TEXTOS E PRÁTICAS DE LETRAMENTO: PROGRAMA DE SAÚDE DA FAMÍLIA P IZABEL MAGALHÃES (UFC/UNB)

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INTRODUÇÃO

Constituição Federal (1988)

Atribuiu ao Sistema Único de Saúde (SUS) a competência para organizar a educação na saúde, destacando questões relacionadas a práticas de letramento.

Objetivo

Analisar a mediação textual da saúde, examinando aspectos das identidades sociais dos participantes do Programa de Saúde da Família (PSF).

Projeto: “O Diálogo como Instrumento de Intervenção de Profissionais da Saúde na Relação com Pacientes”

(PPSUS/MS/FUNCAP/CNPq/SESA/Edital 3/2012)

ABORDAGEM TEÓRICA

Análise de Discurso Crítica (ADC) de Fairclough (2003, 2010)

Estudos do letramento, de acordo com Street (1984), Barton e Hamilton (1998, 2000), Rios (2009).

Usos sociais do letramento – práticas de letramento (Street, 1995)

Práticas discursivas de letramento

Magalhães (2005, p. 40)

“As práticas discursivas de letramento constituem identidades, valores e crenças: isso ocorre nos eventos de letramento, nos quais os textos escritos e a maneira como as pessoas falam a respeito dos textos escritos contribuem para moldar os encontros sociais e as relações sociais.”

Relevância de estudo anterior de Gee (1990).

Gee (1990, p. 150)

“Acredito que é apenas no contexto da noção de Discurso que se pode alcançar uma definição viável de letramento.”

Barton (2009, p. 38)

“O argumento principal é que vivemos em um mundo social textualmente mediado, em que textos fazem parte da cola da vida social.”

Portanto, para entender a mudança social contemporânea, é preciso entender o que as pessoas fazem com os textos, tanto no suporte da página quanto da tela, e o que os textos fazem com as pessoas.

Poder e ideologia

Tanto numa prática específica quanto numa “rede de práticas”.

Chouliaraki e Fairclough (1999, p. 24)

“Redes de práticas são mantidas no lugar por relações sociais de poder, e articulações cambiantes de práticas nas redes ligam-se à dinâmica cambiante do poder e das lutas pelo poder.”

Concepção ideológica do letramento

Street (1995, p. 29)

O letramento é culturalmente situado, o que nos leva a investigar o papel do letramento no controle social e nas relações de poder.

METODOLOGIA DA PESQUISA

Etnográfico-discursiva, adotando-se princípios etnográficos para o trabalho de campo e a Análise de Discurso Crítica (ADC) para o estudo de textos.

Instrumentos: 1) relatos de observação

2) grupos focais

3) entrevistas semiestruturadas

4) artefatos (textos)

Corpus textual: cadernetas de saúde, dirigidas a pacientes

cartões de saúde, dirigidos a profissionais e pacientes

transcrições de entrevistas

LETRAMENTO NA SAÚDE

As práticas discursivas de letramento na área da saúde são complexas; por isso mesmo, exigem um estudo detalhado, principalmente se considerarmos o tempo dedicado por profissionais de saúde à produção e à leitura de textos.

Exemplo 1 – Cartão de controle do hipertenso e diabético

Em cada visita de hipertensos e diabéticos ao centro de saúde, os profissionais devem fazer registros no cartão, referentes aos seguintes itens:

DATA, PESO, P. A., GLICEMIA, GLICOSURIA, RUBRICA

Controle de profissionais e pacientes pelo Estado.

Profissionais

O preenchimento de formulários, fichas, cadernetas e cartões faz parte de “rituais de verificação” (Power, 1997), em práticas discursivas de letramento no contexto contemporâneo do trabalho.

Strathern (2000, p. 3) usa o termo “auditoria” em sentido ampliado para caracterizar mudanças no local de trabalho, em que o controle é interiorizado pelos atores sociais para construírem confiabilidade.

Origem do termo – protocolos das práticas financeiras.

De acordo com Strathern, o atual contexto do trabalho desenvolveu “culturas baseadas na auditoria”.

Pacientes

No Exemplo 1, há uma lista com 12 instruções aos pacientes, entre as quais estão:

a) “Você também tem um papel a cumprir para tornar o tratamento ainda mais eficaz. Sua colaboração é muito importante.

b) Quando a hipertensão é tratada corretamente e a tempo é possível prevenir o aparecimento de complicações graves no coração, no cérebro, nos rins, nos olhos e nas artérias. Isso pode prolongar a sua vida.

c) É importante que você tome corretamente seu remédio.”

DISCURSOS DO SUS

Discurso é uma dimensão da prática social. Nesse sentido, é usado no singular, mas também pode ser usado no plural, significando a construção de aspectos do mundo de uma perspectiva particular (FAIRCLOUGH, 2009, p. 163).

Nas práticas discursivas de letramento na saúde, examinamos dois discursos: o de promoção da saúde e o de prevenção de doenças.

Discurso de promoção da saúde

“Você também tem um papel a cumprir... Sua colaboração é muito importante.”

“É importante que você tome corretamente seu remédio.”

Discurso de prevenção de doenças

“Quando a hipertensão é tratada corretamente e a tempo é possível prevenir o aparecimento de complicações graves...”

Esses discursos interrelacionam-se na interdiscursividade (FAIRCLOUGH, 2003).

A interdiscursividade fortalece o SUS e a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (BRASIL, 2009).

GRUPOS DE PROMOÇÃO DA SAÚDE

Os profissionais referem-se aos seguintes grupos:

crianças mulheres adolescentes idososcuidado hipertensão hanseníase planejamento com os dentes familiar

Dizem que gostariam de se dedicar aos grupos, mas não podem deixar de atender a “demanda livre”.

PRÁTICAS DISCURSIVAS DE LETRAMENTO

DISCURSOS

PROMOÇÃO DA SAÚDE

PREVENÇÃO DE DOENÇAS

RELAÇÕES SOCIAIS – IDENTIDADES

GÊNEROS DISCURSIVOS

CADERNETAS

CARTÕES

TEXTOS

CADERNETAS DE SAÚDE

Crianças e adolescentes (p. 1-5)

Gêneros discursivos

Apresentação

Formulário de dados pessoais

Instrução sobre os direitos dos cidadãos

Direitos: registro civil de nascimento, direitos dos pais

Interdiscursividade entre saúde e educação – base da promoção da saúde

LETRAMENTOS E IDENTIDADES NA SAÚDEOs discursos de promoção da saúde e de prevenção de

doenças constroem identidades no processo social da saúde.

De acordo com Larraín (2001, p.34):

No processo social de construção de identidades, há um compartilhamento de “lealdades grupais” de natureza cultural, que especificam os atores sociais.

No contexto da saúde, as identidades são especificadas pela maneira como profissionais e pacientes falam a respeito da saúde.

DEPOIMENTOS DE PROFISSIONAIS

Exemplo 2

Dra. Bruna - 26 anos, 11 meses de experiência, de Fortaleza

Convenções de transcrição: ... = pausa; letra maiúscula = ênfase; entre hifens = repetição.

P: Como é o atendimento no Programa de Saúde da Família?

B: É assim, facilidades como é o atendimento na atenção primária, aqui É-é uma coisa que a população precisa, porque não existe é plano de saúde, não existe é... hospital pra todo mundo, né, principalmente pra população mais carente. Então assim, a atenção primária de saúde é uma estratégia válida no sentido de promoção, prevenção e cuidados de atenção primária, tendeu? Pacientes que não precisam do nível terciário conseguem é ser bem atendido e ter acesso a saúde na atenção primária em que as dificuldades-assim

É... vantagens, vantagens é que as pessoas conseguem ter acesso a algumas medicações, conseguem ter acesso a atendimento médico, aqui no posto tem alguns especialistas, então tem cardiologista, tem ortopedista, então muitas vezes quando eu preciso de algum especialista eu consigo aqui no posto, entendeu? [...]

dificuldades, as dificuldades é infraestrutura, infraestrutura que a gente observa em todos os lugares é... as vezes falta a medicação da pressão, as vezes não tem paciente que precise de uma consulta como é no caso outras especialidades ou exames como ECO, eletrocardiograma e que a gente não pode oferecer, a gente não tem, ou então assim, vai pra fila, mas na fila ele passa seis meses, sete meses esperando.

Então assim, quando o paciente tá um pouquinho mais grave que a gente também não pode oferecer pela rede esses exames, a gente às vezes pede, encaminha para clínicas mais populares ali perto da Santa Casa, que tem um preço mais em conta, que essa é a principal dificuldade que eu vejo aqui na atenção primária conseguir exames é... o paciente muitas vezes não tem nenhum dinheiro pra pagar esse exame de cinquenta reais, porque tem gente que ganha quatrocentos reais por mês, então num tem não tem de onde eles tirar, vai tirar o dinheiro de onde pra pagar esse exame? Então o que tá faltando ainda-ainda eu acho principais dificuldades. [...]

DEPOIMENTOS DE PACIENTES

Exemplo 3

Paciente 1 – 65 anos, gênero: feminino, de Fortaleza

P: O que você acha da escrita das receitas?

P1 Vixe. Aqui só se salva o Dr. X porque ele é perfeccionista, ele faz assim ó: Se entortar, ele rasga aquele receita e faz de novo, mas não, olhe, (ininteligível) mas não tem quem reclame da letra dele de tudo que tá escrito lá, todo mundo lê. Mas tem uns minha filha! Sei não viu? Tem que começá a estudá o alfabeto pra gente sabê que letra é aquela. Teve uma vez que eu vim pra um que eu fui na farmácia e o farmacêutico não conseguiu, não conseguiu sabê. E desses aí tem muito!

Exemplo 4

Paciente 2 – 42 anos, gênero: masculino, de Fortaleza

P: Comente sobre a escrita das receitas médicas.

P2: Receita? Eu acho péssima, as vezes tem/ tem/ tem/ farmacêutico nem mesm/ nem ele mesmo entende. Nem ele mesmo entende (ininteligível)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

1) As identidades longe de serem homogêneas, são contraditórias e mesmo fragmentadas. Por exemplo, as identidades profissionais: ao mesmo tempo em que criticam o SUS, os profissionais reconhecem seu valor.

2) Nas entrevistas com pacientes, há também um sentimento de indignação causado pela escrita das receitas médicas.

3) No contexto da saúde, as identidades são construídas em práticas discursivas de letramento em que é exercido o controle de profissionais e de pacientes pelo Estado.

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