View
215
Download
0
Category
Preview:
Citation preview
SUMÁRIO
Título Páginas
A espacialização dos movimentos socioterritoriais da luta pela terra no Brasil no início do século XXI SOUZA, Elenira de Jesus; FERNANDES, Bernardo Mançano
753
Disputa territorial: A “parceria” entre os assentados e usinas de açúcar e álcool GONÇALVES, Elienai Constantino
757
Mecanismos de obtenção dos territórios dos assentamentos rurais nas Mesorregiões Oeste paranaense e Centro-Sul paranaense - 1984-2008 COCA, Estevan Leopoldo de Freitas FERNANDES, Bernardo Mançano
771
Organização e disponibilização de parte do acervo documental produzido pelo movimento dos trabalhadores rurais sem terra (MST) SILVA, Fernanda Correia
783
A implementação dos projetos de microbacias hidrográficas no município de Irapuru-SP e o desenvolvimento rural sustentável SARON, Flavio Arruda
789
Movimentos socioterritoriais: Cultura jurídica e ideologia da criminalização SOUZA, Rubens dos Santos Romão de
803
Os efeitos do consumo dos assentados nas relações campo-cidade dos Municípios de Rosana, Euclides da Cunha Paulista e Teodoro Sampaio – SP SOUZA, Sérgio Pereira; HESPANHOL, Rosângela Aparecida de Medeiros
807
Experiência de divulgação de estudos da luta pela terra: O boletim DATALUTA DRUZIAN, Tomás Sombini
825
A ESPACIALIZAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIOTERRITORIAIS DA LUTA PELA TERRA NO BRASIL NO INÍCIO DO SÉCULO XXI
Elenira de Jesus Souza 1 elenira_mogi@yahoo.com.br
Bernardo Mançano Fernandes2 bmfunesp@terra.com.br
O objetivo deste trabalho é analisar os seis movimentos socioterritoriais mais ativos
na luta pela terra em território nacional entre 2000 e 2008. Atualmente registramos 89
movimentos socioterritoriais, que realizaram pelo menos uma ocupação no período de 2000
a 2008. Os movimentos registrados são de diversas formas de organizações camponesas,
como por exemplo: associações, sindicatos, federação, confederação, centrais,
cooperativas, fórum, ligas, etc. Podemos observar a atuação desses movimentos por
Estado, aos quais se destacam seis movimentos socioterritoriais, são os seguintes MST
(Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), CONTAG, (Confederação Nacional dos
Trabalhadores na Agricultura), MLST (Movimento de Libertação dos Sem Terra), CPT
(Comissão Pastoral da Terra), FETRAF (Federação da Agricultura Familiar) como os
movimentos mais atuantes em diferentes Estados. Já o caso da OLC (Organização da Luta
no Campo), esse movimento atua somente no Estado do Pernambuco, no entanto é muito
representativo o número de famílias em ocupações. Juntos, esses seis movimentos
socioterritoriais foram responsáveis por mobilizar 80,6% de famílias num total de 583.298.
1 Graduanda do 3º ano de Geografia – FCT/UNESP Bolsista CNPq/Pibic 2 Professor doutor vinculado ao Departamento de Geografia
SOUZA, Elenira J.; FERNANDES, Bernardo M. A espacialização dos movimentos socioterritoriais ... 754
No mapa demonstramos a espacialização do MST e da CONTAG em quase todo o
Brasil. A CPT atua predominantemente no Nordeste e a FETRAF atua em três regiões. A
OLC tem atuado somente no Estado de Pernambuco e o MLST nas regiões Nordeste,
Centro – Oeste, Sudeste e Sul. Estes são os movimentos que configuram a geografia dos
movimentos socioterritoriais do Brasil.
Nota-se, também, uma discussão do caso da CPT – Comissão Pastoral da Terra,
normalmente visto como um movimento socioespacial e não socioterritorial.
Predominantemente ela atua como movimento socioespacial apoiando os movimentos
camponeses na luta pela terra. Inclusive a CPT é considerada “mãe” de um dos mais
importantes movimentos camponeses do Brasil: o MST.
A construção do conceito de movimento socioterritorial se iniciou na primeira metade
da década de 1990 (FERNANDES, 1991) e vem ganhando ampla discussão através de
apresentações e publicações de trabalhos que abordam os movimentos socioterritoriais. O
conceito chama atenção por distinguir um aspecto dos movimentos sociais, que é a sua
identidade com o território. A identidade desses movimentos é construída a partir do
componente territorial em conjunto com as relações sociais e os sujeitos. Estes mesmos se
caracterizam pela disputa de territórios no campo e na cidade.
A geografia tem como objeto de estudo o espaço geográfico e por isso acreditamos
que, além dos estudos das relações e das formas de ações, é necessária uma análise mais
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia – “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
755
aprofundada do espaço e de sua transformação em território que é realizada pelos sujeitos
que compõem os movimentos socioterritoriais. É importante ressaltar que o conceito ainda é
recente e por isso não está pronto e acabado, mas em formação.
Os dados sobre os movimentos socioterritoriais começaram a ser estudados e
sistematizados no NERA (Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária) da
UNESP (Universidade Estadual Paulista) a partir de 2000, o que possibilitou a
sistematização do conhecimento dos principais sujeitos de apoio da reforma agrária. As
conferências dos movimentos são realizadas através de correções de nomes e siglas. Com
estas conferências, organizamos tabelas, quadros, mapas e gráficos para demonstrar a
espacialização e territorialização dos movimentos socioterritoriais para publicações e
divulgações posteriores. Para obtermos maiores referências a respeito dos movimentos,
utilizamos um procedimento que inclui pesquisa via mídia (impressa e digital), na qual
buscamos informações do histórico dos movimentos, endereços, data de fundação, entre
outros.
Com este trabalho, queremos contribuir com as discussões referentes à questão
agrária e colaborar com a ciência geográfica ao propormos o conceito de movimento
socioterritorial. Continuaremos realizando estudos mais profundos sobre esses movimentos
produtores de espaços e territórios onde os sujeitos, dos diversos movimentos, realizam
suas ações (SOUZA, 2009).
REFERÊNCIAS FERNANDES, Bernardo Mançano. O todo é a parte e a parte é o todo: a interação sujeito-espaço. In: Revista de Geografia da UNESP, n. 10, p. 31-38, 1991. SOUZA, Elenira de Jesus. DATALUTA – Banco de Dados da Luta pela Terra: atualização do cadastro dos movimentos socioterritoriais para o ano de 2007. 2009. 92 pp. Relatório (Iniciação científica – CNPq). Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Presidente Prudente.
DISPUTA TERRITORIAL: A “PARCERIA” ENTRE OS ASSENTADOS E USINAS DE AÇÚCAR E ALCOOL
Elienai Constantino Gonçalves naiprudente@yahoo.com.br
Mestrando no Programa de Pós Graduação em Geografia - PPGG Faculdade de Ciências e Tecnologia – UNESP/ Presidente Prudente
Bolsista CAPES
Resumo: Este trabalho tem o objetivo apresentar os primeiros resultados do nosso esforço para a análise da disputa territorial entre os territórios dos movimentos camponeses e do agronegócio sucroalcooleiro. Disputa expressa na “parceria” entre os assentados e usinas de açúcar e álcool. A territorialização do agronegócio sucroalcooleiro em seu processo de territorialização se utiliza das relações não capitalistas de produção encontradas em território camponês para a sua reprodução. Entendemos as “parcerias”, que é o arrendamento de parte do lote para a plantação de cana-de-açúcar, como a inserção do capital no território camponês, embora de forma relativa, (re) estabelecendo no campo a monopolização do território pelo capital monopolista. Trata-se de uma nova realidade, vinculada a questão agrária atual no processo em que o capital cria, destrói e recria o campesinato para a sua reprodução. Agora até mesmo o campesinato recriado por ele mesmo, por meio da luta, volta a ser incorporado ao sistema dominante com a conivência do Instituto de Terras do Estado de São Paulo – ITESP. Palavras-chave: território, disputa territorial, movimento camponês, agronegócio, cana-de-açúcar INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como objetivo apresentar alguns elementos para a discussão da
disputa territorial expressa na “parceria” entre os assentados e as usinas sucroalcooleiras.
Para isso realizamos um esforço para o entendimento dos conceitos de território,
territorialidades e seus processos de territorialização.
Julgamos ser esses elementos fundamentais para a compreensão da “parceria” dos
assentados com as usinas sob o aporte da portaria 77 do ITESP de 27 de julho de 2004 que
autoriza o plantio de cana-de-açúcar nos lotes dos projetos de assentamentos estaduais.
DISPUTA TERRITORIAL: TERRITÓRIOS E TERRITORIALIDADES
Para o entendimento do conceito de território partimos da leitura de Claude
RAFFESTIN (1993), Bernardo Mançano FERNANDES (2008, 2009), Rogério HAESBAERT
(2007, 2009), Marcos Aurélio SAQUET (2007, 2009) e Marcelo José Lopes de SOUZA
(1995, 2009). Esses autores propuseram na discussão elementos importantes na
compreensão do território, que são: o caráter relacional, totalidade, poder, soberania,
multidimensionalidade, multiescalaridade, multiterritorialidade, suas formas materiais e
imateriais e tipologia dos territórios.
Souza utilizando-se desses atributos cunhou a seguinte definição para território:
“espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder” (SOUZA, 1995, p. 78).
GONÇALVES, Elienai C. Disputa territorial: A “parceria entre os assentados ... 758
Aliado a essa definição FERNANDES (2009) colabora com a proposição de uma
tipologia dos territórios, a fim de superar a visão única de território, aquela vista apenas
como território de governança (municípios, estados e território nações), pois “as
contradições produzidas pelas relações sociais criam espaços e territórios heterogêneos
gerando conflitualidades. As classes sociais, suas instituições e o Estado produzem
trajetórias divergentes e diferentes estratégias de reprodução socioterritorial” (FERNANDES,
2009. p. 203). Segundo Fernandes o primeiro tipo seria o território da governança
(municípios, estados e a nação), o segundo a propriedade (particular ou coletiva) e o
terceiro seria relacionado a forma de uso dos territórios, estando mais ancorada em um
caráter relacional, ou seja, imaterial do território.
Para a análise da disputa territorial e a conflitualidade gerada pela “parceria” dos
assentados com a usina trabalharemos com o segundo território, pois os assentamentos
fazem parte do processo como frações do território do estado, que (re) produzem a
racionalidade camponesa com suas peculiaridades quanto às formas de produção. Estão
presentes no contexto da espacialização e territorialização a reeducação dos militantes com
uma proposta pedagógica de reconhecimento dos saberes populares como uma
racionalidade oposta a racionalidade do capital, o que é a base fundamental para a
efetivação do modo de produção camponês. (FERNANDES, 1996) E segundo o mesmo autor:
A disputa territorial ocorre de dois modos: pela desterritorialização ou pelo controle das formas de uso e de acesso aos territórios, ou seja, controlando as suas territorialidades. Exemplos são os estudos de geógrafos e sociólogos que analisam essas disputas e conflitualidades. Oliveira (1991) discute essas disputas denominando-as territorialização do capital ou do campesinato e monopólio do território pelo capital, chamando-as de frações do território. (FERNANDES, 2009. p.208)
O capital em seu processo de territorialização expropria o camponês ou se utiliza das
relações não capitalistas de produção encontradas em território camponês para a sua
reprodução. É essa realidade que encontramos com as parcerias. É a inserção do capital no
território camponês, embora de forma relativa, (re) estabelecendo no campo a
monopolização do território pelo capital monopolista (OLIVEIRA, 1991). Trata-se de uma
nova realidade, vinculada a questão agrária atual no processo em que o capital cria, destrói
e recria o campesinato para a sua reprodução. Agora até mesmo o campesinato recriado
por ele mesmo, por meio da luta, volta a ser incorporado ao sistema dominante de acordo
com suas necessidades.
TERRITORIALIZAÇÃO DO MOVIMENTO CAMPONÊS
Entendemos movimento camponês como um movimento socioterritorial em processo
constante de espacialização e territorialização (FERNANDES, 2000). Entendemos a
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia – “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
759
territorialização do movimento socioterritorial como um “processo do movimento concreto da
ação em sua reprodução no espaço e no território” (p. 271), através das ocupações e
acampamentos, bem como nas diversas outras formas de mobilização. Essas ações
elaboram sua territorialização com a institucionalização de assentamentos e do próximo
passo da luta, que é a conquista da autonomia desses territórios.
A atuação dos movimentos socioterritoriais no Pontal do Paranapanema teve início
quando o MST organizou os camponeses expropriados da região, que já tinham iniciado um
processo de resistência1, e realizou sua primeira ocupação em 14 de julho de 1990, quando
800 famílias ocuparam a fazenda Nova Pontal, localizada no município de Rosana dando
origem ao Assentamento Nova Pontal.
Após o início das atividades do MST na região outros movimentos foram formados,
principalmente o MAST, que foi criado após a saída de dissidentes do MST em 1995, dando
origem a vários outros movimentos. Uma análise sobre isso é encontrada no trabalho de
Edvaldo Lima: Os movimentos sociais de luta pela terra e pela reforma agrária no Pontal do
Paranapanema (SP): dissidência e dinâmica territorial2.
Após as séries de dissidências e criação de novos movimentos, segundo o
DATALUTA, estiveram atuantes no município de Teodoro Sampaio no período de 2000 a
20073 dois movimentos socioterritoriais. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
– MST e Movimento dos Agricultores Sem Terra - MAST.
Exposto isso podemos concluir que dentro, do que concebemos como território do
movimento camponês, existem diferentes territórios, por exemplo, território do MST e
território do MAST, mas trabalharemos aqui com o que os aproximam, que é a luta pela terra
e pela reforma agrária e não o que os diferenciam.
As atuações desses movimentos alavancaram a luta pela terra e pela reforma agrária
e resultou na conquista da maioria dos assentamentos, pois frente a morosidade e interesse
do poder hegemônico no processo de reforma agrária, as ocupações de terras preconizadas
pelos movimentos socioterritoriais se tornou a principal forma de acesso a terra na região
bem como em todo o país.
A região conta com um número elevado de ocupações durante o período de 1988 a
2007, ficando em destaque os municípios de Mirante do Paranapanema, Sandovalina e
Teodoro Sampaio, que contabilizam 170, 40 e 69 ocupações, das quais participaram 33.215,
11.962 e 11.408 famílias respectivamente.
1 Como por exemplo, os posseiros da Fazenda Primavera e da Lagoa São Paulo. Ver (FERNANDES, 1996) 2 LIMA, Edvaldo Carlos de. Os movimentos sociais de luta pela terra e pela reforma agrária no Pontal do Paranapanema (SP) :dissidência e dinâmica territorial.2006. 132 f. Dissertação (Mestrado em Geografia Humana) –Faculdade de Ciências e Tecnologia – Universidade Estadual Paulista. Presidente Prudente 3 Ano em que a Comissão Pastoral da Terra – CPT passou a registrar os nomes dos movimentos que realizaram ocupações.
GONÇALVES, Elienai C. Disputa territorial: A “parceria entre os assentados ... 760
Mirante do Paranapanema também é o município com o maior número de famílias
assentadas. São no total 31 assentamentos, com uma capacidade para 1.454 famílias em
uma área total de 33.253 hectares. Outro município em destaque é Teodoro Sampaio, que é
o segundo em número de assentamentos. São ao todo 20 assentamentos com capacidade
para 865 famílias em uma área de 22.681 hectares.
Destacamos o município de Teodoro Sampaio como um município importante para a
análise da disputa territorial, pois como veremos adiante, é nesse município que está
concentrada área de plantação de cana-de-açúcar da região, onde está a Usina ETH –
Alcídia, a maior e mais antiga da região, e ainda ser com essa Usina todos os contratos de
parcerias enquadrados na Portaria 77 do ITESP na região do Pontal do Paranapanema.
TERRITORIALIZAÇÃO DO AGRONEGÓCIO SUCROALCOOLEIRO
A territorialização da cana-de-açúcar teve início de forma efetiva na região do Pontal
do Paranapanema, como em várias regiões do Brasil, em tempos do PRÓALCOOL4. Com
esse programa de incentivo a produção de álcool varias regiões se destacaram no plantio de
cana-de-açúcar para a produção de etanol, no entanto houve a especialização de algumas
regiões na produção, logo posteriormente surgiu a preocupação de equilibrar a
territorialização diferenciada entre as regiões do Estado de São Paulo. Frente a isso
Thomáz Junior destaca:
A inversão de recursos do Próalcool rumo ao oeste paulista foi estimulada, no entanto, nessa etapa, pela Secretaria de Estado da Agricultura e Abastecimento, através de um política específica de São Paulo (pró-oeste), com o intuito de inserir essa porção do território à agroindústria sucro-alcooleira, conforme consta na sua exposição de motivos: “essa é a forma concreta de desenvolver a agricultura nos moldes modernos, como já alcançado nas áreas tradicionais da cultura da cana”. (THOMAZ JÚNIOR, 2002.p. 94)
Mesmo com essa preocupação de equilibrar a produção entre as regiões podemos
verificar a especialização e consolidação das regiões produtoras, tidas como tradicionais,
principalmente as regiões de Ribeirão Preto e Campinas, com alguma relevância para a
região de São José do Rio Preto e do Vale do Paranapanema.
Nota-se que a região do Pontal do Paranapanema na safra 2003/2004 não conta
com uma ampla área de cana plantada, mas ao compararmos com o mapa da
territorialização da safra 2008/2009 percebemos o avanço da cana para o Oeste do Estado,
sobretudo para a região de São José do Rio Preto, Araçatuba e Presidente Prudente, região
administrativa que compreende os municípios do Pontal do Paranapanema. Ver tabela e
mapa abaixo.
4 Política estatal criada em 1975 que visava alternativas para enfrentar a crise mundial de petróleo.
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia – “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
761
Tabela 01 – Área Plantada por Região Administrativa e por Safra 2003/2004 a 2008/2009
Região Administrativa
2003-2004
2004-2005
2005-2006
2006-2007
2007-2008
2008-2009
Araçatuba 224.483 246.895 262.278 294.830 397.915 512.603 Barretos 219.826 236.329 261.661 295.766 333.037 385.591
Bauru 299.799 314.488 329.911 353.225 422.091 474.151 Campinas 393.862 408.429 436.434 453.052 489.618 511.023
Central 320.410 329.345 341.649 366.443 394.313 432.312 Franca 355.024 376.335 390.467 417.093 449.431 489.061 Marília 241.325 253.262 266.290 289.144 360.020 405.879
Presidente Prudente 116.681 133.281 151.382 179.796 235.155 327.087
Ribeirão Preto 416.882 422.110 433.387 447.351 457.315 471.440 São José do Rio
Preto 280.693 303.658 331.878 396.945 502.555 632.039 Sorocaba 133.691 141.255 159.367 167.510 208.472 232.754 TOTAL 3.002.676 3.165.387 3.364.704 3.661.155 4.249.922 4.873.940
Fonte: União da Industria de Cana-de-Açúcar – ÚNICA – Org. Elienai Constantino Gonçalves
Fazendo uma aproximação desses dados para a região do Pontal do
Paranapanema, podemos verificar que na safra 2008/2009 todos os municípios tiveram área
plantada de cana, e com um aumento considerável em relação a safra 2003/2004.
O Pontal conta com sete Usinas, que são: ETH bioenergia S/A (antiga Destilaria
Alcídia) que fica em Teodoro Sampaio, Alto Alegre em Presidente Prudente, Alvorada do
Oeste em Santo Anastácio, Umoe Biofuel Energy e Cocal II em Narandiba, Decasa em
Caiuá e Santa Fany em Regente Feijó.
Além dessas usinas está em fase final de construção a usina Conquista do Pontal
em Mirante do Paranapanema. Esta usina está sendo construída pela ETH bioenergia S/A,
grupo vinculado a Odebrecht, e tem previsão para os inícios das atividades ainda no ano de
2009. A Odebrecht no dia 3 de julho de 2007 anunciou a compra de 85% da Destilaria
Alcídia por R$ 290 milhões. Este valor inclui o preço da usina e os investimentos previstos
para a ampliação da unidade, que tem previsão de processamento de 2,1 milhões de
toneladas de cana para este ano.
Além dessa nova usina que está em fase final de construção a Odebrecth tem como
plano ampliar ainda mais sua atuação na região construindo mais duas usinas. Uma em
Euclides da Cunha Paulista com previsão para inicio das atividades em 2010 e a outra em
Presidente Epitácio para o ano de 20115.
Da safra de 2003/2004 à safra 2008/2009 houve um aumento significativo da área
plantada de cana no Pontal. Na safra 2003/2004 foram 71.095 hectares na safra 2008/2009
foram 209.007 hectares o que representa um aumento de quase 200% da área plantada na
região. Ver tabela abaixo. 5 www.eth.com/website/content/default.asp?txtCode=874A748B-663E-6D26-0512-A7649806D0E2
GONÇALVES, Elienai C. Disputa territorial: A “parceria entre os assentados ... 762
Tabela 02 – Área plantada por hectare e aumento da Safra 2008/2009 em relação a safra 2003/2004 por município
Município Safra
2003/2004Safra
2008/2009 Aumento % de
aumento Alfredo Marcondes 0 0 0 - Álvares Machado 0 67 67 -
Anhumas 150 3.304 3.154 2.102,67 Caiabu 5.310 7.111 1.801 33,92 Caiuá 58 5.396 5.338 9.203,45
Emilianópolis 1.298 4.255 2.957 227,81 Estrela do Norte 0 2.178 2.178 -
Euclides da Cunha Paulista 1.219 1.162 -57 -4,68
Iepê 6.468 10.373 3.905 60,37 Indiana 0 54 54 -
João Ramalho 2.385 12.598 10.213 428,22 Marabá Paulista 961 12.067 11.106 1.155,67
Martinópolis 6.925 22.181 15.256 220,30 Mirante do
Paranapanema 0 2.204 2.204 - Nantes 4.838 4.055 -783 -16,18
Narandiba 591 7.271 6.680 1.130,29 Piquerobi 187 2.377 2.190 1.171,12
Pirapozinho 2.445 15.176 12.731 520,70 Presidente Bernardes 582 2.215 1.633 280,58 Presidente Epitácio 0 735 735 - Presidente Prudente 7.731 8.269 538 6,96
Presidente Venceslau 24 6.702 6.678 27.825,00 Rancharia 8.974 21.330 12.356 137,69
Regente Feijó 255 1.187 932 365,49 Ribeirão dos Índios 0 3.133 3.133 -
Rosana 17 558 541 3.182,35 Sandovalina 0 10.785 10.785 -
Santo Anastácio 1.311 3.912 2.601 198,40 Santo Expedito 369 1.729 1.360 368,56
Taciba 5.055 999 -4.056 -80,24 Tarabai 0 12.120 12.120 -
Teodoro Sampaio 13.942 23.504 9.562 68,58 Total 71.095 209.007 137.912 193,98
Fonte: União da Industria de Cana-de-Açúcar – ÚNICA – Org. Elienai Constantino Gonçalves
Nota-se que os municípios que mais tiveram área plantada na safra 2008/2009 foram
Teodoro Sampaio, Martinópolis, Rancharia e Pirapozinho. E os municípios que mais tiveram
a área plantada ampliada em valores absolutos foram Martinópolis, Pirapozinho e
Rancharia, superando um crescimento de dez mil hectares.
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia – “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
763
Já em relação ao crescimento percentual podemos verificar que os municípios que
mais ampliou a área plantada foram Marabá Paulista, Caiuá e Narandiba.
Podemos concluir que municípios que já contavam com uma maior área plantada na
safra 2003/2004 (Teodoro Sampaio, Rancharia e Martinópolis), apesar de não terem tido um
crescimento tão significativo quanto os outros municípios garantiram o posto de maiores
produtores de cana do Pontal do Paranapanema.
Logo entendemos que o município de Teodoro Sampaio apresenta a configuração
territorial onde mais encontramos elementos para a análise da disputa territorial entre o
movimento camponês e o agronegócio sucroalcooleiro.
• Teodoro Sampaio é o município com a maior área plantada de cana-de-
açúcar (23.504 ha).
• É o segundo município com maior número de famílias assentadas (735
famílias), ficando atrás somente de Mirante do Paranapanema,
• É o município onde está localizada a Usina ETH Bioenergy – Destilaria
Alcídia,
• Foi no município que se iniciou as “parcerias” entre assentados e usina em
1993
• É no município que estão localizados todos os lotes, que segundo o ITESP
estão em “parceria” na região.
CANA DE AÇÚCAR NOS ASSENTAMENTOS RURAIS
A suposta “parceria” dos assentados com usinas de processamento de cana-de-
açúcar não é uma coisa nova6, tanto na região do Pontal como na região tradicional no
plantio de cana como Araraquara. No Pontal a “parceria” teve início em 1993, quando a
Destilaria Alcídia apresentou ao ITESP um projeto para o plantio de cana em lotes do
assentamento Água Sumida no município de Teodoro Sampaio, quando 11 dos 121 lotes
entraram na “parceria”. Estava implantada a “parceria” entre INCRA/ITESP –Banespa –
Assentados e a Destilaria Alcídia S/A. (FERREIRA JUNIOR, 2007)
A Destilaria Alcídia elaborou em 4 de setembro de 1995 uma avaliação da “parceria”,
onde diz que os resultados obtidos estavam dentro do previsto no projeto elaborado em
1993. A empresa ainda destacou que os objetivos que nortearam a “parceria” que eram:
“mostrar que é possível o plantio de cana em pequenas propriedades de forma rentável;
proporcionar uma retirada mensal durante toda a vida produtiva do canavial (48 meses); e
fixar efetivamente o assentado no lote, de forma que a força familiar não seja obrigada a
procurar sustento em outras atividades fora do lote”, foram alcançados. 6 Ver (FERREIRA JUNIOR, 2007)
GONÇALVES, Elienai C. Disputa territorial: A “parceria entre os assentados ... 764
A Destilaria Alcídia informa ainda que por motivos diversos, como a implantação do
Plano Real, aumento dos juros, mudanças de regras do financiamento agrícola e políticas
de preços desfavoráveis o resultado econômico da “parceria” não foi o esperado pelo
projeto. No entanto o financiamento junto ao Banespa foi pago integralmente com a colheita.
Em Ofício, com data de 21 de Dezembro de 1995, o Departamento de Assentamento
Fundiário, do ITESP, solicitou ao Departamento de Geografia da UNESP de Presidente
Prudente, um parecer sobre a viabilidade da introdução da cana de açúcar nos
assentamentos, tendo como base o projeto piloto, envolvendo a Destilaria Alcídia e o
assentamento Água Sumida. Segundo o ITESP a “parceria” teria “provocado muita polêmica
em torno do interesse para o desenvolvimento sócio-econômico destes assentamentos”,
como por exemplo, a “pressão por parte da usina e de políticos da região, para expandir o
plantio de cana para os demais assentados da Água Sumida e de outros assentamentos,
principalmente a Gleba XV de novembro”, por isso a importância do Parecer Técnico.
Os professores (as) Armando Pereira Antonio, Bernardo Mançano Fernandes e
Fátima Rotundo da Silveira elaboraram o Parecer Técnico-Científico sobre a viabilidade da
cana de açúcar nos projetos de assentamentos do Pontal do Paranapanema – SP.
No parecer levantam a contradição representada pelo cultivo da cana de açúcar, o
qual exige grandes investimentos e racionalidade na produção, em assentamentos rurais, os
quais que não possuem infra-estrutura e tecnologia adequada para essa cultura. Observam
também a diminuição de quase a metade dos pequenos produtores de cana, justamente
pela falta de rentabilidade na produção dessa cultura em pequenas áreas de exploração.
O parecer faz a avaliação na perspectivas do interesse dos envolvidos na “parceria”,
tanto da Destilaria Alcídia S/A quanto dos assentados do assentamento Água Sumida.
Em relação ao interesse da usina o parecer destaca quatro questões a serem
analisadas:
• Falta de rentabilidade por hectare não atrai os grandes proprietários da região para a
cultura da cana;
• A Destilaria Alcídia, estaria se utilizando de terras públicas para não ter de pagar a
renda pelo uso da terra, viabilizando assim a exploração de pequenas áreas;
• O projeto de Assentamento Água Sumida se encontra no raio economicamente
viável da Destilaria Alcídia;
• Financiamento ao pequeno produtor ser com condições favoráveis, uma vez que o
financiamento sai em nome do produtor assentado, no entanto é repassado
diretamente para a usina, que gerencia a utilização durante a produção.
E em relação aos interesses dos assentados:
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia – “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
765
O fato dos produtores assentados estarem desenvolvendo esta relação de parceria com a Destilaria, confere a eles uma certa tranqüilidade econômica. Uma vez que recebem mensalmente um adiantamento de salário. Para os assentados a produção de cana é vista de maneira emergencial, pelo fato de não possuírem qualquer vínculo com este tipo de cultivo. Para eles a cana é um recurso a ser utilizado para acumular pecúlio destinado a compra de gado leiteiro e a melhoria das condições de vida, uma vez que eles não vêem a atividade agrícola como uma saída econômica rentável. A parceria com a Destilaria trouxe um certo grau de melhoria na assistência médica, devido ao fato de que a oferecida pelo Estado é de péssima qualidade, com relação a assistência técnica da Destilaria, esta também é superior a oferecida pelo Estado. A lavoura de cana-de-açúcar é, também, um bom negócio para os assentados, considerando que o produtor não fica a mercê do jogo do mercado, pois a venda da sua produção é garantida desde o momento inicial do processo produtivo. A cana-de-açúcar é uma cultura que não exige uma jornada de trabalho familiar extensa como as outras culturas, em que o assentado tem que trabalhar durante todo o processo. Na produção da cana o assentado é um mero expectador, em quase todo o processo produtivo pelas próprias característica do mesmo, que é mecanizado em algumas etapas, necessitando muito pouco da força de trabalho familiar. Além disso, no período da colheita é necessário a utilização de mão de obra intensiva e em grande quantidade, o que inviabiliza mais uma vez o trabalho familiar. A parceria entre a Destilaria e os assentados, embora seja reconhecidamente uma relação de dependência, é aceita com facilidade pelos produtores que confiam cegamente na administração da Destilaria Alcídia S/A. (Parecer Técnico-Científico sobre a viabilidade da cana de açúcar nos projetos de assentamentos do Pontal do Paranapanema – SP. p.5)
Como podemos perceber a parceria é entendida pelos pareceristas como uma
alternativa para os assentados, uma vez que não se efetiva políticas públicas para a
geração de renda e desenvolvimento desses assentamentos. No entanto os pareceristas de
forma conclusiva destacam:
Diante disto, ao mesmo tempo em que a cana-de-açúcar oferece uma saída única para a viabilidade econômica aos produtores assentados, também os condena a dependência, a não participação, a perda da autonomia, a alienação e a sujeição aos critérios impostos pela Destilaria. Está é, mais uma vez, a face perversa do processo de modernização da agricultura brasileira, que agora se reflete nas propostas de implantação da cultura de cana-de-açúcar nos projetos de assentamentos de reforma agrária. (Parecer Técnico-Científico sobre a viabilidade da cana de açúcar nos projetos de assentamentos do Pontal do Paranapanema – SP. p.6)
Após o projeto de “parceria” entre a Destilaria Alcídia e o assentamento Água
Sumida não se realizou mais parcerias. No entanto em 2002 o ITESP argumentou a
necessidade de garantir a participação dos assentados na economia dos municípios e
“suprir as indústrias de matéria-prima de fonte agrícola, além de aumentar, paralelamente a
área plantada com gêneros essenciais à alimentação, consolidar os sistemas de produção
existentes e até implantar unidades artesanais para o processamento dos produtos.”
(Portaria ITESP nº. 75 de 24/10/2002). O ITESP passa permitir que até 30% do lote seja
utilizado para a plantação de cana-de-açúcar.
Vemos que o ITESP lançou a portaria 075 em 24 de outubro de 2002, que permite a
locação de serviços dos assentados às agroindústrias, logo após o governo federal articular
GONÇALVES, Elienai C. Disputa territorial: A “parceria entre os assentados ... 766
uma série de medidas para reverter um quadro de crise. O governo tentava conter a
redução de gastos com combustíveis, a diminuição de seu preço, o aumento da produção
agrícola para estimular as exportações e o aproveitamento da batente do álcool feito a partir
da cana-de-açúcar. Foi nesse contexto que, após alguns anos sem contratos firmados, a
Destilaria Alcídia voltou a firmá-los em 2002. Dessa vez, assinaram a suposta “parceria”
com 119 famílias assentadas, pelo prazo de cinco anos.
Após a subida abusiva do preço do petróleo e uma série de medidas do governo
para estimular a produção de álcool nos anos de 2002 e 2003, o ITESP, no dia 27 de julho
de 2004, relança e revisa na portaria nº. 77 as medidas antes estabelecidas pela portaria nº.
75/2002. Nela o instituto considera, dentre várias questões, a “necessidade de harmonizar
as políticas públicas de incentivo à agroindústria e à produção agrícola”, a permissão para
que os projetos de assentamento, implantados nos termos da legislação estadual, realizem
o plantio de culturas para as agroindústrias. Determinou que, a requerimento do interessado
via projeto técnico, poderão ser implantadas em até 50% das áreas dos lotes com menos de
15 hectares e em até 30% das áreas dos lotes com dimensão superior a 15 hectares
(ITESP, 2004).
Segundo o ITESP estão em parceria, respaldados pela portaria 77 de 27 de julho de
2004, 500 (quinhentos) lotes, tanto na região de Araraquara e Ribeirão Preto, quanto na
região do Pontal do Paranapanema. Ver quadro abaixo.
Quadro 01 – Relação de contratos com enquadramento na Portaria 77 de 27/07/2004 –
Abril de 20097
Município projeto de assentamento
Nº de contratos
Cultura
Araraquara Bueno de Andrada 16 Cana-de-açúcarAraraquara Monte Alegre III 26 Cana-de-açúcarAraraquara Monte Alegre VI 35 Cana-de-açúcarBebedouro Reage Brasil 46 Cana-de-açúcar
Birigui São José I 4 Soja Brejo Alegre Salvador 4 Soja
Matão Silvânia 77 Cana-de-açúcarMotuca Monte Alegre I 43 Cana-de-açúcarMotuca Monte Alegre II 36 Cana-de-açúcarMotuca Monte Alegre IV 27 Cana-de-açúcarMotuca Monte Alegre V 21 Cana-de-açúcar
Pitangueiras Ibitiúva 37 Cana-de-açúcarPradópolis Guarani 1 Cana-de-açúcar
Rosana e Euclides da Cunha*
Gleba XV de Novembro 39 Cana-de-açúcar
Teodoro Sampaio* Alcídia da Gata 14 Cana-de-açúcar
7 Esses dados foram obtidos através de requerimento de informações/materiais ao ITESP em Abril de 2009.
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia – “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
767
Teodoro Sampaio* Laudenor de Souza 7 Cana-de-açúcarTeodoro Sampaio* Santa Cruz da Alcídia 7 Cana-de-açúcarTeodoro Sampaio* Santa Terezinha da
Alcídia 24 Cana-de-açúcar
Teodoro Sampaio* Santa Zélia 34 Cana-de-açúcarTeodoro Sampaio* Vô Tonico 2 Cana-de-açúcar
Total 500 Fonte: ITESP. Organização Elienai Constantino Gonçalves *Municípios do Pontal do Paranapanema
Como podemos observar que em todo o Estado de São Paulo existem 500 lotes com
contratos de “parceria” com as agroindústrias, isso equivale a 3,8% do total de 13.035 lotes
do estado. Detalhando os dados percebemos que na região do Pontal do Paranapanema
são 127 lotes em “parceria”, o que equivale a somente 2,2% do total de 5.564 lotes.
Como podemos observar no quadro, os municípios do Pontal do Paranapanema que
tem assentamentos com contrato de “parceria” são Euclides da Cunha/Rosana8 e Teodoro
Sampaio. Abaixo estão detalhados esses dados por assentamento.
Quadro 02- Relação dos projetos com lotes em “parceria” na região do Pontal do
Paranapanema Projeto total de famílias Em parcerias %
PE Gleba VX de Novembro 570 39 6,84 PE Alcídia da Gata 18 14 77,78
PE Laudenor de Souza 60 7 11,67 PE Santa Cruz da Alcídia 26 7 26,92 PE Santa Terezinha da
Alcídia 26 24 92,31 PE Santa Zélia 103 34 33,01 PE Vô Tonico 19 2 10,53
Total 822 127 Fonte: ITESP. Organização: Elienai Constantino Gonçalves
Podemos observar no quadro acima a relação dos assentamentos, que
relativamente, mais possuem lotes em parceria são PE Alcídia da Gata e PE Santa
Terezinha da Alcídia, com 77,7% e 92,3% dos lotes, respectivamente, em “parceria”
produzindo cana-de-açúcar para a Destilaria Alcídia.
REALIDADE ENCONTRADA NOS ASSENTAMENTOS
Realizamos um trabalho de campo no intuito de realizar um reconhecimento da área
de estudo e conhecer os assentados e os lotes que estão em “parceria” com a Usina ETH
Bioenergy – Destilaria Alcídia.
8 A área delimitada do assentamento Gleba XV de Novembro extrapola os limites desses dois municípios.
GONÇALVES, Elienai C. Disputa territorial: A “parceria entre os assentados ... 768
Na visita que fizemos aos assentados que estão em “parceria”, percebemos que
ambos passam pela mesma situação e compartilham a mesma insatisfação. Segundo os
assentados por falta de alternativa para a geração de renda, dificultada pela falta de um
projeto e financiamento, aceitaram em 2002 o contrato de “parceria” proposto pela própria
usina durante duas safras – 2002 a 2009, período em que ficariam arrendados seis hectares
e se realizaria oito cortes da cana.
No contrato já constava a concessão para a usina fazer o empréstimo junto ao
Pronaf – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar em nome do
assentado. Foram adquiridos R$ 18.000. A verba como todo o processo foi gestado pela
usina sem qualquer transparência e conhecimento dos assentados, no entanto o
empréstimo foi quitado e apresentado aos assentados o comprovante do Banco do Brasil.
O último corte se realizaria no ano de 2009, no entanto em 2008 a usina não realizou
o corte, abandonando seis hectares plantados. A justificativa para deixar de fazer o corte foi
que a qualidade da cana nesses lotes já não era mais satisfatória e que não valeria a pena o
trabalho de corte.
No contrato de parceria está exposto que a usina se encarregaria de fazer o
tratamento do solo antes do plantio visando uma maior produção e posteriormente deixar
parte do lote do assentado corrigido. No entanto não foi o que percebemos nos lotes
visitados, o que vimos foi uma terra totalmente degradada que precisará passar por um novo
processo de tratamento para voltar a produzir.
A justificativa da baixa qualidade da cana foi a mesma dada para o baixo rendimento
e o não pagamento para os assentados da cana cortada dos últimos cortes. Segundo os
assentados só foi pago pela usina a primeira safra, pois na segunda justificando a baixa
qualidade da cana não repassaram nenhum valor para os assentados. Lembramos que os
assentados nunca tiveram acesso a quantidade e qualidade produzida bem como os gastos
com o cultivo.
Situação diferente foi encontrada no lote do Sr. Garcia. Em seu lote ele trabalha com
plantio de café misturado com floresta, com espécies nativas ou de cerrado. Ao todo são
mais de seis mil pés de café, dos quais consegue tirar parte significativa da renda
necessária para a família, ajudada pela plantação de gêneros alimentícios visando
subsistência no intuito de diminuir a dependência do mercado para a aquisição de
alimentos.
Depois da conversa que tivemos com os assentados percebemos que teríamos que
incorporar um novo elemento na investigação, que é referente aos 18 mil reais do Pronaf
que foram utilizados para o plantio de seis hectares de cana. Tentaremos descobrir com
acessoria adequada quanto se gastaria nesse processo, pois trabalhamos com a hipótese
de que não foram gastos os 18 mil, ficando o restante em reserva da usina.
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia – “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
769
CONCLUSÃO A disputa territorial entre o território do movimento camponês e do agronegócio
sucroalcooleiro expressa na “parceria” entre assentados e a usina é o relativo monopólio do
território pelo capital. O capital sucroalcooleiro em seu processo de territorialização se utiliza
do arrendamento de terras públicas, partes dos lotes de projetos de reforma agrária, e
condições especiais de crédito com conivência do Estado.
Outro elemento importante a ser considerado nessa disputa é a questão dos
impactos ambientais causados por essas “parcerias”. Por uma visão imediatista da usina,
ITESP e os assentados, visando a obtenção de uma renda rápida deixam de considerar as
conseqüências ambientais. O que se viu em campo foi parte do lote dos assentados que
estão terminando o contrato, após oito anos do plantio de cana, totalmente degradados.
Para corrigir o solo levará tempo e será necessário uma série de recursos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FERNANDES, Bernardo Mançano. Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra: Formação e territorialização em São Paulo. São Paulo: Hucitec, 1996. 285 pp. FERNANDES, Bernardo Mançano. A formação do MST no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2000. 319 pp. FERNANDES, Bernardo Mançano. Questão agrária: conflitualidade e desenvolvimento territorial. In: Luta pela Terra, Reforma Agrária e Gestão de Conflitos no Brasil. Campinas: Editora da Unicamp, 2008, v.1, p. 173-224 FERNANDES, Bernardo Mançano. Sobre a tipologia dos territórios. In: SAQUET, Marcos Aurélio, SPOSITO, Eliseu Savério (org). Territórios e territorialidades: teorias, processos e conflitos. São Paulo: Expressão Popular, 2009. p. 197-215. FERRANTE, Vera Lúcia Silveira Botta. Assentamentos rurais no território da cana: controvérsias em cena. Revista Nera. Presidente Prudente, ano 10, nº. 11, jan.-jun./2008. FERREIRA JUNIOR, Antônio Carlos. Ações e políticas públicas para o desenvolvimento dos assentamentos Santa Terezinha da Alcídia e Alcídia da Gata. Presidente Prudente, SP: UNESP, 2007. CD-ROM. HAESBAERT, Rogério. O Mito da desterritorialização: do "fim dos territórios" à multiterritorialidade. Rio de Janeiro : Bertrand Brasil, 2004. 395p. HAESBAERT, Rogério. Dilema de conceitos: espaço-território e contenção territorial. In: SAQUET, Marcos Aurélio, SPOSITO, Eliseu Savério (org). Territórios e territorialidades: teorias, processos e conflitos. São Paulo: Expressão Popular, 2009. p. 95-120. OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Agricultura camponesa no Brasil. São Paulo: Contexto, 1991. RAFFESTIN, Claude. Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993.
GONÇALVES, Elienai C. Disputa territorial: A “parceria entre os assentados ... 770
SAQUET, Marcos Aurélio. Abordagens e concepções de território. São Paulo: Expressão Popular, 2007. 200p. SAQUET, Marcos Aurélio. Por uma abordagem territorial. In: SAQUET, Marcos Aurélio, SPOSITO, Eliseu Savério (org). Territórios e territorialidades: teorias, processos e conflitos. São Paulo: Expressão Popular, 2009. p. 73-94. SOUZA, M. J. L. O território: sobre espaço e poder, autonomia e desenvolvimento. IN: CASTRO, Iná Elias de; GOMES, Paulo César da Costa; CORRÊA, Roberto Lobato. (Org). Geografia: conceitos e temas. 6.ed. Rio de Janeiro: Bertrand, 1995. p. 77-116. SOUZA, Marcelo Lopes. “Território” da divergência (e da confusão): em torno das imprecisas fronteiras de um conceito fundamental. In: SAQUET, Marcos Aurélio, SPOSITO, Eliseu Savério (org). Territórios e territorialidades: teorias, processos e conflitos. São Paulo: Expressão Popular, 2009. p. 57-72. THOMAZ JÚNIOR, Antonio. Por trás dos canaviais, os "nós" da cana: a relação capital x trabalho e o movimento sindical dos trabalhadores na agroindústria canavieira paulista. São Paulo : Annablume: FAPESP, 2002. THOMAZ JÚNIOR, Antonio. Agronegócio alcoolizado e culturas em expansão no Pontal do Paranapanema! Legitimação das terras devolutas/improdutivas e neutralização dos movimentos sociais. Presidente Prudente, 2008. (Inédito) Outras Referências DATALUTA – Banco de Dados da Luta pela Terra. Presidente Prudente: Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária, 2007. ITESP. Fundação Instituto de Terras e São Paulo “José Gomes da Silva”. Portaria ITESP – 75, de 27-10-2002. Plantio de Culturas. ITESP. Fundação Instituto de Terras e São Paulo “José Gomes da Silva”. Portaria ITESP – 77, de 27-7-2004. Plantio de Culturas.
MECANISMOS DE OBTENÇÃO DOS TERRITÓRIOS DOS ASSENTAMENTOS RURAIS NAS MESORREGIÕES OESTE PARANAENSE E CENTRO-SUL PARANAENSE - 1984-
2008
Estevan Leopoldo de Freitas Coca estevanleopoldo@yahoo.com.br
Mestrando em Geografia FCT/UNESP
Bolsista CNPq
Bernardo Mançano Fernandes bmfunesp@terra.com.br
Professor Assistente Doutor FCT/UNESP
Bolsista CNPq
Resumo: Buscando contribuir com as discussões sobre a atualidade do conceito de reforma agrária, neste artigo apresentamos os resultados de uma sistematização de dados sobre os mecanismos de obtenção dos territórios dos assentamentos rurais nas mesorregiões Oeste Paranaense e Centro-Sul Paranaense. Estes mecanismos evidenciam que as políticas de reforma agrária tem se caracterizado pela diversidade, ou seja, a execução da reforma agrária não tem se dado apenas pela desapropriação de áreas que não tem cumprido com sua função social e a população assentada não é formada apenas pó camponeses sem-terra, mas também por comunidades tradicionais. (quilombolas, fundos de pasto, seringueiros etc.), atingidos por obras públicas e outros. Tomamos como referência os dados do DATALUTA - Banco de Dados da Luta pela Terra, em sua categoria “Assentamentos Rurais”. Palavras-chave: reforma agrária; assentamentos rurais; obtenção de terras; Oeste Paranaense; Centro-Sul Paranaense. INTRODUÇÃO
A forma de obtenção dos territórios dos assentamentos rurais está relacionada com a
concepção de reforma agrária do governo que a executa. As diferenças entre estas
concepções diferem no plano prático quanto à potencialidade em desconcentrar a estrutura
fundiária da área onde a reforma agrária é implantada, ou seja, o governo pode assentar
trabalhadores que demandam por terra sem causar uma redistribuição de terras equânime,
sem destruir os territórios do latifúndio e do agronegócio. Isso se dá através da criação de
assentamentos em terras públicas, da regularização fundiária de comunidades tradicionais
(quilombolas, fundos de pasto, seringueiros etc.), do reassentamento de atingidos por obras
públicas e outros. Assim, o estudo dos mecanismos de obtenção de terras, possibilita
entendermos a diversidade de políticas nomeadas como reforma agrária.
Para contribuir com o debate, neste artigo trazemos uma sistematização dos
mecanismos de obtenção de terras para implantação de assentamentos rurais utilizados no
Brasil desde a efetivação do Estatuto da Terra, em novembro de 1964. Além disso,
trazemos alguns resultados da territorialização de algumas destas políticas nas
mesorregiões Oeste Paranaense e Centro-Sul Paranaense. Este artigo originou-se da
pesquisa de mestrado “Um estudo da atualidade e diversidade da reforma agrária: análise
dos tipos de assentamentos das mesorregiões Oeste Paranaense e Centro-Sul
COCA, Estevan L. F.; FERNANDES, Bernardo M. Mecanismos de obtenção dos territórios dos ... 772
Paranaense”, realizada junto ao Programa de Pós-Graduação em Geografia, da FCT -
Faculdade de Ciências e Tecnologia da UNESP, campus de Presidente Prudente. Esta
pesquisa tem sido financiada pelo CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico.
Na primeira seção fazemos uma breve consideração sobre as contribuições oferecidas
pelas mesorregiões em destaque para a luta e efetivação de projetos de reforma agrária em
âmbito nacional. Na segunda, apresentamos o resultado de uma sistematização de dados
sobre os mecanismos de obtenção em escala nacional, nesta parte agrupamos as
informações de modo que fosse possível uma breve caracterização de cada um destes
mecanismos. Na terceira seção, trazemos resultados de tais políticas nas mesorregiões em
destaque, aqui nos dedicamos a cruzar os dados sobre os mecanismos de obtenção e os
tipos de assentamentos para conhecermos quais são as similaridades.
Os dados que utilizamos pertencem ao DATALUTA - Banco de Dados da Luta pela
Terra, um projeto desenvolvido pelo NERA - Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de
Reforma Agrária da FCT/UNESP.
A LUTA PELA REFORMA AGRÁRIA NAS MESORREGIÕES OESTE PARANAENSE E CENTRO-SUL PARANAENSE
As mesorregiões Centro-Sul Paranaense e Oeste Paranaense tiveram seu histórico de
ocupação associado à existência de terras devolutas que foram alvo de disputa entre o
governo estadual, empresas, latifundiários e posseiros, reconhecer estes conflitos é
primordial para entendermos as lutas pela terra que ocorrem ainda hoje nestas
mesorregiões. Até meados da década de 1950 estas mesorregiões vinham sendo ocupadas,
principalmente, por camponeses oriundos do Rio Grande do Sul em busca de melhores
condições de reprodução do seu trabalho. Nesse período, a empresa Clevelândia, Industrial
e Territorial Limitada passa a ter controle sobre as terras dessas mesorregiões por meio de
uma negociata. Como em outras áreas do Paraná, o então governador Moisés Lupion
conferia os direitos de posse sobre a terra a empresas de colonização sem levar em
consideração os posseiros que haviam comprado ou ocupado as terras. Assim, esta
empresa passava a exigir que os posseiros comprassem as terras em que já viviam e
trabalhavam ou então seriam despejados. Este fato gerou vários casos de revolta por parte
dos posseiros com destaque para a de Francisco Beltrão11 na mesorregião do Sudoeste
Paranaense (FERNANDES, 2000).
11 A revolta de Francisco Beltrão foi motivada pelo descontentamento dos camponeses que estavam sendo expropriados de suas terras devido aos acordos entre o governo estadual e a empresa Clevelândia, Industrial e Territorial Limitada. No ano de 1957 os camponeses revoltosos tomaram a cidade de Francisco Beltrão e mesmo com as tropas federais sendo enviadas pelo governo para negociarem o conflito a questão só foi amenizada em 1962 quando o governo Goulart criou o Grupo Executivo de Terras do Sudoeste do Paraná, que passou a entregar os títulos definitivos aos colonos.
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia – “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
773
As lutas do campesinato contra a expropriação continuam nas décadas seguintes. No
final da década de 1970 estas mesorregiões se destacam no processo de gestação12 do
MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, presenciando as primeiras ações
daquele que viria a se tornar o movimento socioterritorial mais organizado do Brasil. A
existência de um campesinato pobre e o crescente número de famílias expropriadas de suas
moradias e seus meios de produção, durante o processo de modernização pelo qual passou
a agricultura brasileira na década de 1970 foram fatores decisivos para que os camponeses
começassem a organizar a luta pela terra. A importância dessas regiões para a construção
do MST é reforçada ainda mais quando o movimento é oficialmente fundado no ano de 1984
no I Encontro Nacional do movimento, realizado em Cascavel.
Na atualidade novos temas têm sido incorporados às lutas dos movimentos
socioterritoriais no estado do Paraná, o que caracteriza uma nova concepção de reforma
agrária, mais abrangente que as anteriores. Isso pode ser observado através das
manifestações organizadas pela Via Campesina e pelo Fórum Oeste da Agricultura Familiar.
Um marco dessa nova fase da luta pela terra no Paraná foi à ocupação de uma área da
EMBRAPA - Empresa Brasileira de Agropecuária, em Santa Tereza do Oeste, onde estava
localizada uma fazenda experimental da multinacional Syngenta Seeds. Os camponeses
reivindicavam que nessa área fosse criado um centro de pesquisas de sementes crioulas.
Assim, vemos que a luta pela reforma agrária no estado do Paraná tem ganhado maior
amplitude, não se resumindo apenas a conquista da terra e de recursos para produção, já
que a reivindicação do campesinato é por uma modelo de desenvolvimento para o campo
que leve em consideração o respeito às diversidades, considerando o princípio da soberania
alimentar, com a produção de alimentos saudáveis, livres de agrotóxicos e organismos
geneticamente modificados (transgênicos). Estas mesorregiões tem se destacado como um
dos principais focos de resistência contra a expansão do agronegócio, destacando a reforma
agrária como um modelo alternativo de desenvolvimento para o campo.
MECANISMOS DE OBTENÇÃO DOS TERRITÓRIOS DOS ASSENTAMENTOS RURAIS
A sistematização dos dados sobre assentamentos rurais do DATALUTA possibilitou-
nos agrupar 12 mecanismos de obtenção de terras utilizados no Brasil desde a efetivação
do Estatuto da Terra, no ano de 1964 (Quadro 01). Este quadro está em fase de construção,
porém os resultados já nos dão uma idéia dos limites e possibilidade na execução da
reforma agrária no Brasil, de acordo com a legislação referente ao tema. A intenção de
elaborar o quadro foi a de contribuir com a elucidação de tais conceitos, já que inexistem
12 De acordo com Fernandes (2000) a gestação do MST aconteceu entre os anos de 1979 e 1984. Neste período foram definidos os princípios que propiciaram a fundação do MST em 1984. Também foram realizadas lutas no Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo e Rio Grande do Sul.
COCA, Estevan L. F.; FERNANDES, Bernardo M. Mecanismos de obtenção dos territórios dos ... 774
trabalhos que tratem do tema. Até mesmo nas publicações do INCRA - Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária estes conceitos são definidos de maneira imprecisa. Sendo
assim, estamos acompanhando e colaborando com o processo de construção destes
conceitos.
Quadro 01 – Mecanismos de obtenção dos territórios dos assentamentos rurais no Brasil -
1964-2008
Mecanismo de Obtenção Características Referencias
Adjudicação
Ato judicial em que é transmitida a propriedade de uma determinada coisa de uma pessoa para outra. Esta terá todos os direitos de domínio e posse. É o caso, por
exemplo, da adjudicação dos bens penhorados como forma de pagamento ao
credor no processo de execução por quantia certa contra devedor solvente.
• Arts. 708, 714 a 715 do Código de Processo Civil.
Arrecadação
A arrecadação se dá por duas formas: 1- Arrecadação de terras devolutas: é o ato de incorporar ao patrimônio público as terras devolutas não cobertas por título de
domínio particular, ou que sob elas não pese contestação ou reclamação
administrativa ou promovida por terceiros, quanto ao seu domínio ou posse. É o ato de
incorporar ao Patrimônio Público (União, estados e municípios) as terras
discriminadas e consideradas como devolutas.
2- A Arrecadação sumária: é o procedimento que incorpora, por portaria,
terras públicas identificadas como devolutas.
• Art. 28 da Lei 6.383/76
Cessão
É feita a transferência dos direitos de uso de terras pertencentes ao Poder Público para
comunidades nativas ou organizações profissionais de coletores, tendo por fim a
reforma agrária.
Compra e venda
O artigo 1.º do Decreto 433, de 24 de janeiro de 1992, autoriza o INCRA a adquirir imóveis rurais, por compra e venda para fins
de reforma agrária, forma esta também prevista na alínea "c", do artigo 17, da Lei 4.505, de 30 de novembro de 1964. O art. 2.º do mencionado Decreto prevê que o
processo de aquisição de terras terá início mediante proposta de compra do imóvel
rural de propriedade de particular, apresentado pelo INCRA, estado ou
município que tenha celebrado convênio para esse fim.
• Decreto 433, de 24 de janeiro de 1992
• Artigo 17, da Lei 4.505, de 30 de novembro de 1964
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia – “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
775
Confisco
Caracteriza-se pela apreensão e integração compulsória ao patrimônio público de bem particular, ou, teoricamente, bem de outras
pessoas jurídicas de direito público. O Confisco tem, portanto, o sentido de
apoderamento do patrimônio alheio, seja por apreensão ou por adjudicação,
ocorrente quando o ex-proprietário é destituído de seus bens, sem nenhuma indenização. O art. 243 da Constituição Federal prevê: "As glebas de qualquer região do país onde forem localizadas
culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e
especificamente destinadas ao assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos,
sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei". Determinação legal reforçada pelo contido no art. 1º, da Lei nº 8.257, de 26 de novembro de 1991: "As glebas de qualquer
região do país onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas
serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao
assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos,
sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas
em lei, conforme o art. 243 da Constituição Federal".
• Art. 243 da Constituição Federal
• Art. 1º, da Lei nº 8.257, de 26 de novembro de 1991
Desapropriação
A desapropriação de terras para fins de reforma agrária é prevista nos artigos 184,
185 e 186 da Constituição Federal e se aplica aos imóveis rurais que não cumprem
com sua função social. É o principal instrumento utilizado até aqui para o
assentamento de famílias de trabalhadores rurais. O texto constitucional autoriza a
União a propor a ação de desapropriação, a partir de decreto presidencial, declarando o imóvel como de interesse social para fins de reforma agrária. Expropriar ou desapropriar,
nessa situação, se refere ao fato de transferir bens particulares para o domínio
público. O amparo legal para a promoção da desapropriação por interesse social utilizada
pelo INCRA é Lei n.º 4.132 de 10 de setembro de de 1962 e a Lei 8.629 de 25 de
fevereiro de 2003 que permite a desapropriação por interesse social para
fins de reforma agrária.
• Artigos 184, 185 e 186 da Constituição Federal
• Lei n.º 4.132 de 10 de setembro de de 1962
• Lei 8.629 de 25 de
fevereiro de 2003
Discriminação
A discriminação precede a arrecadação de terras. Discriminação é o procedimento utilizado para saber quais terras estão sob o domínio público e quais estão sob o domínio
particular, permitindo que possam ser arrecadadas. O art. 18 da Lei 6.383, de 7 de
dezembro de 1976 confere poderes ao INCRA para representar a União nas ações
de discriminação judicial de terras devolutas. O processo discriminatório
• Art. 18 da Lei 6.383, de 7 de dezembro de 1976
COCA, Estevan L. F.; FERNANDES, Bernardo M. Mecanismos de obtenção dos territórios dos ... 776
administrativo é instaurado por comissões especiais constituídas de três membros, de acordo com o art. 2º da mencionada Lei. As
comissões especiais criadas por atos do presidente do INCRA e com jurisdição e sede estabelecidas no ato da criação,
ficando os seus presidente revestidos de poderes da União, para promover o
processo discriminatório previsto nessa Lei.
Doação
É o contrato pelo qual uma pessoa, física ou jurídica, (doador), por liberdade, transfere um bem de seu patrimônio para o de outra
(donatário), que o aceita. É um contrato civil fundamentado na vontade do doador, embora possa incidir encargos para o
donatário. A doação só se aperfeiçoa com a aceitação do donatário, seja pura ou sem
encargo. Em qualquer caso depende de lei estabilizadora que estabeleça as condições para sua efetivação. O imóvel a ser doado deve ser previamente avaliado, não sendo exigível licitação para o contrato alienativo
• Arts. 538 e seguintes, do Código Civil (Lei 10.406/2002).
Incorporação Sem informações Sem informações
Reconhecimento
O reconhecimento é uma medida adotada pelo governo federal para incorporar
projetos de assentamentos rurais criados pelos governos estaduais e municipais. Em alguns casos são áreas regularizadas pelos
governos estaduais e municipais que passam a compor os programas de reforma
agrária.
• DATALUTA
• II PNRA
Transferência
Transferência é o ato de transferir o direito de propriedade de um imóvel, de uma para
outra pessoa, física ou jurídica, por qualquer das formas, por leis aceitáveis e
reconhecidas.
Sem informações
Reversão de Domínio
Ato ou efeito de reverter, voltar ao primeiro dono, devolução, reversão de um direito.
Regresso a um primitivo estado. O instituto da reversão está, pois ligado à realização de um razoável equilíbrio entre o interesse público e os interesses particulares e ao
respeito por exigências de proporcionalidade na realização do
interesse público quando este exija a intervenção forçada no direito de
propriedade. A reversão na expropriação por utilidade pública constitui, assim, um
instituto de realização de equilíbrio entre os interesses públicos e privados e, por isso,
um mecanismo de tutela da própria conformação e realização do interesse
público pressuposto à intervenção expropriativa.
• Instrução Normativa/ n.º 2, de 20 de Março de 2001
Fonte: DATALUTA - Banco de Dados da Luta pela Terra; Org: Estevan L. de F. Coca
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia – “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
777
TERRITORIALIZAÇÃO DOS MECANISMOS DE OBTENÇÃO NAS MESORREGIÕES OESTE PARANAENSE E CENTRO-SUL PARANAENSE
Neste artigo entendemos os assentamentos rurais enquanto territórios, na acepção de
Raffestin (1993), que os define os territórios a partir das relações de poder. Ao tomarmos
essa opção, concebemos os assentamentos rurais como parte de um modelo de
desenvolvimento, que é a reforma agrária. A reforma agrária disputa as terras agricultáveis
do país com outro modelo de desenvolvimento, o agronegócio. Assim, considerar a
implantação dos assentamentos como parte deste conflito é entender que a luta pela terra
tem permitido aos movimentos socioterritoriais destruírem territórios do agronegócio e
construírem territórios camponeses. É fundamental, considerarmos a reforma agrária como
uma relação política, que está inserido no conflito de classes. Neste sentido, Ramos Filho
(2008), considera a reforma agrária “território da política”, como é expresso no trecho
abaixo:
Compreendo que a política de reforma agrária somente se efetiva quando ocorre espacialmente atendendo todas as dimensões inerentes ao território. O conteúdo da sua realização espacial resulta do embate de classes na sociedade e promove transformações na realidade, de acordo com as concepções político, ideológicas e teóricas hegemônicas em dado período. Compreendo por territorialização da reforma agrária o movimento sobre o espaço da democratização da propriedade da terra com vistas a romper com o rentismo fundiário, acompanhado de um conjunto de políticas agrícolas, sociais e previdenciárias, que garantam a produção do espaço rural sob as bases mais equânimes (RAMOS FILHO, 2008. p. 378).
Nesta definição, o autor entende que a reforma agrária é uma disputa entre classes
sociais, que só se efetiva quando democratiza a propriedade privada da terra. Os
mecanismos de obtenção são as medidas utilizadas pelo poder público para que esta
democratização de fato aconteça, seja via desapropriação de terras ou não. A disputa por
territórios também se evidencia na elaboração das políticas de reforma agrária, ao mesmo
tempo em que existem mecanismos de obtenção com maior potencial de desconcentrar a
estrutura fundiária, também existem outros que possibilitam a criação de assentamentos
rurais através da regularização de terras que já eram ocupadas, do reassentamentos de
atingidos por obras públicas etc.
Em recente entrevista, concedida ao Instituto Humanitas Unisinos (2009), o Professor
Ariovaldo Umbelino de Oliveira, critica o atual modelo de reforma agrária utilizado pelo
governo Lula, justamente por considerar os casos de regularização fundiária como políticas
de reforma agrária, como se fossem assentamentos novos. Para ele, uma autêntica reforma
agrária só acontece quando o INCRA desapropria terras ou usa terras públicas disponíveis
para a implantação de assentamentos novos. Nessa mesma entrevista, Oliveira ainda critica
o fato de a maior parte dos assentamentos rurais implantados na atualidade não estarem
territorializados por áreas onde o agronegócio tem se expandido. Em conseqüência disso,
COCA, Estevan L. F.; FERNANDES, Bernardo M. Mecanismos de obtenção dos territórios dos ... 778
os assentamentos têm sido efetivados em áreas florestadas, onde a rede de transportes é
frágil e o mercado consumidor é pequeno. Esta fala ilustra como a forma de obtenção dos
territórios dos assentamentos rurais revela a concepção de reforma agrária do governo que
a executa e como as políticas de reforma agrária revelam a luta por territórios entre os
ruralistas, que defendem a afirmação do agronegócio e os camponeses.
Para ilustrar a territorialização das políticas de obtenção dos territórios dos
assentamentos rurais nas mesorregiões Oeste Paranaense e Centro-Sul Paranaense,
trazemos no quadro 02 o cruzamento entre os dados sobre os tipos de assentamentos e os
mecanismos de obtenção utilizados para a aquisição de suas terras.
Quadro 02 - Cruzamento entre os tipos de assentamentos e seus mecanismos de obtenção
- Oeste Paranaense e Centro-Sul Paranaense - 1984-2008 Mecanismo de Obtenção PA PE PRB PC TOTAL
Arrecadação 3 0 0 0 3 Compra 11 0 0 0 11
Desapropriação 94 0 4 4 102 Doação 2 0 0 0 2
Reconhecimento 2 5 3 0 10 Transferência 1 0 0 0 1
TOTAL 113 5 7 4 129 Siglas: PA - Projeto de Assentamento Federal; PE - Projeto de Assentamento Estadual; PRB - Projeto de Reassentamento de Atingidos por Barragens; PC - Projeto de Colonização. Fonte: DATALUTA - Banco de Dados da Luta pela Terra, 2009. Org: Estevan Leopoldo de Freitas Coca
Nestas mesorregiões foram implantados entre 1984 e 2008, 129 assentamentos
rurais, divididos em quatro projetos: PA, PE, PRB e PC. Analisando o contexto em que tais
projetos são implantados, entende-se o motivo do mecanismo de obtenção de seu território.
Assim, buscamos explicar o cruzamento dos dados expresso no quadro acima, através do
histórico dos grupos de projetos de assentamentos no Oeste Paranaense e no Centro-Sul
Paranaense.
O ano de 1984 marca a implantação dos primeiros assentamentos rurais nestas
mesorregiões, os PC´s Butiá e Serrano, no município de Clevelândia. Os projetos de
colonização fizeram parte das políticas de reforma agrária implantadas durante o regime
militar, como forma de conter a questão agrária em regiões com acentuados índices de
conflito pela terra, além do interesse de colonizar as áreas de fronteira. A região Norte
concentrou a maior parte destes projetos, todavia estados das regiões Sul e Centro-Oeste
também foram alvos de tais políticas. No Paraná, a implantação destes assentamentos se
deu através da desapropriação de terras. É importante salientar que ao mesmo tempo em
que eram implantados estes projetos, também era incentivada a colonização particular
executada por empresas que visavam à exploração destas terras. Os projetos de
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia – “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
779
colonização oficial e particular foram responsáveis pelo surgimento de vários núcleos
urbanos no estado do Paraná.
Também na década de 1980, eclode no Paraná uma série de lutas realizadas pelos
movimentos camponeses contra os efeitos da modernização conservadora pela qual passou
a agricultura brasileira na década de 1970, quando deixaram de existir 100.385
estabelecimentos agropecuários no estado, ao mesmo tempo em que a população rural pela
primeira vez deixava de ser maior do que a urbana (MORO, 2000). A década de 1980 foi
caracterizada pela ocupação de grandes latifúndios como as fazendas Anoni e Cavernoso,
em Cantagalo (1983), a Giacomet-Marodim, em Chopinzinho (1983), Quinhão 11, em
Sertaneja (1983) e Imaribo, em Mangueirinha (1984) (FERNANDES, 2000; FABRINI, 2006).
Como resposta a essas pressões, o governo federal implanta os primeiros assentamentos
do tipo PA no Oeste Paranaense e no Centro-Sul Parananense no ano de 1985 nos
municípios de Nova Laranjeiras, Lindoeste, Santa Maria do Oeste e Honório Serpa. Desde
então, os PA´s são os assentamentos com maior incidência nestas mesorregiões. A origem
destes assentamentos está relacionada à desapropriação de terras. Portanto, a tríade
ocupações de terras x desapropriação x implantação de assentamentos PA´s é responsável
pela maior parte das políticas de reforma agrária nas mesorregiões estudadas. Outra
característica do PA é que este é o único projeto a conter todos os mecanismos de obtenção
de terras, tendo além da desapropriação a arrecadação, a compra, a doação, o
reconhecimento e a transferência.
Também na década de 1980, ganha destaque a luta dos atingidos por barragens no
estado de Paraná, que, na iminência de expulsão das terras em que ocupavam, devido à
construção de barragens, passam a exigir a indenização em forma da troca de terra por
terra, além do assentamento dos atingidos que não possuíam terra (MORAES, 1994). A
organização desses atingidos acabou gerando a criação do CRAB - Conselho Regional dos
Atingidos por Barragens, que futuramente colaboraria para a criação do MAB - Movimento
dos Atingidos por Barragens. Merece destaque o movimento dos atingidos por barragens do
rio Iguaçu, que, acumulando experiências de outras lutas, acaba conquistando o
reassentamento de cerca de 600 famílias nas mesorregiões Oeste Paranaense e Centro-Sul
Paranaense no ano de 1995. Nestes assentamentos, os meios de obtenção de terras
utilizados foram à desapropriação e o reconhecimento.
Também no ano de 1995 são implantados no Oeste Paranaense e no Centro-Sul
Paranaense os primeiros assentamentos do tipo PE, durante o mandato do então
governador Jaime Lerner. Desde então, foram implantados cinco assentamentos deste tipo,
todos oriundos do reconhecimento de terras. O reconhecimento é uma medida utilizada
pelos governos estaduais para a implantação de projetos de reforma agrária, já que a
competência em desapropriar terras cabe exclusivamente à União. Todavia, após a iniciativa
COCA, Estevan L. F.; FERNANDES, Bernardo M. Mecanismos de obtenção dos territórios dos ... 780
dos governos estaduais, o governo federal incorpora estes assentamentos aos programas
de financiamento da reforma agrária, daí a origem do termo “reconhecimento de terras”.
Para melhor compreendermos a territorialização destes mecanismos de obtenção de
terras elaboramos um conjunto de cartogramas, expressos na prancha 01. É evidente que
os assentamentos oriundos da desapropriação de terras estão mais territorializados pelas
mesorregiões Oeste Paranaense e Centro-Sul Paranaense do que os oriundos dos demais
mecanismos de obtenção de terras. Isso evidencia, mais uma vez, a importância da
desapropriação para a efetivação das políticas de reforma agrária. Todavia, o Centro-Sul
congrega maior número destes assentamentos, se comparado ao Oeste. Isso pode ser
explicado pelo fato de o Centro-Sul Paranaense ser uma das regiões com maior índice de
pobreza da população rural, como aponta o último censo elaborado pelo IBGE - Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (2000). Este fato motiva a organização dos
camponeses em movimentos de luta pela desapropriação de terras.
Dentre as microrregiões destacam-se as de Guarapuava, Pitanga e Cascavel. Na
microrregião de Guarapuava estão territorializados todos os assentamentos oriundos da
arrecadação de terras, em razão da existência de terras devolutas, que posteriormente
foram incorporadas ao programas de reforma agrária. Esta microrregião também congrega
todos os assentamentos que tiveram origem na doação de terras e parte dos que foram
obtidos por meio do reconhecimento de terras. A microrregião de Pitanga possui municípios
com assentamentos originados da compra e do reconhecimento de terras. Já a microrregião
de Cascavel possui municípios com assentamentos que foram obtidos através da compra,
do reconhecimento e da transferência. A transferência também está presente em São
Miguel do Iguaçu, na microrregião de Foz do Iguaçu.
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia – “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
781
COCA, Estevan L. F.; FERNANDES, Bernardo M. Mecanismos de obtenção dos territórios dos ... 782
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados aqui apresentados dão uma idéia da diversidade que compõe as
políticas de reforma agrária nas mesorregiões Oeste Paranaense e Centro-Sul Paranaense.
A desapropriação tem sido o mecanismo mais utilizado para a implantação de
assentamentos rurais, todavia, estas mesorregiões também concentram outro cinco dos 12
que existem no Brasil. As políticas nomeadas como reforma agrária, no Brasil, não se
resumem a casos de desapropriação e ao assentamento de camponeses sem-terra. Casos
de regularização fundiária, de reconhecimento de comunidades tradicionais e outros são
incorporados aos números oficiais.
REFERÊNCIAS
FERNANDES, Bernardo Mançano. A formação do MST no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2000. INSTITUTO HUMANITAS. A regularização fundiária da MP 458 é a contra-reforma agrária do governo Lula. Disponível em: <http://www.radioagencianp.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=6716&Itemid=43font> Acesso em: 18 mai. 2009. FABRINI, João Edimilson. Assentamentos de trabalhadores sem-terra: experiências e lutas no Paraná. Cascavel: EDUNIOESTE, 2006. MORO, Dalton Aureo. A modernização da agricultura paranaense. In: VILLALOBOS, Jorge Ulisses Guerra. Geografia Social e agricultura. Maringá: Programa de Pós-Graduação em Geografia - Universidade Estadual de Maringá. 2000. pp. 27-60. RAFFESTIN, Claude. Por uma Geografia do Poder. São Paulo: Editora Ática, 1993. RAMOS FILHO, Eraldo da Silva. Questão agrária atual: Sergipe como referência para um estudo confrontativo das políticas de Reforma Agrária e Reforma de Mercado (2003-2006). Presidente Prudente, 2008. Tese (Doutorado em Geografia). Programa de Pós-Graduação em Geografia, Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista, campus de Presidente Prudente.
ORGANIZAÇÃO E DISPONIBILIZAÇÃO DE PARTE DO ACERVO DOCUMENTAL PRODUZIDO PELO MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA (MST)
Fernanda Correia Silva nandaco@yahoo.com
Universidade Estadual Paulista Faculdade de Ciências e Tecnologia – campus Presidente Prudente
Bolsista FUNDACTE INTRODUÇÃO
Este trabalho teve como objetivo organizar e disponibilizar parte do acervo
documental produzido pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST). Através
de um convênio entre o Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural do Ministério
do Desenvolvimento Agrário (NEAD/MDA) no ano de 2008, sua execução se deu a partir
dos esforços conjuntos de diversas entidades da Universidade Estadual Paulista (UNESP),
como a Fundação de Ciência, Tecnologia e Ensino (FUNDACTE), a quem coube as
responsabilidades administrativas e jurídicas, bem como ao Núcleo de Estudos, Projetos e
Pesquisas de Reforma Agrária (NERA), sob a coordenação dos Professores Dr. Clifford
Andrew Welch e Dr. Bernardo Mançano Fernandes.
Complementando o esforço conjunto, o Centro de Documentação e Memória
(CEDEM) participou também no prosseguimento do trabalho, através das Historiógrafas
Jacy Barletta Machado e Solange de Souza, incumbidas pelos trabalhos de supervisão e
coordenação das atividades técnicas.
Como entidades da UNESP, a FUNDACTE, o NERA e o CEDEM trabalharam em
conjunto e colaborando com o MST, pretenderam a partir das ações desenvolvidas no
projeto implantar um centro de documentação do próprio movimento. Assim, o intuito em
priorizar a organização do acervo para capacitar militantes camponeses na área de
preservação da memória é um dos aspectos primordiais neste trabalho.
Participaram da execução dos trabalhos os historiadores Eduardo Yoshinori Ochi,
Breno Aparecido Servidone Moreno e Marco Aurélio Duque Lourenço, os três últimos
integrados à equipe, respectivamente, entre 2008 e 2009. Participou ainda da digitação e
sistematização dos dados o Geógrafo Matuzalém Bezerra Cavalcante e a Licenciada em
Geografia Rosana Akemi Pafunda.
Os objetivos específicos deste trabalho foram à elaboração diagnóstica do processo
de produção documental do MST; a identificação, higienização, classificação, ordenação e
acondicionamento de parte do acervo produzido pelo Movimento (desde sua formação até o
ano de 2004); a sensibilização e formação de multiplicadores para a prática na valorização e
na preservação da memória das lutas sociais no campo; a digitalização de documentos
SILVA, Fernanda C. Organização e disponibilização de parte do acervo documental ... 784
selecionados e, por fim, a disponibilização deste acervo por meio de um catálogo dotado de
mecanismos de consulta.
Estas atividades foram percorridas durante esperando que o esforço conjunto de
diversas entidades e pessoas possam fortalecer o valor de se preservar a memória,
temática esta muito desvalorizada e deixada em segundo plano, mas que é de suma
importância para o Geógrafo aglutinador e participante ativo dessa transformação.
OS PRODUTOS GERADOS
O trabalho foi dividido através de um cronograma, sendo denominado de “produto”
cada parte na qual segue abaixo sua pequena descrição:
PRODUTO 1 – Plano de trabalho, onde foram definidas as estruturas do projeto;
PRODUTO 2 – Texto contendo o diagnóstico da produção documental, onde constaram as
entrevistas realizadas com integrantes do Movimento. Após estas entrevistas e conhecendo
um pouco mais a estrutura organizacional do Movimento, definiu-se o perfil de como seria a
estrutura do acervo;
Abaixo, segue imagem (Figura 1) de como estavam os documentos no acervo.
Foram encontrados em caixas de papelão, embalados em sacos plásticos que por vezes
não eram suficientes para o espaço da caixa, fazendo com que os mesmos permanecessem
soltos e, dessa forma, prejudicando o estado de qualidade de seu armazenamento:
Figura1: Documentos encontrados em seu armazenamento original.
Além disso, os documentos embalados em sacos plásticos são prejudiciais ao
próprio estado de conservação, pois cresce a proliferação de insetos, pragas e poeiras,
aumentando a velocidade de seu desgaste.
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia – “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
785
PRODUTO 3 – Elaboração de um relatório técnico parcial e final do tratamento arquivístico
dado aos conjuntos documentais (Separação e agrupamento por gênero documental,
Identificação, Diagnóstico do estado de conservação, Higienização, Classificação,
Ordenamento e Acondicionamento);
A imagem seguinte (Figura 2) mostra o processo do tratamento arquivístico,
momento na qual foram retirados todos os plásticos que embalavam os mesmos, além de
objetos como clipes de metal e grampos que com o tempo enferrujam, causando danos em
sua conservação.
Figura 2: Equipe de trabalho realizando o processo de tratamento arquivístico.
Nesta etapa do trabalho foi essencial que a equipe diretamente ligada ao processo
de tratamento arquivístico estivesse utilizando roupas adequadas para o manuseio do
material. O uso de máscaras, luvas e avental foram e são importantes não somente para a
conservação e permanência de pequenas alterações do material, como também para a
proteção da própria equipe quanto a transtornos na saúde coletiva e individual.
PRODUTO 4 – Realização de atividades de sensibilização, formação de multiplicadores e
elaboração de material informativo sobre uma prática de valorização e preservação da
memória da luta social no campo, além da elaboração de um relatório parcial e final destas
atividades;
Abaixo, imagem (Figura 3) da Oficina realizada na Escola Nacional Florestan
Fernandes, quando então foi realizado o Encontro de Secretarias Nacionais do Movimento.
SILVA, Fernanda C. Organização e disponibilização de parte do acervo documental ... 786
Aproveitando o evento na qual estariam representações das Secretarias de todos os
Estados onde o Movimento atua. Assim, conseguimos realizar o Produto 4, perfazendo um
total de três dias de atividades:
Figura 4: Equipe apresentando a importância da valorização e preservação da memória.
PRODUTO 5 – Produção de banco de dados e de catálogo (eletrônico) contendo os
registros e campos detalhados do material organizado em parte do acervo do MST.
(Definição da arquitetura do banco, Análise e programação, Alimentação das planilhas e
Disponibilização nos sites).
PRODUTO 6 – Disponibilização de aproximadamente 3,5 mil páginas de documentos
selecionados da parte do acervo do Movimento, bem como do catálogo integral do acervo
nos sites do CEDEM, NERA e MST: Separação e preparação do material a ser digitalizado e
a digitalização em si.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Fruto da dedicação de diversos profissionais envolvidos, este trabalho demostrou
que para se preservar a memória – aqui tratada, principalmente, da memória da luta social
no campo – o quão valioso e importante é o trabalho interdisciplinar envolvendo instâncias
dentro e fora do meio acadêmico, valorizando ainda mais a memória social e o trabalho do
Geógrafo como contribuinte dessa visão multidimensional, já que é ele quem estuda o
espaço geográfico e sua complexidade.
Essa reflexão do papel do Geógrafo foi analisada por Paul Claval, quando comentou
sobre a transformação ocorrida no âmbito dos estudos culturais realizados pelos Geógrafos
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia – “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
787
na década de 1970, momento histórico onde se constatou “que as realidades que refletem a
organização social do mundo, a vida dos grupos humanos e suas atividades jamais são
puramente materiais” (CLAVAL, 2001).
Por fim, os indivíduos constroem sua identidade através do sentido que dão as
coletividades na qual participam, através do lugar onde habitam, fazendo com que os
significados por eles construídos sejam essenciais para a permanência da história e da
conquista de suas memórias. O trabalho do acervo documental (mesmo que seja parte dele)
do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra é um exemplo dessa constatação.
REFERÊNCIAS
BELLOTTO, H. L. Arquivos Permanentes: tratamento documental. São Paulo: T. A.
Queiroz, 1991.
CAMARGO, A. M. A.; BELLOTTO, H. L. (Coord.) Dicionário de terminologia arquivística.
São Paulo: Associação dos Arquivistas Brasileiros, 1996.
CAMARGO, Célia Reis (Org.) Guia do Acervo – CEDEM. São Paulo: CEDEM / UNESP,
2008.
CLAVAL, P. O papel da nova geografia cultural na compreensão da ação humana. In:
CORRÊA, R. L.; e ROSENDAHL, Z. (Org.) Matrizes da geografia cultural. Rio de Janeiro:
EdUERJ, 2001.
GONÇALVES, J. Como classificar e ordenar documentos de arquivo. São Paulo: Arquivo
do Estado, 1998.
TESSITORRE, V. Arranjo: estrutura ou função?Arquivo: boletim histórico e informativo.
São Paulo, 10(1): 19-28, jan. – jun. 1989.
A IMPLEMENTAÇÃO DOS PROJETOS DE MICROBACIAS HIDROGRÁFICAS NO MUNICÍPIO DE IRAPURU-SP E O DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL
Flávio de Arruda Saron flaviosaron@yahoo.com.br
Aluno do 4º ano do curso de graduação em Geografia FCT-UNESP, campus de Presidente Prudente-SP
Bolsista de iniciação cientifica CNPq/PIBIC
Resumo: O trabalho visa apresentar os resultados da implementação dos projetos de microbacias hidrográficas no município de Irapuru-SP e o seu papel na promoção do desenvolvimento rural sustentável. Foram realizado levantamento bibliográfico acerca do tema, entrevistas com os técnicos responsáveis pela implementação dos projetos e com o presidente de uma Associação de produtores rurais do município e pesquisa de campo nas quatro microbacias hidrográficas onde foram implementados projetos, com a aplicação de formulários junto aos produtores rurais dessas microbacias. Constatou-se que no referido município, que os projetos de microbacias hidrográficas tiveram relativo “sucesso” em comparação com outros municípios. No entanto, as ações desses projetos não são significativas na promoção do desenvolvimento rural sustentável, que é entendido como o resultado de políticas públicas que visam a melhoria do bem estar da população rural e no manejo adequado dos recursos naturais, devido as limitações na geração de renda na pequena propriedade rural e da resistência dos produtores rurais em protegerem Áreas de Preservação Permanente e constituírem Áreas de Reserva Legal. Palavras-chave: Programa de microbacias; Desenvolvimento rural sustentável, Município de Irapuru-SP. 1. INTRODUÇÃO
Neste texto serão expostos alguns resultados do projeto de pesquisa de iniciação
cientifica “Os projetos de microbacias hidrográficas no município de Irapuru-SP” financiado
pelo CNPq/PIBIC.
O objetivo da pesquisa é analisar a implementação dos projetos de microbacias
hidrográficas no município de Irapuru. Para isso foi realizado levantamento bibliográfico
acerca de Programas de Microbacias Hidrográficas e do desenvolvimento rural sustentável,
trabalho de campo com o levantamento de dados primários através da aplicação de
formulários junto aos produtores rurais das microbacias hidrográficas onde foram
implementados os projetos, são elas as microbacias hidrográficas dos córregos do
Patrimônio, Fogo, Paturizinho e Cunha, obedecendo a um percentual de 15% do número de
unidades produtivas existentes nas microbacias, o que totalizou na aplicação de 17
formulários na microbacia do córrego do Patrimônio, 18 formulários na microbacia do
córrego do Fogo, 16 e 17 formulários nas microbacias hidrográficas dos córregos do
Paturizinho e Cunha1, respectivamente. Também foram realizadas entrevistas com os
técnicos2 envolvidos nos projetos e com o presidente de uma Associação de produtores
rurais. Além disso, foi feito levantamento bibliográfico, levantamento de dados e informações
1 Exceto na microbacia hidrográfica do córrego do Cunha, onde foram aplicados apenas 16 formulários devido ao grande número de produtores rurais que reside fora do município e de produtores que trabalha fora do município. 2 Três técnicos estiveram envolvidos na implementação dos projetos de microbacias hidrográficas, no entanto, um deles não trabalha mais na Casa da Agricultura do município.
SARON, Flavio A. A implementação dos projetos de Microbacias Hidrográficas ... 790
na publicação Levantamento de Unidade de Produção Agropecuária (LUPA) 2007-08 e
consultado os sites do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da
Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI).
As ações empreendidas nos projetos de microbacias hidrográficas no município de
Irapuru decorreram da implementação entre os anos de 2000 a 2008 do Programa Estadual
de Microbacias hidrográficas (PEMH), resultado de uma parceria entre a CATI e o Banco
Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD).
Constatou-se que no município foram alocados considerável soma de recursos nas
microbacias hidrográficas onde foram implementados projetos, no entanto, no que se refere
ao desenvolvimento rural sustentável, não foram obtidos resultados significativos.
O texto se estrutura em quatro partes, a primeira traz algumas informações e
aspectos a respeito do PEMH, na segunda é feita a caracterização do município de Irapuru
no contexto da região da Nova Alta Paulista, na terceira são apresentados alguns resultados
da implementação dos projetos de microbacias e sua relação com o desenvolvimento rural
sustentável e na última parte são feitas as considerações finais.
2. O PROGRAMA DE MICROBACIAS HIDROGRÁFICAS NO ESTADO DE SÃO PAULO
Os resultados socioambientais negativos da “Revolução Verde”, baseada no uso
intensivo de insumos químicos e mecanização, fizeram com que surgissem novos
paradigmas de políticas públicas voltadas ao meio rural que rompessem com o
produtivismo. No Brasil, dentre outras políticas os programas de microbacias hidrográficas
são os principais expoentes desse novo paradigma. Tendo como princípios à gestão
descentralizada, participativa e com preocupação ambiental.
No Brasil houve programas de microbacias hidrográficas feitos em parceria com o
BIRD nos Estados do Rio Grande do Sul, Mato Grosso, e até mesmo um programa de
abrangência nacional (HESPANHOL, 2008). No entanto, os programas de microbacias mais
importantes foram o Programa de Manejo das Águas, Conservação dos Solos e Controle da
Poluição em Microbacias Hidrográficas, popularmente denominado de “Paraná Rural”,
implementado entre os anos de 1989 e 1997 e o “Projeto de Recuperação e Conservação
dos Recursos Naturais em Microbacias Hidrográficas” mais conhecido como “Microbacias”,
implementado entre os anos de 1991 e 1997 nos Estados do Paraná e de Santa Catarina,
respectivamente.
As boas experiências do “Paraná Rural” e “Microbacias” levaram a CATI, órgão
vinculado a Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo (SAA), a
solicitar financiamento junto ao BIRD para implementar o programa de microbacias
hidrográficas paulista (HESPANHOL, 2005, 2008).
A primeira proposta do Programa Estadual de Microbacias Hidrográficas foi
elaborada pela CATI no ano de 1995, nos quatro anos seguintes o processo tramitou e foi
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia – “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
791
reformulado várias vezes para ser aprovado no final de 1999, o prazo estipulado para a
implementação do programa foi do ano de 2000 até o final de 2006, mas com os atrasos na
execução o programa foi estendido até julho de 2007 (HESPANHOL, 2008), após julho de
2007 a SAA resolveu injetar recursos no programa, o que veio a estender o programa até
novembro de 2008.
A meta do programa de microbacias era atingir até novembro de 2007, 4,5 milhões
de hectares e 90 mil produtores rurais (30% do total do estado), 85% dos quais possuem
áreas inferiores a 100 hectares, contando com orçamento de 124 milhões de dólares, sendo
55% oriundos do BIRD e o restante do governo estadual (HESPANHOL, 2008). No entanto,
mesmo com a prorrogação no prazo de encerramento do programa, as metas não foram
atingidas. A área coberta pelo programa foi de 4 milhões de hectares espalhadas em 966
microbacias distribuídas em 514 municípios e beneficiando a 70 mil produtores rurais, sendo
gastos no programa um volume de recursos total de R$ 173,46 milhões de acordo com a
CATI. O teto limite dos incentivos por beneficiários até o ano de 2007 era de U$ 3.000,00,
contudo esse valor foi reajustado para U$ 3.750,00, um acréscimo de 25 %, em virtude da
desvalorização do dólar no período.
O objetivo principal do programa de microbacias é:
(...) amenizar e reverter o quadro de degradação do meio ambiente, promovendo técnicas preservacionistas e metodologias que produzam menor impacto sobre os nossos recursos naturais. Ao mesmo tempo, o programa objetiva organizar as comunidades de pequenos produtores, desenvolvendo estratégias que promovam a melhoria do padrão de vida e amenizem o quadro de indigência e marginalização em que convivem anualmente (CATI, 2000, p.1 apud HESPANHOL, 2005, p. 11-12).
As suas premissas básicas eram:
. a definição da microbacia hidrográfica como unidade física de intervenção e análise das ações de desenvolvimento rural, assegurando a eficácia do programa e reduzindo custos de implantação; . a busca da sustentabilidade socioeconômica e ambiental na microbacia; . a participação e o envolvimento da sociedade civil e poder público como continuidade das ações, após a implantação do programa; . a descentralização e a transparência nas ações governamentais, e . a busca de eficiência nas ações do Estado, o que requer esforços para integrar ações intra e interinstitucionais (CATI, 2001, p.4).
As microbacias hidrográficas selecionadas para a intervenção de projetos foram
escolhidas de acordo com critérios técnicos e socioeconômicos, levando-se em conta a
susceptibilidade a erosão e o índice de pobreza rural medido pelo Instituto de Pesquisas
Econômica Aplicada (IPEA) (HESPANHOL, 2005). Dessa forma, as regiões agrícolas do
Estado de São Paulo foram divididas em zonas com diferentes níveis de prioridade para a
alocação dos recursos por parte do PEMH, como pode ser vista na figura 1. De acordo com
essa divisão 70% dos recursos do programa tinham previsão de serem alocados na zona de
prioridade 1, assinalada com a cor vermelha na figura, enquanto que as áreas de prioridade
SARON, Flavio A. A implementação dos projetos de Microbacias Hidrográficas ... 792
2 e 3 assinaladas com a cor amarela e verde receberam 27% e 3% dos recursos,
respectivamente.
Figura 1. Classificação das regiões agrícolas paulistas, segundo os níveis de prioridade (PEMH). Fonte: FONTES, J.L, 2005.
Os produtores rurais das microbacias hidrográficas escolhidas para intervenção dos
projetos foram classificados em três grupos, levando-se em consideração a área das
propriedades, a origem da renda e o local de moradia do proprietário. Os grupos de
produtores são:
a) PEQUENO (PP) – área total explorada até 50 ha. E 70% ou mais da renda familiar proveniente da agropecuária e residir na propriedade ou no município onde está localizada a propriedade ou em um município vizinho; b) MÉDIO (MP) – área total explorada maior que 50 ha. até 200 ha. ou área total explorada menor ou igual a 50 ha. e que não atende aos critérios de fonte de renda e/ou local de residência, necessários para a classificação como pequeno produtor; c) GRANDE (GP) – área explorada maior que 200 ha. (SEAB – Resolução SAA nº 17 de 11 de julho de 2005, p.3 apud HESPANHOL, 2008, p.8).
Baseado na classificação dos produtores rurais feita pela SAA, o PEMH apoiou os
produtores rurais das microbacias hidrográficas que foram selecionadas para
implementação dos projetos de microbacias hidrográficas com subvenções individuais e
coletivas. Os incentivos individuais consistem na construção de terraços agrícolas para
controle de ravinas e voçorocas; construção de faixas de retenção; aquisição de sementes
para adubação verde; aquisição de Calcário; cobertura financeira (material e mão-de-obra)
na construção de cerca de preservação de mananciais, ou Área de Preservação
Permanente (APP); doação de mudas para recomposição de mata ciliar e preservação de
nascentes; construção de fossa séptica biodigestora; concessão de Kit de cerca elétrica
para a implantação de divisão de pastagem, para cerca elétrica e bebedouro para animais
(HESPANHOL, 2008).
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia – “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
793
Os incentivos coletivos referem-se a concessão de recursos para a aquisição de
implementos agrícolas e outros equipamentos a serem usados por grupos de produtores
rurais, e incluem abastecedouro comunitário; escarificador; distribuidor de calcário de tração
mecânica e animal; roçadeira de tração mecânica e roçadeira costal; semeadora para
plantio direto de tração animal. Para esses incentivos o programa previa o ressarcimento de
80% para grupos com predominância de pequenos produtores, e de 60% para grupos em
que o percentual dos pequenos produtores era menor que 60% (HESPANHOL, 2008).
Durante a sua fase de implementação o PEMH enfrentou algumas dificuldades
decorrentes de problemas ligados ao corpo técnico envolvido no programa, que estava em
número insuficiente nos primeiros anos do programa, e eram mal remunerados, havendo
constante troca de técnicos nas Casas da Agricultura municipal, decorrente do processo de
municipalização da agricultura paulista. Além disso, os CMDRs são constituídos de maneira
apenas formal, ou seja, são constituídos apenas como obrigação burocrática para captação
dos incentivos do programa. A participação dos beneficiários como preconiza as premissas
do programa é muito baixa ou talvez nula; a falta de confiança dos beneficiários no poder
público; a ingerência de interesses políticos-partidários; foram outros problemas que
limitaram a ação do programa (HESPANHOL, 2005).
A CATI estava despreparada para trabalhar com programas dessa natureza. Assim,
um dos maiores trunfos que o PEMH alcançou foi a formação de uma cultura organizacional
dentro da CATI, que a partir dessa experiência e processo de aprendizagem, se tornou
melhor capacitada para gerir com mais efetividade, programas dessa natureza. O corpo
técnico, com o decorrer do programa mudou a forma de prestar assistência técnica e
extensão rural. “Antes do PEMH, os técnicos atuavam de uma forma produtivista, mudando
agora esta visão para uma atuação participativa” (MOREIRA; RASCHIATORE, 2006, p.
524).
Outro problema do programa de microbacias foi a sua cotação em dólar, visto que no
inicío do programa a moeda norte americana estava valorizada em comparação ao real, e
visto que no decorrer do programa o dólar veio se desvalorizando progressivamente, a
verba disponível para o programa sofreu limitações no que se refere as aquisições de
implementos e contratação de serviços (HESPANHOL, 2008).
3. O MUNICÍPIO DE IRAPURU NO CONTEXTO DA OCUPAÇÃO DA REGIÃO DA NOVA ALTA PAULISTA
O município de Irapuru localiza-se no oeste do Estado de São Paulo e pertence a
microregião geográfica de Adamantina, que está inserida na mesoregião geográfica de
Presidente Prudente. A ocupação do município inicia-se no ano de 1948, mas sua
emancipação ocorre somente no ano de 1953, quando houve o desmembramento de parte
do território de Junqueirópolis e Pacaembu para a formação do município. Veja a localização
do município de Irapuru no mapa 1.
SARON, Flavio A. A implementação dos projetos de Microbacias Hidrográficas ... 794
Mapa 1. Localização do Município de Irapuru-SP na microregião geográfica de Adamantina.
Fonte: IBGE,2009. Organização: Flávio de Arruda Saron.
A formação do município se insere no contexto da ocupação da região denominada
de “Nova Alta Paulista”3, uma das últimas fronteiras de ocupação do território paulista, e está
relacionada a expansão da estrada de ferro paulista e da imigração de descendentes
europeus e japoneses de segunda e terceira geração das áreas tradicionais na produção
cafeeira, e posteriormente de migrantes nordestinos. Nos primeiros anos de ocupação a
região era caracterizada por possuir “estrutura fundiária baseada na pequena propriedade e
a prática da policultura, porém com a predominância do café, definiram a configuração
espacial da região” (GIL, 2007, p. 113-114).
Nos anos subseqüentes a ocupação da região, as políticas públicas de caráter
setorial implementadas no país, privilegiando a industrialização em curso no país aumentou
as disparidades entre as regiões que se urbanizavam e industrializavam e as que
permaneciam assentadas sob as bases rurais. Nesse processo, a região da Nova Alta
Paulista, que até a década de 1960 vivenciou um período de intenso crescimento econômico
e populacional, se firmava como região econômica agropastoril, e viu-se refém da
estagnação econômica e do êxodo populacional encabeçado pelos jovens dos municípios
que compunham a região (GIL, 2007).
3A denominação de Nova Alta Paulista, para os municípios que inserem nas atuais microrregiões geográficas de Adamantina e Dracena se deve a importância que a expansão dos trilhos da Companhia de Estradas de Ferro Paulista teve para o processo histórico de ocupação dessa porção do território paulista. Tanto é, que até o final da década de 1980 o IBGE agrupava essas duas microrregiões na Microrregião homogênea da Nova Alta Paulista.
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia – “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
795
A atividade agropecuária, em especial a cafeicultura durante muitos anos constituiu-
se na principal atividade econômica do município de Irapuru e da Nova Alta Paulista. No ano
de 1975 houve uma grande geada que assolou os cafezais e demais culturas da região,
gerando impactos negativos para os municípios da região. A geada de 1975 é considerada o
marco da decadência da cafeicultura, da desestruturação da economia regional e da
intensificação da evasão populacional. Entretanto a decadência dessa atividade não está
associada exclusivamente a esse evento climático, o baixo nível tecnológico, a falta de
técnicas adequadas, a exaustão dos solos, o aparecimento de novas pragas, a baixa
capitalização e a ausência de políticas públicas de apoio aos cafeicultores afetaram essa
atividade (GIL, 2007).
Entre os anos de 1970 e 2000 houve a redução de 38,16% da população total e de
74,54% da população rural, de acordo com os Censos Demográficos do IBGE. A crise da
cafeicultura fez com que muitos produtores rurais mudassem de atividade, ou até mesmo
abandonassem a atividade agropecuária, os produtores mais capitalizados passaram a
investir os capitais acumulados da cafeicultura em outros estados da federação, seja na
pecuária extensiva, nos estado da região Centro-oeste do Brasil, ou plantando café em
outras regiões produtoras do país, outros produtores optaram por se dedicar ao cultivo de
frutas como a uva, a acerola, o maracujá, enquanto outros substituíram os cafezais pelas
pastagens, em função da reduzida utilização de mão-de-obra. No final da década de 1990
alguns produtores optaram pela reintrodução do café aproveitando os bons preços que este
produto alcançou no mercado internacional, só que não alcançando o mesmo nível de
décadas passadas (GIL, 2007).
De acordo com informações do IBGE atualmente a economia do município de
Irapuru gira em torno do setor de serviços, seguido da agropecuária e da indústria. O
Levantamento Censitário de Unidades Agropecuárias (LUPA) 2007-08 realizado pela CATI
mostra que a estrutura fundiária se mantém desconcentrada, as propriedades com menos
de 100 hectares representam 95,19% do número e 55,58% da área. As pastagens ocupam
69,01% da área agricultável do município seguida da cana-de-açúcar com 19,17% e do café
com 4,41% da área.
4. A IMPLEMENTAÇÃO DOS PROJETOS DE MICROBACIAS HIDROGRÁFICAS NO MUNICÍPIO DE IRAPURU E O DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL
De acordo com o LUPA 2007-08, no município de Irapuru existem 665 unidades de
produção agropecuárias. Desse total, 455 estão distribuídas nas quatro microbacias
hidrográficas onde foram implantados os projetos de microbacias hidrográficas. As
microbacias hidrográficas onde foram implementados os projetos são as microbacias dos
Córregos do Paturizinho, Patrimônio, Fogo e Cunha. Elas compreendem 1.686 ha., 2.015
ha., 3.436 ha. e 2.045 ha., englobando 114, 110, 117 e 114 unidades produtivas,
respectivamente, segundo informações da Casa da Agricultura do município. Segundo a
SARON, Flavio A. A implementação dos projetos de Microbacias Hidrográficas ... 796
CATI até junho de 2008 tinham sido aprovados no município de Irapuru 276 Projetos
Individuais de Propriedades (PIP’s), estando distribuídos 55 na microbacia hidrográfica do
Córrego do Cunha, 35 na microbacia do Córrego do Fogo, 72 na microbacia do Córrego do
Patrimônio e 114 na microbacia do Córrego do Paturizinho.
Comparando-se o município de Irapuru com outros municípios, verifica-se que o
município é um dos que mais receberam recursos do PEMH. Nos quatro projetos foram
alocados cerca de R$ 1.441,595,00, o que coloca o município no segundo lugar no ranking
do Escritório de Desenvolvimento Rural (EDR) de Dracena em termos de volume de
recursos investidos, que é o EDR do Estado de São Paulo, onde foi alocada a maior
quantidade de recursos através do programa de microbacias hidrográficas, segundo
informações da Casa da Agricultura do município.
Entre os produtores rurais entrevistados nos quatro projetos de microbacias
hidrográficas do município, a maioria recebeu pelo menos um tipo de incentivo dos projetos
de microbacias hidrográficas. Esse percentual foi de 87,50% na microbacia hidrográfica do
córrego do córrego do Patrimônio, 77,84% na microbacia hidrográfica do córrego do Fogo,
75,00% na microbacia hidrográfica do córrego do Paturizinho e 87,50% na microbacia
hidrográfica do córrego do Cunha. Dentre esses produtores, a maior parte optou pelos
incentivos coletivos, em especial a perfuração de poços artesianos, que em alguns casos
chegou a beneficiar grupos com até dez produtores rurais, mas parte significativa dos
produtores rurais também foi contemplada com os dois tipos de incentivo do programa.
De modo geral, as ações dos projetos de microbacias hidrográficas são bem
avaliadas pelos produtores rurais entrevistados, principalmente no que se refere a
perfuração dos poços, que proporcionou a muitos produtores o acesso mais fácil a água.
Além disso, o fato do PEMH ser uma das poucas políticas que prioriza os pequenos
produtores rurais gera um sentimento de valorização de sua importância, uma vez que eles
se sentem desvalorizados socialmente em virtude dos vários anos de trabalho penoso,
fracassos e desilusões geradas pelas dificuldades financeiras oriundas da baixa
rentabilidade das atividades agrícolas e excluídos das políticas governamentais.
O sucesso dos projetos de microbacias depende em grande parte da organização,
articulação e envolvimento dos produtores rurais e da atuação dos técnicos extensionistas
(HESPANHOL, 2008).
O programa de microbacias tem como princípio básico a gestão descentralizada e
participativa, com esse intuito, o programa requer que os produtores estejam organizados
em torno de Associações de Produtores Rurais e dos Conselhos Municipais de
Desenvolvimento Rurais.
No município de Irapuru foi criada no ano de 2000 a Associação dos Agropecuaristas
de Irapuru, que segundo seu presidente foi criada com o objetivo de captar recursos do
programa de microbacias hidrográficas e de eventuais outras políticas, contando com cerca
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia – “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
797
de 100 produtores rurais associados, estes pertencentes aos quatro projetos de microbacias
hidrográficas e produtores de outras microbacias hidrográficas onde não foram
implementados projetos. Constatou-se que o nível de envolvimento dos produtores rurais
junto a Associação foi baixo, cerca 37,50%, 55,60%, 47,60% e 68,75% dos produtores rurais
das microbacias hidrográficas dos Córregos do Patrimônio, Fogo, Paturizinho e Cunha,
respectivamente, têm conhecimento da existência da associação, e a participação deles
como membros associados foi menor ainda, apenas 6,25%, 16,60%, 23,53% e 12,50% dos
produtores rurais das microbacias hidrográficas dos Córregos do Patrimônio, Fogo,
Paturizinho e Cunha, respectivamente, são membros da associação.
Nota-se que a associação atua em caráter formal, em função das exigências
burocráticas do programa de microbacias, após o término dos projetos de microbacias não
foram mais realizadas reuniões nem atividades voltadas para os produtores rurais. Ela é em
grande parte dependente da prefeitura do município, que através de um convênio firmado
mantém alguns funcionários e os serviços de motomecanização coletiva, sob
responsabilidade da associação, mas pagos pela prefeitura. O envolvimento dos produtores
rurais junto aos projetos de microbacias hidrográficas ocorreu de forma mais efetiva através
do contato com o corpo técnico do que com a associação. Em relação ao CMDR a situação
é mais desfavorável ainda, atualmente encontra-se desestruturado, sem presidente e sem
diretoria, havendo a necessidade de eleições para a ocupação desses cargos.
No que se refere ao capital humano disponível pela Casa da Agricultura para
executar os projetos4, constata-se que há bom número de técnicos, tendo uma atuação ativa
nos projetos, principalmente no que se refere a divulgação e esclarecimento do programa
junto aos produtores rurais.
Os resultados comparativamente superiores dos projetos de microbacias
hidrográficas do município de Irapuru em relação a outros municípios não significa que o
desenvolvimento rural sustentável presentes no discurso da CATI foi alavancado no
município.
O discurso do desenvolvimento rural engendrado para o Brasil a partir dos anos 1990
teve grande influência do sucesso do Programa Ligações Entre Ações do Desenvolvimento
4 Um dos técnicos entrevistados afirma que o município de Irapuru está em posição confortável no que diz respeito ao número de técnicos extensionistas envolvidos nos projetos de microbacias hidrográficas em relação a outros municípios, durante a implementação dos projetos de microbacias hidrográficas, a Casa da Agricultura local dispôs de três técnicos responsáveis pelos quatro projetos de microbacias hidrográficas, o que, segundo ele, é um número significativo considerando a área territorial do município. No EDR de Dracena, a qual pertence a Casa da Agricultura local, apenas no município de Junqueirópolis, onde foi concedido o maior número de subvenções do programa de microbacias é que teve mais técnicos trabalhando em projetos de microbacias hidrográficas. Em outro trabalho verificamos que no município de Martinópolis, com área territorial muito superior a Irapuru, foram implantados três projetos de microbacias e havia apenas uma técnica responsável pelos projetos (SARON; HESPANHOL, 2008). No EDR de Jales há poucos técnicos para a implementação dos projetos, nesse EDR a média é de dois projetos de microbacias hidrográficas implementados por município (CLEMENTE; HESPANHOL, 2008)
SARON, Flavio A. A implementação dos projetos de Microbacias Hidrográficas ... 798
da Economia Rural (LEADER), implementado na Europa. Os princípios básicos desse
programa era a abordagem multifuncional do espaço rural, a condenação do modelo
produtivista vinculado pela Revolução Verde por parte de organismos internacionais, as
mudanças dos espaços rurais europeus com a diminuição da importância das atividades
agrícolas na geração de renda e aumento das não agrícolas, além das “migrações de
retorno” para o campo, descentralização da gestão das políticas públicas, preocupação com
a redução da pobreza, entre outros (CLEMENTE; HESPANHOL, 2008).
De acordo com Navarro (2001), entende-se que o desenvolvimento rural, consiste
em ações direcionadas pelo Estado a fim de proporcionar a melhoria do bem estar da
população rural. A inserção do termo sustentável no desenvolvimento rural deriva da
expressão do desenvolvimento sustentável, que diz respeito as “dimensões ambientais” do
desenvolvimento rural.
Os elementos do desenvolvimento sustentável na agricultura são diversos, e
incluem: a redução da mecanização; sistemas agrícolas de baixo consumo de energético;
uso intensivo de mão-de-obra; diminuição da dependência e controle no uso de
agroquímicos; diminuição do tamanho das propriedades; diversificação de culturas;
liberação de crédito para agricultura alternativa; estímulos a condições de comercialização
de pequenos agricultores; ampliação da participação dos agricultores nas políticas públicas,
entre outros (MENEZES, 2007).
Para Navarro (2001), as discordâncias acerca do desenvolvimento rural dizem
respeito ao questionamento de quais estratégias devem ser adotas para o desenvolvimento
rural, assim acreditou-se que a modernização produtiva dos anos 1970 levaria ao
desenvolvimento rural, no entanto sabe-se que gerou resultados sociais e ambientais
extremamente negativos. Dessa forma, considera-se que o desenvolvimento rural
sustentável consiste na combinação de qualidade de vida para as populações rurais e
padrões agrícolas não agressivos ao meio ambiente.
Para Clemente; Hespanhol (2008),
(...) os pequenos proprietários rurais de base familiar constituem-se na categoria mais apropriada para a promoção de um modelo de desenvolvimento socioeconômico mais equânime do ponto de vista ambiental no rural. Além de a renda ser mais bem distribuída, os pequenos proprietários rurais têm maior “apego à terra”, o que resulta em práticas agrícolas ambientalmente impactantes (p.8).
Acredita-se que a melhoria da qualidade de vida dos produtores rurais das
microbacias hidrográficas do município de Irapuru onde foram implementados projetos, é
obtida principalmente através da ampliação na geração de renda na propriedade rural.
Nesse sentido, as ações dos projetos de microbacias hidrográficas do município foram
pouco significativas, e restringem-se a melhor dotar a propriedade de infra-estrutura com
alguns implementos agrícolas, fossas sépticas, curvas de nível, entre outros, e
principalmente no que se refere a perfuração de poços.
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia – “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
799
Os desafios na geração de renda para os produtores rurais entrevistados,
principalmente para aqueles que dependem exclusivamente das atividades agropecuárias,
que são os mais carentes não se deve apenas as limitações das subvenções dos projetos.
Em função da desestruturação da atividade cafeeira, boa parte dos produtores encontra-se
descapitalizada e não dispõe de recursos financeiros para realizar investimentos em novas
culturas, tecnologias, nem para agregar valor aos produtos e para buscar outras alternativas
que poderiam proporcionar geração de renda. Além disso, os baixos preços dos produtos
agrícolas decorrentes das condições macroeconômicas adversas a pequena produção e a
existência de poucas políticas públicas voltadas para os pequenos propriedades rurais
desestimulam o investimento na propriedade rural por parte dos produtores que dispõem de
algum capital.
As dificuldades financeiras enfrentadas na atividade agropecuária, fizeram com que
os filhos dos produtores rurais procurassem alternativas de inserção produtiva fora da
propriedade rural, que além do esvaziamento do campo, comprometeu a sucessão
hereditária. Cerca de 75,00%, 61,18%, 68,75% e 75,00% dos filhos dos produtores rurais
das microbacias hidrográficas dos Córregos do Patrimônio, Fogo, Paturizinho e Cunha,
respectivamente, residem na cidade, e em boa parte dos casos fora do município, em
centros maiores como São Paulo, Campinas, Presidente Prudente, Dracena e etc. Até
mesmo esses produtores rurais, em considerável parcela, já não residem mais na zona
rural. O contínuo êxodo dos jovens do campo resultou no envelhecimento da população
rural, o que explica a alta média de idade dos produtores rurais entrevistados, que é de
64,19; 54,61; 67,18 e 61,30 anos nas microbacias hidrográficas dos Córregos do Patrimônio,
Fogo, Paturizinho e Cunha, respectivamente. Desse modo, a previdência social rural firma-
se como importante fonte de renda para os produtores rurais entrevistados, principalmente
daqueles que são mais dependentes das atividades agropecuárias na geração de renda.
Nas microbacias hidrográficas dos córregos do Patrimônio, Fogo, Paturizinho e Cunha,
respectivamente, 93,75%, 50,00%, 82,25% e 93,75% dos produtores rurais são ou possuem
familiares aposentados. Outra característica constatada junto aos produtores rurais entrevistados, é o
expressivo número de produtores rurais que desenvolvem atividades fora da propriedade,
cerca de 31,25%, 44,48%, 50% e 56,25% dos produtores rurais entrevistados das
microbacias hidrográficas dos Córregos do Patrimônio, Fogo, Paturizinho e Cunha,
respectivamente, desenvolvem ou possuem membros da família que desenvolvem
atividades fora da propriedade.
SARON, Flavio A. A implementação dos projetos de Microbacias Hidrográficas ... 800
Na verdade, para muitos produtores a propriedade representa apenas uma fonte de
renda secundária, e a renda gerada pelas atividades agropecuárias não é significativa no
orçamento familiar5.
No que se refere as “dimensões ambientais” do desenvolvimento rural nos projetos
de microbacias hidrográficas do município, observa-se que as ações dos projetos não têm
resultado em mudanças significativas na preservação dos mananciais. Pois, apenas
12,50%, 11,12%, 5,8% e 31,25% dos produtores rurais entrevistados das microbacias
hidrográficas dos Córregos do Patrimônio, Fogo, Paturizinho e Cunha, respectivamente
cercaram a Área de Preservação Permanente (APP), e 25,00% 11,12%, 11,76% e 25% dos
produtores rurais entrevistados das microbacias hidrográficas dos Córregos do Patrimônio,
Fogo, Paturizinho e Cunha, respectivamente reconstituíram a área de APP por meio do
replantio de mudas. Em relação à constituição da Área de Reserva Legal (ARL) os índices
são menores ainda.
Apesar do programa conter ações que incentivem a recuperação das áreas de APP
degradadas, os produtores rurais entrevistados dos projetos de microbacias hidrográficas do
município não se sentem estimulados a tomar iniciativas para proteger os córregos, mesmo
que declararem que estão preocupados com esse aspecto.
Os principais fatores apontados pelos produtores rurais para o não cercamento e
reconstituição das áreas de APP e ARL referem-se a reduzida dimensão das propriedades
rurais para dispor de área para APPs e ARLs, aos custos para a formação destas, a falta de
incentivos financeiros por parte do Estado e a “inexistência” de legislação ambiental que
obrigue o cercamento e reconstituição das APPs e ARLs. Para alguns produtores,
principalmente aqueles cuja trajetória está ligada as atividades agropecuárias é difícil a
mudança de cultura veiculada pelo programa de microbacias, uma vez que em muitos casos
seus pais e eles próprios foram estimulados pelo Estado a devastarem as matas da região e
agora se vêem com a missão de recompor a vegetação. O fato é que além das dificuldades
financeiras existentes para a implantação de área de APP e ARL, os produtores rurais não
vislumbram possibilidades de retorno financeiro, o que explica a falta de interesse em
reconstituir as áreas de APPs e ARLs.
5 O Sr Ademar Galegão, farmacêutico e dono de uma farmácia na cidade, que possui propriedade na microbacia hidrográfica do Córrego do Cunha e o Sr. Arcanjo Santin dono de um escritório na cidade, possuindo uma propriedade em regime de sociedade com seu irmão se encaixam no perfil descrito. São produtores com características diferentes daqueles que tiveram trajetórias de vida associada às atividades agropecuárias. De modo geral eles possuem elevado nível de escolaridade, geralmente ensino superior e não necessitam dos rendimentos gerados na atividade agropecuária para compor a renda familiar, o que explica o fato de que eles fiquem com a propriedade, mesmo quando esta traz prejuízo, como eles próprios afirmam, obrigando-os a sanar os encargos da propriedade com recursos provenientes de suas atividades urbanas. Graziano da Silva (1999) denomina os produtores rurais com essas características como neorurais, em que a função produtiva não é a principal função da propriedade rural, as funções lazer, turismo, moradia, dentre outros, tem papel destacado no espaço rural. Em outro trabalho chegou-se a mesma constatação no município de Martinópolis-SP (SARON; HESPANHOL, 2008).
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia – “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
801
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS As ações empreendidas nos projetos de microbacias hidrográficas no município de
Irapuru foram positivas, principalmente por priorizar os pequenos produtores rurais,
justamente os mais carentes. No entanto, apesar de terem sido alocados significativos
montante de recursos nos projetos de microbacias hidrográficas em comparação com outros
municípios, as ações empreendidas nas microbacias hidrográficas onde foram executados
projetos não foram significativas para promover o desenvolvimento rural sustentável,
baseado no bem estar da população rural e na preservação/conservação dos recursos
naturais.
As ações dos projetos restringiram-se a melhor equipar as propriedades rurais com
infra-estrutura e não contribuíram significativamente para ampliar a rentabilidade dos
produtores rurais, um dos elementos que proporciona melhoria no bem estar da população
rural, devido as limitações dos incentivos do programa de microbacias hidrográficas, mas
também devido as condições macroeconômicas desfavoráveis aos pequenos produtores do
período atual.
Políticas públicas que enfocam o desenvolvimento rural sustentável, que priorizam o
pequeno produtor rural, especialmente aqueles que tem maior dependência da atividade
agropecuária e não tem outras opções de renda, deveriam ter sido implementadas para
evitar problemas com a sucessão dos produtores rurais, degradação do solo e dos
mananciais como os que ocorrem atualmente nas microbacias hidrográficas onde foram
implementados projetos.
É preciso que as ações implementadas pelos projetos de microbacias hidrográficas
do município tenham continuidade com outras políticas, e que contenham medidas de
compensação financeira que estimulem a conservação dos recursos naturais como as APPs
e ARLs por parte dos produtores rurais, e por outro lado promover a efetiva fiscalização no
cumprimento da legislação ambiental. As políticas públicas devem propiciar maior geração
de renda na pequena propriedade rural, e torna - lá atrativa para as gerações mais jovens
permanecer no campo e desenvolver atividades agropecuárias, mesmo que em regime
parcial, e que possam zelar dos recursos naturais no meio rural. 6. REFERÊNCIAS: CLEMENTE, Evandro C. ; HESPANHOL, Antonio N. O Programa Estadual de Microbacias Hidrográficas e as perspectivas de desenvolvimento rural da Região de Jales. In: Seminário de Turismo no Espaço Rural e Desenvolvimento Local da Unesp, I, 2008, Presidente Prudente. Anais..., Presidente Prudente: Gepter, Gedra, 2008, p.1-12. 1 Cd-Rom. COORDENADORIA DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA INTEGRAL.(CATI). Programa Estadual de Microbacias Hidrográficas. Cati: São Paulo, 2001.
SARON, Flavio A. A implementação dos projetos de Microbacias Hidrográficas ... 802
FONTES, J. L. Programa Estadual de Microbacias Hidrográficas. In: V Encontro Nacional de Educação Ambiental na agricultura, Instituto Agronômico de Campinas, 2006. Disponível em <htpp:www.cati.sp.gov.br>. Acesso em 12/07/2007. GIL, Izabel Castanha. Nova Alta Paulista, 1930-2006: entre memórias e sonhos. Do desenvolvimento contido ao projeto político de desenvolvimento regional. 2008. 395 f. Tese(Doutorado em Geografia) Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, campus de Presidente Prudente. HESPANHOL, Antonio Nivaldo. O Programa Microbacias Hidrográficas e a Questão do Desenvolvimento de Territórios Rurais no Estado de São Paulo – Brasil. Anais das 4tas Jornadas Internacionais de Estudios Agrarios e Agroindustrialies. Buenos Aires: Universidad de Buenos Aires - UBA, 2005. p. 1 – 20. HESPANHOL, Antonio N. OS PROGRAMAS DE MICROBACIAS HIDROGRÁFICAS NO BRASIL In: MARAFON, G. J, SALAZAR, V. L (ORGs.). Agricultura, Desenvolvimento e Transformações Socioespaciais: Reflexões interistitucionais e constituição de grupos de pesquisa no rural e no urbano. Uberlândia: Ed. UFU, 2008, p. 1-12. MENEZES, Ana V. C. D. Sociedade Sustentável: em busca de um caminho. In: MARAFRON, G. J; RUA, J; RIBEIRO, M. A. (Orgs.) Abordagens teórico-metodológicas em geografia agrária. Rio de Janeiro,1ª ed. Ed da uerj, 2007, v. 1, p. 199 – 2006. MOREIRA, Daniel Al. ; RASCHIATORE, Ricardo A. . Inovações na implementação do Programa Estadual de Microbacias Hidrográficas do Estado de São Paulo. Gestão & Produção set/nov 2006. v.13, nº 3, p. 519-527. NAVARRO, Zander. Desenvolvimento Rural no Brasil: Os limites do passado e os caminhos do futuro. In: Estudos Avançados. São Paulo, USP, 2001, 15 (43). p. 83 – 119. SABANÉS, Leandro. Manejo sócio-ambiental de recursos naturais e políticas públicas: um estudo comparativo dos Projetos Paraná Rural e Microbacias. 2002. 175 f. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Rural) Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. SARON, Flávio D. A. ; HESPANHOL, Antonio N. Políticas públicas e desenvolvimento rural no município de Martinópolis-SP . In: Encontro Nacional de Geógrafos, XV, 2008, São Paulo. Anais ...São Paulo: AGB, 2008, p.1-15. 1 Cd-Rom. SILVA, José Graziano da. O Novo Rural Brasileiro. Campinas: Instituto de Economia/Unicamp, 1999. 6.1. REFERÊNCIAS DA INTERNET: Resultado do Programa Estadual de Microbacias Hidrográficas. Disponível em: <http://www.cati.sp.gov.br>. Acesso em 24/03/2009. Levantamento Censitário de Unidades de Produção Agropecuária. Disponível em: <http://www.cati.sp.gov.br>. Acesso em 24/03/2009. O Brasil por município. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>.Acesso em: 03/04/2009.
MOVIMENTOS SOCIOTERRITORIAIS: CULTURA JURÍDICA E IDEOLOGIA DA CRIMINALIZAÇÃO
Rubens dos Santos Romão de Souza – FCT/UNESP romaossp@yahoo.com.br
Estudante do 2º ano de Geografia Universidade Estadual Paulista (UNESP) Campus de Presidente Prudente (SP)
Bolsista CNPq AT
INTRODUÇÃO Nos últimos vinte cinco anos a criminalização e judiciarização das lutas camponesas
têm se intensificado. Este processo ocorre em plena redemocratização em que as formas de
controle das lutas mudaram. Na ditadura a militarização da luta pela terra foi a forma
predominante (MARTINS, 1984; FERNANDES, 1999)
Os processos referidos acima, compreendidos a partir de meados da década 1980,
quando na Nova República foi possível constatar uma correlação de forças antagônicas à
implantação do I Plano Nacional de Reforma Agrária – I PNRA (SILVA, 1987). Ao mesmo
tempo se identificam as ameaças pelas quais a organização trabalhadora camponesa se
deparou através da letárgica atuação do Estado.
O objetivo do presente trabalho é o de compreender melhor os processos de
criminalização e judiciarização, as suas fases e preocupações propostas sobre a atuação
dos movimentos socioterritoriais que contestam as contradições que o desenvolvimento
agrário carrega.
DESENVOLVIMENTO A abertura política não significou o reconhecimento das demandas camponesas,
visto que as ocupações de terra realizadas pelos movimentos socioterritoriais durante este
tempo evidenciam a ineficiência das políticas agrárias. (RELATÓRIO DATALUTA, 2007).
Uma demonstração deste processo está representado no mapa e gráfico que seguem:
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia – “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
805
A Medida Provisória 2.183/2000 é um exemplo da criminalização pela judiciarização
que impede o acesso aos assentamentos de Reforma Agrária àqueles movimentos que
realizaram ocupações. Tal medida reafirmou o retroceder das políticas agrárias e exigiu,
mais uma vez, uma articulação maior dos movimentos socioterritoriais de contestação ao
modelo econômico e político vigente instaurado no país.
E no último ano foi possível verificar uma cultura jurídica que propõe a ilegalidade
dos movimentos socioterritoriais, através de ações que segundo o Ministério Público gaúcho
conferem risco à seguridade nacional, à lisura das eleições e ao ensino ideologicamente
orientado às práticas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (ALFONSIN,
2009).
CONSIDERAÇÕES FINAIS As perspectivas são de acentuação desta criminalização por um motivo notório, a
omissão do Estado em realizar a Reforma Agrária na totalidade, nos lugares em que ocorre
a expansão prioritária do agronegócio associada aos conflitos agrários.
Logo a apropriação camponesa do aparato jurídico se torna mais do que necessário,
se trata de uma condição objetiva de sobrepor suas demandas no bojo de uma política
agrária e jurídica que em suas decisões priorizam o agronegócio.
71 8650
85 93 116163 186
459514
828
903
529
285 274
562
703
569 553 532
0
100 200 300 400 500 600 700 800 900
1000
1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
Fonte: DATALUTA: Banco de Dados da Luta Pela Terra, 2008. www.fct.unesp.br/nera
GRÁFICO 01 - BRASIL - NÚMERO DE OCUPAÇÕES - 1988 - 2007
SOUZA, Rubens S. R. Movimentos socioterritoriais: Cultura jurídica e ideologia da ... 806
REFERÊNCIAS SILVA, J. Gomes. Caindo por Terra: crises da reforma agrária na Nova República. 1 ed.
São Paulo: Busca Vida, 1987. 228 p.
ALFONSIN, J. Távora. Do respeito à lei, às leis do respeito. Causas e efeitos jurídicos da
criminalização dos sem-terra. Conflitos no Campo - Brasil 2008, Goiânia, p. 19-24, abr.
2009.
FERNANDES, Bernardo Mançano; WELCH, Clifford Andrew; CLEPS, João & FABRINI,
João Edmilson. Relatório DATALUTA 2007. Presidente Prudente, NERA, 2008.
FERNANDES, Bernardo Mançano. A Judiciarização da luta pela Reforma Agrária. In:
SANTOS, José Vicente Tavares dos. (Org.). Violência em tempo de globalização. São
Paulo: Hucitec, 1999, p. 388-402.
MARTINS, José de Souza. A militarização da questão agrária no Brasil. Petrópolis:
Vozes, 1984.
OS EFEITOS DO CONSUMO DOS ASSENTADOS NAS RELAÇÕES CAMPO-CIDADE DOS MUNICÍPIOS DE ROSANA, EUCLIDES DA CUNHA PAULISTA E TEODORO
SAMPAIO – SP.
SOUZA, Sérgio Pereira de. Mestre em Geografia pela Universidade Estadual Paulista - Campus de
Presidente Prudente – SP e membro do GEDRA: Grupo de Estudos Dinâmica Regional e Agropecuária - e-mail: profsergio@ig.com.br - profsergio@bol.com.br-.
HESPANHOL, Rosangela Ap. de Medeiros. Professora do Curso de Graduação e Pós-Graduação em
Geografia da Universidade Estadual Paulista Campus de Presidente Prudente – SP. Coordenadora do GEDRA: Grupo de Estudos Dinâmica Regional e Agropecuária - e-mail: rosangel@fct.unesp.br
Resumo: Este trabalho tem como objetivo principal analisar os efeitos do consumo dos assentados nas relações campo-cidade dos assentados nos municípios de Rosana, Euclides da Cunha Paulista e Teodoro Sampaio, localizados no Pontal do Paranapanema. Constatamos que a implantação dos assentamentos rurais provocou o aumento da população no campo, diversificou a produção agropecuária, reforçou o trabalho familiar em pequenos lotes rurais e intensificou a busca por bens de consumo duráveis e não-duráveis nos núcleos urbanos do entorno. A busca dos assentados por mercadorias relacionadas a sua vida familiar/pessoal (alimentação, vestuários, calçados, remédios e produtos de higiene) e à produção agropecuária (sementes, adubos, máquinas e equipamentos agrícolas), provocou o aumento do número de bares, casas de produtos agropecuários, lanchonetes, farmácias etc., nesses pequenos centros urbanos, ampliando as relações entre o campo e a cidade. Palavras-chave: Relações campo-cidade; assentamentos rurais; consumo dos assentados; pequenos núcleos urbanos; Pontal do Paranapanema.. INTRODUÇÃO
Pretende-se, neste texto, analisar a intensificação das relações campo-cidade
decorrente do consumo dos assentados nos municípios de Rosana, Euclides da Cunha
Paulista e Teodoro Sampaio, localizados no extremo sudoeste do Estado de São Paulo
(MAPA 1).
A escolha destes três municípios para a pesquisa justifica-se pelo fato deles
concentrarem um número significativo de assentamentos rurais e de famílias assentadas, o
que têm provocado mudanças importantes no seu espaço rural e urbano. Todavia, tendo em
vista os objetivos deste artigo consideramos apenas dois assentamentos rurais: Gleba XV
de Novembro, em que parte dos lotes está situada em Rosana e parte está em Euclides da
Cunha Paulista; e, Vale Verde, situado no município de Teodoro Sampaio. A escolha do
assentamento Gleba XV de Novembro justifica-se pelo fato dele ser o mais antigo em
termos de implantação (1984) nesses municípios, por estar localizado próximo à rodovia
Arlindo Betio, o que facilita aos assentados terem relação mais direta com os núcleo
urbanos.
Destaca-se também que em relação à origem desse assentamento, o mesmo teve a
participação de trabalhadores desempregados da usina hidrelétrica, da Destilaria de Álcool
Alcídia e ribeirinhos.
O assentamento Vale Verde foi escolhido para a pesquisa porque está localizado
também próximo à rodovia Arlindo Betio, o que facilita aos assentados terem relações mais
SOUZA, Sérgio P.; HESPANHOL, Rosangela A. M. Os efeitos do consumo dos assentados nas ... 808
diretas com o núcleo urbano de Teodoro Sampaio. E no caso deste assentamento, a sua
origem esteve ligada à disputa de terra entre posseiros e supostos proprietários de terra.
Apesar da diferença em termos de extensão (tamanho da área), da quantidade de famílias
assentadas e da sua origem, a amostra coletada nestes dois assentamentos foi suficiente
para caracterizar a estrutura interna e a relação dos responsáveis pelo lotes pesquisados,
bem como as novas dinâmicas que estão ocorrendo no espaço rural e urbano.
Para atingir os objetivos propostos foram realizados levantamento bibliográfico
referente ao tema; coleta de material cartográfico sobre a área de pesquisa; entrevistas com
80 chefes de famílias da Gleba XV de Novembro, perfazendo 14% do total e 13% no
Assentamento Vale Verde, representando 26% do total e, coleta de dados e informações
por meio da realização de entrevistas com os proprietários dos estabelecimentos comerciais
situados nas cidades de Rosana, Euclides da Cunha Paulista e Teodoro Sampaio
Mapa 01
Localização dos municípios de Rosana, Euclides da Cunha Paulista e Teodoro Sampaio – SP
Na pesquisa realizada no comércio urbano buscou-se informações referentes aos
hábitos de compra, ou seja, não se investigou a quantidade, mas o quê e onde os
assentados compram os produtos para seu consumo. Outro fator que foi considerado para a
realização da pesquisa foi a definição do centro urbano como área de estudo e, para tanto,
situamos os terminais rodoviários nos núcleos urbanos de Teodoro Sampaio e Rosana. A
localização dos terminais rodoviários próximos à área central facilita o acesso dos
53º 15’ W
22º 50’ S50º 40’ W
22º 50’ S
Estado Paraná
Do
Estado
Mato
Do
Gro
sso
Sul
Do
Fonte: Meneguette, Arlete (2004)Organizador: Sérgio Pereira de SouzaOrientadora: Profa. Dra. Rosangela Ap. M. HespanholDesenho: Elias Oliveira Noronha, 2004
53º 15’ W
21º 15’ S
0 40 Km
50º 40’ W
21º 15’ S
RosanaEuclides da Cunha PaulistaTeodoro Sampaio
Escala Gráfica
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia – “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
809
assentados, bem como o transporte pelos mesmos das mercadorias adquiridas no comércio
local até o assentamento em que eles residem.
Na cidade de Euclides da Cunha Paulista, apesar do terminal urbano estar localizado
fora da área central, foi implantado pela empresa responsável pelo transporte coletivo um
posto de venda de passagens nesta área, o que também facilita ao assentado o seu
embarque/desembarque e o transporte das mercadorias adquiridas no comércio urbano.
Nas entrevistas realizadas no comércio urbano foi priorizado o levantamento de dados
referentes: ao tipo de estabelecimento comercial; a indicação do assentamento de onde
provém o maior número de clientes; as formas de pagamento das compras realizadas pelos
assentados; o gasto médio mensal; a periodicidade de realização das compras; os tipos de
produtos comprados pelos assentados; e, por fim, a percepção dos comerciantes sobre as
mudanças nas vendas após a implantação dos assentamentos rurais.
Com o objetivo de se ter uma melhor compreensão da quantidade e dos tipos de
estabelecimentos comerciais pesquisados elaboramos um quadro com essas informações
(Quadro 01).
Quadro 1
Quantidade e tipo de estabelecimentos comerciais pesquisados Estabelecimento Rosana Primavera1 Euclides da Cunha
Paulista Teodoro Sampaio
Supermercado/mercado/mercearia - 02 15 03 Confecções/calçados 02 15 12 21 Produtos agropecuários 01 02 04 03 Farmácia - 02 04 02 Brinquedos e presentes - 02 05 03 Açougue - - 03 01 Materiais de construção - 01 02 02 Móveis - 01 02 04 Bares e lanchonetes - 01 03 01 Padaria - 01 01 04 Acessórios carros/motos 01 01 01 04 Cabeleireiros* - - 01 02 Papelaria 01 02 - - Total 05 30 53 50
Fonte: Trabalho de Campo – 2005 * Neste caso considerou-se a prestação de serviço.
Para a realização da pesquisa no comércio das cidades não se levou em
consideração a diferenciação quanto à atividade comercial, pois se preferiu entrevistar o
maior número possível de proprietários de estabelecimentos comerciais.
Constatou-se que os assentados, enquanto consumidores adquirem produtos
diversos, tais como roupas, sapatos, móveis, medicamentos para o gado, sementes,
adubos, venenos, peças para tratores e alimentos industrializados no comércio local das
cidades vizinhas aos assentamentos pesquisados.
1 Para uma melhor compreensão da intensificação das relações campo-cidade decorrente do consumo dos assentados no município de Rosana, os dados do núcleo de Primavera, foram analisados separados, pois Primavera tem apresentado um fluxo comercial maior que a da atual sede administrativa do município – Rosana.
SOUZA, Sérgio P.; HESPANHOL, Rosangela A. M. Os efeitos do consumo dos assentados nas ... 810
Dessa forma, com a implantação dos assentamentos rurais fica evidente um maior
dinamismo no fluxo de mercadorias e serviços, provocando uma intensificação das relações
entre o campo e a cidade que estão se organizando em função das necessidades e das
maiores expectativas econômicas dos assentados.
OS ASSENTADOS E AS RELAÇÕES CAMPO-CIDADE
As relações campo-cidade na perspectiva dos assentamentos rurais intensificam-se
no momento em que os assentados recebem os lotes e passam a residir neste espaço.
Partiremos da idéia de que com os assentamentos, a população assentada desenvolve uma
rede de relações com as cidades mais próximas. Essas relações tendem a tornarem-se
mais constantes e intensas à medida que aumenta o número de famílias assentadas. A
princípio esta relação não é tão intensa devido às dificuldades de deslocamento dos
assentados até os núcleos urbanos, porém, após a solução desse problema, através da
implantação de meios de transportes entre a cidade e o assentamento, os deslocamentos
tornam-se mais freqüentes. Estes deslocamentos por si só representam um aumento nos
fluxos que caracterizam a relação campo-cidade, pois são decorrentes de um conjunto de
necessidades por bens e serviços.
Muito mais do que demonstrar uma dependência do campo pela cidade, estes fluxos
demonstram as suas especificidades.
O fato de que 80% dos responsáveis pelo lote na Gleba XV de Novembro e 60% no
Vale Verde terem afirmado já haver morado nas cidades contribui para que suas
necessidades por acesso à infra-estrutura e equipamentos se aproximem da realidade
urbana. Essas melhorias aumentam para os assentados a possibilidade de permanência na
terra e sua capacidade de consumo.
Nos municípios com população de até 25.000 habitantes, podemos inferir que a
população assentada tem um papel importante não só do ponto de vista da produção
agropecuária, mas também como consumidores no comércio local.
A cadeia de relações dos assentados com os núcleos urbanos está destacada no
fluxograma 1.
Pelo fluxograma 1, podemos perceber que a implantação dos assentamentos
provoca uma rede de relações sociais e econômicas dos assentados com os núcleos
urbanos, intensificando sua atuação sobre a organização desses espaços e, ao mesmo
tempo sendo influenciados por estes.
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia – “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
811
Fluxograma 1 Cadeia de relações campo-cidade decorrente da implantação dos assentamentos rurais.
Org: Sergio Pereira de Souza-2009
Nesse sentido, os assentamentos rurais além de melhorarem a ocupação e o
aproveitamento da terra no espaço rural, integram o assentado na sociedade local,
alterando as relações campo-cidade, fazendo com que a cidade e o campo se relacionem
de forma mais eqüitativa.
O que ocorre a partir da implantação dos assentamentos rurais nos pequenos
municípios em que a concentração fundiária é mais intensa, é um melhor aproveitamento da
terra para a produção agropecuária e, conseqüentemente, há uma maior influência nas
atividades comerciais dos núcleos urbanos, no sentido das mesmas absorverem para si
uma parcela das rendas monetárias que os assentados conseguem com a venda de seus
produtos agrícolas.
Com relação aos assentamentos rurais, as relações campo-cidade tem se
caracterizado pelas mudanças que os assentados têm introduzido no campo e nos núcleos
urbanos dos pequenos municípios. A implantação dos assentamentos resultou no fracionamento de algumas grandes
propriedades rurais, levando ao surgimento de pequenos estabelecimentos, que passaram a
ter uma produção agropecuária diversificada, provocando a intensificação das relações
entre o campo e a cidade dos municípios em que estão inseridos.
Campo
Cidade
Consumo
Diversificação Comercial
Assentamentos
Aumento da
População rural
Produtos Industrializados
Servicos Bancários
Diversificação da Produção Agropecuária
Consumo de implemantos
Serviços públicos
Lazer
Implantação de Agroindústrias
Assistência Técnica
SOUZA, Sérgio P.; HESPANHOL, Rosangela A. M. Os efeitos do consumo dos assentados nas ... 812
Esses novos pequenos produtores ao aumentarem sua capacidade de consumo
influenciaram o comércio local, por meio da aquisição de produtos e da utilização de
serviços. Assim, incentivados pela demanda dos moradores dos assentamentos rurais, os
proprietários de estabelecimentos comerciantes e de prestação de serviços dos núcleos
urbanos tiveram que incrementar e diversificar as suas atividades.
Constata-se, dessa forma, que os assentamentos após serem implantados criam
uma rede de relações que extrapolam o espaço rural, demandando novos tipos de serviços
na cidade. Essas relações tendem a se tornarem cada vez mais constantes e dinâmicas na
medida em que a quantidade de assentados se amplia nos municípios. A princípio esta
relação não é tão intensa devido às dificuldades de deslocamento dos assentados até os
núcleos urbanos, porém, após a resolução desse problema, os deslocamentos tornam-se
mais intensos e freqüentes.
Muito mais do que significar uma dependência do campo pela cidade, estas
necessidades demonstram as especificidades que o campo e a cidade possuem e o nível de
complementaridade que deve haver entre essas duas realidades.
Constatou-se na pesquisa empírica que os assentados vão freqüentemente às cidades em
virtude da necessidade de realizarem algumas atividades, tais como: a compra de
mercadorias para o consumo da família; a venda de seus produtos agropecuários; a busca
por atendimento médico hospitalar; a ida ao sindicato; a participação em eventos religiosos
(cultos, celebrações, missas).
No entanto, embora uma ou outra razão seja, em alguns momentos, a motivação
principal para a ida até as cidades, as informações qualitativas indicam que existe, em geral,
uma associação entre as duas coisas: muitas vezes com o dinheiro obtido na venda dos
produtos agrícolas na cidade, os assentados já fazem as compras de produtos para
consumo doméstico antes do retorno ao assentamento.
Os assentados ao terem acesso ao crédito rural e se inserirem no mercado,
introduzindo maior oferta de produtos agropecuários, aumentam sua capacidade de
consumo com a renda obtida, passando a adquirir produtos diversos no comércio local,
como gêneros alimentícios industrializados, artigos para uso próprio (roupas, sapatos etc.) e
da casa (móveis e eletrodomésticos), além de produtos utilizados nas atividades
agropecuárias (medicamentos para o gado, sementes, adubos, venenos, peças para
tratores etc.).
A necessidade e o consumo destes produtos têm feito com que alguns
estabelecimentos comerciais dos municípios de Rosana, Euclides da Cunha Paulista e
Teodoro Sampaio tenham aumentado suas vendas, além de ter provocado o crescimento do
número de bares, lanchonetes, farmácias, lojas revendedoras de produtos agropecuários
etc.
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia – “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
813
No quadro 2 podemos perceber a evolução do número de assentamentos rurais e de
famílias assentadas que passaram a residir no campo em virtude da implantação dos
assentamentos nos municípios de Rosana, Euclides da Cunha Paulista e Teodoro Sampaio.
Quadro: 2 Ano de implantação de assentamentos rurais e número de famílias assentadas nos
municípios pesquisados Município Ano No de assentamentos Nº. famílias assentadas E. da Cunha Pta 1984 01 247 E. da Cunha Pta 1990 01 51 E. da Cunha Pta 1991 01 35 E. da Cunha Pta 1992 01 65 E. da Cunha Pta 1997 01 36 E. da Cunha Pta 1998 02 151 E. da Cunha Pta 2000 01 98 E. da Cunha Pta 2002 01 34 T. Sampaio 1988 01 121 T. Sampaio 1997 08 265 T. Sampaio 1998 04 19 T. Sampaio 1999 02 152 T. Sampaio 2000 01 25 T. Sampaio 2003 03 164 Rosana 1984 01 325 Rosana 1998 02 154 Rosana 2005 01 47
Fonte: ITESP – 2005 Org: Sergio Pereira de Souza
Estas famílias ao passarem a compor a população rural dessas localidades,
procuram estabelecer uma relação de interação entre seu local de moradia e os núcleos
urbanos mais próximos.
Analisando a evolução da população residente por situação de domicilio nos
municípios pesquisados no período de 1993 a 2005, observamos que ocorreu o crescimento
da população rural, conforme se pode constatar no Quadro 3.
Essas famílias foram compondo a população rural dessas localidades e,
progressivamente passaram a estabelecer uma relação de interação entre seu local de
moradia e os núcleos urbanos mais próximos.
Analisando a evolução da população rural nos municípios pesquisados no período de
1995 a 2005, observamos que ocorreu o crescimento dessa categoria, conforme se verifico
no quadro 3.
No município de Rosana a população rural em 1993 era de 16.194 e passou para
19.140 em 2005; em Euclides da Cunha Paulista de 3.328 habitantes residindo no campo,
em 2005 este número passou para 4.075 e em Teodoro Sampaio de 3.494 a população
rural passou para 3.762habitantes.
SOUZA, Sérgio P.; HESPANHOL, Rosangela A. M. Os efeitos do consumo dos assentados nas ... 814
Quadro 3 Evolução da população rural nos municípios pesquisados – 1993 a 2005
Ano Rosana* Euclides da Cunha Paulista* Teodoro Sampaio 1993 16.194 3.328 3.494 1994 16.426 3.395 3.582 1995 16.680 3.462 3.665 1996 16.922 3.528 3.748 1997 17.160 3.591 3.829 1998 17.431 3.655 3.910 1999 17.723 3.719 3.996 2000 18.003 3.780 4.079 2001 17.714 3.719 4.014 2002 17.430 3.660 3.949 2003 17.151 3.601 3.886 2004 16.876 3.543 3.823 2005 19.149 4.075 3.762
Fonte: SEADE, 2007 • Emancipados de Teodoro Sampaio em 1992.
A década de 1990 foi um período de muitos conflitos e ocupações de terra nesses
municípios resultando na criação de vários assentamentos e de famílias assentadas nestas
localidades, o que auxiliou no aumento da população rural, que por sua vez vai intensificar a
busca por produtos e serviços no comércio urbano, provocando um aumento no número de
estabelecimentos comerciais dos municípios pesquisados, conforme podemos verificar na
quadro 4.
Quadro 4
Evolução do número de estabelecimentos comerciais nos municípios pesquisados - 1995 a 2005
Ano Rosana Índice
Euclides da Cunha Pta Índice
Teodoro Sampaio Índice
1995 67 100 12 100
56 100
1996 74 110 13 108
63 112
1997 92 137 12 100
67 119
1998 101 150 13 108
77 137
1999 102 152 18 150
83 148
2000 111 165 15 125
80 142
2001 109 162 21 175
98 175
2002 108 161 26 216
90 160
2003 110 164 27 225
104 185
2004 115 172 27 225
122 217
2005 117 175 36 300
125 223
Fonte: SEADE, 2007 Org: Sérgio Pereira de Souza
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia – “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
815
Em 1995, o município de Rosana possuía 67 estabelecimentos comerciais e, em
2005, esse número passou para 117, representando um aumento de 75% no número total
destes. Em Euclides da Cunha Paulista, o número de estabelecimentos comerciais passou
de 12 em 1995 para 36, em 2005, aumentando em 200% o número total de
estabelecimentos. Em Teodoro Sampaio, o aumento do número de estabelecimentos
comerciais também foi expressivo, passando de 56 em 1995 para 125 em 2005,
representando um aumento de 123%.
Pelo quadro 4 podemos perceber que ocorreu o aumento do número de
estabelecimentos comerciais nos municípios pesquisados nos últimos anos da década de
1990 e nos primeiros cinco anos de 2000, período em que também houve a implantação dos
assentamentos rurais, conforme podemos verificar no quadro 4.
Esses três indicadores destacados (aumento do número de assentamentos rurais/ famílias
assentadas, crescimento da população rural e do número de estabelecimentos comerciais)
são indicadores que reforçam o estreitamento dos vínculos entre o espaço rural e os
núcleos urbanos.
EFEITOS DO CONSUMO DOS ASSENTADOS NO COMÉRCIO DOS NÚCLEOS URBANOS
Nas informações referentes aos hábitos de compra, buscou-se investigar qual é a
pauta de produtos adquiridos pelos assentados, ou seja, não se investigou a quantidade,
mas o quê e onde os assentados compram os produtos para seu consumo.
Após o desenvolvimento desta atividade realizaram-se a elaboração e a aplicação de
roteiros de entrevistas nos estabelecimentos comerciais dos núcleos urbanos dos
municípios selecionados, perfazendo um total de 138 entrevistas, sendo entrevistados: 35
comerciantes do município de Rosana (sendo 05 do núcleo urbano de Rosana e 30 em
Primavera); 53 do município de Euclides da Cunha Paulista; e, 50 do município de Teodoro
Sampaio.
Essa pesquisa de campo também foi realizada no núcleo de Primavera, localizada no
município de Rosana, que surgiu devido à construção das usinas hidrelétricas de Rosana,
no Rio Paraná e a de Primavera, no Rio Paranapanema, e que tem apresentado um fluxo
comercial maior que a da atual sede administrativa do município – Rosana - SP. Dos comerciantes entrevistados que consideram a população assentada como seus
potenciais clientes, estão 73% em Rosana, 80% no núcleo de Primavera, 75% em Euclides
da Cunha Paulista e 73% em Teodoro Sampaio (Gráfico 1).
Os dados do gráfico 1 confirmam que os assentados influenciam os pequenos
comerciantes já no momento de abertura do seu estabelecimento, pois estes os vêem como
potenciais clientes para sua loja, mercado, padaria, bar, farmácia etc.
SOUZA, Sérgio P.; HESPANHOL, Rosangela A. M. Os efeitos do consumo dos assentados nas ... 816
Entre os principais motivos apresentados pelos proprietários dos estabelecimentos
comerciais para pensarem nos assentados como seus potenciais clientes, podemos citar:
“Porque eles são muito importantes para os lucros do comércio” (L.B., 21 de set. 2005,
Teodoro Sampaio), “Porque eles movimentam a cidade” (A. L. G., 22 de set. 2005, Teodoro
Sampaio); “Com a vinda deles para a cidade, o comércio ganhou mais” (A. C. S., 01 set.
2005, Euclides da Cunha Paulista), “As pessoas assentadas são as que mais compram” (C.
I. P., 02 set. 2005 Euclides da Cunha Paulista), “São pessoas que dão mais lucros” (N. G. A
. 14 de set. 2005, Primavera); “Precisava vender” (C. R. S., 15 de set., 2005, Rosana).
Gráfico 1
Comerciantes que pensaram nos assentados como potenciais clientes (em %) - 2005 %
Fonte: Pesquisa de campo – 2005
Org: Sérgio Pereira de Souza
A possibilidade dos assentados terem uma renda mensal fixa obtida com a
comercialização dos seus produtos, como o leite e a mandioca, com o recebimento da
aposentadoria, com a realização de trabalho urbano ou em outro lote (diária), com
recebimento de crédito rural via PRONAF para investimento ou custeio da produção, entre
outras fontes de renda, gera expectativas favoráveis por parte dos comerciantes
entrevistados.
No caso dos estabelecimentos comerciais pesquisados nessas cidades, fica evidente
a participação dos assentados no processo de venda, pois 73% dos comerciantes
entrevistados em Rosana, 80% no distrito de Primavera, 100% em Euclides da Cunha
Paulista e 98% em Teodoro Sampaio responderam que possuem clientes que moram nos
assentamentos rurais (Gráfico 2).
Pelo gráfico 2 podemos perceber que em relação aos comerciantes pesquisados, os
das cidades de Rosana e Primavera são os que o possuem um menor número de clientes
dos assentamentos, embora estes sejam de 73% e 80%, respectivamente. Essa
constatação pode ser explicada, por um lado, pela pouca quantidade de assentamentos
implantados nessas localidades (2 assentamentos) e pelo fato de que, os núcleos urbanos
73% 80% 75% 73%
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia – “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
817
de Euclides da Cunha Paulista e Teodoro Sampaio apresentem uma diversidade maior de
estabelecimentos comerciais e prestadores de serviços.
O assentamento de onde provém o maior número de consumidores assentados,
segundo os comerciantes pesquisados, é o assentamento Gleba XV de Novembro (Gráfico
3). Isto pode ser explicado pelo fato da Gleba XV de Novembro possuir a maior quantidade
de famílias assentadas (571 famílias).
Gráfico 2
Comerciantes que possuem clientes nos assentamentos rurais (em %) – 2005 %
Fonte: Pesquisa de campo – 2005
Org: Sérgio Pereira de Souza
Os comerciantes entrevistados declararam que também possuem clientes
provenientes de outros assentamentos como o Água Sumida, Nova do Pontal, Santa Rita,
Santa Rosa, Rosanela, Porto Letícia etc.
Gráfico 3
Comerciantes que possuem clientes no assentamento Gleba XV de Novembro (em %) - 2005
%
0102030405060708090
100
Xv de Novembro
Rosana Primavera E. da Cunha Pta T. Sampaio
Fonte: Pesquisa de campo – 2005
Org: Sérgio Pereira de Souza
73% 80% 100% 98%
100% 90% 100% 34%
SOUZA, Sérgio P.; HESPANHOL, Rosangela A. M. Os efeitos do consumo dos assentados nas ... 818
Apesar da cidade de Teodoro Sampaio estar localizada a cerca de 80 Km de
distância do assentamento Gleba XV de Novembro, 34% dos responsáveis pelos lotes
pesquisados realizam suas compras nesta localidade. Um fator que colabora para que os
assentados da Gleba XV de Novembro comprem nos estabelecimentos comerciais situados
em Teodoro Sampaio diz respeito à presença de uma maior variedade de estabelecimentos
comerciais (lojas, supermercados etc.) e de prestadores de serviços, como agências
bancárias, auto-escolas, dentistas, médicos e oficinas que atraem a atenção das pessoas
residentes nesse assentamento.
Em entrevista realizada em dezembro de 2005, a gerente administrativa da
Associação Comercial de Teodoro Sampaio informou que “as freqüentes promoções que os
comerciantes dessa cidade realizam têm contribuído para atrair assentados de outros
municípios para o comércio desta cidade, pois oferecem preços mais baixos e condições de
pagamento facilitado”.
O presidente da Associação Comercial de Euclides da Cunha Paulista tem uma
opinião diferente da gerente administrativa da Associação Comercial de Teodoro Sampaio.
Segundo ele, “são pouco os assentados que compram em outros municípios. Os motivos
não são os preços baixos, mas a falta de informação do consumidor que acha que comprar
em outras cidades é mais barato. Existe muita propaganda que outros supermercados são
mais baratos e os assentados vão comprar em outras cidades. A Associação Comercial de
Euclides da Cunha Paulista não faz propaganda e não pensa em fazer, o marketing das
outras cidades não é verdadeiro e quando o assentado percebe isto, ele não volta mais para
lá”.
Ainda, segundo o presidente da Associação Comercial de Euclides da Cunha
Paulista, os comerciantes dessa cidade realizam apenas promoções de final de ano para
todos os clientes. Essa informação, todavia, não condiz com as afirmações dos
comerciantes entrevistados nas cidades de Rosana, Euclides da Cunha Paulista, Teodoro
Sampaio e Primavera. Tal fato fica evidente quando analisamos a quantidade de
comerciantes que realizam constantemente promoções para os assentados, conforme
demonstra o gráfico 4.
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia – “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
819
Gráfico 4 Comerciantes que realizam promoção para os assentados (em %) – 2005
%
Fonte: Pesquisa de campo – 2005
Org: Sérgio Pereira de Souza
Portanto, os comerciantes pesquisados nas cidades utilizam-se dessa estratégia
(promoções) para atrair os clientes provenientes dos assentamentos visando à aumentar
suas vendas e seus lucros.
Dentre os principais motivos para que os comerciantes realizem estas promoções,
podemos citar: “Para garantir a volta deles” (O. F. N., 21 set. 2005, Teodoro Sampaio); “É
um marketing da loja (chamar a atenção deles)” (R. C., 22 de set. 2005, Teodoro Sampaio);
“Necessitam mais” (R. L. R., 01 set. 2005, Euclides da Cunha Paulista); “Para ajudar porque
compram sempre” (A. S. F., 02 de set. 2005, Euclides da Cunha Paulista) “Para ter mais
oportunidade deles comprarem mais e melhorar nossas vendas” (A. A. U., 02 de set. 2005,
Euclides da Cunha Paulista); “Para facilitar para eles” (M. N., 14 de set. 2005, Primavera);
“São pessoas mais necessitadas e sem condições” (J. M., 15 de set. 2005, Rosana).
Os comerciantes pesquisados que não realizam promoções para os assentados são:
33% em Primavera, 26% em Euclides da Cunha Paulista e 26% na cidade de Teodoro
Sampaio.
Entre os principais motivos alegados pelos comerciantes que não realizam
promoções para os assentados estão: “Não pensei nesse assunto de fazer promoções” (V.
F. N., 21 de set. 2005, Teodoro Sampaio); “Os fregueses são todos iguais” (J. A. L., 22 de
set. 2005, Teodoro Sampaio); “Não faço diferença entre clientes dos assentamentos e da
cidade” (C. F. C., 01 de set. 2005, Euclides da Cunha Paulista); “Não, o fluxo é muito pouco”
(J. M. S. J., 14 de set 2005, Primavera).
As promoções destinadas aos assentados estão relacionadas à forma de pagamento
das compras, pois 60% dos comerciantes pesquisados em Rosana e 60% em Primavera
declararam que os assentados pagam suas compras à vista, o que contribui para que
obtenham descontos nas suas compras. Em Euclides da Cunha Paulista e Teodoro
100% 67% 74% 74%
SOUZA, Sérgio P.; HESPANHOL, Rosangela A. M. Os efeitos do consumo dos assentados nas ... 820
Sampaio, os assentados que realizam suas compras com pagamento à vista são de 23% e
44% (Gráfico 5).
A quantidade de assentados que utilizam as duas formas de pagamento (a prazo/ à
vista) é mais evidente nas cidades de Euclides da Cunha Paulista e Teodoro Sampaio. Ao
invés de fazerem uma dívida que leva vários meses para ser quitada, os assentados
preferem comprar em pequenas quantidades, mas de forma constante e à vista.
Com relação ao local de realização das compras pelos assentados, segundo os
comerciantes pesquisados, esses consumidores freqüentam os supermercados/mercados,
pois adquirem produtos relacionados à alimentação da família (óleo, macarrão, bolacha,
café, açúcar etc.); materiais de limpeza e higiene (sabonete, pasta dental, escovas etc.),
além de farmácias e lojas de confecções de roupas prontas.
Gráfico 5 Principais formas de pagamento das compras realizadas pelos assentados (em %) – 2005
%
Fonte: Pesquisa de campo – 2005
Org: Sérgio Pereira de Souza
O momento em que o comércio urbano recebe um grande número de assentados é
quando ocorre o pagamento pelo leite entregue no laticínio ou no recebimento da
aposentadoria, aumentando o fluxo de pessoas e mercadorias do campo para a cidade e
vice e versa.
No que diz respeito aos produtos “in natura” consumidos, os responsáveis pelos lotes
pesquisados declararam que os produtos mais adquiridos são o alho, a batata, o tomate e o
arroz. O consumo destes produtos demonstra que, no caso dos assentamentos Gleba XV
de Novembro e Vale Verde, estes não fazem parte da pauta produtiva dos assentados, o
que os leva a obter os mesmos no comércio das cidades próximas.
Acostumados a cultivar produtos agrícolas como o milho, a mandioca, o feijão e o
café, os assentados deixam de lado lavouras que não possuem para eles um valor
comercial interessante do ponto de vista econômico, fazendo com os mesmos tenham que
adquiri-las no comércio local.
60% 60% 23% 44% 40% 13% 36% 20% 27% 41% 36%
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia – “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
821
Portanto, mais do que demonstrar uma falta de aptidão dos assentados para a
produção desses produtos agrícolas e um baixo grau de auto-suficiência de produtos
alimentares básicos, estas informações demonstram que os assentados possuem ainda
uma cultura voltada para produção, também, de lavouras para a comercialização e não só
para sua subsistência.
Ainda no caso dos produtos de origem vegetal, verifica-se a importância dos
supermercados como local de abastecimento para os assentados em detrimento das feiras,
típicos equipamentos urbanos de abastecimento em cidades pequenas. Isto decorre muitas
vezes do pequeno volume produzido em termos de produtos hortifrutigranjeiros nos lotes,
fazendo com que muitos passem a comercializá-lo de forma direta para alguns fregueses.
Estas vendas são realizadas pelos próprios assentados percorrendo os vários bairros da
cidade, com suas mercadorias em carrinhos puxados por tração animal em que vendem
frutas, verduras, legumes e ovos.
Os assentados que realizam este tipo de comércio são aqueles que residem em
assentamentos localizados próximos das cidades e dispõem de algum meio de locomoção
para levar seus produtos para serem vendidos de porta em porta, como ocorre nos
assentamentos Santa Rosa e Porto Letícia, localizados em Euclides da Cunha Paulista.
Um outro aspecto decorrente do consumo da população assentada é o aumento da compra
de produtos eletroeletrônicos que é influenciada pela implantação nos assentamentos de
infra-estrutura como a rede de transmissão de energia elétrica. Com a rede de energia
elétrica, bens de consumo duráveis, como televisor, geladeira, máquina de lavar roupa,
liquidificador e ventilador passam a fazer parte do cotidiano das famílias assentadas.
Nos lotes pesquisados nos assentamentos Gleba XV de Novembro e Vale Verde,
constatou-se que 100% possuem energia elétrica.
O acesso à rede de energia elétrica e a possibilidade dos assentados poderem
comprar produtos eletroeletrônicos provocou mudanças nas vendas dos estabelecimentos
comerciais das cidades próximas dos assentamentos e aumentou os ganhos desses
comerciantes que antes vendiam apenas para uma pequena parcela da população urbana2.
Entre os principais tipos de estabelecimentos comerciais utilizados pelos assentados
para realizarem suas compras, segundo os assentados pesquisados na Gleba XV de
Novembro e Vale Verde, em termos de prioridade, estão: em primeiro lugar, os
supermercados; em segundo, as farmácias; em terceiro, as lojas de móveis; em quarto, os
estabelecimentos comerciais de venda de calçados e confecções; e, em quinto lugar, de
materiais de construção (Tabela 1).
2 A população urbana de Teodoro Sampaio era de 15.920 habitantes, em Rosana de 6.157 habitantes, e em Euclides da Cunha Paulista de 6.431habitantes no ano de 2000 (IBGE, 2000).
SOUZA, Sérgio P.; HESPANHOL, Rosangela A. M. Os efeitos do consumo dos assentados nas ... 822
Tabela 1 Principais locais de compra segundo os assentados pesquisados – por prioridade (em %) -
2005 Tipo Estabelecimento Comercial Gleba XV de Novembro Vale Verde
Mercado/Supermercado 93% 100% Farmácia 83% 77% Móveis 73% 92%
Calçados e confecções 66% 77% M. Construção 63% 69%
Fonte: Pesquisa de campo – 2005 Org: Sergio Pereira de Souza
Os locais de realização das compras dos entrevistados revelam um dado
interessante sobre a prioridade em termos dos gastos dos assentados. Num primeiro
momento, a preocupação central é garantir a alimentação familiar, portanto dos
responsáveis entrevistados 93% na Gleba XV de Novembro e 100% no assentamento Vale
Verde responderam que compram em mercados e supermercados, adquirindo arroz, feijão,
macarrão, óleo e sal.
Em segundo lugar, existe a preocupação com a saúde familiar, com a compra de
medicamentos. Nas entrevistas constatou-se que as despesas realizadas com a compra de
medicamentos pesam muito no orçamento familiar, o que pode estar relacionada ao
consumo de remédios para combater doenças crônicas como pressão alta e doenças
cardíacas.
Em terceiro lugar, aparece a compra de móveis e eletrodomésticos, demonstrando
uma melhoria na qualidade de vida dos responsáveis pelo lote entrevistados por meio da
aquisição de bens duráveis como geladeiras, televisores, rádios, fogões, cama, sofá e
antena parabólica.
Em quarto lugar, a compra de calçados e confecções em lojas populares reflete a
necessidade de aquisição desses produtos pelos entrevistados. (por que dessa baixa
aquisição de calçados e confecções?)
E, por fim, a compra de materiais de construção revela uma melhoria na qualidade
de vida dos entrevistados, que estão realizando pequenas reformas ou mesmo, em alguns
casos, construindo casa de alvenaria no lugar do antigo barraco de lona ou casa de
madeira, como constatado na pesquisa de campo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a pesquisa constatamos que os estabelecimentos comerciais estão se
beneficiando da possibilidade de consumo dos assentados. Os assentados, enquanto
consumidores, adquirem produtos diversos, tanto para o consumo próprio e de suas
residências como para as atividades agropecuárias realizadas no lote no comércio local das
cidades vizinhas ao assentamento. A busca dos assentados por mercadorias relacionadas à
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia – “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
823
sua vida familiar/pessoal (alimentação, vestuários e calçados, remédios e produtos de
higiene) e à produção agropecuária (sementes, adubos, máquinas e equipamentos
agrícolas), tem contribuído para produzir novas dinâmicas socioeconômicas nesses
municípios.
A necessidade por estes produtos fez com que alguns estabelecimentos comerciais
aumentassem suas vendas, ao mesmo tempo em que provocou o aumento do número de
bares, casas de produtos agropecuários, lanchonetes, farmácias etc. nos municípios
pesquisados.
A realização da pesquisa contribuiu para demonstrar que os assentamentos rurais se
tornaram um importante fator socioeconômico nos municípios de Rosana, Euclides da
Cunha Paulista e Teodoro Sampaio, influenciando diretamente no setor comercial localizado
nestes núcleos urbanos.
A partir desta constatação é possível inferir que a organização do espaço rural
alicerçada em pequenos estabelecimentos agropecuários, organizados pelo trabalho
familiar, pode influenciar diretamente no crescimento do comércio urbano, além de
dinamizar as relações campo-cidade.
REFERÊNCIAS ANTONIO, Armando Pereira. O Movimento Social e a Organização do Espaço Rural nos Assentamentos Populacionais Dirigidos pelo Estado: Os Exemplos na Alta Sorocabana no Período de 1960 a 1990. São Paulo - USP, 1990. (Tese de Doutoramento). CUNHA, Altivo R. A. Almeida. Perfil de compra de produtos básicos em assentamentos rurais: evidências empíricas. Belo Horizonte: UFMG/Cedeplar, 2003. 18p. (Texto para discussão; 188). LEAL, Gleison M. Impactos dos assentamentos rurais do município de Teodoro Sampaio – SP. Pres. Prudente: FCT/UNESP, 2003 (Dissertação de Mestrado).. LEITE, José Ferrari. A ocupação do Pontal do Paranapanema. São Paulo: Ed. Hucitec, 1988. LEITE, Sérgio Pereira. [ et al ]. Impactos dos assentamentos rurais: Um estudo sobre o meio rural brasileiro. Brasília: NEAD; São Paulo: Ed UNESP, 2004. RAMALHO, Cristiane Barbosa. Impactos dos assentamentos rurais no município de Mirante do Paranapanema – Região do Pontal do Paranapanema – SP. Pres. Prudente: FCT/UNESP, 2002 (Dissertação de Mestrado). SOUZA, Sergio Pereira. Os assentamentos rurais no contexto espacial e sócio-econômico do município de Euclides da Cunha Paulista. Pres. Prudente: FCT/UNESP, 1996 (Monografia de Bacharelado). SOUZA, Sergio Pereira. Os assentamentos rurais e as novas dinâmicas socioeconômicas: o caso dos municípios de Rosana, Euclides da Cunha Paulista e Teodoro Sampaio - SP. Pres. Prudente: FCT/UNESP, 2000 (Dissertação de Mestrado). SOUZA, Sérgio Pereira de. HESPANHOL, Rosangela Ap. de Medeiros. Assentamentos rurais e novas dinâmicas socioeconômicos: o caso dos municípios de Rosana,
SOUZA, Sérgio P.; HESPANHOL, Rosangela A. M. Os efeitos do consumo dos assentados nas ... 824
Euclides da Cunha Paulista e Teodoro Sampaio - SP. In anais do 12° Encontro de Geógrafo da América Latina – EGAL. Montevidéu Uruguai, 2009.
EXPERIÊNCIA DE DIVULGAÇÃO DE ESTUDOS DA LUTA PELA TERRA: O BOLETIM DATALUTA.
Tomás Sombini Druzian tomas_sombini@hotmail.com
Faculdade de Ciências e Tecnologia da Unesp Bolsa: Ciência na Unesp
INTRODUÇÃO
Em 2008, foi criado o Boletim DATALUTA com apoio do programa de divulgação
permanente do conhecimento científico, “Ciência na Unesp”. Através deste veículo mensal
de notícias, divulgamos os resultados de pesquisa do DATALUTA - Banco de Dados da Luta
pela Terra.
Nosso objetivo é apresentar o Boletim e seus resultados, tendo como argumento a
importância de divulgar dados sistematizados referentes à luta pela terra e à reforma
agrária. No Boletim divulgamos os dados do DATALUTA – Banco de Dados da Luta pela
Terra, onde sistematizamos dados de manifestações, assentamentos, ocupações,
movimentos socioterritoriais e estrutura fundiária.
Há inúmeras possibilidades de análises através desses dados, por exemplo, o
registro dos números de famílias envolvidas na luta camponesa e sua espacialização em
ocupações de terra, a quantificação de sua territorialização através do mapeamento da
implantação de assentamentos, além da constatação da atuação dos movimentos
socioterritoriais, qual o movimento de maior incidência no Brasil, em que estado estão mais
presentes, dentre outros. Ainda é possível fazer recortes desses dados, que são coletados e
cientificamente confrontados por ano e por unidade da federação brasileira.
A partir dessas discussões e debates sobre a questão agrária, o Boletim DATALUTA
foi criado. Neste contexto trabalhamos com o objetivo de difundir os estudos, observações e
conclusões provenientes do Banco de Dados da Luta pela Terra através de artigos que
dinamizam estas discussões dentro do meio acadêmico e jornalístico, e entre as
organizações e instituições ligadas às políticas de reforma agrária, ressaltando que este
trabalha também com a divulgação de eventos e publicações - todos relacionados à
temática agrária.
OBJETIVOS
Este resumo visa apresentar o Boletim DATALUTA, mostrando como este tem se
expandido, tanto no campo científico quanto acerca da população, tendo em vista, além
disso, sua repercussão na mídia.
DRUZIAN, Tomás S. Experiência de divulgação de estudos da lupa pela terra: O boletim DATALUTA 826
METODOLOGIA
As informações contidas no boletim são organizadas em quatro partes:
• Artigo DATALUTA;
• Artigo do Mês;
• Eventos;
• Publicação.
O Artigo DATALUTA – consiste de textos produzidos pelos bolsistas da graduação e
pós-graduação e contém informações do principal projeto desenvolvido no NERA, o
DATALUTA. Os autores procuram apresentar análises sobre cada categoria do banco de
dados.
O Artigo do Mês – são textos críticos e analíticos sobre a questão agrária, elaborado
por pesquisadores de universidades e centros de pesquisa do Brasil e de outros países.
Eventos – São anunciados a cada mês alguns eventos referentes às ciências
humanas de caráter nacional e internacional. Destacamos alguns eventos importantes para
a geografia e que envolvem a temática agrária.
Publicação – São publicações desenvolvidas e organizadas por diversos
pesquisadores e grupos de pesquisa sempre ligados a temática agrária.
RESULTADOS
O boletim é produzido mensalmente desde janeiro de 2008 em formato digital.
Direcionado ao público acadêmico, jornalístico e as instituições ligadas aos estudos e
atividades vinculados a questão agrária brasileira, sua publicação consegue divulgar o
trabalho do NERA. Os boletins dos meses de maio e junho de 2008, que divulgaram
matérias sobre a luta pela terra entre 1988-2007, o de março de 2009, que divulgou o atlas
da questão agrária do Brasil, e o de maio de 2009, divulgando os principais movimentos
socioterritoriais e os 6 mais atuantes no país, destacando a CPT, que aparece hoje como o
terceiro movimento socioterritorial com maior número de ocupações no Brasil, e quarto com
o maior número de famílias em ocupações, atingiram o maior reconhecimento para os
estudos do NERA, sendo que este último chamou a atenção da CAPADR (Comissão de
Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural) comprovando que o objetivo
do boletim, de aproximar os estudiosos da questão agrária e ampliar o debate de seus
temas e atualizá-los, está sendo alcançado. A pesquisa do DATALUTA foi alvo de discussão
em artigos publicados nos seguintes meios de comunicação: A Folha de S. Paulo, O Estado
Anais da X Semana de Geografia e V Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia – “A Geografia em Presidente Prudente: 50 anos em movimento”
827
de S, Paulo, Correio Brasiliense, Tribuna da Imprensa, Veja, Istoé É, Carta Capital, entre
outros.
Foram incluídos na lista de endereços de recebimento, pesquisadores e interessados
na temática das áreas de geografia, história, sociologia, economia, filosofia, e grupos de
pesquisa, cadastrados no CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico que trabalham estudos agrários. Ainda foram anexados à lista de endereços
representantes de imprensa, mídia alternativa e grande mídia. Contamos com
aproximadamente 2000 contatos, sendo que atualizações periódicas na busca e na inserção
de contatos são feitas de acordo com novas indicações, requisições e outros levantamentos.
De fato, o boletim foi criado para ser um veículo de “divulgação da ciência”,
procurando valorizar o trabalho dos docentes e pesquisadores do NERA.
CONCLUSÃO
O boletim é essencialmente uma extensão do projeto DATALUTA, em termos de
divulgação de dados e produção de artigos, propiciando um maior debate do que se é
produzido sobre a questão agrária e luta pela terra no Brasil, o artigo DATALUTA e o artigo
do mês intensificam essa proposta. A participação da imprensa e de acadêmicos assume
um papel de fundamental importância na troca, no acompanhamento e desenvolvimento do
conhecimento cientifico. Já podemos observar bons resultados nesta experiência de
divulgação, que já conta com 19 meses de publicação do boletim. Críticas positivas também
são direcionadas ao conteúdo do boletim, motivando a continuação do projeto e a melhoria
na qualidade da produção do mesmo. Todos os números do Boletim estão disponíveis em:
www.fct.unesp.br/nera/boletim.php
Recommended