo 2002) e de El ingenioso hidalgo Don Quijote de La Mancha, Parte I, e El ingenioso caballero Don Quijote de La Mancha, Parte II, edição, introdução, notas, comentários e apêndice por Ángel Basanta (Biblioteca Didáctica Anaya, Madrid 1987).
"Oh Dulcinéia del Toboso, dia da minha noite, glória da minha pena, norte dos meus caminhos, estrela da minha ventura (assim o céu ta depare favorável em tudo que lhe pedireis!), considera, te peço, o lugar e o estado a que a tua ausência me conduziu e corresponde propícia ao que deves à minha fé!" Dom Quixote (no local que o Cavaleiro da Triste Figura escolheu para penitência) Cap. XV, I "Oh flor da cavalaria! Que só com uma paulada acabaste a carreira dos teus anos, tão bem empregados! Oh honra da tua linhagem, glória e maravilha da Mancha, e até de todo o mundo, que, faltando-lhe tu, ficará cheio de malfeitores, sem receio de serem castigados pelas suas malfeitorias! Oh tu, mais liberal que todos os Alexandres, pois, só por oito meses de serviço me tinhas dado a melhor ilha que o mar cinge e rodeia! Oh humilde com os soberbos e arrogante com os humildes, afrontador de perigos, sofredor de injúrias, namorado sem causa, incitador dos bons, açoite dos maus, inimigo dos ruins, enfim, cavaleiro andante, que é o mais que se pode dizer!" Sancho Pança (lamentando-se sobre o corpo abatido de Dom Quixote) Cap. LII, I
**********
4
Viagem em torno de Dom Quixote de La Mancha e de um tal Miguel de Cervantes
Saavedra
(Parte I)
1 - Um tal Miguel de Cervantes Saavedra 2 - A época, os inimigos e os amigos, os póstumos 3 - Os vizinhos, as influências, muitos agregados 4 - O famoso Dom Quixote de La Mancha 5 - Quando o herói é Sancho Pança 6 - Para ler o Dom Quixote 7 - Um leitor entrevista Miguel de Cervantes
5
UM TAL MIGUEL DE CERVANTES SAAVEDRA
Miguel de Cervantes e Saavedra (Alcalá de Henares 1547-Madri 1616),
famoso escritor espanhol, provável descendente de família nobre. O fundador
da estirpe familiar foi o Cavaleiro de Cervantes, originário da região de León,
cujo maior feito foi acompanhar Fernando III, o Santo, na reconquista de
Sevilha em 1248. Entre os conquistadores da América do Sul, há também
referência a Don Juan Ortiz de Cervantes, contemporâneo de Garcilaso de la
Vega, el Inca, famoso conquistador e imperador do Peru. Juan Ortiz de
Cervantes escreveu “Memoriales”, obra que se tornou célebre porque
denunciava os espanhóis que vinham para as colônias com o fim único de
fazer riqueza pessoal, rápida, fácil e sempre criminosa, em detrimento dos
serviços que poderiam prestar à Espanha. Porém, não se sabe se há
parentesco entre eles.
A família de Miguel de Cervantes não era rica, o pai, cirurgião de vida
errante, mudava-se constantemente e portanto não pôde oferecer uma
educação regular, obrigando-o a tornar-se autodidata. Mesmo assim,
Cervantes fez os primeiros estudos na então famosa Universidade de Alcalá de
Henares, que competia em reputação com a de Salamanca, numa época em
que para os menos afortunados a ascensão social se dava através da arte, do
clero ou do ingresso no exército, mas não necessariamente nessa ordem. Sob
a égide de tais profissões todos se igualavam, poderiam crescer socialmente:
piratas viravam almirante, renegados eram vice-reis, padrecos viravam bispos,
um e outro poderia ter a sorte de ser nomeado ministro ou conselheiro. Só para
dar um exemplo: os irmãos Francisco, Hernando e Gonzalo Pizarro, tidos como
grandes conquistadores, eram pobres e analfabetos. Após participar em várias
guerras na Itália, ganharam o direito de viajar à América, chegando ao Peru,
trucidaram os imperadores Incas e assassinaram os vice-reis nomeados pela
corte espanhola. Para se tornarem ricos, saquearam as riquezas locais,
envolveram-se em golpes milionários, ações que resultavam em inúmeros
assassinatos e crimes. Ante tamanha virulência os irmãos Pizarro acabaram
mortos por mando de um de seus muitos inimigos.
6
Na Espanha de Cervantes, a origem social, porém, não garantia acesso
à nobreza da época, que não oferecia nenhuma opção de crescimento a quem
não pertencesse ao clero e à realeza. As famílias preparavam os varões
dando-lhe educação necessária para seguir a vida militar, servindo o exército
sob as ordens dos generais nobres. Cervantes deveria ter sido um bom
espadachim porque em 1569 foi aconselhado a emigrar para a Itália, em
virtude de ter ocasionado ferimentos em duelo no cavaleiro Antônio de Segura.
Já em 1570 estava Cervantes trabalhando em Roma, como camareiro e
secretário do Cardeal Júlio Acquaviva y Aragón. Nessa ocasião teve a chance
de aprimorar os seus conhecimentos. Na cidade havia boas bibliotecas,
mestres renomados, poetas e artistas famosos, que viviam em contato
cotidiano, oportunidade da qual ele se aproveitou muito bem. Teve os meios
favoráveis para alimentar o espírito com obras dos maiores mestres do
pensamento ocidental, de ouvir alguns pessoalmente, a tirou bom proveito
dessa chance.
Para conquistar seu espaço Cervantes teve de se candidatar a herói,
antes de ser escritor. Ligou-se a Dom Diego de Urbina, oficial de Miguel de
Moncada, do exército espanhol. Em 1571 estava em plena atividade: combateu
em Lepanto, batalha que ficou famosa, porque ali as forças da Santa Liga,
formada após a tomada de Chipre pelos turcos, comandadas pelo grande
estrategista Juan da Áustria, meio-irmão de Filipe II, destruíram a frota
otomana. Cervantes lutou lado a lado com guerreiros, mercenários, piratas,
aventureiros, entre os quais El Uchalí e Diego de Urbina, que se sobressaíram
e foram aquinhoados com honrarias e reinos. Cervantes feriu a mão, parte do
braço esquerdo ficou defeituoso, mas jamais deixou de se referir com orgulho a
essa participação, como o mais importante feito da frustrada carreira militar. A
ela se referiu mais de uma vez no em suas obras, com grandes esperanças de
crescer socialmente, para isso conseguiu de Juán de Áustria recomendação
para ser promovido a capitão, pretensão barrada por Filipe II.
Sete meses depois Cervantes, recuperado dos ferimentos que teve em
Lepanto, imediatamente voltou às atividades militares. Lutou na Itália e no
Norte da África. Em 1575, estando a bordo da galera El Sol junto com seu
7
irmão Rodrigo, foi capturado e levado para Argel em poder dos piratas
barbarescos que o guardaram durante cinco anos em cativeiro. Foi resgatado
junto com 184 outros prisioneiros e levado de volta à Espanha. Cervantes
continuou na carreira militar, depois ocupou o cargo comissário de víveres de
Filipe II, até o desastre da Invencível Armada, quando foi acusado de exações,
encarcerado e excomungado.
Sob o reinado de Filipe III, Cervantes pôde provar sua inocência e se
reabilitar. Foi perdoado e nomeado inspetor de impostos, passou a integrar a
corte livrando-se de problemas materiais e financeiros. Agora poderia
consagrar-se à literatura, mas para sobreviver teria de enfrentar não só a
concorrência de uma literatura pujante, mas, principalmente, o poder de Lope
de Vega, seu desafeto, autor de peças teatrais famosas, protegido e membro
da Inquisição.
Após ter escrito “Numancia” e “A vida em Argel”, baseados em suas
aventuras, publicou um romance pastoril, “A Galatéia”, cujo relativo sucesso o
encorajou a seguir escrevendo. Em 1584 Cervantes casou-se e fixou
residência em Esquivias, terra da esposa, mas fazia seguidas viagens à capital
onde produzia farsas (entremezes), representadas no teatro de Madri. Sempre
inquieto, mudou-se para Sevilha, passou algum tempo em La Mancha, indo
depois para Valladolid, aonde o rei Filipe III havia transferido a corte. Nessa
cidade ocorreu outro fato pouco claro, que levou Cervantes e toda a família a
sofrer prisão domiciliar por vários meses.
Uma noite, ao recolher-se à sua casa, Dom Gaspar de Ezpeleta,
Cavaleiro de São Jorge, pessoa muito conhecida, teve de cruzar espada com
alguém que surgiu no caminho. Dom Gaspar foi ferido gravemente no duelo e
tombou gemendo nas imediações da casa de Cervantes. Acudiu-lhe um vizinho
de nome Estéban de Garibay, que chamou Cervantes para ajudá-lo a socorrer
o ferido. De pouco serviu o auxílio porque, momentos depois, Dom Gaspar de
Ezpeleta morreria nos braços de ambos. Interveio a justiça, ignorando quem
seria o culpado, mas as primeiras suspeitas recaíram sobre Cervantes, para
cuja habitação havia sido levado o ferido. Ainda que Garibay e outros vizinhos
8
testemunhassem favoravelmente, um tal Hernández de Toledo, mais Simão
Mendez, se apresentaram para depor contra Cervantes, declarando este como
inimigo de Ezpeleta, que tinha o costume de visitar várias famílias onde
também habitava o acusado. Portanto, era de se presumir que Cervantes
tivesse armado alguma cilada, da qual resultou a desgraça.
Todo o depoimento estava eivado de contradições, carregado de ódio
que ambos tinham ao escritor, mas foi suficiente para que as más línguas
tornassem suspeita a sua honra, já muito provada e acabou por condená-lo a
uma reclusão domiciliar rigorosa. Foi talvez a ferida aberta na sua dignidade,
pelo triunfo parcial dos caluniadores, que o levou a escrever no Dom Quixote:
"Esteja onde estiver a virtude elevada a alto grau, é certo ser perseguida.
Poucos ou nenhuns dos varões ilustres do passado deixaram de ser caluniados
por simples maldade."
Nas desventuras, na afinidade com idéias e ideais inabaláveis,
encontrou matéria para o “Dom Quixote de la Mancha”. Em 1604 terminou de
escrever a primeira parte de Dom Quixote, obtendo permissão para publicá-la.
Em 1605 saiu a publicação coincidindo com o nascimento de Filipe IV, ocorrido
em Valladolid no mesmo ano. No romance Cervantes dá a palavra a Cide
Hamete Benengeli, pseudo historiador mouro-hispânico, alter ego criado para
ser o testamenteiro histórico das façanhas de Dom Quixote (Cide = Senhor,
Hamete = hispanização de Hamed ou Ahmed (aquele que elogia), Benengeli =
deformação cômica de "berinjela"). O sucesso do Quixote lhe valeu a
celebridade e, por fim, a necessária proteção de grandes senhores, permitindo
consagrar-se unicamente à literatura. Foi a Don Alonso Diego López de Zuñiga
y Sotomayor, sétimo duque de Béjar, pouco dado às letras e pouco generoso,
que Cervantes dedicou o Dom Quixote.
Escreveu “Novelas exemplares”, “Viagem ao Parnaso” e elaborou uma
coletânea das melhores peças de teatro, “Oito comédias e oito farsas”. Em
1616 surgiu a parte II de Dom Quixote, em que o humor dá lugar à sátira. O
plano de ação privilegia mais o escudeiro Sancho Pança que o próprio Quixote,
fato que o autor ressalta no Prólogo. Tendo em vista que algum tempo antes
9
havia sido publicada uma II parte do DomQuixote – escrita por um tal de
Avellaneda – também esse fato passa a fazer parte do roteiro original. Sua
obra se completa com a narrativa enciclopédica “Os trabalhos de Persiles e
Sigismunda”. No prólogo ao segundo volume de Dom Quixote, Cervantes
oferece este último trabalho ao seu protetor Dom Pedro Fernández de Castro,
sétimo conde de Lemos, então vice-rei de Nápoles. Os trabalhos de Persiles e
Sigismunda, porém, só foi publicado postumamente.
Aos 68 anos de idade, sofrendo de séria enfermidade, Cervantes
continuava escrevendo. Mas a doença foi se agravando e em 18 de abril de
1616, foi-lhe dada a extrema unção. Estava lúcido e escreveu uma bela carta
àquele que considerava seu protetor, o conde de Lemos, na qual escreveu:
"Ontem me deram a extrema unção. Hoje escrevo esta carta.
O tempo é curto, a angústia aumenta, as esperanças diminuem.
E, com tudo isto, mantenho-me vivo pelo desejo que tenho de
viver. "
Miguel de Cervantes morreu no dia 23 de abril de 1616, foi sepultado no
Convento das Monjas Trinitárias, para o qual dois anos antes sua filha Isabel
havia entrado, levado à sepultura nos ombros dos irmãos da Ordem Terceira
de São Francisco.
Ao combater os excessos cometidos pelos livros de cavalaria no seu
tempo criando o anti-herói Dom Quixote, Cervantes transmitiu a idéia de que
erradicara completamente o mal. Ledo engano. Jamais imaginaria que a
semente da praga apenas repousara alguns séculos e que viria brotar nas
mãos de vários outros autores. Os mais famosos, chegados até hoje, são Sir
Walter Scott com Ivanhoé, ambientado no séc. XII, tendo como cenário a
Inglaterra conturbada pelos conflitos entre saxões e normandos, gerou como
filhotes inúmeros filmes. Mais recentemente saiu As brumas de Avalon, de
Marion Zimmer Bradley, que pretende ser a história da cavalaria sob a ótica
feminina, evidente disfarce para mais uma representação da cavalaria.
10
Cronologia resumida 1547 - Nasce em Alcalá de Henares, quarto dos sete filhos de Rodrigo de Cervantes e Leonor de Cortinas 1567 - Aluno de Juán López de Hoyos, escreve poesias, póstuma homenagem a Isabel de Valois, esposa de Filipe II. 1569 - Camareiro do Cardeal Júlio de Acquaviva, viaja pela Itália, onde assiste ao crepúsculo do Renascimento. 1570 - Ingressa no exército, sob as ordens de Dom Diego de Moncada, parte para a batalha. 1571 - Combate em Lepanto, Navarino, La Goleta... Parte para novas batalhas, aonde for chamado. 1573 - Aquartelado em Nápoles atua na tomada de Túnis sob comando de Juán de Áustria, que o recomenda a Filipe II. 1575 - No retorno, espera ser capitão, mas piratas raptam o navio com Cervantes, o irmão Rodrigo e os demais. 1575/1580 - Aprisionado em Argel com o irmão e os outros, lá adquire conhecimentos da língua e cultura árabes. 1580 - Resgatado de Argel pela missão de Frei João Gil, após 5 anos cativo e várias tentativas de fuga. 1581 - Em Madri, recomeça a escrever peças teatrais e inicia o romance pastoril A Galatéia. 1582 - Sem medalha, sem promoção, sem dinheiro, Cervantes volta a ser soldado de Filipe II. 1584 - Nasce Isabel, sua filha com Ana Villafranca. Casa-se com Catalina Palacios, 20 anos mais nova. 1585 - O matrimônio dura só um ano. A Galatéia é publicada em Alcalá de Henares. 1586 - Sobrevive escrevendo loucamente. Cerca de trinta peças e farsas para o teatro. 1587 - Em Sevilha, a serviço da Invencível Armada. É preso e no cárcere começa a escrever Dom Quixote. 1589 - A Inglaterra derrota a Invencível Armada. Cervantes, inocentado, muda-se para Valladolid. 1593 - Perde o cargo de comissário, enfrenta problemas com a justiça, mas continua a escrever. 1594 - Além de continuar escrevendo peças para teatro é nomeado coletor de impostos. 1598 - Filipe III, filho de Filipe I e de Ana de Áustria, assume o trono espanhol. 1597 - Continua a escrever Dom Quixote. Prepara os originais para obter licença. 1602 - Preso em Sevilha, por haver sido citado em processo como testemunha. A família também fica detida. 1604 - Obtém licença régia para publicar Dom Quixote. Vende a novela ao editor Juan de la Cuesta. 1605 - Publica Dom Quixote (I), em Madri, torna-se mais conhecido e respeitado fora da Espanha 1606 - Definitivamente em Madri, dedica-se à literatura para sobreviver. Traduções piratas de Dom Quixote. 1613 - Publica Novelas Exemplares. Novas edições de Dom Quixote chegam à França, Itália, Inglaterra. 1614 - Sai Viagem ao Parnaso, ganha o 1º lugar em concurso de poesia. A doença começa a abalá-lo. 1615 - Oito comédias e oito farsas novas nunca representadas, termina Dom Quixote, Parte II. 1616 - Entra na Ordem dos Franciscanos, sai Dom Quixote (II), morre a 22 de abril, é enterrado dia 23. 1617 - Sai Os trabalhos de Persiles e Sigismunda. Milhares de novas edições e traduções de Dom Quixote.
Verbetes: Cervantesco. Adj. Próprio do escritor espanhol Miguel de Cervantes; relativo a ele ou ao seu estilo. Cervantista. S. 2g. Grande admirador de Cervantes e/ou profundo conhecedor de sua obra. Estudioso delas.
Projeto para bibliografia
1568 - Homenagem à Isabel de Valois, Rainha esposa de Filipe II - Poesia 1581 - Epístola a Mateo Vázquez - Correspondência 1582 - A vida em Argel - Narrativa histórica 1583 - O acordo de Argel - Narrativa histórica 1584 - A destruição de Numancia - Romance 1585 - Os seis livros da Galatéia - Romance pastoril (em verso e prosa) 1605 - O genial fidalgo Dom Quixote de La Mancha - Romance, parte I 1613 - Novelas Exemplares - Contos 1614 - Viagem ao Parnaso - Antologia Poética 1615 - Oito comédias e oito farsas nunca representados - Teatro 1616 - O genial cavaleiro Dom Quixote de la Mancha - Romance, parte II 1617 - Os trabalhos de Persiles e Sigismunda - Romance (póstumo)
11
A ÉPOCA, OS INIMIGOS, OS AMIGOS, ALGUNS PÓSTUMOS
No tempo de Cervantes a Espanha atravessava o que os historiadores
viriam a chamar de "O Século de Ouro". Só que eles não sabiam disso. Mais
grave ainda: o poder de vida e morte da Inquisição vivia também se
locupletando, ensanduichado nas benesses, conquistas e progresso do reino
Espanhol. No seu reinado Filipe II despendeu todas as economias para montar
uma poderosa armada (a Invencível Armada), um exército numeroso, bem
equipado, capacitando a Espanha a empreender grandes conquistas. Mas
enfrentou guerras, dissensões, que foram consumindo todas as reservas da
nação e, afinal, aonde arranjar tanto dinheiro para suportar todo esse aparato?
Ora, não haviam ocupado o México e o Peru? Não haviam descoberto as
riquezas dos astecas e dos incas? As minas do Potosí boliviano não se
mostravam inesgotáveis?
Os espanhóis pilhavam os ricos tesouros de ouro e prata da América
Central e Andina. O fluxo de metais preciosos foi bastante para salvar Filipe II
das várias crises e ameaças de golpe. Os herdeiros estavam de olho. Um dia
acabaram-se as riquezas latino-americanas, os impérios Asteca e Inca
estavam dizimados, se quisessem ouro que fossem garimpar. Bem mais
próximos estavam os inimigos ingleses, estes descobriram que a Invencível
Armada não era tão invencível assim e infligiram uma incontestável derrota à
força naval espanhola. Dos 130 navios enviados à Inglaterra por Filipe II para
vingar a morte de Maria Stuart, destronar Elizabeth e restabelecer o
catolicismo, somente 63 retornaram à Espanha, quase totalmente destroçados.
Estavam plantadas as primeiras sementes que viriam promover a derrocada do
"Século de Ouro". O volume do estoque de ouro e prata era considerado como
expressão da verdadeira riqueza nacional. Mas nem mesmo a adoção do
bulionismo, sistema monetário apoiado nesse fluxo de riqueza, foi capaz de
reduzir o peso da herança que Filipe II deixou...
No entanto, nas artes a trajetória não era a mesma. O Barroco substituiu
o Maneirismo dominante dos sécs. XV/ XVI, dominação que só passou a ser
aceita a analisada na frieza já distante do séc. XVIII. A palavra Barroco, de
12
etimologia incerta, passou a ser aceita sem contestações para explicar esse
movimento artístico que dominou toda a Europa e influenciou o resto do
mundo. A expressão também se tornou comum nos meios artísticos
neoclássicos, a partir da definição dada por Milizia em 1797: "O Barroco é o
paroxismo do bizarro, o cúmulo do ridículo." Como todos os movimentos
renovadores, o Barroco também foi condenado com essa definição
escatológica, mais feérica que precisa, incapaz de designar o movimento
renovador do séc. XVII, considerando-o desintegrador da arte renascentista.
Quase toda a Europa conheceu um florescimento de grandes
proporções da nova estética literária, principalmente Espanha, Inglaterra e
França. O Barroco se tornou um estilo internacional de altíssimo valor estético,
sob sua égide surgiram alguns dos maiores nomes da literatura universal:
Shakespeare, Cervantes, Góngora, Pascal, Tasso, Corneille, Tirso de Molina,
Lope de Vega, John Donne, Quevedo, Pepys, Moliére. Em alguns aspectos da
literatura, porém, o Barroco se caracterizou pelo excesso de religiosidade que
chegou até a expressão de situações místicas, a extrema sensualidade, a uma
mistura de crueldade, heroísmo, melancolia e estoicismo, provavelmente
influenciado pelo extremismo inquisitorial.
Com todos os percalços, vencendo a todos, assistiu-se ao mais rico
florescimento também da literatura universal. Enquanto o Renascimento se
orientou pela a antigüidade clássica, o Barroco buscou raízes na Idade Média.
Na Espanha sobrevivia o modelo chamado gótico flamboyant, mas o Barroco
passou a ter significação importante, ao opor-se à influência internacional dos
humanistas. Por outro lado, ocorreu o fenômeno de que, enquanto a literatura
barroca alcançava seu ponto mais alto, era bastante visível a decadência
política e social do país, daí o caráter peculiar do Barroco espanhol. Houve
quem dissesse que o Barroco constituía uma qualidade permanente do caráter
espanhol. É admirável, por exemplo, o heroísmo estóico que Cervantes coloca
em Numancia, como se tentando representar a resistência do próprio reinado.
Os místicos espanhóis contaram com a tradição dos sofistas islâmicos, a
Espanha foi, sem dúvida, um dos mais importantes centros do movimento, mas
13
o Barroco não foi um movimento especificamente espanhol. A profunda
influência do Barroco literário espanhol na literatura inglesa do séc. XVII pode
ser constatada através das fontes espanholas do teatro elizabetano e jacobeu:
na composição do seu Spanish Gipsy, Middleton aproveitou muito da obra de
Cervantes:
La gitanilla e os enredos de muitas peças do teatro inglês, como Rule a
wife and have a wife, de John Fletcher, tirada do Casamento engañoso, em A
very woman, de Massinger, o tema foi extraído do Amante liberal, ambas de
Cervantes. Algumas outras fontes de enredo foram o teatro cervantino, as
obras de Lope de Vega e de Tirso de Molina. As traduções de obras da
literatura espanhola ao inglês se tornaram comuns. Em 1586 David Rowland
traduziu Lazarillo de Tormes, entre os anos de 1612 e 1620, traduziu Dom
Quixote.
O próprio Shakespeare utilizou na peça The two gentleman of Verona, o
enredo de Diana enamorada, de Montemayor. Em alguns representantes do
teatro inglês a influência se deu de maneira indireta, mais sutil, através da
leitura de Sêneca e de Tácito, cujos estilos foram adotados pelos barrocos
espanhóis e ingleses. O estoicismo senequiano serviu para moldar aquela
expressão fortemente espanhola de heroísmo, mostrada em Numancia. Houve
uma época em que o Barroco literário passou a coincidir com a corrente política
e religiosa. O Barroco jesuítico e contra-reformista odiava Maquiavel, através
dele se expandiu por toda a Europa o antimaquiavelismo espanhol. Uma das
fontes de divulgação foram os jesuítas espanhóis Antonio Possevino e Pedro
de Ribadeneyra, autores de terríveis panfletos carregados de ódio contra
Maquiavel e sua doutrina política.
Luís de Góngora y Argote é o autor da obra-prima de construção
poética, dentro da melhor tradição peninsular, chamada Soledades, com seus
náufragos, seus pastores, uma vida quase selvagem numa região idílica de
florestas e campos. Góngora exerceu grande influência na literatura da sua
época, era inimitável, daí ter surgido um anti-gongorismo que levou alguns de
14
seus discípulos a vilipendiar a memória do grande poeta. Juan de Jaurégui,
tradutor de Tasso e de Lucano, foi um exemplo de antigongorismo.
Lope de Vega, criador de um teatro único, aristocrático, católico, se
distinguiu por possuir um caráter extremamente nacional, escreveu autos,
comédias, pastoris, dramas. Tirso de Molina, autor de cinco volumes de
comédia e autos de uma comicidade mordaz, que em nada empana seu
catolicismo dogmático. Pedro Calderón de la Barca, autor dos famosos Autos
sacramentales e do eterno La vida es sueño, escreveu muitas obras de
profunda expressão cristã, de grandeza literária até hoje insuperável.
William Shakespeare, morto no mesmo ano que Cervantes, teve como
contemporâneos grandes autores e atores: Chapman, Bem Jonson, Marston,
Thomas Heywood, Richard Burbage, que além de ator brilhante em Ricardo III,
Hamlet, Rei Lear, Otelo, era sócio da companhia de Shakespeare, mas
nenhum deles teve as qualidades universais que ele impôs às suas tragédias e
comédias. As primeiras obras de Shakespeare ainda estão influenciadas pelo
estilo renascentista, mas as escritas posteriores, como por exemplo a
tragicomédia de construção dramática Antonio e Cleopatra, já representam o
espírito barroco.
15
OS VIZINHOS, AS INFLUÊNCIAS, ALGUNS AGREGADOS
ITÁLIA
Sem recusar a herança recebida dos três grandes toscanos, Dante,
Petrarca e Boccacio e do contato com obras da antigüidade clássica, nasceu
na Itália o humanismo vulgar, reinante no séc. XV, que triunfou com Lourenço
de Médici e Angelo Poliziano. Na Toscana renasceu a moda do romance de
cavalaria, cresceu em importância o romance pastoral de Sannazzaro, a
Arcádia despontou em Nápoles despertando a consciência de unidade cultural,
desembocando em discussões lingüísticas e estéticas. A Itália desembocou na
Renascença próximo de recuperar também a liberdade política, já que os
vizinhos, menos favorecidos culturalmente, invejavam o avanço fantástico dos
italianos, que os colocava acima de qualquer povo europeu.
O debate central do séc. XVI recaiu sobre a língua, mas foi no teatro (a
diversão mais popular), que a discussão sobre a nacionalidade literária
desembocou, pois este, recorrendo ao repertório clássico greco-latino, atiçava
os literatos mais ardorosos defensores da língua nacional. Bibbiena, Ariosto,
Guicciardini, Aretino e Maquiavel sobressaíram-se entre os demais,
demonstrando talento original, em literatura, história, política e filosofia,
enquanto Castiglione e Della Casa elaboravam códigos de novo ideal humano.
Com exceção de Michelangelo, os poetas líricos ainda estavam atrelados aos
modelos petrarquianos, devendo-se a Ariosto e a Torquato Tasso as melhores
produções, com Orlando furioso e Jerusalém libertada.
Quando o séc. XVII trouxe o Barroco para a Itália, cujas raízes já estavam
solidificadas desde o fim do século anterior, a literatura afirmou-se por uma
extraordinária reflexão e experimentação sobre Retórica e Estética. Mas foi
com Galileu Galilei e seguidores que a língua vulgar começou a se tornar
verdadeiramente nacional, destronando o latim clássico, que até então reinava,
inclusive nos meios científicos. A poesia se identificou com o marinismo, a
história e o ensaio se firmaram como gêneros literários importantes. A
chamada língua vulgar retomou a tradição iniciada por São Francisco de Assis,
16
que já a empregara no Cântico das criaturas, obra que data de 1224, ganhou
forma culta para firmar-se em definitivo como língua nacional da Itália unificada.
INGLATERRA
As línguas vulgares travaram sempre uma batalha com as influências
clássicas antes de se firmarem como língua oficial. O mesmo ocorreu na
Inglaterra e somente após a "tradução" do Roman de Brut, de autoria do
trovador popular Wace, escrito originalmente em francês, a língua inglesa foi
tomando pé. O poeta Geoffrey Chaucer (sempre os poetas!), autor dos
célebres Contos de Canterbury e William Langland, Pedro, o lavrador, ambos
do séc. XIV, solidificaram o inglês, enquanto se desenvolvia uma poesia de
cunho popular, feita de baladas e canções para dançar.
O renascimento inglês veio mais tarde e sem o radicalismo do resto da
Europa, trazendo a reboque a primeira idade de ouro da literatura inglesa.
Seria dominada por John Lyly (Euphues), Philip Sidney, com o romance
pastoral Arcádia e Edmund Spenser, o poeta mais puro dos três, autor de
Calendário do pastor e A rainha das fadas, que iria estender sua influência até
o séc. XVI. Foi no teatro, porém, que o gênio do renascimento inglês se
destacou, favorecido pela abertura de várias salas de espetáculo, a atividade
cênica se expandiu, culminando no maior gênio e glória da literatura inglesa:
William Shakespeare. A fama de Shakespeare deixou obscuros outros autores
importantes de seu tempo, entre os quais Bem Johnson, Francis Beaumont,
Theodore Dekker.
FRANÇA
As canções de gesta, cuja origem remonta ao início do séc. XII,
apresentaram três ciclos os gestas: a Gesta do rei, a Canção de Rolando, a
Gesta de Garin de Monglane e a gesta de Doon de Mayence. Os trovadores se
expressavam em duas linguagens: a língua-d'oc (Guillaume d'Aquitaine,
Bernard de Ventadour, Jaufré Rudel, Arnaut Daniel, Bertrand de Born e
17
somente mais tarde entre os trovadores de língua-d'oïl Conon de Béthune, Gui
de Coucy, Colin Muset, Adam le Bossu, Rutebeuf e Jean Bodel).
Os romances corteses testemunham o progressivo refinamento da
sociedade medieval e dividem-se em vários ciclos. A Matéria de Bretanha deu
origem aos mais célebres desses romances em versos, dos quais o ciclo do
Rei Artur e os Cavaleiros da Távola Redonda, inspirou os romances bretães do
poeta Chrétien de Troyes, entre os quais Tristão e Isolda. O ciclo do Santo
Graal surgiu no final do séc. XII, com um longo poema de Robert de Boron,
provocando o florescimento dos romances em prosa, ressaltando-se Lancelote
do lago e o Romance de Renart, que já apresenta um caráter popular, ao qual
estão ligados os fabliaux, poemas maliciosos, satíricos, os ditos cômicos e de
conteúdo moral.
A partir do séc. XIV a inspiração lírica cedeu terreno à forma poética,
fixada por Eustache Deschamps e Guillaume de Machaut, marcando as obras
de Charles d'Orleans e François Villon, que viriam no século seguinte. A prosa
alcançou considerável avanço, os tratados didáticos e morais multiplicaram-se.
No teatro foram encenadas as peças de caráter cômico e moral, a farsa criou
força, as sátiras assumiram papel crítico importante. Mistura de lendas
populares e erudição humanista, Gargantua e Pantagruel de Rabelais, difere
substancialmente das obras anteriores e assinala o início da idade moderna na
prosa francesa. O trabalho Defesa e ilustração da língua francesa, determinou
a ruptura definitiva da poesia francesa com a Idade Média. Os poetas da
Plêiade, Ronsard, Joachin du Bellay, Jean Dorat, Rémi Belleau, Jean Antoine
de Baïf, Pontus de Tyard e Étienne Jodelle, procuraram modelar a poesia
francesa dentro do ideal de grandeza e com esse intuito escreveram em
conjunto a Sátira menipéia, publicada em 1594.
PORTUGAL
Influenciada inicialmente pela Bretanha em fins do séc. XII, Portugal foi
dos primeiros a traduzir a Demanda do Santo Graal e em seguida de José de
Arimatéia, mas somente no final do séc. XIV surgiu o primeiro romance escrito
18
em português: Amadis de Gaula, atribuído a Vasco de Lobeira. Durante os
sécs. XIV e XV os livros de linhagens e compilações de genealogias de famílias
nobres, prevaleceram. Com a publicação da Crônica de D. Afonso Henriques,
baseada em tradições épicas, demonstra considerável amplitude da literatura
portuguesa, destacando-se Fernão Lopes, cujo talento e concepção moderna
fizeram dele o maior prosador medieval. Lopes deu autonomia à prosa lusitana,
com ele nasceu a historiografia portuguesa que tanto iria se notabilizar depois.
Fernão Lopes teve em comum com seus sucessores Gomes Eanes de Zurara
e Rui de Pina, a matéria, os métodos, o rigor histórico, porém superou-os por
sua arte e lucidez.
A prosa doutrinária e didática, escrita pelos homens cultos da corte,
rendeu O livro de montaria, de Dom João I, Livro da ensinança e bem cavalgar
toda sela e O leal conselheiro de Dom Duarte, Virtuosa benfeitoria, de Dom
Pedro. Até meados do séc. XVI certas formas e temas ligados à cultura
medieval persistiram, embora a influência humanista já despontasse. Assim, no
Cancioneiro geral de Garcia de Resende, percebe-se a influência de Petrarca e
de sua concepção do amor.
Bernardim Ribeiro, autor do romance sentimental Menina e Moça,
cultivava a écloga italiana, porém inspirava-se em elementos e temas
populares lusitanos. O romance de cavalaria sempre suscitou interesse e assim
foi que surgiram Crônica do imperador Clarimundo de João de Barros,
Palmerim de Inglaterra de Francisco de Morais, Memorial das proezas da
segunda Távola Redonda, de Jorge Ferreira de Vasconcelos.
Mas foi no teatro clássico, inspirado na Renascença italiana, que
Portugal se elevou, tendo Antônio Ferreira como seu representante mais
legítimo. Esse grande florescimento do teatro deu nomes importantes para a
dramaturgia da língua portuguesa, tendo em Gil Vicente seu maior expoente,
apesar de escrever regularmente em castelhano e em português. Gil Vicente é
considerado o fundador do teatro lusitano, descreveu com todo o seu lirismo e
verve popular, as mazelas, fofocas, tipos populares da época. Francisco Sá de
Miranda também escreveu peças, mas foi na poesia que se fez marcante:
19
introduziu em Portugal o soneto, a écloga, sempre mantendo a tradição satírica
da poesia popular do cancioneiros. No entanto, o grande poeta do século foi
sem dúvida Luis de Camões, cujas poesias líricas, sonetos, baladas marcaram
época. Todo o seu talento, no entanto, refluiu na produção do poema épico Os
Lusíadas, no qual exalta o povo português, as conquistas, as lutas navais,
sendo, por todo esse conjunto, considerado a obra-prima da literatura lusa, que
afinal de firmava sozinha, libertando-se da permanente influência hispânica.
20
O FAMOSO DOM QUIXOTE DE LA MANCHA
O fantástico sucesso de Dom Quixote e o conseqüente exacerbado
engrandecimento patriótico exercitado pelos espanhóis, teve como
conseqüência o obscurecimento de outras obras de Miguel de Cervantes,
algumas tão importantes quanto o próprio Dom Quixote, como Novelas
exemplares, Numancia e Trabalhos de Persiles e Sigismunda, só para citar
algumas. Em verdade, além de Dom Quixote, quantas obras da vasta produção
de Cervantes são populares hoje em dia? Nenhuma.
"Livro imortal que tem sido traduzido em todas as línguas, narra as
aventuras do fidalgote castelhano Dom Quixote de la Mancha, cujo cérebro se
exaltou até à insensatez com a leitura dos livros de cavalaria, a ponto de
descobrir maravilhas, encantamentos, sortilégios e magias nos fatos mais
triviais. Seu fiel escudeiro Sancho Pança, encarnação do bom senso trivial e
comezinho, passa por tremendas e divertidíssimas privações, a que o expõe a
singular mania de seu amo.
Este, a despeito de seus ridículos, não inspira senão simpatia, tão
ardente é a fé que o anima, tão nobres e generosos são os sentimentos, tão
alto é o ideal de justiça e de poesia, para o que tendem sempre as suas ações,
mesmo as mais disparatadas. Fica na memória dos leitores as aventuras
principais do Cavaleiro da Triste Figura, principalmente o seu famoso combate
com os moinhos de vento, o episódio dos quadrilheiros." Isso é o que dizem as
enciclopédias, introduções, comentários, os livros estudantis.
Os espanhóis não deixam por menos. Para eles trata-se da "novela mais
importante da literatura universal, uma síntese poética do ser humano, a
expressão de um ideal ético e estético de vida, uma galeria de todos os
gêneros literários de seu tempo, lição de teoria e práticas literárias, uma
panorâmica social da Espanha do Século de Ouro, em suma: uma síntese de
realismo e fantasia". Daí para mais! No entanto, a literatura espanhola teve a
sua grandeza na história da cavalaria não em prosa, mas nos versos da mais
21
famosa obra da época, El cantar de Mio Cid, livro que narra as façanhas
guerras de Cid Campeador em favor do reino da Espanha.
Botando os pés no chão, pode-se excluir alguns exagerismos: I) não é "a
novela mais importante da literatura universal", no entanto a segunda parte do
Dom Quixote marca uma interessante transição da narrativa que veio redundar
na estrutura do romance, cuja trajetória elíptico-circular acabou se
transformando em didática. Isto só acontece quando uma obra consegue
quebrar os patamares, regras e limites antes estabelecidos.
Então, pode-se dizer que a segunda parte do Dom Quixote, ao
desobedecer as normas vigentes, acabou por se mostrar estruturalmente
moderno, mais ao agrado dos leitores; II) pode ser "a expressão de um ideal
ético e estético de vida", no entanto jamais alcançado, que todos os autores
literários pregam e buscam desde até sempre; III) quanto à imortalidade,
comparada à da Bíblia, vamos considerar que a Bíblia se encontra no estágio
que entendê-la só pelo lado religioso, espiritual, porque a ótica histórica e
literária pouco se consegue entender, quase nada, sem a explicação dos
estudiosos.
É o caso que ocorre com Dom Quixote, um romance de pseudo-
cavalaria, por isso mesmo cevado de referências de cunho histórico medieval,
qualidade que não lhe falta. Não sendo livro religioso nem histórico, mas
literatura em estado puro, Dom Quixote terá de atualizar a leitura para uma
versão mais recente, que traga para o linguajar a gramática moderna, porque
do jeito que está vai precisar sempre de outro volume para explicar todas as
citações religiosas, históricas e referências à linguagem. Em suma, ou traduz-
se para o séc. XXI ou perecerá. No presente, nem mesmo os estudiosos
conseguem identificar tudo no Dom Quixote, imagine nós. [Parece que os
editores espanhóis se deram conta disso e lançam edições modernizadas, só
que voltadas para o público jovem estudantil. Há que fazer chegar a
atualização também à todas as traduções.]
22
O mesmo ocorre com outras obras que se tornam universais. Neste caso
a apresentação de um anti-herói encaixotado num mundo acachapante de
aventuras fantásticas, aventureiros capazes de derrotar qualquer inimigo,
exércitos de milhões de adversários, obstáculos à primeira vista
intransponíveis, seres fantásticos, dragões, fantasmas, cavaleiros de aço, que
se interpõem, todos, entre o herói e seu ideal, entre o aventureiro e sua amada,
tudo isso chegou na hora certa. Muito sangue havia corrido pouco tempo antes,
uma nova Europa se formava, os principados davam lugar a estados
organizados tendo como base os princípios democráticos de direito, a política
religiosa afastava-se do centro de poder.
Tudo isso facilitou para a fixação do tipo que fez o sucesso do livro. Ali
está o homem natural e simples apesar de fidalgo; interiorano, que deposita
muita fé no enunciado ético; religioso, que exacerba no apostolado em defesa
dos fracos e oprimidos; aventureiro, sempre disposto a largar tudo e partir em
busca do sonho. Essa herança legou-nos um sem número de expressões
gramaticais e proverbiais capazes de se identificar com o ideal dos indivíduos
de hoje. Os difíceis tempos modernos transformam-nos em verdadeiros
sobreviventes, irmanando-os com o anti-herói Dom Quixote. Assim é que
tornaram-se temas proverbiais, tanto que chegaram até nós não só como
esperança, mas como expressão tanto de uso culto quanto popular, verdadeira
religião e método de vida.
A literatura espanhola previamente ao Dom Quixote pode ser vista assim
resumidamente, não antes de sabermos que o estudo das letras espanholas
compreende essencialmente a história das obras escritas em castelhano, o
idioma nacional, embora existam literaturas locais independentes dentro do
próprio país, sendo as mais importantes e literatura catalã e a literatura gallega.
O castelhano tem seu início literário no séc. XII, com o Poema do Cid
(Cantar de mío Cid), poema anônimo de 3750 versos, escritos por volta de
1140. Antes, a literatura de língua castelhana, era informal, limitando-se a
cantares de canções e gestas, feitos oralmente pelos trobadores, uma mistura
de vários dialetos da região, subordinada à influência maior do castelhano. A
23
literatura de Cervantes, como de resto toda dos séc. XV e XVI, para ser
entendida, era elaborada com a fala de seu tempo, o que significa a fala da
península ibérica, uma sadia mistura dialetal que incluía o galego, o português,
o asturiano, o andaluz, o catalão, o leonês. Somente através da letra impressa,
poderiam todos esses dialetos se transformar em linguagem culta.
No séc. XIII, o monge Gonzalo de Berceo, autor de biografias de santos,
foi o primeiro escritor a assinar suas obras. O verdadeiro fundador da prosa
literária, porém, foi o rei Alfonso X, o Sábio, que escreveu sobre vários
assuntos (história, ciências, astronomia, jogo de xadrez, música). O Libro de
buen amor, do arcipreste Juan Ruiz de Hita, constitui a obra-prima do séc. XIV.
Na primeira metade do séc. XV, com a conquista do reino de Nápoles em 1442
e a invenção da imprensa de Gutemberg favoreceram a difusão das obras de
Dante, Petrarca, Bocaccio. Os grandes senhores letrados, como Villena,
Santillana, Juan de Mena, aderiram ao modelo literário italiano.
O séc. XV também assistiu ao florescimento dos romances de cavalaria
(Amadis de Gaula, 1492 de Rodríguez de Montalvo), do conjunto de romances
em verso que transformaram o Romancero num dos mais originais
monumentos da literatura espanhola. Em 1449 foi publicada a Tragicomédia de
Calixto e Melibéa, de Fernando de Rojas, mais conhecida como La Celestina,
cuja história se tornou modelo de tipo literário.
O séc. XVI e o séc. XVII (o Século de Ouro), compõem o grande período
das letras espanholas. Esse momento se inicia com a poesia pastoral de
Garcilaso de la Veja e se prolongou até as derradeiras obras de Calderón de la
Barca. A poesia lírica foi ilustrada por Luis de León. Montemayor escreveu A
Diana, que Honoré d'Urfé imitaria em Astréia. Vida de Lazarillo de Tormes,
anônima, inaugurou o gênero picaresco, romance de cavalaria às avessas,
irresponsável, cujo herói, o "pícaro", é um tratante simpático. Guzmán de
Alfarache (1599) de Mateo Alemán, El Buscón, de Quevedo, seriam os
modelos do gênero.
24
Luis de Góngora, um dos maiores nomes da poesia barroca, criou um
estilo que marcou época. Ainda no "século de ouro" se destaca a poesia
mística de São João de la Cruz (Cântico Espiritual), de Santa Teresa de Ávila
(El Castelo Interior). O teatro de Lope de Vega, o dramaturgo mais fecundo da
época, autor de comédias de capa e espada (El perro del hortelano) e de
dramas históricos (Peribáñez, 1614). O teatro de Calderón de la Barca de
cunho filosófico (La vida es un sueño, 1633), religiosos (Autos sacramentales).
Guillén de Castro, autor de Mocedades del Cid (1600). O monge Tirso de
Molina, criador de Don Juan (El Burlador de Sevilla) e finalmente Cervantes,
considerado o pai do romance moderno, com Dom Quixote de La Mancha.
Estão nos dicionários: Quixotada. S.f. 1. Bravata ridícula, fanfarronada, bazófia; ato de quixote; V. fanfarrice. 2. Ato ou dito de ingênuo ou sonhador. Sin. ger.: quixotice Quixote. S.m. 1. Aquele que procede como Dom Quixote e ingenuamente se mete em questões que não lhe dizem respeito quando por via de regra se dá mal. Que toma as dores alheias e se sai mal; 2. Indivíduo ingênuo, romântico, sonhador. Sin. ger.: dom-quixote. Quixotesco. Adj. 1. Relativo a D. Quixote2. Relativo ou próprio de quixote, ou que envolve quixotada; ridiculamente pretensioso. 3. Ingênuo, romântico, sonhador. 4. Que se envolve em trapalhadas. Sin. ger.: quixótico Quixotice. S.f. Quixotada Quixótico. S.m. Quixotesco Quixotismo. S.m. 1. Modos e hábitos próprios de Dom Quixote; v. cervantesco; 2. Herói romanesco, idealista, sempre em busca de aventuras fantásticas. Abnegação cavalheiresca. 3. Romantismo, aventureirismo ou cavalheirismo exagerado. 4. V. fanfarrice. Sin. ger.: dom-quixotismo.
25
QUANDO O HERÓI É SANCHO PANÇA
"Uma das coisas que maior contentamento
deve dar a um homem virtuoso e eminente
é o ver-se andar em vida pelas bocas do
mundo, impresso e com estampa com bom
nome, é claro, porque, sendo ao contrário,
não há morte que se lhe iguale."
(Dom Quixote, II, III)
Uma mais das tantas curiosidades do Dom Quixote é o tão discutido
segundo volume do romance de Cervantes. Não bastasse o fato de ter sido
publicada em vida do autor uma segunda parte apócrifa, Cervantes imprimiu no
seu texto tantas novidades que mesmo os mais rigorosos cervantinos vivem às
turras, armam discussões sem fim, mas não conseguem sequer acompanhá-lo
em sua modernidade.
Entre as edições originais de Dom Quixote, que saíram em vida do
autor, menciona-se uma segunda parte, publicada em Tarragona em 1614,
supostamente de autor desconhecido, que vem assinada por Alonso
Fernández de Avellaneda. No entanto, vários pesquisadores dão como certa a
autoria do padre Luís de Aliaga, dominicano confessor de Filipe III, desta
continuação, que se achou no direito de escrever, já que o seu autor prometeu
e jamais. É provável que, com este incidente, Avellaneda tenha contribuído
mais para a literatura publicando o seu Dom Quixote do que possam imaginar
todos os seus tietes.
Do relação à identificação de autoria deste Dom Quixote de Avellaneda,
é bom referir à introdução de Cervantes ao verdadeiro Quixote. Diz ele no
Prólogo ao leitor: "Valha-me Deus, com quanta vontade deves estar esperando
agora, leitor ilustre, ou plebeu, este prólogo, julgando achar nele vinganças,
pugnas e vitupérios contra o autor do segundo Dom Quixote; quero dizer,
contra aquele que dizem que se gerou em Tordesilhas e nasceu em Tarragona!
Pois em verdade te digo que te não hei de dar esse contentamento, que, ainda
que os agravos despertam a cólera nos mais humildes peitos, no meu há de ter
exceção esta regra. Quererias que eu lhe chamasse asno, atrevido e
26
mentecapto, mas tal não me passa pelo pensamento: castigue-o o seu pecado
e trague-o a seu bel prazer e que não lhe faça engulhos. O que não pude
deixar de sentir foi que me apodasse de manco e de velho, como se estivesse
na minha mão demorar o tempo, que parasse para mim".
Neste momento Cervantes se ofende e retalia quanto ao apodo de
manco, como o faz todas as vezes que alguém tenta depreciar a sua
participação na batalha de Lepanto, da qual se orgulhava muito. Continuando,
critica o fato de ter sido chamado de velho: " ...e convém advertir que não se
escreve com as cãs, mas sim com o entendimento, que costuma aperfeiçoar-se
com os anos. Senti também que me chamasse invejoso e me descrevesse,
como a um ignorante, que coisa seja a inveja, que, na verdade, verdade, de
duas que há, eu só conheço a santa, a nobre e a bem-intencionada; e sendo
assim como é não tenho motivo para perseguir nenhum sacerdote que, de mais
a mais, seja também familiar do Santo Ofício; e se ele o disse referindo-se a
quem parece, de todo em todo se enganou, que desse tal adoro eu o engenho,
admiro as obras e a ocupação contínua e virtuosa."
A referência ao sacerdote "familiar do Santo Ofício" remeteu os
cervantinos diretamente a Lope de Vega, colaborador da Inquisição, notório
desafeto de Cervantes. No entanto, como se pode ver claramente do texto, as
diferenças que Cervantes tinha com Lope de Vega eram limitadas às disputas
literárias, com o fato deste se aproveitar da amizade e proximidade com
membros do Santo Ofício para promover seus trabalhos. Cervantes tinha como
importante fonte de renda a representação de seus entremezes e farsas, arte a
que Lope de Vega também se dedicava.
Só não vê quem não quer, mas fica bem nítida a identificação que
Cervantes dá ao pretenso autor do Quixote de Avellaneda neste Prólogo
elucidativo. O próprio Cervantes suspeita que a autoria é do padre Luís de
Aliaga, confessor de Filipe III, também familiar do Santo Ofício da Inquisição,
não de Lope de Vega.
27
A história da literatura tem dessas coisas. Se formos analisar sob o
ponto de vista estatístico, justifica-se plenamente a saída do Quixote de
Avellaneda, porque em todas as obras que Cervantes prometeu uma
continuação – notadamente na Galatéia e no próprio Dom Quixote – jamais
havia cumprido a promessa. Apesar de todos os cervantinos anotarem que
Cervantes já estava trabalhando na parte II do seu Quixote quando a obra de
Avellaneda foi publicada, não existe nenhuma evidência a respeito. Por esse
detalhe pode-se afirmar com alguma segurança que Cervantes jamais teria
escrito a segunda parte do Quixote se não fosse o episódio da pirataria.
Escrito quase 10 anos após a saída do volume I, por vários motivos esta
segunda parte tem deixado os cervantinos de cabelos ralos. Primeiro porque os
ensaístas literários têm balizado o advento do romance moderno com a
publicação do Dom Quixote. Então é mister apontar e provar que no Quixote já
se encontram os parâmetros do romance tal como conhecemos hoje,
principalmente quanto à unidade temática.
Aí é que a porca torce o rabo. Qualquer estudante de literatura sabe que
é impossível exigir-se unidade plena em dois textos escritos com o intervalo de
10 anos, ainda mais sabendo-se que aquela era uma época de constantes
transformações estéticas. Cervantes consegue manter a unidade temática, mas
a arte e a estética ficaram para trás: também é impossível a um escritor, atento
às transformações do seu universo, manter sua arte estagnada por 10 anos.
Na segunda parte Cervantes deu grandes passos em prol de uma escrita muito
mais enxuta.
O que mudou? De princípio, o tratamento visual é outro completamente
novo, sem aquelas maçantes poesias laudatórias que abriam e encerravam as
obras literárias, principalmente os romances. O tratamento seqüencial é outra
novidade no Dom Quixote II, acentuando-se o entrelaçamento dos capítulos,
fechando círculos temáticos, mesmo quando há inserção de parâmetros, tais
como história dentro da história. A escritura do texto avança para o que viriam
classificar de barroco, embora esta expressão de primeiro fosse utilizada
28
apenas para as artes clássicas, entre as quais a pintura, a escultura, a
composição musical.
A transformação maior, porém, foi na dicção dos heróis, quando
Cervantes coloca os personagens completamente arrevesados e opositores,
comparando-se com a primeira parte. Aqui o truque usado é o do espelho, do
revés e trevés, o oposto do oposto, o avesso do avesso, em suma. Desta vez o
herói não é o cavaleiro andante, mas seu escudeiro. Dom Quixote passa a ser
um coadjuvante, secundário por técnica, não por necessidade temática. A visão
dos personagens principais também se distorce: Sancho Pança, que fazia no
tomo I o elo de ligação de Dom Quixote com o mundo real, desta vez é atirado
sem dó nem piedade ao universo imaginário, fantasmagórico, acuado pelas
primeiras visões de seu amo.
Neste momento é Dom Quixote quem está de pés no chão. O castelo é
um castelo real, a venda é uma venda, moinhos de vento são moinhos, fala
com distinção e discernimento, discursa sobre a ética e a moral, tudo isso sem
trair os princípios da cavalaria andante. Na hora de dar conselhos a Sancho
Pança, quando este assume o governo da sua ilha é o mais lúcidos dos
governantes quem fala pela voz do Quixote, não o tresloucado que atropela o
vento.
Mesmo que Sancho Pança alerte para a impossibilidade de existir por ali
uma ilha verdadeira, Dom Quixote faz ver que o importante não é a ilha em si e
suas delimitações, mas o fato de que Sancho finalmente vai assumir um
governo e deve governar bem.
Até diante do amor o fidalgo dobra as pernas: apesar de relembrar
sempre a sua Dulcinéia del Toboso e a ela manter-se fiel, não recuas ver na
paixão de Altisidora uma coisa factível, ao passo que a Sancho aquilo tudo
resulta de uma farsa, uma comédia mal interpretada.
A crítica moderna, libertada das ataduras que amordaçam os
cervantistas, considera que Cervantes "pôs em questão toda a literatura de
29
ficção, através de uma indagação sobre suas próprias ilusões e princípios
estéticos. (...) Cervantes, como Dom Quixote, não pôde impedir-se de ter nas
pessoas e coisas uma confiança que resistia às zombarias e aos golpes. Foi
por essa via que deu início à busca desesperada dos valores que o herói
moderno empreende num mundo degradado. O real é doravante "impossível"
para o herói; inacessível diretamente, a não ser pela intervenção de um
mediador que lhe designe o objeto a desejar e o caminho para atingi-lo, mas,
ao final desse caminho, o real não comparece ao encontro marcado. Dom
Quixote inaugurou assim a figura triangular (herói-mediador-objeto do desejo),
do desejo mediatizado, expressão da alienação moderna que, até Dostoievski
(pelo tema do duplo) e Proust (pelo esnobismo), compôs a estrutura profunda
do romance ocidental."
No segundo volume, como se disse, o realce maior é dado ao escudeiro
Sancho Pança. Não que Dom Quixote passe a ser considerado figura de
segundo plano, mas a figura do escudeiro aqui é mais presente num grande
número de capítulos. A sua fala já não é mais a de um prudente chefe de
família nem a de um simples camponês, ao contrário, em alguns momentos
chega a dialogar de igual para igual com outros personagens e – surpresa! –
com o próprio Dom Quixote. Logo no Capítulo II o cura e o barbeiro dialogam
sobre as inseparáveis figuras: "... não me maravilho tanto da loucura do
cavaleiro como da simplicidade do escudeiro, que tão ferrada tem lá a história
da ilha, que me parece que não a tiram dos cascos nem quantos desenganos
se possam imaginar".
O cura não deixa por menos: "... veremos em que pára esta máquina de
disparates com semelhante cavaleiro e semelhante escudeiro, que parece que
os tiraram a ambos da mesma pedra e que as loucuras do amo sem as
necedades do criado, não valeriam coisa alguma."
A partir daí cresce a importância de Sancho, segundo o próprio Dom
Quixote: "... podes, Sancho, falar livremente e sem rodeios." No capítulo IV,
com motivo de explicar ao bacharel Sansão Carrasco "acerca das suas dúvidas
e perguntas" Sancho assume o centro das atenções.
30
No capítulo seguinte já é o próprio quem de novo aparece, numa
"graciosa prática que houve entre Sancho Pança e sua mulher Teresa Pança".
No capítulo VII Sancho avança e inicia falar uma linguagem parelha a de seu
amo, quando este o observa num dos muitos erros vocábulos que comete: "Já
uma ou duas vezes – respondeu Sancho – , se bem me lembro, supliquei a
Vossa Mercê que não me emende os vocábulos, logo que entenda o que eu
quero dizer e, em não entendendo, diga assim: 'Sancho ou Diabo, não te
percebo'. E se eu não me explicar então emende, que eu sou muito fócil
(dócil)."
Para combinar a terceira saída Sancho se mostra muito mais esperto
que aquele ingênuo camponês que largou tudo e foi aventurar-se com o fidalgo
da Mancha. Estipula salário, funções, direitos (inclusive sociais), exige o
cumprimento da promessa feita por Dom Quixote acerca da ilha que receberia
para governar. No capítulo VIII acompanha o amo que intenta ver sua dama
Dulcinéia, missão que se completa no capítulo seguinte.
No capítulo X toma de novo o leme, pois ali se conta a "indústria que
Sancho teve para encontrar a senhora Dulcinéia". No capítulo XI dá uma
bronca no amo, ao vê-lo desmotivado para a cavalaria: "senhor, as tristezas
não se fizeram para os brutos e sim para os homens, mas se os homens
sentem demasiadamente, embrutecem. Vossa Mercê tenha conta em, si e
colha as rédeas a Rocinante, reviva e desperte e mostre aquela galhardia que
costumam ter os cavaleiros andantes. Que diabo é isso? Que descaimento é
esse? Estamos aqui ou em França?"
Como se vê, é outra a linguagem do novo herói. Pode-se dizer que o
cavaleiro agora é Sancho Pança e Dom Quixote o escudeiro. No capítulo XII
Sancho filosofa com o amo: "Pudera, alguma coisa se me há de pegar da
discrição de Vossa Mercê – respondeu Sancho –, que as terras de si estéreis e
secas, em se estrumando, vêm a dar bons frutos; quero dizer que a
conversação de Vossa Mercê tem sido como um estrume deitado na terra
estéril do meu seco engenho e a cultura, o tempo em que o tenho servido e
tratado; e com isto espero dar frutos de bênção, tais que não desdigam nem
31
deslizem da boa lavoura que Vossa Mercê fez no meu acanhado
entendimento." Dom Quixote reconhece o crescimento do criado "porque
Sancho de quando em quando falava de modo que lhe fazia pasmo"...
No capítulo XIII Sancho trava conhecimento com o escudeiro do
"Cavaleiro da Selva" e esse encontro serve para um elaborado diálogo entre
ambos. Sancho conhece, enfim, alguém que desempenha a mesma função
que lhe coube e pode falar de igual para igual. Nos diálogos a fala de Sancho
cresce em volume e importância. Já é dono de um saber que permite longas
frases e, de sobra, algumas citações. O linguajar não é mais uma algaravia, é
claro, didático, luxuoso: "Por Deus que, segundo diviso, as patenas que devia
trazer são ricos corais, o vestido é do mais rico veludo e as guarnições de
cetim!. Vejam-me aquelas mãos, todas cheias de anéis de ouro, e de bom
ouro, com pérolas brancas como leite, que deve cada uma valer um olho da
cara. E que cabelos que, se não são postiços, nunca os vi na minha vida mais
compridos, nem mais loiros” (Cap. XXI). E assim por diante, a fala de Sancho
torna-se nobre, nem de perto lembra o atrapalhado escudeiro semi-analfabeto
do primeiro volume.
No capítulo XXII, a caminho da Cova de Montesinos, Sancho Pança se
dá ao luxo de discutir com o guia, primo do licenciado, apesar deste ser
"famoso estudante e muito afeiçoado à leitura de livros de cavalaria", enfim,
"moço que sabia fazer livros para imprimir e para dedicar a príncipes". A
discussão de Sancho com o primo, no entanto, é fortemente criticada por
Cervantes, que dali lança a primeira censura aos livros carregados de cultura
inútil. Estava Sancho enfim nas boas e crescendo.
A partir do capítulo XXX, Dom Quixote e Sancho Pança são recebidos
no castelo, pelo duque e a duquesa e em pouco tempo se encontra nomeado
governador de uma ilha nas terras ducais. O escudeiro, estimulado pela
duquesa que se diverte muito ao ouvi-lo, está à vontade para narrar seus
contos e "todas as donzelas e donas da duquesa rodearam-no atentas em
grandíssimo silêncio, para o escutarem."
32
Noutra ocasião passa-se um diálogo curioso que Sancho Pança encerra
com um modo não usual do criado dirigir-se ao seu amo, até certo ponto
considerado por demais atrevido: "– Essa pergunta e essa resposta não são
tuas – acudiu Dom Quixote – a alguém as ouviste dizer. – Cale-se, senhor –
replicou Sancho – que se eu me meto a fazer perguntas e respostas, não
acabo nem amanhã. Para perguntar tolices e responder disparates não preciso
de andar a pedir o auxílio dos vizinhos. – Mais disseste do que sabes – tornou
Dom Quixote – que há pessoas que se cansam em averiguar coisas que,
depois de averiguadas, nada valem, nem para o entendimento nem para a
memória." É o próprio Dom Quixote reconhecendo a evolução cultural de seu
escudeiro e lá pelas tantas faz o elogio:
"Estás um filósofo, Sancho, falas mui discretamente, não sei quem to
ensina. O que posso te dizer é que não há fortuna no mundo, nem as coisas
que sucedem, boas ou más, sucedem por acaso, mas sim por especial
providência dos céus (...)".
O ápice do crescimento de Sancho Pança se dá justamente ao ser
nomeado governador da Ilha Baratária, "uma ilha bem feita e bem direita,
redonda e bem proporcionada e muito fértil e abundante, onde, se souberdes
ter manha, podeis com as riquezas da terra granjear as do céu." Assim cumpre-
se a promessa feita por Dom Quixote, que aproveita a ocasião para ditar
algumas normas gerais para o bom governar: "– Infinitas graças dou ao céu,
Sancho amigo, de que antes de eu ter topado alguma boa fortuna, te viesse a
receber e encontrar a prosperidade (...), antes do tempo e contra a lei das
suposições razoáveis vês os teus desejos premiados."
"Digo pois que, com todo o seu acompanhamento, chegou Sancho a um
lugar quase de mil vizinhos, que era dos melhores que o duque possuía.
Disseram-lhe que se chamava a ilha Baratária, ou porque o lugar tinha o nome
de Baratário ou pela barateza com que se lhe dera o governo. Ao chegar às
portas da vila, que era cercada de muros, saíram os alcaides do povo a recebê-
lo, tocaram os sinos e todos os vizinhos deram mostras de geral alegria e com
muita pompa o levaram à igreja matriz a dar graças a Deus e em seguida, com
33
algumas ridículas cerimônias, lhe entregaram a chave da vila e o admitiram
como governador perpétuo da ilha Baratária."
Sancho é levado para o governo, toma posse, de um suntuoso palácio
faz julgamentos e governa a ilha de um modo sapiencial, que daria inveja a
muitos prefeitos e governadores de agora. A saga corre até o capítulo XLVII e
tempos depois, dados paga bem governar, o duque cria uma situação de
emergência que o faz retornar ao ducado, para salvar a própria vida, que
certamente perderia já que uns "inimigos meus e inimigos dessa ilha tencionam
dar-lhe um assalto furioso, uma noite destas"... Os ataques prosseguem e
Sancho, coitado, alertado pelos assessores de que poderia ser envenenado, é
submetido a um rigoroso jejum, apesar das mesas fartas que lhe são servidas
desde que chegou na ilha.
O governador troca cartas com Dom Quixote e Sancho Pança, para não
ter de enfrentar inimigos sanguinários com as poucas armas que tem, resolve ir
embora, tendo bem governado a ilha Baratária, "como um anjinho". Os
auxiliares do governo ofereceram-lhe "tudo o que quisesse para regalo de sua
pessoa e comodidade da sua viagem, mas Sancho retorna ao castelo do duque
apenas com "uma pouca cevada para o ruço e meio queijo e meio pão para si".
"Abraçaram-no todos e ele, chorando, a todos abraçou e deixou-os
admirados das suas razões e da sua determinação, tão resoluta e discreta."
Como um verdadeiro herói, diga-se...
34
PARA LER DOM QUIXOTE
Quem quiser pegar Dom Quixote pelo pé, fazer uma boa e aproveitável
leitura, deve se preparar para ler um livro que foi feito para divertir. Nada de
encher-se de ares intelectuais, como seria necessário para ler, por exemplo,
Ulisses, de James Joyce. Dom Quixote foi escrito para divertir. E não só o
leitor, mas principalmente quem o escreveu. Graças a Deus, Cervantes deveria
estar chateado com a literatura de sua época, na qual - que nem hoje -
venciam aqueles mais chegados ao poder ou os que escreviam sobre temas
tão fantásticos quanto inverossímeis, os cunhados livros de cavalaria foram
ressuscitados, reescritos recheados de estórias fantásticas, muitas tiradas do
descobrimento do novo mundo, estavam na moda.
Aquilo que se poderia chamar de literatura séria, ficava restrita aos
escritos religiosos, políticos e econômicos (se iniciava esse tipo de literatura,
tendo em vista os revezes monetários que a Europa rica sofrera e sofreria
ainda, apesar do aporte do ouro e da prata resultante dos saques da América
Latina, principalmente México, Peru e Brasil). Ademais, a Inquisição Católica
andava querendo salvar os milhões de hereges que teimavam em viver longe
de Deus, senão pela fé ao menos pelo fogo das fogueiras.
Era uma época em que a humanidade vivia sedenta de sangue. Não
bastavam as calamidades naturais, as doenças, a peste. A indústria da guerra
florescia, em nome dos reinos da terra e de Deus. Expulsão, muitas com
massacres, total de quase um milhão de mouros, os ataques constantes à
Turquia, à Terra Santa (Palestina), ao Norte da África, as violentas batalhas
navais entre vizinhos. A partir do momento que Carlos I, o Grande, não
conseguiu realizar o sonho de formar o império único, os governos
incompetentes de seus sucessores ruíram um a um, gerando o efeito dominó.
Somente a guerra salvava a honra.
Resultava então que escrever sobre esses temas diretamente, era
procurar a condenação, o calorzinho nada agradável das fogueiras
inquisicionais. Então mister é fazê-lo de modo obscuro, escondido, satirizando,
35
por exemplo, os livros de cavalaria, sem buscar para herói algum grego ou
romano, mas no próprio interior espanhol, onde a vida rude faz com que as
pessoas tudo vejam sob um prisma completamente diverso dos citadinos.
Melhor ainda se conseguirmos que o tal personagem se encontre mortalmente
atacado com o vírus dos livros de cavalaria!
Assim nasceu Dom Quixote, filho natural de um fidalguinho do interior,
devotado para a ética e a estética do cavaleirismo andante. Quem está preso
deve ser solto. Quem vai para aonde não quer, de livre e espontânea vontade,
deve escolher seu próprio caminho. Quem é cavaleiro deve ser fiel, fidelíssimo,
à sua dama de honra, à sua amada (a figura de Dom Quixote é assexuada,
afora algumas citações às prostitutas, casas e ruas do ramo, nada mais se
fala). O próprio Dom Quixote confessa: "Sou enamorado, só porque é forçoso
que o sejam os cavaleiros andantes e, sendo-o, não pertenço ao mundo dos
viciosos, mas sim ao dos platônicos e continentes". (Cap. XXXII, II)
Quem se dedica a esse mister deve bater-se em defesa da honra, da
religião, da dignidade, tais são outros princípios da cavalaria. Só que em Dom
Quixote, ficam de revés, a cavalaria serve mais de cenário porque, a verdade
da sociedade feudal é mais crua, há mais interesse em mostrar o retrato da
vida humilde dos campesinos, as injustiças cometidas contra a sociedade rural,
cujo orgulho maior era ser considerada nobreza, mesmo não sendo.
Entre as edições originais de Dom Quixote que saíram em vida do autor,
menciona-se uma segunda parte, publicada em Tarragona em 1614,
supostamente de autor desconhecido, mas que vem assinada por Alonso
Fernández de Avellaneda. No entanto, vários pesquisadores dão como certa a
autoria do padre Luís de Aliaga, dominicano confessor de Filipe III, desta
continuação, que se achou no direito de escrever, já que o seu autor prometeu
e durante nove anos não o fez.
O livro, com um prólogo provocativo, feriu os brios de Cervantes. Era o
estímulo que necessitava para escrever, aos 68 anos e doente, a Parte II do
seu Dom Quixote. Foi um desafio que o gênio maduro de Cervantes soube
36
explorar, dando ao livro apócrifo tratamento de personagem, que passou a
integrar a parte II do verdadeiro Dom Quixote. Também a figura do historiador
Cide Hamete Benengeli foi consolidada, nomeado como único capacitado a
contar a história do cavaleiro andante. A partir do Cap. LIX, mais agressivo,
Cervantes aproveita todas as oportunidades para ridicularizar o falso Quixote,
ao mesmo tempo faz uma apologia publicitária do verdadeiro Quixote. Para
diferençar do falso Quixote, lá pelas tantas muda o destino da viagem que
estava prevista no romance, obrigando o cavaleiro desviar de Saragoça e
seguir para Barcelona, cidade, povo e cultura muito queridos e elogiados por
Cervantes.
Dom Quixote é antes de tudo uma grande gozação, sátira dos livros de
cavalaria, como também dos escritores contemporâneos que se jactavam de
grande erudição, se gabavam de ler gregos e troianos no original! Não se trata
de um livro erudito, como alguns estudiosos querem fazer que seja, à custa de
estudos minuciosos das referências que nele estão colocadas às claras. Alguns
mais, críticos metidos a besta, tentam achar chifre em cabeça de cobra e
plantam mais coisas do ali está. Só que isso é fácil de perceber...
A cultura que Cervantes tinha foi adquirida principalmente em Roma,
quando foi secretário-camareiro do Cardeal Júlio Acquaviva y Aragón e nas
diversas viagens que a vida militar proporcionou. É o conhecimento amplo de
um intelectual voltado para o seu tempo, buscando raízes na cultura clássica
dos gregos, romanos e Europa Medieval. Daí a pseudo erudição emprestada a
Dom Quixote, que fez com que seus admiradores fanáticos o colocassem bem
acima do espaço que ocupa. Convém lembrar que Cervantes mencionou no
prólogo de Dom Quixote, a título de gozação, a falsa erudição que cometiam
autores da época, inclusive alguns de seus pares. Referia-se, principalmente, a
Lope de Vega, que incluiu em livro páginas e mais páginas de citações de
"obras e autores consultados e referidos".
Dom Quixote é, sim ,um livro alegre, brincalhão, gozador, ótimo para
desopilar o fígado. Ademais tem muita coisa que se pode guardar, cultivar,
colher. Assim deve ser lido para ser apreciado. Estamos conversados: sente-
37
se, relaxe, leia com vagar, deguste o livro, os ditos sentenciosos, as piadas, os
fuxicos, as farsas inventadas com os senhores feudais da época, as gozações
com os colegas escritores amigos do poder. Histórias com anti-heróis sempre
nos fazem rir. Seguir, enfim, o roteiro que Cervantes deixou no prólogo
direcionado ao desocupado leitor, que foi mais ou menos o seguinte:
Gostaria que este livro, como filho do saber, fosse o mais
bonito, o mais exuberante e mais simples que pudesse imaginar.
Porém não pude contradizer ordem da natureza, que cada coisa
gera outra que lhe seja semelhante.
Por isso, haverão de encontrar neste livro disparates
fabulosos, com os quais nada tem que ver a exatidão da verdade
nem as observações da astrologia. Não lhe servem de coisa
alguma as medidas geométricas, nem a confutação dos
argumentos usados pela retórica, nem tive necessidade de fazer
sermões aos leitores misturando o humano com o divino.
Procurei fazer com que esta história se apresente em
público escrita em estilo significativo, com palavras honestas e
bem colocadas, sonoras e festivas em grande abastança,
pintando em tudo quanto for possível a minha intenção, fazendo
entender todos os conceitos sem os tornar intrincados, nem
obscuros.
Minha única intenção é fazer que, quando ler este livro, o
triste imediatamente se alegre e solte uma risada, que o risonho
quase endoideça de prazer, o simples não se enfade, que o
discreto se admire de minha intenção, o grave não a despreze,
nem o sisudo deixe de elogiá-la, quando for o caso.
Se tiver conseguido realizar pelo menos a metade do que
aqui digo, ficarei feliz. Valeu!
Tirando fora as edições e traduções piratas (sim, elas sempre existiram e existirão!), Cervantes viu publicadas as seguintes edições de Dom Quixote: O engenhoso fidalgo Dom Quixote de La Mancha (El ingenioso hidalgo don Quijote de la Mancha), Parte I, Valladolid 1604, Madri 1605 e 1608, Lisboa 1605, Valência 1605, Bruxelas 1607 e 1611, Milão 1610, Barcelona 1617 Ambers 1673, Londres 1612. E, juntado ao volume II, mais e mais edições até os dias de hoje. O engenhoso cavaleiro Dom Quixote de La Mancha (El ingenioso caballero don Quijote de la Mancha), Parte II, Madri 1615, Barcelona 1617. O engenhoso fidalgo Dom Quixote de La Mancha, Parte II, de Alonso Fernández de Avellaneda (pseudônimo provável do padre Luís de Aliaga), Tarrragona 1614.
38
UM LEITOR ENTREVISTA MIGUEL DE CERVANTES
Leitor: É possível que todos os romances de cavalaria sejam tão maléficos
para a alma, a ponto de merecerem a fogueira, como se fazia aos hereges nos
moldes inquisitoriais?
Cervantes: Nunca vi um livro de cavalarias com unidade de ação, mas
compõem-se de tantos membros, que mais parece que o autor quis formar uma
quimera ou um monstro do que fazer uma figura proporcionada. Apesar de ter
dito mal desses livros, achava neles uma coisa boa, que era darem assunto
para se poder manifestar um vivo engenho, porque tinham vasto e espaçoso
campo, por onde podia correr a pena sem o mínimo obstáculo, descrevendo
naufrágios, tormentas, reencontros e batalhas. Tem a História do famoso
cavaleiro Tirant lo Blanch, de Johanot Mastorell e Martí Johan de Galba. Este
não vai para a fogueira, faço de conta que nele achei um tesouro de
contentamento e mina para passatempos. A verdade vos digo que em razão de
estilo não há no mundo livro melhor. Aqui comem e dormem os cavaleiros,
morrem nas suas camas e antes de morrer fazem testamento, com outras
coisas mais que faltam nos livros deste gênero. Bem, pode você mandar
queimar como aos outros, porque não admiraria que, depois de curado Dom
Quixote da mania dos cavaleiros, lendo agora estes, se lhe metesse em
cabeça fazer-se pastor, andar pelos bosques e prados, cantando e tangendo. E
pior ainda fora o perigo de fazer-se poeta, que, segundo dizem, é enfermidade
incurável e pegadiça.
Leitor: Não acha você, senhor Cervantes, que o Dom Quixote merece um
tratamento mais favorável no futuro, com atualização de linguagem e, quem
sabe, até com uma continuação da história?
Cervantes: Tinha assentado comigo que Dom Quixote continuaria a jazer
sepultado nos arquivos da Mancha até que o céu lhe depare pessoa
competente que o adorne de todas as coisas que lhe faltam, porque eu me
sinto incapaz de remediá-las em razão das minhas poucas letras e natural
insuficiência e ainda de mais a mais porque sou muito preguiçoso e custa-me
39
muito a andar procurando autores que me digam aquilo que eu muito bem me
sei dizer sem eles. Em resumo, imagino que tudo o que digo é assim, sem que
sobre nem falte nada, pinto as coisas em minha imaginação como as desejo.
Leitor: Como o senhor gostaria de ver apresentada a figura de Dom Quixote?
Cervantes: Como uma legenda seca igual as palhas, falta de invenção,
minguada de estilo, pobre de conceitos e alheia a toda erudição e doutrina,
sem notas às margens nem comentários no fim do livro. Ao contrário do que
vejo por, aí muitos livros, ainda que fabulosos e profanos, tão cheios de
sentenças de Aristóteles e Platão, de toda a caterva de filósofos, que levam
admiração ao ânimo dos leitores e fazem que estes julguem os autores dos tais
livros como homens lidos, eruditos e eloqüentes. Quando citam a Divina
Escritura, se dirá que são uns Santos Tomases e outros doutores da Igreja,
guardando nisto um decoro tão engenhoso, que em uma linha pintam um
namorado distraído e em outra fazem um sermãozinho tão cristão, que é
mesmo um regalo lê-lo ou ouvi-lo.
Leitor: Não é verdade! Porque é tão clara que não há como dificultá-la. As
crianças a manuseiam, os jovens a lêem, os adultos a entendem e com ela os
velhos se divertem. Afinal, é tão divulgada, tão lida, tão conhecida de todo tipo
de gente, que mal se vê um cavalo fraco, um pangaré, um matungo, logo se
diz: Olha lá o Rocinante! Mas não é normal que se cite pelo menos a fonte de
inspiração, sem que isso de torne forma de soberba?
Cervantes: Não foi sábio o autor de minha história, mas algum ignorante
falador, que de repente, sem nenhum preparo, começou a escrevê-la, saia o
que sair. O que eu somente muito desejava era dar-ta mondada e despida,
sem os ornatos de prólogo nem do inumerável catálogo dos costumados
sonetos, epigramas e elogios que no princípio dos livros por aí é uso pôr-se. Os
homens famosos pelo seu engenho, os grandes poetas, os ilustres
historiadores sempre, a maior parte das vezes, são invejados por aqueles que
têm por gosto e particular entretenimento julgar os escritos alheios sem ter
dado um só à luz do mundo.
40
Leitor: A mentira é tanto mais saborosa quanto mais verdadeira se afigura e
agrada tanto mais quanto mais se aproxima do possível.
Cervantes: Hão de se casar as fábulas mentidas com o entendimento dos que
as lerem, escrevendo-se de forma que, facilitando os impossíveis, nivelando as
grandezas, suspendendo os ânimos, espantem, suspendam, alvorocem e
entretenham de modo que andem juntas a admiração e a alegria e estas coisas
todas não as poderá fazer quem fugir da verossimilhança e da imitação, em
que consiste a perfeição do que se escreve.
Leitor: Não só por me parecer que me ia metendo em coisas alheias à minha
profissão, como por ver que é maior o número que simples de espírito do que
dos cordatos e que, ainda que é melhor ser louvado pelos poucos sábios que
fustigado pelos muitos néscios, não quero sujeitar-me ao confuso juízo do
vulgo, que lê semelhantes livros...
Cervantes: E, sendo isto feito com aprazível estilo e engenhosa invenção, que
se aproxime da verdade tanto quanto for possível, há de compor sem dúvida
uma fina tela, entretecida de fios formosíssimos que, depois de acabada, se
revele tão perfeita e linda, que consiga o fim melhor que se aspira nesses
escritos, que é ensinar e deleitar juntamente, como já disse; porque a solta
contextura destes livros dá lugar a que o autor possa mostrar-se épico, lírico,
trágico, cômico, com todas as partes que encerram em si as dulcíssimas e
agradáveis ciências da poesia e da oratória - que a epopéia tanto pode
escrever-se em prosa como em verso.
Leitor: Dizem os estudiosos que com Dom Quixote se inaugurou um novo tipo
de narrativa, cujo roteiro sugere algo moderno, de linhas definidas, ordenadas
dentro de um crescente ritmo, enfim, um estilo novo...
Cervantes: Para alguns, escrever sempre um só assunto e falar pela boca de
poucas pessoas é um trabalho insuportável, que não redunda em proveito de
seu autor. Mas, uma vez que se contém, se aprisiona nos limites estreitos da
41
narrativa, tendo habilidade, suficiência e entendimento para tratar do universo
do todo, é mister que não se deprecie o seu trabalho e que se elogie não pelo
que escreve, mas pelo que deixou de escrever.
Leitor: Devem os escritores apresentar seus trabalhos, mesmo os mais
imaturos, quando carecem de estilo embora sejam dono já de alguma técnica?
Cervantes: Contra isso posso alegar de minha parte a inclinação que, para a
poesia, sempre tive, havendo apenas saído dos limites da juventude. Além do
que, não se pode negar que os estudos desta faculdade trazem consigo mais
que medianos proveitos: o poeta enriquece-se de sua própria língua e se
assenhora da arte da eloqüência que nela cabe, para empreendimentos mais
elevados e de maior importância, abre caminho para que, à sua imitação, os
espíritos estreitos cresçam.
Leitor: Hoje a poesia chamada erudita invade os teatros, os romances
pastoris, até os relatos históricos. É possível que a poesia seja o gênero maior
até que o romance?
Cervantes: Quero responder que o escritor livre de paixão, com maior
fundamento se dispõem a não admitir as diferenças da poesia. Alguns
resolvem publicar seus escritos por leviana consideração, mais levados pela
força que a paixão das próprias composições costuma exercer sobre os
autores. Entretanto, a ninguém cabe satisfazer os espíritos que se encerram
em termos tão limitados. O mesmo sucederá a todos quantos quiserem traduzir
para os seus idiomas livros de versos, que, por muito cuidado que nisso
ponham e por mais habilidade que mostrem, nunca hão de igualar ao que eles
valem no original. Sendo assim, para entendê-la, será necessário de
comentários.
Leitor: Como você vê o progresso da literatura castelhana, com tantos autores
querendo publicar seus trabalhos?
42
Cervantes: Disso posso ser testemunha segura, já que conheço alguns que,
com justo direito e sem os embaraços que enfrento, puderam seguir com
segurança carreira tão perigosa. Mas são tão comuns, tão diferentes as
dificuldades humanas e tão vários os fins e as ações, que uns - com desejo de
glória - se aventuram; outros, - com temor da infâmia - não se atrevem a
publicar aquilo que há de sofrer o julgamento do povo, perigoso e quase
sempre enganado. Se as comédias da voga, tanto as de pura imaginação,
como as que se fundam na história, são todas, ou a maior parte, verdadeiros
disparates e coisas que não têm pé nem cabeça e, com tudo isso, o vulgo as
ouve com gosto, as considera e aprova como boas, estando tão longe de o ser.
Os autores e os atores dizem que estão muito bem assim, porque assim as
quer o vulgo e que as que seguem os preceitos da arte servem só para quatro
discretos que as entendem e todos os outros ficam em jejum, sem
compreender o seu artifício. E que a eles fica melhor ganhar o pão com muitos
do que fama com poucos, acontecerá o mesmo ao meu livro.
Leitor: O que ocorre é que com tal avalanche de livros, difícil será separar o
joio do trigo, o que é bom e útil daquilo que representa apenas a vaidade de ser
publicado...
Cervantes: Eu, não porque tenha motivos para ser arrojado, dei mostras de
atrevimento publicando este livro. Mas porque não saberia determinar qual o
maior de dois inconvenientes: o de quem, com pressa, desejando comunicar o
talento que do céu recebeu, cedo se aventura a oferecer os frutos de seu
engenho ou o de quem, escrupuloso, moroso ou negligente, jamais acabando
de contestar o que faz e entende, nunca se decide a comunicar seus escritos.
Assim como a ousadia e a coragem de um poderiam condenar-se pela licença
demasiada que concede a si mesmo, o receio e a tardança do outro são
viciosos: pois tarde ou nunca serve, com o fruto de seu engenho e estudos, aos
que esperam e desejam ajudas e exemplos para prosseguir em suas
atividades.
Leitor: Então, vale a pena arriscar-se a ser condenado pela crítica, pela
opinião dos autores da moda que, afinal, podem influenciar o povo?
43
Cervantes: Bem sei como sói condenar-se uma pessoa insignificante que se
excede em matéria de estilo, pois até o príncipe da poesia latina (Quem?
Cícero?) foi caluniado por se haver levantado em algumas de suas éclogas
mais do que em outras. Assim, não temerei muito que alguém condene ter eu
mesclado razões de filosofia com algumas da cavalaria, que poucas vezes se
ocupam de coisas que não sejam das liças, do amor fiel e dos campos.
Leitor: O seu Dom Quixote, no entanto, parece um tipo universal e será
milhões de vezes imitado.
Cervantes: Só para mim nasceu Dom Quixote e eu para ele: ele para praticar
as ações e eu para as escrever. Somos um só, a despeito e apesar do escritor
que se atreveu ou se há de atrever, a contar com pena de avestruz, grosseira e
mal aparada, as façanhas do meu valoroso cavaleiro. Porque não é carga para
os seus ombros, nem assunto para o seu frio engenho.
Leitor: O Dom Quixote já corre mundo traduzido para várias línguas, porque
também tem a qualidade de ser um livro fácil de traduzir...
Cervantes: Parece-me que traduzir duma língua para outra, não sendo das
rainhas das línguas grega e latina, é ver panos de rás pelo avesso que, ainda
que se vêem as figuras, Vêem-se cheias de fios que as escurecem e não se vê
a lisura e cor do direito. E o traduzir de línguas fáceis não prova engenho nem
elocução, como não o prova quem traslada, nem quem copia um papel de
outro papel. E daqui não quero inferir que não seja louvável este exercício das
traduções, porque em outras coisas piores e que menos proveito lhe
trouxessem, se podia ocupar o homem. Estão fora desta conta os nossos dois
famosos tradutores Cristóvão de Figueroa, no seu Pastor Fido e Dom Juán de
Jáuregui, no seu Aminta, em que facilmente se fica em dúvida sobre qual é a
tradução e qual o original."
Leitor: Apesar de todo o sucesso do Dom Quixote, das farsas, das novelas, o
efeito financeiro foi bem pouco.
44
Cervantes: Eu ficarei satisfeito e ufano de ter sido o primeiro que gozou
inteiramente o fruto dos seus escritos, como desejava, pois não foi outro o meu
intento senão o de tornar aborrecidas dos homens as fingidas e disparatadas
histórias dos livros de cavalarias, que vão já tropeçando com as do meu
verdadeiro Dom Quixote e ainda hão de cair de todo, sem dúvida.
Leitor: Então, de qualquer modo, aproveita-se algo para o saber o que contêm
as histórias de cavalarias...
Cervantes: No meu entender, este gênero de composição assemelha-se ao
que chamam fábulas milésias, que são esses contos disparatados que só
tratam de deleitar e não de instruir; ao contrário do que sucede com as fábulas
apologais, que justamente deleitam e instruem. O deleite que na alma se gera,
deve resultar da formosura e harmonia que vê ou fantasia nas coisas que os
olhos ou a imaginação apresentam e tudo quanto é feio ou desconcertado não
nos pode causar satisfação alguma.
Leitor: Mas haveria a necessidade de enterrar o pobre Dom Quixote, ao
contrário de dar-lhe vida longa como merecem os heróis imortais?
Cervantes: Como as coisas humanas não são eternas e vão sempre em
declinação desde o princípio até o fim, especialmente as vidas dos homens, a
de Dom Quixote não teria esse privilégio do céu para deixar de seguir o seu
termo e acabamento. Depois de recebidos todos os sacramentos e de ter
arrenegado, com muitas e eficazes razões, os livros de cavalaria, chegou,
afinal, a última hora de Dom Quixote.
Leitor: Nunca li em nenhum livro de cavalarias que algum cavaleiro andante
houvesse morrido no seu leito, tão sossegado e cristãmente como Dom
Quixote.
Cervantes: As minhas intenções sempre as dirijo para bons fins, que são fazer
o bem a todos e mal a ninguém. Se quem isto entende, se quem isto pratica, se
quem disto trata merece ser chamado de bobo, digam-no as vossas grandezas.
O não saber um homem ler indica uma de duas coisas: ou que teve nascimento
45
humilde e baixo, ou que foi tão travesso e tão mau, que lhe não pôde entrar na
cabeça o bom costume nem a boa doutrina. Como disse Sancho Pança: "Que
grandeza é mandar num grão de mostarda ou que dignidade ou que império é
governar em meia dúzia de homens do tamanho de avelãs, que me pareceu
que em toda ela não havia mais? Se Vossa Senhoria fosse servido de me dar
uma pequena parte do céu, ainda que não fosse mais de meia légua, tomá-la-
ia de melhor vontade que a maior ilha do mundo."
46
Viagem em torno de Dom Quixote de La Mancha e de um tal Miguel de Cervantes
Saavedra
(Parte II) 1 - Fórmulas, adagiário, frases feitas, expressões populares 2 - Poemário, coplas, romanceiro, sonetos, poesias
47
Cervantes delegou ao escudeiro Sancho Pança a função de contraponto da história. Os próprios personagens - Cavaleiro vs. Escudeiro - formam o necessário espelho para que suas atuações reflitam entre si. Ao pseudo erudito, o fidalgo Dom Quixote, Sancho Pança contrapõe o popular e através da fala dele Cervantes registra a fala de sua época, um linguajar cuja nacionalidade não estava definida nem lingüística nem gramaticalmente. Embora a linguagem culta castelhana prevaleça (saturada com muitas citações gregas e latinas), todo o dialeto peninsular (português, catalão, galego, etc.), está representado na narrativa e sob a égide do palavrear simples de Sancho Pança. Como se verá, muitas das expressões ainda são corriqueiras hoje em dia, ainda que em forma corrupta.
A A abundância das coisas ainda que sejam boas faz com que se não as
estimem
A amizade de Deus por nenhuma na terra se há de perder
A arte não vence a natureza mas aperfeiçoa-a
A barriga de palha de feno se enche
A caça é mais saborosa quando é à custa alheia
A cada porco chega o seu São Martinho
A cada um que o mate a sua má estrela ou Nosso Senhor que o criou
A carestia ainda que das más coisas alguma coisa se estima
A cavalo dado não se olha o dente
A cobiça rompe o saco
A Deus darei contas
A Deus e a el-rei
A Deus nada é impossível
A diligência é a mãe da boa ventura e a preguiça sua contrária
A diligência é mãe do bom êxito
A discrição é a gramática da boa linguagem
A dizer tantos disparates que bem mostrava trazer o juízo a monte
A epopéia tanto pode escrever-se em prosa como em verso
À fé que lhe não arrendava o ganho nem por um maravedi
A formosura é a primeira e a principal prenda que enamora
A fortuna tudo faz pelo melhor
A gente deita-se são e acorda doente
A gente lavradora que é de si maliciosa e dando-lhe o ócio lugar é a própria
malícia
A gente neste mundo está nas mãos de Deus
A gente onde está fala dos seus negócios
48
A história é como uma coisa sagrada porque tem de ser verdadeira
A honra pode-a ter o pobre mas não o vicioso
A imitação deve ser o fim principal da comédia
A ingratidão é filha da soberba e um dos maiores pecados que se conhecem
A ingratidão é filha da soberba e um dos maiores pecados que se conhecem
A inveja de duas que há eu só conheço a santa a nobre e bem intencionada
A isso é que só Deus pode dar remédio
A liberdade é um dos dons mais preciosos que aos homens deram os céus
A liberdade é um dos dons mais preciosos que o homem recebeu do céu
A maior loucura que pode fazer um homem nesta vida é deixar-se morrer sem
mais nem mais, sem ninguém nos matar, nem darem cabo de nós outras mãos
que não sejam as da melancolia.
A maior loucura que pode fazer um homem nesta vida é deixar-se morrer sem
mais nem mais nem ninguém nos matar nem darem cabo de nós outras mãos
que não sejam as da melancolia
A mais discreta figura da comédia é a do parvo porque precisa de o não ser
quem quer fingir de tolo
A mão de Deus nos proteja
A mentira é tanto mais saborosa quanto mais verdadeira se afigura
A mim me há de levar o Diabo daqui donde estou
A morte é surda e vem-nos bater à porta quando menos a esperamos e não a
detém nem rogos nem súplicas nem mitras e cetros como é fama e como
dizem por esses púlpitos
A morte que se recebe repentina depressa acaba as penas; mas a que se
dilata com tormentos está matando sem acabar a existência
A morte vem correndo
A mulher boa não alcança boa fama só com o ser boa
A mulher e a galinha por andar se perdem cedo
A mulher é animal imperfeito
A mulher que é boa por medo ou por falta de ocasião não a acho merecedora
da estima
A música é uma suavizadora dos ânimos alterados e um alívio para os
trabalhos do espírito
A não ser tão breve que em duas palavras se diga
49
A necessidade persuade a fazer o que não se deve
A outro cão com esse osso
A pata que me pôs
A pé enxuto
A pena é a língua da alma
A pena é ainda mais livre que a fala para bem expressar os mistérios do
coração
À primavera segue-se o verão ao verão o outono ao outono o inverno e ao
inverno a primavera e assim gira e regira o tempo nesta volta contínua
A quantidade de néscios é infinita do Eclesiastes
A quem busca o impossível justo é que até o possível se lhe negue
A quem Deus a deu São Pedro que a benza
A quem hás de castigar com obras não trates mal com palavras
A quem Nosso Senhor maldiga
A quem quero mais que as pestanas dos meus olhos
A quem sega e amassa não lhe furtem a fogaça
A razão da sem-razão que à minha razão se faz...
A roda da fortuna anda mais depressa que a roda de um moinho
A sabedoria do Diabo também não se estende a mais
A salvo está quem repica os sinos
A santidade consiste em caridade e humildade fé obediência e pobreza
A saúde de todo corpo se forja na oficina do estômago
A senda da virtude é muito estreita e o caminho do vício largo e espaçoso
A soldadesca é uma escola na qual o mesquinho se torna liberal e o liberal
passa a ser pródigo
A solicitude do demandista leva a bom fim o pleito duvidoso
À sombra de aleijão fingido ou de chaga falsa andam ladrões os braços e
bêbada a saúde
A sorte fatal tudo encaminha risca e dispõe a seu talante
A um brinde de amigo que coração de mármore haverá que não faça logo a
razão?
A um tiro de besta
A valentia que entra por temeridade é mais loucura que fortaleza
A valentia que não se baseia na prudência chama-se temeridade
50
A valentia que não se baseia na prudência chama-se temeridade.
A verdade é o que eu disse que há de sobrenadar sempre na mentira como o
azeite na água
A verdade manda Deus que se diga
A verdade torce mas não quebra e anda sempre ao de cima da mentira como o
azeite ao de cima da água
A virtude é tão poderosa que por si só sairá vencedora
A virtude há de se honrar onde se encontrar
A virtude mais é perseguida pelos maus que amada pelos bons
A virtude vale por si só o que o sangue não vale
Abaixou a cabeça e meteu pernas ao potro
Abrindo-lhe portas por onde saísse a minha honra envolta no seu sangue
Ache-se a paz na roda
Acudiam a picá-lo os pensamentos como as moscas ao mel
Adeus e com Ele ide! E com Ele fiqueis!
Aduba-me essa lamparina!
Agarrar a ocasião pelos cabelos
Aí é que bate o ponto corpo de meu pai!
Ainda luz sol no mundo
Ainda que a traição agrade o traidor sempre aborrece
Ainda que coma o pão com sobressalto ao menos sempre me farto
Ainda que eu viva mais anos que Matusalém
Ainda que os rifões são sentenças breves muitas vezes os trazes tanto pelos
cabelos que mais parecem disparates do que sentenças
Ainda que perdi a honra não perdi nem posso perder a virtude de cumprir a
minha palavra
Ainda que são iguais todos os atributos de Deus mais resplandece e triunfa a
nossos olhos o da misericórdia que o da justiça
Ainda que se escondesse na barriga da baleia
Ainda que sejam hipérboles sobre todas as hipérboles
Ainda que vos escondais mais fundo que uma lagartixa
Ajude Deus a razão e a verdade
Ajude-me Deus com o que é meu
Alfaiate de cantinho (cose de graça e dá o fio)
51
Alma de esparto e um coração de carvalho que se desses comigo outro galo te
cantara
Alvos como amêndoa sem casca
Amaldiçoou-os com todas as veras da sua alma
Andante cavaleiro sem amores era árvore sem folhas nem fruto e corpo sem
alma
Andar de um lado para outro e ir de mal a pior
Andará entre nós a paz e a bênção de Deus
Ande eu quente e ria-se a gente
Ânimo, ânimo que tudo é nada
Antes de sair para a praça dos vossos ouvidos
Antes me arrancariam a alma do meio das carnes
Antes quero ir Sancho para o céu do que governador para o inferno
Antes quero ser mulher legítima de um lacaio do que amiga e escarnecida de
um cavaleiro
Antes se peca por carta de mais que por carta de menos
Antes ser lavrador que rei se o hão de comer os bichos
Ao bom pagador não custa dar penhor
Ao bom pagador não dói o dar penhores
Ao bom pagador não lhe custa dar penhor
Ao bom silêncio chamam Sancho
Ao deixarmos este mundo e metermo-nos pela terra adentro por tão estreita
senda vai o príncipe como o jornaleiro
Ao fritar dos ovos
Ao inimigo que foge se deve fazer uma ponte de prata!
Ao possuidor das riquezas não o faz feliz o possuí-las mas sim despendê-las e
não o gastá-las como quiser mas saber empregá-las bem
Ao que não vai nem vem passar ao largo é cordura
Ao que o governador diz não se deve replicar
Aonde se não cuida salta a lebre
Aos amigos casados já se não hão de as casas freqüentar
Aos mouros não se pode mostrar o erro da sua seita com as citações da
Escritura
Apesar de andar a estimação sempre anexa à riqueza
52
Apesar de seres tonto és homem verídico
Aplicarei o pensamento a discursos de mais proveito
Aquele que diz injúrias perto está de perdoar
Aquele que muito viver muitos trabalhos há de passar
Aqui del-rei e da justiça!
Aqui e diante de Deus
Aquilo que mais custoso é em maior estima deve ser tido
Arrancando-se-lhe a alma
Arrancava-lhe a alma a estocadas
Arrasam-se-me os olhos de água
As ações que não mudam nem alteram o fundo verdadeiro da história não há
motivo para se escreverem
As armas dos que vestem sotainas são como as das mulheres a língua
As armas requerem tanta força de espírito como as letras
As ave-marias e os padre-nossos são de ouro de martelo
As aventuras de Dom Quixote ou se hão de celebrar com admiração ou com
riso
As avezinhas do campo têm a Deus por seu provedor e despenseiro
As canas voltam-se em lanças
As cicatrizes que o soldado ostenta no rosto e no peito são estrelas que guiam
os outros ao céu da honra
As coisas difíceis empreendem-se por Deus ou pelo mundo ou por ambos
juntos
As coisas humanas não são eternas e vão sempre em declinação desde o
princípio até o seu último fim especialmente as vidas dos homens
As coisas presentes que os olhos estão mirando assistem na nossa memória
muito melhor e com mais veemência que as coisas passadas
As esperanças duvidosas devem fazer os homens atrevidos mas não
temerários
As façanhas do temerário mais se atribuem à boa fortuna que ao seu ânimo.
As iras dos amantes costumam desabafar em maldições
As leis que atemorizam e se não escutam vêm a ser como o cepo
As marafonas que fiem
53
As misericórdias de Deus não têm limite e não as abreviam nem as impedem
os pecados dos homens.
As nossas loucuras procedem de termos estômagos vazios e cérebros de ar
As obras de caridade que se praticam tíbia e frouxamente não têm mérito nem
valem nada
As riquezas podem soldar muitas quebras
As terras de si estéreis e secas em se estrumando vêm a dar bons frutos
As tolices dos ricos passam por sentenças no mundo
As tripas é que levam os pés não são os pés as tripas
As tristezas não se fizeram para os brutos e sim para os homens
As virtudes adubam o sangue
Assim como é teu pai é pai e mãe dos rifões
Assim como o fogo não pode estar escondido e encerrado não pode a virtude
deixar de ser conhecida
Assim costuma Deus ajudar o bom desejo do simples e desfavorecer o mau do
discreto
Assim Deus me ajude
Assim fossem as pulgas da minha cama
Assim o Diabo o determinara
Até agora tem sido pão com mel
Até aí chegava eu e não diria mais o profeta Perogrullo
Até o lavar dos cestos é vindima
Até que te venham obrigar pela dúvida que a ninguém perdoa
B
Barbada e com bigodes tenha eu a minha alma quando me for embora desta
vida é o que importa
Barcelona arquivo de cortesia albergue dos estrangeiros hospital dos pobres
pátria dos valentes vingança dos ofendidos e grata correspondência de firmes
amizades única em situação e formosura
Basta ao desditoso as penas do suplício sem o acrescentamento das injúrias
Basta conheceres que eu digo a verdade e dá um ponto na boca
Bêbado como um cacho
54
Bebi com o leite a fé católica
Bem está cada um usando do ofício para que foi nascido
Bem está São Pedro em Roma
Bem haja quem inventou o sono
Bem se comem as mãos por mostrar que são curiosas
Bem sei o que são tentações do Demônio
Bendito seja o céu
Bendito seja o poderoso Deus que tanto bem me fez
Benza-me Deus
Benza-o Deus
Benzer-nos e levar ferro
Biscainho por terra fidalgo por mar fidalgo com os diabos
Boa índole tens sem a qual não há ciência que valha
Boa ventura vos dê Deus
Bom coração quebranta má ventura
Bom é viver muito para ver muito
Bom inteiro e católico de saúde
C Cada coisa gera outra que lhe seja semelhante
Cada dia se vêem coisas novas no mundo: as mentiras se trocam em verdades
e os burladores são burlados
Cada ovelha com a sua parelha
Cada qual é como Deus o fez e muitas vezes ainda pior
Cada qual é feito de suas obras
Cada qual veja como despede o virote
Cada terra com seu uso
Cada um é artífice da sua ventura
Cada um é filho das suas obras
Cair em juízo temerário
Calaram-se todos tírios e troianos
Canta como uma calhandra dança como o pensamento baila como perdida lê e
escreve como um mestre-escola e conta como um sovina
Capaz de falar mais do que trinta advogados
55
Capazes de alegrar a própria melancolia
Casamentos desiguais nem se gozam nem aturam muito no gosto com que
principiam
Cavam leis onde querem reis
Cedo verás quem leva o gato à água
Cego é quem não vê por entre os fios de seda!
Cerrar as janelas dos olhos
Chega-te para boa árvore boa sombra terás
Chega-te para os bons serás um deles
Coisa que não venha muito a pêlo
Colchões lhe serão as penhas / E o dormir sempre velar
Com a mais triste e melancólica fisionomia que a própria tristeza podia ter
Com a vida muitas coisas se remedeiam
Com ânimo de me bater com Satanás em pessoa
Com as faces tão chupadas que se beijavam por dentro
Com bom cimento se pode levantar um bom edifício e o melhor cimento do
mundo é o dinheiro
Com ele não tinham que ver as gerais de enamorado nem de desesperado
Com esta obrigação nasceram as mulheres de ser obedientes e seus maridos
Com mero e misto império
Com o que Deus for servido dar-me
Com os amigos não se corta as unhas rentes
Com tanta energia que nem as forças de Sansão a poderiam romper
Com tanta prudência e juízo que lhe tapou a boca
Com tantas lágrimas que bastaram para me lavar as mãos
Com teu amo não jogues as pêras
Coma-os o Diabo
Combina a misericórdia com a justiça
Comedimento é azul sobre o ouro da formosura
Comendo puxarei pela minha vida até chegar ao fim que o céu determinou
Comia com garfo as uvas e os bagos de romã
Comida feita companhia desfeita
Como a morte que devo a Deus
56
Como aquele que sai das trevas para a luz da morte para a vida e do inferno
para o céu
Como brandos espinhos nos atravessam a alma e como raios a ferem
Como com as nuvens do ano passado
Como lançarmos um milheiro de cãs fora
Como no fogo do crisol se apura a pureza do ouro
Como o que me dão
Como sabem Deus e todo mundo
Como se fora asno de cigano com azougue nos ouvidos
Como se não fosse maior mal a fraqueza do que a febre
Como um ovo se parece com outro
Como um pedaço de toucinho entre duas masseiras
Conheço o zurrar como se eu o tivesse dado à luz
Conheço-a como se a tivesse parido
Conselhos melhores que os de Catão
Conservando-me intacta como a salamandra no lume ou como a lã nas sarças
Contra ajuizados e contra loucos está obrigado qualquer cavaleiro a acudir pela
honra das mulheres
Contra o uso dos tempos não há que argüir nem que tirar conseqüências
Contra todos os golpes da minha aziaga fortuna
Corpo de tal!
Corpo do mundo
Cortar os racimos verdes da mais formosa vide dos vinhedos
Cortesias geram cortesias
Cosendo-lhe a boca aos sapatos
Costuma Deus ajudar o bom desejo do simples e desfavorecer o mau do
discreto
Cruel Vireno fugitivo Enéias Barrabás te acompanhe lá te avenhas
Cuidados alheios matam o asno
Custa pouco prometer o que nunca pensaram nem poderiam cumprir
Custa-me muito andar procurando autores que me digam aquilo que eu muito
bem me sei dizer sem eles
57
D Da doença que Deus lhe deu
Da dor de cabeça hão de participar os membros
Da melhor vontade e seja o que for bom prol me faria
Da prolixidade costuma gerar-se o fastio
Da saia parda de burel para sedas e veludos
Dadas graças a Deus e água às mãos
Dadas graças a Deus e águas às mãos
Dádivas quebrantam penhas
Dando contas a Deus da sua má vida
Dar conselhos a este bom homem é dar coices no aguilhão
Dar depressa é dar duas vezes
Dar fim a um negócio em que lhe iam a existência a honra e a alma
Daria três pontos na boca e até morder três vezes a língua
Darmos depressa o que temos de dar não tira nem põe nada ao valor da coisa
Das coisas obscenas e torpes devem afastar-se os pensamentos quanto mais
os olhos
Das palavras de um louco ninguém devia fazer caso
Das repúblicas bem governadas se devem desterrar os poetas como Platão
aconselhava
Dava uns suspiros que chegavam ao céu
De conhecer-te resultará o não inchares como a rã que se quis igualar ao boi
De escrivão Deus nos livre esses amigos fazem letra processada que nem
Satanás a decifra
De estômago feito para lhe arrancar a vida
De forma que disfarce o que é e pareça o que há de ser
De grandes senhoras grandes mercês se esperam
De hoje até amanhã não me doa a cabeça e numa hora cai a casa
De mal-agradecidos está o inferno cheio
De membro podre se tornou limpo e são com penitência e arrependimento
De não ser notória a tua dor te provirá isenção dela
De noite todos os gatos são pardos
De palha ou de feno minha pança cheia
58
De pouco sal na moleira
De qualquer modo que me leveis sem a vida sempre eu irei
De todo coração a Deus
De tudo o que a mulher do juiz receber há de dar conta o marido na residência
universal
De tudo tem de haver no mundo
De um adormecido a um morto pouca diferença vai
De vez em quando dorme o bom Homero de um verso de Horácio
Debaixo de ruim capa se esconde bom bebedor
Debaixo do meu manto ao rei mato
Deitando para trás das costas todas as obrigações
Deitarei água às mãos
Deixai-me ir buscar a vida passada para que me ressuscite desta morte
presente
Deixa-me morrer à mão dos meus pensamentos e à força das minhas
desgraças
Deixando feito xis ao vendeiro
Deixem-me gostar a mim de ser da desventura podendo ser da felicidade
Demônio manco
Dentre bois e arados tiraram o lavrador Wamba para ser rei de Espanha
Dentre os brocados passatempos e riquezas tiraram a Rodrigo para ser comido
pelas cobras
Depois das trevas espero a luz (Jó)
Depois de ter roído metade da polpa de um dedo
Desde que Apolo foi Apolo e as musas musas e os poetas poetas
Desejo não vos arruinar como se fora padrasto
Desenterrando-nos os ossos e enterrando-nos a fama
Desfazer esse tal agravo e endireitar esse torto
Desgraçado é quem às duas horas da tarde ainda não quebrou o jejum
Despregarás os lábios com riso de macaco
Deste com uma alma de esparto e um coração de carvalho que se desses
comigo outro galo te cantara
Desterram a melancolia e melhoram a condição se acaso a tiver má
Destila âmbar e algália entre algodões
59
Detrás da cruz está o Diabo
Deu a alma a Deus
Deu lugar a aurora ao sol que com o rosto maior que uma rodela surgia a
pouco e pouco do fundo do horizonte
Deus abençoou a paz e amaldiçoou as rixas
Deus ajuda a quem madruga
Deus dá asas à formiga para que morram mais depressa
Deus lhe dê a mão direita
Deus lhe dê remédio
Deus lhe dê ventura
Deus lhe fale na alma porque já morreu
Deus livre a Vossa Mercê de mal intencionados nigromantes
Deus madrugará conosco
Deus me ajude e a Santíssima Trindade de Gaeta
Deus me entende
Deus me entende e basta
Deus o encaminhe
Deus o livre desse tormento
Deus o ouça e o pecado seja surdo!
Deus olhará pelo seu povo
Deus permite muitas vezes que tenhamos verdugos para nos castigarem
Deus sabe a verdade de tudo
Deus sabe o que amanhã sucederá
Deus sabe o que me pesa
Deus seja contigo e te faça um santo
Deus será servido
Deus suporta os maus mas não para sempre
Deus te dê saúde e não te esqueças de mim
Deus te guarde de quem te queira magoar
Deus te guarde mais anos do que a mim
Deus te guie e a Penha da França e a Trindade de Gaeta
Deus te guie e te traga são
Deus vos perdoe o agravo que fizestes a todo o mundo
Deve ser delicioso o trabalho de sepultar a sua própria infâmia
60
Diabos levem o Diabo
Digo bem ou peço para as almas?
Discretos dias viva Vossa Santidade
Dispensar-me-ei de repreender o que não me é possível remediar
Disponha o céu como lhe aprouver
Disse a caldeira à sertã tira-te para lá não me enfarrusques
Dizem que o Amor é um rapaz ceguinho
Dize-me com quem andas dir-te-ei as manhas que tens
Dizer graças e escrever donaires é de altíssimo engenho
Diz-me com quem andas dir-te-ei as manhas que tens
Do coração procedem os maus pensamentos (Mateus XV 19)
Do dizer ao fazer vai grande distância
Do pé para a mão
Dois tiros de besta para diante
Donzela honesta ter que fazer é a sua festa
Donzela honrada em casa de perna quebrada
Dos homens é que se fazem os bispos não é das pedras
Dos mouros não se podia esperar verdade alguma
Dos socos para os chapins
E E adeus que aí vem o romper da alva
É alívio nas desgraças termos quem se nos doa delas
E andai com Deus
E assim está Deus sobre todos porque é sobre todos doador
É bom como o bom pão
É bom mandar ainda que seja um rebanho de gado
É capaz de me pôr na espinha de Santa Lúcia
É de vassalos leais dizer a seus senhores a verdade como ela é
E depois assobiem-lhe às botas
É desatino sendo de vidro o telhado apanhar pedras na mão para atirar ao
vizinho
E desde agora para então e desde então para agora...
E Deus ma guarde
61
É doce o amor da pátria
É esta a verdade toda sem lhe faltar um só migalha
E eu vos digo: amai aos vossos inimigos (Mateus V 44)
É grandíssimo o risco a que se expõe quem imprime um livro sendo
completamente impossível compô-lo de tal forma que satisfaça e contente a
todos os que o lerem
É impossível que nos separe outro sucesso que não seja o que deitar umas
pás de terra para cima de qualquer de nós
E leve o Diabo tudo
É maior o número dos simples de espírito do que dos cordatos
É mais fácil vir o pródigo a ser liberal do que o avaro
É mais que estudos receber uma pessoa martírios no seu corpo
É mais salteador que o próprio Caco e mais somíticos que Andradilla
É melhor ser louvado pelos poucos sábios que fustigados pelos muitos néscios
E não vem esse estado do mal mensal habitual nas fêmeas
É o mesmo que procurar agulha em palheiro ou bacharel em Salamanca
E o vencedor é tanto mais honrado / Quanto mais o vencido é reputado
E os outros que lá se avenham!
E ponho-lhe uma pedra em cima
É possível que a ponte de Mantible seja de madeira? Possível é e possível era
É próprio e natural dos poetas desdenhados e maltratados pelas suas damas
fingidas ou não fingidas vingar-se com sátiras e libelos
É raro o poeta que não seja arrogante e que se não suponha o maior do mundo
É sempre mais louvado fazer o bem do que fazer o mal
É tanto de valentes corações o serem sofridos nas desgraças como alegres
nas prosperidades
É tão boa coisa a justiça que é necessária até entre os ladrões
E tudo vem a propósito
É um louco cheio de intervalos lúcidos
É um louco de pedras
E vós alma de cântaro...
Eles foram santos e pelejaram o divino e eu sou pecador e pelejo ao humano
Em algumas mulheres a formosura tem dias e estações e diminui ou cresce
conforme as circunstâncias
62
Em as estrelas nos influindo o infortúnio não há força na terra que os detenha
Em boa hora seja
Em boca das boas senhoras não há palavra má
Em branco de miolos
Em Candaia não se enterram as pessoas vivas
Em casa cheia depressa se guisa e ceia
Em certas ocasiões mais úteis nos podem ser os pés que as mãos
Em chegando os tempos marcados
Em desgraçada ocasião nascemos em hora minguada nos geraram nossos
pais!
Em dizendo uma vez nunes, nunes hão de ser ainda que sejam pares, apesar
de todo mundo
Em eu enchendo o saco pouco importa que represente mais impropriedades do
que átomos tem o sol
Em Haldudos também pode haver cavaleiros
Em idade de poderem escolher estado
Em má hora senhor meu amo muito bailastes!
Em mais alto valor se há de apreciar a intenção daquele que tem por objeto
alcançar um fim mais glorioso e nobre
Em mal cuja causa não se sabe é milagre que acerte a medicina
Em me fartando pouco me importa que seja com feijões ou que seja com
perdizes
Em menos de dois credos
Em moedinha defumada
Em nome de Deus verdadeiro
Em sua comparação se pode dizer que é doce o absinto
Em tantos pedaços há de cortar que o maior de todos será a orelha
Em te dando uma vitela vai logo por ela
Em toda parte se come pão
Em verdade te digo
Enamorado até os fígados
Encomendai o caso a Deus
Encomendando-se a Deus e à sua dama
Encomenda-o tu a Deus que Ele dará o que mais convenha
63
Encomendem-me a Deus e os anjos que me favoreçam
Encomendemos tudo a Deus
Enfiar uma súcia de rifões a trouxe-mouxe torna a conversa descorada e baixa
Enquanto o Diabo esfrega um olho
Enquanto se dorme todos são iguais
Entre o sim e o não da mulher não me atrevia a eu a meter uma ponta de
alfinete porque não caberia
Entre os mouros não há traslados à parte nem prova e fique
Era mais fácil deixar cortar um bigode
Era mais fácil fazer-me turco
Era o pular dos corações o retocar do riso o desassossego dos corpos e
finalmente o azougue de todos os sentidos!
Era por fio pouco mais ou menos
Era tudo engrandecer eu a minha ventura
Eram as suas galas e o seu descanso o pelejar
Esconjuro-te por tudo quanto posso esconjurar-te como cristão católico
Esfolar que nem um São Bartolomeu
Esperança irmã gêmea e sempre companheira do amor
Esperando como às águas de maio
Esperar hortaliças de sequeiro ou apojadura de cabra velha
Espero chegar a porto de salvamento com a minha verdadeira história
Espero em Deus e na sua benta mãe
Esta ciência é como a de nadar: em se aprendendo nunca mais se esquece
Está de pedra e cal
Está em boas mãos o pandeiro; verá como o tocam
Está inabilitado o pobre de poder mostrar com pessoa alguma a virtude da
generosidade
Está tão encantada como meu pai
Está tão longe de sê-lo como está longe o branco do negro e a verdade da
mentira
Estar sempre sem crescer nem minguar como figura de paramento
Estás falando sem que ninguém te vá à mão
Este dia há de ser marcado por mim com pedra branca
64
Este foi o fim desditoso para todos que lhes veio de um tão desatinado
princípio
Esteja aonde estiver a virtude é certo ser perseguida
Estou com idéias de me matar à fome a morte mais cruel de todas
Estou destinado a vaca de boda (servir de galhofa)
Eu falo como Deus é servido
Eu o porei nas meninas dos meus olhos
Eu quero mais a uma unha da minha alma do que a todo o meu corpo
Eu Sancho nasci para viver morrendo tu para morrer comendo
F Façamos bem aos nossos inimigos e amemos a quem nos aborrece
Fala mais do que seis e bebe mais do que doze
Falar de corda em casa de enforcado
Falas hoje como um livro
Falas mansas cá para mim não pegam
Falou como um abençoado e sentenciou como um cônego
Falsos e embusteiros como inventores de nova seita e de novo modo de vida
Falta ainda o rabo que é o pior de esfolar!
Faze o que manda teu amo e senta-te com ele à mesa
Fazendo mais cruzes que se levassem o Diabo atrás de si
Fazer bem a todos e mal a ninguém
Fazer bem a vilões é deitar água no mar
Fazer penitência como se fosse ermitão
Fazia mais conta dormir sozinho numa choça do que acompanhado num
palácio
Fez parar o sol na sua carreira para as ver
Ficar a mentira totalmente calva
Fique na sua casa trate de sua fazenda confesse-se amiúde favoreça os
pobres e caia sobre mim o mal que daí lhe vier
Fiquem contigo os demônios
Fiz um serviço a Deus matando um mau médico
Fizeram tanto caso das suas ameaças como das nuvens de antanho
Freira a língua, considera e rumina as palavras antes que te saiam da boca
65
Fugiu a sete pés
G Gabo-me de expor meus motivos com palavras claras simples de grande
significado
Governador cobiçoso faz desgovernada a justiça
Graças a Deus tenho a alma nas carnes e todos os dentes e queixais na boca
Grande miséria é viver da sopa alheia
Grão a grão enche a galinha o papo
Gratidão que só consiste no desejo é coisa morta como é morta a fé sem obras
Guardai vossas graças para quem vo-las pague que eu só se vos der uma figa
Guie-te melhor ventura que a minha
H Há de haver diferença entre as cabras do céu e as da terra
Há de lhe chegar o seu São Martinho como aos porcos
Há de ter exceção esta regra
Há diferentes opiniões como há diversos gostos
Há duas coisas que não têm resposta: ide-vos de minha casa e o que quereis
de minha mulher?
Há duas formosuras: uma da alma outra do corpo
Há homem que mais depressa se atreverá a matar um gigante que a dar uma
cabriola
Há mais frades no céu que cavaleiros andantes
Há muitos que pensam encontrar toicinhos e não há nem estacas
Há ocasiões para acometer e ocasiões para retirar
Há tempo para brincar e tempo em que não caem bem os brinquedos
Há toledanos que falam como Deus é servido
Habilidades e prendas que não são vendáveis tenha-as o Conde Dirlos
Hão de me suar os dentes
Haveis de saber para que nascestes
Havia de passar desta a melhor vida
Havíamos de ter tamanha bulha que até os surdos nos ouviriam
66
Hei de pensar tanto em dar chuva à terra como penso em enforcar-me
Hei de ter rasca na assadura
Herdar algo dissipa ou modera no herdeiro a lembrança do sentido que é razão
que deixe o morto
Historiadores que de mentiras se valem deviam ser queimados como os que
fazem moeda falsa
Hoje por mim e amanhã por ti
Homem apercebido vale por dois
Homem de pouca fé
Homero não escreveu em latim porque era grego; nem Virgílio escreveu em
grego porque era latino
I Ia crescendo em formosura como a espuma do mar
Ide-vos com Deus
Ide-vos em má hora e não vos metais onde não sois chamado
Igreja ou mar ou casa real
Inimigo de Deus e de seus santos
Isso parece-me agraço sobre agraço e não mel sobre mel
Isso que a ti parece ser uma bacia de barbeiro, a mim parece ser o Elmo de
Mambrino e a outro parecerá outra coisa.
Isto de morrerem os enamorados é coisa de riso Judas que o acredite
Isto não são brincadeiras para duas vezes
J Já eu estarei comendo barro
Já me está pulando o pé para me pôr a caminho
Já não torno a ser gente em dias de vida
Já que não tem remédio nas mãos de Deus me entrego
Já que temos sardinhas não andemos à busca de perus
Já se usa entre os intonsos poetas do nosso tempo escrever cada qual como
quer e furtar a quem lhe parece (...) e não há necedade que escrevam ou
cantem que se não atribua a licença poética
67
Já te choramos por morto
Jóias que em anzol para as mulheres são ainda a melhor isca
Judas que o acredite
Jura o homem que vai morrer na forca; se morre nela jurou a verdade e pela lei
merece ser livre e que atravesse a ponte; se não o enforcam jurou mentira e
por isso merece que o enforquem
Juro pela salvação da minha alma que é uma moça de truz e que pode passar
pelos bancos da Flandres.
Juro-lhe pela minha Cruz Benta
Justiça de Deus e del-rei contra tal malícia para não dizer velhacaria
Justiça! e se a não acho na terra irei buscá-la ao céu
L Lá está Deus nos céus que julga os corações
Lá se vão em fumo minhas esperanças
Lá vão reis onde querem leis
Lágrimas com pão passageiras são
Lé com lé e cré com cré
Leia livros e verá como lhe desterram a melancolia e lhe melhoram a condição
se acaso a tiver má
Lembro-me tanto como das nuvens do ano passado
Letras sem virtude são pérolas no tremedal
Levou a noite de vela
Liberdade e soltura não é por ouro comprado
Lindo como um alfinete de tocar
Livre-me Deus do inimigo! Cruzes!
Louvado seja Deus que tanto bem me tem feito
Louvor em boca própria é vitupério
M Má peste mate os que estorvam que se casem os que se querem bem
Má ventura tem consigo o mando ainda que fingido
Mais alcançam de Deus duas dúzias de açoites do que duas mil lançadas
68
Mais aquecem quatro varas de pano de Cuenca do que outras quatro de
lemiste de Segóvia
Mais ardente que um forno de vidraça
Mais depressa me tirariam a vida do que a bolsa!
Mais direita que um fuso de Guadarrama
Mais disseste do que sabes
Mais dor sentia eu no meu espírito de que tu no teu corpo
Mais escuro que boca-de-lobo
Mais faz quem Deus ajuda que quem muito madruga
Mais força terá o tempo para mudar as coisas do que a vontade humana
Mais livros do que letras têm as coplas de Mingo Revulgo
Mais longo em bondade que a barba de Trifaldim
Mais parece a barca de Caronte
Mais perseguem as desgraças os cavaleiros andantes do que os seus
escudeiros
Mais que a vida se mais que ela me é possível perder
Mais sabe o tolo no seu que o avisado no alheio
Mais são isso encarecimentos de poeta que verdades
Mais se toma o pulso ao haver que ao saber
Mais secas e mais enxutas que um esparto
Mais vale boa esperança que ruim posse
Mais vale esperança boa que pensão ruim e boa queixa que mal pago
Mais vale quem Deus ajuda que quem muito madruga
Mais vale salteador que sai à estrada que namorado que ajoelha
Mais vale um "toma" que dois "te darei"
Mais vale um "toma" que dois "te darei" e um pássaro na mão que dois a voar
Mais vale um bom nome do que muitas riquezas
Mais vale um pássaro na mão que dois a voar
Mais valem migalhas de rei que mercês de senhor
Mais verdadeira que os milagres de Mafoma
Mal deles leva o Diabo quem os usa
Mal haja a tola que na flor da idade não preferir ser monja a ser dona
Mal haja a tua condição e a de todas aquelas a quem imitas
Maldito sejas por Deus e por todos os santos
69
Manifesta os átomos do mais curioso desejo
Mansa como uma borrega e mais branda que a manteiga
Marcado pela mão de Deus
Más ilhas te afoguem
Mau ano e mau mês para quantos murmuradores que há no mundo
Mau pesar viesse por mim
Me dá papinha a mim
Me deu o coração uma pancada
Me há de levar o Diabo
Medis com vossos próprios pés
Melhor ainda me saiba o pão
Melhor é a vergonha na cara que nódoa no coração
Melhor ganhar o pão com muitos do que fama com poucos
Melhor não mexer o arroz ainda que cheire a esturro
Melhor parece filha malcasada que bem amancebada
Melhor parece o soldado morto na batalha do que vivo e salvo na fuga
Melhor que quatro cidades e quatro alcaides da corte
Menos mal faz o hipócrita do que o público pecador
Merenda feita companhia desfeita
Metendo nas mãos de mão beijada
Minha mãe a castigar-me e eu a desmandar-me
Minha mãe a castigar-me e eu com o pião às voltas
Minhas desgraças tiveram princípio mas nunca hão de ter fim
Minhas esperanças sempre mortas e os seus desdéns sempre vivos
Minhas pompas são as armas / Meu descanso o pelejar
Mísero do bem-nascido que sacrifica tudo à sua honra
Morra Marta morra farta
Morra por elo de morte natural
Morra Sansão e todos quantos aqui estão
Morto eu caia neste instante
Muita diferença há entre as obras que se fazem por amor e as que se fazem
por agradecimento
Muitas graças não se podem dizer com poucas palavras
Muitas truchelas somarão uma truta
70
Muitas vezes numa banda se põe o ramo e noutra se vende o vinho
Muitas vezes onde há estacas não há toicinho
Muitas vezes vai abaixo a paciência quando a carregam de insultos
Muito grande e muito poderosa é a força do amoroso desdém
Muitos médicos há no mundo! Até o são nigromantes!
Muitos poucos fazem muito
Muitos são os caminhos por onde se vai ao céu
Muitos teólogos há que não são bons no púlpito e são ótimos para conhecer os
erros ou acertos dos que pregam
Muitos vão buscar lã e vêm tosquiados
Mulher honrada a perna quebrada e em casa
N Na mão de Deus me entrego
Na tardança é que está o perigo
Não admira que um Diabo se pareça com outro
Não ano a meter a foice em seara alheia
Não bole a folha na árvore sem a vontade de Deus
Não chegariam nem o tesouro de Veneza nem as minas de Potosi
Não comecem a chamar preto ao branco e branco ao preto
Não comem pão de balde
Não como coisa que bem me saiba enquanto não for informado de tudo
Não conhecemos o bem enquanto o não perdemos
Não conhecêsseis a mãe que vos deu à luz
Não deitaria em saco roto
Não é aí que bate o ponto
Não é aí que lhe aperta a albarda
Não é bom andar uma pessoa com a consciência em ânsias
Não é bom o vento que sopra
Não é carga para seus ombros nem assunto para seu frio engenho
Não é melhor a fama de juiz rigoroso que do compassivo
Não é o mel para a boca do asno
Não é valentia a temeridade
Não era possível ser sempre dia
71
Não estou nem para dar migas a um gato (sem forças para nada)
Não falará mais do que um mudo sob pena de pagar o julgado e sentenciado
Não fales à ventura que está fazendo truz-truz à porta da tua casa
Não faltaram olhos ociosos que tudo costumam ver
Não ficou ao sábio coisa alguma no tinteiro
Não foge quem se retira.
Não foi Deus servido
Não foram tão vãs as nossas orações que não fossem ouvidas do céu
Não guardes para amanhã o que podes fazer hoje
Não há amigo para amigo
Não há cadeados guardas nem fechaduras que defendam melhor uma donzela
que as do próprio recato
Não há caminho tão plano que não tenha alguns barrancos
Não há coisa que mais depressa arrase as torres da vaidade das formosas que
a adulação
Não há coisa que saia mais barata que os bons comedimentos
Não há desventura tão cansada nem tão posta no cabo enquanto não
degenera em morte que deva esquivar-se a um alvitre oferecido com bom
ânimo
Não há estômago que não seja um palmo maior que outro
Não há fortuna no mundo nem as coisas que sucedem boas ou más sucedem
por acaso mas sim por especial providência dos céus
Não há história humana em todo o mundo que não tenha seus altos e baixos
Não há jóia no mundo que em valia se compara à mulher casta e honrada
Não há livro por mau que seja que não tenha alguma coisa boa
Não há livro tão ruim que não tenha algo bom vem de Plínio o velho
Não há melhor mostarda que a fome e como esta não falta aos pobres sempre
comem com gosto
Não há mulher por mais retirada que esteja e por mais recatada que seja a
quem não sobre tempo para pôr em execução e efeito os seus atropelados
desejos
Não há pai nem mãe a quem pareçam feios os filhos
Não há pouco que tosquiar nas donas
Não há que fiar na descarnada que tanto come cordeiro como carneiro
72
Não há redenção no inferno
Não há regra sem exceção
Não há sobre a terra contentamento igual ao que se sente quando se alcança a
liberdade perdida
Não há vilão que desempenhe a palavra dada em não lhe fazendo conta
Não há virtude que não se encerre numa dona
Não hei de ir jogar as cristas com os inimigos
Não lhe vá Deus pedir contas
Não me queira impingir gato por lebre
Não mentem as trovas dos romances antigos
Não o conheceria nem a mãe que o pariu
Não ocupa mais pés de terra o papa que o sacristão
Não os surdos nos hão de ouvir
Não ousem contradizer-me os que pretendem sustentar que as letras levam
vantagem às armas que os trabalhos do espírito excedem muito os do corpo e
que as armas somente ao corpo pertencem e por ele são exercitadas
Não parava nem em três ruas
Não pertenço ao número dos viciosos mas sim ao dos platônicos e continentes
Não pode haver graça onde não houver discrição
Não podem as trevas da maldade e da ignorância encobrir e escurecer a luz do
valor e da virtude
Não podem as trevas da malícia nem da ignorância encobrir nem escurecer a
luz do valor e da virtude
Não podem corresponder as dádivas do homem às de Deus
Não queria que ela fosse buscar lã e voltasse tosquiada
Não quero rabos de palha nem cão com guizo
Não se deve acrescentar mais aflições ao aflito
Não se deve lembrar baraço em casa de enforcado
Não se devem valer da amizade em coisas que sejam ofensa a Deus
Não se podem nem se devem chamar enganos os que miram a virtuosos fins
Não se vos dê dez-réis de mel coado
Não sei de quem sou nem de quem não sou
Não sei nada das minhas vinhas venho
Não sei o que nem o que não foi
73
Não sei que desejos de vingança que têm força de turbar os mais sossegados
corações
Não sei se a paga fará mal à cura e impedirá o efeito do remédio
Não só tem os quatro ss que dizem ser precisos a todos os namorados sábio
só solícito e secreto mas até o abc inteiro: agradecido bom cavalheiro dadivoso
enamorado firme galante honrado ilustre leal moço nobre ótimo principal
quantioso rico os ss que dizem tácito verdadeiro zelador da tua honra
Não sou dos que querem voar ao céu sem asas
Não tardou muito que não principiasse a descobrir-se pelos balcões do Oriente
o rosto da branca aurora alegrando as ervas e as flores em vez de alegrar o
ouvido
Não te cegue paixão própria em causa alheia
Não te deites a perder com o meu alívio
Não te fique no tinteiro nem um pontinho
Não te metas entre a bigorna e o martelo
Não tenho motivo para perseguir nenhum sacerdote
Não tenho o estômago afeito a cardos
Não ter comido coisa que se lhe metesse nos dentes
Não ter nenhum chavo e querer casar nas nuvens!
Não tiram dos cascos nem quantos desenganos se possam imaginar
Não tiro rei nem ponho rei mas ajudo ao meu senhor
Não venhais a coxear do mesmo pé
Não vos engane o Diabo
Naquele ano tinham as nuvens negado à terra o seu benfazejo orvalho
Nas choças dos pegureiros acontece o mesmo que nos palácios dos reis
Nas mãos de Deus se entreguem
Nasci nu, nu agora estou e não perco nem ganho
Nascido sou e não há de viver o homem confiando em outrem senão em Deus
Negócio de grande polpa
Nem à mão de Deus Padre
Nem a nossa presença pode desmentir o vosso nomes nem o vosso nome
pode desacreditar a vossa presença
Nem a rei nem a roque
Nem a Vossa Mercê nem a mim nos deixam costela inteira
74
Nem com a idade de Matusalém
Nem eu sou de mármore nem vós sois de bronze
Nem exército sem general nem castelo sem castelão; coisa pior que essas
duas é mulher casada e moça sem o seu marido ao pé
Nem os tesouros de Veneza nem as minas de Potosi
Nem pelos dois olhos da cara descobriria
Nem permita o céu que eu engane a ninguém num cabelo que seja
Nem que lho mandasse el-rei
Nem que me leve o Diabo
Nem que mo dissessem frades descalços
Nem que mo peçam frades descalços
Nem sempre a fortuna põe a par dos males os remédios
Nem sempre se vende o vinho onde se põe o ramo
Nem todos os frades descalços
Nem todos os que se chamam homens de bem o são completamente
Nem todos os tempos são os mesmos
Nem tudo que luz é ouro
Nem vi o que vi nem se passou comigo o que se passou
Nenhum particular pode afrontar um povo inteiro senão arrojando a todos
juntos o epíteto de traidores
Nenhuma comparação há que tão bem nos represente o que somos e o que
havemos de ser como a comédia e os comediantes
Nigromantes de que peço a Deus que me livre
Ninguém diga: "Desta água não beberei"
Ninguém estenda as pernas para fora do lençol
Ninguém nasce ensinado
Nisto de amores quem perde a ocasião perde a ventura
No rico estrado da sua autoridade
No tardar costuma estar o perigo
No temor de Deus está a sabedoria
No tempo do rei Wamba
Nos casos de amor não há nenhum que com mais facilidade se cumpra do que
aquele que tem pela sua parte o desejo da dama
Nos faz crer que tem o Diabo no corpo
75
Nos princípios amorosos os desenganos prontos costumam ser remédios
excelentes
Nosso Senhor dê a Vossa Mercê muita saúde e a nós não nos desampare
Nosso Senhor que guarde Vossa Grandeza e que a mim não esqueça
Nu nasci e nu me encontro nem ganho nem perco
Nu vim ao mundo e nu me vejo; nem perco nem ganho
Numa banda se põe o ramo e noutra se vende o vinho
Nunca chegou ao termo que pede um bom desejo
Nunca lhe ouvi dar um ai
Nunca morri nos dias da minha vida
Nunca ou raras vezes o bem puro e simples deixa de vir acompanhado ou
seguido de algum mal que o perturbe ou sobressalte
O O abade janta do que canta
Ó ama de satanás!
O amo é tido em conta tão maior quanto melhores e mais bem-nascidos são os
criados que tem
O amor e a afeição cegam os olhos do entendimento
O amor e a guerra são a mesma coisa
O Amor é invisível; entra e sai por onde quer sem que ninguém lhe peça conta
das suas ações
O amor não tem maior contrário que a fome
O Amor nem atende a respeitos nem guarda limites de razão
O amor olha de tal maneira que o cobre lhe parece ouro; a pobreza riqueza e
as remelas pérolas
O amor umas vezes voa e outras anda
O asno atura a carga mas não a sobrecarga
O bem que se deseja degenera em tormento quando inopinadamente se nos
afasta
O biscainho é fidalgo por terra e por mar
O boi solto lambe-se todo
O cativeiro é o maior mal que pode acudir aos homens
O céu ... poucas vezes deixa de ajudar o que é justo
76
O céu favorece sempre os bons desejos
O céu por estranhos e nunca vistos rodeios nunca imaginados pelos homens
costuma levantar os caídos e enriquecer os pobres
O céu que ordene o que mais for servido
O céu sabe levantar os pobre do monturo e fazer discretos dos tolos
O começar as coisas eqüivale a tê-las meio acabadas
O comer e o coçar está no principiar
O conhecimento da enfermidade e o querer tomar o enfermo os remédios que
o médico receita são o princípio da saúde
O conselho da mulher é pouco e quem não o toma é louco
O Demônio não dorme
O desalento nos infortúnios míngua a saúde e traz consigo a morte
O desalinho na roupa é sinal de desmazelo na alma
O Diabo é muito fino
O Diabo está em Cantilhana e o bispo em Brenes
O Diabo os aconselhasse em alguma coisa
O discreto cristão não deve andar em pontinhos com que o céu quer fazer
O estão moendo como se fosse pimenta
O fazer uma coisa por outra o mesmo é que mentir
O fim a que as letras se dirigem é estabelecer com clareza a justiça distributiva
e dar a cada um o que é seu
O fim de uma esperança é princípio de outra maior
O final da guerra é a paz e nisto levam as armas vantagem às letras
Ó força da adulação aonde te escondes e que dilatados limites tem a tua
jurisdição agradável!
O homem põe e Deus dispõe
O homem sem honra é pior que um morto
Ó inveja raiz de infinitos males que não fazes senão carcomer virtudes!
Ó lua dos três rostos!
O maior gosto para um desalmado é fugir donde o extorquiu
O matrimônio há de ir sempre adiante em quaisquer negócios destes que por
mim se tratarem
O mau (o Diabo) que a todo mal ordena
O melhor que tem é que não tem nada de nicas
77
O merecimento está em destemperar sem motivo
O mesmo que deitar pólvora
O montar a cavalo a uns faz cavaleiros e a outros cavalariços
O morto à sepultura e o vivo à folgança
Ó pão mal cozido! Ó promessas mal empregadas!
O piedoso céu vale sempre aos aflitos
O pobre deve contentar-se com o que topar e não andar à procura de pérolas
nos vinhedos
O poeta nasce poeta
O poeta pode contar ou cantar as coisas não como foram mas como deviam
ser e o historiador há de escrevê-las não como deviam ser mas como o foram
sem acrescentar nem tirar à verdade a mínima coisa
O principiar as coisas é tê-las meio acabadas
O princípio da saúde está em se conhecer a doença
O próprio Alexandre se nada tivesse de seu não poderia haver feito os
donativos que fez
O que a boa árvore se arrima boa sombra o acolhe
O que Deus faz é sempre pelo melhor
O que é hoje vencido será vencedor amanhã
O que está feito, feito está
O que existe é o que vemos presente
O que foi já não é
O que hás de dar ao rato dá-o ao gato e tira-te de cuidados
O que me vem à boca não posso deixar de o dizer
O que não se faz em dia de Santa Maria far-se-á noutro dia
O que pouco custa pouco se estima
O rei é meu galo!
O rifão que não vem de molde é mais disparate que sentença
O rir sem causa grave denuncia sandice
O sangue herda-se e a virtude adquire-se
O sangue se herda e a virtude adquire-se e a ventura por si só vale o que não
vale o sangue
O seu brasão é a firmeza e a sua profissão guardá-la com suavidade e sem
esforço algum
78
O sol brilha para todos
O soldado melhor parece morto na batalha do que livre na fuga
O sono é alívio das misérias
O temor de Deus é o princípio de toda a sabedoria
O tempo descobridor de todas as coisas não deixa nenhuma que não tire à luz
do sol
O tempo descobridor de todas as verdades
O tempo é ligeiro e não há barranco que o detenha
O tempo tem o cuidado de nos tirar as vidas sem que andemos à cata de
apetites
O trabalho e peso das armas não se pode levar sem o governo das tripas
O vinho em excesso nem guarda segredos nem cumpre promessa
Obras aldrabadas à pressa nunca se acabam
Ofício que não dá de comer a quem o tem não vale dois caracóis
Oleiro que faz um vaso pode fazer dois ou três ou um cento
Olhos que não vêem coração que não suspira
Onde a virtude estiver em alto grau será perseguida
Onde ele põe os pés ponho eu os olhos
Onde entrei nu e nu de lá saio e não perco nem ganho
Onde está a verdade está Deus enquanto verdade
Onde há muito amor não costuma haver muita desenvoltura
Onde há música não pode haver coisa má nem onde há luzes e claridade
Onde interviessem donas não podia haver coisa boa
Onde me aperta o sapato
Onde menos se pensa se levanta a lebre
Onde não há toucinho não há fumeiro
Onde reina a inveja não pode viver a virtude nem onde há escassez a liberdade
Onde se fazem aí se pagam
Os agravos despertam a cólera nos mais humildes peitos
Os coroam com as folhas da árvore que o raio não ofende louro
Os descuidos das senhoras tiram a vergonha às criadas
Os desejos do traidor só com a vida se podem pagar
Os Diabos sabem muito
79
Os filhos são pedaços das entranhas de seus pais e sejam bons ou maus
sempre se lhes há de querer
Os homens famosos pelo seu engenho, os grandes poetas, os ilustres
historiadores sempre, a maior parte das vezes, são invejados por aqueles que
têm por gosto e particular entretenimento julgar os escritos alheios sem ter
dado um só à luz do mundo
Os homens nem sempre estão de boa venta
Os mal colocados desejos não podem trazer consigo outros resultados
Os malvados são sempre desagradecidos
Os manjares poucos e delicados avivam o engenho
Os mares que nossos olhos têm chovido
Os ofícios e grandes cargos não são outra coisa senão um gólfão profundo de
confusões
Os ofícios mudam os costumes
Os pecadores discretos estão mais próximos de emendar-se do que os simples
Os poetas antigos escreveram na língua que beberam com o leite
Os poetas também se chamam vates, o que quer dizer "adivinhos"
Os preceitos da arte servem só para quatro discretos que a entendem
Os primeiros movimentos não estão na mão da gente
Os que Deus junta não pode o homem separar
Os que governam, ainda que sejam uns tolos, às vezes encaminha-os Deus
em seus juízos
Os que mendigam devem ser comedidos e receber com rosto alegre o que se
lhes derem
Os que ontem estavam nas grimpas hoje se acham estirados por terra
Os rifões são sentenças breves tiradas da experiência e das especulações de
nossos antigos sábios
Os tesouros dos cavaleiros andantes são como os dos duendes aparentes e
falsos
Os tesouros dos cavaleiros andantes são como os dos duendes, aparentes e
falsos.
Os trabalhos contínuos e extraordinários desarranjam a idéia a quem os
padece
Os trajos devem acomodar-se ao ofício e dignidade que se professa
80
Os varões prudentes devem guardar-se para melhor ocasião.
Ou bem que somos ou bem que não somos
P Pagar para que me digam o que sei seria uma grande asneira
Palavras e penas o vento as leva
Para amêndoas de rio não há arma defensiva
Para dar e para ter muito rico é mister ser
Para dar e para ter muito siso é mister
Para lhe desfrutarem a fazenda ($)
Para mim são favos de mel
Para o pobre todos olham de corrida mas nos ricos demora-se a vista
Para o que eu o quero tanta filosofia sabe como Aristóteles e até mais
Para que não te percas por carta de mais nem por carta de menos
Para que veja que sou pão agradecido
Para se tirar uma verdade a limpo não necessárias muitas confrontações e
agravos
Para ser asno de todo só me falta o rabo.
Para três anos e para trezentos que fossem é quanto basta
Para tudo há remédio menos para a morte
Para ver muito é necessário viver muito
Parece que vindes a pé e despeado
Parece-me que é pregar no deserto
Pecado novo penitência nova
Pedindo a Deus que abrisse as mãos da sua misericórdia e lhes desse chuva
Pega-se-nos a língua ao céu da boca de tanto falar
Pela disposição do céu que assim o ordenava
Pela garra se conhece o leão
Pela misericórdia de Deus
Pelas obras se revela a vontade de quem as pratica
Pelejem nossos amos e bebamos e vivamos nós
Pelo cantar lhe conheceremos os pensamentos
Pelo céu que nos cobre juro
Pelo dedo se conhece o gigante
81
Pelo Deus que me sustenta
Pelo deus vivo
Pelo sim pelo não, cuide da salvação da sua alma, que a do corpo corre perigo
Pelo sinal da santa cruz juro
Pelos ossos de meu pai e honra de minha mãe
Pensar que as coisas desta vida hão de sempre durar é escusado
Peque ou não pegue não há de me apodrecer no peito
Pinto-a na fantasia como a desejo assim nas graças como no respeito
Pintor do Demônio em pessoa
Platão é amigo porém mais amiga é a verdade
Pobreza pode enublar a fidalguia mas não escurecê-la de todo
Pode com segurança transladar o que tem no seu peito para o meu e fazer de
conta que o arrojou aos abismos do silêncio
Pode ser que eu desse no vinte
Podem vir buscar lã e voltar tosquiados
Poderei marcar este dia com pedra branca ou pedra negra?
Podereis com as riquezas da terra granjear as do céu
Pode-se ir buscar lã e voltar-se tosquiado
Põe os olhos em quem és procurando conhecer-te a ti mesmo, que é o
conhecimento mais difícil que se pode imaginar
Põe-no em dúvida Santo Agostinho
Pois que foi Deus servido
Ponha-se Vossa Mercê a caminho, mais a sua grandeza, antes hoje que
amanhã
Por da cá aquela palha
Por Deus e pela minha consciência
Por Deus que nos governa
Por esses mundos de Cristo
Por metade da barba e ainda pela barba inteira
Por minha fé que não há aqui parente pobre!
Por misericórdia de Deus
Por não ter encontrados ninhos onde supôs encontrar pássaros
Por onde sua alma se perde e o corpo se lhe não ganha
Por seu mal nasceram asas à formiga
82
Por seus pecados e por sua má fortuna
Por termos tomado no ar a palha
Por todos os séculos dos séculos amém
Por unha de cavalo
Por ver já o seu barquinho na água
Porei um selo na boca e uma mordaça nos dentes
Pouco dói o mal alheio
Pouco dói o mal alheio.
Poucos ou nenhum dos homens do passado deixaram de ser caluniados pela
maldade
Praza a Deus Onipotente onde mais largamente se contém
Praza a Deus que assim seja
Prega bem quem vive bem
Prevaricador de boa linguagem que Deus te confunda!
Promessas de namorados pela mor parte são ligeiras de prometer e muito
pesadas de cumprir
Próprio dos sábios é pouparem-se de hoje para amanhã
Q Quando a cabeça dói todos os outros membros doem
Quando a cólera se apodera impetuosamente de um homem não há quem lhe
segure a língua
Quando a puta fia, o rufião trabalha e o escrivão pergunta qual é o dia do mês,
com mal andam todos três
Quando a Roma fores faze o que vires
Quando assim não seja, paciência, toca a baralhar as cartas
Quando Deus for servido
Quando és feliz tens muitos amigos; em tempos nublados ficas só (Ovídio)
Quando nos dói a cabeça todos os membros nos doem
Quando o coração transborda a língua fala
Quando o valente foge é que está descoberta a cilada
Quando o valente foge é que está descoberta a cilada.
Quando te baterem à porta com alguma dádiva recebe-a ou então deita-te a
dormir
83
Quando te derem a vaca vem logo com a corda
Quando um amante louva sua dama de formosa e ao mesmo tempo a censura
de cruel nem por sombras a desdoura
Quando venta molha a vela
Quando vos doer a cabeça fomentai os joelhos
Quanto maior é o coração dum homem maior é a sua valentia
Quanto toma inteira posse de uma alma a primeira coisa que o Amor faz é tirar-
lhe o temor e a vergonha
Quantos fazem cinco
Que a morte amarela vá igualmente à choça do pobre desvalido e ao alcácer
do rei potente. (Horácio)
Que a um cavaleiro vencido o comam as raposas o piquem as vespas e o
pisem aos pés os porcos
Que demônios leva no peito que o incitam a ir contra a nossa fé católica?
Que Deus maldiga
Que Deus prospere mais anos que a mim
Que entram rifões no que estamos falando como Pilatos no credo
Que esses dias sejam tantos como os de Nestor
Que ganhe tanta fama como dinheiro e tanto dinheiro como fama
Que má ventura lhe dê Deus
Que não queira o que os céus querem o que a fortuna ordena
Que nem de letra redonda
Que nenhum cego cantasse milagres em coplas
Que nos tire o pé do lodo
Que o vale neste mundo é estudar e mais estudar
Que ponha o sal na moleira
Que Roma nem Pavia não se fez num dia
Que só o Diabo é capaz de suportar
Que sofra calado que a mais se atreve do que as suas forças lhe permitem
Que tudo mato no ar
Queira Deus que orégano seja e não se transforme em alcaravea
Quem bem está e mal escolhe por mal que lhe venha não se anoje
Quem bem quer não se vinga tão mal
Quem compra e mente na bolsa o sente
84
Quem dá o mal dá o remédio
Quem deseja ver também deseja ser visto
Quem disse que é bom falar de corda em casa de enforcado?
Quem é mais doido: quem o é porque se não conhece ou quem é por sua
vontade?
Quem é pobre coisa nenhuma tem boa
Quem erra e se emenda a Deus se encomenda
Quem está ausente não há mal que não tenha e que não tema
Quem está no inferno nunca mais sai de lá
Quem ganha alguma coisa não perde coisa alguma
Quem hoje cai amanhã se levanta
Quem lê muito e viaja muito, muito vê e muito sabe
Quem manda a ti sapateiro tocar rabecão?
Quem muito bebe mata e consome o úmido radical que consiste a vida
Quem não madruga com o sol não goza o dia
Quem não pode ser ofendido, a ninguém pode ofender
Quem não sabe gozar a ventura quando a tem, não se deve queixar se ela lhe
fugir
Quem não tenciona satisfazer, não regateia condições no contratar
Quem parte não baralha
Quem pode ter em mãos línguas de praguentos, se nem Cristo se livrou delas?
Quem procura aventuras nem sempre as encontra boas
Quem se faz de mel as moscas o comem
Quem se não sabe governar a si, como há de saber governar os outros?
Quem te cobre que te descubra
Quem te dá um osso não te quer ver morta
Quem tem pai alcaide tranqüilo vai a juízo
Quem tropeça em falador e gracioso ao primeiro pontapé cai e dá em truão
desengraçado
Quem vai cozer favas a casa dos outros na sua tem caldeirada
Quem vê as coisas por um lado não as vê todas
Quem vê um argueiro nos olhos dos outros, veja a trave nos seus
Querer amarrar as línguas aos maldizentes é o mesmo que querer pôr portas
ao campo
85
Quero proveito que sem ele nada vale a boa fama
Quero-lhe como às meninas dos meus olhos
R Reinava a paz otaviana
Reporta-te e não descubras o fio
Retirar-se não é fugir
Retrate-me quem quiser mas não me maltrate
S Sabe mais do que o Diabo em tudo que diz e pensa
Saco de maldades e costal de malícias
Salvo Deus que entende de tudo, abaixo d'Ele não há quem o entenda
Sancho ou o Diabo não te percebo!
Santiago e cerra Espanha!
Santo Agostinho o põe em dúvida
São horas mais de dormir que de negociar
São más brincadeiras as que doem, nem há passatempos que valham, sendo
em prejuízo alheio
Satanás e Barrabás levem consigo
Satisfazer à minha palavra antes que ao meu gosto
Se a intenção for errada nos princípios, irão sempre errados os meios e os fins
Se a virtude fora riqueza que se estimasse, não invejara eu ditas alheias nem
chorara desditas próprias
Se aos ouvidos dos príncipes chegasse a verdade nua sem os vestígios da
lisonja, outros séculos correriam
Se aprouver ao Altíssimo
Se às vezes sucede darem-me a vaca vou logo com a corda
Se bem canta o abade não lhe fica atrás o noviço
Se costuma dizer que as paredes têm ouvidos
Se de duas partes iguais tiramos partes iguais, as restantes serão também
iguais
Se Deus for servido
86
Se Deus lhe der vida
Se Deus me guardar os meus sete ou cinco sentidos
Se em seco faço tanto em molhado o que não faria?
Se esta for errada nos princípios irão sempre errados os meios e os fins
Se há de amar a Deus por si só
Se há de parecer muito com Deus quem se rejubilar em ser pobre
Se ia dando ao Diabo
Se lhe dêem louvores não pelo que escreve mas pelo que deixa de escrever
Se maus caldos mexerem tais os bebam
Se me há de desfazer como sal na água
Se me não dizia bem o coração de que pé coxeava meu amo!
Se não escreve com as cãs mas sim com o entendimento
Se não o é parece-o como um ovo com outro
Se não pode salvar quem mete em si o alheio contra a vontade do seu dono
Se não possa dizer que teve o mau pago o bom serviço
Se no pombal houver milho pombas não faltarão
Se o cântaro bate na pedra quem fica de mal é o cântaro
Se o cego guia o cego correm ambos perigo de cair no fojo
Sê pai das virtudes e padrasto dos vícios
Se te benzeram com um cacete, ao menos não te persignaram com um alfanje.
Se um livro for bom, fiel e verdadeiro terá séculos de vida, mas se for mau do
nascimento à sepultura irá breve espaço
Se vem vencido pelos braços alheios vem vencedor de si mesmo
Segue com o cantochão e deixa-te de contrapontos
Seguir à estrela que o chama
Seguir como a seta ao alvo e o marinheiro o norte
Sei perfeitamente onde me aperta o sapato
Seja assim e Deus te acompanhe!
Sem acrescentar nem tirar à história um só átomo da verdade
Sem lhe faltar nem uma mealha
Sem mais nem mais
Sem poder remediar nem rei nem roque
Sem proferir chus nem bus nem "guarda de baixo"
Sempre me há de levar o Diabo
87
Sempre os trapaceiros são tributários dos mirones que os conhecem
Sempre se devem temer as maldições dos pais
Senão metam-me o dedo na boca e verão se eu mordo
Sendo homem posso vir a ser papa
Sendo isto assim como é diga lá cada um o que quiser
Sentinela a toda hora de mim mesmo
Ser abrasados como se fossem os hereges
Será querer persuadir que o sol não alumia nem o gelo arrefece nem a terra
pode conosco
Seria o dano sem remédio
Sessenta mil satanases te levem a ti e aos teus rifões!
Sinais de ser malicioso de condição e amigo de donaires e de burlas
Só a Deus está reservado o conhecer os tempos e os momentos
Só a vida humana corre para o seu fim ligeira mais do que o tempo, sem
esperar renovar-se, a não ser na outra que não tem termos que a limitem
Só há duas linhagens no mundo, como dizia a minha avó, que são ter e não ter
e ela ao ter é que se pegava
Só me falta dar à alma a sua refeição
Só para Deus está reservado conceder essas graças e mercês
Só te pode apanhar o Diabo que te leve
Só uma coisa má tem o sono: é parecer-se com a morte
Sobre o tempo em que se bebe pouca jurisdição têm os cuidados
Sobremesa do maior apetite
Socarrão de língua viperina
Somos do mesmo lugar, comi-lhe o pão, quero-lhe bem
Sou rata pelada e comigo não se brinca
Soube-se do seu pecado antes e se saber do seu desejo
Sua boca é a medida
Subiram ao galarim as minhas presunções
Sumidas sejam elas nas profundas dos infernos
T Tal se deita sadio à noite e não pode mover-se no dia seguinte
88
Também os pobres virtuosos e discretos têm quem os siga honre e ampare
como os ricos têm quem os lisonjeie e acompanhe
Tanta saúde lhes dê Deus como a verdade que eles dizem
Tanto como se estivesse em Flandres
Tanto é o de mais como o de menos
Tanto há de aproveitar comigo como aproveita o receitado por médico de fama
ao enfermo que recuse recebê-lo
Tanto mata a súbita alegria como a grande aflição
Tanto me vale que me dêem oito reais pegados como em miúdos
Tanto monta cortar como desatar
Tanto se há de emendar com esta como é verdade ser eu turco
Tanto tens tanto vales
Tão certo como nasci para morrer
Tão certo como ser eu cristão
Tão depressa morre o cordeiro como o carneiro
Tão disposto a isso como a fazer-me cacique
Tão longe de serem verdadeiras como está longe a mentira da verdade
Tão mau que se eu de propósito me metesse a fazê-lo pior não o conseguiria
Tarde piaste
Taverneiro sou mas ainda assim sou também cristão
Te comem o siso e descoalham o entendimento
Tem mais boa vontade do que alfaias
Tem o rosto enrugado como um pergaminho
Tem uma alma de cântaro
Tempo virá em que sejamos o que agora não somos
Tende todas as coisas como se não as tivésseis
Tendo el Cid nas armas e Cícero na eloqüência
Tendo eu a faca e o queijo na mão é o que basta
Tenho visto chover e fazer sol ao mesmo tempo
Tentativas em coisa de que antes nos pode vir prejuízo que proveito, são de
entendimento roto e ânimo temerário
Ter dares e tomares
Ter feito pacto expresso ou tácito com o Demônio
Ter posto os ossos num feixe
89
Terei por glória as penas do meu cárcere
Tinha a alma nos dentes
Tinha deixado a sua filha, a jóia que em se perdendo não há esperança de que
nunca mais se recupere
Tinha fumaças de cortês
Tirada a causa tira-se o efeito
Tirar do borrador (passar a limpo)
Tocava guitarra de modo tal que não parecia senão que a fazia falar
Toda a afetação é má
Todas as coisas de cavaleiros andantes parecem quimeras, tolices e desatinos,
ao contrário, são realidades
Todas as indigestões são más mas a da perdiz é péssima (parafraseando
Hipócrates)
Todas as mulheres nos lisonjeamos quando nos ouvimos celebrar de bonitas
Todos os contentamentos desta existência passam como sombra e sonho ou
murcham como a flor do campo
Todos os dias de vida que o céu te outorgar
Todos os males vêm juntos sobre nós como as chibatas sobre os cães
Todos os vícios têm consigo um não sei quê de deleite, mas a inveja só traz
desgostos, rancores e raivas
Todos os vícios trazem não sei que deleites consigo, mas o da inveja não traz
senão desgostos rancores e raivas
Todos somos obrigados a respeitar os anciãos
Toma o pulso ao que sabe
Toma que te dou eu!
Tomar as de Vila-Diogo
Tome o meu conselho e viva muitos anos
Traduzir duma língua para outra não sendo das rainhas das línguas grega e
latina é ver panos de rás pelo avesso
Tripas levam o coração e não o coração as tripas
Tudo Deus há de remediar
Tudo é peregrino e raro
Tudo entrego nas mãos de Deus
Tudo era clamar no deserto
90
Tudo era pregar no deserto e malhar em ferro frio
Tudo está no principiar
Tudo isto foi pão com mel
Tudo mais que leve o Diabo se quiser
Tudo quanto é afetado é mau
Tudo tem remédio, menos a morte que a todos nos há de levar no fim da vida
U Ufana-te mais em seres humilde virtuoso que pecador soberbo
Um abismo chama a outro abismo e um pecado chama outro pecado
Um bom coração quebranta a má sorte
Um bom coração quebranta a má ventura
Um burro carregado de ouro sobe ligeiro um monte
Um burro coberto de ouro parece melhor que um cavalo albardado
Um diz que é branco e outro que é preto
Um homem é um homem e a mulher, mulher
Um mal nunca vem só
Um pau enfeitado já não parece um pau
Um rosário de gente mofina
Uma esposa não é mercadoria que depois de comprada ainda se pode trocar
ou rejeitar; é um acidente inseparável que dura a vida toda
Uma grandeza desmarcada
Uma mulher não é melhor nem pior que outra
Uma resolução magnânima não carece de estímulos
Uma vez promete um cavaleiro procura cumpri-lo ainda que lhe custe a vida
Uns seguem o largo campo da ambição soberba, outros o da adulação servil e
baixa, outros o da hipocrisia enganosa.
V Vadios e mandriões são na república o mesmo que zangões nas colmeias, que
comem o mel que as abelhas trabalhadoras fabricam
Vai aqui pancada de três em pipa
Vale mais bom nome que grande riqueza
91
Valem tanto como dois maravedis
Valer um olho da cara
Valha-me Deus que pode
Valha-me Deus!
Valham-te mil satanases
Valha-te o Diabo Dom Quixote de la Mancha
Valha-te o Diabo!
Vamos com a festa em paz
Vamos entrar no nosso lugar com o pé direito
Vá-se o Diabo para o Diabo e o temor para os mesquinhos
Vejamo-nos como dizia um cego a outro
Vejo com os meus olhos e o assinalo com o dedo
Vêm de golpe todas as fortunas que posso desejar
Vem tu com a consciência segura e deixa falar o mundo
Venha bater-nos o cravo na ferradura e verá se temos cócegas
Venham as quixotadas!
Venturoso aquele a quem o céu deu um pedaço de pão sem o obrigar a
agradecê-lo a outrem que não seja o mesmo céu!
Ver com os olhos e comer com a testa
Verá com os olhos o que não acredita com os ouvidos
Verás quão rápido levo o gato à água
Visto que Deus lha deu São Pedro a abençoe
Viu-se o Diabo com botas correu a cidade toda
Viva a galinha com a sua pevide
Viva ele mil anos e o enviado outro tanto e até dois mil se necessário for
Viva o vinte e quatro meu senhor e Cristo com todos
Viva para mim o vinte e quatro meu senhor e Cristo para todos
Viva Roque!
Vivam os altos céus!
Vive tu e leve o Diabo
Vontade de fazer águas maiores e menores
Vos enganais de meio a meio
Voto a tal!
Vou fugindo do bem e correndo empós o mal
92
X Xô que te estrafego burra de meu sogro!
93
POEMÁRIO: COPLAS, ROMANCEIRO, SONETOS, POESIAS
Cervantes entremeou o Dom Quixote com poesias, obedecendo o
costume de antecipar e encerrar a história com oferendas, dedicatórias,
lamentos e elegias fúnebres, composições elogiosas de amigos do autor.
Seguindo o princípio de "lo que yo me sé decir sin ellos", ele mesmo escreve
os poemas, atribuindo-os a personagens imaginários, muitos tirados dos livros
de cavalaria. Muito foi retirado de romances, excertos de obras de poetas
contemporâneos, reprodução de coplas e canções populares, traduções,
versões. Os primeiros poemas estão como foram apresentados na edição
citada: em espanhol. O "Prólogo" ilustra bem a situação que ficam os
tradutores de poesia.
******
AO LIVRO DE COM QUIXOTE DE LA MANCHA
URGANDA, A DESCONHECIDA
Si de llegarte a los bue-,
libro, fueres com lectu-
no te dirá el boquirru-
que no pones bien los de-.
Mas si el pan no se te cue-
por ir a manos de idio-
verás de manos a bo-,
aún no dar una el cla-,
si bien se comen las ma-
por mostrar que son curio-.
Y pues la experiencia ense-
que él que a buen árbol se arri-
buena sombra le cobi-,
en Béjar tu buena estre-
94
un árbol real te ofre-
que da príncipes por fru-
en el cual floreció un du-
que es nuevo Alejandro Ma-;
llega a su sombra; que a osa-
favorece la fortu-.
De un noble hidalgo manche-
contarás las aventu-,
a quien ociosas lectu-
trastornaron la cabe-:
damas, armas, caballe-,
le provocaron de mo-,
que, cual Orlando Furio-,
templado a lo enamora-
alcanzó a fuerza de bra-
a Dulcinea del Tobo-.
No indiscretos hieroglí-
estampes en el escu-,
que cuando es todo figu-
com ruines puntos se envi-.
Se en la dirección te humí-,
no dirá mofante algu-;
«¡Qué don Álvaro de Lu-.
Qué Aníbal el de Carta-,
qué rey Francisco en espa-
se queja de la fortu-!»
Pues al cielo no le plu-
que salieses tan ladi-
como el negro Juan Lati-,
hablar latines rehú-.
No me despuntes de agu-
95
ni mi alegues com filó-;
porque, rociendo la bo-,
dirá el que entiende la le-
no un palmo de las ore-:
«¿Para qué conmigo flo-?»
No te metas en dibu-
ni en saber vidas aje-
que en lo que no va ni vie-
pasar de largo es cordu-.
Que suelen en caperu-
darles a los que grace-;
más tú quémate las ne-
solo en cobrar buena fa-;
que el que imprime neceda-
dalas a censo perpe-.
Advierte que es desati-,
siendo de vidrio el teja-,
tomar piedras en las ma-
para tirar al veci-.
Deja que el hombre de jui-
en las obras que compo-
se vaya com pies de plo-;
que el que saca a luz pape-
para entrener donce-
escribe a tontas y a lo-.
[Essas décimas foram compostas com versos "de rabo curto": a última sílaba é suprimida de propósito, antecipando a rima para a penúltima, sem perder a métrica. Tem-se como inventor de método o poeta Alfonso Álvarez de Soría, mas na verdade é poesia de cunho nitidamente popular, oriundo de canções medievais. O verso “de rabo curto” também veio para o Brasil junto com a literatura de cordel].
96
AMADIS DE GAULA
A Dom Quixote de La Mancha
Tú que imitaste la llorosa vida
Que tuve ausente y desdeñado sobre
El gran ribazo de la Peña Pobre,
De alegre a penitencia reducida.
Tú, a quien los ojos dieron la bebida
De abundante licor, aunque salobre,
Y alzándote de plata, estaño y cobre,
Te dió la tierra en tierra la comida.
Vive seguro de que eternamente,
En tanto, al menos, que en la cuarta esfera
Sus caballos aguije el rubio Apolo,
Tendrás claro renombre de valiente;
Tu patria será en todas la primera;
Tu sabio autor, al mundo único y solo.
97
DOM BELIANIS DE GRÉCIA
A Dom Quixote de La Mancha
Rompí, corté, abollé, y dije y hice
Más que en el orbe caballero andante;
Fuí diestro, fuí valiente, fuí arrogante;
Mil agravios vengué, cien mil deshice.
Hazañas di a la Fama que eternice;
Fuí comedido y regalado amante;
Fué enano para mí todo gigante
Y al duelo en cualquier punto satisfice.
Tuve a mis pies postrada la Fortuna,
Y trajo del copete mi cordura
A la calva ocasión del estricote.
Mas, aunque sobre el cuerno de la luna
Siempre se vió encumbrada mi ventura,
Tus proezas envidio, ¡oh gran Quijote!
98
A SENHORA ORIANA
A Dulcinéia Del Toboso
¡Oh, quien tuviera, hermosa Dulcinea,
Por más comodidad y más reposo,
A Miraflores puesto en el Toboso,
Y trocara sus Londres com tu aldea!
¡Oh, quien de tus deseos y librea
Alma y cuerpo adornada, y del famoso
Caballero que hiciste venturoso
Mirara alguna desigual pelea!
¡Oh, quien tan castamente se escapara
Del señor Amadís como tú hiciste
Del comedido hidalgo Don Quijote!
Que así envidiada fuera, y no envidiara,
Y fuera alegre el tiempo que fué triste.
Y gozara los gustos sin escote.
99
GANDALIM,
Escudeiro de Amadis de Gaula,
A Sancho Pança,
Escudeiro de Dom Quixote
Salve, varón famoso, a quien Fortuna,
Cuando en el trato escuderil te puso,
Tan blanda y cuerdamente lo dispuso,
Que lo pasaste sin desgracia alguna.
Ya la hazada o la hoz poco repugna
Al andante ejercicio; ya está en uso
La llaneza escudera com que acuso
Al soberbio que intenta hollar la luna.
Envidía a tu jumento y a tu nombre,
Y a tus alforjas igualmente envidio,
Que mostraron tu cuerda providencia.
Salve outra vez, ¡oh Sancho! Tan buen hombre,
Que a solo tú nuestro español Ovidio
Com buzcorona te hace reverencia.
100
ORLANDO FURIOSO
A Dom Quixote de La Mancha
Si no eres par, tampoco le has tenido:
Que par pudieras ser entre mil pares,
Ni puede haberle donde tú te hallares,
Invicto vencedor, jamás vencido.
Orlando soy, Quijote, que perdido
Por Angélica, vi remotos mares,
Ofreciendo a la Fama en sus altares
Aquel valor que respetó el olvido.
No puedo ser tu igual; que este decoro
Se debe a tus proezas y a tu fama,
Puesto que, como yo, perdiste el seso.
Mas serlo has mío, si al soberbio moro
Y cita fiero domas, que hoy nos llama
Iguales en amor com mal suceso.
101
O CAVALEIRO DO FEBO
A Dom Quixote de La Mancha
A vuestra espada no igualé la mía,
Febo español, curioso cortesano,
Ni a la alta gloria de valor mi mano,
Que royo fué do nace y muere el día.
Imperios desprecié: la monarquia
Que me ofreció el Oriente rojo en vano
Dejé, por ver el rostro soberano
De Claridiana, aurora hermosa mía.
Améla por milagro único y raro,
Y, ausente en su desgracia, el próprio infierno
Temió mi brazo, que domó su rabia.
Mas vos, godo Quijote, ilustre y claro,
Por Dulcinea sois al mundo eterno,
Y ella por vos, famosa, honesta y sabia.
102
DE SOLISDÃO
A Dom Quixote de La Mancha
Magüer, señor Quijote, que sandeces
Vos tengan el cerbelo derrumbado,
Nunca seréis de alguno reprochado
Por home de obras viles y soeces.
Serán vuesas fazañas los jorces,
Pues tuertos desfaciendo habéis andado,
Siendo vegadas mil apaleado
Por follones cautivos y raheces.
Y si la vuesa linda Dulcinea
Desaguisado contra vos comete,
Ni a vuesas cuitas muestra buen talante.
En tal demán, vueso conorte sea
Que Sancho Panza fué mal alcagüete,
Necio él, dura ella, y vos no amante.
103
DIÁLOGO ENTRE BABIECA E ROCINANTE
B. ¿Como estais, Rocinante, tan delgado?
R. Porque nunca se come, y se trabaja.
B. Pues ¿qué es de la cebada e dela paja?
R. No me deja mi amo ni un bocado.
B. Anda, señor, que estáis muy mal criado,
Pues vuestra lengua de asno al amo ultraja.
R. Asno se es de la cuna a la mortaja,
¿Qeuréislo ver? Miraldo enamorado.
B. ¿Es necedad amar? R. No es gran prudencia
B. Metafisico estáis. R. Es que no como.
B. Quejaos del escudero. R. No es bastante.
¿ Como me he de quejar en mi dolencia
Si el amo y escudero o mayordomo
Son tan rocines como Rocinante?
104
SONETO
Ou não cabe no amor entendimento,
Ou passa de cruel; e a minha pena
Não iguala à razão que me condena
Ao gênero mais duro de tormento.
Porém, se Amor é deus, conhecimento
De tudo tem, e condição amena.
Qual pois o poder bárbaro que ordena
A dor atroz que adoro, e em vão lamento?
Sê-lo-eis, Filis? Inda desacerto;
Um mal tamanho em tanto bem não cabe,
Nem de um céu pode vir tanta ruína.
Sinto, e sei que o meu fim já tenho perto,
Porque em mal cuja causa se não sabe
É milagre que acerte a medicina.
105
SONETO
Santa amizade, que habitar imitas
Neste baixo, fingido, e térreo assento,
Mas que tens por morada o firmamento
Coas essências angélicas benditas.
De lá, por dó das térreas desditas,
Sonhos nos dás de alegre fingimento,
Imitações do céu por um momento,
Fugaz consolo às regiões proscritas.
Volta, volta dos céus, pura amizade,
Ou proíbe que a amável aparência
Te ursupe a desleal perversidade.
Confundida coa nobre e infame essência,
Breve reverte o mundo à prisca idade;
Volve o caos, é morta a Providência.
106
SONETO
Da umbrosa noite no silêncio, quando
Meigo sono refaz os mais viventes,
Só eu vou meus martírios inclementes
Aos céus e à minha Clóris numerando.
Quando o dia os seus raios vem mostrando
Dentre as rosas d'aurora auriesplentes
Com suspiros e lástimas ferventes
Vou as teimosas queixas renovando.
Se doura o sol a prumo o térreo assento,
Não me dissipa as trevas da agonia;
Dobra-me o pranto, aumenta-me os gemidos.
Volve a noite, e eu com ela ao meu lamento.
Ai! Que sorte! Implorar de noite e dia,
Ao céu piedade, e à minha ingrata ouvidos.
107
SONETO
Bem sei que morro, pois não sendo crido,
Forçoso é que me acabe o desconforto;
Podes ver-me a teus pés, ingrata, morto,
Mas nunca de adorar-te arrependido.
Poderei ver nos páramos do olvido
Que a vida, a glória, o bem, for tudo aborto;
Só no teu semblante conquistando um porto
No ardente coração resta esculpido.
Vem comigo, relíquia, ao transe duro
A que me há de levar esta porfia,
Que em seu próprio rigor se fortalece.
Ai de quem voga à toa em pego escuro
Sem roteiro, sem bússola, sem via!
Astro, não vê, nem porto se lhe of'rece.
108
SONETO
Almas ditosas, que a mortal cadeia
Rompestes, e que pelo bem que obrastes
De um solo obscuro e baixo remontastes
À sublime região de luzes cheia;
Que, ardendo na ira duma honrosa idéia,
Vossas forças na terra exercitastes;
Que o sangue alheio e o próprio derramastes
No mar vizinho, e na longínqua areia;
Primeiro que o valor faltou a vida
Aos braços fatigados que a vitória
Vos deram ao cair já de vencida!
Queda triste, mas bela, onde a história
Mostra quanto é justa e a vós devida
No mundo a fama, e lá nos céus a glória.
109
SONETO
De aridez desta terra desgraçada,
E dos castelos pelo chão lançados,
As santas almas de três mil soldados
Subiram vivas a melhor morada!
Mui grande valentia exercitada
Por aqui por seus braços esforçados,
Mas afinal já poucos e cansados,
Todos morreram vítimas da espada!
É este o solo onde padeceram
Tristes sucessos as hispanas gentes
No atual séc'lo, e nos que já correram.
Mas jamais foram dele aos céus luzentes
Almas tão santas, nem jamais desceram
Ao seio seu uns corpos tão valentes!
110
O MONICONGO,
Acadêmico de Argamasilha,
à sepultura de Dom Quixote
Epitáfio
O tresloucado que adornou a Mancha
De mais despojos que Jasão de Creta;
O juízo, que teve a grimpa inquieta
Bicuda, quando fora melhor ancha;
O braço que a sua força tanto ensancha,
Que chegou do Catai até Gaeta,
A Musa mais horrenda e mais discreta
Que versos foi gravar em brônzea prancha;
Quem bem longe deixou os Amadises,
E em pouco os Galaores avaliou,
Estribado no amor, na bizarria:
Quem soube impor silêncio aos Belianises,
Quem, montado em Rocinante, vagueou,
Jaz morto, enfim, sob esta lousa fria.
111
DO APANIGUADO,
Acadêmico de Argamasilha,
in laudem Dulcineae del Toboso
Esta que vês de rosto amondongado,
Alta de peitos, e ademã brioso,
É Dulcinéia, rainha del Toboso,
De quem esteve o grão Quixote enamorado.
Pisou por ela um e o outro lado
Da grande serra Negra, e o bem famoso
Campo de Montiel, e o chão relvoso
De Aranjuez, a pé e fatigado.
Culpa de Rocinante! Ó dura estrela!
Que esta manchega dama, a este invicto
Andante cavaleiro, em tenros anos
Ela deixou, morrendo, de ser bela,
Ele, ainda que em mármores inscrito,
Não evitou o amor, iras e enganos.
112
DO CAPRICHOSO,
Discretíssimo acadêmico de Argamasilha,
em louvor de Rocinante,
cavalo de Dom Quixote de La Mancha
No alto e soberbo trono diamantino,
Quem com sangrentas plantas pisa Marte,
O manchego frenético o estandarte
Tremula, com esforço peregrino.
Pendura as armas e o aço fino,
Com que assola, destroça, racha e parte!
Novas proezas! mas inventa a arte
Um novo estilo ao novo paladino.
Se do seu Amadis se orgulha a Gaula,
Por cuja prole a Grécia gloriosa
Mil vezes triunfou e a fama ensancha;
Cinge a Quixote um diadema a aula
A que preside a deusa belicosa,
E orgulha-se dele a altiva Mancha.
Nunca as suas glórias o olvido mancha,
Pois que até Rocinante em ser galhardo
Excede a Brilhadouro, vence a Baiardo.
113
DO BURLADOR,
Acadêmico argamasilhesco,
a Sancho Pança
Pobre de corpo, de bravura rico,
Sancho Pança aqui jaz: é coisa estranha!
Escudeiro mais simples, mais sem manha,
Não teve o mundo, juro e certifico!
Pra ser conde faltou-lhe só um nico,
Se não conspira contra ele a sanha
Desta idade mesquinha, vil, tacanha,
Que nem sequer perdoa a um burrico.
No burro andou (e com perdão se diga!)
Este manso escudeiro, atrás do manso
Rocinante e do deu dono bisonho.
Ó vãs esp'ranças! e mais vã fadiga!
Nunca deixais de prometer descanso,
E tudo acaba em sombra, em fumo, em sonho.
114
SONETO
Dai-me um roteiro que eu, senhora, siga,
A vosso bel-prazer feito e cortado,
Que por mim há de ser tão respeitado,
Que nem num ponto só dele desdiga.
Se vos apraz que eu morra, e que a fadiga
Que me punge, a não conte, eis-me finado!
Se preferis que em modo desusado
Vo-la narre, eu farei que Amor a diga.
De substâncias contrárias eu sou feito,
De mole cera e diamante duro;
Às leis do amor curvar esta alma posso.
Brando ou rijo, aqui tendes o meu peito,
Engastai, imprimi a sabor vosso!
Tudo guardar eternamente eu juro.
115
SONETO
Rompe o muro a donzela tão formosa,
Que abriu de Píramo o galhardo peito:
Parte o Amor de Chipre, e vai direito
A ver a quebra estreita e prodigiosa.
Fala o silêncio ali, porque não ousa
Entrar a voz em tão estreito estreito;
As almas sim, que o amor sói com efeito
Facilitar a mais difícil cousa.
Desvairou-se o desejo, e o amor tamanha
Da imprudente virgem solicita
A morte por seu gosto: olhai que história!
Que a ambos num só ponto, ó caso estranho!
Os mata, e os sepulta, e os ressuscita
Uma espada, um sepulcro, uma memória.
116
COPLAS
- Onde estás, senhora minha,
Que não te dói o meu mal?
Ou não nos sabes, senhora,
Ou és falsa e desleal.
Nunca fora cavaleiro
De damas tão bem servido,
Como fora Laçarote
De Bretanha arribadiço.
Aqui jaz um amador
O pobre corpo gelado;
Foi ele um pastor de gado,
Perdido por desamor;
Morreu às mãos do rigor
De uma esquiva e linda ingrata,
Com quem seu reino dilata
O tirano deus Amor.
117
ROMANCE DO ARRABILEIRO
Sei, Olaia, que me adoras,
Sem nunca mo teres dito,
Nem coos olhos, línguas mudas,
Que entendem os amorios.
Sei-o sim, porque és discreta;
Por isso em tal me confirmo:
Todo o amor alcança paga,
Salvo se é desconhecido.
Verdade é que tenho, Olaia,
Em ti descoberto indícios
De teres a alma de bronze,
E o peito de gelo frio.
Mas, através das repulsas
E honestíssimos desvios,
Talvez se enxergue da esp'rança
Um vislumbre fugitivo.
O meu amor se abalança
A esperar, sem ter podido,
Nem minguar por enjeitado,
Nem crescer por escolhido.
Se amores têm cortesia,
Da que tu mostras colijo
Que o fim das minhas esp'ranças
Há de ser qual imagino.
E, se o bem servir consegue
Tornar um peito benigno,
118
Já tenho em que funde a crença
De obter os bens a que aspiro;
Porque, se nisso reparas,
Às vezes me terás visto
Vestido à segunda-feira
Com as galas de Domingo.
As louçainhas e amores
Seguem o mesmo caminho;
E eu sempre quis aos teus olhos
Apresentar-me polido.
Por teu respeito não bailo;
As músicas não te cito,
Que a desoras, e acordado
Os galos, terás ouvido.
Não te encareço os louvores
Com que os teus dotes sublimo,
Que, se bem que verdadeiros,
Me fazem de outras malquisto.
Teresa do Berrocal
Já, louvando-te eu, me há dito:
- Há quem pense adorar anjos;
Estando a adorar bugiosa;
Milagre dos arrebiques
Mais dos cabelos postiços,
Hipócritas formosuras,
Que enganam até Cupido.
Desmenti-a; ela enfadou-se;
119
Pôs-se por ela seu primo;
Desafiou-me, e bem sabes
Qual saiu do desafio.
Nem por demais te cortejo,
Nem para mal de cobiço;
A melhor fim se endereçam
Minhas atenções contigo.
Na Igreja há prisões de seda
Para os casais bem unidos;
Mete o pescoço na canga,
Que eu sigo o mesmo caminho.
Quando não, desde aqui juro,
Pelo santo mais bendito,
Não sairei destas serras
Senão para capuchinho.
120
CANÇÃO DE CRISÓSTOMO
Pois desejas, cruel, que se publique
De boca em boca, e vá de gente em gente,
Do teu rigor a nunca vista força;
Farei que o mesmo inferno comunique
A este peito aflito um som veemente,
E à minha voz o usual estilo Terça.
E a par do meu desejo, que se esforça
A contar minha dor e tuas façanhas,
Da voz terrível brotará o acento;
E nele envoltos por maior tormento
Pedaços destas míseras entranhas.
Escuta, pois, e presta atento ouvido,
Não a aprazível sons, sim ao ruído,
Que desde o abismo do meu triste peito,
Obrigado de indômito delírio,
Sai para meu martírio e teu despeito.
O rugir do leão; do lobo fero
O ulular temeroso; o silvo horrendo
Da escamosa serpente; o formidável
Som de algum negro monstro; o grasno austero
Da gralha, ave de agouro; o mar fervendo
Em luta co'um tufão incontrastável
De já vencido touro o inamansável
Bramido; os ais da lúgubre rolinha
Na viuvez; o consternado canto
Do invejado mocho a par coo pranto
Do inferno todo, soem na dor minha,
E saia com esta alma exasperada
Uma explosão de música aterrada,
De confusão para os sentidos todos;
Pois a pena cruel que em mim padeço
121
Pede coo seu excesso estranhos modos.
De confusão tamanha ecos sentidos
Pelas praias do Tejo não ressoem;
Nem do Bétis nos ledos olivedos;
Por ali meus queixumes esparzidos
Por cavernas e penhas não ecoem
Para o mundo os terríveis meus segredos;
Vão por escuros vales, por degredos
De ermas praias a humano trato alheias,
Ou por onde jamais se enxergue dia,
Ou pela seca Líbia, onde se cria
Venenosa ralé de pragas feias;
Que inda que nesses páramos sem termo
Ninguém me escute os ais do peito enfermo,
Nem ouça o teu rigor tão sem segundo,
Por privilégio de meus curtos fados
Serão levados aos confins do mundo.
São veneno os desdéns; uma suspeita,
Ou verdadeira ou falsa, desespera;
E os zelos matam com rigor mais forte.
Ausência larga à morte nos sujeita;
Contra um temer olvido não se espera
Remédio no esperar ditosa sorte.
No fundo disso tudo há certa a morte;
Mas eu (milagre nunca visto!) vivo
Zeloso, ausente, desdenhado, e certo
Das suspeitas a que anda o peito aberto,
E do olvido em que o fogo em dobro avivo.
E entre tanto tormento, ao meu desejo
Nem uma luz de alívio vejo,
Nem já sequer fingi-la em mim procuro;
Antes, para requinte de querela,
122
Estar sem ela eternamente juro.
Pode-se juntamente, porventura,
Esperar e temer? E onde os temores
Têm mais razão que a esp'rança, há de esperar-se?
Debalde os olhos furto à sina escura;
Pelas feridas d'alma os seus negrores
Não cessam um momento de mostrar-se.
Quem pode à desconfiança recusar-se,
Quando tão claramente se estão vendo
Os desdéns e os motivos de suspeita?
Ai verdades em fábulas desfeitas!
Ai câmbio infausto, lastimoso horrendo!
Ó do reino de amor feros tiranos
Zelos! dai-me um punhal; desdéns insanos,
Um baraço! um baraço! ai sorte crua,
Celebras tua última vitória;
Não há memória atroz igual à tua.
Eu enfim morro e, por que nunca espere
Que a morte me ressarça o mal da vida,
Persistirei na minha fantasia.
Direi que anda acertado quem prefere
A tudo o bem-querer, que a mais rendida
Alma é a que de mais livre se gloria.
Direi que a minha algoz não acho ímpia
Senão que de alma, qual de corpo, é bela,
Que eu tenho a culpa, eu só, de sua fereza;
Que os males que nos causa com certeza
Não se opõem ao tão justo império dela.
Com esta crença e um rigoroso laço,
Da morte acelerando o extremo passo,
A que me hão seus desprezos condenado.
Darei pendente ao vento corpo e alma
123
Sem louro ou palma de outro e melhor fado.
Com tantas sem-razões, puseste clara
A causa por que odeio e enjeito a vida
E pelas próprias mãos a lanço fora.
De tudo hoje razão se te depara:
Profunda e peçonhenta era a ferida;
De não mais a sofrer me eximo agora,
Se por dita conheces nesta hora
Que o claro céu dos olhos teus formosos
Não é razão que eu turbe, evita o pranto;
Tudo que por ti dei não vale tanto
Que mo pagues com olhos lacrimosos.
Antes a rir na ocasião funesta
Mostra que este meu fim é tua festa.
Louco é quem aclarar-to assim se atreve
Sabendo ser-te a ânsia mais querida
Que a negra vida me termine em breve.
Vinde, sedes de Tântalo; penedo
De Sísifo; ave atroz que róis a Tício;
Vem, roda de Egeu com giro eterno;
Vinde a mim, vinde a mim; não é já cedo,
Tartáreo horror do mais cruel suplício,
Urnas de ímpias irmãs, cansado inferno.
Quantos sofrem tormento mais interno,
Vejam que igual cá dentro me trabalha;
E se a suicida exéquias são devidas,
Cantem-nas em voz baixa, e bem sentidas.
Ao morto, a quem faltou até mortalha.
E o porteiro infernal dos três semblantes
Coos outros monstros mil extravagantes,
Soltem-me o de profundis, pois entendo
Ser esta a pompa única devida
124
Do amante suicida ao caso horrendo.
Canção desesperada, não te queixes
Quando a chorar na solidão me deixes;
Se a glória dela no meu mal consiste,
E o perdimento meu lhe traz ventura,
Já minha sepultura é menos triste.
125
EM HONRA E LOUVOR DE DULCINÉIA
Árvores, ervas e plantas,
Que neste lugar estais,
Tão altas, verdes, e tantas,
Se coo meu mal não folgais,
Ouvi minhas queixas santas,
Tal dor não vos alvorote,
Embora de terror cheia,
Pois, por pagar-vos o escote,
Aqui chorou Dom Quixote
Ausências de Dulcinéia
Del Toboso.
É aqui o lugar onde
O adorador mais leal
De sua amada se esconde,
Chegou a tamanho mal
Sem saber como ou por onde.
Trá-lo Amor ao estricote,
Pela sua má raléia;
E até encher um pipote
Aqui chorou Dom Quixote
Ausências de Dulcinéia
Del Toboso.
Procurando as aventuras
Entre as desabridas penhas,
Maldizendo entranhas duras,
Que entre fragas e entre brenhas
Acha o triste desventuras.
Deu-lhe Amor com seu chicote
Da mais áspera correia;
126
Tal lhe foi o esfuziote,
Que aqui chorou Dom Quixote
Ausências de Dulcinéia
Del Toboso.
127
LAMENTAÇÃO DE CARDÊNIO
Quem menoscaba meus bens?
Desdéns.
Quem mais ceva meus queixumes?
Ciúmes.
Quem me apura a paciência?
A ausência.
De meu fado na inclemência,
Nenhum remédio se alcança,
Pois me dão morte: esperança,
Desdéns, ciúmes e ausência.
Quem me causa tanta dor?
Amor.
Quem me as glórias arruina?
Mofina.
Quem às dores me há votado?
O fado.
Receio me é pois fundado
Morrer deste mal tirano,
Pois conspiram em meu dano
O amor, a mofina e o fado.
Quem pode emendar-me a sorte?
A morte.
O bem de amor quem no alcança?
Mudança.
E seus males que os cura?
Loucura.
Então em vão se procura
Remédio algum a tais chagas,
Sendo-lhe únicas triagas
Morte, mudança, loucura.
128
LÁGRIMAS DE SÃO PEDRO
(Luís Tansilo)
Cresce em Pedro o pesar, cresce a vergonha,
Quando vê que no oriente o dia é nado;
Ninguém o vê, mas tem de si vergonha,
Pois em si sente e sabe que há pecado.
Não é mister que o mundo se interponha
Testemunha de um crime a peito honrado;
Ele próprio se acusa, aflige e aterra,
Bem que o vejam somente o céu e a terra.
129
COPLAS
É como o vidro a mulher;
Mas não é mister provar
Se se pode ou não quebrar,
Porque tudo pode ser.
E é mais fácil o quebrar-se;
Loucura é logo arriscar
A que se possa quebrar
O que não pode soldar-se.
Fiquem nisto e ficam bem,
Pois nisto o conselho fundo:
Que se há Dânais neste mundo,
Há chuvas de ouro também.
130
O GALHARDO ESPANHOL
Procuro na morte a vida;
Saúde na enfermidade;
No cárcere, liberdade;
No encerramento, saída;
No traidor, fidelidade.
Mas minha sorte, de quem
Já não posso esperar bem,
Ajustou coo céu terrível,
Que, pois lhe peço o impossível,
Nem o impossível me dêem.
131
COPLAS
Sou marinheiro de amor,
E em seu pélago profundo
Navego, sem ter esp'rança
De encontrar porto no mundo.
E vou seguindo uma estrela,
Que brilha no céu escuro,
Mais bela e resplandecente
Que quantas viu Palinuro.
Eu não sei aonde me guia,
E a navegar me costumo,
Mirando-a com alma atenta,
Cuidoso, mas não do rumo.
Recatos impertinentes,
Honestidade no apuro,
São as nuvens que ma encobrem,
Quando mais vê-la procuro.
Límpida e lúcida estrela,
Só teu clarão me conduz!
Extingue-se a minha vida,
Em se extinguindo a tua luz.
132
CANÇÃO PARA CLARA
Ó minha doce esperança,
Que, afrontando impossíveis na verdade,
Prossegues sem mudança
Na senda que traçou tua vontade,
Conserva ânimo forte,
Inda que surja a cada passo a morte.
Não ganham preguiçosos
Triunfo honrado, ou singular vitória,
Nem podem ser ditosos
Os que, mostrando uma fraqueza inglória,
Entregam desvalidos
Ao ócio vil os lânguidos sentidos.
Que amor suas glórias venda
Caro, é razão, e é justo o que se contrata;
Nem há tão rica prenda
Como a que pelo gosto se aquilata.
E é caso natural
Custar só pouco o que pouco val.
Coisas quase impossíveis sempre alcança
Quem emprega porfias amorosas.
Com firme confiança
Sigo eu do amor as mais dificultosas.
E nem sequer me aterra
Ter de ganhar o céu, estando na terra.
133
DO CACHIDIABO,
Acadêmico de Argamasilha,
na sepultura de Dom Quixote
Epitáfio
Aqui jaz o cavaleiro
Bem moído e mal andante,
Que, montado em Rocinante,
Percorreu senda e carreiro.
Sancho Pança, o malhadeiro,
Jaz também neste local,
Escudeiro o mais leal,
Que houve em trato de escudeiro.
DO TIQUITOC,
Acadêmico de Argamasilha,
na sepultura de Dulcinéia del Toboso
Epitáfio
Repousa aqui Dulcinéia,
Que, sendo gorda e corada,
Em cinza e pó foi mudada
Pela morte horrenda e feia.
Foi de castiça raleia,
E teve assomos de dama,
Do grão Quixote foi chama,
E foi glória da sua aldeia.
134
DÉCIMAS
Mote
Se o meu foi tornasse a ser,
Sem eu ter que esperar será,
Ou viesse o tempo já
Do que está pra acontecer...
Glosa
Alfim, como tudo passa,
Passou o bem que me deu
A fortuna nada escassa,
Mas que nunca me volveu,
Por mais que eu peça ou que faça.
Fortuna, bem podes ver
Que já é longo o meu sofrer;
Faze-me outra vez ditoso,
Que eu seria venturoso
Se o meu foi tornasse a ser.
Só quero um gosto, uma glória,
Uma palma, um vencimento,
Um triunfo, uma vitória,
Tornar ao contentamento
Que me é pesar na memória.
Fortuna, leva-me lá,
E temperado estará
Todo o rigor do teu fogo,
Sobretudo sendo logo,
Sem eu ter que esperar será.
135
Sei que sou indeferido,
Pois tornar o tempo a ser,
Depois de uma vez Ter sido,
Não há na terra poder
Que a tanto se haja estendido.
Corre o tempo; leve dá
Seu vôo, e não voltará,
E erraria quem pedisse
Ou que o tempo partisse,
Ou viesse o tempo já.
Viver em perplexa vida,
Ora esperando, ora temendo,
É morte mui conhecida,
E é muito melhor morrendo
Buscar para a dor saída.
Eu preferia morrer,
Mas não o devo querer,
Pois com discurso melhor
Me dá a vida o temor
Do que está pra acontecer.
136
CANÇÃO DO AMOR
De Cupido a uma donzela:
Eu sou o deus poderoso
No firmamento e na terra,
E no vasto mar undoso
E em tudo o que o abismo encerra
No seu báratro espantoso.
Nunca soube o que era medo;
Tenho o mágico segredo
De conquistar o impossível,
E em tudo quanto é possível
Mando, tiro, ponho e vedo.
A fala do Interesse:
Sou quem pode mais que Amor,
Mas é o Amor que me guia.
Eu sou da estirpe maior,
Que o céu cá no mundo cria,
Mais conhecida e melhor.
Sou o Interesse, com quem
Poucos soem obrar bem;
É milagre o dispensar-me,
E a ti venho consagrar-me
Pra sempre jamais, amém!
Disse a Poesia:
Em mil conceitos discretos
A dulcíssima Poesia
A alma cheia de afetos,
137
Vivos, suaves, te envia,
Envolta entre mil sonetos.
Se acaso te não enfado
Com meu porfiar, teu fado,
Que de inveja a muitos dana,
Levantarei de Diana
Sobre o disco prateado.
Saiu a Liberalidade e disse:
Chamam Liberalidade
Ao dar, quando se recusa
A ser prodigalidade
E ao contrário ser, que acusa
Tíbia e tímida vontade.
Mas eu, por te engrandecer,
Hoje pródiga hei de ser,
Que, se é vício, e vício honrado,
E de peito enamorado
Que no dar se deixa ver.
O BRADO DE DURANDARTE
"Ó meu primo Montesino,
Uma coisa vos pedia:
Que, em eu dando a Deus minh'alma,
E meu corpo à terra fria;
Meu coração a Balerma
Leveis, sem tardar um dia,
Arrancando-me do peito
Com a adaga luzidia."
138
A APARIÇÃO DO MAGO MERLIM
Eu sou Merlim, aquele que as histórias
Dizem que tem por pai o próprio Diabo
(Mentira autorizada pelos tempos),
príncipe da arte mágica, monarca
e arquivo da ciência zoroástrica,
Êmulo das idades, e dos séculos,
Que solapar pretendem as façanhas
Dos andantes valentes cavaleiros,
A quem eu tive e tenho grande afeto.
Mas, apesar de ser dos nigromantes,
Dos magos e dos mágicos, por uso,
Severa a condição, áspera e forte,
A minha é terna, e amorosa e branda:
Gosto de fazer bem a toda a gente.
Nessas cavernas lôbregas de Dite,
Onde em formar os magos caracteres
Minha alma se entretinha, ouvi, de súbito,
A voz plangente e meiga da formosa
E sem-par Dulcinéia del Toboso.
Narrou-me então seu infeliz destino,
Sua transformação em gentil dama
Em rústica aldeã; compadeci-me;
Dentro desta figura horripilante
Encerrei meu espírito; mil livros
Revolvi, manuseei, desta ciência
Endiabrada e torpe que professo,
E enfim, trago remédio competente
Para tamanha dor, desgraça tanta.
Ó tu, que és honra e glória dos que vestem
Túnicas de aço e rútilo diamante,
139
Luz e fanal e mestre e norte e guia
Daqueles que, deixando o torpe sono
E os ociosos leitos, só se empregam
No rude, intolerável exercício
Das sangrentas, fatais, pesadas armas!
A ti digo, à varão nunca louvado
Como o mereces ser; a ti, valente
Cavaleiro e discreto Dom Quixote,
Da Mancha resplendor, da Espanha estrela:
Para que Dulcinéia del Toboso
Possa recuperar o antigo estado,
Deve o teu escudeiro Sancho Pança
Assentar nas suas largas pousadeiras,
Descobertas e ao ar, três mil açoites
Com suas próprias mãos, e mais trezentos...
Açoites que lhe doam bem deveras.
Mandam isto os que foram da desgraça
Da bela Dulcinéia causadores,
E aqui vim a dizê-lo, meus senhores.
DUAS COPLAS
Da minha doce inimiga
Nasce a dor que a alma aflige
E por mais tormento exige
Que se sinta e não se diga.
Morte, vem tão escondida
Que eu não te sinta aparecer.
P'ra que o gosto de morrer
Me não torne a dar a vida.
140
ROMANCE DE ALTISIDORA
Ó tu, que estás no teu leito
Com lençóis de holanda fina,
Dormindo bem regalado,
Sem sentires a espertina,
Cavaleiro o mais valente
Que na Mancha se há gerado,
Mais honesto e abençoado
Que o ouro da Arábia ardente:
Quisera estar nos teus braços
Ou prestar-te o bom serviço
De te sacudir a caspa,
De te coçar o toutiço.
Muito peço, não sou digna
De mercê tão levantada;
Dá-me os teus pés, isso basta,
Nem eu desejo mais nada.
Ouve uma triste donzela,
Bem-nascida e mal lograda,
Que na luz desses teus olhos
A alma sente abrasada.
Achas desditas alheias,
Quando buscas aventuras;
E de amor cruéis feridas
Tu as dás, mas não as curas.
Dize-me, bravo mancebo
(que Deus cumpra os teus desejos),
141
Se te criaste na Líbia
Ou em montes sertanejos.
Deram-te leite as serpentes?
Foram tuas armas bravias
As aspérrimas florestas
E o horror das serranias?
Mui bem pode Dulcinéia,
Donzela sã e gorducha,
Gabar-se de ter rendido
Um tigre, fera machucha.
Por isso será famosa
De Jarama até Henares,
De Pisuerga até Arlanza
E do Tejo ao Manzanares.
Eu trocava-me por ela,
E ainda em cima dava a saia
Mais vistosa que eu possuo
De áureas franjas na cambraia.
Que coifas eu te daria!
Escarpins de prata fina,
Umas calças de damasco,
Uns calções de bombazina;
Muitas pedras preciosas,
Finas pérolas orientais,
Que, a não terem companheiras,
Não contariam iguais!
Não mires dessa Tarpéia
142
Este incêndio que me queima,
Nero manchego, que o fogo
Avivas coa tua teima.
Menina sou, pulcela tenra,
Quinze anos não completei;
Tenho catorze e três meses,
Juro pela santa lei.
Não sou manca, não sou coxa,
Não tenho um só aleijão,
Meus cabelos cor de lírios,
'Estando em pé, chegam-me ao chão.
A boca tenho aquilina,
Tenho a penca abatatada;
Os dentes são uns topázios!
Vê que beleza afamada.
Sou pequenina, o que importa?
A minha voz, fresca e pura,
Confessa que (se me escutas)
Tem suavíssima doçura.
Conquistou minha alma ingênua
Teu rosto que me enamora;
Sou donzela desta casa,
E chamam-me Altisidora.
143
ROMANCE
(de Dom Quixote a Altisidora)
Tiram as almas dos eixos
As forças do amor,
São os cuidados do ócio
Seu instrumento melhor.
As donzelas na costura,
E em 'estar sempre atarefadas,
Têm antídoto ao veneno
Das ânsias enamoradas.
Os cavaleiros andantes
E os que vão da corte às festas,
Têm com as soltas requebros,
Mas só casam coas honestas
Fútil amor de levante
Podem-no hóspedes sentir,
Chega rápido ao poente
Porque acaba coo partir.
Amor que nasce depressa
Hoje vem, vai-se amanhã,
Nas almas não deixa impressa
A sua imagem louçã.
Pintura sobre pintura
Não é como em tábua rasa;
Onde há primeira beleza
A segunda não faz vaza.
144
Dulcinéia del Toboso
Eu tenho n'alma pintada
Com tal viveza, que nunca
Poderá ser apagada.
A firmeza nos amantes
É dote mui de louvar,
Amor que opera milagres
Por quem assim sabe amar.
145
DESPEDIDA DE ALTISIDORA
Sopeia um pouco essas rédeas,
E, escuta, mau cavaleiro;
Não fatigues as ilhargas
Desse teu nobre sendeiro.
Refalsado, tu não foges
De alguma fera serpente,
Foges de uma cordeirinha
Tenra, cândida, inocente.
Tu escarneceste, ó monstro,
A donzela menos feia,
Que viu Diana em seus montes,
E em seus bosques Citeréia.
Cruel Vireno, fugitivo Enéias,
Barrabás te acompanhe, lá te avenhas.
Tu levas, que roubo ímpio!
Nas tuas garras grifanhas,
De uma terna namorada
As humílimas entranhas.
Levas três lenços, e as ligas
De umas pernas torneadas,
Que são como o puro mármore,
Lisas, duras, jaspeadas.
Levas também mil suspiros,
Cujo ardor talvez pudesse
Abrasar outras mil Tróias,
Se outras mil Tróias houvesse.
146
Cruel Vireno, fugitivo Enéias,
Barrabás te acompanhe, lá te avenhas.
Que do teu Sancho as entranhas
Sejam, para teu tormento,
Tão duras, que Dulcinéia
Não saia do encantamento.
Que a triste leve o castigo
Da tua culpa tamanha,
Que justos por pecadores
Pagam sempre cá na Espanha.
Que as mais finas aventuras
Para ti sejam tristezas,
Sonhos os teus passatempos,
Olvidos tuas firmezas!
Cruel Vireno, fugitivo Enéias,
Barrabás te acompanhe, lá te avenhas.
Que sejas tido por falso
De Sevilha a Finisterra,
Desde Loja até Granada,
E de Londres a Inglaterra.
Se tu jogares a bisca,
Os centos, ou outro jogo,
Que os reis, os azes e os setes
Fujam de ti logo e logo.
Quando cortares os calos,
Que haja sangue e cicatrizes,
147
Quando arrancares os dentes,
Que te fiquem as raízes.
Cruel Vireno, fugitivo Enéias,
Barrabás te acompanhe, lá te avenhas.
MADRIGAL
(tradução do poeta Pierro Bembo)
Amor, eu quando penso
No mal que tu me dás, terrível, forte,
Alegre corro à morte,
Para assim acabar meu mal imenso;
Mas quando chego ao passo,
Que é meu porto no mar desta agonia,
Sinto tal alegria
Que a vida se revolta e não o passo.
Assim o viver me mata,
Pois que a morte me torna a dar a vida!
Condição nunca ouvida,
A quem comigo vida e morte trata!
148
ESTÂNCIAS
Enquanto não ressurge Altisidora,
De Dom Quixote a vítima discreta,
E as damas na corte encantadora
Enverguem cada qual sua roupeta,
A duquesa gentil, minha senhora,
Manda as donas vestir-se de baeta,
Cantarei a beldade que morreu
Com melhor plectro do que o próprio Orfeu.
E parece-me até que me não toca
Um tal dever unicamente em vida,
Mas com a língua morta em fria boca
Hei de soltar a voz que te é devida.
Livre a minha alma da apertada roca,
E pelo estígio lago conduzida,
Celebrando-te irá, e ao seu lamento
Hão de as águas parar de esquecimento.*
* Oitava de Garcilaso de la Vega
149
EPITÁFIO DE SANSÃO CARRASCO
(Ante a sepultura de Dom Quixote)
Aqui jaz quem teve a sorte
De ser tão valente e forte,
Que o seu cantor alegou
Que a morte não triunfou
Da sua vida coa sua morte.
Foi grande a sua bravura,
Teve todo o mundo em pouco,
E na final conjuntura
Morreu: vejam que ventura,
Com siso vivendo louco!
COPLA
(Cide Hamete, para que jamais usem
a pena com que escreveu esta história)
Alto, alto, vis traidores,
por ninguém seja eu tocada,
porque, bom rei, esta empresa
para mim 'estava guardada.
150
Viagem em torno de Dom Quixote de La Mancha e de um tal Miguel de Cervantes
Saavedra
(Parte III)
1 - Autores, Plagiadores, Aderentes, Pré-Históricos, Pósteros 2 - Obras, Escolas, Influências, Mesmo Não Identificadas e Póstumas 3 - Outras Ocorrências: Gentes, Tipos, Terras, Reinos
151
AUTORES, PLAGIADORES, ADERENTES, PRÉ-HISTÓRICOS, PÓSTEROS
Afonso Sanches (1298-1329), poeta e trovador português, filho bastardo de
Dom Dinis. Por desavença com o irmão legitimado, foi obrigado a viver na
Espanha. Poeta lírico escreveu cantigas de amigo, de maldizer, de amor e uma
tenção amorosa com Vasco Martins de Resende, todas incluídas no
Cancioneiro da Vaticana [códice do séc. XV ou XVI existente na biblioteca do
Vaticano], que compreende trovas e canções de antigos trovadores espanhóis
e lusos, que também se encontram no Cancioneiro da Ajuda.
Alain René Lesage (1668-1747), [ou Le Sage], escritor francês, se inspirou em
temas cervantinos para escrever seus romances mais famosos e de maior
sucesso: O diabo coxo (1707), História de Guzmán de Alfarache (1732), Gil
Blás de Santillana (1715-1735), O bacharel de Salamanca (1736). Famoso
também como autor dramático, escreveu numerosas peças e farsas, entre as
quais Crispin, rival de seu mestre (1707), Turcaret (1709). Não obstante
confessar a fonte de sua inspiração, Lesage foi por demais fiel às mesmas e
sua obra algumas vezes mais sugere tradução e transcrição que criação
própria. René Lesage era tão fanático pela literatura espanhola e pelo Dom
Quixote que também traduziu para o francês a parte II apócrifa, assinada por
Avellaneda.
Alfonso Tostado Ribera de Madrigal (séc. XV), bispo de Ávila, "escritor de
fecundidade proverbial", um dos suspeitos de ser o Avellaneda, autor do Dom
Quixote apócrifo.
Alfonso X, El Sabio (1221-1284), rei de Castela e de Leão, imperador
germânico, o mais esclarecido príncipe de seu tempo, animador do movimento
intelectual e artístico que se desenvolveu na Espanha no séc. XIII. Escreveu
cantigas e compôs 420 poemas musicados em honra à Virgem Maria, além de
obras relativas à língua castelhana, direito, astronomia, xadrez e dirigiu a
publicação Tábuas Alfonsinas.
152
Alonso de Ercilla y Zuñiga (1533-1594), poeta épico espanhol, tomou parte de
várias expedições à América Latina, entre as quais a do Chile, que inspirou o
poema épico sobre a Descoberta da América: La Araucania, escrito entre 1569
e 1589.
Angelo Poliziano (1454-1494), poeta e humanista italiano, um dos maiores
intelectuais da Renascença, compôs poemas em grego, latim e italiano. As
Estâncias para a justa (1478) celebram a vitória de Júlio de Medici e o seu
Orfeu (1480) constitui o primeiro exemplo de teatro com argumento profano.
Dedicou ao poeta florentino Micael Verino, morto aos 17 anos o epigrama
iniciado com o verso "Morreu na flor de seus anos"
Antoine de Montchrestien (c.1575-1621), escritor e economista francês, autor
de tragédias Davi, A escocesa e Heitor, que já anunciavam alguns temas
cornelianos.
Antonio de Guevara (1480-1545), escritor espanhol, frei franciscano, bispo de
Mondoñedo, foi nomeado confessor e historiógrafo de Carlos V. As suas obras
Relógio dos príncipes (1529), Desprezo da Corte (1539) e Epístolas familiares
(1539-1541), fizeram grande sucesso na época.
Antônio Ribeiro Chiado (1520-1591), poeta português, após largar o hábito e o
convento, foi para Lisboa onde começou a escrever autos semelhantes aos de
Gil Vicente (Auto de Gonçalo Chambão, Auto da natural invenção). Entre
outros trabalhos destaca-se Letreiros sentenciosos os quais se acharam em
certas sepulturas de Espanha feitos em trovas (1602), obra de evidente
folclorismo.
Ariosto Ludovico Ariosto (1474-1533), poeta italiano que nas Sátiras (1517-
1525) exprimiu o ideal de vida tranqüila, consagrada aos prazeres do coração e
dos estudos. Compôs Poesias Latinas (1494-1503), as comédias La Cassaria
(1508), La Lena (1529). Mas a sua obra-prima é o poema épico Orlando
Furioso (1516-1532), um perfeito exemplo da Renascença em plena
153
maturidade e a continuação do também célebre Orlando enamorado de Matteo
Boiardo.
Ausiàs March (1397-1459), cavaleiro e poeta catalão, sua obra Cants d'amor
compreende canções de amor dentro de um espírito cortesão e Canto
espiritual, poemas de inspiração filosófica.
Baltasar Teles (1595-1675), historiador, filósofo e teólogo português, educado
pelos jesuítas, em 1610 entrou para a Companhia de Jesus, desempenhando o
cargo de Cronista. Entre seus trabalhos, altamente documentados, destacam-
se Crônicas da Companhia de Jesus na província de Portugal, História Geral
da Etiópia, a Alta, ou Preste João, e Summa Universae Philosophiae (1642),
manual de filosofia muito reeditado e um dos primeiros compêndios filosóficos
de sentido didático.
Bartolomeu Carrasco de Figueroa (1580-1610), célebre poeta espanhol,
cognominado o Divino, nasceu nas Ilhas Canárias. Poeta da época de
Cervantes não mencionados em nenhuma das citações de autores célebres
espanhóis.
Benito Arias Montano (1527-1598), erudito espanhol que Filipe II enviou a
Antuérpia para dirigir a impressão da Bíblia Poliglota, editada por Platino,
primeira edição do texto original, acompanhada de todas as versões antigas.
Bernarda Ferreira de Lacerda (1596-1644), poetisa portuguesa (Oporto), de
língua espanhola, autora de As soledades de Bussaco, España libertada.
Bernardim Ribeiro (1500-1550), poeta e prosador português, desempenhou
altos cargos na corte e teria morrido num manicômio devido a seus amores
infelizes, mas é impossível confirmar qualquer coisa sobre sua biografia. Suas
primeiras poesias constam do Cancioneiro geral de Garcia de Resende.
Escreveu depois cinco Éclogas, todas de natureza bucólica, que firmaram sua
glória como o maior dos poetas portugueses ao lado de Camões. Juntamente
com as Éclogas, publicadas em Ferrara, em 1555, saiu o romance pastoril
154
Menina e moça, uma das obras mais originais da língua portuguesa. Localizou-
se uma edição independente quinhentista de suas obras, cuja data é
desconhecida.
Bernardo de Balbuena (1568-1627), poeta espanhol, autor do poema El
Bernardo.
Brás Garcia de Mascarenhas (1595-1656), poeta português barroco, autor de
Ausências brasílicas e Viriato trágico. De vida agitada e aventurosa, irreverente
e inquieto, foi preso em Coimbra em 1616, mas fugiu da cadeia. Viajou pela
Europa e chegou ao Brasil em 1623.
Catão [Marcus Porcius Cato], o Censor, (234-149 aC), cognominado também o
Antigo, cônsul, censor, homem de estado, político e orador romano, lutou
contra o luxo, eliminou os senadores que julgava indignos e combateu o
helenismo em nome da moral austera. Temendo desforra de Cartago, pregou
continuamente sua destruição, daí a sentença Delenda est Carthago (É preciso
destruir Cartago). Escreveu Tratado de agricultura.
Chrétien de Troyes (1135-1183), poeta francês, a serviço da condessa Maria
de Champagne e do conde de Flandres, foi autor de grandes romances do fim
do séc. XII. Erec e Enida, Cliges, Lancelote, Evain ou O Cavaleiro do leão,
Percival ou O conto do Graal, sendo também atribuída a ele a autoria de
Guilherme de Inglaterra. Em um cenário povoado de fadas, anões, gigantes, a
missão dos Cavaleiros é dissipar os malefícios, encantamentos e maus
costumes, para restabelecer a ordem cortês num mundo agitado por paixões
violentas. A ética heróica é arranjada visando oferecer aos Cavaleiros pobres
que rodeiam o príncipe e a senhora, um objetivo, uma esperança na busca da
felicidade, já que nenhuma chance de ascender socialmente é reservada pela
sociedade dominadora.
Clément Marot (1496-1544), poeta francês autor do primeiro soneto escrito na
França, escreveu também epigramas, elegias e epístolas.
155
Cristóbal de Virués (1550-1609), poeta espanhol, tornando-se conhecido no
teatro por tragédias cheias de horror, chegou a rivalizar com Félix Lope de
Vega.
Cristóbal Suárez de Figueroa (1571-1644), escritor espanhol autor de
romances pastoris (La constante Amarilis, 1609) e de uma coletânea de
diálogos literários, morais e filosóficos (El pasajero, 1617).
Cristóvão da Costa (séc. XVI) sábio, médico e botânico português nascido em
Ceuta, autor do Tratado das drogas e medicinas (1578) e Tratado em louvor
das mulheres (1592), ambos em castelhano.
Diego Hurtado de Mendoza (1503-1575), poeta, guerreiro e historiador
espanhol, encarregado de diversas missões diplomáticas, legou à biblioteca do
Escorial uma coleção de manuscritos gregos e árabes. A ele é atribuída a
autoria do pioneiro romance picaresco Lazarillo de Tormes. Alguns críticos
espanhóis atribuem a Diego Hurtado a autoria do Palmerim de Inglaterra, obra
que apenas traduziu do português. Escreveu também Guerra de Granada,
publicado somente em 1627.
Diogo de Paiva de Andrade (1574-1660), poeta português, autor do poema
épico Chauleida, em que exalta os feitos militares de Francisco de
Mascarenhas e outros vultos históricos, acerca do cerco da cidade de Chaul
(Índia).
Diogo do Couto (1542-1616), poeta, escritor e historiador português, por ordem
de Filipe II deu continuação às Décadas da Ásia, de João de Barros. Depois de
ser algum tempo pajem da Real Câmara, foi para a Índia como combatente da
armada de 1559. Compôs poemas líricos e pastoris, deixou um volume de
elegias, éclogas, canções, sonetos e glosas. Voltou a Portugal em 1570, tendo
assistido Camões, que era seu amigo. É autor do diálogo O soldado prático,
em cujo prefácio se conta a dramática história da redação das suas décadas.
Em vida do autor publicaram-se Década IV (1606), Década V (1612), Década
VI (1614) e Década VII (1616). Diogo do Couto escreveu até a Década XII, mas
156
a VIII e IX foram-lhe roubadas e a XI e XII não atingiram a revisão final.
Nomeado guarda-mor do Arquivo da Índia, morreu em Goa.
Diogo Fernandes (séc.XVI), escritor português, autor da Terceira e da Quarta
parte da Crônica de Palmerim de Inglaterra (1604).
Discorides (séc. I), botânico grego e autor de trabalhos sobre ervas medicinais,
venenos mortíferos, obras traduzidas, comentadas e ilustradas para o espanhol
pelo doutor Andrés Laguna, médico e humanista segoviano (séc. XVI), fonte de
pesquisa para as mezinhas do fidalgo manchego.
Dom Manuel de Portugal (1520-1606), poeta português cujas obras, escritas
em castelhano, compõem 17 livros de canções, odes, endechas, oitavas, etc.,
de conteúdo moral e ascético. Deixou o Tratado breve da oração, escrito em
português.
Ésquilo (525-456 aC), poeta trágico grego, após lutar contra os persas em
Maratona e Salamina, obteve aos 40 anos de idade sua primeira grande vitória
num concurso de tragédias. O triunfo de Os persas (472aC) consagrou-o
definitivamente e atraiu o interesse de Hiéron, tirano de Siracusa. A partir daí
Ésquilo viveu ora em Atenas ora na Sicília fazendo representar quase 90
tragédias que exploravam o universo dos antigos mitos, a teogonia, o ciclo
troiano, a história dos Argonautas, as lendas de Tebas, Argos e Micenas.
Considerado o verdadeiro fundador da tragédia grega, introduziu o segundo
ator, tornou mais vivo o diálogo, embelezou os movimentos do coral, conferiu
maior expressividade às máscaras, decorou o palco com cenários. Foi o
primeiro a explorar os recursos das trilogias.
Félix Lope de Vega y Carpio (1526-1635), poeta e o primeiro grande
dramaturgo espanhol, provavelmente o autor mais prolífico da época, com mais
de 2.000 peças, comédias e entremezes. Iniciou o teatro de cunho nacional,
com elementos cômicos, trágicos, eruditos e populares. Em conseqüência da
ligação excessivamente amigável com a Inquisição, Lope de Vega alimentou
inimizades pessoais e adversários literários, entre os quais Cervantes e
157
Góngora. De suas peças destacam-se El alcaide de Zalamea (1600),
Peribáñez y el comendador de Ocaña (1614), Fuenteovejuna (1618), La
Dorotea (1632), El caballero de Olmedo (1606), os dramas de inspiração
religiosa La hermosa Ester (1610), El romancero espiritual (1619), mas a crítica
considera sua obra-prima o drama La estrella de Sevilla. Deixou extensa obra
lírica.
Fernán de Herrera (1534-1597), poeta sevilhano, autor de inúmeras canciones,
duas das quais evocam a vitória de Lepanto (1571) e a derrota de Dom
Sebastião de Portugal (1578). Foi o líder da escola sevilhana, graças a ele o
vocabulário espanhol se enriqueceu e as regras poéticas foram estabelecidas.
Fernán Pérez de Guzmán (1376-1460), senhor de Batres, cronista castelhano,
autor da crônica rimada, Loores de los claros varones da España, de biografias
históricas, Mar de histórias.
Fernán Pérez de Oliva (1494-1533), humanista espanhol, seu Diálogo sobre a
dignidade do homem é dos primeiros modelos da prosa castelhana.
Fernando de Rojas (1465-1541), escritor espanhol, presumível autor do
romance La Celestina (1499).
Fernão Álvares do Oriente (1540-1595), escritor e poeta português maneirista,
muito influenciado por Petrarca, Camões e Sannazzaro, cuja Arcádia inspirou
sua coletânea de novelas pastoris Lusitânia transformada (1607).
Fernão Mendes Pinto (1510-1583), escritor, aventureiro e viajante português,
por volta de 1537 partiu para a Índia, começando a odisséia que narrou em sua
obra. Em 1538 viajou ao mar Vermelho, depois afirma ter entrado na Abissínia
(informação recebida com reservas). Numerosas vezes esteve prisioneiro e foi
vendido como escravo. Ingressou na Companhia de Jesus, fato provado por
cartas e testemunho dos jesuítas São Francisco Xavier, padre Belchior Nunes,
irmão Aires Brandão. Fernão Mendes Pinto emprestou a Francisco Xavier 300
cruzados para a edificação de uma igreja no Japão, doou 4 mil cruzados para
ajudar a obra dos jesuítas, libertou escravos e distribuiu muitas esmolas. Em
158
1554 voltou ao Japão, já noviço da Companhia de Jesus, como embaixador do
vice-rei Dom Afonso de Noronha. Desiludido da vida religiosa, abandonou o
noviciado e regressou a Portugal. Escreveu Peregrinação e Algumas
informações da China (publicadas no número 13 da Revista de História). Logo
depois de sua publicação a Peregrinação foi traduzida em vários idiomas. Por
considerar sua obra exagerada demais, o nome do autor (Fernão Mendes
Pinto) é objeto do trocadilho secular: Fernão, mentes? Minto!
Francisco Agostinho Tárrega (?), cônego, autor de A inimiga favorável
Francisco de Morais (1500-1572), escritor português, autor de Desculpas de
uns amores (1524), obra baseada na sua própria infelicidade amorosa. A ele é
atribuída a autoria do famoso romance de cavalaria Palmerim de Inglaterra,
cuja primeira edição (c.1544), está perdida, existindo a edição castelhana de
1546. Baseados nesta reedição os espanhóis atribuem a obra a Diego Hurtado
de Mendoza.
Francisco de Paiva de Andrade (1540-1614), escritor português, cronista-mor
do reino, guarda-mor da Torre do Tombo, dos maiores acervos históricos e
literários do mundo. Escreveu a Crônica do muito alto e muito poderoso rei
destes reinos de Portugal Dom João III deste nome (1613). Como poeta
compôs uma crônica rimada em 20 cantos, O primeiro cerco de Diu (1589).
Francisco de Sá de Miranda (1481-1558), poeta português, partícipe do
Cancioneiro Geral, de Garcia de Resende. Em 1521 foi à Itália, lá permaneceu
cinco anos, introduzido no meio literário pela poetisa Vittoria Colonna, grande
paixão de Michelangelo, autora de Rimme della Vittoria Colonna. Retornando a
Portugal em 1527, Sá de Miranda iniciou a fase mais fecunda da sua produção,
realizada numa linguagem elíptica e cingida ao concreto, sentenciosa,
aforística, a meio caminho da sátira e do ensaio.
Francisco Suárez (1545-1617), filósofo e teólogo espanhol, jesuíta, chamado
Doctor Eximius, ensinou em Roma, Alcalá, Salamanca e Coimbra, considerado
um dos últimos representantes da escolástica e um dos fundadores da filosofia
159
do direito. Refutou a teoria do direito divino dos reis e afirmou que o direito
internacional fundamenta-se no costume. Suas obras incluem: Disputas
metafísicas (1597), Tratado das leis e do Deus legislador (1612), Defesa da fé
católica e apostólica (1613), além de extensos comentários sobre a Suma
teológica, de Santo Tomás
François Rabelais (1494-1553), escritor e médico francês, uma das maiores
expressões do Renascimento. Editou em 1532 obras de direito, de medicina e
Horríveis e espantosos feitos e proezas do mui afamado Pantagruel, assim
como um divertido almanaque Pantagruéline prognostication. Viajou para
Roma e na volta publicou Vida inestimável do grande Gargantua, pai de
Pantagruel (1534). Em 1546 dedicou a Margarida de Navarra o Terceiro livro
dos fatos e ditos heróicos do nobre Pantagruel, que foi, como as obras
anteriores, condenado pela Sorbonne. Refugiado em Roma, publicou os
primeiros capítulos do Quarto livro de Pantagruel (1548), cuja edição completa
saiu em 1552. Sua obra resume as aspirações da primeira metade do séc. XVI,
concilia erudição com tradições populares e lições de um novo humanismo.
Através das narrativas cômico-heróicas, do tom grotesco e da farsa, Rabelais
convida o leitor a pensar em renovação do ideal filosófico à luz do pensamento
antigo e faz uma profissão de fé na ciência e na natureza humana. Seu gênio
como escritor sobressai na linguagem truculenta, de invenções verbais, servida
de um vocabulário rico, imaginoso, que utiliza sabiamente a diversidade de
língua e registros dialetais da época.
Frei Pedro de Padilla (natural de Linares), autor de Romancero, Madri 1580;
Grandezas e excelências da Virgem Nossa Senhora (?); Églogas pastoris (?);
Jardim espiritual (?).
Frei Tomé de Jesus (1529-1583), escritor português, em 1578 foi para a África,
sendo preso em Alcácer-Kibir, é autor dos Trabalhos de Jesus, compostos
durante o cativeiro e "dedicados à nação portuguesa na sua tribulação".
Compôs também uma Vida do venerável padre Luís de Montoya e A quarta
parte da Vida de Jesus que o padre Montoya havia deixado inacabada. Sua
obra caracteriza-se pela sinceridade e ausência de ostentação erudita.
160
Garci Rodríguez (ou Ordoñez) de Montalvo (séc. XV), escritor espanhol,
governador de Medina del Campo, escreveu, entre outros, o romance de
cavalaria Amadis de Gaula (1508) e sua continuação Las sergas de Esplandián
(1510).
Garcia de Orta (1490-1568), médico e escritor naturalista português, em 1534
foi para a Índia, onde colecionou e estudou produtos naturais da terra.
Escreveu Colóquios dos simples e drogas e coisas medicinais da Índia,
autêntica enciclopédia de medicina e botânica. Em 1580 teve os ossos
exumados e queimados publicamente pela Inquisição e as cinzas jogadas no
rio Mandovi, porém mais tarde fizeram-lhe justiça e sua obra foi reconhecida.
Garcia de Resende (1470-1536), poeta, pesquisador e historiógrafo português,
músico, cantor, foi sobretudo o compilador do Cancioneiro geral em 1516,
também chamado Cancioneiro de Garcia de Resende. Outras obras: Vida e
feitos de Dom João II (1545), Miscelânea e variedade de História (1554), Breve
memorial sobre a confissão (1521), Sermão dos três Reis Magos.
Garcilaso de la Vega (1540-1615), guerreiro e escritor espanhol, cognominado
"El Inca" pela origem peruana (nasceu em Cuzco), historiador e ficcionista, um
dos primeiros cronistas da civilização Inca. Pela profunda ligação com a cultura
pré-colombiana, seus livros combinam elementos históricos e fantásticos.
Escreveu, entre outros: Florida del Inca, o Historia del adelantado Hernando del
Soto (1605), Los comentarios reales, que tratan del origen de los Incas (1609),
Historia general del Peru (póstumo 1617). É provável filho de Sebastián
Garcilaso de la Vega (1495-1559), conquistador espanhol que serviu no
exército de Cortés (México) e no de Alvarado (Peru), sendo posteriormente
nomeado governador de Cuzco em 1548, onde morreu.
Gaspar de Aguilar (?), valenciano, autor de O mercador amante
Geofrey Chaucer (1340-1400), poeta inglês de grande influência na Europa.
Descobriu a literatura francesa quando esteve preso naquele país, traduziu o
161
francês Jean de Meung e compôs uma série de Lamentos. Diplomata na Itália,
enturmou-se nos meios literários e artísticos, encontrou Petrarca, Bocaccio e
escreveu a Lenda das mulheres exemplares (1385). Os Cantos de Canterbury
(1400), mescla realismo social e aspirações urbanas, tornou-se a mais
importante contribuição para a fixação da língua inglesa, divulgou a literatura
britânica em toda a Europa.
Gil Vicente (1465-1537), dramaturgo português, a maior figura da literatura
portuguesa anterior a Camões. Em 1502 entrou a serviço de Dona Leonor,
viúva do rei Dom João e desde então escreveu inúmeras peças para festas
reais. Parou de escrever em 1536 e num documento de 1540 já aparece como
morto. A obra teatral de Gil Vicente deu origem à primitiva dramaturgia
peninsular, ao lado da espanhola, da qual fazia parte. A maioria de suas obras
está escrita em língua castelhana. Escreveu, entre tantas: Auto pastoril
castelhano (1502), Auto dos Reis Magos (1503, Auto da história de Deus
(1528), Exortação da guerra (1534). Foi autor de várias peças de cavalaria,
entre as quais a Tragicomédia de Dom Duardo, Amadis de Gaula e a Farsa do
escudeiro. Gil Vicente exercitou todas as temáticas: tragédia, crítica, cavalaria,
superstições populares, paródias, polêmica, moral.
Ginés Pérez de Hita (1544-1619), autor de Guerras civis de Granada
(1595/1604), que narra a revolta dos mouriscos do reino de Granada, último
bastião muçulmano da Espanha. Os rebeldes só foram derrotados após dura
guerra comandada por Don Juan de Áustria. A rebelião ficou conhecida como a
Revolta dos Mouros, verdadeira guerra civil, redundou em morticínio e
expulsão dos mouriscos, consolidada em 1609, gerou irreparáveis perdas
econômicas, artísticas, humanas e sociais para a Espanha e Portugal.
Giovanni Batista Guarini (1537-1612), escritor italiano, escreveu poesias, uma
comédia (Idropica, 1584), notadamente a tragicomédia pastoril Il pastor fido,
anúncio da poesia barroca.
Godofredo de Bouillon (1061-1100) e não Godofredo de Bulhões, como
erradamente traduzem os portugueses. Trata-se de Godofredo IV, de Bolonha
162
(daí o Bouillon), vendeu o seu ducado para organizar e dirigir a I Cruzada
contra Jerusalém (1099). Após a tomada da cidade, governou com o título de
Procurador do Santo Sepulcro. Cavaleiro valoroso, inspirou os trovadores que
difundiam suas façanhas por toda Europa cantando a gesta A Canção de
Antioquia.
Gomes Eanes de Azurara ou Zurara (1410-1474), cronista português que em
1454 substituiu Fernão Lopes como guarda-mor da Torre do Tombo. Foi
Cavaleiro da Ordem de Cristo. Principais obras: Crônica da Tomada de Ceuta
(1450); Crônica de Dom João I (1455); Crônica do Conde Dom Pedro de
Meneses (1458), Crônica de Dom Duarte Meneses (1468); Crônica dos feitos
da Guiné (1473).
Gonzalo Fernández de Córdoba (1453-1515), militar espanhol conhecido como
"O Grande Capitão". Lutou inicialmente contra os mouros, conquistou a vitória
de Lucena, onde capturou o rei Boabdil (1483). Após participar da tomada de
Granada (1492), foi enviado por Fernando II para a Itália, venceu as batalhas
de Seminara, Atella e Cerignola (1503), apoderando-se do reino de Nápoles,
que foi anexado ao de Aragão. Nomeado Vice-rei de Nápoles, depois foi
chamado de volta por Fernando II e caiu em desgraça em 1507.
Gregório Silvestre (1520-1569), poeta espanhol, "glosador de fama, muito
imitado", segundo citado.
Guillén de Castro y Bellvís (1569-1631), dramaturgo espanhol. Miguel de
Cervantes elogiava o caráter patético de seu teatro. Autor de Las mocedades
del Cid, uma das fontes de inspiração para o Cid de Corneille. Foi também
citado como provável autor da Parte II do Dom Quixote, apócrifo, assinado por
Alonso Fernández de Avellaneda.
Hernán de Herrera (1534-1597), "um dos poetas espanhóis mais ilustres de
seu tempo", igualmente Bartolomeu Carrasco de Figueroa, Herrera também foi
cognominado o Divino e no entanto não é mencionado em nenhuma das
citações de autores célebres espanhóis aparecidas no Quixote.
163
Hernán Pérez de Pulgar (1451-1531), dito “El de las Hazañas”, guerreiro e
escritor espanhol, escreveu a história El Gran Capitán Gonzalo de Córdoba
(1527).
Horácio [Quintus Horatius Flaccus], (65aC-8aC), poeta latino, filho de escravo
alforriado que lhe proporcionou sólidos estudos literários e filosóficos em Roma
e Atenas, serviu como tribuno militar no exército de Brutus, derrotado em
Filipos em 42. De volta a Roma, conheceu Virgílio que o apresentou a
Mecenas, a quem se ligaria por profunda amizade até a morte. Epicurista
elegante e artista refinado, legou às letras latinas uma poesia ao mesmo tempo
familiar, nacional e religiosa. Suas obras, Sátiras, Epodos, Odes, Epístolas,
fizeram com que fosse considerado um modelo de virtudes clássicas de
equilíbrio e medida.
Iñigo López de Mendoza Santillana (1398-1458), guerreiro e escritor espanhol,
participou das guerras civis durante o reinado de Juán II de Castela e obteve,
após a Batalha de Olmedo (1445), o título de marquês de Santillana. Deixou
numerosos poemas de amor, nos quais se harmonizam a tradição castelhana,
o gosto pela alegoria à moda francesa e a imitação dos italianos. Foi o
introdutor do soneto na poesia espanhola.
Jean Bodel (?-1210), poeta da confraria dos saltimbancos de Arras (jograis),
divulgou a canção de gesta, pastoral, teatro dramático e criou o gênero poético
da renúncia. Obras: La chanson des Saisnes, Auto de São Nicolau.
Jean de Meung ou Meun (1240-1305), escritor francês, autor da Segunda parte
do Romance da rosa e de importantes traduções (A arte da cavalaria, de
Vegécio; As cartas de Abelardo e Heloísa). Atribui-se também a ele O
testamento de Jean de Meung.
Jean Renart (séc. XII-séc. XIII), poeta francês, autor de rimances e contos,
direcionou o romance para visão mais realista, sem abandonar, contudo, a
164
influência do lirismo cortês da época. Principais obras: L'Escoufle (1202),
Guillaume de Dole (1210), Le lai de l'ombre.
Jerônimo Corte Real (1535-1588), poeta português, serviu nas Índias e na
África, é autor de três poemas célebres: Sucesso do segundo cerco de Diu
(1574), La Austríada (1578), [em castelhano]; Naufrágio e lastimoso sucesso
da perdição de Manuel de Sousa de Sepúlveda (1594).
Joanot Martorell (1410-1468), escritor catalão, compôs, por volta de 1460, as
três primeiras partes do romance de cavalaria Tirant lo Blanch (1490),
completado pelo seu conterrâneo Martí Johan de Galba.
João de Barros (1496-1570), escritor português, tesoureiro e feitor da Casa da
Índia, Casa de Ceuta e Casa da Mina, recebeu junto com Aires da Cunha as
capitanias hereditárias do Norte e Maranhão, das quais não conseguiram tomar
posse. Destacado cronista, escreveu a novela de cavalaria Crônica do
imperador Clarimundo donde os reis de Portugal descendem (1522),
Ropicapnefma (segundo o autor, expressão grega que significa "Mercadoria
espiritual"), Décadas da Ásia (1522), que teve várias edições seguidas. A
Crônica do imperador Clarimundo foi a fonte do famoso Palmerim de Inglaterra.
Diogo do Couto escreveu a continuação das Décadas da Ásia.
João de Castro (1500-1548), navegador e escritor português, 4º vice-rei da
Índia, em 1535 tomou parte na expedição de Carlos V contra Túnis. Fez
estudos sobre a distância do Brasil ao Cabo da Boa Esperança, escreveu
Roteiro de Lisboa a Goa, esteve com a armada portuguesa em Diu, que
resultou no Primeiro roteiro da costa da Índia, de Goa a Diu. Aproveitou uma
expedição a Suez para novos estudos, registrados em Roteiro do mar Roxo
(1541).
John Barbour (1316-1395), cronista, poeta e teólogo escocês. O herói de seu
poema épico The Bruce (1375) é uma encarnação das virtudes da cavalaria
européia.
165
John Napier (ou Neper) (1150-1617), escritor, inventor e matemático escocês,
publicou em 1593 fortíssimo comentário anticatólico sobre o Apocalipse. Sua
crença na astrologia e adivinhação deram-lhe a fama de louco e de praticar
bruxaria. Imaginou engenhos e máquinas de guerra, jamais construídas,
destinados a conter a invasão de Filipe II.
Jorge de Montemayor (1520-1561), poeta português de língua castelhana, sua
obra mais famosa é Los siete libros de Diana, foi o pioneiro em mesclar verso e
prosa num só trabalho. Escreveu também um Cancionero.
Jorge Ferreira de Vasconcelos (1515-1585), comediógrafo e escritor português.
Suas obras não obedecem aos preceitos tradicionais: o diálogo adquire função
e importância capitais conforme o próprio autor declara na abertura de
Eufrósina (1555). Denuncia as ilusões do idealismo erótico feudal e representa
forte nacionalismo lingüístico, incorporando locuções populares, ditados,
idiotismos, característicos do tempo, misturando-os com cuidadosas descrições
de móveis, vestuários, hábitos e usos. Além das peças, entre as quais estão
Ulíssipo e Aleugrafia, escreveu ainda um romance de cavalaria, Memorial da
segunda Távola Redonda, de intuitos moralizantes e pedagógicos.
Juan Bautista de Bivar (?-?), poeta elogiado por Cervantes em Canto de
Calíope, incluído na Galatéia.
Juan de la Cueva (1550-1610), poeta dramático espanhol, um dos precursores
do teatro do século de ouro, com El inflamador (1581), que seria a primeira
manifestação dramática do personagem Don Juan e com A comédia da morte
do rei Dom Sancho (1600).
Juan de Mena (1411-1456), poeta espanhol, cronista real, autor de El laberinto
de Fortuna, alegoria poética de cunho barroco e também de As Trezentas.
Juan Mariana de La Reina (1536-1624), historiador e jesuíta espanhol,
escreveu uma História Geral da Espanha em 1592 e um tratado: Do rei e da
realiza (l599), no qual faz a apologia do tiranocídio.
166
Juan Ponce de León (1527-1591), poeta espanhol, considerado das maiores
figuras do Renascimento. Agostiniano, foi preso pela Inquisição por
comentários ao Cântico dos Cânticos, que traduziu do hebraico. Suas poesias
reunidas por Francisco Quevedo são de inspiração mística e neoplatônica.
Deixou em prosa A perfeita casada e Os nomes de Cristo.
Juan Ruiz (1285-1350), escritor espanhol de Alcalá de Henares, conhecido
como O Arcipreste, autor de longo poema , O libro de buen amor (1330 e
1343), obra singular e autobiográfica, mesclada de lendas, alegorias e sutilezas
satíricas sobre a sociedade de sua época.
Leão Hebreu (1465-1535), escritor e filósofo de vertente hebraico-portuguesa,
de expressão italiana, divulgador do neoplatonismo, através do averroísmo. Em
Dialoghi d'Amore, que teve várias edições no séc. XVI, Leão Hebreu defende o
conceito neoplatônico do amor. Sua obra influenciou Cervantes, Vivés,
Giordano Bruno e Spinoza.
Lope de Rueda (1500-1568), célebre autor dramático espanhol, iniciador dos
autos e peças satíricas, que iriam tornar famoso a Félix Lope de Vega. Lope de
Rueda estranhamente não é diretamente citado no Quixote, apesar de ter sido
tomado como exemplo e até imitado por Cervantes.
Luigi Pulci (1432-1484), escritor italiano, cuja obra-prima, Il Morgante (l483), é
um poema de cavalaria em 28 cantos, muito superior à canções de gesta do
séc. XIV que o autor pretendia, em princípio, parodiar.
Luis de Góngora y Argote (1561-1627), poeta, de família nobre, foi dotado de
importantes privilégios eclesiásticos que permitiram consagrar-se
exclusivamente à literatura. Foi ordenado padre aos 56 anos para se tornar
capelão de Filipe III. Renovou profundamente os gêneros clássicos compondo
letrillas e romances de cunho popular, bem aceitos pelos círculos literários. Em
1585 sua glória estava suficientemente estabelecida para que Cervantes o
citasse na Galatea e posteriormente no Quixote, como um dos grandes poetas
167
espanhóis. Pedro de Espinosa publicou 37 peças de Góngora na sua Antologia
dos poetas ilustres da Espanha (1605). Em suas obras A fábula de Polifemo y
Galatea (1612) e Soledades (1613), poema semi-hermético sobre a vida
camponesa, desenvolveu o culteranismo ou gongorismo, estilo ornamentado e
metafórico que foi combatido por Félix Lope de Vega. Antes de morrer Góngora
viu seus poemas editados sob o título de Obras em versos del Homero español
(1627).
Luís Vaz de Camões (1517-1580), o maior poeta português, dramático, épico,
lírico, de vida tecida de aventuras e adversidades, batalhas, duelos, brigas,
resultando na perda do olho direito. Participou de várias expedições marítimas.
Em 1571 obteve da inquisição licença para publicar Os Lusíadas, saído em
1572. Além dessa epopéia, pouca coisa sua foi publicada em vida: três peças
líricas, a ode "Aquele único exemplo", a elegia "Depois que Magalhães teve
tecida", o soneto "Vós, ninfas de gantética espessura". Artesão do verso,
ordenando imagens em antíteses e paradoxos, antecipou-se à explosão
barroca. O primeiro poeta português a publicar uma epopéia, cultivou todos os
gêneros poéticos. Toda a obra dramática (Anfitriões, Filodemo, Auto d'el rei
Seleuco), a poesia lírica, as cartas são de publicação póstuma. A literatura
popular brasileira em verso (cordel), imaginativa e despojada, desprezando os
séculos que os separam, uniu Camões a Bogage em diversas aventuras, a
maioria picaresca, licenciosa, algumas francamente pornográficas. Uma quadra
popular brasileira diz: "Este é o Luís de Camões,/ Grande vate português,/ Via
mais com um só olho/ Do que nós com todos três!"
Luiz Vélez de Guevara (1570-1644), romancista e dramaturgo espanhol,
seguidor de Cervantes, autor do romance satírico El Diablo Cojuelo, no qual
cita-se pela primeira vez a figura de Asmodeu, entidade diabólica que, através
dos telhados das casas, descobre os segredos íntimos dos habitantes.
Asmodeu, conhecido como o demônio dos prazeres, se tornou figura folclórica
e proverbial. O romance foi adaptado para o francês por Alain René Lesage,
autor também de Gil Blas.
168
Lupercio Leonardo de Argensola (1559-1613), autor de tragédias
renascentistas, entre as quais A Isabela, A Filis e A Alexandra.
Marco Polo (1254-1324), viajante veneziano, cuja celebridade provém da
publicação da narrativa de sua viagem pela Ásia, O livro de Marco Polo,
também chamado Livro das maravilhas e O milhão. Seu pai Niccolo e seu tio
Matteo, negociantes de Veneza, viajaram antes dele até Pequim e retornaram
trazendo uma mensagem de Kublai Khan para o papa. Voltaram a Pequim em
1271 com o jovem Marco seguindo a rota da seda. Ficaram por um ano em
Cantão, principal cidade da China, depois continuaram a viagem sob a
proteção de uma escolta oficial e chegaram a Shangdu, residência do Cã.
Enquanto seu tio e pai faziam negócios, Marco cumpriu diversas missões na
China a serviço do Cã. Essas viagens pelo interior do reino os levaram até
Caragian, permitindo estabelecer seu extraordinário retrato da China, a
organização administrativa, artesanato original, informação sobre o papel-
moeda, as riquezas. Em 1292 os mercadores deixaram a China pelo mar até
Ormuz, depois por terra até Trebizonda, chegando a Veneza em 1295. Foi
numa prisão de Gênova, onde ficou entre 1296 e 1296, que Marco Polo ditou
suas recordações de viagem ao escritor Rustichello. Em Marco Polo encontra-
se referência ao Preste João das Índias, cuja legenda chegou até Cervantes e
ao Dom Quixote.
Marie de France (1154-1189), poetisa francesa, autora de uma coletânea de
poemas intitulada Lais (publicada durante o reinado de Henrique II), inspirados
em lendas bretãs.
Mateo Alemán (1547-1614), célebre escritor espanhol, autor do romance
picaresco Vida e aventuras de Gusmán de Alfarache (1599, parte I e 1604,
Parte II).
Matteo Maria Boiardo (c.1430-1494), poeta italiano cujas composições eruditas,
églogas e poemas (Amorum libre tres 1469-1476), antecipam a atmosfera
onírica do Orlando innamorato, sua obra-prima.
169
Maurice Sceve (1501-1560), poeta francês, autor de Délia, objeto da mais alta
virtude (1544), cancioneiro em 449 estrofes de dez versos que celebra Pernett
de Guillet e Microcosmos (1562), poema científico sobre a epopéia do
conhecimento.
Michel Eyquem de Montaigne (1533-1592), escritor e pensador francês, uma
das maiores figuras do Renascimento, combinou elementos de Epicuro e do
ceticismo antigos, deu expressão ao humanismo, expôs um ideal de felicidade,
que consiste na tranqüilidade da alma, na prudência, na eliminação da
inquietude, no viver de acordo com a natureza mais íntima do eu. Para ele o
homem se define pelo que faz e pelo que projeta no futuro, sendo um ser
"ondulante". Toda a obra de Montaigne está contida em seus Ensaios (1580),
gênero que criou e que se identifica com seu pensamento. Por tudo isso, tem
sido lembrado como um precursor do existencialismo moderno.
Nicolas Rapin (1535-1608), magistrado e poeta francês, um dos autores da
Sátira Menipéia.
Ovídio (43aC-17dC), Publius Ovidius Naso, brilhante poeta latino autor de
coletâneas de poesias eróticas, além de obras de maior envergaduras: As
metamorfoses, Os fastos, Os amores, As heróides, Arte de amar, Os remédios
do amor, Os cosméticos, Pônticas. Amigo de Virgilio e Horacio, protegido por
Augusto, foi o autor favorito da sociedade mundana de Roma. Por razões
misteriosas e motivo jamais esclarecido, foi condenado ao exílio em Tomi em 8
dC, onde morreu.
Paio Gomes Charinho (1225-1295), poeta trovadoresco galego (Pontevedra),
marinheiro, homem de confiança de Alfonso X, participou da conquista de
Sevilla e Jaén. Distinguiu-se como um dos primeiros poetas a cantar o mar.
Pedro da Fonseca (1528-1599), filósofo português, padre jesuíta, representante
da Segunda Escolástica Portuguesa, redigiu Comentários aos Livros de
Metafísica de Aristóteles, publicados no Curso Coimbricense, espécie de
manual para a divulgação do pensamento aristotélico-tomista, utilizado no
170
Colégio das Artes de Coimbra. Inspirou Molina na sua conciliação entre a
doutrina do livre-arbítrio e a da predestinação.
Petrarca (1304-1374), poeta e humanista italiano, estudou em Pisa, Bolonha,
Montpellier, Avignon, onde conheceu Laura de Noves, inspiradora de um amor
platônico que durou até o fim da vida, sobrevivendo às viagens, às pesquisas
eruditas, à vida na corte e às honrarias. Refletiu sobre a vida em uma confissão
sob forma de diálogo em latim (Segredo). Para seus contemporâneos era
sobretudo humanista: descobriu e divulgou manuscritos antigos, publicou
estudos históricos e filosóficos, Sobre os homens ilustres (1338), A vida
solitária (1356), O repouso dos religiosos (1347), o poema épico África (1338) e
Cartas (1366). Deve, porém, a sua glória poética ao Canzoniere, publicado em
1470. Modelo de poeta elegíaco, exprimiu sua divisão entre as aspirações
ascéticas e as seduções do mundo por meio de múltiplos jogos de antíteses,
que constituem os elementos fundamentais do petrarquismo.
Polidoro Vergilio (1470-1555), historiador e humanista italiano, autor de vários
livros de erudição tão abundante quanto inútil, segundo seus críticos.
Robert Wace (1100-1175), poeta anglo-normando, protegido de Henrique II, é o
autor de Roman de Brut (1155), primeira obra em língua vulgar que relata as
aventuras do rei Artur e do Roman Rou ou Gesta dos normandos (1155-1170),
que narra a história da Normandia até 1106.
Ruy de Pina (1440-1520), autor de obras portuguesas de história de cavalaria,
escritas em castelhano.
Serafino Aquilano (séc. XV), poeta italiano (ver cap. 38 do livro II).
Suetonio [Caius Suetonius Tranquillus], (69-126), historiador latino, protegido
de Plínio, o moço, sua obra mais importante é Vida dos Césares, 12 biografias
que abrangem a vida desde César até Domiciano.
171
Terencio [Publius Terentius Afer] (185-159aC), poeta cômico, dramaturgo
latino, freqüentou círculos cultos de Cipião e Emiliano, escreveu as comédias:
O eunuco, Autoflagelador, A sogra, Fórmio, Os irmãos. Em suas peças a
análise psicológica, o problema moral, sobrepõem-se às peripécias dramáticas
e aos exageros cômicos. Foi modelo para os clássicos franceses, sobretudo
Molière.
Thomas Nashe (1567-1601), escritor inglês cujo talento satírico foi reconhecido
em panfletos e peças de teatro. É o pioneiro romance picaresco com O
desventurado ou A vida de Jack Wilton, de 1594.
Torquato Tasso (1544-1595). Escritor italiano de vida errante, cheia de crise e
internações por problemas mentais. Autor do poema épico Jerusalém libertada
(1575), de Jerusalém conquistada (1593), escreveu o poema de cavalaria
Reinaldo (1562), a fábula pastoril Aminta (1573), a tragédia Torrismondo
(1587), Discursos do poema heróico (1594), a comédia Intrigas de amor e
Cartas, importante documento sobre o espírito do seu tempo e das crises de
consciência que o atormentavam. Um dos maiores sonetistas da língua italiana.
Vasco Mousinho de Quevedo e Castelo Branco (séc. XVI-séc. XVII), poeta
português, autor de um Discurso sobre a vida e morte de Santa Isabel, rainha
de Portugal, e outras várias rimas (1596) e do poema Triunfo do monarca Filipo
terceiro na felicíssima entrada de Lisboa (1619), em seis cantos. Sua obra mais
importante é Afonso Africano (1611).
Vicente Espinel (1550-1624), escritor, poeta e músico espanhol. Modernizou
vários instrumentos de cordas e acrescentou uma quinta ao encordoamento da
guitarra. Autor do romance de aventuras Marcos de Obregón (1618), no qual
Alain René Lesage se inspirou para escrever Gil Blas.
Sir Walter Raleigh (1554-1618), escritor e navegador inglês, favorito de
Elizabeth I, foi o fundador do estado da Virgínia nos EUA, que ganhou este
nome em homenagem à Rainha Virgem. Participou da expedição contra Cádiz
em 1596. É autor de inúmeras obras, poesias, narrativas de viagem, etc. e de
172
uma História do mundo inacabada. Jaime I mandou executá-lo em virtude de
ter fracassado numa expedição à Guiana em 1618.
William Shakespeare (1564-1616), poeta e o maior dramaturgo inglês. Muitos
contemporâneos e parte notável da posteridade, decepcionados pela pobre
biografia em relação à exuberância da obra, tentaram negar-lhe a existência,
atribuindo autoria a personagens ilustres e cultos. São poucas as informações
sobre sua vida e é difícil separá-la das lendas, mas sabe-se que Shakespeare
foi autor, ator e sócio do grupo de lorde Chamberlain e fez do teatro um bom
negócio. Em 1598 instalou-se no Globe Theatre, escreveu poemas (Vênus e
Adônis, 1593; O rapto de Lucrécia, 1594 e 154 Sonetos, 1609). Seus
contemporâneos eram uma plêiade de grandes autores (Chapman, Bem
Jonson, Marston, Thomas Heywood), mas poucos tiveram a qualidade
universal que Shakespeare impôs às suas tragédias e comédias. As primeiras
obras de Shakespeare são influenciadas pelo estilo renascentista, mas as
posteriores, como a tragicomédia dramática Antony and Cleopatra, já
representam o espírito barroco. A obra dramática de Shakespeare funde a
visão poética refinada a um forte caráter popular no qual assassinos, violações,
incestos, traições, são os ingredientes mais leves para divertir o público. O
mestre da dramaturgia concluiu sua obra com peças de caráter romanesco
(Cimbelina, 1609; Conto de inverno, 1611), onde Calibã, encarnação do gênio
da poesia material e Próspero, mágico sem ilusões ("Nós somos do estofo de
que os sonhos são feitos"), dão um balanço do jogo extraordinário de palavras
e coisas: toda a feitiçaria do verbo para provar a nulidade da linguagem como
instrumento de domínio do mundo, como meio de comunicação. O teatro inglês
deu mostras durante mais de três quartos de século, (desde Gorboduc, de
Sackville e Norton, em 1562, ao fechamento dos teatros pelo parlamento
puritano em 1642), de grande vitalidade. Sucesso comercial e popular, o teatro
elisabetano foi fruto de uma multiplicidade de autores: George Peele, Robert
Greene, George Chapman, Christopher Marlowe, Thomas Dekker, Francis
Beaumont, John Fletcher, John Webster, John Ford e, principalmente, William
Shakespeare. Apesar da diversidade é possível delinear algumas
características do teatro inglês do período: estilização do cenário, interlocução
com a platéia, ligação entre o trágico e o cômico, predileção pela violência, o
173
tema da vingança da honra, angústia metafísica, apetite arrebatado pelo prazer
e conhecimento, misto de truculência verbal e refinamento poético. O teatro
inglês acabou por disseminar o gosto pelo palco por todo mundo, influenciando
autores, estimulando espectadores a participar da trama, tornando-os autor e
personagem.
Wolfram von Eschenbach (1170-1220), poeta alemão, autor de grandes
epopéias de caráter cavaleiresco, entre as quais Parsifal, onde aborda a lenda
do Graal, Willehalm, que conta a luta de Guilherme de Aquitânia contra os
sarracenos e Titurel, do qual restam apenas 170 estrofes, que evoca os
amores do cavaleiro Scionatulander e da bela dama Sigune.
174
OBRAS, ESCOLAS, INFLUÊNCIAS, MESMO NÃO IDENTIFICADAS OU
PÓSTUMAS
A Caroléia, de Jerónimo Sempere, Valência 1560
A Caroléia, de Juan Ochoa (?)
A Celestina (1499), de Fernando de Rojas, A Celestina ou Tragicomédia de
Calixto e Melibéia, tem como tema a história de um jovem apaixonado, uma
moça ignorante, um criador venal e uma alcoviteira (Celestina), que compõem
os personagens da obra, um dos primeiros grandes textos do teatro espanhol.
Temas recorrentes e usuais nos vários cuentos inseridos em Dom Quixote por
Cervantes...
A demanda do Santo Graal, Lisboa (1515), novela anônima portuguesa de
cavalaria, de temática arturiana, cristã e das aventuras dos Cavaleiros da
Távola Redonda (o manuscrito encontra-se em Viena). Narra a tentativa de
recuperação do vaso no qual, segundo a lenda, José de Arimatéia conservara
o sangue de Jesus Cristo. Com exceção de algumas tentativas parcialmente
realizadas, só em 1944 foi publicada no Rio de Janeiro a primeira versão em
português, editada por Augusto Magne. Esta obra foi a fonte de inspiração na
Literatura de Cordel, vários romances, peças teatrais, filmes, adaptações que
ambientaram o tema no cenário nordestino.
A destruição de Numancia, de Miguel de Cervantes Saavedra, Numancia,
cidade da antiga Espanha, que desafiou durante 14 anos o poder de Roma,
tomada e destruída em 133 aC pelo imperador romano Cipião Emiliano (206-
254aC), que já havia destruído Cartago em 146 aC. Ali Cipião morreu
assassinado durante a discussão de leis agrárias propostas pelos Gracchos,
das quais discordava. A primeira vítima da reforma agrária... Constam também:
Epístola a Mateo Vásquez (?); O acordo de Argel (1602); Os banheiros de
Argel (?); Viagem ao Parnaso (?)
175
A divina comédia (1306), epopéia cristã de Dante Alighieri (1265-1321),
compõe-se de 100 cantos divididos em prólogo e três partes de 33 cantos
(Inferno, Purgatório e Paraíso), cada canto compreende 130 a 140 versos,
dispostos em terza rima. Contendo grande parte da ciência da Idade Média,
Dante a situa durante a Semana Santa de 1300. Conduzido por Virgílio, o
poeta chega ao mundo do além e atravessa os nove círculos do Inferno.
Depois empreende a escalada da montanha do Purgatório, no alto da qual
encontra Beatriz, que o leva ao Paraíso. Poema sublime, grandioso, semeado
de episódios graciosos e terríveis, admirável como estilo, como versificação,
criador da poesia e da própria linguagem italiana do Século XIV. A obra
combina o realismo mais cru com o mais místico lirismo, forma a síntese
espiritual e poética da Idade Média.
A história do Imperador Carlos Magno e os doze pares de França, Alcalá de
Henares 1589 Novela de cavalaria que narra as façanhas do imperador Carlos
Magno (Carlos I, o Grande), muito popular em toda a península ibérica,
trasladada para toda a Europa e América, chegou ao Brasil em 1728 em edição
portuguesa, traduzida do espanhol por Jerônimo Moreira de Carvalho.
Aderente: A peregrinação de Carlos Magno - poema anônimo do início do
Século XII, épico à maneira das canções de gesta. O enredo do livro inspirou
sobretudo os cantadores nordestinos e são muitos os folhetos de cordel que
tratam do tema. O original francês Conquêtes du Gran Charlemagne é de 1485.
A Imperatriz Porcina, romance em versos muito popular de Baltazar Díaz,
poeta da escola vicentina, escrito na segunda metade do séc. XVI, vem sendo
reeditado até os nossos dias. De larga difusão em Portugal e no Brasil, ainda é
representado em forma de auto na região do Douro (Duero) com o nome de A
Santa Imperatriz. A origem da história é oriental, sendo divulgada da Europa
desde o séc. XI ou XII, quando circulou em redação latina e nos manuscritos
dedicados aos milagres da Virgem Maria. Personagem inspiradora e muito
cantada nos folhetos de cordel.
A ingratidão vingada, A Arcádia, A Formosura de Angélica, Auto das Cortes da
Morte (auto de caráter sacramental), obras teatrais de Félix Lope de Vega,
176
escritor prolífico que deixou cerca de 1500 peças. Em virtude de seu
envolvimento com a Inquisição, teve muitos adversários literários, entre os
quais Miguel de Cervantes e Luís de Góngora. Lançou a comédia de cunho
nacional com elementos cômicos, trágicos, eruditos e populares. Deixou
também extensa obra lírica.
A inimiga favorável, do Cônego Francisco Agostinho Tárrega (?).
A morte de Artur (1485), obra de Thomas Malory, a primeira escrita em inglês
moderno, da lenda do Rei Artur. Inspirada em romances arturianos anteriores,
principalmente franceses, conta as aventuras dos cavaleiros da Távola
Redonda, desde o nascimento de Artur.
A Vida de Diogo Garcia e Paredes, Diogo Garcia y Paredes (1466-1530),
guerreiro espanhol, muito popular e uma das legendas militares da Espanha
Acerca da matéria médica, de Padacius Dioscorides Anazarbeo, por A. Laguna
Amadis de Gaula (1508), célebre romance de cavalaria de Garci Rodríguez de
Montalvo, a partir do original português de Vasco de Lobeira (séc. XIII), [foi
traduzido para o francês por Nicolas d'Herberay des Essarts, 1540]. Romance
iniciador da série de mais de 24 livros, que montou toda uma família
cavaleiresca: Perión de Gaula, pai de Amadis, Esplandián, filho de Amadis e
Lisuarte de Grécia, filho de Esplandián e Amadis de Grécia, neto de Amadis.
Montalvo também publicou a continuação do Amadis: Las Sergas de
Esplandião (1510). O herói Amadis, cognominado "O Amante Taciturno" é o
protótipo do Cavaleiro andante, fiel à amada, aos preceitos da cavalaria e
Cervantes considerava-o a obra-prima do gênero, em conseqüência, Dom
Quixote pode ser considerado dele sátira, espelho ou caricatura.
Amadis de Grécia (1530), de Feliciano de Silva, autor de romances de
cavalaria, que narra as aventuras do presumido filho de Esplandião, (neto de
Amadis de Gaula), el de la Muerte, cognominado O Cavaleiro da espada
177
flamejante, em oposição à Espada Verde do famoso avô, o Amadis por
excelência.
Aminta, novela pastoril de Torquato Tasso (1544-1595). Compôs o poema
épico Jerusalém libertada (1575), a cuja publicação se opôs até 1581, o que
daria origem à segunda versão da obra Jerusalém conquistada (1593).
Escreveu o poema de cavalaria Reinaldo (1562), obteve sucesso com a fábula
Aminta (1573), a tragédia Torrismondo (1587), Discursos do poema heróico
(1594), a comédia Intrigas de amor, além de Cartas, importante documento
sobre o espírito do tempo e as crises de consciência que o atormentavam. Um
dos maiores sonetistas da língua italiana.
Arcádia, romance pastoril em prosa e verso (1504), de Iacopo Sannazaro,
(1455-1530), escritor e humanista italiano, sua obra-prima. Arcádia, mescla de
prosa e verso, teve considerável influência sobre a formação do romance
pastoril e da literatura barroca, dando origem ao Arcadismo. Arcádia, região do
Peloponeso (Grécia), aonde os clássicos localizaram o mito literário da
perfeição da vida pastoril, bucólica. Simboliza a morada da felicidade, mas nem
por isso a morte a poupa.
As lágrimas de Angélica, de Luis Barahona de Soto, Granada 1586. Poeta
andaluz famoso. Segundo Cervantes, "seu autor foi um dos famosos poetas do
mundo, não só de Espanha, e foi felicíssimo na tradução de algumas fábulas
de Ovídio".
As lágrimas de São Pedro (1585), poema religioso do poeta napolitano Luigi
Tansillo (1510-1568)
As quinze alegrias do casamento (1450), sátira anônima, une aos temas anti-
feministas tradicionais dos clérigos e das fábulas satíricas (fabliaux), uma
observação realista da vida burguesa da época.
Astréia, de Honoré d' Urfé, escritor francês (1567-1625), obtendo a confiança
de Henrique IV empreendeu, apesar da vida aventurosa, a composição deste
178
romance em que misturou prosa e verso, cuja influência foi considerável.
Escreveu também o poema pastoral Sireine de messire, 1604 e Epístolas
Morais (?)
Austríada, de Juan Rufo (jurado de Córdoba), Madri 1584. Enquanto nada se
sabe sobre Juan Rufo, foi constatado que La Austríada, escrita em espanhol, é
de autoria do poeta português Jerônimo Corte Real, autor também de O
segundo cerco de Diu, Naufrágio de Sepúlveda, "poemas de apreciável
merecimento, descrições vigorosas". Militou na África e na Índia.
Canção de Roland (Chanson de Roland), antiga gesta e epopéia nacional
francesa de 4.002 versos decassílabos do fim do séc. XI, atribuída a Théroulde
(Turoldus), trovador normando do Século XII, que assina o último verso do
poema. É composta de duas partes: a traição de Ganelon, a batalha e a morte
de Roland, seguida do confronto de Carlos Magno com o emir Baligant e o
castigo do traidor. O poema exalta a fidelidade ao Rei, o sentimento religioso e
patriótico, a glória dos heróis. Modelo de Cavaleiro cristão, herói de outras
canções de gesta evocando o heroísmo da Batalha de Roncesvalles,
imortalizado por Boiardo, Ariosto e Berni, paladino famoso, um dos doze pares
de França, Roland era conde das marcas da Bretanha e, segundo a lenda,
sobrinho de Carlos Magno. Morreu na Batalha de Roncesvalles, protegendo a
retirada do exército carlista, no dia 15 de agosto de 778.
Cancioneiro de López de Maldonado, Madri 1586 - Aderentes: Cancioneiro da
Ajuda, com 310 cantigas de amor, compostas por poetas anteriores a Dom
Dinis, espólio dos jesuítas, compilado em fins do Séc. XIII e início do Séc. XIV.
Cancioneiro de Évora, coleção de poemas escritos em espanhol e português,
compilada em fins do Séc. XVI. Cancioneiro de Luís Franco Correia, iniciado na
Índia (1557), terminado em Lisboa (1589), com composições de poetas
quinhentistas. Cancioneiro Geral, coleção bilingüe, publicada em 1516 por
Garcia de Resende, à semelhança da que foi publicada com o mesmo nome
em 1511 na Espanha. Cancionero de Upsala, "villancicos de diversos autores,
a dos y a tres y a cuatro y a cinco bozes, agora nuevamente corrigidos. Ay más
ocho tonos de canto llano, y ocho tonos de canto de órgano para que puedan
179
aprovechar los que a cantar comezaren. Venettis, Apud Hieronymum Scotum,
MDLVI.", cujo original encontra-se na Real Universidade de Upsala, Suécia.
Cancionero de Segóvia, coletânea de cantos litúrgicos. Cancionero, coletânea
de poemas do espanhol Juan del Encina.
Cantar de Mio Cid (Poema do Cid), poema longo (3.750 versos), anônimo,
escrito cerca do ano de 1140, narra a história de Rodrigo Díaz de Vivar,
Cavaleiro célebre, protótipo lendário dos paladinos castelhanos, cuja
verdadeira biografia difere muito da que lhe teceu a imaginação do povo e dos
poetas. A serviço dos mouros, conquistou Valência, capital do reino árabe (taifa
de Valência), onde reinou de 1094 até 1099, quando morreu. De qualquer
modo, El Cid foi guerreiro e sua valentia se tornou proverbial. O lendário
popular conta que, mesmo estando morto, foi colocado empalado sobre um
cavalo (para mantê-lo em posição ereta) e assim pôde ajudar seu exército a
derrotar o inimigo, que fugiam apavorados ao ver vivo aquele que julgavam
morto, criando a fama de imortal. O Poema do Cid é um dos monumentos mais
antigos da literatura espanhola, início da literatura castelhana. Aderentes: O
Cid, tragicomédia de Pierre Corneille representada em 1637, de temática
inspirada em Las mocedades del Cid, de Guillén de Castro.
Carlos Famoso (1566), poema de autoria de Luis Zapata, talvez inspirado na
vida do Imperador Germânico Carlos V, príncipe dos Países Baixos, Rei da
Espanha, Rei da Sicília, neto do Imperador Maximiliano I e de Maria de
Borgonha, do também Rei da Espanha Fernando II e de Isabel I, a Católica.
Luís Zapata escreveu também Memorial histórico espanhol
Carlos Magno e os doze pares de França (1485), obra literária, que gerou
incontáveis filhotes, sobre os feitos guerreiros e conquistadores do imperador
Carlos Magno, muito popular em Portugal e no Brasil, inspirou série de gestas
e obras de cavalaria na Europa. No Brasil influenciou os poetas de Literatura
de Cordel e cantadores nordestinos, após a divulgação, em 1728, da edição
portuguesa de Jerônimo Moreira de Carvalho, traduzida do original francês
Conquêtes du Grand Charlemagne, de 1485.
180
Comentário da guerra da Alemanha (1548), de Luis de Ávila, obra histórica em
prosa, deste que parece ser o historiador e estadista espanhol cuja notícia
chegou até nós (séc. XVI).
Coplas de Jorge Manrique (?-1479), famoso poeta espanhol, cujas importantes
Endechas foram traduzidas por Camões e mais tarde transpostas ao inglês por
Longfellow.
Crônica de Dom Afonso Henrique, de Fernão Lopes? (1380-1458), obra de
feição arturiana, baseada nas tradições épicas ibéricas.
Crônica de Lepolemo, Valência 1521. Aderentes: Crônica breve do Arquivo
Nacional (Portugal 1429), Crônica da conquista do Algarve, de Paio Correia
(1419); Crônica de Portugal de 1419, relato histórico dos sete primeiros reis de
Portugal; Crônica do Imperador Clarimundo, romance português de cavalaria
escrito por João de Barros (1522), Crônica do príncipe Dom João (1567) e
Crônica do Rei Dom Manuel (l566/1567), obras históricas de Damião de Góis;
Crônica Geral de Espanha, a mais antiga compilação de natureza histórica em
língua portuguesa (1344); Crônicas breves de Santa Cruz de Coimbra (?);
Crônicas de Froissart, que relatam os fatos acontecidos na Europa entre 1325
a 1400; Grandes Crônicas de França, história dos reis de França das origens
ao sim do Séc. XV; Crônica do Grão-Capitão Gonçalo Hernández de Córdova e
Aguilar, de Florismarte de Hircánia, Alcalá de Henares, 1584
Crônicas Diversas: Crônica de Dom Afonso Henrique, de Fernão Lopes (1380-
1458), obra de feição arturiana, baseada nas tradições épicas ibéricas. *
Crônica breve do Arquivo Nacional (1429). * Crônica da conquista do Algarve,
de Paio Correia (1419). * Crônica de Lepolemo, Valência (1521). * Crônica de
Portugal de 1419, relato histórico dos sete primeiros reis de Portugal. * Crônica
do Grão-Capitão Gonçalo Hernández de Córdova e Aguilar, de Florismarte de
Hircánia (1584). * Crônica do Imperador Clarimundo, romance português de
cavalaria escrito por João de Barros, (1522). * Crônica do mui valente e
esforçado Cavaleiro Platir filho do Imperador Primaleão, anônimo, Valladolid
(1533). * Crônica do príncipe Dom João (1567), de Damião de Góis. * Crônica
181
do Rei Dom Manuel (l566/1567), obra histórica de Damião de Góis. * Crônica
dos nobres Cavaleiros Tablante de Ricamonte e Jofre (1513), livro de
cavalarias traduzido da novela provençal intitulada Jaufré (séc. XII). * Crônica
Geral de Espanha, a mais antiga compilação de natureza histórica em língua
portuguesa (1344). * Crônicas breves de Santa Cruz de Coimbra (?). * Crônicas
de Froissart, que relatam os fatos acontecidos na Europa entre 1325 e 1400. *
Grandes Crônicas de França, história dos reis de França das origens ao sim do
Séc. XV.
Decamerão, de Giovanni Boccaccio (1313-1375), escritor italiano, a maior
figura do Renascimento (A caça de Diana (1334), Os trabalhos de amor (1336),
O filóstrato (1338), Teseida (1339), poema épico em linguagem vulgar. Sua
obra principal é Decamerão (1348), contos no qual exalta a beleza e o amor,
tornando-se o primeiro grande realista da literatura. Amigo de Petrarca, foi o
primeiro escritor italiano a ler Platão e Homero no original, escreveu ainda:
Fiammeta (1343), A visão amorosa (1342), A ninfa de Fiésole (1344), Vida de
Dante e comentário sobre A divina comédia, Sobre a vida e os hábitos de
Francesco Petrarca, Mulheres célebres (1362).
Desengano de zelos, de Bartolomeu López de Enciso, Madri 1586.
Diálogos de amor, de Leão Hebreu, escritor judeu de língua italiana, escreveu
Dialoghi d'Amore, editado várias vezes no séc. XVI, onde defende o conceito
neoplatônico do amor. Suas obras tiveram grande repercussão entre os
intelectuais da época e influenciaram não só Cervantes, como também Vivés,
Giordano Bruno e Spinoza.
Diana enamorada (1564), novela pastoril, de Gaspar Gil Polo. Mit. Nome latino
de Ártemis, uma das 12 divindades do Olimpo, filha de Júpiter e Latona, irmã
gêmea de Apolo, nasceu na ilha de Delos, vivia na Arcádia e dedicava-se à
caça, acompanhada pelas ninfas. Sempre casta e virgem, Diana exigia o
mesmo de suas acompanhantes.
182
Diana A segunda (Alcalá de Henares 1564), assim chamada por ser do médico
salmantino Alonso Pérez. Uma tentativa pouco considerada de continuação de
A Diana, obra de Jorge de Montemayor.
Ditischa Catonis (Livro de Aforismos), de Dionísio Catão (?)
El monserrate (Madri 1588), de Cristóbal de Virués tornou-se conhecido no
teatro pelas tragédias cheias de horror. Porém, sua obra maior é mesmo a
epopéia religiosa El Monserrate, escrita em 1587.
Eneida (29aC), de Virgílio (79aC-19aC), tradução espanhola de Gregório
Hernández de Velasco 1559. Publius Vergilius Maro, poeta latino de família
modesta, estudou em Cremona, Milão e Roma, freqüentou o círculo literário de
Asínio Pólio. Escreveu Bucólicas, Geórgicas e a vasta epopéia nacional
Eneida, considerada a mais importante obra da latinidade. A celebridade do
poeta não parou de crescer, originando o ciclo de lendas em torno de sua
memória.
Epístola aos pisões, de Horácio (65aC-8aC), poeta latino, filho de escravo,
conheceu Virgílio que o apresentou a Mecenas, a quem se ligaria por profunda
amizade até a morte. Epicurista elegante e artista refinado, legou às letras
latinas uma poesia ao mesmo tempo familiar, nacional e religiosa (Sátiras,
Epodos, Odes, Epístolas), que fizeram com que fosse considerado pelos
humanistas como modelo de virtude clássica, de equilíbrio e medida.
Epístolas familiares (1539-1541), de frei Antonio de Guevara. Cervantes faz
alusão irônica a esta obra, cheia de falsa erudição, baseando-se na autoridade
que o bispo teria em matéria de rameiras, pois numa das cartas ele fala de
Lamia, Laida e Flora, três célebres prostitutas da antigüidade. Guevara
escreveu também Relógio dos príncipes (1529), Desprezo da Corte (1539).
Espelho de Cavalarias (1586), coletânea de traduções de Orlando enamorado
por Pedro de Reynosa, em três partes: a primeira trata de Dom Roldão e Dom
Reinaldo (Sevilha 1533), a segunda dos amores de Roldão com Angélica, a
183
Formosa (Sevilha 1536), a terceira trata dos feitos do infante Dom Roserim e o
fim que teve com a princesa Florimena (Sevilha 1550). Toda a obra é adaptada
e inspirada na obra de Matteo Boiardo, pois o paladino Reinaldos de Montalbán
é, depois de Roland, o mais famoso personagem dos poemas cavaleirescos de
Boiardo e de Ludovico Ariosto. Parte I: Dom Roland e Dom Reinaldo; Parte II:
Os amores de Roland com Angélica, a Formosa; Parte III: O Infante Dom
Roserim e o fim que teve com a Princesa Florimena.
Felixmarte de Hircanía (1556), de Melchor de Ortega, cavaleiro de Ubeda,
também protagonista, nasceu numa montanha, ajudado por uma mulher
selvagem. Entre suas sonhadas aventuras, conta haver posto em fuga um
exército de 1,6 milhões de combatentes. Trata-se de mais uma saga heróica de
cavalaria, de caráter disparatado, das muitas que inundaram a Europa
medieval. Hircânia é o nome antigo da região do Irã, a sudeste do mar Cáspio,
entre a Margiana e a Média. O romance também é citado como Florismarte de
Hircânia.
Fierabrás, canção de gesta do séc. XII, celebra a reconquista das relíquias que
o gigante sarraceno Fierabrás havia se apoderado por ocasião da conquista de
Roma. Personagem das lendas carolíngias, dono de um bálsamo milagroso,
"originado da essência usada para embalsamar Jesus Cristo", que tornava
invencível (portanto imortal), quem o possuía. Chegou até nós como Ferrabrás,
sinônimo de valentão, fanfarrão, indivíduo violento, abrutalhado e correu o
nordeste na cabeça de cantadores, autores de poesia de cordel, originando
inúmeros romances e folhetos.
Floresta geral, de Melchior de Santa Cruz (?)
Florisel de Niqueia, de Feliciano de Silva, conta a história de Florarlán de
Tracia, denominado "O Cavaleiro das Donzelas", o autor escreveu também as
novelas de cavalaria Lisuarte de Grécia e Dom Rogel de Grécia, segunda e
terceira partes de Florisel de Niqueia.
184
Guerras civis de Granada (1595/1604), de Ginés Pérez de Hita (1544-1619). O
reino de Granada, último bastião muçulmano da Espanha, foi tomado pelos reis
católicos em 1492, final da Reconquista. Os habitantes muçulmanos
(mouriscos) rebelaram-se e só foram derrotados após dura guerra comandada
por Don Juan da Áustria (1568-1571). A Revolta dos Mouros, verdadeira guerra
civil, redundou em morticínio e expulsão de todos os mouros do país,
consolidada em 1609, gerou irreparáveis perdas econômicas, artísticas,
humanas e sociais para a Espanha e Portugal.
História da linda Magalona, filha do Rei de Nápoles, e de Pierres, filho do
Conde de Provença, Burgos 1519 Princesa Magalona, novela (em provençal e
latim) medieval de cavalaria, de autoria do cônego Bernardo de Treviez
(primeiro quartel do Século XIV), com versões em francês, italiano, alemão,
flamengo, dinamarquês, polonês, grego, espanhol, português, etc.
História das façanhas e feitos do invencível Cavaleiro Bernardo del Carpio, de
Agustín Alonso, Toledo 1585. Bernardo del Carpio é o lendário herói basco,
personagem central do ciclo do Romanceiro e de epopéias de Cristóbal Suárez
de Figueroa e de Bernardo de Balbuena, inspirou também Félix Lope de Vega.
Ao vasconço Bernardo del Carpio se atribui a vitória na batalha de
Roncesvalles, região do país Basco no vale dos Pirineus, onde em 778 a
retaguarda do exército de Carlos Magno foi dizimada, mortos os doze pares de
França, entre eles o paladino Roland.
História de Clamades e Clarmonde, livro de cavalaria de 1562
História de Henrique Fi de Oliva, outro romance de cavalaria, editado em
Sevilha, 1498
História do famoso Cavaleiro Tirante o Branco, de Johanot Mastorell e Martí
Johan de Galba, Valência 1490, Barcelona 1497, Valladolid 1511. Tirant lo
Blanch, romance de cavalaria de autores catalãos, em que aventuras
fantásticas se alternam com cenas cruas, realistas e obscenas. "faço de conta
185
que nele achei um tesouro de contentamento e mina para passatempos", diz
Cervantes no Quixote, "em razão de estilo não há no mundo livro melhor".
História dos amores de Clareo e Floriséia (1552), romance pastoril, de J. de
Contreras
História Natural, de Plínio, o velho, recolhidas e divulgadas por Pedro Mexía e
Silva, de vária lección (1540).
Índice Expurgatório, do Cardeal Zapata (1632), censor espanhol que mandou
expurgar algumas palavras do Dom Quixote (Capítulo XXXVI (Parte II): "y
advierta Sancho, las obras de caridad que se hacen tibia y flojamente, no
tienen mérito ni valen nada". A censura só acabou na edição de 1863, quando
o aforismo voltou a aparecer.
Jardim de flores (1570), de Antônio de Torquemada (Salamanca 1570), autor
também do livro de cavalarias Dom Olivante de Laura (Barcelona 1564).
(Aderente: Tomás de Torquemada (1420-1498), inquisidor-geral para toda a
península ibérica, perseguidor fanático dos proclamados hereges e dos judeus
que foram expulsos da Espanha. Famoso por sua crueldade, que ainda hoje
deve estar no Inferno pagando seus crimes).
Jerusalém libertada (1581), poema épico de Torquato Tasso, em 20 cantos,
com 15.000 versos distribuídos em oitavas, conta a tomada de Jerusalém pelos
Cavaleiros cristãos da I Cruzada (1099). Ao relato da I Cruzada mesclam-se
episódios romanescos como a paixão de Hermínia por Tancredo e a morte de
Clorinda. Tasso realizou nessa obra a fusão de uma epopéia nos moldes de
Virgílio com a matéria típica das canções de gesta e da poesia cortês da Idade
Média.
La Aracaunia, poema épico de Alonso de Ercilla y Zúñiga, em 32 cantos, sobre
a descoberta da América (Madri 1569-1589). O tema versa também sobre a
expedição ordenada por Filipe II para combater e dizimar os araucanos. A
Araucânia é uma região central chilena entre os Andes e o Pacífico (capital
186
Temuco), terra dos araucanos, genérico dado pelos espanhóis no séc. XVI aos
índios do planalto central, que vivem nas reservas entre Copiapó e Chiloé, a
cuja família lingüística compreende dialetos mapuches e influenciaram muito o
castelhano falado no Chile.
Labirinto da sorte, de Juan de Mena, poema alegórico do "grande poeta
cordobês e notável poeta hispânico", autor também de As Trezentas.
Lazarillo de Tormes (1554), a primeira novela picaresca espanhola. A ela
seguiram-se Guzmán de Alfarache (1599), de Mateo Alemán, Buscón (?), de
Francisco Quevedo e muitas outras. Por longo tempo Lazarillo foi considerada
anônima, porém hoje sabe-se que a autoria é do literato, guerreiro e diplomata
Diego Hurtado de Mendoza. Os intelectuais espanhóis tiveram interesse em
mantê-la anônima, por ser picaresca, escrita por quem... e em plena Inquisição!
Do mesmo modo procedem com a Parte II apócrifa do Quixote.
Livro de Cavalarias, (?), Toledo 1513
Livro do famoso Cavaleiro Palmerim de Oliva, Salamanca 1511, novela
espanhola de cavalaria, de autor anônimo, que inspirou, a partir de 1586,
romances análogos na literatura européia, com reflexos em todo o mundo.
Livro do mui esforçado Cavaleiro Palmerim de Inglaterra, Toledo 1547.
Romance de cavalaria de autoria do português Francisco de Morais (1544?).
No entanto, diz Cervantes no Quixote: "Este livro, senhor compadre, tem
autoridade por duas coisas: primeiro, porque é de si muito bom; segundo, por
ter sido seu autor um discreto Rei de Portugal". O livro é da época em que
reinou Dom João III (1521-1557). Inspirado na tradição do Amadis de Gaula,
tem antecedente espanhol no Palmerim de Oliva (1511). Ao Palmerim de
Inglaterra (1547), em duas partes, seguiram-se a terceira e quarta partes, em
1587, nas quais "se tratam as grandes cavalarias de seu filho, o príncipe Dom
Duardos II", de autoria de Diogo Fernandes. A quinta e a sexta partes,
publicadas em 1602, dizem respeito ao "príncipe Dom Clarisol de Bretanha,
187
filho de Dom Duardos". Seu autor é Baltasar Gonçalves Lobato, que utiliza
amplamente elementos de cultura clássica e de mitologia.
Livro primeiro do valoroso e invencível Príncipe Dom Belianis de Grécia,
Primeira, segunda, terceira e quarta partes (1547-1579), de Jerónimo
Fernández. Nesta série de livros de cavalaria os exageros são o destaque: já
no dois primeiros volumes o herói recebe 101 feridas graves! Em seguida
aparece um luxuoso castelo, tão grande que nele cabem dois mil Cavaleiros
com montaria e tudo. O castelo é um veículo que se move sobre rodas de
prata, puxado por elefantes! Outras maravilhas são ali descritas.
Loa das cortes da morte, de Mira de Amescua (?).
Luz da alma cristã contra a ceguidade e ignorância no que pertence à fé e lei
de Deus e da Igreja, de Frei Felipe de Menezes, Valladolid 1544, dominicano,
obra de tendência erasmista.
Lusitânia transformada (1607), de Fernão Álvares do Oriente, escritor e poeta
português, maneirista, muito influenciado por Petrarca, Camões e Sannazzaro,
cuja Arcádia inspirou esta coletânea de novelas pastoris.
Memorial das proezas da segunda Távola Redonda, de Jorge Ferreira de
Vasconcelos (1515-1585), português, autor de obras em que o diálogo tem
função e importância capitais, conforme declarou em Eufrósina (1555). Além
das peças Ulíssipo, Aleugrafia e outras, escreveu o romance de cavalaria
Memorial da segunda távola redonda.
Metamorfoses ou O Ovídio Espanhol, provável citação a As Metamorfoses,
poema mitológico de Ovídio (43aC-16), em 15 livros. Esta obra, dos momentos
mais brilhantes da poesia latina, encerra todas as lendas da mitologia e dos
tempos fabulosos
Mort Arthur (1230), romance de cavalaria anônimo francês, o último do ciclo
Lancelot-Graal. O Rei Artur é mortalmente ferido por Mordred, raptor de
188
Crunevere e filho incestuoso do Rei. Sua espada, jogada num lago, é agarrada
por uma mão misteriosamente saída da água.
Naufrágio e lastimoso sucesso da perdição de Manuel de Souza Sepúlveda
(1594), poema de Jerônimo Corte Real, cuja concepção obedece a um
sentimento de tragédia coletiva, que abrange de modo muito específico a
aristocracia nobiliária.
Ninfas de Henares, de B. González de Bobadilla (1587).
Novelas exemplares, de Miguel de Cervantes, Novela de Riconete e Cortadillo
(1604), uma das Novelas Exemplares do próprio Cervantes, que faz
autopromoção dentro do Quixote.
O Cavaleiro da carreta (séc. XII), de Chrétien de Troyes, novela medieval, uma
das muitas lendas artúricas, na qual Lancelote é transportado numa carroça
conduzida por um anão, estratagema que Cervantes usou em Dom Quixote, II.
O Cavaleiro da Cruz, Toledo 1526, romance de cavalaria, consta de duas
partes: a primeira é Crônica de Lepolemo, chamado Cavaleiro da Cruz, filho do
imperador de Alemanha, "composta em árabe por Xarton e trasladada ao
castelhano por Alonso de Salazar" (Valência, 1521). A segunda foi editada em
Toledo, 1526.
O Cavaleiro do Febo (1555), de Ortúñez de Calahorra
O Cavaleiro do Febo, Lirgandeu (?)* (Mit.) Febo ou Apolo, deus grego e
romano dos oráculos, da medicina, da poesia, das artes, dos rebanhos, do dia
e do sol. Nesta última qualidade também chamado Febo. Era filho de Júpiter e
de Latona, irmão gêmeo de Diana. Nascera na ilha de Delos. Celebravam-se
em sua honra os Jogos Apolinares)
O livro dos trajos (?), pseudo livro citado por Cervantes como obra que para
nada serve, literatura inútil.
189
O mercador amante, novela picaresca de Gaspar de Aguiar, Valência (?)
O passageiro, de Cristóvão Suárez de Figueroa (1571-1644)
O pastor da Ibéria, de Bernardo de la Vega, Sevilha 1591
O pastor de Fílida, de Luís Galvez de Montalvo, Madri 1582
O pastor fido (Il pastor fido) (1590), de Giovanni Batista Guarini, escritor
italiano, escreveu poesias, comédias e a célebre tragicomédia pastoril Il pastor
fido, prenúncio da literatura barroca.
O que realmente ocorreu na famosa batalha de Roncesvalles, com a morte dos
doze pares de França, de Francisco Garrido de Villena, Valência 1555.
Roncesvalles é a vila da Espanha na Navarra, vale dos Pirineus, onde em 15
de agosto de 778, na passagem do desfiladeiro, a retaguarda de Carlos Magno
foi surpreendida e destruída pelos Vasconços (guerreiros montanheses
bascos). Entre as vítimas encontrava-se o paladino Roland, cuja história se
transformou em lenda na Canção de Roland.
Obras de Garcilaso com anotações (1580), de Fernando de Herrera. Livro do
qual Cervantes retirou algumas frases feitas para montar a dedicatória "Ao
Duque de Béjar", em Quixote Tomo I.
Odisséia, poema épico grego de 24 cantos atribuído a Homero. Ligando-se,
como a Ilíada, ao ciclo da guerra de Tróia, a Odisséia é consagrada ao retorno
de Ulisses, que durante dez anos afrontou perigos em terra e mar, antes de
voltar ao seu reino de Ítaca. O poema compõe-se de três partes: 1)
"Telemaquia" (cantos I-IV), em que Telêmaco parte à procura do pai; 2) "Volta
de Ulisses" (cantos V-XIII), em que Ulisses, recolhido após um naufrágio por
Alcino, rei dos feácios, relata suas peregrinações que o levaram até os
Lotofagos, os Ciclopes, a feiticeira Circe, os Infernos, o mar das Sereias e, por
fim, à ninfa Calipso; 3) "Vingança de Ulisses" (cantos XIV-XXIV), em que
190
Ulisses chega a Ítaca disfarçado de mendigo, entra no seu palácio, invadido
pelos pretendentes à mão de sua esposa Penélope; ela porém declara que só
se casará com aquele que conseguir manejar o arco de Ulisses; então, ele se
dá a conhecer e massacra os pretendentes. A obra exalta o espírito de
aventura dos gregos e a vitória da inteligência sobre a força bruta. Segundo
Heródoto, Homero viveu no Século IX aC, de origem jônica, que era cego e
percorria o mundo mediterrâneo recitando poemas. A poesia homérica ficou
popular e constituiu exemplo para todos os épicos. A poesia épica ocidental é
fortemente influenciada pela Ilíada e Odisséia: desde a Eneida, de Virgílio e Os
Lusíadas, de Camões até encontrar ressonância nos contemporâneos Ezra
Pound e James Joyce.
Orlando Enamorado, de Matteo Maria Boiardo, poema em três livros e 69
cantos. Os dois primeiros livros foram publicados em 1487, a edição completa
dos 69 cantos é de 1495. A obra, inacabada, inspirou-se na epopéia carolíngea
e nos romances bretões, mas combina à narrativa dos combates contra os
infiéis episódios maravilhosos, encantamentos, anéis mágicos, castelos
encantados e o relato da paixão de Orlando por Angélica. O nome Orlando é
constantemente alternado com Rolando.
Orlando Furioso, de Ariosto Ludovico Ariosto, poema publicado em 40 cantos
em 1516 e, em 1532, sob a forma definitiva em 46 cantos. Ariosto retoma o
Orlando enamorado onde Boiardo o havia interrompido. Narra sobretudo a
loucura de Orlando, desdenhado por Angélica, a viagem de Astolfo à lua
montado num hipogrifo, para trazer a poção que deveria curar Orlando, os
amores de Roger e de Bradamante, que originariam a família de Este. Cada
canto se inicia por uma digressão sobre a sociedade da época. Orlando é às
vezes Rolando.
Os amores de Lancelote e Ginevra (12..?), O Livro de Lancelote do Lago,
Cavaleiro da Távola Redonda. Título dado a um dos grandes romances em
prosa do Século XIII, que tem como tema o rapto da rainha Guinevere, mulher
do Rei Artur, amada por Lancelote. Chegou até o nordeste brasileiro, em
versões portuguesas, onde inspirou vários folhetos de cordel.
191
Os dez livros de fortuna de amor (1573), de Antônio de Lofraso, poeta sardo.
Cervantes cita elogiosamente este livro em Quixote em nota que os críticos
consideram irônica, já que em outra obra Viagem ao Parnaso, o havia criticado
com piadas.
Os quatro livros do valoroso Cavaleiro Dom Cirolíngio de Trácia, Sevilha 1545?
Os seis livros da Galatéia, de Miguel de Cervantes, Alcalá de Henares 1585.
Galatéia, nereida mitológica, amada por Ácis, pastor da Sicília, atirou-se ao mar
para escapar do ciclope Polifemo, que havia esmagado Ácis. Cervantes ficou
na carreira das armas até fins do ano de 1583. Quando publicou Os Seis Livros
da Galatéia, renunciou à profissão militar, onde não ganhou nada, para
dedicar-se à literatura. A Galatéia foi razoavelmente bem recebido pelo público
e animou o autor de tal maneira que encerrou o livro com o seguinte parágrafo:
"O fim desta história amorosa, com todo o acontecido a Galércio, Lênio e
Gelasia, Arsindo e Maurisa, Grisaldo, Artandro e Rosaura, Marcílio e Belisa e
com outras coisas sucedidas aos pastores citados até aqui, ficam prometidos
para a segunda parte desta história, a qual, se esta primeira parte for bem
recebida, terá o atrevimento de sair brevemente para ser vista e julgada pelos
olhos e pelo entendimento dos leitores". Como muitas das promessas não
cumpridas, esta segunda parte jamais foi escrita.
Os sete contra Tebas (467aC), de Ésquilo, poeta grego, tragédia de força
poética inigualável. Das numerosas tragédias que escreveu, ficaram sete, entre
elas As Suplicantes (490aC), Prometeu Acorrentado (467aC), Os sete contra
Tebas (467aC). Esta última baseada na lenda tebana da Guerra dos Sete
Chefes contra Tebas, que opôs os dois filhos de Édipo, Etéocles e Polinices,
pela posse do reino de Tebas. Dele participaram sete chefes gregos, que
deixaram a seus filhos, os Epígonos, a missão de vingá-los de sua derrota. Ao
final dessa guerra, em que os dois irmãos inimigos se mataram, um ao outro,
Creonte retomou o trono de Tebas. Esse tema inspirou não só Ésquilo, mas
também Eurípedes (As fenícias), Estácio (A Tebaida) e Racine (A Tebaida),
entre outros.
192
Os sete livros de Diana (1559), romance pastoril escrito em castelhano, em
prosa e verso, de Jorge de Montemayor, poeta português (escreveu quase toda
sua obra em espanhol). O êxito retumbante alcançado por essa série de
queixas amorosas de pastores foi devido principalmente à beleza da forma.
Também autor de um Cancioneiro, com o romance A Diana, traduzido em
várias línguas, Jorge de Montemayor introduziu o gênero bucólico na
península.
Pantagruel ou Horríveis e espantosos fatos e proezas do muito renomado
Pantagruel (1532), romance de Rabelais, é uma paródia cômica dos romances
de cavalaria e da historiografia da época, publicada sob o pseudônimo de
"Alcofribas Nasier", relata as aventuras de Pantagruel e precede as proezas de
seu pai Gargântua (1534), destacando a importante figura do personagem
Panurgo, cujo nome transcrito do grego panourgos significa "industrioso",
"capaz de tudo". Panurgo faz o tipo debochado, poltrão, cínico, mas dotado de
espírito fértil e alegre, brincalhão, é o fiel companheiro de Pantagruel. Está aí a
provável razão do intraduzível ingenioso, com que Cervantes batiza o fidalgo
Dom Quixote, que até mesmo os mais famosos cervantinos não conseguem
(ou não querem) decifrar...
Patrañuelo (1565), de J. de Timoneda, escreveu também Sobremesa e alívio
dos caminhantes (1569).
Peregrinação que dá conta de muitas e mui estranhas cousas que viu e ouviu
no reino da China, no de Tartária, no de Surnau, que vulgarmente se chama
Sião, no de Pegu, no de Martavão e em outros muitos reinos e senhorios das
partes orientais, de que nestas nossas do Ocidente há muito pouca ou
nenhuma notícia. E também dá conta de muitos casos particulares que
aconteceram assi a ele como a outras muitas pessoas. E no fim dela trata
brevemente de algumas cousas e da morte do santo padre mestre Francisco
Xavier, única luz e resplendor daquelas partes do Oriente e reitor nelas
universal da companhia de Jesus (1614), narrativas escritas por Fernão
Mendes Pinto, aventureiro, escritor e viajante português, publicada após a
193
morte do autor. Por volta de 1537 ele tomou lugar numa caravela e partiu para
a Índia, começando a odisséia que resultou na obra. O autor narra muitos
exageros, mas sua obra constitui um dos mais ricos repositórios de dados
sobre a época e costumes das regiões que percorreu. Em 1582 os jesuítas
Maffei, Rebelo e Gonçalves dele obtiveram Algumas informações da China,
publicadas no número 13 da Revista de História. A Peregrinação foi traduzida
para vários idiomas.
Poema trágico do espanhol Gerardo e desengano do amor lascivo (1615), de
Gonzalo de Céspedes y Menezes (1585-1638), escritor espanhol autor também
do romance picaresco Fortuna vária do soldado Píndaro (1624).
Primeira parte de ninfas e pastores de Henares, de Bernardo de Bobadilla,
Alcalá de Henares, 1587.
Refrães e provérbios, de Fernão Nuñez de Guzmán, Salamanca 1555.
Romance da Rosa, obra-prima da poesia alegórica, dividido em duas partes, a
primeira datada de 1230-1235, composta de 4.058, versos é atribuída a
Guillaume de Lorris. Constitui a arte de amar resumindo os grandes princípios
de fine amor dos trovadores. O objeto do desejo, representado pela Rosa, é
vedado por obstáculos que se multiplicam em personificações como Perigo,
Medo, etc. A segunda parte, com 17.723 versos, foi escrita entre 1270 e 1275
por Jean de Meung, dando aos amantes os mesmos interlocutores ele lhes
presta os mais longos discursos inspirados pela Arte de amar, de Ovídio e pela
filosofia de Alain de Lille.
Romance de Alexandre, o Grande, história romanceada de Alexandre Magno.
Entre os séc. XII e XIII, vários poetas, Lambert le Tort, Alexandre de Bernay,
Pierre de Saint-Cloud, retomaram a versão em pointevin (dialeto da língua d'oil)
do relato da vida de Alexandre, optando pelo verso de 12 sílabas, dando
origem ao nome "alexandrino". Esse conjunto de romances, que introduziu na
Europa o pendor oriental pelo maravilhoso, remonta à narrativa fabulosa do
194
romancista grego do séc. II dC, o pseudo Calístenes. Tem evidente conotação
cavaleiresca.
Ropicapnefma, curiosíssima obra de João de Barros, por muitos considerada a
"manifestação mais complexa e mais explícita do erasmismo português",
conforme José Saraiva. De difícil classificação, pode ser comparada a um
colóquio humanista e, analisando-se do ponto de vista de estruturação
alegórica, a alguns autos de Gil Vicente e contemporâneos. A obra retrata o
encontro de três personagens (Tempo, Vontade e Entendimento), que, à beira
do Rio de Morte, pretendem atravessar sua mercadoria (vícios) pela Alfândega
da Vida Eterna. A Razão impede a trama, iniciando-se uma discussão em que
o autor passa em revista toda a sociedade portuguesa da época, criticando-a
com ironia e abordando, analiticamente, os fundamentos do direito, da política
de guerra, da paz, da reforma do cristianismo, etc. Ropicapnefma, segundo o
autor, é uma expressão grega que significa "Mercadoria espiritual".
Sátira contra as damas de Sevilla, de Vicente Espinel, escritor, poeta e músico
espanhol de técnica primorosa, autor também do romance de aventuras
Marcos de Obregón (1618), no qual Lesage se inspirou para escrever Gil Blas.
Selva de aventuras (1565), de ?
Sete partidas, livro de Alfonso X, El Sabio (1221-1284), Rei de Castela e de
Leão, imperador germânico, príncipes dos mais esclarecidos de seu tempo,
animador do movimento intelectual que se desenvolveu na Espanha no séc.
XIII. Escreveu cantigas e compôs 420 poemas musicados em honra à Virgem
Maria (Cantigas de Santa Maria), além de obras relativas à língua castelhana,
direito, astronomia, xadrez. Dirigiu a publicação Tábuas Alfonsinas.
Summa summalarum (1557), Súmulas, conjunto de escritos que formam o
Tratado de Dialética da Universidade de Alcalá de Henares, escrito pelo
segoviano Gaspar Cardillo de Villalpando, catedrático da Universidade de
Alcalá de Henares.
195
Suplemento a Virgílio Polidoro, (1550), [De inventoribus rerum, de Virgilio
Polidoro], tradução espanhola de Francisco Támara.
Tratado do amor de Deus (1592), obra de frei Cristóvão de Fonseca, pregador
augustino.
Vergel de consolação ou Virgeu de consolaçon, tradução em português
medieval do Vergel de Consolación, do frei Jacobo de Benavente, dominicano
espanhol de meados do séc. XIV. A obra trata dos pecados capitais e dos
vícios a que dão origem, das virtudes cardeais, das virtudes teologais e de
"outras virtudes honestas". O estilo é sentencioso, com abundância de citações
críticas, às vezes duras, à sociedade medieval.
Vida dos Césares, Suetônio Caius Suetonius Tranquillus, (69-126), historiador
latino, protegido de Plínio, o moço, sua obra mais importante é Vida dos
Césares, 12 biografias que abrangiam de César a Domiciano. Influenciou A
vida de Carlos Magno, de Einhardt, além de ter fornecido dados valiosos sobre
a personalidade dos imperadores romanos.
Vida e aventuras de Gusmán de Alfarache (1599, parte I e 1604, Parte II),
célebre romance picaresco espanhol de Mateo Alemán, adaptado em francês
muito habilmente por Lesage.
Viriato Trágico (1699), poema heróico de Brás Garcia de Mascarenhas,
guerreiro e poeta português de vida agitada e aventurosa, foi preso
injustamente acusado de traição à pátria. Mascarenhas escreveu também o
inédito e desaparecido Ausências brasílicas, no qual narra o seu exílio no
Brasil, para onde fugiu em 1623.
Yvain ou O Cavaleiro do leão, romance cortesão de Chrétien de Troyes,
composto em c. 1177. Esse poema, onde o maravilhoso céltico se mistura à
reflexão psicológica, é o modelo perfeito do romance do ciclo do Rei Artur.
196
OUTRAS OCORRÊNCIAS: GENTES, TIPOS, TERRAS, REINOS...
A judia de Saragoça que cegou chorando lutos alheios (Até parece título de
folheto de literatura de cordel!) Chorar luto alheio é hábito árabe-judeu.
Homens e mulheres são contratados para gritar lamentos, se derramar em
choro, durante os ritos funerais. No Brasil ganhou o nome de carpideiras e
sobrevivem no interior nordestino, dando plantão nos velórios, quando
convocadas. Lá pelas tantas se interrompe a lamentação. Às carpideiras e
demais participantes do velório, é servida farta mesa de comida, bolos,
biscoitos, acompanhados de bebidas, refrigerantes, sucos.
Alcácer-Quibir, batalha travada entre portugueses e mouros em 1578 no
Marrocos. Uma das maiores mobilizações de tropas até então verificadas: os
portugueses contavam com 16 mil soldados sob o comando do rei Dom
Sebastião. Os árabes, dirigidos pelo sultão Abd al-Malik (Abde Almélique),
tinham 40 mil Cavaleiros e cerca de 9 mil infantes. A vantagem numérica foi
decisiva para o resultado, considerado o maior desastre das armas lusitanas. A
batalha durou apenas quatro horas e nela morreram cerca de 6 mil mouros e
mais de 8 mil portugueses. O rei Dom Sebastião morreu na batalha, levando
consigo grande parte da nobreza dirigente da Coroa, que perfilava a seu lado.
Do lado árabe, morreram o sultão de Marrocos e o mulei Mohamed
Almotauaquil, por isso a batalha ficou conhecida também como a "Batalha dos
Três Reis". Não deixando descendentes, o trono português passou para o tio-
avô de Dom Sebastião, Dom Henrique e dois anos depois para Filipe II da
Espanha, dando início à união das duas coroas.
Alexandre III, o Grande (356-323aC), rei da Macedônia, filho de Filipe II e de
Olímpia, exemplo tradicional de prodigalidade, aprendeu arte militar em
campanhas contra os trácios e os ilírios, participou da Batalha de Queronéia.
Educado por Aristóteles, em 336 sucedeu a seu pai. Derrotou o exército persa,
recusando-se a qualquer negociação com os vencidos. tornou-se senhor da
Ásia Menor, prosseguiu em seu plano de envolvimento do Mediterrâneo
oriental submetendo a Síria, penetrou no Egito, que estava sob o jugo dos
197
persas, lá foi recebido como Libertador. Fundou Alexandria e atravessou o
Tigre e o Eufrates. Venceu Dario III, marcando o fim da dinastia dos
aquemênidas, empreendeu a fabulosa escalada que o conduziu para além do
Indo. Em 323aC Alexandre III morreu na Babilônia, como senhor absoluto do
mundo oriental, deixando um império que em poucos tempos seria dividido
entre seus generais. Sua vida, batalhas e guerras serviram de enredo a
diversos romances e gestas de cavalaria.
Álvaro de Bazan (1510-1588), marquês de Santa Cruz, almirante espanhol que
conduziu a esquadra espanhola contra os turcos na batalha de Lepanto, na
qual Cervantes lutou e foi ferido.
Aparicio de Zubia (séc. XVI), farmacêutico, inventor de óleo medicinal para
aplicação em feridas, bálsamo capaz de curar todas as chagas, que seria
utilizado por todos os Cavaleiros andantes (talvez aquele mesmo, cujos
milagres são citados em Fierabrás e no Quixote).
Artur (ou Artús) (séc. V-VI), legendário rei de Gales, patrono das histórias de
cavalaria do romanceiro medieval, que deu origem à Ordem dos Cavaleiros da
Távola Redonda. A figura de Artur como herói nacional deve-se muito aos
livros Historia Britonum (826) de Nennius e Historia Regum Britanniae (1136)
de Godofredo de Monmouth, cuja tradução francesa foi divulgada na Europa,
dando origem à chamada "matéria céltica", inspirando todo um conjunto de
poemas e narrativas conhecidas como "ciclo da Távola Redonda". Chrétien de
Troyes, Béroul, Maria de França, Thomas Mallory, entre outros, foram os
autores a partir dos quais se criou a mística em torno de Artur e dos Cavaleiros
da Távola Redonda, em muito alimentada pelas lendas do Santo Graal. Fonte
de muitos seguidores, tanta inspiração veio refletir no Renascimento, com
sobras consideráveis para alimentar vários folhetos de cordel em pleno séc.
XIX.
Barba-Roxa (I) (1122-1190), Frederico I, imperador germânico, retomou Roma
de Arnaldo de Brescia e foi coroado imperador em 1155, mas recusou-se a
comportar-se como vassalo, iniciando um demorado conflito com o papado.
198
Após derrotar e arrasar Milão em 1162, Frederico I reforçou a autoridade
imperial na Itália, mas a inimizade religiosa o levou a ser derrotado em 1176
pela Liga Lombarda, aliada do Papa Alexandre III. Morto durante a III Cruzada
em 1190, o Barba-Roxa tornou-se, a partir do séc. XVI, a figura mítica do
imperador adormecido sob o monte Kyffhäuser, destinado a reaparecer com
seu exército para concretizar as esperanças populares nacionais.
Barba-Roxa (II), nome dado pelos historiadores ocidentais aos irmãos Baba
Arudj e Khair al-Din, piratas turcos fundadores do Estado de Argel no séc. XVI.
Khair al-Din ganhou do sultão Selim o título de paxá, invadiu e apoderou-se da
ilha de Peñon em 1529 e fundou a cidade de Argel. Posteriormente uniu-se à
frota francesa contra Carlos V em 1544, morreu em Constantinopla em 1546.
Barroco. Durante muito tempo o Barroco definiu apenas as artes plásticas. O
conceito aplicado à literatura surgiu no fim do séc. XIX com os trabalhos de
Jakob Burkardt e Heinrich Wöfflin. O termo "barroco" abrange em literatura uma
série de denominações. Em Portugal, Espanha e Itália, seiscentismo; na
França, preciosismo; na Inglaterra, enfuísmo e na Alemanha, silesianismo. São
características do barroco: linguagem pomposa, imagens sutis e obscuras,
musicalidade, descritivismo, exploração das possibilidades fonéticas da língua,
utilização do paradoxo, estilo rebuscado, jogo de palavras, oposições e idéias
abstratas, imagens e sugestões fora da realidade, virtuosismo, amplo uso de
alegorias, hibérboles, paralelismo, repetições, anáforas e antíteses,
exacerbação dos sentimentos, gosto do requinte, estilo sentencioso,
preocupação moralista, ritmo sincopado e metáforas sinuosas ligando imagens
complexas. Principais representantes: Góngora, Quevedo, Cervantes, Félix
Lope de Vega, Calderón de la Barca, Tirso de Molina (Espanha); Tasso,
Marino, Guarini, Della Porta (Itália); Montaigne, Pascal, Corneille, Racine,
Boileau (França); Lily, Donne, Bacon (Inglaterra); Silesius, Gryphius, Opitz
(Alemanha); Sóror Mariana de la Cruz, Hoje, Balbuena, Caviedas (América
espanhola); Rodrigues Lobo, Manuel de Melo, Tomás de Noronha, Frei Luís de
Sousa (Portugal); Gregório de Mattos, Manuel Botelho, Rocha Pita, padre
Antônio Vieira (Brasil). Em Portugal, o Barroco desenvolveu-se entre 1580 e
199
1680, cobrindo todo o período em que o país esteve sob domínio espanhol
(1580-1640).
Belerofonte, filho de Possêidon, quis subir à morada de Zeus, este o precipitou
à terra. Cervantes faz apologia de cavalos célebres: Pégaso, cavalo alado de
Belerofonte e Bucéfalo, de Alexandre III, cavalos da mitologia e história
clássicas. Brilhadouro, Baiardo e Frontino, respectivamente, os cavalos de
Roland, Reinaldos de Montalbán e Bradamante (também de Ruggiero),
personagens de Orlando Furioso, de Ariosto. Bootes e Peritoa parecem
deformação dos nomes dos quatro cavalos de Apolo, chamados Eoo e Pireis.
Orelia é o cavalo de Dom Rodrigo, no romanceiro novo, que perdeu a vida e o
reino na batalha de Guadalete (711).
Benito Arias Montano (1527-1598), erudito espanhol que Filipe II enviou a
Antuérpia para dirigir a impressão da Bíblia Poliglota, editada por Platino,
primeira edição do texto original, acompanhada de todas as versões antigas.
Bernardino de Velasco, conde de Salazar, foi o encarregado de levar a cabo a
ordem de expulsão dos mouros em Castilla, La Mancha e Estremadura.
Carlos Magno ou Carlos I, o Grande, em latim Carolus Magnus (747-814), rei
dos francos e dos lombardos, imperador do Ocidente, filho mais velho de
Pepino, o Breve e de Berta, recebeu a unção real em 754. Carlos era um
homem alto 1,92m, de ombros largos, rosto imberbe, de vitalidade prodigiosa.
Cristão, inteligente, culto e simples, era porém autoritário, às vezes violento e
cruel, essa personalidade marcante explica a amplitude de seus feitos. Durante
46 anos de reinado realizou 53 expedições militares para expandir os domínios
da cristandade, proteger o estado franco e impor sua hegemonia.
Considerando-se efetivo chefe do povo cristão, a quem deveria guiar rumo à
salvação eterna por determinação de Deus, Carlos Magno, leitor de Cidade de
Deus, de Santo Agostinho, quis estabelecer uma espécie de estado teocrático
para fazer reinar a paz e a concórdia. "Rei em seu poder" e "padre em seus
sermões", exerceu o poder absoluto sobre seus súditos, leigos e eclesiásticos,
protegendo e dirigindo a Igreja. Promotor do primeiro florescimento da cultura
200
européia, lançou também os fundamentos da cristandade, fazendo do
cristianismo o elo essencial dos povos de seu império. Carlos realizou a
primeira reunião territorial da Europa, esboço da formação atual.
Cavalaria. Instituição feudal, militar e religiosa da Idade Média. Os nobres que
pretendiam fazer parte dela deviam submeter-se às formalidades de cerimônia
solene, na qual prestavam juramento de combater os infiéis, proteger os fracos
e oprimidos. Eram então armados Cavaleiros. A Cavalaria era originalmente
encarregada de defender os lugares santos. O caráter sagrado da Cavalaria, o
ideal de perfeição cristã na vida guerreira que ela propunha, encontraram o seu
ápice por ocasião das Cruzadas, com a criação das ordens militares. As
principais ordens de cavalaria foram a dos Templários, a do Hospital ou de São
João de Jerusalém, a de Avis e a de Santiago da Espada. A ética cavaleiresca,
a influência dos romances de cavalaria, deram lugar ao ideal refinado do
Cavaleiro, de acordo com um código complexo de honra e ideais, sonho de
realizar façanhas, mesmo extravagantes, pelo amor de sua dama. Assim
completou-se o declínio da cavalaria, que se tornou, ao fim da Idade Média,
apenas um grau de nobreza.
Cid Campeador (1043-1099), Rodríguez Díaz de Vivar, El Cid, herói nacional
espanhol, filho de Diego Láinez, fidalgo castelhano, capitão de Sancho II, rei de
Castela e Leão, ao lado de quem se distinguiu contra os navarreses, adquirindo
o nome de Campeador (vencedor de batalhas). Passou ao serviço de Alfonso
VI, que lhe deu por esposa uma parente. Banido de Castela pelo rei, que temia
sua ambição, pôs-se a serviço do emir de Saragoça e lutou ao lado dos
muçulmanos, que lhe deram o título de sidi (senhor), antes que ele se
apoderasse de Valência em 1095, onde reinou até a morte. O personagem do
Cid inspirou o Cantar de mio Cid (1140), que relata os últimos anos de vida do
herói, um dos mais belos monumentos da literatura espanhola da Idade Média.
A Crônica Rimada (séc. XV), evoca a juventude do Cid. Essas duas obras são
a origem de todo um ciclo chamado Romanceiro do Cid.
Cipião Emiliano (206-254aC), O Africano, general e imperador romano,
encarregado da destruição de Cartago (África) e Numancia, cidade da antiga
201
Espanha, que desafiou durante catorze anos o poder de Roma e que foi
tomada e destruída em 133aC.
Cruzadas. Nome dado às expedições militares empreendidas no séc. XI ao XIII
pelos cristãos do Ocidente, por instigação do papado, que lhes fixava por alvo
a libertação dos lugares santos ocupados pelos muçulmanos, ditos infiéis.
Favorecidos pelas condições sociais e econômicas da Europa Ocidental, as
cruzadas encontraram sua origem longe das prescrições eclesiásticas do séc.
IX. Estas santificavam a luta contra os infiéis pela defesa dos cristãos
oprimidos e tinham como causa imediata a invasão da Ásia Menor e da Síria
pelos turcos seljúcidas, que ocuparam Jerusalém em 1077. Em 1095 no
Concílio de Clermont, o Papa Urbano II apelou para a cristandade ocidental
dirigir-se em socorro dos cristãos do Oriente oprimidos pelos turcos e libertar
os lugares santos, desencadeando assim a I Cruzada. Por trás do fator
religioso sobressaíam os interesses militares, econômicos e de conquista. I
Cruzada (1096-1099). Após o apelo de Urbano II, bandos de peregrinos
lançaram-se na estrada liderados por Pedro o Eremita e Gautier Sem Nada,
chegando pelo Vale do Danúbio até a Ásia Menor, sendo ali massacrados
pelos turcos em Civitot. Logo em seguida seguia a Cruzada dos Barões, mais
organizada, com cerca de quatro exércitos, dirigidos pelo legado Adhemar de
Monteil e outros grandes senhores do Ocidente. Após terem vencidos os turcos
em Doriléia (1097), as cuzadas apoderaram-se de Edessa, Antioquia e
Jerusalém, que somadas a Trípoli se tornaram as capitais dos quatro estados
latinos que foram fundados para defender a Terra Santa. II Cruzada (1147-
1149). Provocada pela retomada de Edessa em 1144 pelo atabegue Mossul, foi
pregada por São Bernardo, por iniciativa do Papa Eugênio II. Conduzidos por
Luís VII e pelo imperador Conrado III, os dois exércitos dessa expedição
desceram o Danúbio e alcançaram a Antioquia e Acre por mar. Após terem
sitiado em vão Damasco, os dois monarcas retornaram ao Ocidente em 1148,
sem haver tentado livrar Edessa. III Cruzada (1189-1192). Foi decidida pelo
Papa Gregório VIII em seguida à tomada de Jerusalém por Saladino em 1187.
Ao apelo do papa, Frederico I Barba Ruiva deixou Ratisbonne em 1189,
tomando o itinerário danubiano. Foi bem sucedido na travessia da Ásia Menor,
mas afogou-se na Cilicia atravessando Sélef (Goksu). Partindo de Vézelay,
202
Filipe II, Augusto e Ricardo Coração de Leão tomaram o caminho do mar e
fizeram capitular Acre, após a conquista de Chipre pelo rei da Inglaterra. Não
conseguindo, porém, recuperar Jerusalém, este último concluiu com Saladino
uma trégua em 1192, que deixou aos francos a costa de Tyr-a-Jafa e
assegurou aos cristãos o livre acesso aos lugares santos. IV Cruzada (1202-
1204). Reunida por iniciativa do papa Inocêncio III, foi conduzida contra o Egito
em 1202, para obrigar o sultão a restituir Jerusalém, foi desviada pelos
venezianos que, para estender seu domínio comercial, levaram as Cruzadas a
se apoderarem de Constantinopla e a substituírem o Império Bizantino por um
Império Latino. V Cruzada (1217-1219). A construção da fortaleza do monte
Tabor, compeliu o papa Inocêncio III a pregar esta Cruzada, organizada pelo
Concílio de Latrão IV e empreendida por André II da Hungria, depois por Jean
de Brienne, rei de Jerusalém. Não conseguindo apoderar-se de Tabor, as
cruzadas atacaram e tomaram Damieta em 1219. Vencidos, porém, ao avançar
para o Cairo, foram obrigados a deixar esta cidade e evacuar o Egito. VI
Cruzada (1228-1229). Lançada pelo papa Honório III, foi conduzida pelo
imperador Frederico II, que chegou a Acre por mar em 1228 e concluiu o
Tratado de Jafa com o sultão al-Malik al-Kamil, obrigado a restituir Jerusalém,
Belém e Nazaré. VII Cruzada (1248-1250) Sua pregação pelo papa Inocêncio
IV no Concílio de Lyon foi suscitada com a conquista de Jerusalém pelos
kharezmianos. Conduzidos por Luís IX, os cruzados embarcaram para o Egito,
tomaram Damieta, mas foram derrotados em Mansurá, onde Luís IX foi feito
prisioneiro em 1250. Libertado mediante a entrega de Damieta, o rei teve que
deixar o Egito com os cruzados. VIII Cruzada (1270-1291). Tendo o sultão
Baybars I se apoderado da Antioquia em 1268, Luís IX organizou esta Cruzada
que, sob a influência de Carlos I de Anjou, se dirigiu para Túnis em 1270, onde
Luís IX morreu. Após haver concluído um tratado vantajoso para seu reino da
Sicília, Carlos de Anjou reconduziu os cruzados para a França sem ter levado
socorro aos francos do Levante. Privados da ajuda do Ocidente, estes tiveram
que abandonar a Terra Santa, deixando-a inteiramente em poder dos
muçulmanos.
Degolação de São João, festa religiosa popular, celebrada no dia 29 de agosto
na Espanha.
203
Diego de Espinosa (1502-1572), prelado e estadista espanhol, nascido Martín
Muñoz de las Posadas, foi Inquisidor-geral em 1566, Cardeal em 1568, chefe
do Conselho de Estado durante o reinado de Filipe II, inspirou o malfadado
decreto que provocou as guerras civis e o morticínio, originados da insurreição
dos mouriscos em 1568.
Diego García de Paredes, celebrizou-se como coronel do exército do Grande
Capitão Gonzalo Hernández de Córdoba, foi cognominado "o Sansão de
Estremadura".
Diego Ordoñez de Lara, Cavaleiro castelão, primo do rei Sancho II de Castilla,
lançou à toda cidade de Zamora o conhecido desafio para vingar a seu rei, ao
qual o zamorano Vellido Dolfos assassinou à traição. O desafio depois se
tornou proverbial e parte do romanceiro popular.
Diego Pérez Vargas y Machuca, Cavaleiro toledano que nos tempos de
Fernando III, o Santo, se tornou famoso por suas façanhas no cerco de Jerez
contra os mouros.
Dom Galaor, irmão de Amadis de Gaula, cujo escudeiro, Gasabal e a
"excelência de su maravilloso silencio" é citado em Dom Quixote, em
contraposição à loquacidade de Sancho Pança.
Don Fernando Álvarez de Toledo, terceiro duque de Alba, chegou em Bruxelas
em 1567 à frente de um exército de 10.000 homens.
Don Juan, personagem lendário cujas aventuras parecem se originar de um
fato real narrado pela Crônica de Sevilha. Don Juan Tenório, assassino do
comandante Ulloa, após ter raptado sua filha, foi atraído ao convento dos
franciscanos onde fora enterrada sua vítima, sendo ali assassinado. Os
monges fizeram então correr o rumor de que a estátua do comandante
arrastara Don Juan, que viera insultá-lo em seu túmulo, para o Inferno. Esse
castigo inspirou, além da comédia edificante de Tirso de Molina (O embusteiro
204
de Sevilha e O convidado de pedra), numerosas obras literárias, especialmente
as comédias italianas de Gilberto e Cicognini. Sob o título de Festim de pedra,
as peças de Villiers (1659), Dorimond (1661), Rosimon (1669), Thomas
Corneille (1677), o Don Juan de Molière, o poema Don Juan de Byron, a
tragédia de Puchkin O conviva de pedra (1830), a novela de Mérimée As almas
do purgatório (1834), o poema dramático de Lenau Don Juan (1844), o drama
de Zorilla Don Juan Tenório (1844). Através das obras Don Juan passou de
embusteiro e sedutor brutal a personagem angustiado em busca do infinito e da
pureza. Mas ele é também um ser de ruptura, que rompe o ciclo da troca e da
circulação das mulheres (deseja-as todas) e do dinheiro (se recusa a pagar as
dívidas). Mito do desejo e da morte, da infinita possibilidade dos amores que
tornam a vida inesgotável, se apoia sobre uma base arcaica trazida à luz pela
psicanálise, o deflorador sagrado, o duplo e sua culpabilidade, a relação entre
Eros e Tânatos, o mito de Don Juan traduziria a mais profunda obsessão do
homem, a de unidade e da união, ante a realidade da divisão dos sexos e a
ruptura entre o tempo vivido e a eternidade postulada.
Doon de Mogúncia (gesta de), um dos três grandes ciclos épicos da Idade
Média. As principais canções (Raoul de Cambrai, Doon de Mogúncia, O
cavaleiro Ogier, Renaud de Montauban, Girart de Roussillon) descrevem
senhores feudais que se revoltam contra o suserano para vingar injúrias
recebidas.
El Uchalí, renegado atrevido, aventureiro e corsário calabrês que combateu em
Lepanto, chegou a vice-rei de Argel, submeteu a capitania de Malta, ilha do
Mediterrâneo cuja soberania Carlos I de Espanha e V do Sacro Império
Romano, concedeu em 1530 à Ordem militar e religiosa dos Cavaleiros de
Malta, também chamada de Ordem de São João de Jerusalém. Consta que El
Uchalí morreu em 1587.
Entremez. Composição teatral curta de um só ato, jocosa ou burlesca, farsa
intercalada nas representações demoradas, funcionando como repouso aos
intérpretes quanto e para a platéia. Os entremezes terminavam geralmente
com uma canção popular, cantada em coral por todos os espectadores. A
205
origem do gênero remonta à Idade Média, às breves apresentações de jograis
nas refeições e banquetes. Cervantes, um dos maiores cultores do gênero, a
eles se dedicou por longo tempo como meio de sobrevivência, chegando a
produzir cerca de trinta numa temporada. Publicou Oito entremezes jamais
representados. Apesar da grande aceitação popular, os entremezes tinham
veia crítica, realista e profana, afetando a aristocracia espanhola. O entremez
foi representação de muito sucesso na Espanha do séc. XVI em diante e
chegou até o Brasil na virada do séc. XVIII, sendo vendido em folhetos de
cordel.
Escoto (séc. XVI), aventureiro, mago e nigromante italiano, de fama obscura.
Eugénio de Torralba, doutor e médico dedicado à quiromancia, confessou ao
Tribunal do Santo Ofício que, com ajuda do demônio, havia ido a Roma, aonde
presenciou o saque da cidade pelas tropas de Carlos I em 1527, no qual
morreu o condestado Carlos de Bourbon, comandante das tropas espanholas e
depois regressou a Valladolid, isso tudo em só uma hora e meia!
Filesbião de Candaria, um dos muitos heróis da enxurrada de romances de
cavalaria da época, cognominado "O Cavaleiro da Ave Fênix".
Fillipe de Villiers de L'Isle Adam (1464-1534), grão mestre da Ordem de São
João de Jerusalém, sustentou o cerco famoso em Rodes, em 1522, contra o
sultão turco Solimão. Em 1530 Carlos V concedeu à Ordem de São João de
Jerusalém "as ilhas de Malta e Gozzo".
Goliardo, estudante ou clérigo de vida erradia, dado à prática da literatura, que
trabalhava como jogral para se sustentar. Constitui a manifestação final do tipo
jogralesco, gênero peculiar surgido no fim da Idade Média. A expressão passou
a significar "aquele que leva a vida desregrada e/ou devassa".
Hassan Bajá, renegado veneziano, chegou a ser rei de Argel entre 1577 e
1580. Casou-se com Zahara (ou Zoraida), filha de Hadji Murad, outro renegado
que, por sua vez, foi governador da fortaleza de Al Batha, próxima a Orã.
206
Helena de Tróia, uma das principais heroínas da Ilíada, filha de Zeus e de
Leda, célebre por sua beleza, formosa esposa de Menelau rei de Esparta, foi
raptada por Páris, príncipe troiano, seus antigos pretendentes uniram-se para
vingar a afronta, desencadeando a famosa Guerra de Tróia, narrada por
Homero. Tróia resistiu por dez anos ao cerco dos gregos, até cair no truque do
Cavalo de Tróia, verdadeiro presente de grego.
Heráclio I (575-647), imperador bizantino, depôs o usurpador Focas,
empreendeu o soerguimento do império, a reorganização do exército e depois
concluiu a paz com o cã dos ávaros.
Isabel de Valois (1545-1568), filha do rei de França Henrique II e de Catarina
de Médici, também conhecida como Isabel de França. Desposou Filipe II em
virtude do tratado de Cateau-Cambrésis, sendo rainha da Espanha de 1559 a
1568. Quando faleceu, recebeu diversas homenagens da nobreza espanhola,
inclusive os versos que constituem a primeira obra publicada de Cervantes.
Juan da Áustria, (1545-1578), príncipe espanhol, filho natural de Carlos V e
Bárbara Blomberg, reprimiu a revolta dos mouriscos da Andaluzia (1568-1570),
comandou as tropas aliadas que venceram os turcos em Lepanto (1571),
batalha da qual Cervantes muito se orgulhava de ter participado. Ocupou Túnis
e Bizerta (1574), tenente-general em Nápoles, foi nomeado governador-geral
dos Países Baixos com a morte de Roquesens (1576). Foi obrigado pelo Édito
Perpétuo (1577) a evacuar as províncias do sul, mas após a chegada de
Alexandre Farnese, retomou a ofensiva. Vencedor em Gembloux (1578),
morreu pouco depois, provavelmente envenenado. Seus feitos inspiraram
várias obras, entre as quais La Austríada, de Jerônimo Corte Real.
La Goleta, fortaleza que defendia o porto de Túnis, havia sido tomada por
Carlos I em 1535, que desalojou dali o pirata Barba Roxa e depois foi retomada
pelos turcos em 1574.
207
La Herradura, porto próximo a Véles Málaga onde em 1562 houve o naufrágio
em que morreram mais de quatro mil pessoas.
Lancelote do Lago, um dos mais valentes e famosos Cavaleiros da Távola
Redonda, que, segundo a lenda, era amante da rainha Guinevere, esposa do
rei Artur.
Leão de Espanha (1586), de Pero de la Vecilla Castellanos. Assim era
cognominado o rei Carlos V (1500-1558), herói da historiografia espanhola,
lutou contra a França, contra a Turquia, contra os otomanos, contra Túnis,
conquistando inúmeros reinos para a Espanha. Após uma série de conquistas
e alianças, Carlos V estava à frente de imenso império, no qual "o sol jamais
se punha". Pareceu encarnar, pela última vez no Ocidente, o ideal de
monarquia universal. Em 1556, desiludido, prematuramente envelhecido,
reconhecendo o fracasso de sua política imperial, abdicou e retirou-se ao
Convento de Yuste, Estremadura, onde morreu.
Lepanto, porto e cidade marítima da Grécia, junto ao estreito do mesmo nome,
que comunica os golfos de Patras e de Corinto. Ali foi o palco da batalha
durante a qual as forças da Santa Liga, formada logo após a tomada de Chipre
pelos turcos, comandadas por Juan de Áustria (irmão bastardo de Filipe II),
destruíram a frota otomana em Lepanto. Entre tantos heróis, além de
Cervantes, se distinguiu também o almirante espanhol Álvaro de Bazan (1510-
1588), marquês de Santa Cruz, comandante supremo da armada espanhola.
Lirgandeu, sábio encantador e cronista do livro de cavalarias do Cavaleiro do
Febo.
Lope de Aguirre, conquistador espanhol que foi ao Peru em busca da cidade do
ouro, El Dorado. Renegou sua fidelidade a Filipe II, sentindo-se assim livre para
praticar inúmeros crimes e assassinatos aos povos indígenas. Ajuntou contra si
tanto ódio e ambição, que nem os comandados suportaram: Aguirre foi
justiçado por seus próprios soldados.
208
Luiz de Requesens y Zuniga (1528-1576), político e guerreiro espanhol,
contribuiu em muito para a vitória de Lepanto, na batalha que Cervantes
participou. Sucessor do Duque de Alba nos Países Baixos (1573), concedeu
ampla anistia e tentou negociar com Guilherme I, mas não conseguiu por fim à
insurreição.
Madrid, capital da Espanha e da comunidade autônoma de Madrid, em Castela,
centro da península ibérica, ao pé da serra de Guadarrama. Antiga fortaleza
árabe (Madjrit), a cidade foi ocupada por Alfonso VI em 1083. Sua posição
central favoreceu a instalação da corte e Filipe II transformou-a em capital do
reino em 1561.
Mambrino, rei mouro, célebre nos romances de cavalaria, cujo elmo encantado
tornava invulnerável quem o possuía. Em episódio de Orlando Furioso, de
Ariosto, o famoso paladino Reinaldos de Montalbán, protegido pelo elmo,
matou o sarraceno Dardinel de Almonte. Dom Quixote encontra uma velha
bacia de barbear, toma-a pelo elmo de Mambrino e usa-a a partir de então
como capacete, julgando-se, assim, invencível.
Maneirismo. Forma de arte que se desenvolveu no séc. XVI na Itália e outros
países, demonstra atitude sistemática de afetação na maneira de se expressar,
falta de naturalidade, de simplicidade em matéria artística e literária. Surgida
tardiamente na história da arte, a noção de "maneirismo" designa estilo original
e completo que exacerba a "maneira" de artistas da grande geração do
Renascimento. Surgido na Itália em torno de 1520, em tempos de dúvida e
inquietação, espalhou-se pela Europa, sobrevivendo até o séc. XVII,
assumindo formas diversas conforme os locais. Irrealismo, sofisticação,
refinamento, traços dominantes: os temas se confinam com o fantástico e até
mesmo esotérico.
Maravedi, pequena moeda de cobre corrente na Espanha e em Portugal, onde
correspondia a 27 réis. O maravedi ou marabitino (pelo árabe marabiti), era a
moeda legal desde o séc. XI, com a qual se solviam as obrigações com a
coroa.
209
Marco Tulio Cicero, político, orador e escritor romano (séc. I aC), célebre por
sua eloqüência.
Matamoros, expressão espanhola (matamoros = matador de mouros), que
redundou em vários personagens de comédias do séc. XVI, inspirado em
Ferrabras, da comédia italiana (em francês Fiér-a-bras), por sua vez originado
do Miles gloriosus da comédia latina, soldado fanfarrão, falastrão, tipo do falso
herói contador de bravatas. Chegou até nós, herói popular e pilantra, como
Ferrabrás.
Medéia (Mit.) filha do Rei da Colchida, fugiu com Jasão, chefe dos Argonautas
que graças aos artifícios dela conseguira apossar-se do velocino de ouro.
Abandonada por seu esposo, vingou-se matando os filhos que dele tivera. Uma
das principais tragédias de Eurípedes (480-405aC), o tema foi tratado por
outros poetas, mas nenhum conseguiu igualar o poeta grego (431 aC). Uma
das melhores tragédias de Sêneca, conquanto muito declamatória. Inspirou
também a tragédia de Corneille.
Merlin, dito O Encantador, mágico, profeta, adivinhador, personagem da
tradição céltica (Myrrdin) e do ciclo do rei Artur, amante da fada Viviana.
Mingo Revulgo, pseudônimo do autor de um livro de coplas e refrães muito
popular nos séc. XV e XVI. Cervantinos dizem que se trata de "anónima sátira
política y social del reinado de Enrique IV de Castilla (siglo XV)".
Provavelmente se tornou expressão proverbial. Encontrei a publicação de uma
carta datada de 1492 de Hernando del Pulgar dirigida a um amigo doutor [em
Ajedrez 2000]. Pulgar, Cavaleiro que tomou parte no sítio de Granada contra os
mouros, falando sobre as teorias e pretensões de Cristóvão Colombo, na
época em busca desesperada de patrocinador, escreve a seu amigo: "tienes
que haber oído hablar de él [Colombo], ya que su nombre ha llegado a ser
ultimamente tan familiar como los relatos (refranes) de Martín Revulgo".
210
Morgana, fada dos romances de cavalaria medievais, do ciclo bretão, chamada
também de A dama do lago. A lenda da Fada Morgana, resiste até hoje, seja
em episódios cavaleirescos, seja através da literatura infantil.
Novelas de Cavalaria, narrativas originárias da prosificação das canções de
gesta, das poesias de temas guerreiros e avenureitros, que abordam aventuras
tipicamente medievais. Introduzidas na Península Ibérica no séc. XIII através
de traduções do francês, sofreram alterações e adaptações à realidade sócio-
cultural da terra adotiva. As novelas de cavalaria classificam-se segundo o
herói da narrativa: 1) ciclo bretão ou arturiano, em que o rei Artur e os
cavaleiros da Távola Redonda são os protagonistas; 2) carolíngio, no qual
Carlos Magno e os dozes pares de França são os personagens centrais; 3) o
clássico, com temas greco-latinos, mitológicos e fantástico. Dentre as novelas
de cavalaria mais célebres destacam-se A demanda do Santo Graal, do ciclo
arturiano, tendo Galaaz como o herói que vai em busca do cálice sagrado que
guarda o sangue de Jesus Cristo, colhido durante o seu martírio; Amadis de
Gaula, de origem controvertida mas produzida na península ibérica, em que se
destacam o herói Amadis e sua amada Oriana; As avenuras de Carlos Magno
e os doze pares de França, que narra as conquistas carolíngeas e a morte dos
doze pares na famosa batalha de Roncesvalles. Afrânio Coutinho ensina: "Na
literatura medieval, floresceu esse gênero de literatura narrativa, com fundo
heróico, que teve grande voga, resultado da redução a prosa das 'canções de
gesta'. A origem é obscura, uns defendendo a tese da origem francesa, outros
a da inglesa, outros a da combinação de ambas. Difundiu-se também na
Espanha e Portugal. A sua produção foi dividida em três ciclos: bretão ou
arturiano (Rei Artur como centro), carolíngio (Carlos Magno como figura
principal), clássico (figuras da Antigüidade). Durou até o Século XVI. Algumas
das principais foram: A demanda do Santo Graal, José de Arimatéia, O Amadis
de Gaula, Merlim, Palmerim da Inglaterra, etc. O gênero encerrou o sonho dos
Cavaleiros, mas no Século XVI estava em franca decadência, acompanhando o
declínio da sociedade feudal. Cervantes, no D. Quixote, satirizando a moda das
novelas de cavalaria, pôs termo às suas possibilidades." (Enciclopédia de
Literatura Brasileira) Pôs termo mesmo? Não esquecer Ivanhoé de Sir Walter
211
Scott, As brumas de Avalon de Marion Bradley, O senhor dos anéis de Tolkien,
além de inúmeros livros infanto-juvenis.
O Gigante Morgante, companheiro de Roland em várias aventuras,
protagonista do poema épico burlesco Morgante maggiori, de L. Pulci (séc.
XV).
O Santo Graal, vaso do qual se teria servido Jesus Cristo na Ceia e que José
de Arimatéia teria recolhido o sangue que lhe corria do flanco trespassado pelo
centurião. Nos séculos XII e XIII muitos romances de cavalaria narravam a
busca do Graal pelos Cavaleiros da Távola Redonda, companheiros do rei
Artur. As obras mais conhecidas são as de Chrétien de Troyes, Robert de
Boron e Wolfram von Eschenbach. Esta inspirou Richard Wagner a compor a
ópera Parsifal.
Odet de Foix, monsenhor de Lautrec, que ainda muito jovem combateu com os
franceses contra O Grande Capitão e herói espanhol Gonzalo Hernández de
Córdoba, na batalha de Cerinola (1503), no reino de Nápoles.
Palmerins, ciclo de novelas de cavalaria iniciado na Espanha com o Palmerim
de Oliva, de autor anônimo e que inspirou, a partir de 1586, uma série de
romances análogos na literatura portuguesa, hispânica e francesa, com
reflexos em toda Europa. Ao Palmerim de Inglaterra (1547), em duas partes, de
Francisco de Morais, seguiram-se a terceira e quarta parte, em 1587, nas quais
"se tratam as grandes cavalarias de seu filho, o príncipe Dom Duardos II", de
autoria de Diogo Fernandes. A quinta e a sexta partes, publicadas em 1602,
dizem respeito ao "príncipe Dom Clarisol de Bretanha, filho de Dom Duardos",
de autoria de Baltasar Gonçalves Lobato, que utiliza amplamente elementos de
cultura clássica e de mitologia.
Pedro Malasartes, herói de histórias populares da Península Ibérica do
séc.XVI. Aventureiro cínico, astucioso, pilantra, em geral aplicava seus golpes
nos ricos, avarentos, orgulhosos, fazendo-os de tolos perdedores. Transladado
212
para o Brasil, aqui também fez das suas, ganhou notoriedade e simpatia
popular, garantindo o seu lugar no folclore.
Pero da Covilhã (séc. XV-1545), viajante português, ficou célebre pela missão
que lhe foi confiada, de ir por terra ao Oriente colher informações acerca do
caminho marítimo para as Índias e do reino do Preste João das Índias, de
quem os portugueses esperavam auxílio. Partiu em 1487 acompanhado do
escudeiro Afonso de Paiva que falava árabe, com mapas, instruídos por
cosmógrafos da corte, seguiram pela Espanha até Valência, depois Florença,
daí para a ilha de Rodes. Disfarçados de mercadores mouros seguiram até
Cairo, chegaram a Áden, onde se separaram: Pero da Covilhã partiu para a
Índia e Afonso de Paiva, em demanda do Preste João das Índias. Esteve em
Cananor, Calicute, Goa, Sofala e Ormuz, regressando ambos ao Cairo quase
dois anos depois. Aí encontraram emissários de Dom João II, com cartas e
Covilhã detalhou ao rei se poderia navegar do mar da Guiné para a Índia, em
demanda da costa da Sofala ou da Ilha da Lua (Madagascar). Foi ainda à Meca
e à Abissínia, tendo sido aí retido prisioneiro por cinco anos, embora bem
tratado pelo rei. Em 1514 estava em Lisboa, voltou à Abissínia com uma
embaixada de Dom Manuel. Pero da Covilhã e Afonso de Paiva jamais
encontraram o Preste João das Índias, mas descobriram novas rotas de
interesse de Portugal.
Pero Grullo, figura tradicional do folclore ibérico, proverbial autor de verdades
tão evidentes que sua afirmação se torna desnecessária.
Pierre Terrail (1476-1524), Senhor de Bayard, guerreiro francês, cognominado
"Cavaleiro sem medo e sem mácula", celebrizou-se na batalha de Fornovo
(1495), campanha da Itália. Em 1515 foi nomeado lugar-tenente-geral do
Delfinado por Francisco I que, na noite da batalha de Marignan, quis ser
armado cavaleiro por suas mãos. O "Cavaleiro sem medo e sem mácula", foi
inspiração de inúmeras gestas e romances de cavalaria.
Preste João das Índias, soberano cristão lendário que teria reinado num
poderoso país situado na Ásia ou África, para além dos territórios conhecidos
213
da Europa medieval. Seu reino foi, a partir do séc. XV, identificado com a
Etiópia. Foi confundido com o chefe nestoriano da povoação turca da Mongólia,
depois com o Cã mongol Hulagu, com soberanos da Etiópia. O desejo de
chegar a esse aliado da cristandade foi uma das motivações ideológicas das
grandes descobertas. O infante Dom Henrique de Portugal esperava encontrá-
lo e obter o seu apoio como aliado na luta contra o Islã. Vários embaixadores
do Preste João das Índias teriam estado na península ibérica em 1427, 1450 e
1452. A expedição para encontrá-lo foi dirigida por Pero de Covilhã, chegou à
Abissínia em 1493 e acabou por ajudar na descoberta de novas rotas para o
Oriente. Baltasar Teles, historiador português, escreveu História Geral da
Etiópia, a Alta, ou Preste João. Marco Polo, em suas aventuras narrou:
“Originalmente, os tártaros viviam ao norte, na Ciorcia [Manchúria]. Naquelas
regiões, vêem-se grandes ribeiras, mas não há habitações, nem castelos nem
cidades; já os pastos são bons e há muita água. De fato, eles não tinham
senhorio embora pagassem renda a um homem muito importante, conhecido
no mundo todo como Padre João. [Durante toda a idade media, corria a
legenda deste temível Petre Gianni ou Preste Giovanni, de quem nos fala
Marco Polo. Identificado como Togril, príncipe e sacerdote cristão nestoriano,
ele foi derrotado em 1203 por Gêngis Khan (1155-1277), que o teria posto em
fuga, na qual acabou morto.] Aconteceu que, em 1187, os tártaros
proclamaram um rei, que se chamou Gêngis Khan, homem de muita valentia,
bom senso e força. Quando foi aclamado, todos os tártaros que existiam no
mundo, espalhado por aquelas regiões, foram ter com ele, reconhecendo-o
como seu senhor. Gêngis Khan exerceu o poder com benevolência e as
pessoas seguiam-no, espontaneamente, por causa de sua bondade. Com
tantos a seu lado, Gêngis decidiu que queria conquistar o mundo. Mandou
emissários ao Padre João com a mensagem de que lhe pretendia desposar a
filha. Isto aconteceu no ano de 1200. Mas o Padre João, quando soube do
pedido, respondeu com grande desprezo: “Não terá Gêngis vergonha de pedir
minha filha para esposa? Não saberá ele que sou seu senhor? Voltai, portanto,
e dizei-lhe que eu a queimaria, antes de concordar com tal casamento e
também dizei ainda que eu o devo matar, como traidor. Parti imediatamente e
não torneis mais a voltar.” Os mensageiros voltaram à presença do grande
senhor e contaram em detalhes tudo o que Padre João tinha dito. Depois disso
214
[Gêngis Khan], reuniu seus homens e mandou avisar ao padre que se
defendesse. Este ficou muito contente e igualmente preparou seus guerreiros.
Após aquele dia, tanto um lado como o outro terminaram os preparativos e,
depois, combateram duramente: foi a maior batalha que alguma vez já se viu.
Para os dois lados, foi uma carnificina, mas no final venceu Gêngis Khan. O
Padre João morreu e, a partir de então, toda a sua terra passou para os
tártaros. Tenduc [região ao norte da Muralha Chinesa] é uma província na
direção do levante, onde há muitos castelos e cidades, todos pertencentes ao
Grã-Cã, mas a sua gente é descendente do Padre João. A principal cidade tem
também o nome de Tenduc e o rei Jorge é da linhagem do padre. [Há por aqui
duas igrejas de cristãos nestorianos, construídas de 1278 para cá, conforme
vou explicar: durante três anos, a partir desta data, foi senhor ali, em nome do
Grã-Cã, um cristão nestoriano, que se chamava Masarchis (Dom Jorge): foi ele
quem as fez construir e desde então ali se encontram.] Ficai sabendo que esta
província era a capital quando o Padre João dominava os tártaros e, por isso,
ainda há na região descendentes seus. (...) Tenho de dizer que, apesar de
tudo, o Grã-Cã deu a este rei, descendente de Padre João, algumas de suas
filhas e parentes, como esposas.”
Ptolomeu (Cláudio) (100-170), matemático, astrônomo, geógrafo grego que
viveu na Alexandria, foi o mais célebre astrônomo da Antigüidade. A Grande
sintaxe matemática, chamada de Almagesto pelos árabes, é a síntese dos
conhecimentos astronômicos de seus antecessores, mas nela Ptolomeu
desenvolveu o sistema geocêntrico, que dominou a astronomia até o
aparecimento de Das revoluções dos mundos celestes, de Nicolau Copérnico,
em 1543.
Reconquista, expressão que se refere à reconquista pelos cristãos da Espanha
e Portugal, contra os invasores muçulmanos, durante a Idade Média. A fase de
reconquista iniciou-se em 750 nas Astúrias e regiões montanhosas,
prosseguindo lentamente: Navarra (840), Astúrias (910), Leão (910), Castela
(951), Catalunha (985) e Aragão (1035), consolidaram a região geopolítica e no
séc. XI os cristãos chegaram às margens do Tejo. A fragmentação dos
muçulmanos em pequenos reinos (taifas), facilitou as vitórias decisivas em
215
Tolosa (1212) e em Granada (1492). Os territórios recuperados foram
colonizados por homens livres dotados de direitos reconhecidos (fueros) e não
servos, como ocorria na Europa feudal. O contato com o mundo muçulmano
revelou-se fecundo, trazendo conhecimentos, técnicas e usos que marcaram
para sempre a península ibérica.
Romance, ficção romanesca, um legado da Antigüidade. O séc. XVII fazia
remontar a arte do romance a Aristides de Mileto e a Antônio Diógenes. Pode-
se considerar Dafnes e Cloé, de Longo, como o protótipo do romance de amor;
a História verídica, de Luciano, como o modelo do romance filosófico; Asno de
ouro, de Apuleio, como o primeiro romance picaresco. Na literatura da Europa
Medieval o romance definiu-se de início, como um fenômeno lingüístico.
Considerava-se romance tudo que não era escrito em latim. O romance de
cavalaria apareceu sobretudo como sucedâneo do poema épico, colocado ao
alcance do público mais popular. No fabulário há de se achar a pintura de
caracteres, costumes e condições sociais que formam os traços fundamentais
da literatura romanesca. Paródia nostálgica do romance de cavalaria, Dom
Quixote de la Mancha, consagrando espaços anteriormente conquistados,
solidifica a era do romance moderno: o herói negativo, anti-herói de uma anti-
epopéia, espelho e avesso, verso e inverso, consagra o desaparecimento dos
limites da ética e o nascimento de uma estética nova e liberalizante. A partir de
então, o romance passa a basear-se no relacionamento entre o homem e o
universo. Escrever um romance é revelar a distância entre o ser e o seu objeto
de desejo. Como em todas as artes, as regras rígidas, as teorias fixas, deram
vez à liberdade criadora, fazendo com que o romance passasse a respeitar a
ausência da harmonia entre componentes de uma mesma estrutura. Ao
abordarem a falsidade dos romances, os escritores clássicos não os reprovam
por contarem histórias fabulosas, inverossímeis, ao contrário, reconhecem que
a razão de ser do gênero reside na constatação do afastamento entre a
imaginação e a realidade. A dimensão do romance cresceu tanto que não é
mais um mero fotógrafo da infelicidade, do fracasso, do ódio, da miséria. A
escrita romanesca não só se recoloca no espaço da arte, mas resolve
problemas técnicos, revelando fórmulas de extrema maleabilidade, a ponto de
permitir modernamente aos escritores duvidarem da própria escrita. O
216
desgaste da expressão literária levou ao culto do anti-romance, à recusa do
herói tradicional, da psicologia flagrada diante de um universo plano,
impenetrável, retilíneo, diante do qual o homem fica reduzido a um olhar. No
entanto, o que parece o fim é apenas um começo: quanto mais estranha é a
realidade mais ela estará presente. Mesmo diante do fantástico, do improvável,
somente a linguagem romanesca pode reconstituir a realidade fragmentada
pela História. O escritor é montador dos quebra-cabeças que a crônica
cotidiana registra e despedaça a cada segundo.
Romanceiro ou Rimanceiro, coleção de chácaras ou solaus, isto é, de antigas
narrativas de fatos imaginários, reais ou legendários, de caráter melancólico,
em versos geralmente acompanhados de música, baseados em temas capazes
de comover o ouvinte, próprios para serem cantados. Os romanceiros
portugueses, galegos, franceses e espanhóis, representam inestimável tradição
de literatura lírica, tesouro das poesias medievais. Por ter origem em literatura
oral, o romanceiro se constituía na primeira forma literária transplantada para
as terras conquistadas, estimulando o desenvolvimento da literatura local.
Saga é o nome genérico do conjunto de narrativas em prosa. Existem diversos
tipos de saga: as sagas reais, as que são dedicadas a uma região, as sagas
relativas a acontecimentos e ao povo, as sagas contemporâneas, referentes à
história e fatos políticos, as sagas dos tempos antigos, romances de aventuras
fantasiosas ou não, finalmente as sagas fantásticas, que escapam a qualquer
classificação normal. As sagas são o elo da raiz dos romances de cavalaria e
se afiguram inspiradoras de muitos romances de ficção científica, fantásticos,
supra-realistas... afetando, também, a literatura de cordel nordestina.
San Diego Matamoros, o apóstolo Santiago el Mayor, patrono da Espanha.
Segundo a lenda, apareceu montado sobre um cavalo branco lutando na
batalha contra os mouros, sendo assim considerado o Libertador da Espanha.
San Martín (séc. IV), soldado e bispo de Tours (França), foi bem conhecido
pela prática da caridade, como comprovado no célebre episódio da capa
compartilhada com o pobre.
217
São Francisco de Assis, fundador da Ordem dos franciscanos (1209),
conhecido por sua humildade e amor aos animais. Diz a superstição popular
que é mau agouro encontrar-se com algum frade logo pela manhã. Nos tempos
modernos, também é mau agouro viajar em aviões com algum religioso a bordo
(provavelmente devido à afinidade que o mesmo tem com o Pai Eterno).
Selim II, sultão da Turquia de 1566 até a sua morte em 1574.
Sierra Morena, região montanhosa do sul da Espanha que se estende da
fronteira portuguesa, até o Alcaraz, nas proximidades de Albacete. A Serra
Morena faz parte da Meseta Ibérica, constituída por planaltos suavemente
ondulados, que vão de Castela Nova a Castela Velha, separados pelas serras
de Guadarrama e Gredos, é limitada em sua periferia pelos Montes
Cantábricos. Rebordo sul da planície de Guadalquivir, constitui uma vasta
região, pouco habitada, recoberta por vegetação de maquis, um bonito cenário
e itinerário para as aventuras de Dom Quixote.
Trebizonda, Império grego fundado em 1204 por netos do Imperador Andrônico
I, a cidade de Trebizonda foi centro cultural e comercial de importância na
Antigüidade. Capital do Império no séc. XIII, após a queda de Constantinopla
em 1453, transformou-se em abrigo de refugiados. Caiu sob o domínio dos
otomanos em 1461, tornando-se um império decadente, distante e sem valor
algum. Por isso, proverbial.
Tribunal do Santo Ofício. Tribunal da Inquisição espanhola, instituído em 1478
pelos reis católicos Fernando e Isabel, para "salvaguardar a unidade da fé
católica", especialmente contra judeus, mouros, hereges e simpatizantes. Foi
estabelecido em todos os territórios da Coroa, suprimido somente em 1808 e
por fim abolido em 1834. Funcionou também em Portugal de 1557 a 1826, com
reflexos de sua atividade respingando no Brasil colonial.
Trovador, poeta da Idade Média, que não deve ser confundido com o troveiro.
Os trovadores falavam a língua de Oc e corriam de castelo em castelo o sul da
218
França para cantar seus poemas, recados, sonetos, canções, notícias, pois
constituíam o correio da época. Narravam histórias e estórias, declarações de
amor e de guerra, desafios e desistências, ascensões e quedas, batalhas e
rendições, cantadas a esposas e donzelas, recadinhos e torpedos. Os troveiros
eram os poetas do norte da França e particularmente da Picardia, falavam a
língua de Oil, cultivavam a poesia épica ou lírica.
Zaratustra ou Zoroastro (628-551aC), rei da Pérsia, fundador do zoroastrismo
ou masdeísmo reformado, cujos discípulos na Índia são chamados de parses.
Dizia ter tido a visão de Ahura-Mazde, senhor da Sabedoria, o maior dos
deuses e único digno de adoração e recebido a missão de pregar a verdade.
Essa doutrina penetrou profundamente a religião da Pérsia aquemênida. O
dualismo de Zaratustra também influenciou os judeus na época da diáspora,
produzindo depois as diversas formas do maniqueísmo. Vulgarmente se atribui
a Zaratustra a invenção da magia negra.
FIM
219
O Autor: Salomão Rovedo [Sá de João Pessoa em Literatura de Cordel], n. 22/03/1942 em João Pessoa (PB), de família maranhense. Estudos iniciais e formação intelectual em São Luis (MA), desde 1963 reside no Rio de Janeiro. Éditos e inéditos: Abertura Poética (Antologia), Walmir Ayala/César de Araújo-CS, Rio de Janeiro, 1975; Tributo (Poesia)-Ed. do Autor, Rio de Janeiro, 1980; 12 Poetas Alternativos (Antologia), Leila Míccolis/Tanussi Cardoso-Trotte, Rio de Janeiro, 1981; Chuva Fina (Part. Antologia), org. Leila Míccolis/Tanussi Cardoso-Trotte, Rio de Janeiro, 1982; Folguedos (Poesia/Folclore), c/Xilogravuras de Marcelo Soares-Ed.dos AA, Rio de Janeiro, 1983; Erótica (Poesia), c/Xilogravuras de Marcelo Soares-Ed. dos AA, Rio de Janeiro, 1984; Livro das Sete Canções (Poesia)-Ed. do Autor, Rio de Janeiro, 1987; Liriana (Contos); O Breve Reinado das Donzelas (Contos); Estrela Ambulante (Contos); O Pacto dos Meninos da Rua Bela (Contos); Ventre das Águas (Romance); Poesia de Cordel - O Poeta é Sua Essência (Ensaio Desaparecido); O Cometa de Halley e Outros Ensaios (Artigos Publicados em Jornais); Poesia: Pobres Cantares, 20 Poemas Pornôs e 1 Canção Ejaculada, Glosas Escabrosas (Xilogravura de Marcelo Soares), Suíte Picasso; Blues Azuis & Boleros Imperfeitos, Ventre das Águas, Amaricanto, Viola Baudelaireana e Outras Violas, Templo das Afrodites, Amor a São Luís e Ódio, Anjos Pornôs, Macunaíma (Em Cordel) Outros Publicou folhetos de cordel com o nome “Sá de João Pessoa”; Publicou o jornalzinho de poesia Poe/r/ta; Colaborações: Poema Convidado(USA), La Bicicleta(Chile), Poetica(Uruguai), Alén(Espanha), Jaque(Espanha), Ajedrez 2000(Espanha), O Imparcial(MA), Jornal do Dia(MA), Jornal do Povo(MA), A Toca do (Meu) Poeta (PB), Jornal de Debates(RJ), Opinião(RJ), O Pasquim(RJ), O Galo(RN), Jornal do País(RJ), DO Leitura(SP), Diário de Corumbá(MS) Endereço: Rua Basílio de Brito, 28/605-Cachambi 20785-000-Rio de Janeiro Rio de Janeiro Brasil Tel: 21 2201-2604 eBooks para baixa gratuita em: www.dominiopublico.gov.br/ http://www.4shared.com/dir/ http://www.logospoetry.org/ http://personales.ya.com/alkionehoxe/ http://www.revista.agulha.nom.br/ http://andar21.fiestras.com/ http://recantodasletras.uol.com.br/ http://www.logoslibrary.eu/ http://www.dominiopublico.gov.br/ http://www.belaspalavras.com/ Blog: www.salomaorovedo.blogspot.com
Recommended