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TEOLOGIA E O CONTEXTO ATUAL (MODERNIDADE/PÓS-MODERNIDADE
INTRODUÇÃO A TEOLOGIA
O objetivo desta disciplina (Introdução à Teologia) é apresentar uma visão geral da
teologia, bem como fornecer as regras mínimas necessárias para que o cristão leigo
possa adentrar nos vários componentes do saber teológico e ter melhores condições de
“dar as razões da sua fé a todo aquele que o pedir”, (Cf. I Pd 3, 15ss) como exortava São
Pedro, no início do cristianismo.
Todo saber tem seus mistérios. O saber teológico, por sua natureza, está de modo
particular envolto num véu de mistério, pois trata do conhecimento de Deus: o mistério
dos mistérios.
No passado foi bem mais fácil fazer teologia, principalmente no período medieval,
onde o pensamento cristão era predominante em quase todo o Ocidente.
E HOJE, SERÁ QUE VALE A PENA FAZER TEOLOGIA?
A teologia, hoje vive numa situação paradoxal. Ela se mostra como uma grande
árvore, agitada por uma forte tempestade, que por um lado ameaça arrancá-la pela raiz,
mas por outro, abre-lhe nova possibilidade de se tornar ainda maior, produzir muitos
frutos e espalhar suas sementes, se conseguir aprofundar suas raízes, missão confiada de
modo particular aos teólogos. Vale lembrar que os maiores avanços da Igreja,
aconteceram quando ela se sentiu desafiada ou ameaçada, como por exemplo, a
evangelização dos pagãos e o combate às heresias.
Esta forte tempestade é o mundo contemporâneo, que se encontra num processo de
passagem da modernidade para a pós-modernidade.
A modernidade é marcada basicamente por uma confiança muito grande no poder
da razão, da ciência e da transformação do mundo por meio dos grandes sistemas
políticos, econômicos e sociais, como o capitalismo e o socialismo. É também
caracterizada, por uma mentalidade pragmática, (que considera todas as coisas do ponto
de vista prático-utilitário) e secularizada, (que só aceita os fatos que se dão no mundo,
desconsiderando a fé e as crenças).
Tomando como base os conceitos do pragmatismo e do secularismo, chegamos à
conclusão que a teologia não serve para nada. Pragmaticamente falando o engenheiro
constrói casas, o médico salva vidas, o policial dá segurança... e o teólogo faz o que?
2
Secularmente falando, as coisas fora deste mundo não importam. Se a realização está
aqui, para que serve a teologia?
Por outro lado, percebemos que o mundo moderno também está em crise,
principalmente depois da frustração com as grandes utopias socialista e capitalista, que
não conseguiram cumprir o que prometeram (dar vida digna à todos os homens); da
desconfiança nas “luzes da razão” com o desfecho das duas grandes guerras mundiais e
principalmente o holocausto; da perda da fé absoluta na ciência, depois das explosões
atômicas em Hiroshima e Nagasaki.
Estes episódios trágicos deixaram atrás de si um grande vazio existencial, dando
origem ao que chamamos de pós-modernidade, que em grande parte se mostra como
contestação e descrença na modernidade e é caracterizada pelo sentimentalismo (onde o
prazer prevalece sobre o ser e o dever), individualismo (o individual prevalece sobre o
coletivo) e consumismo (o ser medido pelo ter), o relativismo (não existem valores
absolutos e universais), subjetivismo (cada pessoa estabelece por si os valores morais).
A estes grandes acontecimentos históricos, somam-se a dura realidade do cotidiano
como: o aumento da violência, a desigualdade social, a crise econômica mundial, os
problemas ambientais, a desintegração familiar entre outros.
Por conta desta situação inquietante, percebemos que as grandes questões
existenciais do homem (Quem sou? De onde vim? Para onde vou? Porque o mal? O que
existirá depois desta vida?), voltam com toda força, fato este constatado por um
crescimento jamais visto na produção literária sobre temas religiosos.
No entanto esta busca pelo sagrado acontece de uma forma plural, (em muitas
religiões) e em grande parte de maneira sincrética (utilizando ao mesmo tempo
elementos de várias religiões), como vemos de maneira mais clara no Movimento da
“Nova Era”.
Olhando sob este ponto de vista, percebemos que vale a pena e é necessário fazer
teologia hoje, pois, sem um conhecimento mais profundo da doutrina católica,
ficaremos como folhas levadas pelo vento, neste emaranhado de religiões,
denominações, filosofias e ciências que se multiplicam a cada dia.
O Papa João Paulo II, por meio da encíclica Fides et Ratio, mostrou-nos o caminho
para fazer uma verdadeira experiência religiosa, que é através da harmonização entre a
fé e a razão, que segundo afirma: “A fé e a razão constituem como que as duas asas
3
pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade”1. Ainda nesta
encíclica o papa nos exorta atualizar a linguagem e os métodos, para que a fé cristã se
torne comunicável a todos.
No entanto, a simples atualização da linguagem e dos métodos serão estéreis, se
faltar o testemunho de vida cristã, como afirmava o Papa Paulo VI: “O homem
contemporâneo escuta de melhor vontade as testemunhas do que os mestres. E escuta
os mestres, porque eles são testemunhas”. (E.N. 41)
Vale a pena lembrar, que o 5º Celam, este grande acontecimento teológico, ocorrido
próximo a nós, em Aparecida, que orienta toda a ação da Igreja na América Latina,
coloca a “experiência pessoal com Jesus”, como fundamento para o êxito de toda e
qualquer ação pastoral, como vemos: “Trata-se de confirmar, renovar e revitalizar a
novidade do Evangelho (...), a partir de um encontro pessoal e comunitário com Jesus
Cristo, que desperte discípulos missionários.”2.
ALGUMAS PALAVRAS SOBRE A TEOLOGIA E OS LEIGOS
Antes do Concílio Vaticano II (1962-1965) fazer teologia e até mesmo o simples
acesso às Sagradas Escrituras, no meio católico, era restrito ao clero e aos teólogos, de
modo que a maioria das pessoas limitava-se a um conhecimento superficial da doutrina.
A partir deste concílio, aumentou cada vez mais o espaço para o trabalho pastoral
do leigo na Igreja e consequentemente o interesse e a necessidade de aprofundar o
conhecimento, ultrapassando o ensino da catequese básica, visto que a sociedade
contemporânea se torna cada vez mais exigente e crítica em relação a fé.
Desse modo, para um católico permanecer fiel a Deus, ele precisa aprender a dar as
razões de sua fé, primeiramente a si mesmo e posteriormente aos outros.
Além disso, o cristão de hoje, não pode viver a sua fé a margem do mundo, mas no
meio dele, buscando transfigurá-lo, pois Cristo não veio destruir o mundo, mas para
salvá-lo.
É um sinal excelente de maturidade cristã quando alguém deseja verdadeiramente
fazer teologia, pois é uma grande demonstração de amor para com Deus e aos irmãos,
que serão beneficiados deste conhecimento e desta experiência sem igual.
Que este tempo que nós estaremos dedicando de maneira mais direta à teologia
possa nos ajudar a sermos mais santos e assim teremos alcançado nosso maior objetivo.
1 (esta citação encontra-se no primeiro parágrafo da Fides et Ratio). 2 DAp. p. 13.
4
O QUE É TEOLOGIA?
Na aula anterior tratamos de um modo geral, a pertinência ou não de fazer teologia
nos nossos dias. Agora, dando um passo adiante, queremos adentrar no conceito de
teologia, bem como na evolução da sua compreensão ao longo da história.
Definição do termo
O termo teologia não aparece na Bíblia e tampouco tem sua origem no mundo
cristão. Era utilizado pelos filósofos gregos, para designar o discurso sobre os deuses.
Para Platão era “a maneira correta de falar sobre os deuses de forma racional”;
Aristóteles a utilizou como a “filosofia dos princípios”, mais tarde chamada metafísica
(além da física).
A filosofia e o termo teologia levaram um bom tempo para serem aceitos e
incorporados no ambiente cristão. Nos primeiros séculos, alguns padres da igreja
chegaram a fazer oposição sistemática não somente ao termo, mas à filosofia grega
como um todo.
O padre da Igreja, Filón de Alexandria foi um dos precursores da aproximação
entre a mensagem bíblica e a filosofia grega. Mais tarde (séc. IV), Orígenes também
utiliza-se de conceitos da própria filosofia platônica para responder aos ataques do
filósofo Celso contra o cristianismo.
Mas foi só a partir do século IV, com Eusébio de Cesaréia, que se firma na
patrística grega o termo ‘teologia’ para se referir ao tratado sobre o Deus verdadeiro.
Até o final da escolástica (Idade Média), no mundo latino, se utilizam os termos
‘doctrina christiana’, ‘doctrina divina’, ‘sacra doctrina’, etc.
Foi no período entre Tomás e Duns Scotto (+1308), onde o cristianismo já havia se
estabelecido por toda Europa, que se assumiu na Igreja latina o termo ‘teologia’, agora
“cristianizado”, substituição ao termo‘sacra doutrina’.
Basicamente o termo teologia é formado por dois outros termos: Theós (θεó) +
logía (λογία) = Deus + Palavra, ciência, saber, que significa basicamente, “estudo sobre
Deus”, “discurso sobre Deus” ou ciência de Deus.
5
Além da teologia, existem outros termos semelhantes, mas que tratam do assunto
Deus com enfoques diferentes:
Existem também muitas definições para o termo teologia, apresentadas por diversos
teólogos e vale a pena ressaltar algumas. Para Santo Anselmo teologia “é a fé
procurando entender”3. Nesta perspectiva, vemos que a teologia é a fé de olhos abertos,
inteligente, crítica, que visa ultrapassar o simples conhecimento apresentado pela
catequese básica.
Também é importante ouvir recomendações como a do teólogo Von Baltasar, que
diz: “a teologia verdadeira é a realizada pelos santos, feita de joelhos (genuflexa)”.4
Desse modo, percebemos que fazer teologia não consiste apenas em debruçar-se sobre
livros e adquirir um grande conhecimento teórico, mas principalmente, fazer a
experiência de Deus na vida.
Embora haja muitas outras formas de compreender o termo teologia, ela pode se
sintetiza da seguinte maneira:5
THÉOS: DEUS
LOGIA: CIÊNCIA
Esta definição servirá de base para aprofundarmos cada um dos seus aspectos, nas
próximas aulas.
Do querigma à teologia
A ressurreição de Jesus constituiu a base para o nascimento da teologia cristã. Este
fato foi de tal forma extraordinário e singular para a humanidade, que até mesmo os
apóstolos que acompanharam de perto os acontecimentos, tiveram grande dificuldade
em encontrar palavras corretas para transmitir de maneira convincente a mensagem
evangélica.
3 BOFF, Clodovis. Teoria do Método Teológico. Petrópolis, Vozes, 1998. p. 25 4 MARTINS, Nuno Brás. Introdução a Teologia. Universidade Católica Editora, Lisboa, 2000. p.42. 5 LIBÂNIO, João Batista. Introdução à teologia: perfil, enfoques, tarefas. São Paulo, Loyola, 2007. p. 67.
TEOLOGIA É O ESTUDO DE DEUS E DOS SERES
CRIADOS EM SUA RELAÇÃO COM DEUS À LUZ
DA REVELAÇÃO SOBRENATURAL COMO NOS
É TRANSMITIDA PELA IGREJA E ACOLHIDA
PELA FÉ.
6
Foi diante desse impasse gerado entre a necessidade de anunciar a fé aos de fora
(querigma) e partilhar e aprofundar a fé comum com os fiéis (catequese) e a procura das
palavras acertadas para realização esta missão que nasce a teologia cristã.6
Além disso, o cristianismo buscava ser o sentido para a existência de todo ser
humano e por isso sempre procurou entrar em diálogo com a cultura de seu tempo, ao
invés de afastar-se dela. Alimentada pela compreensão do “Ide por todo mundo e
proclamai o Evangelho (...)” e a aliada “a expulsão das sinagogas” judaicas, a
perseguição dos romanos, a experiência positiva de Paulo com a evangelização dos
pagãos, firmou ainda mais a necessidade de ir além das fronteiras de Israel e da cultura
judaica. O ponto chave para esta compreensão foi a Assembleia de Jerusalém.
Em suma a teologia nasce da síntese entre a fé, a cultura e o pensamento – a partir
desta síntese em que a fé descobre em si capacidade de dar razões da verdade do
mistério cristão, podendo agora ser compreendida pelas pessoas simples e pelos
filósofos, que passaram a ver o cristianismo, como a “verdadeira filosofia”, capaz de ir
além dos limites que pensamento racional grego não conseguir ultrapassar.
De modo geral a mensagem cristã foi bem aceita pois ela era mais inclusiva e
universal que muitas filosofias e religiões reservada a “poucos iluminados”.
Dois personagens merecem destaque na história da teologia cristã. Um deles é
Santo Agostinho (séc IV), que foi um dos grandes responsáveis pela síntese entre a fé
cristã, a filosofia grega e o pensamento latino. Ele, de modo particular, apoiou-se no
pensamento do filósofo grego, Platão e como afirma muitos estudiosos, cristianizou o
seu pensamento. No entanto, uma certa influência negativa do pensamento platônico
permanece ainda hoje no cristianismo, que é o dualismo, tão combatido pela Igreja, que
considera o mundo material, o corpo humano como indigno, opondo-se a mensagem
original de Cristo, que se encarnou assumindo a matéria, e portanto, não a despreza.
Outro personagem de suma importância para foi São Tomás de Aquino (Séc. XIII),
que também, conseguiu harmonizar a fé cristã como a filosofia grega, particularmente
do filósofo Aristóteles. É considerado pela Igreja, como o modelo de teólogo. Para São
Tomás, “a luz da razão e a luz da fé provém ambas de Deus e não podem se
contradizer” (Fr 43)
Vale lembrar, que grande parte da linguagem teológica que utilizamos hoje,
principalmente para tratar do mistério da Trindade, da Eucaristia, dos Sacramentos, vem
6 MARTINS, p. 12.
7
de conceitos da filosofia grega, como: substância, acidente, hipóstase, geração, criação,
emanação, processão, consubstancialidade, livre-arbítrio, etc.
Outro avanço aconteceu diante da imensa pressão recebida por parte das dúvidas
levantadas pelas heresias, que exigia uma formulação mais precisa o mistério de Cristo,
de modo a expressar de forma mais exata a verdade da fé.
Diante destas tempestades que sopraram sobre o cristianismo primitivo, a teologia
foi se estruturando e adquire três das suas grandes vertentes.
A) – a exatidão da formulação dogmática, de modo a expressar o melhor possível a
verdade da fé e a possibilitar a unidade e a comunhão dos crentes;
B) – o diálogo com o pensamento e com a cultura;
C) – a possibilidade de encontro missionário entre cristianismo e novas culturas,
tomando como sérias as interrogações que cada tempo coloca a fé.
Percebemos que a teologia cristã, por sua natureza missionária, desde o início se
mostra sua responsabilidade pelas coisas públicas. Através desta relação o cristianismo
procura iluminar não somente a vida cristã dos seus fiéis, mas também o mundo dos
homens, com seus problemas, não se limitando apenas as reflexões teóricas no interior
da Igreja.
Por fim, além da missão de expor de maneira de maneira científica a fé cristã, a
teologia não pode deixar de responder aos novos problemas que o homem
contemporâneo vive, por meio do contato com as outras ciências, encontrar novos
caminhos para o mundo.
8
TEOLOGIA E REVELAÇÃO (“...à luz da revelação sobrenatural...”)
A Revelação Divina é a fonte-base7 do cristianismo e da teologia cristã por
conseguinte. Consiste num duplo movimento. Primeiramente de um Deus que, livre e
gratuitamente vem ao encontro do homem e a ele se revela e também, do homem, que
se abre a esta revelação e a acolhe pela fé.
Desse modo, percebemos que o cristianismo não é uma religião que simplesmente
transmite verdades e normas de conduta, inventadas por uma pessoa qualquer, mas é,
antes de tudo, uma religião que vive a experiência de um Deus pessoal que se
manifesta na história concreta do homem.8
Desde o período apostólico, os cristãos já tinham claro esta compreensão, como
podemos perceber: “O que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que
contemplamos, e o que nossas mãos apalparam (...), nós vo-lo anunciamos”.( I Jo
1,1.3); “Não é baseando-nos em mitos artificiosos que vos demos a conhecer o poder
e a vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo, mas como quem foi testemunha ocular de
sua majestade” (2 Pd, 1, 16). É por isso que a Revelação é uma das características que
distingue a fé cristã das demais.
Como afirmava o Papa João Paulo II, a grande originalidade do cristianismo se dá
pelo fato de “Cristo ser Deus-Homem, trazendo consigo todo o íntimo mundo da
divindade”9. É Deus que vem ao encontro do homem, ao passo que nas outras religiões
são os homens que se esforçam para ir ao encontro de Deus. No entanto, não podemos
negar a presença de Deus em outras
religiões, pois o próprio Concílio
Vaticano II, na Ad Gentes 11,
afirma que existem sementes do
Verbo adormecidas em outras
tradições nacionais e religiosas.
Para melhor compreensão
desta realidade, analisaremos a
Revelação, em sua relação com a Sagrada Tradição e as Sagradas Escrituras, que são,
na verdade, dois modos distintos de transmissão da mesma Revelação.
7 MATOS, Henrique C. José Matos. Estudar teologia. Iniciação e Método. Petrópolis, Vozes, 2007, p. 27. 8 ARENAS, Octávio Ruiz. Jesus, epifania do amor do Pai. São Paulo, Loyola, 2001. p. 45 9 João Paulo II. Cruzando o limiar da esperança. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1994. p. 57
9
O conceito de Revelação
Etimologicamente, a palavra revelação vem dos termos latinos “revelare”,
“revelatio”, ou do grego “apokalypsis”, que significam remoção de um véu. No
contexto religioso, indica a manifestação de Deus e de seus decretos, ocultos à razão.
A idéia que Deus revela, foi assumida pelo cristianismo, pois está presente em
toda a Bíblia, desde o Antigo Testamento.
No passado, a Revelação cristã foi simplesmente admitida como um fato, que
todos aceitavam, mas no século XVI começou a ser contestada e no século XVIII
abertamente combatida pelo racionalismo10
, que negava qualquer conhecimento que
não fosse fruto das capacidades naturais da razão.
Só a partir do Vaticano I o termo começou a ser melhor trabalhado. Neste
Concílio chegaram a conclusão que existem “duas ordens de conhecimento distintas,
mas não contraditórias, a da fé e a da razão”11
, contrariando ao racionalismo que só
aceitava o conhecimento apreendido pela razão.
Mas o grande avanço na compreensão da revelação se deu graças ao empenho do
Concílio Vaticano II, que dedicou ao tema uma constituição dogmática, a Dei Verbum,
dando uma resposta adequada às grandes indagações da época, como podemos ver no
capítulo 2.
“Aprouve a Deus, na sua bondade e sabedoria, revelar-se a si mesmo e dar a conhecer o mistério de sua vontade, mediante o qual os homens, por meio de Cristo, Verbo encarnado,
têm acesso no Espírito Santo ao Pai e se tornam participantes da natureza divina. Em virtude
desta Revelação, Deus invisível, no seu imenso amor, fala aos homens como a amigos e conversa com eles, para os convidar a admitir a participarem da sua comunhão. Este plano
de revelação executa-se por meio de ações e palavras intimamente relacionadas entre si, de
tal maneira que as obras, realizadas por Deus na história da salvação, manifestem e
corroboram a doutrina e as palavra declaram as obras e esclarecem o mistério nelas contido. E, a verdade profunda, tanto a respeito de Deus como a respeito da salvação dos homens,
manifesta-se-nos por meio da Revelação no Cristo, que é simultaneamente, o mediador e a
plenitude de toda revelação”.
Deus se revela na história, na realidade quotidiana do homem
Quando falamos em Revelação, devemos entender que ela não se dá apenas em
alguns momentos determinados da história, embora haja momentos especiais. Na
verdade a revelação é uma manifestação contínua12
de Deus aos homens, que vai se
realizando em etapas, respeitando a sua evolução e capacidade de compreensão. Da
10 PIAZZA, Waldomiro O. A Revelação cristã na constituição dogmática Dei Verbum. São Paulo,
Loyola, 1986. p. 15. 11 ALBERIGO, Giuseppe. História dos concílios ecumênicos. São Paulo, Paulus, 2005. p. 379. 12 ARENAS, p. 85.
10
mesma forma que um adulto para se comunicar com uma criança precisa simplificar
sua linguagem, assim também, Deus precisou “adequar-se” ao mundo dos homens
(histórico) para que sua Revelação pudesse ser compreendida e apreendida.
Este movimento de Deus que se aproxima do homem e se revela, é o que
chamamos de História da Salvação. Esse modo de Deus se revelar em etapas nós
chamamos de Pedagogia Divina.
TIPOS DE REVELAÇÃO
Antes de falar dos tipos de revelação, é importante ressaltar que Deus se revela ao
homem, pois ele é, dentre todos os seres visíveis o único “capaz de conhecer e amar
seu criador”, (CIC 356) pelo fato de ter sido criado à Sua imagem.
Desse modo, existem duas vias pela quais Deus se revela ao ser humano.
a) A Revelação Natural (Geral), (Cic 36): que é a automanifestação de Deus
através dar ordem regular da natureza, possibilitando que, mesmo uma pessoa que
não conheça as Sagradas Escrituras, possa chegar a conclusão de que existe uma
realidade que é causa e fim de todas as coisas, a que todos “chamam Deus”.
Pela via da criação, o homem pode chegar ao conhecimento de Deus a partir:
- das coisas criadas: natureza, beleza das criaturas, movimento dos animais...
- do ser humano: perfeição, liberdade, a voz da consciência, aspiração ao
infinito.
- sinais dos tempos: progresso, ciência, tecnologia.
Como afirmava Santo Agostinho, “a obra de Criação é a primeira Palavra de
Deus”.
Embora o ser humano, por ser criado “à imagem de Deus”, pela luz natural da
razão, tenha em si a capacidade conhecer a Deus e a lei natural impressa em sua
alma, a partir das suas obras e das múltiplas perfeições das criaturas, existem
muitos obstáculos que impedem o seu uso eficaz (da razão), principalmente
devido as más inclinações provenientes do pecado original. (CIC 37). Pela sua
liberdade, ele, mal influenciado pode negar a Deus.
Por isso o homem, tem necessidade (CIC 38) de ser iluminado pela Revelação
Sobrenatural de Deus.
b) A Revelação Sobrenatural (Especial) é uma outra forma de revelação, que
embora não se oponha a razão, a ultrapassa. Trata-se de um tipo de conhecimento
que homem jamais seria capaz de alcançar com suas próprias forças. Este
11
conhecimento chegou à humanidade, não pela criação ou implícito na natureza
humana, mas partindo de uma decisão totalmente livre e gratuita da parte de
Deus (CIC 51). Graças a esta revelação o ser humano tem mais facilidade em
conhecer as verdades morais e religiosas, que com dificuldade faria pela razão.
Por meio deste tipo de Revelação o homem não apenas chega a conclusão da
existência de Deus, mas passa a conhecer os desígnios de Deus a seu respeito, que
fundamentalmente se resume na sua divina vontade de que todos os homens se salvem
em Cristo, o que chamamos de Plano da Salvação. Por esta via sobrenatural, Deus
também revela aspectos de seu próprio Ser, como o Mistério da Santíssima Trindade e
da Encarnação.
A Revelação sobrenatural, aconteceu de um modo singular através de um povo
escolhido por Deus, o povo de Israel, que deveria ser “luz das nações”, mas acabou se
fechando, por não compreender com clareza a vontade de Deus. Essa missão de tornar-
se bênção para toda a humanidade acontece efetivamente com Cristo.
O princípio desta Revelação teve como marco Abraão e terminou em Jesus Cristo,
onde atingiu o seu ápice e plenitude. No esquema abaixo podemos observar a linha
histórica, que nos mostra entre outras coisas, que estes eventos se estenderam por um
período de aproximadamente dois mil anos.
REVELAÇÃO SOBRENATURAL NA HISTÓRIA
Abraão Moisés Aliança Reis Exílio Restauração Gregos Romanos Jesus Cristo
1800 1250 1200 1000 597 538 333 63 0
Jesus Cristo: revelador e revelação do Pai
Dentro desse processo de automanifestação de Deus, a encarnação do Verbo
divino é o centro, o seu ponto mais alto. Percebemos por este fato histórico singular,
que Deus nunca esteve tão próximo do homem como em Cristo. Conforme está
escrito em Hb 1, 1-2 “Muitas vezes e de muitos modos diversos falou Deus, outrora,
aos Pais pelos profetas; agora, nestes dias que são os últimos, falou-nos por meio de
seu Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, e pelo qual fez os séculos”.
12
Que nós possamos tomar consciência desta grande dádiva, que é experimentarmos
a fé em um Deus, que não levando e conta a sua condição divina, rebaixou-se
assumindo a condição humana, “armando sua tenda entre nós”, amorosa e
humildemente nos conduzindo à vida eterna.
A finalidade da Revelação
A Revelação Divina tem dois objetivos: a salvação do homem e a glória de Deus,
como vemos em (Ef 1, 5-6. 9): “Ele nos predestinou para sermos seus filhos adotivos
por Jesus Cristo conforme o beneplácito da sua vontade, para louvor e glória da sua
graça (...) dando nos a conhecer o mistério de sua vontade.
a) a Revelação é para a salvação do homem, pois Deus não se revela apenas para
satisfazer a curiosidade humana ou ampliar o seu conhecimento. Desde o Antigo
Testamento, dá sinais evidentes de que tem uma predileção pelo homem, e que o
convida a participar de um modo de vida mais elevado. Mesmo depois do pecado,
Deus não desiste do homem e continua a se revelar pelos profetas, até que na plenitude
dos tempos, ou seja, em Cristo, dá a conhecer com toda clareza que quer a “salvação
do homem”, ou seja, que participe da sua natureza divina.
b) a Revelação é para a glória de Deus, (CIC 294) pois é por meio dela que Ele
manifesta e comunica sua bondade, como podemos ver primeiramente pela criação do
mundo, que proporcionou vida a todos os seres que vivem na terra e depois em Cristo,
que nos trouxe a salvação.
O cristão, quando adere pela fé ao Plano Divino da Salvação, glorifica a Deus a ao
mesmo tempo, encontra a sua salvação.
O fim da Revelação
Como afirma a Dei Verbum 4, “não há de se esperar nenhuma outra Revelação
pública (da parte de Deus) antes da gloriosa manifestação de nosso Senhor Jesus
Cristo”. E ainda, “com o envio do Espírito de verdade, aperfeiçoa a Revelação
completando-a, e confirma-a com um testemunho divino”.
Desse modo percebemos que na encarnação, vida, morte e ressurreição de Jesus
Cristo e por fim, com o envio do Espírito Santo, dá-se por encerrada a Revelação
Divina, e nela temos o necessário para alcançarmos a nossa salvação.
13
A credibilidade da Revelação
A credibilidade e confirmação da Revelação está na ressurreição de Jesus, que
demonstra um testemunho evidente da intervenção divina. Como afirma o próprio
apóstolo Paulo: “Se Cristo não ressuscitou, é vazia a nossa pregação, vazia é a vossa fé
(...) Mas não! Cristo ressuscitou dos mortos primícias dos que adormeceram”. (I Cor
15, 14. 20)
Será que a Revelação acabou?
Embora a Revelação esteja terminada, ainda não está totalmente explicitada e esta
missão é confiada à fé cristã, realizar ao longo dos séculos. “Para que entendamos
cada vez mais profundamente a Revelação, o Espírito Santo aperfeiçoa sem cessar a fé
mediante os seus Dons”. Dv 5
Será que Deus parou de se comunicar com os homens?
Não. Deus continua nos falando nos sinais dos tempos, não para superar ou
completar a Revelação de Jesus Cristo, mas para nos ajudar a compreendê-la melhor.
Atualmente, a grande ameaça da catástrofe ecológica mundial é um desses sinais
dos tempos, onde Deus “grita” a humanidade, mostrando que precisa de conversão,
mudando o seu modo de vida e sua relação com a criação e com seus semelhantes.
Revelações particulares
No decurso dos séculos houve revelações denominadas particulares, e algumas
delas reconhecidas pela Igreja. No entanto elas não pertencem ao depósito da fé, (o
que está contido na Tradição e nas Escrituras) mas têm a função de ajudar a viver com
mais plenitude a fé, em determinadas épocas.
Ex: Nossa Senhora Aparecida (negra) diante da escravidão no Brasil; Nossa
Senhora de Guadalupe (índia) diante das injustiças com os índios no México; Nossa
Senhora de Fátima (Portugal) pedindo oração e conversão – no período entre as duas
Guerras Mundiais.
Essas revelações particulares, constituem um autêntico apelo de Cristo à Igreja.
No entanto, não são aceitas pelo magistério revelações que pretendam ultrapassar ou
corrigir a Revelação da qual Cristo é a perfeição, como é o caso de certas religiões
não-cristãs que se fundamentam em tais revelações (CIC 67).
14
A SAGRADA TRADIÇÃO (“... como nos é transmitida pela Igreja...”)
Como vimos anteriormente, a Sagrada Tradição e a Sagrada Escritura são modos
pelos quais a Revelação Divina foi e continua sendo transmitida na história humana.
Por isso, a Igreja fundamenta a certeza do que foi revelado não somente nas Escrituras,
mas também na Tradição, como afirma a Dei Verbum (7):
A “Sagrada Tradição e a Sagrada Escritura dos dois Testamentos são como um
espelho no qual a Igreja peregrina na terra contempla a Deus, de quem tudo recebe,
até ser conduzida a vê-lo face a face tal qual Ele é (cfr. 1 Jo. 3,2)”.
Feitas as considerações iniciais, para melhor compreensão deste tema, faz-se
necessário uma mínima explicitação do significado da palavra tradição fora e dentro do
ambiente católico.
Definição do termo
Em linhas gerais, tradição significa o fato de uma pessoa transmitir13
alguma coisa
a outra e tem seu fundamento na capacidade do ser humano de manter viva a
lembrança do passado. Desse modo, como ser histórico, o homem pode relacionar
passado, presente e futuro, encontrar sua identidade14
e o sentido para a sua existência.
É por meio da tradição que se formam as culturas, a história e se dá a evolução do
pensamento e do conhecimento humano. “O ser humano só pode caminhar, progredir,
se sobe nos ombros dos que o antecederam, aproveitando tudo o que já descobriram,
criaram, produziram (...) a tradição economiza ao homem do tempo presente caminhos
já andados e permite caminhar com maior segurança”15
.
A compreensão da Tradição no ambiente católico
O cristianismo, como religião revelada, tem seu fundamento em um fato histórico:
a vida, o ensinamento e a morte de Jesus de Nazaré e na fé dos apóstolos no Cristo
ressuscitado. Desse modo, é por meio dessa realidade humana, a tradição, que eles
cumprem o mandato de Cristo: “Ide por todo o mundo, proclamai o Evangelho a toda
criatura”. (Mc 16, 15)
13 RUIZ, p. 165. 14 BOFF, p. 239. 15 LIBANIO, João Batista. Teologia da Revelação a partir da modernidade. (Fé e realidade 31) Loyola,
São Paulo, 1992, Loyola, p.391.
15
Para adentrarmos um pouco mais neste assunto, é de suma importância distinguir
entre Tradição Apostólica, Sagrada Tradição (Tradição) e Sagradas Escrituras.
a) Tradição Apostólica16
é a transmissão da mensagem de Cristo, realizada
desde as origens do cristianismo, mediante a pregação, o testemunho, as
instituições, o culto e os escritos inspirados. É a experiência originária e
originante, que posteriormente os apóstolos transmitiram a seus sucessores, os
bispos, e, por meio deles, a todas as gerações até o final dos tempos o que
receberam de Cristo e aprenderam do Espírito Santo.
No entanto, esta transmissão apostólica se realizou de duas maneiras:
b) Pela Sagrada Tradição (Tradição), que é a transmissão viva da Palavra de
Deus confiada aos sucessores dos apóstolos. Esta Tradição se expressa por meio
de tradições concretas,17
como: a liturgia, os escritos dos padres da Igreja, os
testemunhos teológicos e eclesiásticos, os Concílios, os Papas, etc.
c) Pelas Sagradas Escrituras, que é o mesmo “anúncio da salvação” feito por
escrito.
A Tradição distingue-se das Sagradas Escrituras, pois ela não foi sedimentada
(fixada por escrito), mas é dinâmica. É fruto da própria ação do Espírito Santo
prometido por Jesus, que faria com que os cristãos fossem capazes de “recordar tudo
aquilo que fora ensinado”, (Cf. João 14, 16-17. 26) de modo que tivessem uma
compreensão mais perfeita da sua mensagem, que deveria atingir os confins do
mundo.
A verdadeira Tradição é dinâmica
Embora sua base seja a lembrança do passado, a tradição não é um processo
mecânico, estático e decadente. A verdadeira tradição é dinâmica e não consiste em
apenas repetir do passado, mas reviver18
o passado no presente.
Um bom exemplo da dinamicidade da Tradição são os padres da Igreja, que diante
da necessidade de evangelizar os pagãos, tiveram que atualizar a linguagem da fé para
que todos pudessem compreender.
16 Compêndio do Catecismo da Igreja Católica. São Paulo. Loyola, 2005, p. 24. 17 RUIZ, p. 181. 18 BOFF, p. 238.
16
A Tradição e o Cânon das Sagradas Escrituras
Podemos dizer que a Tradição existiu antes, durante e depois da composição e
definição dos Escritos do Novo Testamento. Olhando na perspectiva da fé cristão ela
cumpre três funções: constitutivas, conservativas e inovativas.
a) Função constitutiva: pois foi a partir da Tradição Apostólica (original), ou
seja, da pregação, do testemunho e das instituições, do modo de celebrar e viver
dos Apóstolos que surgiram os escritos do Novo Testamento, que não existiam no
início da pregação Evangélica.
b) Função conservativa: pois a Tradição exerce na Igreja esta função de
conservar a substância do que foi revelado (depósito da fé) e passá-la adiante,
enquanto esta “é e vive” na história. Vale lembrar que foi por meio da Tradição
que o Magistério definiu, quais, entre os diversos livros escritos sobre a
experiência de Cristo, seriam considerados inspirados (canônicos) e quais não
seriam (apócrifos).
c) Função inovativa: pois a Tradição exerce o trabalho de apropriação,
interpretação, renovação, atualização e enriquecimento do “depósito” revelado. A
Tradição continua existindo depois da produção dos Escritos Sagrados, pois ele é
uma presença viva, que acompanha a Igreja, não somente preservando as verdades
transmitidas, mas também atualizando e criando linguagem nova para interpretar
estas verdades, ao longo dos séculos, de acordo com a evolução cultural da
humanidade.
A importância da tradição para as religiões
A tradição é de suma importância para as religiões, visto que sua perpetuação se
dá pela transmissão de geração em geração, através dos ritos, dos mitos e doutrinas.
Enfim, não há tradição religiosa sem fórmulas fixas19
, sem fórmulas sagradas que
passam de uns para os outros e que permitem a transmissão invariável de uma geração
para outra.
O senso sobrenatural da fé
Entendemos por senso sobrenatural da fé, a impossibilidade do conjunto dos fiéis,
(desde o bispo até o último fiéis leigos), enganar-se no ato de fé, quando apresentam
19 RUIZ, p. 168.
17
um consenso (comum acordo) universal sobre questões de fé e costumes. (CIC 91).
Isto é possível graças a unção do Espírito Santo que os instrui e conduz à verdade em
sua totalidade.
Os dogmas da fé
Na missão do Magistério de interpretar e preservar o “depósito da fé”, contido na
Tradição e na Escritura, principalmente diante das heresias, foram obrigados, a definir
“fórmulas de fé”, mostrando a posição oficial da Igreja, buscando com isso ajudar na
compreensão do “dado revelado”, excluindo os erros, para que os fiéis tivessem mais
segurança e clareza para o exercício da sua fé.
Desse modo, como afirma o CIC 88, “O Magistério da Igreja (...) define dogmas
(...) quando, utilizando uma forma que obriga o povo cristão a uma adesão irrevogável
de fé, propõe verdades contidas na Revelação Divina ou verdades que com estas estão
em conexão necessária”.
Eles não são barreiras no caminho, mas corrimãos ao lado dele. Existem para
proteger o caminhante e apoiá-lo em sua ascensão. Eles não são verdades mortas, mas
fontes vivas de vida e reflexão20
.
Relação Tradição-Escritura-Igreja-Magistério
A Escritura e a Tradição formam juntas o único depósito da fé, que é confiado a
toda Igreja, mas fica a encargo do Magistério21
a tarefa de interpretá-lo
autenticamente. No entanto, vale lembrar, que o Magistério é parte integrante da
Tradição e não está cima das Escrituras, mas ao seu serviço.
Desse modo, são inseparáveis, Escrituras, Tradição, Igreja e Magistério.
Sem o Magistério, a Igreja se dissolveria numa infinidade de doutrinas diferentes,
perdendo sua unidade, como acontece com grande parte das religiões protestantes, que
se baseiam na “livre interpretação das Sagradas Escrituras”.
Alguns critérios para se distinguir a verdadeira Tradição
A) Cristocentrismo: se Jesus ocupa o centro.
B) Apostolicidade: se estão em harmonia com a fé da Igreja.
C) Pastoralidade: se servem à edificação do povo.
20 BOFF, p. 250. 21 RUIZ, p. 176.
18
A SAGRADA ESCRITURA (“...como nos é transmitida pela Igreja...”)
Dando continuidade ao nosso estudo, chegamos agora a Sagrada Escritura, que
constitui, juntamente com a Sagrada Tradição, como já vimos, um dos canais pelos
quais a Revelação Divina é transmitida e chega até nós.
Por Sagrada Escritura, entendemos a fixação por escrito dos conteúdos da
Revelação, onde o autor sagrado (hagiógrafo) age sob a inspiração do Espírito Santo.
A Igreja considera como Escritura, os 73 livros canônicos (inspirados por Deus), que
foram escritos entre 950 a.C e 100 d.C., aproximadamente, nas línguas Hebraica,
Aramaica e Grega. Compreendemos não somente os 27 livros do Novo Testamento,
mas também os 46 livros do Antigo Testamento, visto que ambos se completam, pois a
História da Salvação é única.
Vale lembrar, que o Cânon Protestante é formado por apenas 66 livros, pois eles
não consideram como inspirados os livros de Tobias, Judite, I e II Macabeus,
Sabedoria, Sirácida e Baruc. Isto se deve ao fato de Lutero ter adotado a tradução do
Antigo Testamento a partir da Bíblia Hebraica, que não continha os referidos livros. O
cânon católico, por sua vez, foi constituído a partir da Septuaginta, que é a tradução da
Bíblia Hebraica para o Grego, acrescida destes 7 livros.
No princípio a Bíblia não era dividida em capítulos ou versículos numerados.
Somente em 1214 d.C, um arcebispo da França dividiu a Bíblia em capítulos. Em
1551, Robert Etiene, também na França, dividiu o Novo Testamento em versículos.
Teodoro de Beza, em 1565, divide toda a bíblia em versículos.
A Bíblia continua sendo o livro mais lido no mundo, embora ainda não tenha
chegado à todas as línguas. Ela foi o primeiro livro a ser impresso na imprensa
inventada por Gutenberg e levou 5 anos para ficar pronta (1450-1455).
A importância da Sagrada Escritura na teologia
A teologia e a Sagrada Escritura sempre tiveram uma relação muito estreita. No
entanto, no Concílio Vaticano II, viu-se a necessidade de repensar o lugar da Sagrada
Escritura no trabalho teológico, como vemos na Dei Verbum 24.
“A sagrada Teologia apóia-se na Palavra de Deus escrita e juntamente na
Sagrada Tradição, e nela se consolida firmemente e sem cessar se rejuvenesce,
investigando, à luz da fé, toda a verdade encerrada no mistério de Cristo. As
Sagradas Escrituras contêm a Palavra de Deus, e, pelo fato de serem inspiradas, são
19
verdadeiramente a Palavra de Deus; e por isso, o estudo destes sagrados livros deve
ser como que a alma da sagrada teologia”.
Por conta disso, uma teologia que não busque uma fundamentação suficiente na
Escritura, torna-se estéril.
A Palavra de Deus é maior que a Escritura
Vale ressaltar, que embora a Sagrada Escritura contenha a Palavra de Deus e,
portanto, seja Palavra de Deus, ela não representa a totalidade22
dessa Palavra. A
“Palavra de Deus” não é um simples texto escrito, é o próprio amor de Deus feito
homem em Cristo.
E ainda, como afirma o CIC 102, “por meio de todas as palavras da Sagrada
Escritura, Deus pronuncia uma só Palavra, o seu Verbo único, no qual se expressa
por inteiro. Desse modo podemos compreender que, os escritos dos autores sagrados
tanto do Antigo quanto do Novo Testamento, têm a mesma fonte que é o Verbo
divino. A diferença é que em Jesus de Nazaré, este Verbo, ou seja, a Palavra de Deus,
ao invés de ser transmitida pelos profetas, se fez carne e habitou entre nós. Deus
escolheu um caminho “direto”, sem intermediários (escritores sagrados) para realizar a
plenitude da Revelação.
O estudo da Sagrada Escritura é a alma da Teologia
Também é importante compreender que quando se diz que o estudo da Sagrada
Escritura é a alma da teologia, não se quer afirmar com isto que é “só a Escritura” que
contem a verdade, como pensava Lutero, pois o próprio Concílio nos convida a fazer
uma leitura à luz da fé e da Tradição, com as devidas interpretações23
.
O que é importante ressaltar é que na Escritura nós encontramos a Palavra que se
faz carne e a carne que se faz Palavra, não se tratando apenas de uma Palavra
pronunciada há 2000 anos, mas a Palavra que o Pai continua a pronunciar nos
nossos tempos24
.
22 www.zenit.org 23 MARTINS, p. 92. 24 MARTINS, p. 90.
20
A centralidade da Pessoa de Jesus Cristo nas Escrituras
Olhando para o conjunto das Escrituras, o Novo Testamento tem primazia sobre o
Velho. Dentro do Novo Testamento, os Evangelhos têm o primeiro lugar, pois são o
principal testemunho da vida e da doutrina do Verbo encarnado. Cristo é o centro, o
objetivo e a plenitude da Revelação e das Escrituras, pois é Ele o mediador entre o Pai
e a humanidade. Por conta disso, toda a Bíblia deve ser lida à luz25
de Cristo e do
Novo Testamento, mas sem desprezar o Antigo, visto que estão entrelaçados, como
afirma o CIC 129: “O Novo Testamento está escondido no Antigo, ao passo que o
Antigo está desvelado no Novo”.
Dentro da mensagem que Jesus trouxe à humanidade, o ponto alto é o amor.
Quando perguntado por um Mestre, na Lei, qual seria o grande mandamento, Jesus
responde: "Amarás ao Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e
com toda a tua mente. É este o maior e o primeiro mandamento" (Mt 22, 37-38). Na
sua resposta, Jesus cita o Shemá, a oração que o israelita piedoso recita várias vezes ao
dia, sobretudo de manhã e à tarde (cf. Dt 6, 4-9; 11, 13-21; Nm 15, 37-41).
Por fim Ele acrescenta ainda: "O segundo é semelhante ao primeiro: amarás o teu
próximo como a ti mesmo".
Quem é o autor da Sagrada Escritura?
A compreensão a respeito da autoria das Sagradas Escrituras evoluiu ao longo da
história. No princípio, os padres da Igreja entendiam que os escritores sagrados eram
como que instrumentos musicais, passivos diante do autor, Deus, como afirma
Atenágoras: “Nossas testemunhas são os profetas que falaram por força do Espírito
Santo... o Espírito Santo movia a boca dos profetas que falaram por força do Espírito
Santo como um instrumento... O espírito Santo os utilizava como um flautista que toca
flauta.”26
Em outros casos, pensava-se que o Espírito Santo ditava27
as Escrituras para os
profetas.
Com o passar do tempo, cada vez mais, foi se percebendo o papel e a importância
do autor sagrado na composição dos escritos sagrados. Entendeu-se que ao ser
inspirado por Deus, o homem não é anulado, mas permanece livre, deixando
25 MATOS, p. 29. 26 RUIZ, p. 240. 27 RUIZ, p. 240
21
transparecer no que escreve traços de sua personalidade, como vemos na Dei Verbum
11: “Na composição dos livros, Deus se serviu de homens escolhidos que usavam
todas as faculdades e talentos; desse modo, agindo Deus neles e por eles, puseram por
escrito, como verdadeiros autores, tudo – e somente – o que Deus queria”.
Por conta disso, vemos que Deus continua sendo o autor28
da Sagrada Escritura
com a participação e colaboração dos escritores sagrados, também verdadeiros
escritores.
Inspiração e verdade da Sagrada Escritura
Na compreensão da Igreja, a Sagrada Escritura ensina a verdade, pois Deus é o
seu autor; por isso se diz que ela é inspirada e ensina sem erro as verdades que são
necessárias à nossa salvação. O Espírito Santo inspirou os autores humanos, que
escreveram o que ele quis nos ensinar. A fé cristã, todavia, não é “uma religião do
Livro”, mas da Palavra de Deus, que não é “uma palavra escrita e muda, mas o Verbo
encarnado e vivo. 29
A interpretação da Bíblia na Igreja
Para que se tenha uma melhor compreensão dos textos sagrados é preciso um
estudo um pouco mais aprofundado e abrangente. Um dos grandes instrumentos
utilizados para esse fim é a exegese30
bíblica, que tem como objetivo, com o auxílio de
várias disciplinas (crítica textual, arqueologia, filologia, etc), tornar claro o texto
bíblico, desde suas particularidades linguísticas e conceituais, motivações teológicas,
bem como as circunstâncias histórico-literária.
Juntamente com a exegese, tem também a hermenêutica31
, que consiste em
encontrar o sentido por trás das palavras, traduzindo e aplicando à nossa realidade
atual.
Outro aspecto muito importante para a interpretação dos textos sagrados é levar
em conta os diferentes gêneros literários, (poesia, narrativas, profecias, hinos,
oráculos, etc.) visto que a Bíblia é um livro muito extenso, produzido num longo
28 RUIZ, p. 247. 29 Compêndio do Catecismo da Igreja Católica. p. 25. 30 (do grego exegésis, puxar para fora) VADEMECUM para o estudo da Bíblia, Paulinas, São Paulo,
2005. p. 39. 31 (estudo do sentido dos textos) VADEMECUM, p. 203.
22
período, por diversas pessoas. É preciso evitar fazer uma leitura fundamentalista (ao
pé da letra) para não incorrer em erros graves.
Por outro lado, deve-se tomar o cuidado, de não utilizar a tal ponto métodos de
análise, que esvaziem o sentido espiritual das Escrituras, analisando-a como um livro
qualquer.
Para uma boa interpretação da Sagrada Escritura
Muitas pessoas têm dificuldades em compreender a Sagrada Escritura. Um dos
motivos principais é que os textos bíblicos foram escritos entre 2000 e 3000 anos
atrás, por muitas pessoas, de cultura, linguagem muito diferente da nossa, em
momentos históricos distintos, por isso é preciso prestar atenção em alguns
elementos32
para se fazer uma boa leitura.
1) Disposição sincera e orante para a escuta da Palavra.
2) Situar o texto no contexto histórico.
3) Estabelecer o “sentido textual” (captar a intenção do autor).
4) Buscar o sentido atual do texto (confrontar com nossa realidade).
5) Ler a Escritura em comunhão com o conjunto da Igreja.
6) Pôr-se na linha da grande Tradição da Igreja.
7) Considerar o texto dentro do conjunto das Escrituras.
8) Interpretar a Bíblia a partir de Cristo.
9) Seguir as indicações do Magistério da Igreja.
10) Finalizar no amor toda leitura da Bíblia.
A Sagrada Escritura na vida da Igreja33
A Igreja venera as divinas Escrituras, como também o corpo do Senhor,
principalmente na Liturgia, onde oferece ao povo a mesa da palavra e a mesa do corpo
de Cristo. Juntamente com a Tradição constituem a regra suprema da fé.
A Sagrada Escritura é inspirada por Deus e dela ouvimos a voz do Espírito Santo
através das palavras dos profetas e dos apóstolos. Por isso a Igreja incentiva que a
pregação eclesiástica seja alimentada e dirigida pela Escritura, visto que ela constitui-
se como fonte pura e perene da vida espiritual.
32 BOFF, p. 209. 33Dei Verbum 24.
23
Além do Concílio Vaticano II, que dedicou uma constituição dogmática só para
tratar do tema da Palavra de Deus, outros fatos recentes, vêm mostrar ainda mais a
importância que a Igreja tem dedicado e este tema, como o “Sínodo sobre a Palavra de
Deus, realizado de 5 a 26 de outubro de 2008 no Vaticano.
Alguns aspectos fundamentais levantados neste sínodo foram34
:
1) A compreensão de que a Palavra de Deus é maior que as Escrituras.
2) A Igreja quer que toda a pastoral e todos os estudos, em particular os
teológicos tenham uma base bíblica.
3) A importância da Lectio Divina.
4) A formação dos ministros ordenados e não ordenados deve ter um substrato
bíblico.
5) Favorecer um conhecimento mais amplo da Sagrada Escritura na Igreja.
A Sagrada Escritura e a catequese no Brasil
No Brasil, atualmente, tem se realizado um esforço muito grande por parte dos
bispos, para que se introduza o uso da Sagrada Escritura na catequese, de modo que “a
Bíblia se torne o livro principal”35
. Vale lembrar que o Diretório Nacional da
Catequese e o Ano Catequético (2009) estão dando grande impulso para que isso se
torne realidade.
A importância da leitura da Sagrada Escritura
A Igreja exorta todos os cristãos, que leia com freqüência as Sagrada Escritura,
pois ignorar a Escritura é ignorar a Cristo.
34 www. Zenit.org 35 Revista Vida Pastoral. Jan/Fev 2009 – ano 50. Nº 264.
24
TEOLOGIA E FÉ (“...acolhida pela fé”.)
Avançando um pouco mais na compreensão da teologia, agora trataremos da
questão da fé, sem a qual não é possível realizar tal estudo.
Como vemos, pela Revelação, Deus vem ao encontro do homem. Porém, a
Revelação só se completa quando o que foi dito é aceito ou acolhido por aquele que
escuta, ou seja, quando se estabelece um “verdadeiro diálogo” entre as partes.
Isto só é possível, pois o homem, por ser criado à imagem de Deus, embora com
dificuldades consegue adentrar no seu mistério, como afirma o apóstolo Paulo. “Agora
vemos em espelho e de maneira confusa, mas, depois veremos face a face”. (I Cor 13,
12)
Por meio da fé, o homem pode perceber36
determinados eventos da história como
ações salvíficas de Deus.
O Concílio Vaticano II apresenta a fé como resposta do homem à comunicação
divina e entende por fé o ato pelo qual “o homem se entrega total e livremente a Deus,
oferece-lhe ‘o obséquio (favor, gentileza) total de seu entendimento e vontade’
consentindo livremente naquilo que Deus revela”.37
Vale lembrar, que quando se diz que a revelação é acolhida pela fé, devemos
compreender que a adesão à Revelação não é algo imposto por Deus, mas sim um ato
livre, onde cada pessoa decide se aceita ou ignora o chamado de Deus.
O que significa e qual o sentido da palavra crer?
Faz-se necessário, antes de aprofundar o tema, compreender que crer não é algo
exclusivamente religioso, mas é uma realidade do cotidiano de toda pessoa. Por isso,
antes de falar sobre a fé cristã, precisamos falar da fé humana.
a) A fé humana
Existem fundamentalmente duas formas de conhecimento: o “ver” e o “crer”.
- O “ver” se dá quando somos capazes de enxergar uma determinada coisa e pela
demonstração, pela intuição ou experimentação alcançamos a verdade a seu respeito.
Um exemplo disso é quando fazemos cálculos, como: 2 + 2 = 4
- O “crer” se dá quando não podemos adquirir um conhecimento imediato de uma
realidade por nós mesmos e dependemos do testemunho de outras pessoas. Desse modo,
36 RUIZ, p. 129. 37 RUIZ, p. 132.
25
tomamos por conhecimento verdadeiro o que alguém de confiança transmite ou me
submete. Um exemplo disso é quando nos submetemos a um tratamento médico e
precisamos acreditar que aquele profissional é competente e tem a intenção de nos
curar, prescrevendo um medicamento certo, na dose certa, caso contrário nos matará.
Sem a mínima fé humana, a vida se tornaria praticamente impossível. Nos
ambientes onde quase todos desconfiam de todos, já podemos ver as conseqüências
funestas, desde o ambiente familiar até o profissional.
Os limites da fé humana
É importante lembrar, que a fé humana não é absoluta. Desse modo não podemos
crer de maneira absoluta em nenhum ser criado, pois nenhum homem está acima do
outro a ponto de se constituir como autoridade de valor absoluto. Quando se deposita
esta fé absoluta num ser limitado acontece algo desumano, ou seja, contrário à
dignidade e a liberdade do ser humano. Um exemplo bastante triste foi a fé em Adolf
Hitler.
b) A fé cristã
A fé cristã é modelada sobre a estrutura da fé humana, pois também no âmbito
metafísico existe “um ver” e “um crer”.
- O “ver” só será possível depois desta vida, ou seja, no céu, onde contemplaremos
Deus face a face.
- O “crer” nós experimentamos aqui na terra, enquanto estamos privados da
capacidade de ver a Deus face a face, de modo que conhecemos a realidade divina pelo
testemunho de outras pessoas.
Pela fé cristã, o ser humano pode conhecer uma realidade nova, constituída pelos
mistérios divinos, que foram comunicados através da Revelação, onde a palavra de
Deus tornou-se acessível ao se humano, principalmente em Jesus Cristo, que entrou de
maneira decisiva e clara no nosso universo de compreensão, por meio da linguagem,
imagens, conceitos familiares, de modo que não contradizem os conhecimentos que
adquirimos com as nossas forças naturais.
A diferença entre fé humana e fé cristã
Embora utilize a mesma estrutura antropológica, a fé cristã distingue-se da fé
humana, pois sua fonte está acima do homem, no nível transcendente, divino. Embora o
26
objeto da Revelação não seja contraditório a razão, dificilmente a aceitaríamos com
facilidade, como por exemplo, um Deus assumir a condição humana. Por isso, a fé é um
ato que exige de nós um consentimento absoluto e incondicional, uma rendição da
razão. Em suma, exige todas as nossas forças.
A grande credibilidade da fé cristã está principalmente no extraordinário
acontecimento da ressurreição de Jesus, pois foi único na história da humanidade, onde
o ser humano vê de maneira palpável a possibilidade de ultrapassar os limites impostos
pela morte e viver eternamente, seu grande desejo. O próprio apóstolo Paulo afirma: “Se
Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e também é vã a vossa fé”. (I Cor 15, 14)
Dimensões da fé Cristã38
A grande novidade do cristianismo é a vinculação da salvação a fé em Cristo, que
se tornou o elemento determinante do Novo Testamento, e fundamento da nossa fé. Se
no Antigo Testamento, ter fé era apoiar-se em Deus, no Novo Testamento ter fé é
acreditar em Cristo.
Aderir a Cristo não é algo superficial, que pode se restringir a pronunciar e
confessar algumas verdades de fé, adquirir alguns conhecimentos e obedecer alguns
preceitos, mas sim uma opção fundamental que comprometa toda a vida, implicando na
aceitação de valores novos e a renúncia de muitos valores velhos. Vejamos as etapas
deste processo.
1) A fé como confissão verbal de algumas verdades
Uma primeira dimensão da fé é seu aspecto confessional, ou seja, aceitar como
verdade uma série de conteúdos e professá-los publicamente.
As confissões verbais já existiam no Antigo Testamento, mas elas eram inacabadas,
pois consistiam numa história. Quando alguém perguntava pela fé dos judeus eles
contavam a história da ação de Deus no seu povo desde Abraão, Isaac, Jacó, Moisés,
Davi, etc, e assim, quando iam surgindo novos personagens esta história precisava ser
atualizada.
A grande diferença é que no Novo Testamento as confissões de fé têm caráter
cristológico. Ao invés de ser uma fórmula abstrata, as confissões de fé falam agora de
Jesus Cristo, a experiência concreta e palpável de Deus que veio pessoalmente, agiu e
falou na história, nos mostrando quem ele é, o que ele quer e o que espera de nós.
38 RUIZ, pp. 134-140.
27
Se antes a fé era resposta a uma palavra dirigida por um profeta, hoje, a nossa fé é
uma resposta a uma pessoa concreta, Jesus Cristo.
2) A fé como conhecimento
Para uma autêntica vivência da fé cristã e até mesmo para professar a fé, faz-se
necessário um mínimo conhecimento prévio das verdades salvíficas.
No entanto, o conhecimento que a fé exige não é a simples percepção intelectual
de algumas verdades, mas uma atitude permanente de abertura ao mistério de Deus, de
modo que o homem se torne sensível, e possa captar e compreender os sinais divinos
em sua vida.
O objeto central desse conhecimento se resume no mistério de Cristo, sua morte e
ressurreição, para o qual se requer a graça do Espírito Santo. Desse modo, a fé no Novo
Testamento, consiste na aceitação do querigma, unida a obediência e à fidelidade.
Para o Apóstolo Paulo, a fé brota da palavra, realiza-se mediante a aceitação dela e
é sustentada pelo Espírito Santo, que ajuda a compreender com profundidade o que
Cristo revelou.
O conhecimento é um momento essencial da fé, porque esta inclui a aceitação pelo
intelecto do conteúdo revelado como verdadeiro.
3) A fé como obediência
O conhecimento ainda não é a plenitude da fé, mas uma das suas etapas.
A fé exige conversão interior e radical, uma a mudança de mentalidade (metanóia).
Converter-se a Jesus, significa também obedecer o seu Evangelho. Obedecer o seu
Evangelho, em muitos casos significa renunciar a nossa própria vontade e sabedoria, e
livremente abandonar-se confiante nas mãos de Deus, como fez Jesus.
Para que esta fé seja possível e autêntica ela deve se realizar no amor a Deus e na
esperança na realização de sua promessa de salvação.
4) A fé, opção fundamental do homem
Crer é ir até Cristo, segui-lo, aceitar seu testemunho, o que supõe uma opção radical
e total diante da pessoa e da missão de Cristo como Filho de Deus. Se aceitamos que
Cristo é o Filho de Deus, a Verdade em pessoa, sua palavra se transforma em referência
e critério fundamental para a nossa vida.
28
Dizer sim a Deus é um ato livre, que brota do mais profundo do ser humano,
abrange a sua inteligência, vontade e ação, dando uma nova orientação a sua vida.
Implica também, numa tendência a amizade com Deus (caridade) e nasce do desejo da
vida eterna (esperança).
O homem tem duas opções: ou aceita Deus livremente, ou o rejeita. Aceitar, no
entanto, exige coerência de vida.
Os auxílios e obstáculos à fé
A fé é um dom de Deus, mas é também uma realidade histórica, transmitida de
geração em geração. Por isso, o testemunho dos homens e mulheres santos, dentro e
fora da Sagrada Escritura têm grande importância para todos nós.
Dois grandes exemplos de fé na Bíblia são Abraão (CIC 145) e Maria (CIC 148),
que souberam responder a Deus de uma forma extraordinária. As pessoas santas longe e
próximas de nós também nos auxiliam. Por meio delas, parecemos ver a face de Deus.
Por outro lado, os contra-testemunhos dentro da Igreja, causam um estrago muito
grande e dificultam a fé das pessoas. Fatos ocorridos á mais de mil anos ainda hoje
produzem efeitos negativos na Igreja.
Por isso, a nossa responsabilidade é muito grande, pois a nossa maneira de viver a
nossa fé, influenciará positiva ou negativamente as futuras gerações.
A fé é um ato pessoal, mas não isolado
É importante compreender que a resposta que cada pessoa dá a Deus é pessoal, mas
não isolada, pois geralmente não recebemos a fé diretamente de Deus, mas através das
outras pessoas, da família, da Igreja, por isso a dimensão comunitária é de suma
importância para se cultivar uma religiosidade saudável.
29
TEOLOGIA E CIÊNCIA (“...é o estudo...”)
Fechamos agora o ciclo de temas que trata da definição da teologia. Quando
dizemos, “que a teologia é o estudo”, a grande questão que levantamos é a seguinte: a
teologia ainda pode ser considerada uma ciência ou não?
No final da Idade Média, com o surgimento das universidades, a Teologia tornou-se
a ciência mais sublime39
, por seu conhecimento ter origem na Revelação divina, e tratar
de algo que ultrapassa razão humana e orientar-se para o fim mais alto, a felicidade
eterna. Desse modo, todos os demais saberes deveriam a ela subordinar-se.
No entanto, com a chegada da modernidade e a ascensão do racionalismo e do
empirismo, principalmente a partir dos filósofos Descartes e Bacon, a teologia foi
duramente questionada, acreditavam que só poderia ser considerada ciência o que fosse
possível ser abarcado pela razão e comprovado pela experiência.
Como a teologia tem como objeto de estudo Deus, realidade esta que ultrapassa a
razão e não pode ser posto em um laboratório para análise, este modo de conhecimento
foi considerado inadequado, mera opinião.
Em suma, o que provinha da razão era considerado “luz”, e o que tinha origem na
fé, era tido por “trevas”, obscuridade.
Um alargamento na compreensão da ciência
No entanto, a crise do racionalismo e do empirismo, se estabeleceu, principalmente,
com a descoberta da impossibilidade de um conhecimento científico seguro e definitivo,
quebrando o dogmatismo da razão.
O próprio cientista racionalista Karl Popper admite: “Não sabemos: só podemos
adivinhar. E as nossas previsões são guiadas pela fé em leis, em regularidades que
podemos descobrir”.40
Outro aspecto que colaborou para o fim do dogmatismo racionalista, foi o
surgimento das ciências humanas, como: a Sociologia, Ciência Política, Economia,
Antropologia, História, dando margem a outro tipo de saber, que ultrapassa a exatidão
exigida pelo método cartesiano.
39 MARTINS, p. 150. 40 MARTINS, p. 154.
30
Por conta destes acontecimentos e dessas novas descobertas e perspectivas do saber
humano, ampliou-se o conceito de razão e de ciência, dando uma maior margem para a
teologia.
Quais os tipos de ciência existem?
Com a abertura da compreensão de ciência, atualmente elas podem ser divididas em
três grupos41
.
1) Dedutivas: as principais são matemática e lógica formal. Método: Parte de
princípios, procedendo por deduções. Ex: Se um caminhão leva 5 toneladas,
logo 2 caminhões levam 10 toneladas;
2) Empírico-formais: São as ciências da natureza, especialmente a física. Método:
Lança uma hipótese e busca comprová-la fazendo experimentos. Ex: se um
avião voar a 1.216 km/h próximo do nível do mar, ele será mais rápido que o
som. Fez-se o teste e comprovou-se.
3) Hermenêuticas: São as chamadas ciências humanas. Procura encontrar razões e
sentido nas coisas. Dentre elas podemos destacar: a História, a Sociologia,
Ciência Política, Economia, Antropologia. Ex: As diferentes formas de
comportamento humano nas culturas.
Desse modo, vemos que os eventos da natureza devem ser explicados, mas a
história, os eventos históricos, os valores e a cultura devem ser compreendidos42
,
principalmente, a partir da linguagem, que é o modo do pensamento se manifestar.
Afinal, a teologia pode se considerada ciência?
A partir desta nova compreensão pós-cartesiana, a teologia pode sim, ser
considerada uma ciência hermenêutica (humanas). Ele obedece aos três critérios
fundamentais necessários para que um saber seja científico:
Criticidade: é uma saber auto-controlado, mediante método;
Sistematicidade: é um saber unificado e coerente;
Auto-amplificação (dinâmica): é um saber que tende a crescer em extensão e
compreensão.
41 BOFF, p. 91. 42Acesso em 01/04/09 - http://pt.wikipedia.org/wiki/Hermen%C3%AAutica
31
Este saber também deve por em ação três elementos.
O sujeito capaz de conhecer: no caso, o teólogo.
O objeto a ser conhecido: no caso, Deus e a sua criação.
O método a ser utilizado, ou seja, o caminho utilizado para que o sujeito chegue ao
objeto: no caso, o hermenêutico (busca de sentido).
Objeto material e objeto formal
Para uma melhor compreensão de uma ciência, faz-se necessário também,
distinguir dois elementos fundamentais, presentes na sua estrutura metológica:
a) O objeto material, que define a coisa que a ciência estuda (matéria-prima,
temática, assunto). Para se descobrir o objeto material, a pergunta é “o quê
estuda”.
b) O objeto formal, que define o aspecto que a ciência trata (dimensão, faceta,
lado). Para se descobrir o objeto formal, a pergunta é “como estuda”.
Pela ilustração abaixo, torna-se mais fácil a compreensão desta realidade. Por meio
dela, vemos que um mesmo objeto material, a terra, pode ser estudada ou
compreendida sob vários aspectos (objeto formal), de acordo com o interesse de
cada personagem.
TERRA fonte de vida planeta
negócio
cuidado
Fazendeiro
Geógrafo Indígena
Ecologista
- Objeto material:
Terra
- Objeto formal:
Negócio, Planeta, Fonte de vida e
Cuidado.
32
Agora, por meio deste gráfico, vejamos como se configura a teologia.
TEOLOGIA A LUZ DA FÉ Deus
Objeto Material (quê)
Mundo
Objeto formal
(como)
Retomando a nossa definição inicial de teologia, podemos afirmar que:
Objeto Material da teologia: “O estudo de Deus e dos seres criados em relação
com Deus...
Objeto Formal: ...à luz da revelação sobrenatural, como nos é transmitida pela
Igreja e acolhida pela fé”.
A importância do reconhecimento da teologia como ciência
No passado, as pessoas, com mais facilidade aceitavam sem grandes
questionamentos as palavras de uma autoridade ou os preceitos de uma instituição.
Hoje, vivemos num mundo marcado pelo conhecimento científico e pelo subjetivismo,
onde grande parte da população mundial é alfabetizada e têm acesso aos mais variados
tipos de informações e, portanto, são mais críticas e capazes de questionamento, diante
de uma proposta que se apresenta como verdadeira.
Se a teologia ficasse fora do ambiente científico, a fé cristã poderia perder a sua
capacidade de diálogo com as demais áreas do saber e da vida da sociedade e desse
modo tornaria se isolada, pobre e incapaz de responder aos problemas do seu tempo.
O próprio Cristo não fugiu da sociedade, isolando-se, mas anunciou seu Evangelho
no templo, nas sinagogas, no meio do povo, em todos os lugares e à todas as pessoas.
Do mesmo modo, os teólogos de hoje, não poderiam trair ao seu mestre, afastando-se
deste ambiente tão rico e capaz de produzir tantos frutos.
A relação da teologia com a filosofia e ciências humanas
No princípio, a teologia cristã teve uma relação mais íntima com a filosofia, de tal
modo que o diálogo entre ambas não é apenas possível, mas necessário43
. A filosofia era
43 MARTINS, p. 178.
33
considerada escrava da teologia, que deveria purificar-se para servi-la. Atualmente,
porém, como vemos na Fides et Ratio, há uma maior autonomia entre ambas, sem
significar contudo, oposição.
Depois do Concílio Vaticano II, houve um alargamento44
da relação da teologia
com as demais ciências modernas, e de modo particular as humanas. Dentre elas,
merece destaque a psicologia, sociologia e a história.
A teologia como ciência da fé
A teologia é a fé que se procura compreender e se expressar cientificamente
enquanto fé. Embora seja uma tarefa humana, ela é provocada, permitida e estimulada
por Deus, que ao se mostrar-se como palavra e como pessoa, convida a razão a adentrar-
se45
no seu mistério.
Embora se utilize do conhecimento de muitas outras ciências, ela nunca deve se
esquecer da sua origem46
no conhecimento Revelado por Deus e da ação do Espírito
Santo que conduz a Igreja, pois do contrário, poderia tornar-se semelhante a uma
ciência puramente racional. Em suma, a teologia deve ser sempre orante e peregrina.
44 MARTINS, p. 176. 45 MARTINS, p. 161. 46 MARTINS, p. 161.
34
TEOLOGIA E HISTÓRIA
A teologia, embora sendo a ciência que estuda Deus, acontece no mundo dos
homens e por isso está diretamente relacionada e influenciada pela história de cada
período em que ela foi se constituindo, de tal forma que não é possível separar estas
duas realidades.
Para melhor compreensão da teologia e da sua evolução, faz-se necessário ter a
mínima compreensão do contexto histórico e das grandes questões levantadas em cada
época, dentro e fora da Igreja, desde as heresias até as influências políticas econômicas,
sociais e culturais, que levaram a dar diferentes respostas e optar por diferentes
enfoques.
Sem ter a pretensão de esgotar o assunto, abordaremos as quatro principais47
etapas
da reflexão teológica: a teologia patrística, a teologia escolástica, a teologia moderna e a
teologia contemporânea.
1) A Teologia Patrística48
Entendemos por teologia patrística a teologia realizada pelos Padres da Igreja49
que
compreende o período que vai do início da Igreja até o século VIII. A patrística
apresenta as primeiras tentativas de expressar a fé através da linguagem humana, ora por
motivos apologético-missionários, ora para definir os limites da ortodoxia50
.
Este período é de grande importância para Igreja, pois aí foram lançadas as bases do
“edifício teológico” do cristianismo, que hoje conhecemos.
São sete51
as características principais da teologia patrística.
1) - é um discurso crítico, mas ao mesmo tempo imbuído por uma dimensão
profundamente espiritual;
2) - é assumida como sabedoria e dirigida aos diversos aspectos da vida humana;
3) - é marcada por um caráter testemunhal;
4) - é alimentada constantemente por uma leitura unitária e teológica da Escritura;
5) - é marcada por uma unidade intrínseca, não considerando ainda as diferentes
disciplinas teológicas;
47 MARTINS, p. 56. 48 MARTINS, p. 57. 49
Padres da Igreja: autores cristãos dos oito primeiros séculos, que comportam as seguintes
características: ortodoxia de ensino, santidade de vida, reconhecimento por parte da Igreja e antiguidade. 50 Ortodoxo: aquele que segue fielmente uma doutrina. 51 MARTINS, pp. 57-58.
35
6) - é realizada a partir da consciência eclesial, mesmo quando tem por objetivo o
combate às heresias ou às posições dos pagãos;
7) - usa a filosofia de uma forma eclética (diversificada).
Dos Padres Apostólicos aos primeiros apologistas
Neste primeiro momento a reflexão teológica não se encontra ainda sistematizada,
visto que as obras vão surgindo de acordo com a necessidade de responder aos
problemas surgidos na atividade pastoral, com preocupações principalmente éticas.
Nos séculos I e II, destacamos a presença singular dos Padres Apostólicos52
, que
foram os Padres da Igreja que tiveram contato direto com os apóstolos ou com
discípulos dos apóstolos. Estes personagens são testemunhas de grande credibilidade,
pois viveram muito próximo dos fatos originais, que sustentam nossa fé.
Principais autores: Clemente Romano, Inácio de Antioquia e Policarpo de Esmirna;
as obras Didaqué e o Pastor de Hermas.
Nos Séculos II e III, surgem os Apologistas, que foram os Padres da Igreja que se
dedicaram de maneira mais intensa na apologia (defesa) da fé, ora rebatendo os ataques
dos adversários, ora reelaborando o discurso teológico de maneira a persuadir os pagãos
a aderir ao cristianismo, mostrando a razoabilidade e a originalidade do Evangelho,
estabelecendo um vibrante diálogo entre fé e razão, trazendo como temas principais a
trindade e a ressurreição.
Principais autores: Aristides de Atenas, Justino, Taciano e Teófilo de Alexandria.
Da sistematização do pensamento teológico ao esplendor da Patrística
Nos Séculos III e IV, começam a surgir as reflexões sistemáticas da teologia, onde
se destacarão de modo especial duas escolas:
a) Escola de Alexandria: estabeleceu diálogos com a cultura helênica (grega).
Principais nomes: Clemente de Alexandria e Orígenes;
b) Escola de Antioquia: Buscou recuperar o sentido literal da Escritura,
sublinhando a humanidade de Jesus.
Principais autores: Luciano de Antioquia, Diodoro de Tarso, S. João Crisóstomo,
Teodoro de Mopsuéstica e Teodoreto de Ciro.
52 MARTINS, p. 58.
36
Os séculos IV e V, constituem a Idade de Ouro da Patrística, com as grandes
exposições da fé católica no Oriente e no Ocidente, onde se destacam dois grandes
gênios: Santo Agostinho (que fez a grande síntese entre a fé Cristã e a filosofia grega
(platônica) e São Jerônimo (que traduziu a Bíblia para do hebraico e do grego para o
latim - a Vulgata).
Com a paz de Constantino (permissão do culto cristão no Império Romano a partir
do ano 313) a Igreja abandona o mundo judaico onde nascera e se projeta para o mundo
Greco-latino, constituindo um grande impulso para o desenvolvimento teológico. Ainda
neste período aconteceram os primeiros concílios ecumênicos para tratar de questões
trinitárias e cristológicas.
Compreende-se que tanto o Antigo Testamento quanto a filosofia grega são
propedêuticas (preparação) do Cristianismo.
Outros autores de destaque: Atanásio, Basílio de Magno, Gregório de Nazianzo,
Gregório de Nissa, Ambrósio, Leão Magno.
O final da patrística
A partir do século V começa a se delinear o fim da Patrística que terá seu desfecho
no século VIII.
Uma das grandes causas do fim da patrística no Ocidente foram as invasões bárbaras,
que tiveram como marco a saque de Roma em 410 a queda do Império Romano
Ocidental em 476. Estas ameaças levaram o povo a migrar para o campo alterando a
ação pastoral da Igreja.
No Oriente a patrística se estendeu um pouco mais, pois lá o Império só veio a cair
em 1453, com a invasão dos turcos Otomanos.
No Ocidente a patrística foi até o ano 636 e no Oriente até 750.
Os principais autores: Boécio, Gregório Magno, Isidoro de Sevilha (+636),
Columbano, Bonifácio, Beda e João Damasceno (+750)
O Monaquismo e a passagem da Patrística para a Escolástica
Entre esses dois grandes períodos, Patrística e Escolástica, temos o período
Monástico, que não nos deteremos, muito, mas se faz necessário citá-lo para melhor
compreensão do contexto.
Com as invasões bárbaras o povo migra para o campo. Os mosteiros surgem no
campo e desenvolveram uma teologia distante do povo. No isolamento, se dedicavam
37
ao trabalho, ao estudo e a oração a partir das Escrituras (Lectio Divina). Também
tiveram grande importância para a cultura ocidental, pois copiaram e traduziram muitas
obras clássicas.
Neste período de transição do monaquismo para a escolástica, merece destaque Santo
Anselmo de Cantuária (1033-1109), que cria um novo modo de fazer teologia, dando
uma grande ênfase no papel da razão, que procura compreender a fé a partir da dialética
(busca da verdade a partir do diálogo – tese-antítese-síntese) animada pela
contemplação. Santo Anselmo é considerado o pai da escolástica.
2) Teologia Escolástica
Entendemos por teologia escolástica o período que vai do século XI ao XV,
abarcando grande parte da Idade Média (período que vai do ano 476 ao 1453).
Enquanto a teologia patrística se estabeleceu no âmbito pastoral-missionário, a
monástica se dava num ambiente místico-contemplativo dos mosteiros que ficavam no
campo, a teologia escolástica se realizava no espaço escolar, nas universidades, ao lado
de outras disciplinas como: direito e medicina, passando pelo crivo da lógica e da
análise crítica.
O grande problema da escolástica é que embora houvesse uma boa sistematização
(visão de conjunto) ela se tornou muito teórica e não favoreceu a atividade pastoral.
Além disso, seus destinatários eram principalmente a elite da sociedade e não o povo
simples. Neste período, houve grande influência da filosofia e da lógica Aristotélica,
Os grandes representantes da Escolástica eram os doutores, dentre os quais se
destaca São Tomás de Aquino (+1274).
As fases da escolástica
Para melhor compreensão deste período da teologia, podemos distinguir três fases:
a primeira escolástica, a alta escolástica e a escolástica tardia.
a) A primeira escolástica (do século XI ao XII)
A escolástica nasce num ambiente marcado pelo renascimento cultural, que se
inicia no século XI e se expande até o século XII. Os principais fatos foram: as
cruzadas, o surgimento das cidades, da burguesia e das universidades. Neste período se
dá a passagem do neoplatonismo agostiniano para o aristotelismo, com sua lógica e sua
metafísica, graças a Boécio que traduziu suas obras para o latim.
38
É importante notar que, anteriormente a teologia era vista como um encontro com a
sabedoria. A grande peculiaridade do método escolástico é que a teologia se desenvolve
a partir da dialética, dando um grande enfoque na questão da racionalidade e na lógica
dos argumentos, bem como na análise crítica.
Este método se dava em várias formas de ensino53
, como:
- lectio: o professor comenta os textos dos grandes mestres e com eles dialoga.
- quaestio: buscar a verdade a partir de diferentes interpretações do mesmo texto.
- quaestiones disputatae: o mestre colocava uma série de questões e mediava a
discussão.
- quaestiones quodlibet: discussão livre sobre qualquer assunto.
- summae: ensaios sistemáticos de teologia, confrontado com as refutações.
É importante ressaltar, que foi neste período, no ano 1050, que se deu a divisão
entre a Igreja Romana e a Bizantina, passando a ser chamadas respectivamente de Igreja
Católica Apostólica Romana (ocidental) e Igreja Ortodoxa (oriental).
Os grandes expoentes deste período foram: Anselmo de Cantuária, Hugo, Ricardo
de São Vitor, Pedro Abelardo e Pedro Lombardo.
b) A alta escolástica (século XIII)
Este foi o período do esplendor da escolástica, onde surge o grande teólogo São
Tomás de Aquino, que deixou uma das obras mais importantes para a teologia: a suma
teológica, embora tenha sido concluída por seus discípulos.
São Tomás de Aquino também é considerado o modelo de teólogo54
pela Igreja,
pois foi capaz de fazer uma das melhores sínteses entre a fé e a razão. Sua base
filosófica era Aristóteles.
Outros nomes merecem destaque: Alberto Magno, Eckart e Boaventura.
c) Escolástica Tardia (do século XIV ao XV)
Este período é marcado pelo agravamento da relação entre o poder eclesiástico e o
poder civil, principalmente com o Cisma do Ocidente55
.
53 MARTINS, p. 65. 54 Optatam Totius16. 55 Período onde a Igreja teve seu poder dividido por três papas (ou pretensos papas).
39
Também neste período começa a haver um distanciamento entre a fé e a razão,
principalmente com Guilherme d’Occam, que negava a possibilidade de um
conhecimento científico sobre Deus, ou seja, a teologia.
Os grandes autores: Duns Scoto, Guilherme d’Occam.
3) A Teologia Moderna (do século XVI ao XIX)56
Uma das grandes marcas deste período foi o Renascimento, que levou o homem
medieval, a partir do contato e com o interesse pela cultura clássica Antiga estabelecer
novos horizontes, recusando a autoridade e a tradição. Surge um “homem novo”,
querendo autonomia, principalmente instigado pelas novas possibilidades apresentadas
pelos avanços da ciência, as descobertas de novas terras, o desenvolvimento comercial.
Além disso, as pessoas buscavam um contato mais direto e simples com a religião e não
as elevadas abstrações escolásticas.
A Reforma-Protestante e a Contra-Reforma Católica
Estamos aqui diante de um dos problemas mais delicados que a Igreja enfrentou ao
longo dos séculos, onde o padre agostiniano, Lutero, questiona duramente a dogmática
tradicional, principalmente a influência da filosofia na teologia, buscando dar maior
ênfase nas Escrituras e a sua livre interpretação, desencadeando em 1517 à Reforma-
Protestante.
Somente com o Concílio de Trento (1545-1563) a Igreja enfim consegue fazer uma
reforma interna, procurando corrigir erros e principalmente responder as grandes
questões levantadas por Lutero.
Estas situações, fizeram com que, cada vez mais o cristianismo perdesse força e
desse espaço para a secularização, ou seja, uma sociedade que funciona independente da
Igreja, que passa a ser considerada mais como uma rival que como uma aliada.
Os inícios do racionalismo
O racionalismo, que se desenvolve a partir de Descartes, afirma que o
conhecimento para ser verdadeiro precisa passar pelo crivo da razão, colocando em
descrédito a Revelação, por se uma realidade não abarcada e considerada pela razão.
Esta foi uma das grandes interpelações à teologia católica, que reage criando a
56 MARTINS, p. 73.
40
disciplina da Apologética, que procura explicar pela razão natural os dogmas, que são
expressões do conhecimento sobrenatural.
O racionalismo e as questões teológicas que levantam
A partir da influência racionalista, a teologia, apesar de todos os esforços, acaba se
reduzindo aquilo que a razão pode abarcar57
, gerando uma crise no cristianismo do
século XVIII.
O filósofo Kant, por exemplo, afirma que não encontramos Deus no mundo, mas na
consciência de cada pessoa. Desse modo, ter fé significaria obedecer os valores morais
já presentes em nossa própria consciência e não fora dela.
O século da História
No século XIX, a palavra de ordem foi a história, que influenciou todas as áreas do
conhecimento, inclusive filosofia e a teologia. Esta concepção, tem como base a busca
de responder aos questionamentos da realidade, sempre a partir da razão. De modo
particular o cristianismo é constante alvo de críticas e não consegue responder a altura
os grandes questionamentos levantados por pensadores como: Feurbach, Nietzsche,
Marx, (que vêem a religião como alienação).
4) A Teologia Contemporânea (Século XX)
Antes da Segunda Guerra Mundial
Neste período, a reflexão teológica sofreu forte influência das novas correntes
filosófico-científicas, que procuram compreender as religiões, e também o cristianismo,
como um a etapa do desenvolvimento histórico, relativizando o seu valor e procurando
reforçar a autonomia do homem diante da idéia de Deus, que para muitos era o
usurpador da melhores qualidades humanas. Por outro lado com a evolução do
conhecimento científico, entendido como a forma mais excelente de conhecer,
desconsiderou o saber da fé.
O protestantismo com a teologia liberal apresenta o cristianismo como a mais alta
expressão da religiosidade, mas acabou reduzindo a uma procura do homem, relegando
Jesus a um mero mestre exemplar.
57 MARTINS, p. 79.
41
No catolicismo, os teólogos modernistas, romperam com a neo-escolástica, e
procuraram estabelecer um diálogo com o mundo moderno, utilizando o pensamento
filosófico da época, mas acabaram relativizando a transcendência da Revelação e o
conteúdo dos dogmas.
A neo-escolástica renova, com o neotomismo, buscando a autenticidade do
pensamento de São Tomás de Aquino.
Culturalmente, na Europa, cresce o marxismo e o nacional-socialismo.
Filosoficamente ganha corpo a fenomenologia, o existencialismo, o personalismo, o
positivismo lógico e o marxismo.
Na linha protestante surge, de um lado Karl Barth, defendendo a transcendência e
de outro, surgem teólogos que enfatizam a tal ponto a humanidade de Jesus (aspecto
histórico), que acabam descaracterizando a transcendência.
Bultman, reagindo ao demasiado historicismo, enfatiza demasiadamente o aspecto
pessoal e individual da decisão da fé, caindo no subjetivismo.
O catolicismo buscou incrementar seus estudos Bíblicos e à Patrística. Pela
renovação litúrgica, a teologia da história, levando a um encontro entre cristianismo e
cultura. Repensou a eclesiologia a partir da teologia do laicado, onde pode estabelecer
uma melhor relação da Igreja com o mundo.
Depois da Segunda guerra
Diante da grande catástrofe da guerra, os europeus enfrentam uma crise de sentido
para a existência. A sociedade civil se afasta ainda mais do cristianismo, a filosofia
caminha para o ateísmo e a teologia enfrenta problemas para definir o papel político da
Igreja, que sente necessidade de se apresentar como um humanismo.
Neste período, em contraposição aos manuais de inspiração escolástica, surge a
“Nova Teologia”, que procura assumir o ser humano como existência histórica, sem
perder a fidelidade às Escrituras e a Tradição eclesial, apoiando-se nos modernos
estudos bíblicos e nas fontes patrísticas.
Ficam por algum tempo sob suspeita de excessiva influência modernista, mas no
Vaticano II foram redimidos e aceitos como grande fonte de renovação da Igreja.
Destacaram-se os teólogos, Chenu, Congar, Lubac e Daniélou.
42
Desse modo, cinco grandes questões, emergem na teologia católica e irão para o
Concílio Vaticano II.
1) A natureza e a da teologia, com a introdução do conceito de história e
consequentemente o caráter realístico da revelação e da fé.
2) Relação entre natural e sobrenatural: uma separação entre as duas ordens garantia o
caráter sobrenatural da graça, mas fazia com que a teologia se desinteressasse das
realidades terrenas;
3) Relação matéria-espírito: o pensamento marxista, fixando-se apenas na matéria
lançou o desafio de construção de uma teologia das realidades terrenas e de uma
antropologia teológica integral (registre-se a tentativa de Teilhard de Chardin de
harmonizar a revelação cristã com o progresso cientifico).
4) O problema da revelação: de uma teologia centrada sobre a fé entendida como um
acreditar em verdades, passou-se para uma teologia centrada na Revelação Divina
como acontecimento histórico-salvífico, que dá forma a própria fé.
5) Eclesiologia: passou da Igreja instituição para a Igreja comunidade de salvação.
Depois do Vaticano II houve uma grande renovação, não apenas no currículo dos
estudos eclesiásticos, mas principalmente no método teológico. Além dos teólogos já
mencionados, destacaram-se R. Guardini, Karl Rahner, Von Balthasar, Schillebeeckx,
Ratzinguer e W. Kasper.
No período pós-conciliar, desenvolveram as teologias práticas, que encararam a
dimensão histórica do cristianismo, não apenas como passado, mas como abertura para
o futuro. Destacam-se teologia da esperança, com J. Moltmann; teologia política de J.
B. Metz e a teologia da libertação de Gutierrez.
No entanto, muitas vezes encararam o cristianismo, como uma libertação meramente
terrena, perdendo um pouco a dimensão transcendental. Atualmente a teologia busca
realizar de uma maneira mais equilibrada esta síntese entre o transcendente e o
histórico, evitando os extremos.
43
A TEOLOGIA LATINO-AMERICANA DA LIBERTAÇÃO
Toda teologia nasce em determinado contexto social e histórico, marcado de modo
particular pela situação política e econômica58
, envolvida por um movimento de idéias e
elementos culturais.
Situação sociopolítica e econômica de dominação e opressão
Para melhor compreensão da origem desta teologia, faz-se necessário observar a
situação econômica da época. Com o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o
capitalismo se expande com grande velocidade pelo mundo.
Na Europa, sob a orientação de líderes cristãos, pela situação cultural e influência das
lutas operárias o capitalismo se desenvolve de uma maneira mais humana, garantindo
vida digna para a maioria da população.
Diferente da Europa e EUA, nos países, periféricos o capitalismo mostra a sua face
mais selvagem, onde a maioria da população fica marginalizada no processo de
desenvolvimento, com uma grande concentração de renda nas mãos de uma elite
comprometida com interesses internacionais.
Os países ricos criaram a teoria do desenvolvimento, afirmando que os países
pobres estariam em processo de desenvolvimento e que um dia se tornariam tão
prósperos e igualitários quanto a Europa e EUA.
No entanto, observando a realidade de exploração a que estavam submetidos os
países do terceiro mundo, os sociólogos Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto
(Chileno) elaboraram a Teoria da Dependência e da libertação, onde afirmavam que
os países pobres jamais se desenvolveriam seguindo este modelo de desenvolvimento,
visto que a riqueza das grandes potências se dava por meio da exploração dos países
periféricos, gerando um círculo vicioso e opressor. Somente um rompimento com o
sistema, uma libertação do imperialismo dos países ricos poderia ser a saída para o
problema.
Desse modo, o termo libertação59
surge dentro da teoria da dependência e
libertação, elaborada por FHC e Enzo Faletto, nos anos 60.
58 LIBÂNIO, João Batista; MURAD, Afonso. Introdução à teologia: perfil, enfoques, tarefas. Loyola, São
Paulo, 1996. P. 161. 59 LIBÂNIO, p. 163.
44
Movimentos de libertação
Diante da situação de dependência e opressão, surge no continente Latino-
Americano uma vontade de libertação, alimentada por duas correntes, sendo uma
popular, baseada na luta por direitos, organização no campo e nas cidades, que
pressionavam a sociedade.
Também surgem movimentos revolucionários, que embora pequenos, faziam
muito barulho.
Por conta destas circunstâncias instaurou-se no continente um amplo debate sobre a
necessidade de transformação desta realidade. Assolada pelos efeitos nefastos do
capitalismo, esta duas vertentes tendem para uma vertente socialista, que ganhou força
graças ao método pedagógico elaborado e experimentado por Paulo Freire.
Presença da Igreja
A Teologia da Libertação, surge quando setores da Igreja, a partir da experiência de
opressão e busca de libertação, busca na fé uma resposta para esta situação.
Outro fator importante para o surgimento da TdL, foi abertura da Igreja para o
Social60
, com as encíclicas Mater et Magistra, Pacem in terris do Papa João XXIII e a
preocupação pelas realidades terrestres, humanas e históricas demonstradas na Gaudium
et spes.
Parte do episcopado brasileiro se sensibilizou com a questão social, captando as
tensões fundamentais, permitindo o surgimento de uma teologia.
A juventude, teve forte influência da Ação Católica, de modo especial, a JEC, JOC,
JUC, comprometidas, não somente com transformação da política estudantil, mas
também social.
Nos meios rurais e nas periferias começaram a surgir as CEBs (Comunidades
Eclesiais de Base), que levantaram grandes questionamentos, que a TdL procurou
responder.
A partir do encontro entre os bispos sensibilizados com o social, a ação católica e as
CEBs, interpelados pela dura realidade social em confronto com o Evangelho, surge a
TdL.
60 LIBÂNIO, pp. 166-167
45
Situação Cultural e Teológica
Toda nova teologia, sofre influência das anteriores e da realidade que a envolve,
com suas idéias e valores. A teologia latino-americana nasce no horizonte cultural da
modernidade em atitude crítica à cultura medieval.
Enquanto a teologia medieval (escolástica) procura responder a realidade a partir de
princípios de fé já pré-estabelecidos, a teologia moderna, pelo contrário, vai ao encontro
da realidade do homem moderno e a partir do confronto com a mensagem Evangélica,
elabora uma teologia, que seja capaz de responder aos seus grandes questionamento.
A teologia moderna e a TdL, partem do sujeito que crê e não da doutrina em que se
crê, como era a teologia medieval.
A Teologia da América Latina é alinhada com a teologia moderna e crítica a
teologia medieval. No entanto, enquanto a teologia moderna européia, busca resgatar o
sentido da Revelação para o homem moderno ameaçado pela perda de sentido da
existência, a teologia moderna da América-Latina, por sua vez, busca o sentido da
Revelação interpelada pela situação de opressão dos pobres.
Estrutura da Teologia da Libertação
A TdL diferencia-se das outras teologias, não porque não se refira à Revelação, mas
sim, porque nasce de uma situação dramática, onde existe uma tensão entre dominação
e libertação, em um continente cristão.
Pontos de partida
Toda nova teologia nasce a partir de novas perguntas. A TdL, nasce de experiência
de Igreja, que se vê interpelada pela contradição entre a opressão e o Evangelho. Pela
compreensão de um Deus que não se cala diante da face machucada do pobre, mas que
se manifesta na obra de libertação.
Articulação com a prática
A TdL é a face teórica-crítica da prática libertadora. Sem a teoria a prática perde a
lucidez. Sem a prática da caridade, a teoria se esvazia.
Por isso é importante que a TdL não se esvazie da experiência de Deus no pobre,
pois do contrário se torna uma simples ideologia.
46
Os três momentos da TdL
A TdL constitui-se de três momentos: pré-teológico, teológico e a dimensão
pastoral.
a) Momento pré-teológico (ver): se dá a partir da experiência do teólogo que “vê” a
realidade do empobrecido e da sua necessidade de analisá-la cientificamente.
Na experiência do “ver”, é preciso muito cuidado para não cair nas visões
preconceituosas formadas por aqueles que são contrários a TdL, ou, no outro
extremo, por aqueles que a defendem, sem a mínima criticidade.
Na análise científica, é preciso muito cuidado, para não apropriar-se de maneira
equivocada das ferramentas das ciências sociais ou de métodos de análise, sem
livrar-se da ideologia que está por trás de cada um deles. É necessário selecionar
elementos destas ciências e colocá-los à luz da fé.
b) Momento teológico (julgar): consiste em trabalhar a questão levantada pela
situação, analisada com mediações sociais, à luz da Revelação divina.
É preciso evitar o determinismo sociológico, que afirma que a compreensão da
Revelação depende do ponto de vista do leitor.
Por outro lado, o dogmatismo transcendentalista, que considera a Palavra de
Deus, como uma realidade fixa, que não possibilita novas interpretações, diante de
novas realidades.
Somente uma articulação dialética entre situação e a palavra, o histórico e o
transcendente, leva a uma atualização e compreensão da mensagem da Revelação
Divina.
Desse modo, o momento teológico responde ao triângulo hermenêutico61
: texto,
contexto e pré-texto. Dentro de um pré-texto social, vivendo-se no contexto eclesial,
procura-se penetrar o sentido do texto da Revelação, que em suma deve responder a
pergunta básica e fundamental: o que diz Deus sobre tal realidade?
c) Momento prático (agir): a prática é uma das características básicas da TdL, embora
não possa esquecer-se da sabedoria e da racionalidade.
Na TdL, existem três níveis de práxis62
: prática intrateológica, intraeclesial e
sociopolítica.
61 Hermenêutica: interpretação do sentido das palavras. (Larousse) 62 Conjunto de atividades humanas que promovem a transformação da organização social. (Larousse)
47
1) Prática intrateológica: consiste em dilatar a compreensão de termos e realidades
teológicas cristalizadas, para uma dimensão mais humana, e comprometidas com
a realidade histórica.
2) Prática intraeclesial: tem como objetivo construir uma igreja militante e
ministerial.
3) Sociopolítica: mostra em que aspectos as estruturas políticas, sociais, econômicas
estão coerentes ou não com o projeto de Deus.
Teologia da Libertação e práxis
Resumidamente podemos dizer que, a Teologia da Libertação é uma:
Teologia da práxis: pois a prática oferecer a matéria-prima da TdL.
Teologia para a práxis: pois o fruto da elaboração teológica é orientado para
iluminar a prática teológica.
Teologia na práxis: pois o teólogo deve estar comprometido e inserido na prática
libertadora.
Teologia pela práxis: pois é de modo particular na prática pastoral que se julga o
valor de uma teologia.
Balanço crítico da TdL
Embora jovem, é possível fazer um balanço da TdL, tanto pelos seus limites,
quanto pelos seu avanços.
Uma das principais críticas recebidas pela TdL é o fato de ele utilizar
instrumentos para analisar a realidade, oriundas do sistema marxista, que entrou em
colapso no leste europeu. Este fato obrigou os teólogos a rever e aprofundar o seu
discurso, principalmente diante da complexidade do capitalismo. Hoje a questão
central discutida pela TdL é, como conciliar justiça social com mercado. Apesar de
tudo, os ideais da TdL continuam válidos: justiça social, liberdade, fraternidade, etc.
Outro problema é o estranhamento entre a TdL e a Doutrina Social da Igreja.
Também aconteceu, que ao enfocar a questão do pobre, a TdL descuidou da
questão racial e da relação homem-mulher.
Ao buscar responder as questões urgentes das necessidades básicas humanas –
alimentação, saúde, habitação – descuidou-se do universo dos desejos. Por conta
divulgou-se uma imagem do militante e agente de pastoral rígido e insuportável, a
48
beira do fanatismo, ao passo que o capitalismo divulgava a proposta de um mundo
maravilhoso de sonhos e ilusão, que seduziu a muitos.
Por conta disso, atualmente a TdL tem valorizado os momentos lúdicos e as
festas populares.
A respeito da interpretação da Palavra de Deus e da fé da Igreja, há uma crítica,
afirmando que muitas vezes a Revelação divina ficou subordinada a práxis.
Há também uma crítica no que diz respeito ao ecumenismo, que foi
negligenciado. Isto levou a uma mudança de atitude, de modo que atualmente se
realizam ações conjuntas entre católicos e evangélicos nas lutas populares, embora a
reflexão teológica propriamente dita ainda não tenha avançado.
Falta também uma reflexão mais profunda relacionando teologia e economia.
Por fim, ainda caem sobre a TdL, outras críticas como: incentivo à violência,
acirramento do conflito, politização da fé dos agentes de pastora, desrespeito à
religiosidade piedosa do povo simples, atitude extremamente crítica à instituição
eclesiástica, etc.
Perspectivas
Em 1992, no encontro Internacional de El Escorial, tentou-se a partir do balanço
das últimas décadas, traçar uma perspectiva de futuro.
Chegou-se a conclusão que a TdL só tem futuro, se continuar a existir esta
imensa e escandalosa massa de excluídos no mundo, que contradiz abertamente o
Evangelho. Se um dia esta realidade for mudada, com certeza não terá sentido uma
Teologia da Libertação. Mas enquanto isto não acontece, a TdL, continua sendo uma
voz teológica, quase única, a gritar. Aliás, a sua credibilidade está na imensa
quantidade de excluídos.
Se antes a TdL trabalhou a relação opressão-libertação, agora ela procura
trabalhar o problema da exclusão-solidariedade, envolvendo também os países ricos.
Somente uma cadeia mundial de solidariedade63
tem a possibilidade de impor
modificações radicais aos rumos do sistema capitalista neoliberal.
Entre os principais desafios e tarefas da TdL, podemos destacar:
1) Passar da cristologia do Cristo histórico para a valorização do Cristo-
pneuma, abrindo-se para uma eclesiologia mais criativa e crítica.
63 LIBÂNIO, p. 191.
49
2) Uma Igreja feita de rede de comunidades de partilha de fé, respondendo aos
anseios espirituais do povo.
3) Compreender salvação e libertação como um processo mais amplo que o
puramente terreno.
4) Uma ação transformadora do homem que envolva a questão social e
ecológica.
5) Uma teologia aberta à inculturação.
6) Busca de espiritualidade mais profunda que fundamente a prática.
7) Abertura à presença da mulher em todos os campos da teologia.
8) Aprofundar os estudos, em forma de teses e dissertações, garantindo a
credibilidade do discurso, frente ao mundo moderno.
9) Realizar uma liturgia que afete toda a vida da Igreja, em resposta à teologia
conservadora.
10) Uma visão de catequese mais abrangente, unindo teologia e prática.
A Libertação é algo mais abrangente que a TdL. Ela abrange o campo político,
econômico. A libertação, é, em última instância o plano salvífico de Deus.
50
O MÉTODO TEOLÓGICO
Aprender a fazer teologia
O objetivo da metodologia teológica é ensinar a praticar teologia. O estudante,
dispondo do instrumental básico, aprende as regras fundamentais da teologia para
exercitá-las em suas reflexões e trabalhos pastorais.
É importante ressaltar, que não basta entender para crer. É preciso fazer a
experiência do mistério de Deus na nossa vida, ultrapassando o simples domínio
racional.
O teólogo presta um serviço à comunidade, quando, por meio do conhecimento
científico e sua disponibilidade, se torna capaz de articular os vários elementos da nossa
fé com a realidade, ajudando seus irmãos a viver com profundidade experiência de
Deus.
Caminhos do conhecimento de Deus
A teologia é o estudo sobre Deus, onde, o ser humano, partindo de uma realidade
concreta, faz perguntas sobre o ser.
A humanidade, para conhecer a Deus, ao longo de sua história, buscou diversos
caminhos, que embora diferentes são complementares:
a) O caminho da razão, é o modo de buscar a Deus pela via natural, onde o
homem, diante da criação, procura, com esforço racional, responder às questões
relacionadas a origem, ao fim e o sentido das coisas, de modo particular a
finalidade da existência humana. Este caminho é de modo particular trilhado
pela filosofia.
b) O caminho das grandes religiões, torna possível um vislumbre do Mistério,
onde podemos perceber lampejos da Verdade. Segundo a Nostra Aetatte 2:
“A Igreja católica... olha com sincero respeito esses modos de agir e viver, esses preceitos e doutrinas que, embora se afastem em muitos
pontos daqueles que ela própria segue e propõe, todavia, refletem não
raramente um raio da verdade que ilumina todos os homens”.
Como vemos, a ação do espírito de Deus, está presente em todas as culturas,
para atraí-los para Ele.
c) O caminho da Revelação: trata-se da automanifestação de Deus que tem seu
ápice em Jesus Cristo. É uma revelação plena de Deus, que se torna acessível a
todos, de maneira fácil e segura, embora não dispense a racionalidade.
51
Proporciona um encontro pessoal com o Deus vivo que efetivamente entra na
vida da pessoa e da comunidade daqueles que crêem.
Etapas do trabalho teológico64
A teologia cristã busca uma visão orgânica e sistemática da fé. Para isso, o trabalho
teológico se dá em três passos consecutivos:
- a escuta da fé; (passo hermenêutico)
- a experiência da fé; (passo especulativo)
- a aplicação da fé; (passo prático)
A escuta (auditus fidei) é o passo básico, que consiste em coletar o dado da
Revelação, tal qual está exposto e elaborado nas Escrituras, nos Padres da Igreja, nos
grandes teólogos e na reflexão teológica mais recente. O simples fato de coletar os
dados já vai ampliando também a intellectus fidei.
A explicação (intellectus fidei) é o momento onde se elabora propriamente a
teologia, a partir do aprofundamento intelectual do dado coletado. Ao realizar a
intelecção do dado, o próprio dado vai se ampliando.
Se dá no confronto entre fé e razão, e se compõe em três operações:
- Análise do conteúdo interno da fé, colocando o “porquê” dos mistérios em que se crê.
- Sistematização desse conteúdo mediante uma síntese articulada.
- Criação de novas perspectivas teológicas para avançar na compreensão da fé.
É importante ressaltar, que esta terceira etapa, a aplicatio fidei, é uma contribuição
de modo particular da teologia Latino-Americana. Na Fides et Ratio, são apresentadas,
apenas a auditus fidei e a itelectus fidei, como etapas do método teológico, como
vemos:
A teologia está organizada, enquanto ciência da fé, à luz do duplo
princípio metodológico: auditus fidei e intellectus fidei. Com o
primeiro, recolhe os conteúdos da Revelação tal como se foram
explicitando progressivamente na Sagrada Tradição, na Sagrada Escritura e no Magistério vivo da Igreja. Pelo segundo, a teologia quer
responder às exigências do pensamento, por meio da reflexão
especulativa. (FR 65)
A atualização (aplicatio fidei) é o momento em que a teologia é aplicada na pastoral,
contribuindo com a comunidade eclesial e os seus pastores.
64 MATOS, p. 37.
52
É o momento da prática teórica, que consiste em reinterpretar dados anteriores,
transformando-os em teologia.
Para melhor compreensão, da distinção entre os discursos, vejamos os níveis de
evolução do dado revelado até a sistematização teológica.
- O nível da ordem concreta da revelação de Deus: o real salvífico;
- O nível da captação consciente da salvação de Deus na e por uma religião: a fé;
- Um discurso espontâneo sobre tal realidade: discurso religioso;
- E um discurso técnico e auto-regrado sobre a mesma realidade: discurso teológico
O discurso teológico distingue-se do religioso, pois é uma operação disciplinada,
auto-regulado. O religioso, por sua vez é espontâneo e não sitematizado.
Teologia dedutiva e indutiva65
Para melhor compreensão da estrutura interna da teologia, é importante perceber
que existem dois movimentos possíveis na hora de realizar o trabalho teológico, como
veremos:
a) A teologia dedutiva: trata-se da maneira de fazer teologia, adotada principalmente
pela escolástica. É uma teologia “a partir de cima”, ou seja, parte do dogma, da própria
fórmula da Revelação buscando maior compreensão pela via da analogia com realidades
humanas.
Por isso ela se colocou a serviço da hierarquia da Igreja, com o intuito de defender
a fé católica, tornando-se de certo modo a doutrina oficial. Constituiu-se como um
verdadeiro corpo doutrinal, complexo e bem estruturado das verdades dogmáticas. No
entanto, preocupado em defender-se, descuidou-se da pesquisa, tornando-se enrijecida,
assumindo um caráter abstrato, autoritativo e incapaz de responder aos novos problemas
e temas que surgiam. Tornou-se uma teologia perene, não se abrindo aos grandes
questionamentos do mundo moderno.
Em suma, a teologia dedutiva teve sucesso numa sociedade de cristandade, onde
todos conheciam os princípios cristãos, mas não teve êxito diante dos grandes
questionamentos da ciência, da história, da razão crítica, da subjetividade, própria do
mundo moderno.
Por conta disso há uma ruptura, surgindo um outro tipo de teologia.
65 LIBÂNIO, p. 101.
53
b) Teologia indutiva
Chamada também de teologia “a partir de baixo”, é o modo de fazer teologia que se
tornou hegemônico principalmente após o Vaticano II. A sua característica básica é
começar a reflexão teológica a partir dos questionamentos que nascem da realidade
humana. Surge da vida cotidiana, de baixo e pela via da indução. Em suma, vai da
experiência ao dogma, fazendo um caminho contrário ao da dedutiva, que vai do dogma
à experiência.
No entanto, esta teologia indutiva é bem diversificada e ramificada, pois são muitas
as experiências e realidades humanas, gerando uma pluralidade de teologias, diferente
da dedutiva, que partia de um ponto único, a doutrina oficial.
Linguagem e atitudes básicas
Embora a linguagem humana não seja capaz de abarcar a grandeza do mistério de
Deus, ela é um instrumento fundamental na comunicação da experiência da fé e a sua
compreensão racional, como afirmava o apóstolo Paulo: “Nosso conhecimento é
limitado... agora vemos por um espelho e de maneira confusa...” (I Cor 13, 9.12).
Quanto a linguagem, os conceitos científicos, embora indispensáveis, são
insuficientes para falar de Deus. Desse modo, a linguagem poética da analogia, parecer
ser a que melhor se adapte ao mistério, permitindo vislumbrar a realidade divina.
A linguagem simbólica, embora fale à inteligência, tem como grande objetivo
aquecer o coração, levando a conversão e a ação, à luz da fé e do amor, por meio de um
diálogo vital entre Deus e o teólogo.
Quem se dedica ao estudo da teologia deve ter as seguintes atitudes.
- Amor e entusiasmo para com as coisas de Deus que deseja conhecer a fundo;
- Ter humildade e reverência diante da grandeza do Mistério de Deus.
- Disposição para “colocar em comum” os conhecimentos adquiridos, em vista do
bem da comunidade eclesial.
54
OS NÍVEIS DE TEOLOGIA
Geralmente considera-se teologia o que fazem os chamados teólogos profissionais.
No entanto, numa análise mais profunda, percebemos que também os pastores e os fiéis,
de um modo geral fazem teologia, a medida que pensam a sua fé.
A partir desta compreensão, identificamos três formas ou níveis66
fundamentais de
teologia: a teologia popular, a teologia profissional e a teologia pastoral, que interagem
entre si de maneira dinâmica, com suas contribuições e tensões mútuas.
Distinção entre os níveis
É importante ressaltar, que na América Latina, de modo particular, é mais clara
distinção entre estes três níveis. A teologia popular se dá numa linguagem corrente
enquanto a teologia profissional é marcada por uma linguagem técnica. A teologia
pastoral se dá numa posição intermediária entre estas duas instâncias, ora decodificando
a profissional para a popular, ora levantando questionamentos da popular para
profissional, de maneira interativa.
Teologia popular
É a teologia realizada, como reflexão de fé, por cristãs (ãos), no âmbito pessoal ou
comunitário, de maneira espontânea, orientada pela questão básica: “o que Deus está
dizendo para mim ou para minha comunidade neste acontecimento ou momento da
existência?”
Ela acontece nos espaços eclesiais: no círculo bíblico, no grupo de jovens, no
grupo de crisma, na reunião de catequistas, no núcleo de militantes cristãos, no grupo de
espiritualidade e partilha ou mesmo na reflexão pessoal da Palavra de Deus. O método
utilizado é o confronto entre a experiência vital e a Palavra de Deus. É alimentada e
enriquecida por cursos de treinamento, encontros mensais de catequistas, reuniões de
preparação para animadores. Esta transmissão ou troca de conhecimento e experiência é
realizada por pessoas da própria comunidade, de acordo com suas aptidões, sem
conhecimentos mais profundos.
66LIBÂNIO, p. 199.
55
O produto desta reflexão é predominantemente oral, expressos em comentários,
exposições, partilhas, celebrações e dramatizações, mas também são produzidos
materiais escritos como: roteiros, folhetos, boletins, cartilhas, etc.
Por meio destes recursos simples, o povo simples se torna capaz de desenvolver um
senso crítico mais aguçado, tornando-se agentes da reflexão teológica e não meros
repetidores dos pensamentos dos outros.
Teologia profissional
Trata-se da teologia elaborada seguindo as exigências do rigor científico. É lógica,
metódica e sistemática sem deixar de se dinâmica, permitindo deste modo, que se
realize os dois principais movimentos internos da teologia, ou seja, de coletar os dados
(auditus fidei) e de refletir sobre eles (intelectus fidei).
Neste nível de teologia, faz-se necessário um bom conhecimento e a correta
utilização dos dados da Escritura, da Tradição, dos dogmas, das definições do
Magistério e capacidade de relacioná-los com as manifestações da comunidade eclesial.
Esse modo de faze teologia se dá num ambiente formal de ensino, ou seja, nos
institutos teológicos, seminários e faculdades de teologia.
Terminando o bacharelado o teólogo deve estar apto a fazer uma síntese entre os
elementos centrais da teologia e ser capaz de ouvir uma reflexão teológica e situá-la
dentro de um quadro geral da teologia. Deve ser capaz de fazer, minimamente teologia
pastoral.
O mestrado e o doutorado, por sua vez, se destinam a ampliar o conhecimento,
levando o aluno a adentrar no interior das regras do discurso teológico, ou seja, a
“máquina” onde se produz a teologia. Deste nível de estudo, surgem os pesquisadores,
professores e assessores especialistas para a pastoral. Uma pessoa que conclui o
mestrado ou doutorado, deve estar pronta para fazer e ensinar teologia em nível
acadêmico.
Teologia Pastoral
A teologia pastoral situa-se entre a teologia popular e a teologia acadêmica. É
entendida como um pensar sobre a fé de forma relativamente orgânica e elaborada, sem
perder contato com a reflexão concreta e as questões levantadas pela teologia popular.
56
Esse modo de fazer teologia ganhou sistematicidade e lógica, quando adotou os
passos metodológicos da ação católica, ou seja, Ver, Julgar e Agir, aos quais foram
acrescentados, Celebrar e Avaliar.
A teologia pastoral é produzida em Institutos de Pastoral, centros de formação,
grupos de aprofundamento bíblico, teologia para leigos, entre outros.
É produzida também no âmbito institucional propriamente dito, ou seja, pelos
órgãos oficiais da Igreja, como a CNBB, através do Instituto Nacional de Pastora (INP)
e o texto-base da Campanha da Fraternidade. Além disso, em momentos privilegiados
como as assembléias diocesanas ou reuniões plenárias de alguma pastoral específica, a
teologia pastoral tem papel essencial, onde de destaca a figura do teólogo assessor,
ajudando o grupo a interpretar os desafios apresentados à evangelização.
Este tipo de teologia é elaborada pelos pastores e agentes de pastoral leigos e
religiosos, desde que saibam fazer uso correto da teologia profissional. Também
participam desta teologia, todas as pessoas que estão envolvidas nas reflexões, ouvindo,
escrevendo, pesquisando, perguntando, reelaborando os dados.
O produto final desta teologia é, em sua maioria oral, mas também podem ser em
forma de textos simples e breves, como documentos pastorais e alguns livrinhos de
formação.
Um exemplo próximo a nós, deste tipo de teologia, é a que está sendo produzida no
nosso sínodo diocesano. Além do nosso bispo, dos padres, estão presentes muitos leigos
e religiosos, que são assessorados por teólogos profissionais, bem como especialistas de
outras áreas, como: filosofia, antropologia, história, estatística, etc.
O fruto deste sínodo será um documento, que norteará todas as ações pastorais da
diocese, durante as próximas décadas.
O grande desafio para a ação evangelizadora da Igreja é constituir e manter centros
de difusão de teologia pastoral, onde agentes de pastorais com boa base teológica, sejam
capazes de adaptar e reelaborar o saber teológico, utilizando-o de forma criativa na ação
pastoral.
Articulação entre os níveis
Não é uma tarefa fácil a articulação entre esses níveis, principalmente quando não
se reconhece aquilo que é específico de cada um.
Um exemplo que ilustra bem esta situação, é quando uma pessoa procura aplicar
um conhecimento profundo, com linguagem própria do ambiente acadêmico numa
57
atividade pastoral, onde as pessoas não têm base teológica suficiente para assimilar,
causando incompreensão ou mal estar nos ouvintes.
Para que haja uma frutuosa interação entre estes modos de teologia, é necessária
sensibilidade pastoral e humana, bem como a mínima capacitação intelectual e
teológica.
Relação entre teologia e pastoral
Aprofundando um pouco mais este assunto, é importante perceber que teologia e
pastoral são duas realidades distantes, embora estejam a serviço da mesma causa: a
evangelização. No entanto, elas se dão num movimento, ora de colaboração, ora de
tensão.
Colaboração recíproca
A teologia ilumina a pastoral, fornecendo conceitos e categorias que ajudam a fé a
purificar-se de idéias ultrapassadas, insuficientes ou muito influenciadas por ideologias.
Fornece instrumental teórico para auxiliar na compreensão e reinterpretação atualizada
dos dados da fé. Oferece também chaves de compreensão para que a pastoral tenha
condições de ler, a luz da fé, as mais diversas realidades humanas, desde o trabalho, a
convivência, o lazer, a ecologia, etc.
A pastoral, por sua vez, ilumina a teologia, levantando perguntas suscitadas pela
realidade concreta, possibilitando um maior aprofundamento e compreensão da
revelação. Um exemplo para nós da América Latina, é a pergunta: “em que medida a
realidade desta multidão de pessoas oprimidas interpela a nós que somos discípulos e
missionários desse Deus que ama a justiça?
Também é um grande questionamento à teologia, o surgimento de novos
movimentos e pastorais no interior da Igreja, que levam os teólogos a reelaborar os seus
estudos, para compreender e responder a estas manifestações do Espírito Santo.
Por fim, a prática pastoral é a forma mais eficaz de se verificar a pertinência de uma
reflexão teológica profissional.
Tensão
A principal causa da tensão entre teologia e pastoral, se dá pelo fato de ambas se
pautarem por exigências e leis próprias.
58
Num certo sentido a pastoral supera a teologia, pois ele exige do agente não
somente a reflexão da fé, mas também outras qualidades práticas como: paixão pelo
Reino, presença junto às pessoas, sensibilidade para com seus problemas, metodologia
eficaz, etc.
Por outro lado, a teologia ultrapassa a pastoral, pois vai além das respostas
imediatas, analisando a situação de maneira mais ampla, relacionado com outros fatos
históricos, aproveitando as reflexões feitas por outros teólogos sobre o mesmo tema.
Para que haja uma relação produtiva entre teologia e pastoral, vale a mesma
recomendação dada para os níveis da teologia, ou seja, muita sensibilidade humana e
pastoral, respeitando os limites e o alcance de cada instância.
59
AS ÁREAS DO ESTUDO E AS DISCIPLINAS TEOLÓGICAS
Concluindo estes temas relacionados à Introdução à Teologia, faz-se necessário,
apresentar as áreas do estudo e as disciplinas que compõe a teologia acadêmica, até
mesmo como forma de incentivar e facilitar estudos posteriores.
Olhando numa perspectiva histórica, vale lembrar, que no princípio, a teologia tinha
uma unidade simples67
, onde os vários temas eram estudados todos juntos. Ao longo do
tempo, principalmente no período moderno, se dá de maneira decisiva a fragmentação
(subdivisão) do conhecimento em todas as ciências, inclusive na teologia.
Inspirado no Vaticano II, Clodovis Boff afirma, que apesar de atualmente a teologia
estar fragmentada em várias disciplinas, ela encontra seu ponto de unidade a partir de
dois princípios básicos. De um lado a Sagrada Escritura, como alma de toda a teologia
e de outro a vida cristã, como finalidade de todo saber teológico. Dentro desses dois
pólos se encaixam as várias disciplinas teológicas, como vemos neste esquema:
SAGRADA ESCRITURA
AS VÁRIAS DISCIPLINAS TEOLÓGICAS
VIDA CRISTÃ
As três68
grandes áreas de estudo da teologia
Além destes dois princípios de unidade, podemos perceber que a teologia está
disposta em três grandes áreas, como vemos no decreto Optatam Totius 16, documento
do Concílio Vaticano II que trata da formação sacerdotal:
A Escritura, a alma da Teologia, sua raiz e seu tronco;
A Teologia Dogmática, seu ramo “teórico”;
E outras disciplinas, como extensões “práticas” da teologia.
A disposição da grade curricular69
e o peso dado a cada disciplina varia de um
instituto/faculdade para outra, mas de um modo geral, estas três áreas, podem sem
subdivididas em blocos menores, e estes em disciplinas específicas, cujos
conteúdos se interpenetram:
67 BOFF, p. 610. 68 MATTOS, p. 47. 69 LIBÂNIO, pp. 213-237.
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1. Teologia Fundamental
Lança as bases do conhecimento teológico e trata do fato constituinte da realidade
cristã, ou seja, a automanifestação de Deus e a plenitude de seu projeto salvífico que se
cumpriu em Cristo. Ela substituiu a antiga apologética, que visava defender a fé e
justificá-la, para assumir uma postura de diálogo com as ciências e a cultura
contemporânea.
A teologia fundamental está dividida em dois grandes blocos:
- Introdução à teologia: tem como objetivo mostrar em que consiste o
conhecimento teológico e o seu método de estudo.
- O círculo hermenêutico da existência cristã: parte da Revelação, que encontra
na carne e na linguagem de Jesus sua plenitude.
2. Teologia Bíblica
A partir do Vaticano II, deu-se uma ênfase muito grande no estudo das Escrituras,
(“alma da teologia”), e hoje constitui a base da evangelização em muitos ambientes
eclesiais.
No curso acadêmico, a teologia bíblica está disposta em três blocos:
- Introdução Geral - esta disciplina visa compreender de maneira sintética, a
história do povo de Deus no Antigo Testamento, bem como o processo de
passagem das tradições orais para a escrita e os distintos gêneros literários;
- Antigo Testamento - este bloco divide-se em diversas disciplinas como:
Pentateuco, Livros históricos, Profetas, Salmos e Sapienciais;
- Novo Testamento - neste bloco estuda-se os Evangelhos, os escritos paulinos, os
Atos dos Apóstolos, as cartas católicas e o Apocalipse.
É de suma importância para esse estudo o conhecimento das línguas em que foram
escritos os livros da bíblia, ou seja, o hebraico, o aramaico e o grego.
3. Teologia Moral
Tem como objetivo refletir sobre a resposta concreta que o cristão dá a Deus nos
diversos âmbitos de sua existência: pessoal, interpessoal, comunitário, social e político.
Ela ajuda o aluno a aproximar reflexão acadêmica e vida pessoal, teologia e pastoral.
Ela se divide em dos grandes blocos, compreendendo várias disciplinas:
61
- Moral fundamental - oferece reflexão global sobre as bases e os critérios do agir
cristão. Como ciência prática, necessita muito do apoio de outras ciências como
filosofia, medicina, psicologia, antropologia cultural, etc.
- Moral específica - trata das questões peculiares da existência humana. Divide-se
em: moral da pessoa, moral social e política. Tanta aborda as novas questões que vão
surgindo, ao longo da história, como: bioética, ecologia, etc.
4. Teologia Sistemática ou Dogmática
É o resultado da elaboração teórica da Igreja durante quase dois mil anos de sua
existência e compreende uma série de disciplinas. A base da dogmática é o dado
revelado, aprofundado, reinterpretado e enriquecido pela tradição viva e regulada pelo
magistério ao longo da história. As principais disciplinas da dogmática são:
- Cristologia;
- Pneumatologia (trata do Espírito Santo);
- Trindade;
- Graça;
- Eclesiologia (reflexão da Igreja sobre si mesma);
- Sacramentos;
- Protologia (criação);
- Antropologia teológica (criação, pecado, graça e salvação);
- Escatologia (trata do fim último do ser humano após a morte);
- Mariologia; etc.
5. Direito Canônico
A Igreja, enquanto estrutura organizada, elabora uma série de leis e regulamentações.
O conjunto das principais normas e prescrições jurídicas estão condensados no Código
de Direito Canônico, que é estudado dentro da teologia, com a dupla finalidade:
compreender-lhe o valor e conhecer o seu conteúdo, em vista da aplicação prática. Para
sua compreensão necessita da linguagem e da lógica jurídica.
O estudo do direito canônico está disposto em dois blocos:
- Direito Canônico Fundamental: fornece ao aluno informações sobre a história do
documento, justificando sua existência e finalidade, ensinando-o a sua utilização.
- Específico: trata dos temas específicos, correspondentes as partes do documento:
direito canônico sacramental, matrimonial, da vida religiosa, etc.
62
6. História da Igreja
O estudo da História da Igreja dá uma visão panorâmica das grandes fases da história
universal, mostrando também as diversas formas de comunidade eclesial que foi se
constituindo de acordo com a situação social e cultural de cada época, bem como as
formulações dogmáticas por elas elaboradas. A matéria-prima deste estudo são os
eventos e idéias do passado que repercutem na Igreja de hoje. O vasto conteúdo da
história da Igreja pode ser dividido nas seguintes disciplinas:
- História da Igreja Antiga;
- História da Igreja Medieval;
- História da Igreja Moderna;
- História da Igreja Contemporânea;
- História da Igreja na América Latina (para os teólogos Latino-Americanos)
7. Liturgia e Espiritualidade
Assim como a pastoral, Espiritualidade e Liturgia, não consistem apenas áreas de
estudo ou disciplina da teologia, mas dimensões da vida cristã, da qual todo cristão faz
parte.
- A espiritualidade como vivência se caracteriza pelo seguimento de Jesus e
contribui com as demais áreas e disciplinas com seu caráter motivacional, concreto e
dinâmico e define-se como ciência teológica que estuda o desenvolvimento progressivo
da vida cristã, até atingir a santidade, pela ação do Espírito Santo. Pela via histórica,
considera as principais espiritualidades: franciscana, carmelita, inaciana, etc., até chegar
a grupos contemporâneos.
- A liturgia, enquanto área de estudo da teologia oferece conteúdo mais palpável,
embora muito ampla: a prática litúrgica da Igreja. As abordagens podem ser:
- Histórica: mostra como o povo de Deus organizava e compreendia a liturgia ao
longo da história;
- Prática: analisa as liturgias atuais;
- Teológico-especulativa: reflete sobre o sentido da liturgia para a vida da Igreja;
- Disciplinar: explicita os elementos constitutivos da liturgia, submetida a leis
eclesiásticas;
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8. Outras disciplinas
Embora nem sempre as grades curriculares dos cursos seminarísticos ou de bacharel
em teologia contemplem existem outras disciplinas muito importantes para a
compreensão da fé e para a vida atual da Igreja. Dentre elas destacamos: patrologia,
teologia pastoral, teologia das religiões, ecumenismo, homilética, religiosidade popular,
prática paroquial, aconselhamento pessoal e missiologia.
9. Disciplinas não teológicas
Além dessas disciplinas mais diretamente teológicas, existem outras auxiliares, não
teológicas, que são utilizadas como mediações: a filosofia, as ciências humanas e as
sociais principalmente.
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