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EDINAR CERQUEIRA
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CONDENADA A SER LIVRE
As condições prisionais da mulher em
Teixeira, na Bahia e no Brasil
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EDINAR CERQUEIRA
CONDENADA A SER LIVRE
As condições prisionais da mulher em
Teixeira, na Bahia e no Brasil
1ª EDIÇÃO: 2016
SÃO PAULO
CONDENADA A SER LIVRE
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COPYRIGHT©2016 EDINAR PEREIRA CERQUEIRA ALVES
CAPA: Jota Franco Francisco Lima
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
(CIP)
__________________________________________
A 474 ALVES, Edinar Pereira Cerqueira, 1979– Condenada a ser livre / Edinar Pereira Cerqueira Alves. São Paulo: PerSe, 2016. 85p. ISBN 978-85-464-0212-0 1. Ciências Sociais. 2. Questão prisional feminina. I. ALVES, Edinar Pereira Cerqueira Alves. II. Título
CDD: 365.66
__________________________________________
Catalogação na publicação
PS AUTOPUBLICAÇÃO E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS LTDA
Rua Turiassu, 390 - Conj 86 - Perdizes - São Paulo -
CEP: 05005-000 - CNPJ: 11.053.820/0001-68
Contato: perse@perse.com.br
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INTRODUÇÃO
sistema penitenciário e seus conflitos têm sua origem em diversos fatores que perpassam a falta de ressocialização dos
apenados, uma vez que, a partir da demonstração da realidade dos encarcerados no Brasil, a situação social do país se apresenta de modo difícil, sendo que a maior parte da população padece da falta de recursos econômicos e de assistência por parte do Estado. Isso traz como consequência uma diminuição das condições materiais dos indivíduos, levando-os à miserabilidade e à prática de crimes. Embora isso não seja uma regra, trata-se de um círculo vicioso que tem início na infância do indivíduo. Mas não é justo afirmar que a maioria da população, desprovida de recursos financeiros, pende para o mundo do crime. Por outro lado, a quase totalidade dos criminosos tem origem nas camadas sociais mais baixas.
Em sua maioria, os criminosos se sentem poderosos com seus crimes, não se intimidando com a possibilidade da prisão, nem mesmo da pena. São pessoas que não desenvolveram o espírito de coletividade social, precisando de uma readequação, e isso somente será possível com atitudes decisivas do Estado, visando sua adaptação a um sistema societário, ao qual eles jamais pertenceram. Mas essa mudança, infelizmente, ainda é imaginada, posto que nossos estabelecimentos de cumprimento da pena estejam
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amontoados de pessoas que vivem sem a menor decência.
A realidade prisional é lamentável, sendo exorbitante o número de pessoas amontoadas nos presídios e cadeias públicas, em que cumprem pena, explicitando o descompasso entre a realidade prática e a utopia legal. Uma verdadeira antítese entre a realidade e os anseios legais juridicamente tutelados, pois, muitas das vezes, vemos a utilização de cadeias servindo para o cumprimento de pena, quando legalmente isso não é permitido.
São seres humanos obrigados a viver de maneira desumana em cubículos. O que demonstra o desrespeito a qualquer direito que lhes é garantido por lei.
Diante das leituras efetuadas e das discussões acerca do tema, percebe-se que as mulheres presas, em sua maioria, são jovens oriundas das camadas sociais mais pobres, já marginalizadas socialmente, filhas de famílias desestruturadas que não tiveram e não têm acesso à educação e, muitas, nem à formação profissional. Quando chegam a ter esse acesso educacional, é da forma mais dificultosa e tardia, comparada com outros segmentos da sociedade.
Dados do Departamento Penitenciário Nacional mostram que o número de mulheres encarceradas cresce significativamente no país. Em quase dez anos, mais de 300%. As mulheres que se encontram nas penitenciárias brasileiras, bem como no CPTF, estão, na sua maioria, presas por causa do envolvimento com o tráfico de drogas. Elas argumentam que é no tráfico de drogas que encontram a forma mais rápida de ganhar dinheiro e, assim, oferecer o essencial a seus filhos. A maioria ainda destaca que traficou por influência de seus maridos ou parceiros traficantes.
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Diante desses problemas, realizamos este estudo sobre essa problemática, a partir do qual pretendemos compreender algumas particularidades das mulheres encarceradas no Conjunto Penal de Teixeira de Freitas, e do estabelecimento penal que as abriga, enquanto permanecem presas, além de proceder à análise da mulher egressa da sociedade local.
A mulher presa não só tem deveres a cumprir, mas são sujeitos de direitos que devem ser reconhecidos e amparados pelo Estado. O recluso não está fora do direito, pois se encontra numa relação jurídica em face do Estado e, exceto os direitos perdidos e limitados a sua condenação, sua condição jurídica é igual à das pessoas não condenadas. São direitos e deveres que derivam da sentença do condenado e estão relacionados com a postura da administração penitenciária.
A reinserção social é abrangente em função de uma gama de fatores e influências, sendo o sistema carcerário apresentado como uma instituição de controle social, para regulamentar a sociedade civil, impondo limites e estabelecendo barreiras ao comportamento coletivo e individual.
Argumentaremos, através deste trabalho, que o melhor caminho para a reinserção social e para a desenvoltura profissional está na educação, pois a maioria delas não teve a oportunidade de estudar antes de entrar para o mundo do crime, daí a relevância social e profissional deste estudo.
Trata-se de uma pesquisa com abordagem qualitativa, a qual, segundo Minayo, (1993, p.62, “[...] é o recorte teórico que diz respeito à abrangência, em termos empíricos, que corresponde ao objeto da investigação”. Além de Minayo, para fundamentar todo o processo de construção de conhecimento
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sistematizado, buscaremos alicerce teórico na Constituição Federal de 1988, que prevê, expressamente, a responsabilidade do Estado perante todos os cidadãos, garantindo-lhes direitos e deveres necessários e basilares, abrangendo também a população prisional.
A abordagem quantitativa também será de base de apoio da pesquisa, em que Queiroz (1988) coloca a história de vida no quadro amplo da história oral, que também inclui depoimentos, entrevistas, biografias, autobiografias. Considera que toda história de vida encerra um conjunto de depoimentos e, embora tenha sido o pesquisador a escolher o tema, a formular as questões ou a esboçar um roteiro temático, é o narrador que decide o que narrar. Nós vemos na história de vida uma ferramenta valiosa, por se colocar no ponto no qual se cruzam vida individual e contexto social. Não esquecendo o estudo bibliográfico que abordará as questões jurídico-sociais acerca do tema e, de maneira sucinta, a criminalidade em nosso país e a participação da mulher nesse índice.
Este projeto, portanto, objetiva perceber as condições prisionais das mulheres no Conjunto Penal de Teixeira de Freitas, bem como as possibilidades de sua reinserção social.
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PREFÁCIO
onra-me sobremaneira prefaciar o livro
“Condenada a ser livre” da minha festejada
amiga, pedagoga e socióloga de maior
nobreza educacional Edinar Pereira Cerqueira Alves. É
com emoção e alegria que introduzo os leitores neste
belo documento que registra as condições prisionais da
mulher no Brasil em algumas palavras que me foram
solicitadas para prefaciar e orelhar este livro que
nasceu à luz do retrato da vida no sistema prisional
feminino brasileiro.
Faço-o na atitude de aprendente, pouco comum a
prefaciador. Crítico, menos ainda. Não tenho o saber
ou a vocação. Mas sou leitor contumaz, de muitos anos
e muitos prazeres, no sabor da palavra certa. Talvez
isso me credencie estar aqui. Quem prefacia tem
geralmente a posição de quem apresenta ou até
introduz, apoiado em sua suposta capacidade e
competência, em seu conhecimento e renome. É
sempre a postura de quem pode julgar a obra que está
prefaciando e avalizá-la para o público a quem se
destina. Um prefácio é um costume antigo que se torna
a legitimação ou a validação da autoridade.
Desta vez, no entanto, este prefaciador se põe na
situação de quem tem o privilégio da prioridade da
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leitura para anunciar a alegria do aprendido, do
encontrado, do descoberto pela minha querida amiga e
solenizada educadora Edinar Cerqueira, que nos
apresenta um passeio pelas observações da mente.
Trata-se de um livro de impressões dos sentidos e
sensações da emoção que acumulei no mergulho que fiz
nestas páginas a que deverei voltar para muitas
expurgações e imersões, como quem volta a uma
cachoeira para desfrutar de todas as suas quedas.
A primeira sensação é a superação do discurso
comum cheio de características na busca de uma
construção coletiva de um projeto social de
conhecimento que humaniza porção invisível da
sociedade, sem vitimizá-la. Livro resultado da sua linha
de pesquisa que resultou na sua dissertação acadêmica
que lhe valeu o grau de licenciada em sociologia pela
Universidade do Estado da Bahia (UNEB), em que tive
o prazer de assistir à sua defesa pública na condição de
expectador.
Edinar Cerqueira tira da invisibilidade mais de
20 mil das 610 mil pessoas que, segundo o Ministério
da Justiça, compõem a população prisional brasileira.
Suas visitas às instituições carcerárias renderam ao
leitor histórias sobre solidão, abandono, celas
insalubres, torturas psicológicas, refeições intragáveis,
gravidez no cárcere e tantos outros dramas vividos por
presas anônimas e famosas. A obra traz à luz uma
realidade das mulheres presas que se envolveram no
crime para fugir da violência doméstica, da obrigação
de traficar ou para escapar do abuso sexual.
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O trabalho da socióloga Edinar Cerqueira visa a
destrinchar, localizar e contextualizar o tema neste
livro “Condenada a ser livre”. Foi conveniente que o
fizesse à luz das teorias e conceitos de análise do
discurso discutidos com enfoque no trabalho de Michel
Foucault e de Dominique Maingueneau. O começo da
pesquisa realizada por Edinar Cerqueira para este
trabalho foi uma coleção de silêncios. Ela decidiu
dedicar quatro anos a buscas, visitas a penitenciárias e
entrevistas com presidiárias, a fim de relatar quem
eram elas e como viviam, demonstrando os pontos em
que se assemelhavam e em que se diferenciavam dos
presidiários.
É interessante ressaltar, do ponto de vista da
análise do discurso, que a leitura de “Condenada a ser
livre” evidencia o uso, pela socióloga Edinar Cerqueira,
da mesma maneira que tem de incorporar tons,
expressões e elementos linguísticos próprios das
personagens que estão a interpretar. Ela recorre a
variações, vocábulos, construções e até mesmo a
opiniões, juízos de valor e pontos de vista que
descrevem, o mais fielmente possível, a experiência de
ser e estar com presidiárias. O texto, dessa forma –
além de se realizar plenamente enquanto livro-
reportagem –, revela uma autora que transita ora pela
face da escritora, ora pela da história em si – suas
personagens, sua geografia, seu contexto como um
todo.
É possível analisar o empreendimento de Edinar
Cerqueira – a tentativa de humanizar as presidiárias,
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bem como ressaltar suas particularidades em relação
aos homens – por meio da identificação, no livro, de
formações discursivas remetentes ao feminino. A
socióloga escreve em fragmentos, de modo a “não
forçar suas próprias relações de causa e efeito”, no
entanto, a disposição das histórias não é
completamente aleatória. O texto se divide em “blocos
temáticos”, dos quais se destacam dois: um relacionado
à privação de liberdade e outro, ao amor nas condições
das mulheres.
Este livro – enquanto meio pelo qual se
manifesta a condição feminina dentro das cadeias –
deixa de se inscrever apenas no campo dos discursos
sobre a prisão e dialoga com todas essas formações. As
contribuições do livro não se restringem a explicar o
funcionamento do cárcere no Brasil, mas expandem-se
rumo ao interdiscurso, à desconstrução e à
investigação das mulheres brasileiras, cuja identidade e
cujas vivências – em benefício de um discurso
antagônico, machista – vêm historicamente sendo
marginalizadas.
Nesta obra o sistema penitenciário e seus
conflitos têm sua origem em diversos fatores que
perpassam a falta de socialização da sociedade e de
ressocialização dos apenados, uma vez que, a partir da
demonstração da realidade dos encarcerados no Brasil,
a situação social do país se apresenta de modo
abstruso, sendo que a maior parte da população padece
da falta de recursos econômicos e de assistência por
parte do Estado.
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O livro de Edinar Cerqueira nos faz refletir sobre
as condições insalubres das instalações prisionais. Para
a autora, o pior aspecto do encarceramento é o
abandono. Enquanto a mulher é educada para ser fiel
ao homem, independentemente das adversidades, o
homem não fica ao lado da mulher que dá problemas.
Então os primeiros a abandonarem as presas são seus
parceiros – analisa a socióloga.
Na ficção mostra criminosas envolvidas em
assassinatos, tráfico internacional, máfia, exploração
infantil e outros crimes bárbaros. Enquanto isso, no
mundo real, apenas 6% das presas brasileiras
cometeram crimes contra outras pessoas. Mais de 80%
delas foram presas por crimes para “complementar
renda”. Em geral, são mulheres com filhos que não
conseguem sustentar suas crianças com o salário que
ganham e, por isso, buscam crimes que funcionam
como complemento de renda, que a autora chama de
“baixo clero do tráfico”. Elas coletam o dinheiro e
entregam droga. A guerra contra as drogas castiga as
mulheres de forma mais severa que os homens.
Este livro da socióloga Edinar Cerqueira chega
para somar na tarefa pedagógica e nos pressupostos
sociais da recomposição da unidade sociológica e da
integração epistemológica do homem e do
conhecimento. Ele traz para o leitor a visão
panorâmica das teorias, sem descuidar da apresentação
das abordagens metodológicas e do uso e emprego de
instrumentos técnicos. Salta aos olhos a importância
do pensamento da complexidade na elaboração desta
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obra. Talvez seja este o fio condutor que unirá a
vontade, a força, a energia, o ensino e o progresso, à
luz da educação. É um conteúdo livre que veio para
promover a revelação da política prisional feminina
substantivada. Quando eu o li, soube imediatamente
que ele seria usado abundantemente por inúmeros
públicos, com um texto claro, real e útil a ciência penal
e educacional. Lê-lo me tornou melhor e também
acredito que fará uma grande diferença na
compreensão do leitor.
Athylla Borborema é escritor e jornalista
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO, 05 PREFÁCIO, 09
SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E SUA
RELAÇÃO SOCIAL, 17 APRECIAÇÕES GERAIS DO SISTEMA
PRISIONAL, 19
BREVE HISTÓRICO DO SISTEMA PRISIONAL
BRASILEIRO, 23
GÊNERO E PRIVAÇÃO DE LIBERDADE: AS CONDIÇÕES PRISIONAIS
DA MULHER, 31
SISTEMA PRISIONAL NO CONJUNTO PENAL DE TEIXEIRA DE FREITAS: CONDIÇÕES DAS
MULHERES PRESAS, 47
CONSIDERAÇÕES FINAIS, 76
REFERÊNCIAS, 78
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