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Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 1.024.169 - RS (2008/0012694-7)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHIRECORRENTE : M DA G L F ADVOGADO : FERNANDO CORRÊA HENRIQUES RECORRIDO : P S F ADVOGADO : RICARDO EHRENSPERGER RAMOS
EMENTA
Direito civil. Família. Recurso especial. Divórcio direto. Embargos de declaração. Multa prevista no art. 538, parágrafo único, do CPC, afastada. Partilha de bens. Crédito resultante de execução. Ausência de interesse recursal. Eventuais créditos decorrentes de indenização por danos materiais e morais proposta por um dos cônjuges em face de terceiro. Incomunicabilidade. Créditos trabalhistas. Comunicabilidade. Fixação dos alimentos. Razoabilidade na fixação. Comprovação da necessidade de quem os pleiteia e da possibilidade de quem os presta. - A multa imposta à recorrente em face da interposição de embargos de declaração deve ser afastada, porquanto neste aspecto destoou o acórdão impugnado do quanto vem decidindo esta Corte, que possibilita, para fins de prequestionamento, o manejo dos embargos declaratórios, que, em tais hipóteses, não apresentam intuito protelatório.- Quanto à partilha do crédito resultante da execução, da qual consta registro de penhora sobre imóvel em favor do recorrido, carece a recorrente de interesse recursal, porquanto ficou decidido que fará ela jus à meação da importância dali advinda, destacando-se que os fatos e provas do processo são tomados, na via especial, conforme delineados no acórdão impugnado, de modo que a discussão acerca da ocorrência ou não de adjudicação do imóvel, tal como deduzida pela recorrente, nesta via não pode ser tratada, quando do acórdão consta expressamente que “ausente prova de que o bem tenha sido adjudicado pela parte credora”.- No que concerne aos créditos decorrentes de ação de reparação civil movida pelo ex-cônjuge em face de terceiro, considerando que não há, no acórdão impugnado, qualquer elucidação a respeito do que teria gerado a pretensão reparatória fazendo apenas alusão a “eventuais valores provenientes de ações de dano moral e patrimonial” (fl. 389), deve ser mantida a incomunicabilidade de possíveis valores advindos do julgamento da referida ação, porque, conforme declarado no acórdão recorrido, os prováveis danos sofridos unicamente pelo ex-cônjuge revestem-se de caráter “personalíssimo”.- Segue mantido, portanto, o acórdão impugnado, quanto à incomunicabilidade de créditos oriundos de ação de reparação civil ajuizada pelo recorrido, porque expressamente declarado pelo TJ/RS que se cuida de dano de “cunho personalíssimo” (fl. 389).- Ressalve-se, apenas como esclarecimento “a latere”, eventual condenação de pagamento de lucros cessantes e de danos que hipoteticamente teriam o condão de atingir o patrimônio comum, circunstâncias em que haveria resultado de acréscimo patrimonial ao casal ou mera reposição do patrimônio existente à época do dano.
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- O ser humano vive da retribuição pecuniária que aufere com o seu trabalho. Não é diferente quando ele contrai matrimônio, hipótese em que marido e mulher retiram de seus proventos o necessário para seu sustento, contribuindo, proporcionalmente, para a manutenção da entidade familiar.- Se é do labor de cada cônjuge, casado sob o regime da comunhão parcial de bens, que invariavelmente advêm os recursos necessários à aquisição e conservação do patrimônio comum, ainda que em determinados momentos, na constância do casamento, apenas um dos consortes desenvolva atividade remunerada, a colaboração e o esforço comum são presumidos, servindo, o regime matrimonial de bens, de lastro para a manutenção da família.- Em consideração à disparidade de proventos entre marido e mulher, comum a muitas famílias, ou, ainda, frente à opção do casal no sentido de que um deles permaneça em casa cuidando dos filhos, muito embora seja facultado a cada cônjuge guardar, como particulares, os proventos do seu trabalho pessoal, na forma do art. 1.659, inc. VI, do CC/02, deve-se entender que, uma vez recebida a contraprestação do labor de cada um, ela se comunica. - Amplia-se, dessa forma, o conceito de participação na economia familiar, para que não sejam cometidas distorções que favoreçam, em frontal desproporção, aquele cônjuge que mantém em aplicação financeira sua remuneração, em detrimento daquele que se vê obrigado a satisfazer as necessidades inerentes ao casamento, tais como aquelas decorrentes da manutenção da habitação comum, da educação dos filhos ou da conservação dos bens. - Desse modo, se um dos consortes suporta carga maior de contas, enquanto o outro apenas trata de acumular suas reservas pessoais, advindas da remuneração a que faz jus pelo seu trabalho, deve haver um equilíbrio para que, no momento da dissolução da sociedade conjugal, não sejam consagradas e referendadas pelo Poder Judiciário as distorções surgidas e perpetradas ao longo da união conjugal.- A tônica sob a qual se erige o regime matrimonial da comunhão parcial de bens, de que entram no patrimônio do casal os acréscimos advindos da vida em comum, por constituírem frutos da estreita colaboração que se estabelece entre marido e mulher, encontra sua essência definida no art. 1.660, incs. IV e V, do CC/02.- A interpretação harmônica dos arts. 1.659, inc. VI, e 1.660, inc. V, do CC/02, permite concluir que, os valores obtidos por qualquer um dos cônjuges, a título de retribuição pelo trabalho que desenvolvem, integram o patrimônio do casal tão logo percebidos. Isto é, tratando-se de percepção de salário, este ingressa mensalmente no patrimônio comum, prestigiando-se, dessa forma, o esforço comum.- “É difícil precisar o momento exato em que os valores deixam de ser proventos do trabalho e passam a ser bens comuns, volatizados para atender às necessidades do lar conjugal.”- Por tudo isso, o entendimento que melhor se coaduna com a essência do regime da comunhão parcial de bens, no que se refere aos direitos trabalhistas perseguidos por um dos cônjuges em ação judicial, é aquele que estabelece sua comunicabilidade, desde o momento em que pleiteados. Assim o é porque o “fato gerador” de tais créditos ocorre no momento em que se dá o desrespeito, pelo empregador, aos direitos do empregado, fazendo surgir uma pretensão resistida.
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- Sob esse contexto, se os acréscimos laborais tivessem sido pagos à época em que nascidos os respectivos direitos, não haveria dúvida acerca da sua comunicação entre os cônjuges, não se justificando tratamento desigual apenas por uma questão temporal imposta pelos trâmites legais a que está sujeito um processo perante o Poder Judiciário. - Para que o ganho salarial insira-se no monte-partível é necessário, portanto, que o cônjuge tenha exercido determinada atividade laborativa e adquirido direito de retribuição pelo trabalho desenvolvido, na constância do casamento. Se um dos cônjuges efetivamente a exerceu e, pleiteando os direitos dela decorrentes, não lhe foram reconhecidas as vantagens daí advindas, tendo que buscar a via judicial, a sentença que as reconhece é declaratória, fazendo retroagir, seus efeitos, à época em que proposta a ação. O direito, por conseguinte, já lhe pertencia, ou seja, já havia ingressado na esfera de seu patrimônio, e, portanto, integrado os bens comuns do casal.- Consequentemente, ao cônjuge que durante a constância do casamento arcou com o ônus da defasagem salarial de seu consorte, o que presumivelmente demandou-lhe maior colaboração no sustento da família, não se pode negar o direito à partilha das verbas trabalhistas nascidas e pleiteadas na constância do casamento, ainda que percebidas após a ruptura da vida conjugal.- No que se refere aos alimentos arbitrados em favor da recorrente, ao analisar a prova e definir como ocorreram os fatos, que se tornam imutáveis nesta sede especial, constou do acórdão a conclusão, pautada no binômio necessidades da alimentanda e possibilidades do alimentante, bem como esquadrinhando residual capacidade para o trabalho da recorrente, que o percentual de 25% sobre os proventos auferidos pelo recorrido junto ao INSS coaduna-se com a realidade social vivenciada pelas partes, de modo que não merece reparo, nesse aspecto, o julgado.Recurso especial parcialmente provido.
ACÓRDÃOVistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da
TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti e Paulo Furtado votaram com a Sra. Ministra Relatora. Impedido o Sr. Ministro Vasco Della Giustina.
Brasília (DF), 13 de abril de 2010(Data do Julgamento).
MINISTRA NANCY ANDRIGHI, Relatora
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RECURSO ESPECIAL Nº 1.024.169 - RS (2008/0012694-7)
RECORRENTE : M DA G L F ADVOGADO : FERNANDO CORRÊA HENRIQUES RECORRIDO : P S F ADVOGADO : RICARDO EHRENSPERGER RAMOS Relatora: MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RELATÓRIO
Cuida-se do recurso especial interposto por M. da G. L. F., com
fundamento nas alíneas “a” e “c” da norma autorizadora, contra acórdão proferido
pelo TJ/RS.
Ação (inicial às fls. 2/9): de divórcio direto ajuizada pela recorrente
em face de P. S. F., com base na separação de fato do casal, por período superior a
2 (dois) anos.
Sustenta a autora que o casamento, celebrado sob o regime da
comunhão parcial de bens, em 12/7/1978, perdurou até abril de 2002. Pugna pela
decretação do divórcio, bem como pela fixação de alimentos em seu favor, no
percentual de 30% dos rendimentos líquidos do réu, além da partilha dos bens que
formam o patrimônio do casal.
Audiência de conciliação (fl. 32): em que fixados alimentos
provisórios aos filhos do casal, F. L. F., nascida em 15/7/1980, e G. L. F., nascido
em 3/11/1983, no equivalente ao valor oriundo de locativos de imóvel do casal.
Contestação (fls. 43/48): a despeito de concordar com a decretação
do divórcio, aduz o réu, em contraposição ao quanto alegado pela ex-mulher, que
“se mostra descabida a fixação de alimentos provisionais em favor da autora, a
serem pagos pelo demandado, uma vez que ela é economicamente ativa, os filhos
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já estão recebendo alimentos provisórios que garantem o seu sustento, e os
débitos contraídos pelo casal durante o casamento têm sido pagos todos pelo
demandado” (fl. 46). Quanto ao patrimônio construído pelo casal, sustenta que
“deve ser partilhado considerando-se as dívidas contraídas e já pagas
exclusivamente pelo demandado, uma vez que originadas de negócio que
constituía o sustento da família, a padaria” (fl. 47).
Impugnação à contestação: às fls. 100/105.
Audiência (fl. 192): em que apresentada, pelo divorciando, proposta
de acordo quanto à partilha de bens, tendo sido concedido às partes prazo de 30
(trinta) dias para buscarem a composição da lide.
Manifestação da divorcianda (fls. 195/197): noticia a inviabilidade
de composição e arrola os bens que devem ser objeto da partilha, entre eles
créditos oriundos de ação de indenização por danos patrimoniais e morais, bem
como os decorrentes de reclamatória trabalhista, ambos os processos em que
figura como autor apenas o ex-cônjuge.
Manifestação do divorciando (fls. 222/223): pugna pela não
inclusão, para fins de partilha, dos créditos trabalhistas.
Decisão interlocutória (fl. 224): deferiu o pedido para que os
créditos trabalhistas não se incluam na partilha.
Agravo retido (fls. 228/232): interposto pela recorrente, ao
argumento de que “o processo trabalhista teve início na data de 17.01.1996,
enquanto que a sociedade conjugal só foi rompida no decorrer do ano de 2002, Documento: 961581 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 28/04/2010 Página 5 de 21
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ou seja: se a verba trabalhista houvesse sido paga à época da rescisão
contratual, no ano de 1995/1996, inexistiriam dúvidas sobre o direito da
agravante quanto à meação da mencionada verba” (fl. 230).
Parecer do MP/RS (fls. 248/253 e 287): oficiou, o Parquet , pela
parcial procedência do pedido, para fins de que seja decretado o divórcio,
fixando-se os alimentos no percentual de 25% sobre os rendimentos auferidos
pelo recorrido junto ao INSS. Quanto à partilha dos bens, opinou para que seja o
patrimônio amealhado pelas partes dividido de forma equânime, à exclusão dos
créditos trabalhistas, com a devida compensação dos saldos relativos aos débitos
da padaria.
Sentença: julgou procedente o pedido, para o fim de decretar o
divórcio de P. S. F. e de M. da G. L. F., declarando dissolvida a sociedade
conjugal e o vínculo matrimonial. Quanto aos alimentos a serem prestados aos
filhos, julgou improcedente o pedido, ao argumento de que a mãe não tem
legitimidade para pleiteá-los em nome dos descendentes, maiores de idade quando
da propositura da ação. Os alimentos à recorrente, por sua vez, foram fixados no
percentual de 25% de benefício previdenciário auferido pelo recorrido junto ao
INSS. No tocante à partilha, foi determinada a divisão de forma igualitária para
cada cônjuge, dos bens arrolados pela recorrente, “assim como as dívidas da
pessoa jurídica, após serem apuradas em liquidação de sentença, com a exclusão
dos créditos trabalhistas” (fl. 298) e daqueles oriundos de ação de indenização
por danos morais e materiais, compensando-se, ainda, os valores pagos pelo
recorrido a título de IPTU dos imóveis que compõem o acervo patrimonial. Por
fim, ficou estabelecido, quanto ao imóvel descrito à fl. 207, por não figurar como
propriedade do casal, havendo apenas um registro de penhora em favor do
recorrido, que a partilha deverá ocorrer sobre o crédito resultante da execução de Documento: 961581 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 28/04/2010 Página 6 de 21
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sentença nº 1197691668, porquanto ausente prova de que o bem tenha sido
adjudicado pela parte credora.
Acórdão (fls. 386/391): em contrariedade ao parecer emitido às fls.
363/378 pela Procuradoria de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que opinou
pelo não provimento do agravo retido e parcial provimento do apelo interposto
pela recorrente, bem como do recurso adesivo do recorrido, o TJ/RS negou
provimento ao agravo retido e à apelação interpostos pela recorrente e não
conheceu do recurso adesivo, mantendo, por consequência, incólume a sentença,
conforme os seguintes fundamentos extraídos da ementa do julgado:
(fl. 387) – “FAMÍLIA. PROCESSUAL CIVIL. DIVÓRCIO DIRETO. PARTILHA DE BENS E PENSIONAMENTO À EX-CÔNJUGE. RECURSO ADESIVO, AUSÊNCIA DE PREPARO. DESCUMPRIMENTO DA REGRA DO ART. 511 DO CPC. BENEFÍCIO DA AJG. PEDIDO FORMULADO EM RAZÕES RECURSAIS SEM COMPROVAÇÃO DA NECESSIDADE. ALIMENTOS EM PROL DA VIRAGO, MAIOR EXTENSÃO DESCABIDA. CRÉDITOS TRABALHISTAS E VERBAS INDENIZATÓRIAS, INCOMUNICABILIDADE. NÃO-INTEGRAÇÃO AO PATRIMÔNIO COMUM (CC/02, art. 1.659, VI, e CC/16, arts. 263, XIII, e 271, VI). NATUREZA PERSONALÍSSIMA, NÃO COMPORTANDO DIVISÃO. PARTILHA DE IMÓVEL PERTENCENTE A TERCEIRO, IMPOSSIBILIDADE. EMPRESA COMERCIAL PERTENCENTE AO CASAL, DIVISÃO DO ATIVO E DO PASSIVO. VERBA HONORÁRIA INALTERADA.”
Embargos de declaração: interpostos pela recorrente, às fls.
396/401, foram rejeitados, em acórdão proferido às fls. 403/405-v, com aplicação
da multa de 1% sobre o valor da causa, prevista no art. 538, parágrafo único, do
CPC.
Recurso especial (fls. 412/420): interposto sob alegação de ofensa
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aos arts. 458, inc. II, 515, caput , 535, inc. II, 537, 538, parágrafo único, do CPC;
1.658, 1.660, inc. V, 1.694, § 1º, do CC/02; 271, inc. VI, e 396, § 1º, do CC/16;
além de dissídio jurisprudencial, por entender, a recorrente, que faz juz à meação
dos créditos trabalhistas, daqueles decorrentes de ação de reparação civil, bem
como dos oriundos de execução cuja penhora ocorreu em favor do recorrido. Por
fim, pugna para que a pensão alimentícia seja fixada com base não só na
aposentadoria do ex-cônjuge, como também nas demais fontes de receita por ele
auferidas.
Contrarrazões: apresentadas às fls. 427/431.
Prévio juízo de admissibilidade recursal: às fls. 433/434-v.
Parecer do MPF (fls. 444/454): o Parquet apresentou parecer da
lavra do i. Subprocurador-Geral da República, Maurício de Paula Cardoso,
opinando pelo parcial provimento do recurso especial.
É o relatório.
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RECURSO ESPECIAL Nº 1.024.169 - RS (2008/0012694-7) RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHIRECORRENTE : M DA G L F ADVOGADO : FERNANDO CORRÊA HENRIQUES RECORRIDO : P S F ADVOGADO : RICARDO EHRENSPERGER RAMOS
VOTOA EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):
A lide desdobra-se em duas temáticas principais, inseridas no bojo de
ação de divórcio direto:
1ª - A comunicabilidade ou não, entre ex-cônjuges casados sob o
regime de comunhão parcial de bens, de créditos oriundos de: (i) reclamatória
trabalhista; (ii) ação de indenização por danos materiais e morais; (iii) execução
de sentença, com penhora sobre imóvel em favor do ex-marido, sem notícia de
adjudicação do bem.
2ª - A viabilidade ou não de serem majorados os alimentos fixados
em favor da recorrente, no percentual de 25% sobre benefício previdenciário
auferido pelo recorrido junto ao INSS.
I. Considerações iniciais – delineamento fático e de fundamentos.
Inicialmente, cumpre reproduzir, do acórdão impugnado e da
sentença, mantida na sua íntegra, excertos em que se elucida o contexto fático
constante do processo, bem como a fundamentação utilizada na origem, no
tocante à partilha e aos alimentos:
Acórdão quanto à partilha:
(fls. 389/390) – “(...) segundo se infere dos autos, o casamento civil das partes ocorreu em 12-07-1978, sob o regime da comunhão parcial (fl. 11), enquanto a separação de fato se deu em janeiro/2003, assim se presumindo, a partir das declarações das partes.
Assim, à evidência, entram na comunhão somente os Documento: 961581 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 28/04/2010 Página 9 de 21
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bens adquiridos na vigência do casamento, e que, no caso, restaram perfeitamente delineados na ilustrada sentença, nenhum reparo merecendo.
Com efeito, tangente aos créditos decorrentes de reclamatória trabalhista, assim como os provenientes de ações de dano moral e patrimonial, insta considerar que não comportam qualquer divisão.
A questão não é pacífica, mas me filio ao entendimento de que a indenização trabalhista quer havida, ou não, durante a relação conjugal, constitui fruto civil do trabalho, na definição do CC/16, ou provento do trabalho pessoal, conforme o CC/02, com conteúdo indenizatório.
Portanto, nessa linha de entendimento, a indenização trabalhista, assim como eventuais valores provenientes de ações de dano moral e patrimonial ajuizadas somente por uma das partes, efetivamente não integram o patrimônio comum, porquanto de cunho personalíssimo (...).
Do mesmo modo, descabe à autora/apelante reivindicar a inclusão do imóvel de fl. 207, uma vez se tratar de bem pertencente a terceiro, não sendo de propriedade do casal.
Segundo se depreende dos autos, apenas consta da matrícula um registro de penhora em prol do varão, motivo pelo qual correta a solução apregoada no decisum, determinando apenas a partilha do crédito resultante da execução, ausente prova de que o bem tenha sido adjudicado pela parte credora.”
Sentença quanto à partilha:
(fl. 294) – “(...) o que resta a partilhar, não sendo objeto de divergência entre as partes, são os bens arrolados às fls. 195/197, as dívidas da pessoa jurídica, a ser apurada em liquidação de sentença, com a exclusão dos créditos trabalhistas.”
Acórdão quanto aos alimentos:
(fl. 390-v) – “Relativamente aos alimentos, sabe-se que o quantum é informado pelo chamado binômio alimentar (ou trinômio, para alguns), consubstanciado nos fatores que formam as necessidades/possibilidades. E esse balizamento deve ser levado em conta também em caso de revisão (redução/majoração) ou exoneração, sobrevindo mudança na situação financeira de quem supre ou de quem recebe os alimentos, como o diz o Código Civil
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(CC, arts. 1.694, § 1º e 1.699).Da análise das provas, porém, denota-se que a
divorcianda é técnica em confeitaria e possui formação em secretariado, tendo abandonado o emprego somente por ocasião do nascimento da primeira filha.
Retornou ao mercado de trabalho em maio/1996, quando começou a trabalhar na padaria da família, lá permanecendo até outubro/2002 (fl. 15), sendo que presentemente vive da renda obtida com a locação de boxes de estacionamento e com a venda de doces e salgados, sendo os filhos maiores e capazes.
Assim, ainda que a realidade da divorcianda seja diversa da do requerido, conforme precisamente pontuou a magistrada, fato é que ela, de certa forma, se encontra inserida no mercado de trabalho.
Nessa senda, tenho que o valor do pensionamento foi estabelecido em patamar razoável (25% do benefício previdenciário percebido pelo varão), não ensejando qualquer readequação. Até porque a beneficiária sequer informa os ganhos auferidos ou, ainda, a existência de despesas extraordinárias, capazes de comportar uma maior extensão.”
Sentença quanto aos alimentos:
(fls. 296/297) – “(...) a realidade da autora é diversa da do requerido que, ao menos, assegurou-se, contribuindo para o INSS e percebendo benefício previdenciário. A autora, por sua vez, não recebe qualquer benefício, sustentando-se através da venda de doces e salgados, o que não deve lhe render uma quantia fixa e suficiente para seu sustento. Tanto a remuneração da autora é precária que, mesmo após a separação fática, o requerido afirma que continuou arcando com as despesas da casa e dos filhos, o que fez por mais de dois anos, conforme documentos de fls. 60/68; 70, 72/86; 107/110.
Ademais, a afirmação da autora de que parou de trabalhar quando nasceu F(...), é verídica, conforme se pode notar na sua Carteira de Trabalho, fl. 15. Exerceu atividade laborativa no período de 1974/1981, sendo que a filha nasceu em 1980 e o filho em 1983, presumindo-se que, a partir daí, sua dedicação fora exclusiva ao lar e aos filhos. Em maio de 1996, começou a trabalhar na padaria da família, até, porque, os filhos já estavam crescidos, F(...) com 16 anos e G(...) com 13. Desta feita, a requerente tem experiência no mercado de trabalho, mas não se pode negar o fato
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de que, após o encerramento das atividades da família (outubro de 2002), com idade já avançada, 51 anos, vem trabalhando da forma que pode e com os conhecimentos que tem, fazendo doces e salgados em casa e vendendo para fora.
Diante disso, não tem renda suficiente para arcar, sozinha, com sua subsistência, necessitando de complementação a ser arcada pelo divorciando.
No pertinente a renda auferida pelo requerido, diante das despesas da casa e dos filhos que continuou custeando após a separação fática, bem como suas próprias despesas pessoais, posto que fora do lar familiar, não é verossímil a alegação de que apenas receba benefício previdenciário. Ademais, por óbvio, o requerido exerce alguma atividade vinculada ao Shopping das Fábricas, caso contrário, não estaria ocupando o veículo demonstrado à fl. 271.
Assim, a arrecadação do requerido, não condiz com seu padrão de vida, ou melhor, com as despesas que vem suportando após a separação fática.
Desta feita, razoável o pagamento de alimentos à autora no montante de 25% a ser descontado sobre seu benefício previdenciário.”
II. Da ausência de omissões no julgado e do afastamento da multa
(arts. 458, inc. II, 515, caput , 535, inc. II, 537, 538, parágrafo único, do CPC).
Alega a recorrente que o acórdão foi omisso no que se refere aos
seguintes tópicos:
i) quanto aos alimentos, “não foi considerada a indicação de que o
recorrido auferia, além dos proventos da aposentadoria, remuneração mensal de
R$ 2.000,00 pelo exercício da gerência de Shopping, e foi aplicada a suposição,
sem indicar provas ou situações, de que a recorrente exercia atividade
remunerada” (fl. 413);
ii) no tocante à partilha de bens, “foram excluídos os direitos pelas
ações pendentes e o imóvel apesar da carta de adjudicação expedida na vigência
da sociedade conjugal” (fl. 414).
Não padece de omissões o acórdão impugnado, do qual consta
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análise e conclusão fundamentada, concernente às alegações da recorrente.
Decidir em desacordo com a tese defendida pela parte não consiste em omissão no
julgado.
Ausentes, pois, as aludidas violações aos arts. 458, inc. II, 515, caput ,
535, inc. II, 537, do CPC.
Todavia, a multa imposta à recorrente em face da interposição de
embargos de declaração deve ser afastada, porquanto neste aspecto destoou o
acórdão impugnado do quanto vem decidindo esta Corte, que possibilita, para fins
de prequestionamento, o manejo dos embargos declaratórios, que, em tais
hipóteses, não apresentam intuito protelatório.
Nesse particular, o acórdão impugnado deve ser reformado,
porquanto violou o art. 538, parágrafo único, do CPC.
III. Da partilha de bens entre cônjuges casados sob o regime da
comunhão parcial (arts. 1.658, 1.660, inc. V, do CC/02; 271, inc. VI, do
CC/16; e dissídio jurisprudencial).
Presente o devido prequestionamento da matéria jurídica contida nos
arts. 1.658, 1.660, inc. V, do CC/02, e 271, inc. VI, do CC/16, bem como
demonstrado o dissídio jurisprudencial a respeito da comunicabilidade das verbas
trabalhistas, por meio do REsp 646.529/SP, DJ de 22/8/2005, passa-se à discussão
do mérito deste recurso especial, com a correspectiva aplicação do direito à
espécie.
III. a) Da ausência de interesse recursal quanto à partilha de
crédito resultante de execução.
Quanto à partilha do crédito resultante da execução, da qual consta
registro de penhora sobre imóvel em favor do recorrido, carece a recorrente de
interesse recursal, porquanto ficou decidido que fará ela jus à meação da
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importância dali advinda, destacando-se que os fatos e provas do processo são
tomados, na via especial, conforme delineados no acórdão impugnado, de modo
que a discussão acerca da ocorrência ou não de adjudicação do imóvel, tal como
deduzida pela recorrente, aqui não pode ser tratada, quando o TJ/RS
expressamente assinalou que “ausente prova de que o bem tenha sido adjudicado
pela parte credora” (fl. 390).
III. b) Da incomunicabilidade de créditos oriundos de ação de
reparação civil.
Muito embora tenha o TJ/RS considerado a matéria referente a
créditos trabalhistas e aqueles oriundos de reparação civil sob a mesma
perspectiva, sustentando entendimento no sentido de que eventuais valores
provenientes das respectivas ações não integrariam o patrimônio comum do casal,
por ostentarem cunho personalíssimo, impende fazer a devida distinção entre as
mencionadas verbas, tratando de cada uma em tópicos diversos.
Dessa forma, quanto aos créditos decorrentes de ação de reparação
civil movida pelo recorrido em face de terceiro, considerando que não há, no
acórdão impugnado, qualquer elucidação a respeito do que teria gerado a
pretensão reparatória fazendo apenas alusão a “eventuais valores provenientes de
ações de dano moral e patrimonial” (fl. 389), deve ser mantida a
incomunicabilidade de possíveis valores advindos do julgamento da referida ação,
porque, conforme declarado no acórdão recorrido, os danos sofridos unicamente
pelo ex-cônjuge revestem-se de caráter “personalíssimo” .
Em julgamento similar ao presente, a 4ª Turma já decidiu que “na
dissolução da união estável, a partilha de bens refere-se ao patrimônio comum
formado pelo casal, não se computando indenizações percebidas a título
personalíssimo por quaisquer dos ex-companheiros, tal qual a recebida em razão
de acidentes de trabalho, pois certo que a reparação deve ser feita àquele que
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sofreu o dano e que carrega consigo a deficiência adquirida” (REsp 848.998/RS,
Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 10/11/2008).
Fica mantido, portanto, o acórdão impugnado, quanto à
incomunicabilidade de créditos oriundos de ação de reparação civil ajuizada pelo
recorrido, porque expressamente declarado pelo TJ/RS que se cuida de dano de
“cunho personalíssimo” (fl. 389).
Ressalve-se, apenas a título de esclarecimento a latere , eventual
condenação de pagamento de lucros cessantes e de danos que hipoteticamente
teriam o condão de atingir o patrimônio comum, circunstâncias em que haveria
resultado de acréscimo patrimonial ao casal ou mera reposição do patrimônio
existente à época do dano.
III. b) Da comunicabilidade dos créditos trabalhistas.
O ser humano vive da retribuição pecuniária que aufere com o seu
trabalho. Não é diferente quando ele contrai matrimônio, hipótese em que marido
e mulher retiram de seus proventos o necessário para seu sustento, contribuindo,
proporcionalmente, para a manutenção da entidade familiar.
Se é do labor de cada cônjuge, casado sob o regime da comunhão
parcial de bens, que invariavelmente advêm os recursos necessários à aquisição e
conservação do patrimônio comum, ainda que em determinados momentos, na
constância do casamento, apenas um dos consortes desenvolva atividade
remunerada, a colaboração e o esforço comum são presumidos, servindo, o regime
matrimonial de bens, de lastro para a manutenção da família.
Como estímulo à economia doméstica, os valores vertidos ao casal,
no decorrer das núpcias, seja pelo esforço conjunto, seja pela divisão das tarefas,
ou ainda, pela redistribuição das obrigações pecuniárias da família, integram o
patrimônio comum, como forma de equilíbrio das relações conjugais
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econômico-financeiras.
Em consideração à disparidade de proventos entre marido e mulher,
comum a muitas famílias, ou, ainda, frente à opção do casal no sentido de que um
deles permaneça em casa cuidando dos filhos, muito embora seja facultado a cada
cônjuge guardar, como particulares, os proventos do seu trabalho pessoal, na
forma do art. 1.659, inc. VI, do CC/02, deve-se entender que, uma vez recebida a
contraprestação do labor de cada um, ela se comunica.
Amplia-se, dessa forma, o conceito de participação na economia
familiar, para que não sejam cometidas distorções que favoreçam, em frontal
desproporção, aquele cônjuge que mantém em aplicação financeira sua
remuneração, em detrimento daquele que se vê obrigado a satisfazer as
necessidades inerentes ao casamento, tais como aquelas decorrentes da
manutenção da habitação comum, da educação dos filhos ou da conservação dos
bens.
Desse modo, se um dos consortes suporta carga maior de contas,
enquanto o outro apenas trata de acumular suas reservas pessoais, advindas da
remuneração a que faz jus pelo seu trabalho, deve haver um equilíbrio para que,
no momento da dissolução da sociedade conjugal, não sejam consagradas e
referendadas pelo Poder Judiciário as distorções surgidas e perpetradas ao longo
da união conjugal.
A tônica sob a qual se erige o regime matrimonial da comunhão
parcial de bens, de que entram no patrimônio do casal os acréscimos advindos da
vida em comum, por constituírem frutos da estreita colaboração que se estabelece
entre marido e mulher, encontra sua essência definida no art. 1.660, incs. IV e V,
do CC/02.
A interpretação harmônica dos arts. 1.659, inc. VI, e 1.660, inc. V, do
CC/02, permite concluir que, os valores obtidos por qualquer um dos cônjuges, a
título de retribuição pelo trabalho que desenvolvem, integram o patrimônio do Documento: 961581 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 28/04/2010 Página 1 6 de 21
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casal, tão logo percebidos. Isto é, tratando-se de percepção de salário, este
ingressa mensalmente no patrimônio comum, prestigiando-se, dessa forma, o
esforço comum.
Arnoldo Wald (in Direito Civil – Direito de Família , V. 5, 17 ed. ref.
por Priscila M. P. Corrêa da Fonseca, São Paulo: Saraiva, 2009, p. 395), ao
discorrer sobre o assunto, estabelece o seguinte:
“Quanto aos frutos do trabalho e salários em geral, não obstante a lei os considere particulares do cônjuge (art. 1.659, VI e VII), o certo é que, a partir do momento em que esses bens ingressam no mundo financeiro e patrimonial, perdem sua característica inicial, transformando-se em bens comunicáveis.”
Sílvio de Salvo Venosa (in Direito Civil – Direito de Família , V. 6, 7
ed., São Paulo: Atlas, 2007, p. 316), ao analisar a questão, assere que “é difícil
precisar o momento exato em que os valores deixam de ser proventos do trabalho
e passam a ser bens comuns, volatizados para atender às necessidades do lar
conjugal.”
Por tudo isso, o entendimento que melhor se coaduna com a essência
do regime da comunhão parcial de bens, no que se refere aos direitos trabalhistas
perseguidos por um dos cônjuges em ação judicial, é aquele que estabelece sua
comunicabilidade, desde o momento em que pleiteados. Assim o é porque o “fato
gerador” de tais créditos ocorre no momento em que se dá o desrespeito, pelo
empregador, aos direitos do empregado, fazendo surgir uma pretensão resistida.
Sob esse contexto, se os acréscimos laborais tivessem sido pagos à
época em que nascidos os respectivos direitos, não haveria dúvida acerca da sua
comunicação entre os cônjuges, não se justificando tratamento desigual apenas
por uma questão temporal imposta pelos trâmites legais a que está sujeito um
processo perante o Poder Judiciário.
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Para que o ganho salarial insira-se no monte-partível é necessário,
portanto, que o cônjuge tenha exercido determinada atividade laborativa e
adquirido direito de retribuição pelo trabalho desenvolvido, na constância do
casamento. Se um dos cônjuges efetivamente a exerceu e, pleiteando os direitos
dela decorrentes, não lhe foram reconhecidas as vantagens daí advindas, tendo
que buscar a via judicial, a sentença que as reconhece é declaratória, fazendo
retroagir, seus efeitos, à época em que proposta a ação. O direito, por conseguinte,
já lhe pertencia, ou seja, já havia ingressado na esfera de seu patrimônio, e,
portanto, integrado os bens comuns do casal.
Consequentemente, à mulher que durante a constância do casamento
arcou com o ônus da defasagem salarial do marido, o que presumivelmente
demandou-lhe maior colaboração no sustento da família, não se pode negar o
direito à partilha das verbas trabalhistas nascidas e pleiteadas na constância do
casamento, ainda que percebidas após a ruptura da vida conjugal.
Por fim, cumpre trazer à colação a jurisprudência do STJ,
representada pelo acórdão alçado a paradigma, o REsp 646.529/SP, de minha
relatoria, DJ de 22/8/2005, o qual estabelece que “ao cônjuge casado pelo regime
de comunhão parcial de bens é devida à meação das verbas trabalhistas
pleiteadas judicialmente durante a constância do casamento” . Em sintonia, o
REsp 810.708/RS, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito (in memorian ), DJ
de 2/4/2007.
IV. Dos alimentos (arts. 1.694, § 1º, do CC/02; 396, § 1º, do
CC/16).
No que comporta ao arbitramento dos alimentos, abre-se a via do
debate, ante o devido prequestionamento do art. 1.694, § 1º, do CC/02,
ressaltando-se, antecipadamente, que a matéria prescinde de qualquer
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revolvimento do substrato fático do processo, este circunscrito ao que se extrai do
acórdão recorrido, que definiu as variáveis contidas no binômio: necessidades da
credora e possibilidades do devedor de alimentos.
Já foi definido por esta Terceira Turma, por ocasião do julgamento do
REsp 933.355/SP, de minha relatoria, DJ de 11/4/2008, que, no contexto geral da
normalidade social, o abuso na fixação de alimentos deve ser coibido, de modo
que a condição social prevista no art. 1.694, caput , do CC/02, não seja parâmetro
considerado isoladamente, mas em indeclinável harmonia com os vetores da
necessidade do credor e da possibilidade do devedor, em compatibilidade com a
capacidade para o trabalho e consequente manutenção do próprio sustento de
quem recebe os alimentos.
Note-se que ao se tratar do assunto em termos gerais, conclui-se que,
na grande maioria dos casos, a dissolução do casamento ou união estável implica
em acentuada queda do nível social do casal, em cujas situações a conservação do
padrão de vida ou condição social afigura-se inalcançável, o que poderia
representar um fator de estímulo à manutenção de privilégios de uma das partes
em detrimento da outra.
Por isso, a condição social deve ser analisada à luz de padrões
amplos, emergindo, mediante inevitável correlação com a divisão social em
classes, critério que, conquanto impreciso, seja capaz de apontar ao julgador o
rumo que deverá seguir, a partir dos valores e das particularidades de cada
processo, reconhecendo ou não a necessidade dos alimentos pleiteados e, se for o
caso, arbitrá-los.
Ao analisar a prova e definir como ocorreram os fatos, que se tornam
imutáveis nesta sede especial, o TJ/RS concluiu, sopesando o binômio
necessidades da alimentanda e possibilidades do alimentante, bem como
esquadrinhando residual capacidade para o trabalho da recorrente, que o
percentual de 25% sobre os proventos auferidos pelo recorrido junto ao INSS Documento: 961581 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 28/04/2010 Página 1 9 de 21
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coaduna-se com a realidade social vivenciada pelas partes, de modo que não
merece reparo, nesse aspecto, o julgado.
Assinale-se, todavia que, sendo os referidos elementos variáveis com
o passar dos tempos, a revisão é permitida a qualquer tempo, desde que
evidenciada a mudança na capacidade econômica das partes.
Forte em tais razões, CONHEÇO do recurso especial para LHE DAR
PARCIAL PROVIMENTO, afastando, por conseguinte, a aplicação da multa
prevista no art. 538, parágrafo único, do CPC, e declarando que os créditos
oriundos de reclamatória trabalhista deverão integrar a partilha dos bens do casal,
em proporção de igualdade.
Mantida a sucumbência tal como fixada na sentença.
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CERTIDÃO DE JULGAMENTOTERCEIRA TURMA
Número Registro: 2008/0012694-7 REsp 1024169 / RS
Números Origem: 10506031806 119229392 70019800739 70021618475
PAUTA: 09/03/2010 JULGADO: 13/04/2010SEGREDO DE JUSTIÇA
RelatoraExma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI
Ministro ImpedidoExmo. Sr. Ministro : VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR
CONVOCADO DO TJ/RS)
Presidente da SessãoExmo. Sr. Ministro MASSAMI UYEDA
Subprocurador-Geral da RepúblicaExmo. Sr. Dr. FRANCISCO DIAS TEIXEIRA
SecretáriaBela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : M DA G L FADVOGADO : FERNANDO CORRÊA HENRIQUESRECORRIDO : P S FADVOGADO : RICARDO EHRENSPERGER RAMOS
ASSUNTO: Civil - Família - Divórcio - Partilha de Bens
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Turma, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti e Paulo Furtado (Desembargador convocado do TJ/BA) votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Impedido o Sr. Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS).
Brasília, 13 de abril de 2010
MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHASecretária
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