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UNIVERSIDADE DO PORTO
FACULDADE DE PSICOLOGIA E DE CINCIAS
DA EDUCAO
ESTUDOS SOBRE A INTERVENO PRECOCE EM PORTUGAL: IDEIAS DOS ESPECIALISTAS, DOS
PROFISSIONAIS E DAS FAMLIAS
Maria Isabel Silva Chaves de Almeida Tegethof
Porto, 2007
Volume I
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Dissertao apresentada Faculdade de Psicologia e de Cincias da
Educao da Universidade do Porto para provas de doutoramento, sob
orientao do Prof. Doutor Joaquim Bairro e da Prof. Doutora Teresa Leal
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AGRADECIMENTOS
s famlias, aos especialistas e aos profissionais de interveno precoce, bem como s
colegas do CEACF da equipa dos 0 aos 3 anos da cidade de Lisboa, que tornaram
possvel a realizao deste trabalho.
Ao Prof. Doutor Joaquim Bairro pelos conhecimentos que me transmitiu ao longo do
meu percurso profissional, pelos horizontes que abriu e pelos desafios que me fizeram ir
sempre um pouco mais longe.
Prof. Doutora Teresa Leal pela amizade e disponibilidade que demonstrou ao aceitar
orientar este trabalho j na sua fase final e por todo o apoio que me proporcionou.
Ao Mestre Paulo Sargento pelo suporte que prestou a algumas das anlises
estatsticas do Estudo II.
Aos Prof. Doutores Robin McWilliam e Debra Skinner pelos ensinamentos e sugestes
que deles recebi.
Ao Instituto de Segurana Social, I.P. pela equiparao ao bolseiro que me concedeu
e, em particular, Dr. Cristina Fangueiro e Dr. Ana Lage pela compreenso que
demonstraram e que foi essencial para que se tornasse possvel levar este trabalho at ao
fim.
Ana Isabel Mota Pinto pela amizade, partilha de conhecimentos e preocupaes, a
enorme disponibilidade para responder aos meus pedidos, o apoio logstico que me
proporcionou e que facilitou e tornou to agradveis as minhas estadias no Porto, bem
como pela importante contribuio que deu atravs da leitura e sugestes ao Estudo I.
Um agradecimento muito especial Ceclia Aguiar pela forma como se disponibilizou
para rever o Estudo II, pela leitura atenta e crtica que fez e pelas sugestes que tanto o
enriqueceram.
Alexandra Sequeira que to bem soube compreender as minhas impossibilidades
temporrias e esteve sempre pronta para me ajudar.
Jlia Serpa Pimentel e Isabel Felgueiras pela amizade, pelo incentivo, pela partilha
conjunta de conhecimentos e de experincias, que tanto me enriqueceram e contriburam
para o percurso que me conduziu at realizao deste trabalho.
Ana Isabel Ribeiro, Helena Grilo e Fernanda Salvaterra pela amizade e estmulo
que nunca faltaram ao longo destes anos.
minha famlia, em particular minha me e ao Gnter, pela compreenso que
demonstraram pelo meu alheamento e o apoio que me proporcionaram. Quero, ainda,
agradecer de forma muito especial ao Philipp e Vera por me terem sempre encorajado a
prosseguir e, particularmente, Sofia que esteve sempre ao meu lado e me ajudou em
vrias fases deste trabalho, desde a introduo de dados realizao de algumas figuras.
Lisboa, Julho de 2007
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RESUMO
Este trabalho pretende traar uma panormica geral da situao da interveno
precoce (IP) e da utilizao do modelo de interveno centrado na famlia (ICF) em
Portugal e tentar perceber at que ponto a prtica desenvolvida se enquadra num
modelo sistmico e bioecolgico de prestao de servios e naquelas que so, neste
mbito, as prticas recomendadas baseadas na evidncia. O fenmeno em anlise - o
desenvolvimento de programas de interveno precoce dentro de um modelo de
interveno centrado na famlia estudado com base (1) no testemunho de
especialistas e de profissionais de interveno precoce de todo o pas ( excepo da
regio do Algarve), bem como (2) num estudo de caso, com o objectivo, no de
demonstrar os efeitos de uma prtica com vista sua generalizao, mas de
compreender essa prtica de uma forma mais descritiva e processual, identificando
eventuais reas a aperfeioar.
Com este objectivo, desenvolveu-se um estudo exploratrio com um desenho de
modelo misto paralelo, que recorre em simultneo a abordagens qualitativas e
quantitativas, dentro das vrias fases da investigao e que integra dois estudos
complementares:
O Estudo I Estudo das Ideias - um estudo qualitativo em que se analisam as
ideias de 10 pessoas-chave e de 209 profissionais pertencentes a 39 equipas de
interveno precoce de todo o pas, sobre a temtica da interveno precoce, e, em
particular, da interveno centrada na famlia, assim como sobre a forma como esta
est a ser implementada, as dificuldades encontradas, o papel dos profissionais e o
papel da famlia.
O Estudo II Estudo das Prticas - um estudo de caso, de carcter exploratrio e
descritivo, com um desenho longitudinal transverso, com o objectivo de perceber de
que forma o fenmeno em anlise - o desenvolvimento de programas de interveno
precoce dentro de um modelo de interveno centrado na famlia posto em prtica
num contexto especfico e qual o seu efeito junto das famlias.
A primeira concluso que retirmos que existe uma concordncia importante no
que diz respeito ao quadro que possvel traar a partir das informaes recolhidas
aos trs diferentes nveis: especialistas de IP, equipas/profissionais de IP de todo o
pas ( excepo do Algarve) e estudo de caso.
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Verificou-se que existe uma assimilao grande em relao aos conceitos tericos
genricos subjacentes prtica da IP e da ICF, mas dificuldade na sua
operacionalizao. No entanto, as famlias valorizam as componentes do programa
que mais se aproximam da ICF e, de um modo geral, tanto as mes como os tcnicos
mostram desejar uma participao mais activa da famlia, mostrando-se os tcnicos
mais exigentes. O trabalho no sentido de promover o desenvolvimento da criana foi
uma componente importante da maioria das intervenes, sendo bastante valorizada
pelas famlias.
No seu conjunto, constatou-se que as prticas destes profissionais correspondem
s principais caractersticas da componente relacional das prticas de ajuda centradas
na famlia, mas tm ainda muitas lacunas no que diz respeito componente
participativa dessas mesmas prticas, tais como elas so entendidas dentro do
modelo de interveno precoce de terceira gerao, baseado na evidncia (Dunst,
2000b, 2005a,b). Os aspectos identificados como mais problemticos so: o
envolvimento activo das famlias, a utilizao do Plano Individualizado de Apoio
Famlia (PIAF), a mobilizao e fortalecimento das redes de apoio social da famlia,
nomeadamente, das informais, a constituio de uma rede integrada de servios e de
recursos a funcionar na comunidade, e a interveno com as famlias de risco
ambiental.
Detectaram-se, ainda, algumas especificidades na caracterizao que foi possvel
fazer das vrias regies do pas ( excepo do Algarve), que seria interessante
explorar noutros estudos, utilizando amostras representativas.
Na anlise das mudanas nas crianas e famlias do estudo de caso, identificadas
pelos profissionais e famlias, verificou-se que as intervenes parecem ter tido efeitos
positivos no que se refere criana, mas no introduziram mudanas a nvel da
famlia. Esta, no entanto, mostra-se genericamente satisfeita com a interveno. Desta
anlise ressaltou, ainda, a necessidade de se intervir de forma diversificada, tendo em
conta as caractersticas das diferentes problemticas.
Foram ainda realadas vrias reas possveis de identificar como necessitando de
ser melhoradas, nomeadamente, a nvel: da elegibilidade, da utilizao do PIAF, da
mobilizao das redes de apoio social da famlia, da colaborao sistemtica com os
outros recursos e servios direccionados para as crianas dos 0 aos 6 anos e suas
famlias, da formao e superviso dos profissionais e da investigao, tendo sido
sugeridas vrias hipteses de pesquisa.
No final teceram-se algumas consideraes sobre o trabalho desenvolvido e as
suas limitaes.
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ABSTRACT
The main objective of this work is to give an overview of Early Intervention (EI) and
family-centred intervention (FCI) in Portugal in order to evaluate if current practices are
based on bioecological and systemic models and on evidenced-based recommended
practices.
The development of family-centred early intervention programmes was studied
based (1) on testimonies from early intervention experts and professionals from all
Portuguese regions (except Algarve) and (2) on a single case research aiming at the
understanding of such family centred-practices from a descriptive and process
perspective, and trying to identify some areas that need to be strengthen (although
without generalization objectives).
This is an exploratory study with a parallel mixed method design where, during the
sequential moments of research, we used both qualitative and quantitative approaches.
We carried out two complementary studies:
Study 1 Study of the ideas was a qualitative study that analysed the ideas of 10
key-persons and 209 professionals working in 39 early intervention teams from all over
the country (except Algarve) on early intervention, specifically, on family-centred
practices and its implementation as well as main difficulties, professionals and families
roles.
Study 2 Study of practices was a single case descriptive and exploratory
research with a transverse longitudinal design, carried on in order to understand how
family-centred early intervention programmes were implemented in a specific context
and their effects on families.
Findings suggest an important convergence in the overall picture drew from data
gathered at the three levels of analysis: early intervention experts, teams and
professionals from all over the country (except Algarve) and the single case research.
We found that basic theoretical concepts underlying EI and FCI are known and
understood but not completely implemented. However, families value, mostly, practices
that are close to FCI and mothers as well as professionals wish a more active familiar
involvement, with professionals showing deeper demands concerning the quality of
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families involvement. Intervention focused on promoting childrens development was
an important component of most programmes and was highly valued by families.
As a whole, we found that practices match the main characteristics of the relational
component of family-centred help-giving practices but lack the participative one that
characterises the third generations early intervention model based on evidence (Dunst,
2000b, 2005a,b). We identified some areas that need to be improved: active family
involvement, use of Individualized Family Support Plan (IFSP), mobilization and
strengthening of families social support networks mainly informal ones building of a
community based resources and services network and intervention with socially
deprived or at-risk families
We also found specific characteristics related to specific regions which need to be
more deeply studied using representative samples.
Within the single-case study, the analysis of changes in families and children
suggested that early intervention had a positive influence on childrens development
but had no effects at family level. Still, families were satisfied with early intervention.
Data analysis showed that different family and child characteristics demand different
early intervention strategies.
We also found specific areas that need to be improved and strengthen, namely:
eligibility, use of IFSP, mobilization and strengthening of families social support
networks, systematic co-operation with different agencies and resources for families
and young children, professionals training, supervision and research.
Based on our conclusions, on the work that had been carried on, and its limitations,
future research was suggested.
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RSUM
Cette tude cherche donner une ide gnrale de la situation de lintervention
prcoce (IP) et de lutilisation du modle de lintervention centr dans la famille (ICF)
au Portugal, dans le but dvaluer si les pratiques des professionnels sencadrent dans
un modle systmique et bioecologique de prestation de services et dans les pratiques
recommandes bases dans lvidence.
Le dveloppement de programmes dintervention prcoce dans un modle
dintervention centr dans la famille est tudi a partir (1) du tmoignage de
spcialistes et de professionnels de tout le pays (sauf de la rgion de lAlgarve), et (2)
dune tude de cas, avec lobjectif de comprendre cette pratique dune faon
descriptive et processuel et didentifier des possibles domaines perfectionner (sans
prtendre gnraliser les rsultats obtenus).
Il sagit dune tude exploratoire avec un dessin de modle mixte parallle, qui,
dans des diffrentes phases de linvestigation, utilise simultanment des abordages
qualitatifs et quantitatifs. On a dvelopp deux tudes complmentaires:
tude I tude des Ides une tude qualitative dans laquelle on analys les
ides de 10 spcialistes et de 209 professionnels qui travaillaient dans 39 quipes
dintervention prcoce de tout le pays (sauf lAlgarve), sur la thmatique de
lintervention prcoce, et, en particulier, de lintervention centre dans la famille, son
implmentation, aussi bien que les principales difficults, le rle des professionnels et
celui de la famille.
tude II tude des Pratiques une tude de cas, de caractre exploratoire et
descriptive, avec un dessin longitudinal transverse, ayant comme objectif comprendre
comment des programmes dintervention prcoce dvelopps dans un modle
dintervention centr dans la famille sont accomplit dans un contexte spcifique et
quelle est son effet sur les familles.
Les rsultats suggrent quil existe une concordance importante dans lensemble
des donns en ce qui concerne les trois niveaux danalyse: spcialistes de IP, quipes
et professionnels de IP de tout le pays (sauf lAlgarve) et ltude de cas.
On a vrifi que les concepts thoriques gnriques subjacents la pratique de lIP
et de lICF sont connus et entendus, mais ils existent des difficults dans son
implmentation. Cependant, les familles valorisent les composants du programme qui
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sapprochent le plus de lICF et les mres, aussi bien que les professionnels,
souhaitent une participation plus active de la famille, se montrant les professionnels
plus exigeants. Le travail adress au dveloppement de lenfant a t un lment
important dans la plus part des interventions, tant considrablement valoris par les
familles.
Dans lensemble, on a vrifi que les pratiques de ces professionnels
correspondent aux principales caractristiques de llment relationnel des pratiques
daide centres dans la famille, mais ils existent encore beaucoup de lacunes en ce qui
concerne llment participatif de ces pratiques, qui caractrisent le modle de
lintervention prcoce de troisime gnration, bas sur lvidence (Dunst 2000b,
2005a,b). Les aspects identifis comme plus problmatiques sont: la participation actif
des familles, lutilisation do Plan Individualis de Support a la Famille (PISF), la
mobilisation et renforcement (empowering) des rseaux de support social de la famille,
particulirement des rseaux informels, la construction dun rseau intgr de services
et recours fonctionnant dans la communaut, et lintervention avec les familles de
risque sociale.
On a trouv, encore, quelques spcificits dans la caractrisation des diffrentes
rgions du pays (sauf lAlgarve), qui serait intressant dexploiter dans dautres tudes,
utilisant des chantillons reprsentatives.
Dans ltude de cas, lanalyse des modifications dans les enfants et familles, telles
quelles sont identifis par les professionnels et les familles, montre que les
interventions semblent avoir eu des effets positifs en ce qui concerne lenfant, mais
nont pas introduit des changements au niveau de la famille. Celle, toutefois, se montre
gnriquement satisfaite avec lintervention. Lanalyse des donns montre, encore,
quil est ncessaire dintervenir dune faon diversifi, considrant les caractristiques
des diffrentes problmatiques.
On a aussi identifi plusieurs domaines qui ncessitant dtre perfectionns,
notamment, au niveau: de lligibilit, de lutilisation do PISF, de la mobilisation des
rseaux de support social de la famille, de la collaboration systmatique avec les
autres ressources et services dirigs aux enfants ds 0 6 ans et leurs familles, de la
formation et supervision des professionnels et de linvestigation.
Dans les conclusions on a rflchit sur les rsultats obtenus, les limitations de cette
tude et on a suggres quelques hypothses de recherche future.
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NDICE
NDICE DO VOLUME I
INTRODUO 1
CAPTULO I: As teorias do desenvolvimento e a sua influncia na origem e evoluo do conceito de Interveno Precoce
11
1. Introduo 13
2. As teorias organicistas e os primrdios da Interveno Precoce 14
2.1. A teoria do desenvolvimento cognitivo de Piaget 16
2.2. A perspectiva preventiva e os antecedentes dos actuais programas de Interveno Precoce
18
3. As teorias mecanicistas e a sua aplicao nos programas de Interveno Precoce
20
3.1 Do behaviorismo de Skinner s teorias emergentes 21
3.2. A aplicao das abordagens mecanicistas aos programas de Interveno Precoce dirigidos a crianas com deficincia ou incapacidade
23
3.3. O abandono gradual do reducionismo nas teorias mecanicistas 24
4. As teorias contextualistas e a prtica actual da Interveno Precoce
27
4.1. A Teoria Sociocultural do Desenvolvimento de Vygotsky 27
4.2. Do contextualismo s teorias desenvolvimentais sistmicas 28
4.2.1. O contributo de Lerner e do seu modelo de contextualismo desenvolvimental
32
4.2.2. O contributo de Sameroff e do seu modelo transaccional 37
4.2.3. O contributo de Bronfenbrenner e do seu modelo bioecolgico 44
4.2.4. O contributo de Wachs para a compreenso da variabilidade individual no desenvolvimento
50
4.2.5. O papel das perspectivas sistmicas e ecolgicas na aplicao de modelos abrangentes prestao de servios de Interveno Precoce
55
CAPTULO II: Modelos e prticas de Interveno Precoce 59
1. Introduo 61
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
2. O conceito de Interveno Precoce 61
3. As diferentes formas de prestao de servios e a questo da elegibilidade 69
3.1. O grupo etrio alvo para a Interveno Precoce 71
3.2 A questo da elegibilidade em Interveno Precoce 73
3.2.1. O contributo da CIF Classificao Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Sade para a questo da elegibilidade
78
4. Prticas recomendadas baseadas em valores e evidncias 80
4.1. A nfase nas prticas baseadas em evidncias 85
4.2. Um percurso no sentido da convergncia das prticas 89
4.3. Princpios relevantes para a prtica da Interveno Precoce 93
4.3.1. Uma interveno centrada na famlia e na comunidade 93
4.3.2. Uma interveno nos ambientes de aprendizagem naturais da criana, utilizando prticas desenvolvimental e individualmente apropriadas
94
4.3.2.1. O conceito de ambientes naturais 96
4.3.2.2. As prticas desenvolvimentalmente adequadas 100
4.3.2.3. O modelo de interveno baseado nas actividades 102
4.3.2.4. O modelo de prticas contextualmente mediadas 104
4.3.3. Uma interveno baseada na colaborao e incidindo na integrao e coordenao de servios e de recursos
112
4.3.3.1. O trabalho de equipa em interveno precoce 112
4.3.3.2. A colaborao e coordenao de servios e de recursos 118
4.3.3.3. O modelo de prticas de interveno baseadas nos recursos 121
4.3.3.4. O papel do coordenador de servios 124
CAPTULO III: Papel da famlia na Interveno Precoce: A interveno centrada na famlia e na comunidade
127
1. Introduo 129
2. O emergir das teorias desenvolvimentais sistmicas e o papel central da interaco: um enquadramento para o enfoque na famlia
129
3. O conceito de famlia e o papel dos factores de risco e de proteco 133
4. A contribuio da perspectiva sistmica para uma melhor compreenso da famlia
137
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
5. O modelo de interveno centrado na famlia e na comunidade 144
5.1. O conceito de centrado na famlia 144
5.2. A mudana do papel dos profissionais num modelo centrado na famlia
148
5.3. As relaes famlia-profissionais num modelo centrado na famlia 152
5.4. O Plano Individualizado de Apoio Famlia (PIAF) 156
CAPTULO IV: O futuro da Interveno Precoce: Uma reflexo sobre os modelos propostos por Dunst e Guralnick
165
1. Introduo 167
2. O Modelo de Dunst e a sua evoluo: dos modelos de primeira gerao ao Modelo para a Interveno Precoce e Apoio Famlia de terceira gerao
167
2.1. O modelo de primeira gerao para a interveno precoce 168
2.2. O modelo de segunda gerao para a interveno precoce 170
2.3. O modelo de terceira gerao para a interveno precoce 173
3. O Modelo de Sistemas Desenvolvimental para a Interveno Precoce 179
4. O futuro da interveno precoce 187
CAPTULO V: A avaliao de programas de Interveno Precoce 199
1. Introduo 201
2. A questo da avaliao dos programas de interveno precoce: dificuldades e desafios
203
2.1 As caractersticas especficas dos programas de interveno precoce 204
2.2 As questes de ordem metodolgica 205
2.2.1. A questo do desenho da avaliao 206
2.2.2. A questo da amostra 208
2.2.3. A questo da medida dos resultados 208
2.2.4. Percursos metodolgicos alternativos para as investigaes de segunda gerao
211
3. Os estudos da primeira gerao de investigaes e a resposta questo da eficcia
215
3.1. A avaliao dos efeitos a curto prazo 216
3.2. A avaliao dos efeitos a mdio e longo prazo 224
3.3. Algumas concluses da primeira gerao de investigaes 233
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
4. Os estudos da segunda gerao de investigaes e a questo da especificidade
236
4.1. Um modelo multidimensional para a investigao de segunda gerao 236
4.2. A questo da avaliao dos resultados nas crianas e famlias 240
4.2.1. A avaliao dos resultados nas crianas 240
4.2.2. A avaliao dos resultados nas famlias 244
4.3. A questo da avaliao dos efeitos de prticas especficas nos resultados da criana e da famlia
262
4.4. Caso exemplo de uma investigao de segunda gerao 267
5. Desafios e propostas para o futuro 271
CAPTULO VI: A Interveno Precoce em Portugal 277
1. Introduo 279
2. As modalidades de atendimento s crianas dos 0 aos 6 anos em Portugal 279
3. As modalidades de atendimento s crianas dos 0 aos 6 anos com necessidades educativas especiais, em Portugal
284
4. A Interveno Precoce em Portugal em anos 80 90: da descoberta ao reconhecimento
292
4.1. A interveno precoce no mbito da DSOIP/CEACF 292
4.2. A interveno precoce no mbito do Projecto Integrado de Interveno Precoce de Coimbra PIIP
294
4.3. O desenvolvimento de projectos de Interveno Precoce e os aspectos legislativos na dcada de 90
296
4.4. As principais investigaes em Interveno Precoce desenvolvidas na dcada de 90
297
5. A Interveno Precoce em Portugal a partir de 2000: um perodo de afirmao e de progressiva consolidao
311
5.1. O Despacho Conjunto n. 891/99 311
5.2. Reflexo crtica sobre o Despacho Conjunto n. 891/99 313
5.3. Os desenvolvimentos mais recentes no mbito da interveno precoce 318
5.4. Duas investigaes recentes no mbito da interveno precoce 324
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
CAPTULO VII: Metodologia da Investigao 333
1. Introduo 335
2. Mtodos mistos 335
2.1. O Mtodo Estudo de Caso 342
3. Mtodos 345
3.1 Desenho da investigao e sua fundamentao 345
3.2. Mtodos de recolha de dados 349
3.2.1. A entrevista 350
3.2.2. Os questionrios 352
3.2.3. As escalas de registo ou de verificao de tipo Likert 353
3.3. Mtodos de anlise de dados 353
3.3.1. A anlise de contedo 354
3.3.2. O programa de computador utilizado na anlise de contedo 356
3.3.3. As anlises estatsticas 357
3.4. As questes da validade e da qualidade 357
3.4.1. A questo da validade/fidedignidade 357
3.4.2. A questo da qualidade 359
CAPTULO VIII: Estudo I - Estudo das Ideias 361
1. Introduo 363
2. Mtodos 363
2.1. Desenho do estudo e questes de investigao 363
2.2. Participantes 364
2.3. Mtodos de recolha de dados 378
2.4. Mtodos de anlise de dados 380
3. Apresentao e interpretao dos resultados 381
4. Anlise e discusso das questes de investigao 399
5. Concluses do Estudo I 443
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
NDICE DO VOLUME II
CAPTULO IX: Estudo II - Estudo das prticas: um estudo de caso (CEACF)
451
1. Introduo 453
2. Mtodos 453
2.1. Desenho do estudo e questes de investigao 453
2.2. Participantes 456
2.2.1 O Programa de Interveno Precoce 456
2.2.2. Crianas e Famlias Atendidas pelo Programa de Interveno Precoce
456
2.2.3. Tcnicos do Programa de Interveno Precoce 464
2.3 Mtodos de recolha dos dados 465
2.3.1 Instrumentos usados 466
2.3.2. Procedimentos 476
2.4. Mtodos de anlise dos dados 479
3. Apresentao e interpretao dos resultados 484
3.1. Dados relativos ao Programa de Interveno Precoce (Equipa dos 0 aos 3 anos, cidade de Lisboa)
484
3.2. Dados relativos aos programas individuais de cada criana/famlia 488
3.2.1. Anlise principal: avaliao dos programas relativamente ao grau de utilizao de prticas centradas na famlia
488
3.2.2. Anlises complementares 513
4. Anlise e discusso das questes de investigao 598
5. Concluses do Estudo II 650
CAPTULO X: Discusso conjunta e consideraes finais 675
BIBLIOGRAFIA 693
ANEXOS
Introduo
1
INTRODUO
As prticas de interveno precoce tm subjacente a ideia de que as experincias
precoces so cruciais em termos de desenvolvimento e que problemas de origem
gentica, biolgica e ambiental podem ser ultrapassados ou atenuados atravs de
uma interveno atempada e de qualidade. Esta convico est hoje empiricamente
comprovada, razo pela qual a interveno precoce considerada uma rea prioritria
em muitos pases, que a vem como um investimento eficaz e rentvel, tambm, em
termos econmicos (Guralnick, 2007).
Resultados provenientes de um nmero considervel de investigaes, tm vindo a
apontar para a existncia de uma relao estreita entre as experincias de
aprendizagem precoce e os resultados escolares futuros (Sandall & Smith, 2000). Por
outro lado, os avanos ultimamente registados a nvel das neurocincias e das
cincias sociais e do comportamento, vieram reforar as certezas relativamente: (i)
importncia das experincias precoces e das influncias inseparveis e altamente
interactivas dos factores genticos e ambientais no desenvolvimento cerebral e,
consequentemente, no comportamento humano; (ii) ao papel central das relaes
precoces como fonte, quer de apoio e adaptao, quer de risco e disfuno; (iii)
importncia das capacidades, emoes e competncias sociais essenciais, que se
desenvolvem durante os primeiros anos de vida; e (iv) possibilidade de aumentar as
probabilidades de se conseguirem resultados positivos em termos de
desenvolvimento, atravs de intervenes planeadas (Shonkoff, & Phillips, 2000).
Existe, assim, uma filosofia fortemente preventiva que considera como objectivo da
interveno precoce, prevenir ou minimizar os problemas do desenvolvimento
resultantes de situaes de risco biolgico ou envolvimental, bem como de situaes
j com alteraes do desenvolvimento estabelecidas, a par de um consenso alargado
relativo ao direito, que tm estas crianas e as suas famlias, a um atendimento em
programas de interveno precoce, sem o qual a sua situao tender a agravar-se.
Finalmente existe, ainda, concordncia no que diz respeito aos princpios abrangentes
que servem de guia aos programas: estes para terem sucesso devem centrar-se nas
necessidades das famlias, envolver activamente as comunidades, integrar as
contribuies de diferentes disciplinas, desenvolvendo um trabalho em equipa
transdisciplinar e serem capazes de coordenar uma diversidade de apoios e servios
numa perspectiva sistmica (Guralnick, 1997).
Tal prtica, enquadra-se nas teorias actuais do desenvolvimento, nomeadamente,
nas teorias transaccionais, bioecolgicas e sistmicas (Sameroff, 1975, 95; Sameroff &
Introduo
2
Fiese, 1990, 2000; Bronfenbrenner 1979, 1989, 1995a; Bronfenbrenner & Morris,
1998; Turnbull, & Turnbull, 1986; Lerner, 2002; Wachs, 2000a,b), que se foram
progressivamente afirmando nesta rea, chamando a ateno para a importncia das
interaces dinmicas que se estabelecem entre a criana e o meio envolvente e para
o impacto directo e indirecto que os diferentes contextos tm no seu desenvolvimento.
A criana dever ser compreendida enquanto inserida na famlia, e esta, enquanto
parte da sua comunidade e do seu contexto cultural e poltico, devendo o todo ser
considerado como uma rede de componentes interrelacionadas e interdependentes.
Torna-se, assim, indispensvel intervir dentro dos vrios contextos de vida da criana,
avaliar as caractersticas desses contextos, bem como, as influncias que nele tm os
contextos mais distais e definir as estratgias de interveno que melhor respondam
s necessidades da criana e da famlia. Sabe-se hoje que as crianas em idades
precoces aprendem atravs de interaces repetidas duma forma dispersa ao longo
do tempo e no nos breves perodos em que decorrem as intervenes. Sabe-se,
tambm, que, se as intervenes dos profissionais tm pouco efeito directamente na
criana, tm um impacto importante na melhoria das competncias e da autoconfiana
dos pais, famlias e outros prestadores de cuidados, que por sua vez tm uma
influncia grande na promoo do desenvolvimento da criana (McWilliam, 2003).
Assistiu-se, portanto, a um deslocar do foco da interveno da criana para a
famlia e para o meio envolvente, bem como substituio de um modelo de
tratamento, ou mesmo de preveno, por um modelo de promoo de competncias, o
que se traduziu no enfatizar de prticas de interveno dentro de uma perspectiva
centrada na famlia e na comunidade (Dunst, 1985, 2000b).
Os princpios e as prticas da interveno centrada na famlia no so, como
salientam Hanson e Bruder (2001), uma componente opcional da interveno precoce,
mas devem constituir a fundamentao necessria a tudo aquilo que feito. Para
estes autores o conceito de centrado na famlia , simultaneamente, uma filosofia e
um conjunto de prticas empiricamente validadas. Enquanto filosofia encara a famlia
como o centro de todos os servios e apoios. Enquanto conjunto de prticas validadas
pela investigao, inclui: (i) tratar as famlias com dignidade e respeito; (ii) ser sensvel
diversidade cultural e socioeconmica da famlia; (iii) proporcionar escolhas famlia
em funo das suas preocupaes e prioridades; (iv) proporcionar toda a informao
famlia, para que ela possa tomar decises fundamentadas; (v) utilizar os recursos
informais da comunidade, como fontes de apoio para a famlia; e (vi) utilizar prticas
de ajuda que fortaleam e promovam as suas competncias.
Introduo
3
uma prtica exigente que obriga a uma mudana de atitude por parte dos
profissionais, que vo ter de passar de especialistas a parceiros da famlia e de uma
prtica tradicional, dentro de um modelo, muitas vezes, monodisciplinar e centrado na
criana, para um modelo de prestao de servios transdisciplinar, centrado na famlia
e no meio envolvente. Torna-se necessrio incentivar e apoiar estes profissionais para
um trabalho de colaborao que implica uma partilha de objectivos, uma comunicao
aberta e eficaz e um desejo de discutir e resolver os problemas em equipa,
ultrapassando as fronteiras das suas disciplinas especficas, para alm de uma real
parceria com a famlia e abertura comunidade. Isto envolve toda uma reformulao
em termos da formao e do acompanhamento dos profissionais de modo a dar-lhes
novas competncias, e um repensar da estrutura e do modelo organizativo dos
programas (Weston, Ivins, Heffron & Sweet, 1997).
A organizao dos servios hoje uma pedra angular no campo da interveno
precoce, de tal forma que Thurman (1997) afirma que esta pode ser definida como um
conjunto de servios constitudo atravs da parceria com as famlias, com o objectivo
de promover o seu bem-estar e o bem-estar dos seus filhos, em idades precoces, cujo
desenvolvimento pode estar em risco devido a uma combinao de factores biolgicos
e envolvimentais.
Nos EUA a adeso a estes modelos abrangentes e fortemente enquadrados numa
perspectiva sistmica e bioecolgica, que reforam cada vez mais a necessidade de
um trabalho de colaborao entre profissionais, famlia e comunidade, implicando uma
partilha e responsabilizao colectiva, veio a evoluir e a afirmar-se progressivamente,
a partir de meados da dcada de 80.
Em Portugal comeamos por essa altura a falar de interveno precoce, com a
experincia pioneira da Direco de Servios de Orientao e Interveno Psicolgica
(DSOIP), que iniciou um projecto de investigao-aco que, pela primeira vez no
nosso pas, conduziu adaptao, aplicao, avaliao e disseminao de um modelo
de interveno precoce, o Programa Portage para Pais. Este modelo distinguia-se das
experincias de trabalho anteriores com crianas em idades precoces1, por ir para
alm da simples estimulao da criana. Envolvia directamente os pais como
parceiros dos tcnicos, no que era j um esboo de trabalho transdisciplinar, com um,
ento designado, gestor de caso ou tcnico responsvel, incumbido de monitorizar o
desenrolar do programa, que tinha na retaguarda o apoio pluridisciplinar
proporcionado pelas reunies semanais de superviso.
1 Destacamos aqui, nomeadamente, o trabalho dos Centros de Paralisia Cerebral e o das Equipas de Orientao Domiciliria OD, do ento Ministrio dos Assuntos Sociais.
Introduo
4
Foi j em finais de anos 80, inicialmente em estreita ligao com a D.S.O.I.P. e,
mais tarde, com a Associao Portage, que o Hospital Peditrico de Coimbra comeou
a desenvolver o Projecto Integrado de Interveno Precoce (P.I.I.P.), outra referncia
de qualidade nesta rea, e que serviu de modelo a muitos dos projectos integrados de
interveno precoce que comearam progressivamente a surgir por todo o pas a partir
de meados da dcada de 90.
Com a proliferao destes projectos, incentivados pelas polticas de apoio, quer do Ministrio da Educao (portaria 1102/97, alnea c), quer do Ministrio da Segurana
Social (Programa Ser Criana) e devido ao interesse e empenhamento de muitos
profissionais no terreno, surgiram experincias muito interessantes, a par de outras
menos conseguidas, correspondendo a uma grande diversidade de prticas. Em
termos de referencial terico, existiam ainda bastantes lacunas na maioria dos
profissionais e no que diz respeito ao acompanhamento das prticas, em termos de
formao em servio e de superviso, ela era praticamente inexistente. Esta situao
era parcialmente colmatada com a enorme motivao de grande nmero de
profissionais, aliada, nalguns, sua competncia em termos do trabalho desenvolvido
com a criana e da capacidade de relacionamento com as famlias, assim como, por
vezes, pela existncia de lideranas fortes e de qualidade.
Pessoalmente, fui envolvida neste processo, tendo-o acompanhado de perto a
partir do seu incio e, desde ento, nunca mais deixei de trabalhar nesta rea, seja a
nvel do trabalho directo com crianas e famlias, seja a nvel da formao de outros
tcnicos, seja a nvel da investigao e avaliao das prticas. Todas as actividades
que fui desenvolvendo ao longo desses anos, bem como, e talvez principalmente, os
contactos com inmeros profissionais e experincias diversificadas que tive,
trouxeram-me um grande enriquecimento em termos do conhecimento da realidade da
interveno precoce no nosso pas. Foi exactamente esse conhecimento, aliado ao
desejo de perceber cada vez melhor esta realidade, que estiveram na origem da
escolha do tema do presente trabalho.
Assisti quilo que poderemos referir como um autntico boom, que foi a grande
adeso s perspectivas de interveno centrada na famlia. Rapidamente, por todo o
pas, a grande maioria dos profissionais de interveno precoce trabalhava centrada
na famlia. Estando consciente das dificuldade que uma interveno desse tipo
acarreta e dos resultados das investigaes realizadas nos Estados Unidos e que
apontam para a discrepncia que existe entre aquele que o desejo dos tcnicos de
trabalhar dentro desse modelo e aquelas que so, na realidade, as suas prticas
(Bailey, 1994; Turnbull, Turbiville & Turnbull, 2000; Mahoney, OSullivan, & Fors, 1989,
Introduo
5
cit, Bailey, 1994; Mahoney & OSullivan, 1990, cit, Bailey, 1994; Bailey, Buysse,
Edmonson, & Smith, 1992, cit, Bailey, 1994), despertou-me desde logo a curiosidade
tentar perceber como que as coisas se passavam entre ns. Com a cada vez maior
divulgao, atravs de livros, revistas e mesmo formaes especficas neste campo, a
questo que se colocava era a de perceber se s designaes internacionais de
modelos e de prticas de interveno precoce e, nomeadamente, de interveno
centrada na famlia, correspondiam, de facto, contedos e/ou prticas idnticas s
originalmente propostas, ou se elas passaram a fazer parte do repertrio de muitos
profissionais, mas apenas ao nvel da desejabilidade.
Como que os profissionais descreviam a sua prtica e que dificuldades
identificavam? Como que os especialistas nesta rea avaliavam estas prticas em
particular e, genericamente a situao da interveno precoce, entre ns? Como que
uma equipa de profissionais, com condies que podemos considerar privilegiadas no
panorama nacional, ou seja, uma formao considervel na rea, um enquadramento
conceptual consistente e uma prtica supervisionada, aplicava aquele que diziam ser o
seu modelo de referncia, a interveno centrada na famlia, e que efeitos as famlias
sentiam, em si prprias e nos seus filhos? O que que as famlias portuguesas, de
facto, pretendem quando se dirigem a um programa de interveno precoce? Ser que
a to divulgada interveno centrada na famlia, com todos os pressupostos tericos
que acarreta, corresponde quilo que as famlias portuguesas desejam? Qual o grau
de adeso e de satisfao das famlias atendidas nestes programas?
Neste sentido desenvolveu-se um estudo exploratrio com um desenho de modelo
misto paralelo, que recorre em simultneo a abordagens qualitativas e quantitativas,
dentro das vrias fases da investigao. O objectivo desta pesquisa , traar uma
panormica geral da situao da interveno precoce e da utilizao do modelo de
interveno centrado na famlia em Portugal e tentar perceber, at que ponto, a prtica
desenvolvida se enquadra num modelo ecossistmico de prestao de servios e
naquelas que so, neste mbito, as prticas recomendadas baseadas na evidncia,
bem como, tentar identificar eventuais reas que possam necessitar de ser
aperfeioadas. Para isso parte-se do testemunho de especialistas e de profissionais
de interveno precoce de todo o pas, bem como de um estudo de caso incidindo
sobre um programa de interveno precoce que assume, como seu modelo terico de
referncia, a interveno centrada na famlia.
Esta pesquisa integra dois estudos complementares:
Introduo
6
O Estudo I, designado Estudo das Ideias, em que se analisam as ideias de especialistas e de profissionais de interveno precoce de todo o pas, sobre
interveno precoce no geral e interveno centrada na famlia, em particular.
O Estudo II, designado Estudo das Prticas, em que se parte de um estudo de caso de carcter exploratrio e descritivo, para tentar perceber de que forma o
fenmeno em anlise - o desenvolvimento de programas de interveno precoce
dentro de um modelo de interveno centrado na famlia posto em prtica num
contexto especfico e qual o seu efeito junto das famlias.
Tentar responder s questes acima colocadas, recorrendo a fontes diversas,
nomeadamente, especialistas na rea, profissionais de interveno precoce a
trabalhar em diversas zonas do pas e um estudo de caso incidindo no trabalho de
uma equipa com uma formao considervel e bastantes anos de prtica em
interveno precoce, parece-nos ser a caracterstica que d maior coerncia e
originalidade ao trabalho que em seguida se apresenta.
Este estudo, que se intitula Estudos sobre a Interveno Precoce em Portugal:
Ideias dos especialistas, dos profissionais e das famlias, est organizado em dez
captulos.
No primeiro captulo abordam-se as principais teorias do desenvolvimento, procurando traar um percurso, que parte daquelas que esto na origem dos primeiros
programas de interveno precoce, at s que constituem actualmente o quadro de
referncia conceptual das prticas de interveno nesta rea e que se inserem no
quadro das teorias contextualistas. Dentro destas ltimas comeamos por analisar o
modelo do contextualismo desenvolvimental de Lerner (1989, 1998, 2002; Dixon &
Lerner, 1999), que prope uma explicao de desenvolvimento em que organismo e
contexto aparecem mutuamente embebidos, ao longo de toda a vida do indivduo.
Este modelo, apresenta um carcter abrangente aliado a caractersticas especficas
que o tornam uma referncia importante para a compreenso da pessoa em
desenvolvimento. Em seguida enfatizam-se os contributos tericos que tiveram uma
maior influncia nesta rea: a perspectiva transaccional do desenvolvimento de
Sameroff (Sameroff & Chandler, 1975; Sameroff & Fiese, 1990, 2000); o modelo
ecolgico do desenvolvimento humano e, principalmente a sua verso mais recente, o
modelo bioecolgico de Bronfenbrenner (1979, 1989, 1995a,b; 1998; Bronfenbrenner
& Cecci., 1994; Bronfenbrenner & Morris, 1998). Termina-se com uma breve
abordagem ao contributo de Wachs (2000 a,b) para a compreenso da variabilidade
individual no desenvolvimento, pela achega importante que pode trazer definio de
estratgias de avaliao e interveno, bem como ao desenho de pesquisas, na rea
Introduo
7
da interveno precoce. Ao longo deste captulo procura-se fazer um paralelo entre a
evoluo das teorias do desenvolvimento e a correspondente evoluo a que se
assistiu no campo da interveno precoce.
No segundo captulo, comea-se por traar uma breve panormica da evoluo dos programas de interveno precoce, desde uma primeira gerao de programas
centrados na criana, at aos programas centrados na famlia e na comunidade.
Reflecte-se, em seguida, sobre o conceito de interveno precoce e sobre a questo
da elegibilidade e das diferentes formas de prestao de servios. Analisam-se, ento,
com maior detalhe, os modelos e prticas, daqueles que Dunst (2000b) designa como
a terceira gerao de programas de interveno precoce, enfatizando as prticas
recomendadas, baseadas em valores e na evidncia. Partindo do conceito de prticas
baseadas na evidncia e no consenso que ele actualmente suscita, procura-se
delinear um percurso no sentido da convergncia das prticas, fazendo um paralelo
entre os princpios propostos, quer pela teoria unificada da prtica em interveno
precoce de Odom e Wolery (2003), quer pelo modelo de sistemas desenvolvimental
para a interveno precoce de Guralnick (2005). Passa-se, em seguida, a discorrer,
brevemente, sobre a interveno centrada na famlia e na comunidade, que ser
examinada no captulo seguinte, e d-se uma maior ateno: interveno nos
ambientes naturais utilizando prticas desenvolvimental e individualmente adequadas,
salientando o modelo de prticas contextualmente mediadas (Dunst, 2006; Dunst &
Bruder, 1999a,b; Dunst & Hamby, 1999a,b; Dunst, Hamby, Trivette, Raab, & Bruder.,
2000); e interveno baseada na colaborao e incidindo na integrao e
coordenao de servios e de recursos, realando o trabalho em equipa
transdisciplinar, bem como, o modelo de prticas de interveno baseadas nos
recursos (Trivette, Dunst, & Deal, 1997; Mott, 2005; Mott & Dunst, 2006) e o papel do
coordenador de servios.
O terceiro captulo incide, especificamente, no tema da famlia, uma vez que nos propomos neste estudo analisar a forma como, no nosso pas, profissionais que
defendem maioritariamente as prticas de interveno centradas na famlia, as
utilizam na sua prtica, bem como, quais as percepes das famlias sobre a sua
utilizao. Pareceu-nos, portanto, importante dedicar este captulo anlise da famlia,
enquanto principal contexto de desenvolvimento da criana, no quadro das teorias
desenvolvimentais sistmicas e do papel central que a se atribui interaco, como
principal componente do processo de desenvolvimento. Comea-se por analisar o
conceito de interaco, para em seguida se reflectir sobre o contributo que a
perspectiva sistmica trouxe para uma melhor compreenso do sistema familiar e do
papel desempenhado pelos factores de risco e de proteco (Barber, Turnbull, Behr, &
Introduo
8
Kerns, 1988; Werner, 1990; Pearl, 1993; Palacios & Rodrigo, 1998; Gabarino &
Ganzel, 2000). O captulo termina com uma reflexo sobre o modelo de interveno
centrado na famlia e na comunidade, discorrendo-se sobre este conceito (Dunst,
Johanson, Trivette, & Hamby, 1991; Dunst, Trivette, & Deal, 1988; Dunst & Trivette,
1994; Hanson & Bruder, 2001), a mudana do papel dos profissionais que ele implica
(Dunst, 1998; Dunst, Trivette, & Deal, 1994; Trivette, Dunst, Hamby, & LaPointe, 1996;
Bailey, 1994; McWilliam, Winton, & Crais, 1996; Harbin, McWilliam, & Gallagher,
2000), as relaes famlia-profissional dentro deste modelo (Duwa, Wells, & Lalinde,
1993; McWilliam, 2003; Turnbull, Turbiville & Turnbull, 2000; Bailey & Powel, 2005), e
o Plano Individualizado de Apoio Famlia - PIAF (McWilliam, Ferguson, Harbin, & Al,
1998; Simeonsson, 1996b; Bruder, 2000b; Bailey & Powel, 2005).
Com o quarto captulo pretendemos abrir perspectivas que permitam enquadrar teoricamente, aquelas que se pretende que sejam as prticas de interveno precoce
no futuro prximo, prticas baseadas na evidncia, que valorizem o efeito das
interaces a nvel do desenvolvimento e o papel primordial da famlia e da
comunidade. Neste sentido, so analisados aqueles que consideramos como os dois
principais modelos que podem servir de enquadramento s prticas de interveno
precoce do futuro: o Modelo para a Interveno Precoce e Apoio Famlia de Dunst
(2000b), que enfatiza mais a componente do apoio social e das variveis
envolvimentais associados promoo do desenvolvimento da criana e ao
fortalecimento das famlias e o Modelo de Sistemas Desenvolvimental para a
Interveno Precoce de Guralnick (2001, 2005), que, tendo como referncia uma
perspectiva desenvolvimental, desenha um sistema abrangente de interveno
precoce, que tem como principal objectivo a optimizao dos padres de interaco
familiar, intervindo a nvel dos stressores que os afectam, e que podem estar
associados a caractersticas, quer da criana, quer da famlia. Terminamos o captulo
reflectindo sobre o futuro da interveno precoce, tendo em conta as alteraes que
se tm vindo a registar nas ltimas dcadas, tanto a nvel do avano da cincia, como
das transformaes a nvel social e econmico.
O quinto captulo incide na temtica da avaliao de programas em interveno precoce. Aborda-se a questo da dificuldade e dos desafios que se colocam neste tipo
de avaliao e que tm a ver com a especificidade da interveno, individualizada e
simultaneamente abrangente (criana, famlia e comunidade), e com questes de
ordem metodolgica. Em seguida, analisam-se os estudos que Guralnick (1998)
considera como a primeira gerao de investigaes neste campo e que se
preocuparam em responder questo da eficcia, ou seja, em avaliar os resultados
dos programas, a curto e a longo prazo, com o objectivo de perceber se estes estavam
Introduo
9
ou no a produzir os efeitos que se esperava. Passa-se depois a reflectir sobre os
estudos da segunda gerao de investigaes e a forma como abordam a questo da
especificidade. Apresenta-se um modelo multidimensional que representa a interaco
entre os factores da criana, da famlia e do programa, bem como as medidas dos
resultados (Guralnick, 1993, 97) e abordam-se as questes da avaliao dos
resultados nas crianas e famlias, e dos efeitos que prticas de interveno
especficas tm nesses mesmos resultados. O captulo termina com a anlise de um
caso exemplo de uma investigao de segunda gerao, o National Early Intervention
Longitudinal Study (NEILS), o primeiro realizado nos EUA com uma amostra
representativa a nvel nacional. Conclui-se com uma reflexo sobre os desafios e
propostas para o futuro, no que diz respeito s questes que se colocam avaliao
nesta rea.
No sexto captulo, que encerra a parte terica deste trabalho, reflecte-se sobre a situao da interveno precoce em Portugal. A primeira parte incide na evoluo das
respostas s crianas dos 0 aos 6 anos, no nosso pas, fazendo-se um breve historial
das modalidades de atendimento dirigidas s crianas com e sem necessidades
educativas especiais. Passa-se, em seguida, a analisar o percurso da interveno
precoce, distinguindo dois perodos: um primeiro perodo que se inicia em meados de
anos 80 e que vai terminar em finais de anos 90, com a publicao do Despacho
conjunto n. 891/99, de 19 de Outubro, que veio regulamentar a sua prtica, e um
segundo perodo, que se estende desde essa altura at ao momento. Neste percurso
destacam-se as experincias pioneiras da Direco de Servios de Orientao e
Interveno Psicolgica - D.S.O.I.P. e do Projecto Integrado de Interveno Precoce
de Coimbra (PIIP) e o impulso que vieram dar ao desenvolvimento da interveno
precoce entre ns. Faz-se uma reflexo crtica sobre o Despacho Conjunto n. 891/99
e apresentam-se algumas das principais investigaes realizadas nesta rea.
O captulo stimo dedicado fundamentao da metodologia da investigao, iniciando-se com uma reflexo sobre os mtodos mistos e uma anlise do mtodo de
estudo de caso (Yin, 1994) usado no Estudo II. Em seguida apresenta-se e
fundamenta-se o desenho da pesquisa, enunciam-se os objectivos e as questes
gerais de investigao. Passa-se, ento, anlise dos mtodos de recolha e de
anlise de dados utilizados e o captulo termina com uma reflexo sobre as questes
da validade e da qualidade numa dupla vertente, uma vez que utilizmos metodologias
qualitativas e quantitativas.
Com o captulo oitavo inicia-se a apresentao do trabalho emprico, com a descrio do Estudo I, intitulado Estudo das ideias, que se baseia na anlise das
Introduo
10
ideias de especialistas e de profissionais de interveno precoce de todo o pas, sobre
questes relacionadas com a interveno precoce. Apresentam-se os mtodos: o
desenho do estudo e questes de investigao, os participantes, os mtodos de
recolha de dados e respectivos procedimentos, bem como os mtodos de anlise de
dados. Passa-se apresentao dos resultados, seguida da anlise e discusso das
questes de investigao e termina-se apontando algumas concluses.
O captulo nono diz respeito ao Estudo II, designado por Estudo das prticas: Um estudo de caso (CEACF), que constitudo por um estudo de caso instrumental em
que, recorrendo a um desenho longitudinal transverso, se analisa, durante um
determinado perodo de tempo, o percurso de algumas intervenes implementadas
no mbito de um Programa de Interveno Precoce, que assume ter como modelo
terico de referncia a interveno centrada na famlia. Este captulo obedece a uma
estrutura de apresentao semelhante anterior: mtodos (desenho do estudo e
questes de investigao, participantes, mtodos de recolha de dados, procedimentos,
mtodos de anlise de dados); apresentao dos resultados; anlise e discusso das
questes de investigao; e concluses.
No captulo dcimo, o ltimo, apresentam-se as concluses gerais a partir dos dois estudos efectuados, tecem-se algumas consideraes sobre as limitaes deste
trabalho, bem com sobre o desenvolvimento de futuras investigaes e fazem-se
recomendaes para o futuro desenvolvimento da prtica de interveno precoce no
nosso pas.
CAPTULO I AS TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO E A SUA INFLUNCIA NA ORIGEM E EVOLUO DO CONCEITO DE INTERVENO PRECOCE
As Teorias do Desenvolvimento e a sua influncia na origem e evoluo do conceito da Interveno Precoce
1. Introduo
Podemos considerar como objectivo lato da interveno precoce, a promoo do
bem-estar das crianas em idades precoces e das suas famlias, crianas, essas, que
nos levantem qualquer tipo de dvidas do ponto de vista do seu desenvolvimento,
independentemente da origem do problema em causa. , portanto, a existncia de um
problema a nvel do desenvolvimento, ou um risco elevado de que tal possa vir a
suceder, e o facto de se acreditar que uma interveno pode resolver ou atenuar essa
situao que torna uma criana elegvel para um programa de interveno precoce.
Esta preocupao com a optimizao do desenvolvimento conduz existncia de uma
ligao estreita entre o percurso histrico da interveno precoce e a evoluo das
teorias do desenvolvimento. Neste captulo vamos, ento, fazer uma breve referncia
origem e evoluo destas teorias, detendo-nos, apenas, com mais algum detalhe,
naquelas que esto ligadas ao emergir da interveno precoce, assim como nas que
constituem actualmente o seu quadro de referncia conceptual.
O cientista que opta por uma teoria, mtodo e procedimento de recolha e anlise
de dados, tem subjacente uma opo em termos de pressupostos tericos, no
passveis de comprovao emprica, que lhe serve de guia na conduo da sua
investigao. Assim deparamo-nos, ao longo da histria das teorias do
desenvolvimento, com diferentes opes filosficas sobre o ser humano e o mundo
que o rodeia, que esto na base das principais controvrsias conceptuais nesta rea,
os debates nature-nurture e continuidade-discontinuidade (Dixon & Lerner, 1999) e
que conduziram s diferentes teorias do desenvolvimento.
O conjunto de tais opes vai constituir um sistema filosfico de ideias, que serve
de enquadramento a um grupo ou famlia de teorias e de mtodos cientficos que
lhes esto associados e que so designados como metateorias, teorias da cincia ou
vises do mundo (Lerner, 2002). Embora no avancemos aqui para uma explicao
pormenorizada sobre estes sistemas filosficos, tais como os propostas por Pepper
(1942, cit. Altman & Rogoff, 1987), Reese e Overtone (1970), Altman e Rogoff (1987)1
e, mais recentemente, Lerner (2002) e Dixon e Lerner (1999), iremos recorrer, por
vezes, ao seu quadro referencial, pois pensamos que tal permitir uma melhor
compreenso da evoluo, fundamentao e, consequentemente, da prtica da
interveno precoce.
Recordamos brevemente as principais vises do mundo, na terminologia de Altman
e Rogoff (1987) e os modelos filosficos do desenvolvimento propostos por Lerner
(2002). Altman e Rogoff, baseando-se nos paradigmas de Pepper e na obra de Dewey
1 Em texto anterior detivemo-nos sobre as vises do mundo propostas por estes autores (Tegethof, 1996).
As Teorias do Desenvolvimento e a sua influncia na origem e evoluo do conceito da Interveno Precoce
14
e Bentley (1949), propem uma taxonomia organizada em quatro grandes
perspectivas ou "vises do mundo", a saber: a perspectiva dos traos, a perspectiva
interaccionista, a perspectiva organsmica e a perspectiva transaccional. Por sua vez
Lerner (2002), Dixon e Lerner (1999), e Lerner e Kauffman (1985, cit Lerner 2002), aos
dois modelos propostos por Reese e Overton (1970) e Overton e Reese (1973, 1981,
cit Dixon & Lerner, 1999), o mecanicista e o organicista, acrescentam os modelos
psicodinmico, dialctico e contextual1.
Passando a reflectir sobre o conceito de desenvolvimento, central temtica da
interveno precoce, verificamos que, de um modo geral existe consenso em
reconhecer que o desenvolvimento implica mudana. Lerner (2002), especifica,
considerando que o desenvolvimento implica mudanas numa organizao, mudanas
essas que se produzem de uma forma sistemtica e sucessiva ao longo do tempo. Por
sua vez, Magnussen (1995, p. 20), refere que este diz respeito s mudanas
progressivas e regressivas de um organismo vivo, em termos de tamanho, forma e
funo ao longo do seu ciclo de vida. Assim, os principais objectivos da psicologia
desenvolvimental tm sido, descrever e explicar aquilo que permanece idntico e
aquilo que muda ao longo da vida, assim como explicar em que condies tal
estabilidade (continuidade) ou mudana (discontinuidade) ocorre. (Dixon & Lerner,
1999, p. 4). Tendo sempre em conta, como salienta Magnussen, que a mudana e o
tempo so questes centrais e que embora o tempo no seja o mesmo que
desenvolvimento, o desenvolvimento tem sempre uma dimenso temporal.
2. As teorias organicistas e os primrdios da Interveno Precoce
Esta concepo dinmica e actual de desenvolvimento afasta-se das perspectivas
nativistas que predominavam no incio do sec. XX, sob a influncia de Stanley Hall
(1844-1924), que considerava a ontognese como uma recapitulao da filognese,
correspondendo, portanto, a uma influncia determinante da componente nature. As
perspectivas nativistas consideravam a inteligncia determinada antes do nascimento,
pelo que as diferenas na aprendizagem das crianas seriam inatas, fixadas
nascena e quantitativas. Esta orientao foi continuada pelos seus discpulos entre
os quais se conta Gesell (1880-1961), autor que se destacou na psicologia do
desenvolvimento na primeira metade do sculo passado, quer pelas suas propostas
tericas, quer pelo estudo exaustivo que levou a cabo no sentido de catalogar de 1 De notar que tanto Reese (1975, 1977, cit Lerner, 2002), como Overton (1984, cit Lerner, 2002), discutiram a utilizao dos modelos dialcticos e contextuais do desenvolvimento e consideraram que eles s seriam teis se combinados com concepes mecanicistas ou organicistas. Lerner (2002), defende uma sntese entre os modelos contextualistas e organicistas e considera que, tal como o contextualismo necessita do organicismo, o oposto tambm acontece.
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forma sistemtica as caractersticas e comportamentos das crianas referenciando-as
aos seus diferentes nveis etrios.
Para Gesell, a aprendizagem dependia da maturao do sistema nervoso central e
ocorria de acordo com uma sequncia invariante, pelo que era intil tentar levar a
criana a adquirir determinadas competncias, caso o seu nvel de maturao
biolgico ainda no estivesse pronto para isso. A Teoria Maturacional de Gesell no
nega a influncia do meio no desenvolvimento, mas atribui-lhe um papel secundrio de
facilitador, proporcionando condies propcias actualizao dos processos de
maturao, esses, sim, determinantes. No entanto, de certa forma, Gesell, com o seu
conceito de crescimento em estadios, vem j lanar alguma dvida sobre a ideia,
ento preponderante, da existncia de uma inteligncia fixa e quantitativa. A sua teoria
maturacional situa-se dentro do modelo filosfico do desenvolvimento que Lerner
(2002) designa por organicista e Altman e Rogoff (1987) por perspectiva organsmica1.
A obra de Gesell teve uma influncia grande nos investigadores da poca. Como
Meisels e Shonfoff (2000) referem, o modelo de causalidade linear, que este autor
defende, resultou na popularizao do paradigma de determinismo biolgico
caracterstico do conceito de continuum de morbilidade reprodutiva (continuum of
reproductive casualty) de Pasamanick e Knobloch (1964), segundo o qual o efeito de
sequelas no feto ou no recm-nascido, nos perodos pr, peri e ps-natal, seriam
potencialmente geradores de alteraes neurodesenvolvimentais. , portanto, um
conceito eminentemente organicista em que a nica meno a factores de ordem
social e ao efeito multifactorial de diferentes variveis que se agravam mutuamente,
uma referncia ao facto de estas situaes serem mais frequentes em crianas
oriundas de meios em desvantagem socioeconmica, principalmente devido a factores
ligados ao excesso de trabalho das mes, infeces ou outras complicaes com
efeitos durante a gravidez e o parto, e necessidade de se actuar preventivamente
aos diferentes nveis. Este conceito, como veremos, viria a ser mais tarde retomado e
repensado por Sameroff (1975), numa viso contextualista do desenvolvimento.
Estamos, ento, em finais de anos 60 incio de anos 70, altura em que se torna
mais saliente o movimento crtico relativo aos modelos assentes num determinismo
biolgico, caractersticos de anos 50/60, de que referimos o pensamento de Gesell e o
1 As teorias que se enquadram dentro da perspectiva organsmica caracterizam-se por fazerem uma abordagem holstica dos fenmenos psicolgicos: a unidade de anlise o todo ou o sistema integrado, embora se continue a considerar o indivduo e o meio como unidades independentes e funcionando separadamente. Os factores temporais e a mudana so considerados como factores centrais que operam no sentido de manter a estabilidade do sistema, tendendo para um estado final ideal e estvel. A avaliao da mudana feita em termos qualitativos, sendo valorizada a anlise dos processos. Defende uma abordagem cientfica dos fenmenos psicolgicos, incluindo os princpios de objectividade, replicao, medio e independncia observador/observado. Para explicar os fenmenos psicolgicos enfatiza-se a procura de leis gerais com carcter universal. A metfora proposta por Pepper (1942, cit. Altman & Rogoff, 1987) para caracterizar esta perspectiva o organismo.
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conceito de morbilidade reproductiva de Pasamanick e Knobloch. Nessa conjuntura,
Scott (1978, cit Bairro 2003), analisa aqueles que refere como os trs modelos que
enfatizam uma componente preventiva, mais usados na avaliao em interveno
precoce.
O primeiro um modelo mdico clssico utilizado em epidemiologia, o segundo, o
modelo de enriquecimento de competncias (ability-enrichment model) um modelo
psicomtrico baseado na noo de competncia e do seu treino e que, segundo
Bairro (2003), se pode enquadrar no modelo de interaco aptido-tratamento
(aptitude-treatment interaction model, Snow, 1991), que salienta o facto de o resultado
da interveno depender da interaco entre as caractersticas do indivduo (aptido)
e as caractersticas da instruo ou do ensino (tratamento).
Finalmente o terceiro, o modelo de avaliao-interveno (assessment-intervention
model), considerado por Scott demasiado recente para poder ser avaliado em termos
de eficcia da interveno, um modelo que defende a existncia de uma estrutura
hierrquica de pr-requisitos cognitivos que conduzem a estadios de aprendizagem e
cognio. Neste modelo, as competncias e os seus pr-requisitos podem ser
avaliados e alterados atravs de tcnicas de modificao de comportamentos, anlise
de tarefas, definio de objectivos desenvolvimentais, bem como recorrendo a um
currculo de referncia a critrios. Enquanto o primeiro modelo analisado por Scott
um modelo claramente organicista, os dois ltimos caiem, j, dentro da mesma famlia
de teorias de que faz parte o behaviorismo, movimento que apresentaremos mais
frente.
2.1. A teoria do desenvolvimento cognitivo de Piaget
Antes, porm, vamos continuar dentro do sistema filosfico organicista (Lerner,
2002) ou organsmico (Altman & Rogoff, 1987), para referir o pensamento de Piaget
(1896-1980), que desenvolve uma teoria bastante mais elaborada, contrapondo
preocupao descritiva de Gesell uma preocupao explicativa. A teoria desenvolvida
por Piaget vai-se debruar sobre o desenvolvimento cognitivo procurando explicar de
que forma as crianas aprendem a conhecer ou a formar conceitos, propondo um
modelo com caractersticas interactivas, construtivistas e estruturalistas. Para ele, o
desenvolvimento resulta da relao binria e interdependente que se estabelece entre
o organismo e o meio, atravs de um processo em que a criana tem um papel activo,
surgindo a inteligncia como algo que se constri.
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Na sua Teoria do Desenvolvimento Cognitivo, Piaget prope o modelo de
equilibrao que, em sua opinio, explicaria o processo de transio entre os quatro
estadios que caracterizariam o desenvolvimento da criana. Na sua adaptao ao
ambiente esta vai confrontar-se com acontecimentos que so inconsistentes com os
seus conhecimentos e experincias anteriores, situao que vai provocar um
desequilbrio. Para ultrapassar esta situao, vai incorporar os novos elementos aos
esquemas j existentes, num processo de assimilao, ou modificar estes esquemas
para que estes se adaptem aos novos elementos, num processo de acomodao.
Deste modo, o sistema cognitivo do sujeito reorganiza-se e reencontra o equilbrio
atravs destes processos homeostticos de adaptao. Ao sublinhar assim, o carcter
indissocivel entre organismo e meio, Piaget vai colocar-se numa perspectiva
transaccional1 (Altman & Rogoff, 1987), assim como levar Dixon e Lerner (1999) a
considerar alguns aspectos do seu pensamento como distintamente dialcticos e vai,
ainda, reaproximar os dois plos do acima referido debate nature-nurture.
No entanto, a noo de interaco de Piaget diferente daquela que, como
veremos mais frente, caracteriza o modelo contextual. Neste modelo de
desenvolvimento a mudana ocorre como consequncia das relaes recprocas e
bidireccionais que se estabelecem entre um organismo e um contexto activo, com
efeitos em ambos, enquanto que na teoria de Piaget as mudanas ocorrem apenas no
interior do sujeito (Lerner, 2002) e a progresso atravs dos diversos estadios -
sensrio-motor, pre-operatrio, das operaes concretas, das operaes formais
tem um carcter teleolgico, ao visar um estado final ideal e estvel.
Este mesmo aspecto criticado por dois dos seus seguidores Doise e Mugny
(1981) que referem no ter Piaget a preocupao de encontrar relaes de
causalidade entre os fenmenos sociais e o processo cognitivo, aparecendo os
primeiros sempre exteriores ao segundo. No entanto, e como j salientmos noutro
texto (Tegethof, 1996), apesar de serem vrios os autores que criticam o facto de
Piaget no valorizar suficientemente o contexto social (Vygotsky 1934/1981; Perret-
Clermont, 1979; Doise & Mugny, 1981; Doise, 1985; Sigel & Cocking, 1977; Rogoff,
1990; Bruner & Haste, 1990; Wertsch & Tulviste, 1992), outros vo considerar que isso
mais aparente do que real e que, esse suposto menor destaque dado aos factores
1 As teorias psicolgicas que se enquadram na perspectiva transaccional caracterizam-se, principalmente, pelo nfase dado aos factores contextuais e ao estudo dos processos; consideram como unidade de anlise a entidade holstica pessoa-contexto encarada como indissocivel, sendo, portanto, o evento psicolgico em si mesmo o objecto de estudo; reconhecem o tempo e a mudana como caractersticas centrais e intrnsecas aos fenmenos psicolgicos e o carcter inseparvel dos diferentes nveis de anlise dos processos psicolgicos. Mais do que analisar resultados, o que se pretende aqui analisar os processos em transformao e as relaes que se vo estabelecendo entre as pessoas e os seus contextos de vida, sem a preocupao de encontrar leis ou princpios gerais que regulem os fenmenos psicolgicos. A metfora proposta por Pepper (1942, cit. Altman & Rogoff, 1987) para caracterizar esta perspectiva o facto histrico.
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sociais, se deve s suas preocupaes epistemolgicas e no a limitaes inerentes
sua teoria (Loureno, 1994; Tudge & Winterhoff, 1993).
Apesar do trabalho de Piaget ser conhecido nos EUA desde cerca de 1920, s
comeou a ter maior reconhecimento a partir de finais de anos 50. Tal deve-se, de
acordo com Lerner (2002), por um lado barreira lingustica, dificuldade inerente
escrita de Piaget e aos conceitos abstractos que ele maneja, e por outro, ao facto de,
na altura, predominar nos EUA uma perspectiva mecanicista da cincia, que seguia a
lgica do positivismo implicando a experimentao e a utilizao de mtodos
quantitativos. Ora tal lgica, como veremos a seguir, ope-se do modelo filosfico
organicista (Lerner, 2002) ou organsmico (Altman & Rogoff, 1987), com aspectos
transaccionais e dialcticos, que caracteriza o pensamento de Piaget, principalmente
na sua vertente constructivista, interactiva e estruturalista. No entanto, a partir da
dcada de 60, a obra de Piaget passou a ser largamente difundida nos EUA, tendo
passado, progressivamente, a dominar o pensamento na rea da psicologia do
desenvolvimento e influenciando os trabalhos a desenvolvidos.
2.2. A perspectiva preventiva e os antecedentes dos actuais programas de Interveno Precoce
A perspectiva construtivista e interaccionista de Piaget, que vem conferir ao
contexto em que a criana est inserida um papel preponderante no seu
desenvolvimento, est ligado ao aparecimento, em anos 60, dos designados
programas de educao compensatria, percursores dos actuais programas de
interveno precoce, j ento concebidos numa perspectiva preventiva. Neste
processo, destacam-se dois autores, Hunt (1961) e Bloom (1964), que tiveram uma
importante contribuio na traduo e divulgao da obra de Piaget, a par de um
trabalho empenhado opondo-se ideia, ento prevalecente, do carcter
geneticamente determinado e imutvel da inteligncia. Baseando-se em estudos sobre
o comportamento animal defenderam a necessidade de uma interveno em idades
precoces com base na existncia dos chamados perodos sensveis do
desenvolvimento1. Este conceito vir a ser posto em causa, quando da avaliao dos
primeiros programas de interveno precoce. No entanto, aquilo que se poder
contrapor tem sobretudo a ver com o facto de os autores limitarem a interveno a um
perodo de tempo especfico, de tal forma que se chegou a sugerir a quase inutilidade
1 Segundo os autores, os perodos sensveis do desenvolvimento resultariam da existncia, nas idades precoces, duma particular vulnerabilidade e maleabilidade ao nvel do sistema nervoso central, pelo que, uma estimulao intensiva durante os primeiros quatro anos de vida, resultaria em ganhos importantes em termos de desenvolvimento com efeitos que se manteriam ao longo do tempo.
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duma interveno depois dos 4, 5 anos (Bloom, 1964), aliada ao facto de no
pensarem a interveno em termos de continuidade.
Abrimos aqui um parntesis para mencionar o facto, que no deixa de ser curioso,
de nos ltimos anos, se ter vindo a assistir, ainda que em moldes muito diferentes,
quilo que poderamos designar como um repor da antiga polmica nature-nurture.
Estamos a referir-nos ao interesse crescente pelo estudo dos mecanismos
neurobiolgicos e do desenvolvimento cerebral, assim como ao papel que os factores
do meio podero a desempenhar.
Sabemos hoje que durante os primeiros anos de vida que, no crebro, se
constituem a maioria das sinapses que se mantero durante o resto da vida e que
nesse perodo que as clulas apresentam maior maleabilidade. Assiste-se assim ao
retomar, ainda que de uma forma bastante mais depurada, do conceito de perodos
crticos, defendidos por Hunt (1961) e Bloom (1964) em meados do sculo XX, ao
voltar a referir-se a existncia de perodos que devido sua plasticidade neuronal
seriam particularmente favorveis em termos de desenvolvimento (Nelson, 2000).
Dentro desta perspectiva, defende-se que o sucesso de qualquer interveno depende
da possibilidade do sistema nervoso ser modificado pela experincia.
a eficcia de qualquer interveno depender da capacidade do sistema nervoso (ao
nvel celular, metablico ou anatmico) ser modificado pela experincia. Este processo,
referido ao longo deste captulo como plasticidade neuronal, est muitas vezes limitado pelo
tempo; isto , pode existir uma janela de oportunidade, ou um perodo crtico, para alterar o
funcionamento neuronal. (Nelson, 2000, p. 204)
Estamos, portanto aqui numa linha de demarcao que poder facilmente resvalar
para um novo tipo de reducionismo dando a primazia aos aspectos biolgicos do
desenvolvimento, pelo que se torna cada vez mais necessria uma abordagem que
permita uma compreenso interdisciplinar dos fenmenos do desenvolvimento.
Mas, retomando a influncia crescente do pensamento de Piaget nos EUA e a
importncia de que se reverteu o conceito de perodos sensveis do desenvolvimento,
constituindo-se como o racional terico que esteve na base dos primeiros programas
que surgiram em meados de anos 60. Eram os chamados programas de educao
compensatria, destinados a crianas em desvantagem socioeconmica, que
pretendiam compensar a deficiente estimulao que se considerava ser-lhes
proporcionada pelo seu meio de origem. O seu objectivo ltimo era quebrar o ciclo de
pobreza, proporcionando uma estimulao precoce e intensiva, num perodo que
precedia a entrada da criana na escola, esperando-se assim facilitar a sua adaptao
escolar e melhorar os seus resultados. Muitos acreditavam, mesmo, que esses ganhos
As Teorias do Desenvolvimento e a sua influncia na origem e evoluo do conceito da Interveno Precoce
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iriam continuar a garantir-lhes o sucesso ao longo da vida escolar e, mais tarde, na
vida social e profissional (Almeida, 1997a,b, 2000a).
assim que surge em 1965 o programa Head Start, como um projecto piloto de 8
semana para crianas em desvantagem, de idade pr-escolar e embora ele no
conseguisse cumprir a sua promessa de quebrar o ciclo de pobreza, a verdade que
foi de tal modo bem sucedido que ainda hoje se mantm, tendo, mesmo dado origem
a outros programas como o Home Start, o Follow Through ou o Early Head Start,
conjunto de programas sobre os quais teremos oportunidade de reflectir no captulo V.
Este sucesso est concerteza muito ligado s suas caractersticas, ento bastante
inovadoras, com um envolvimento activo da famlia, assim como uma preocupao
abrangente, que ia muito para l da estritamente acadmica, envolvendo um vasto
leque de profissionais e paraprofissionais que proporcionavam servios coordenados a
nvel da sade, da educao e da segurana social (Meisels & Shonkoff, 2000;
Richmond & Ayoub, 1993; Hanson & Lynch, 1989). No emergir destes programas na
dcada de 60, para alm dos resultados da investigao e da evoluo das teorias do
desenvolvimento, j referidas, encontram-se razes de ordem histrico-social e
modificaes na forma como a sociedade tem vindo a encarar a criana e,
particularmente, a criana em risco e com alteraes de desenvolvimento e a sua
famlia1.
3. As teorias mecanicistas e a sua aplicao aos programas de Interveno Precoce
Retomando a evoluo das teorias do desenvolvimento, a nossa reflexo passa
agora a incidir sobre a teoria dominante nos EUA, a partir da segunda dcada do sec.
XX, e que continuou a predominar at anos 50, o behaviorismo ou
comportamentalismo.
1 Entre estas razes referimos sucintamente: (i) a preocupao crescente com a criana, o seu bem-estar e educao, que est na origem da publicao de legislao relacionada com a obrigatoriedade do ensino e a proibio do trabalho infantil; (ii) o desenvolvimento da educao pr-escolar com o aparecimento, primeiro na Europa e depois nos EUA, dos primeiros "Kindergarten, e das "Nursery Schools", que vo chamar a ateno para a importncia do investimento nos primeiros anos de vida; (iii) o aparecimento dos primeiros Servios de Sade Materno-Infantis, como o Childrens Bureau e programas como o Early and Periodic Screening, Diagnosis, and Treatment Program (EPSDT), que vm reforar a necessidade de encontrar respostas adequadas para populaes carenciadas e mais vulnerveis; (iv) a evoluo da educao especial, desde uma primeira fase de segregao e institucionalizao das crianas com deficincias ou incapacidade at ateno gradual e mudana de atitudes relativamente a estas crianas, que levou criao de respostas nas escolas pblicas. (Para informaes mais detalhadas sobre este tema, consultar Meisels & Shonkoff, 2000; McCollum & Maude, 1993; Richmond & Ayoub, 1993; Hanson & Lynch, 1989)
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3.1. Do behaviorismo de Skinner s teorias emergentes
Ao recuperar o conceito de mente como tabula rasa de Locke (1632-1704), o
behaviorismo, assim designado por Watson (1928), vai enfatizar o papel que o meio e
o processo de aprendizagem tm no desenvolvimento e defender uma orientao
quantitativa. Com estas caractersticas, o behaviorismo situa-se dentro daquele
sistema de teorias que Lerner (2002) designa por mecanicistas e Altman e Rogoff
(1987) por perspectiva interaccionista1, e est em directa oposio com as concepes
que acabmos de apresentar e que enfatizam o papel da maturao e da
hereditariedade defendendo uma orientao qualitativa, tais como as de Gesell e as
de Piaget, embora, estas ltimas, j com caractersticas muito diferentes que as
aproximam de modelos dialcticos e transaccionais.
Na perspectiva behaviorista, o organismo assume um papel relativamente passivo
em contraposio com o papel activo do meio ambiente, considerando-se que tudo
aprendizagem. Assim, exceptuando os casos de alteraes significativas do sistema
nervoso central, nos restantes seriam os estmulos do meio que iriam determinar o
desenvolvimento. Este resultaria, portanto, de um acumular de sucessivas
aprendizagens realizadas de acordo com um modelo linear estmulo-resposta, sem
que se pressuponha qualquer reorganizao do estmulo pelo sujeito, atravs de um
acumular de sucessivas aprendizagens que se vo processando de acordo com as
leis do condicionamento. Ao eleger o comportamento observvel como unidade de
anlise, a psicologia passava a ser uma cincia objectiva e quantificvel. Trata-se
portanto de uma viso nurture ou ambiental do desenvolvimento, que se ope
viso nature do modelo organicista, oposio, essa, que deu origem polmica
nature-nurture que se arrastou durante a primeira metade do sec. XX e que s viria ser
ultrapassado com o emergir da perspectiva contextual (Lerner, 2002).
Skinner (1974), seguidor de Watson, preocupou-se essencialmente com a questo
do reforo contingente e desenvolveu um modelo de mudana dos comportamentos
dependente da consequncia das respostas (reforo contingente), de acordo com um
procedimento sistemtico, que designa de condicionamento operante. Para o
desenvolvimento de estudos empricos, este autor vai considerar o comportamento
como a unidade de anlise e a frequncia da resposta como a unidade de medida a
privilegiar. Segundo Dixon e Lerner (1999), Skinner (1974), tal como Bijou (1979),
1 As teorias que se enquadram dentro da perspectiva interaccionista caracterizam-se por fazerem uma abordagem analtica dos fenmenos psicolgicos: as qualidades psicolgicas e as caractersticas do meio so vistas como unidades isoladas e independentes entre as quais se estabelecem relaes unidireccionais, que podem ser quantificadas. Os factores temporais e a mudana so considerados como exteriores aos fenmenos e esta ltima avaliada em termos de produto, sendo valorizado o aspecto quantitativo segundo um processo sistemtico, objectivo e parametrizado. Para explicar os fenmenos psicolgicos enfatiza-se a procura de leis gerais com carcter universal. A metfora proposta por Pepper (1942, cit. Altman & Rogoff, 1987) para caracterizar esta perspectiva a mquina.
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preocupou-se com questes metatericas e examinou alguns conceitos chave do
desenvolvimento, tais como a natureza da mudana relacionada com a idade, o
espao de vida e, principalmente, o envelhecimento, assim como o modelo do
organismo e o papel do meio.
Os conceitos de condicionamento operante e de reforo foram retomados e, em
certa medida, postos em causa por outro autor, Bandura (1977, 1986), que na sua
Teoria da Aprendizagem Social e na sua posterior evoluo, a Teoria da Cognio
Social, integra aspectos do comportamentalismo e do cognitivismo, aplicando-os
aprendizagem que ocorre em contexto social. Reala o papel da imitao e da
modelagem na aprendizagem e diminui o papel do reforo que, na sua perspectiva,
no indispensvel. Refere, no entanto, a possibilidade da utilizao daquilo que
designa por reforo vicariante, uma forma de reforo indirecta aplicada a modelos que
so socialmente valorizados pelo indivduo. Lerner (2002) considera, que a
reconceptualizao levada a cabo por Bandura, na sua Teoria da Cognio Social,
envolvendo processos causais baseados no determinismo recproco, em que ele
salienta as interaces recprocas entre factores do comportamento, cognitivos e
ambientais, vai colocar este autor dentro de um modelo contextualista.
Mas regressemos a Skinner, uma vez que o seu contributo foi fundamental para o
desenvolvimento da Anlise Comportamental Aplicada (ACA), uma tcnica que teve, e
continua a ter, um papel importante na elaborao de programas educativos para
crianas com situao de deficincias ou incapacidade, ou seja, para grande parte da
populao-alvo da interveno precoce. A Anlise Comportamental Aplicada (ACA),
manteve os princpios conceptuais e metodolgicos bsicos do behaviorismo de
Skinner, mas alargou o seu campo de investigao e interveno aplicando-os aos
comportamentos dos indivduos nos seus contextos de vida e, nomeadame
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