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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
TRABALHO E JUVENTUDES TRANS: BREVE RETRATO DO ESTADO DA
ARTE DE UMA DÉCADA (2006-2016)
Silvana Marinho1
Guilherme Almeida2
Resumo: O artigo apresenta alguns passos iniciais da construção de um Estado da Arte sobre o
tema trabalho e juventudes trans, a partir das produções da pós-graduação brasileira stricto sensu
(mestrado e/ou doutorado), com o objetivo de conhecer e apresentar as principais tendências dessa
produção. Elegemos sistematizar os dados levantados na BDTD do IBICT, compreendendo um
período de dez anos (2006 - 2016). Foi possível perceber que a conjugação dos temas trabalho e
pessoas trans é bastante diminuta, porém não desprezível, e, a bibliografia brasileira que trate da
articulação entre juventudes, identidade trans e trabalho é numericamente pouco expressiva.
Palavras-chave: Trabalho. Gênero. Juventudes Trans. Estado da Arte.
O presente estudo vincula-se à pesquisa de mestrado acadêmico no Programa de Pós-
Graduação em Serviço Social (área de concentração Trabalho e Política Social) da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro - UERJ, cujo tema é a relação mundo do trabalho e jovens trans. Trata-se
aqui de apresentar alguns passos iniciais da construção de um Estado da Arte sobre o tema
juventudes trans e trabalho, a partir das produções da pós-graduação brasileira stricto sensu
(mestrado e/ou doutorado), a fim de conhecer e apresentar as principais tendências dessa produção.
Importante explicar, de início, que a escolha do uso do termo trans respalda-se na própria
forma êmica com a qual o termo tem sido comumente utilizado no ativismo, no movimento social,
na academia e também em campanhas e serviços de órgãos do poder público. Tal escolha, como um
conceito guarda-chuva, auxilia a exprimir as diversas vivências no terreno das relações e dos
sentimentos de pertencimento de gênero não normativo, ou seja, a experiência de jovens que
vivenciam uma identidade ou expressão de gênero divergente das expectativas sociais atribuídas a
eles/as em razão de sua genitália de nascimento, a exemplo das identidades travestis, mulheres e
homens transexuais e pessoas transgêneras.
Tendo em vista uma breve analítica do Estado da Arte a ser empenhada, este artigo se inicia
com uma aproximação conceitual sobre a categoria trabalho, diversidade de gênero e juventudes no
plural. O olhar para o levantamento do tema é o de reconhecer a classe social, a diversidade de
gênero e a juventude como categorias de análise da vida social que se interseccionam nos corpos
dos sujeitos fazendo com que experenciem realidades diferentes e desiguais de acordo com a classe
1 Mestranda do PPGSS/UERJ. Rio de Janeiro. Brasil 2 Professor Adjunto da FSS/UERJ. Rio de Janeiro. Brasil
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Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
social, a condição de trabalho, o gênero e a idade. Em seguida se dará a apresentação da
metodologia e dos resultados destes passos iniciais de um Estado da Arte sobre o tema.
Trabalho, diversidade de gênero e juventudes no plural: considerações iniciais
Considera-se aqui a categoria trabalho um conceito sociológico fundamental. Na ontologia
marxiana do ser social, trabalho é processo dialético e teleológico. A partir dos escritos de Marx, o
trabalho tem significância para a existência humana, pois que, se configura como fonte de satisfação
das necessidades materiais de sobrevivência, para o desenvolvimento da sociabilidade humana e
como possibilidade história (ANTUNES, 2013, p.7-10). No mundo de hoje novas determinações
sociais se impõem a esse trabalho concreto, como sua subsunção ao capitalismo, sob a
mundialização e financeirização do capital. Ao contrário das teses que advogam o fim do trabalho3,
a categoria trabalho possui centralidade na existência humana.
Na construção sociológica de juventude, ela tem sido tratada como uma categoria social e
analítica indeterminada, com concepções que ora coexistem e ora disputam (PAIS, 1990;
ABRAMO, 2005), quais sejam: a interpretação da juventude como momento de preparação para a
vida adulta convivendo e concorrendo com a compreensão da juventude como etapa problemática
da vida (PAIS, 1990; ABRAMO, 2005).
A compreensão deste artigo sobre juventude é a de que se trata de uma categoria histórica e
social, e, portanto, sociológica. Ao nos debruçarmos sobre juventude, estamos, na verdade, nos
debruçando sobre um conceito plural, com determinantes históricos, sociais e culturais, o que nos
permite considerar a existência de diferentes juventudes, permeadas e produzidas por diferentes
marcadores de diferenças sociais, como a classe social, o pertencimento de gênero, étnicorracial, de
orientação sexual, religião, inserção geográfica e territorial etc.
Acerca do assunto diversidade de gênero, é relevante discernir identidade sexual de
identidade de gênero. Embora gênero e sexualidade sejam dimensões da vida social que se
imbricam, não são a mesma coisa. Nessa mesma linha,
identidades (sexuais e de gênero) estão profundamente inter-relacionadas; nossa linguagem
e nossas práticas muito freqüentemente as confundem, tornando difícil pensá-las
distintivamente. No entanto, elas não são a mesma coisa (LOURO, 2003, p. 27).
As identidades de gênero se referem à maneira como os sujeitos se percebem e se
identificam no interior dos pertencimentos de gênero. Jaqueline de Jesus (2012, p. 14) nos diz que
3 No campo da Sociologia há vários teóricos críticos da chamada “sociedade do trabalho” que desenvolvem teses acerca
do fim ou da suposta crise dessa sociedade do trabalho no contexto das mudanças ocorridas no capitalismo a partir da
década de 1970. A respeito do assunto, consultar: ANTUNES (2005).
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identidade de gênero é “o gênero com o qual uma pessoa se identifica, que pode ou não concordar
com o gênero que lhe foi atribuído quando de seu nascimento”. Desse modo, diversidade de gênero
é o termo que permite abranger um leque identitário para além do binômio homem e mulher,
contemplando outras mulheridades e homenzidades, como pessoas travestis, transexuais,
transgêneras, não binárias e aquelas que “simplesmente seguem suas vidas no contrafluxo do
pertencimento de gênero que foi imposto a elas no momento em que nasceram, sem se
autoidentificarem a nenhuma destas categorias” (ALMEIDA, 2015, p.2).
As identidades sexuais conformam as maneiras como as pessoas vivem sua sexualidade. Diz
respeito à orientação sexual, que é o termo legítimo para designar a experiência de cada pessoa em
relação à atração afetivo-sexual por pessoas do mesmo gênero (homossexual), do gênero diferente
com o qual se identifica (heterossexual), por ambos os gêneros (bissexual), por nenhum dos gêneros
(assexual) e por todas as expressões de gênero (pansexual).
O campo da diversidade sexual e de gênero abarca, assim, as identidades LGBT (Lésbicas,
Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais). Nesse amplo campo, a identidade de gênero vem se
configurar como um elemento que reitera a distinção identitária entre travestis e transexuais, de um
lado, e gays, lésbicas e bissexuais, de outro (CARVALHO, 2011).
Diante do exposto, o estudo do tema trabalho e juventudes trans nos convida a pensar acerca
das (im)possibilidades de jovens trans serem trabalhador (a) e existir no mundo como um corpo que
subverte os padrões de gênero. Reclama, ainda, abordar a constituição de sujeito trans e de sujeito
trabalhador, em relação, incluindo-se nesta o ser jovem. Para o exercício dessas reflexões o método
materialista histórico dialético é fundamental, além da compreensão das relações de gênero como
estruturantes das relações sociais junto com a classe social, raça/etnia, geração, sexualidade, dando
atenção à necessidade de um olhar para todas essas interseções. A abordagem interseccional traduz
com estreiteza as opressões da classe trabalhadora da sociedade brasileira, conforme sua
heterogeneidade. Considerando, ainda, a imensa dimensão que os campos da diversidade de gênero
e da juventude nos desafiam a tatear, o tema exige um olhar crítico-dialético em articulação com as
leituras socioantropológicas, dada a importância sociológica que as vivências trans expressam.
Portanto, o desenvolvimento de um breve retrato do Estado da Arte do tema neste artigo,
parte desse olhar teórico-metodológico.
Trabalho e juventudes trans: passos iniciais da construção de um Estado da Arte (2006-2016)
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Um levantamento inicial foi realizado em bibliotecas virtuais de programas de pós-
graduação e na base de bancos de dados de teses e dissertações da CAPES (Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e da BDTD – IBICT (Biblioteca Digital Brasileira
de Teses e Dissertações do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia). Para este
artigo, elegemos sistematizar apenas os dados levantados na BDTD do IBICT, compreendendo um
período de dez anos (entre 2006 e 2016), pelo padrão de metadados que o repositório oferece e pelo
fato de que a pesquisa em mais de uma base de dados reflete duplicidades de teses e dissertações.
O repositório da BDTD do IBICT oferece um padrão de buscas simples e avançadas e ainda
permite escolher um formato de busca dos descritores apenas no título e/ou no assunto dos
trabalhos, bem como encontra resultados com os descritores combinados ou separadamente. Trata-
se de uma rede de sistemas de informação que opera como agregador de dados: coleta os metadados
das teses e dissertações dos provedores (instituições), fornece serviços de informação sobre esses
metadados e os expõem. Participam do repositório BDTD-IBICT qualquer instituição brasileira de
ensino e pesquisa que tenha programa de pós-graduação stricto sensu. Atualmente o repositório
agrega 482.565 documentos (130.684 teses e 351 881 dissertações) de 105 instituições4.
Para o levantamento deste breve estudo do Estado da Arte, 14 descritores foram utilizados
por meio da combinação de palavras que pudessem ajudar na aproximação com o conteúdo da
temática juventudes trans e trabalho, a saber: 1) trabalho + gênero ; 2) trabalho + travestis +
transexuais; 3) trabalho + transexualidade + travestilidade; 4) trabalho + gênero + travestis +
transexuais; 5) trabalho + diversidade; 6) trabalho + discriminação de gênero; 7) mercado de
trabalho + LGBT + travestis + transexuais; 8) juventude + trabalho; 9) jovens + mercado de
trabalho; 10) jovens + trabalho + gênero; 11) trabalhadores jovens + gênero; 12) jovens LGBT +
trabalho; 13) jovens + travestis + transexuais + trabalho; 14) violência5 + travestis + transexuais.
A sistematização dos trabalhos identificados com alguma relação com a temática foi
realizada em planilhas de acordo com os campos: grau da pesquisa (mestrado/doutorado); ano de
conclusão; gênero dxs autorxs; área dos programas de pós-graduação; título dos trabalhos; palavras-
chave; resumo; abordagem teórica e metodológica. Aqueles que não tinham relação com a temática
foram contabilizados e descritos de acordo com um trabalho de classificação de assuntos
(MINAYO, 1993) de tal modo a congregar aspectos, signos e elementos em comum, pois assim,
4 Cf. site do IBICT, disponível em: http://bdtd.ibict.br. Acesso em janeiro/2017. 5 O uso do descritor “violência” deveu-se ao fato de ampliar o número de trabalhos encontrados, uma vez que o signo da
violação de direitos é muito marcante nos estudos sobre pessoas trans.
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também se tornaria possível conhecer o que falam as pesquisas que foram agrupadas pela
ferramenta do IBICT, mas que não tratam da discussão de interesse do levantamento.
Diante dessa identificação de trabalhos, os resultados serão apresentados de forma descritiva
e analítica em três partes. Num primeiro momento uma apresentação inicial com a informação sobre
o gênero dxs pesquisadorxs e as regiões e as instituições de ensino e pesquisa que estão produzindo
estudos aproximados com o tema. Num segundo momento, mostraremos as áreas dos programas de
pós-graduação nas quais os estudos se desenvolveram e um movimento temporal dessa produção.
Na terceira e última parte, será feita uma breve análise temática dos estudos, apresentando as
tendências do debate, a qual será dividida ainda em: estudos sobre diversidade de gênero e
identidades trans, estudos sobre trabalho e gênero, e estudos sobre juventudes trans e trabalho.
Apresentação inicial
Foram encontradas 1756 teses e dissertações, cuja triagem para a leitura dos resumos se deu
pelo título, o que significa dizer que aproximadamente a metade deste quantitativo teve seus
resumos lidos, evitando-se imprecisões. Por conseguinte, a partir de aproximadamente 878 resumos
lidos, 61 pesquisas foram selecionadas (34 dissertações e 27 teses) por indicarem alguma
aproximação com a temática das juventudes trans e trabalho, já que raros foram os trabalhos
encontrados que empenhassem tal articulação diretamente.
Fonte: Gráfico elaborado a partir dos dados da BDTD IBICT. Nov/2016.
Gráfico 2: Regiões das pesquisas
Fonte: Gráfico elaborado com os dados IBICT.
Nov/2016.
Gráfico 3: Instituições de ensino e pesquisa
Fonte: Gráfico elaborado com os dados IBICT.
Nov/2016.
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Quanto ao gênero dxs pesquisadorxs, podemos ver, com o gráfico 1, que a maioria é
constituída pelo gênero feminino, com 36 pesquisadoras (o que corresponde a 59%) em
contraposição a 25 pesquisadores. Portanto, a marca de gênero se expressa também no tema
juventudes trans e trabalho, que embora seja amplo, tem o mote da discussão das relações de
gênero. Com relação às instituições de ensino e pesquisa e as regiões do País onde a produção sobre
o tema ocorre, vemos, nos gráficos 2 e 3, uma grande concentração no Estado de São Paulo, sendo a
USP (Universidade de São Paulo) a instituição com maior número de trabalhos.
É possível observar, ainda, que PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo),
UFSCAR (Universidade Federal de São Carlos/SP) e UNICAMP (Universidade Estadual de
Campinas/SP), com certa paridade, produziram trabalhos sobre o tema. Nota-se que, depois de São
Paulo, os estados do Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro são os outros dois estados com maior
produção, com a UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e a UERJ (Universidade do
Estado do Rio de Janeiro) em destaque nessas produções. Portanto, universidades federais e
estaduais vêm produzindo debates sobre o tema, ainda que timidamente.
Áreas dos programas de pós-graduação e movimento temporal da produção
No que diz respeito às áreas que vêm se debruçando sobre o tema, ou seja, que articulam
juventudes, gênero e trabalho, e, de alguma maneira tangenciam o debate, ressalta-se que,
priorizamos apresentar aqui as áreas de mestrado e doutorado dos programas de pós-graduação do
País, sem agrupá-las por grandes áreas ou subáreas do conhecimento.
Gráfico 4: As áreas dos
PPGs
Fonte: Gráfico elaborado com os dados BDTD IBICT. Nov/2016.
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Por essa forma, o gráfico 4 demonstra a predominância dos mestrados e doutorados em
Educação (13 pesquisas), seguida da Sociologia (9 pesquisas) e das Ciências Sociais (7 pesquisas).
Importante notar também que, teses e dissertações em Psicologia e Psicologia Social, somam juntas
7 trabalhos, na sequência das áreas predominantes na discussão do tema.
No que se refere ao movimento temporal das produções sobre o tema, as 61 pesquisas
selecionadas possuem uma produção oscilante ao longo dos dez anos pesquisados. Uma produção
de forma pulverizada em termos de temporalidade a partir de 2006, e, uma produção crescente a
partir de 2014, com uma concentração de trabalhos em 2015, como o gráfico 5 busca ilustrar:
Gráfico 5: Movimento temporal das produções sobre o tema
Fonte: Gráfico elaborado com os dados BDTD IBICT. Nov/2016.
As produções dão acenos para uma tendência de crescimento. Considerando que os dados
foram levantados de outubro a novembro de 2016, é possível que outras teses e dissertações
defendidas no ano de 2016 tenham sido indexadas apenas em 2017.
Breve análise temática dos estudos sobre diversidade de gênero e identidades trans
A partir desse flagrante de concentração de estudos nos anos de 2014, 2015 e 2016, a tabela
abaixo mostra que o maior número de teses e dissertações desses anos foi encontrado com os
descritores “Trabalho + gênero + travestis + transexuais”; “Trabalho + discriminação de gênero”;
“Mercado de trabalho + LGBT + travestis + transexuais” e “Violência + travestis + transexuais”.
Tabela 1: Os anos que acendem o debate trans
Usos da categoria identidade trans nas pesquisas de pós-graduação de 2014 a 2016
Anos
2014 5 pesquisas
Total: 23 pesquisas
2015 12 pesquisas
2016 6 pesquisas
Palavras-chave dos estudos levantados de 2014 a 2016 relacionados ao tema da diversidade de gênero
1
Etnografia. Redes do trabalho sexual. Travestis
2 Etnografia. Experiências travestis. Prostituição
3 Etnografia. Cidadanização de pessoas LGBT. Centros de Cidadania.
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Fonte: Tabela elaborada a partir dos descritores “trabalho + gênero” na BDTD-IBICT. Nov/2016.
A tabela 1 foi sistematizada de tal modo a ilustrar os usos da categoria identidade trans nas
pesquisas de mestrado e doutorado do País, evidenciando que o debate em torno do tema no
levantamento realizado arde mais nos anos recentes. Há muitos elementos interessantes para serem
analisados, mas dada a limitação analítica em artigos desta natureza, vale destacar alguns aspectos.
Os termos negritados no conjunto de palavras-chave mostram que há maior produção brasileira
sobre travestis do que transexuais. Isso se relaciona com o fato de que a identidade travesti é uma
identidade da América Latina. Conforme Jorge Leite Jr. (2008) aponta, travesti se constituiu como
um termo cultural de massa no Brasil para a pessoa que adota o gênero feminino. Nos países da
Europa e América do Norte, por exemplo, aquele/a que adota outro gênero é entendido/a como
transexual, termo que tem uma história mais recente no Brasil do que o termo travesti.
Outro aspecto a pontuar na tabela 1 é que se percebe que na discussão sobre trabalho e
pessoas trans, há expressiva associação ao signo da prostituição. Por um lado, revela uma
realidade, afinal no Dossiê da Rede Trans (Rede Nacional de Pessoas Trans do Brasil) “A Geografia
dos Corpos Trans”, se afirma que 90% das travestis e transexuais vivem na prostituição pelo
4 Travestilidades. Escola. Corpos-existências.
5 Gerações travestis. Corpo. Subjetividade. Geracionalidade.
6 Território. Territorialidade. Travesti/transexual. Prostituição.
7 Estado. Educação. Saúde. Violência. Travestis. Corpo.
8 Identidades de gênero não binárias. Legitimidade. Reconhecimento. Reivindicações. Direitos Humanos
9 Identidade de gênero trans. Contemporaneidade. Representações sociais. Educação. Formação.
10 Discriminação. Mercado de trabalho. Orientação sexual.
11 Igualdade e diferença. Politicas educacionais. Diversidade. Gênero. Homofobia. Racismo.
12 Visibilidade. Reconhecimento. Ativismo. Pessoas trans. Brasil
13 Travestis. Corpo. Mundo do trabalho. Crise do capital. Precarização. Prostituição. Transfobia.
14 Políticas públicas. Cidadania. Travestis. Mulheres transexuais. ONG.
15 Políticas LGBTs. Institucionalização. Cidadania LGBT.
16 Travesti. Performatividades. Escolaridade. Pedagogia da intolerância.
17 Direitos humanos. Educação. Cidadania. Brasil sem Homofobia. LGBT.
18 Tráfico de pessoas. Travestis. Transexuais. Exploração sexual. Mercado transnacional do sexo. Crise do
capital. Transfobia.
19 Etnografia. Estado. LGBT. Sujeitos de direitos. Brasil contemporâneo
20 Travestis. Transexuais. Nomeação. Prostituição. Produção acadêmica.
21 Adolescentes. Diversidade sexual e de gênero. Políticas públicas. Jovens. LGBT.
22 Gênero. Transexualidade. Transexuais. Travestis. Educação. Pedagogia.
23 Transgeneridade. Estudos transgêneros, travesti, transexual, crossdresser, identidade de gênero, expressão de
gênero. Normas de gênero. Transfobia. Transição. Passabilidade.
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preconceito que se apresenta no mercado de trabalho6. Dentre elas, as travestis estão em maior
proporção. Por outro lado, sabemos que a realidade não é unívoca e que travestis e transexuais
tecem outras trajetórias de vida e de trabalho que também precisam ser descortinadas.
Vale salientar que, estudos sobre pessoas travestis e transexuais não são do tempo presente,
já vêm ganhando espaço no campo acadêmico brasileiro nas Ciências Sociais, e também nas
Ciências Jurídicas, para além do terreno da Psicanálise, Psicologia e do campo biomédico que
historicamente trataram do tema7, contudo, chama a atenção na tabela em questão a presença do
termo trans emergindo no debate contemporâneo.
Para concluir, mas sem esgotar as análises da tabela, destacamos: a) nenhum desses
trabalhos tratou de homens trans em seus resumos e títulos; b) há uma recente discussão da
transfobia em alguns dos trabalhos; c) quando aparece o debate de cidadania, direitos e políticas, ele
está vinculado ao tema LGBT de forma mais ampliada, com pouca expressão no debate trans; d) os
estudos vinculam mais as identidades trans à questão escolar e do direito à educação do que do
direito ao trabalho; e) a expressiva maioria de trabalhos possui abordagem teórico-metodológica no
âmbito da etnografia, sendo raro o diálogo com a classe social e com o capitalismo como solo de
desigualdades e violações dos direitos de pessoas trans. Apenas dois dos 23 estudos situaram o
contexto da crise do capital no debate, por exemplo.
Breve análise temática dos estudos sobre gênero e trabalho
O uso da combinação desses dois descritores resultou em 165 pesquisas. A partir da leitura
dos resumos, palavras-chave, e até mesmo de alguns trabalhos na íntegra, apenas 4 se aproximavam
da abordagem teórico-metodológica que ancora o nosso estudo sobre juventudes trans e trabalho,
como a sociologia do trabalho e a perspectiva interseccional. Mas, nos resta saber o que dizem as
161 pesquisas sobre trabalho e gênero, conforme a tabela abaixo:
Tabela 2: Trabalho e gênero: tendências das pesquisas da pós-graduação stricto sensu brasileiras
Debate de Gênero: centralização na categoria mulher
6 Cf: http://redetransbrasil.org/uploads/7/9/8/9/79897862/redetransbrasil_dossier_1.pdf. Acesso em fevereiro de 2017. 7 A predominância do assunto transexualidade, por exemplo, nos domínios Psi é tributária da sua edificação pelo campo
biomédico que se deu ao longo do século XX sob o termo “transexualismo”, justamente pela semântica do sufixo
“ïsmo” estar atrelada à patologia, como era visto o “fenômeno transexual”, ou seja, como um “transtorno mental” em
referência a um “transtorno de identidade de gênero” pela incongruência entre sexo (biológico) e gênero (sociocultural),
uma contração definidora da identidade de homem e de mulher (CASTEL, 2001).
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Divisão sexual do trabalho e trabalho
doméstico;
Relações de gênero, desigualdades
entre homens e mulheres e
discriminação salarial;
Generificação das profissões;
Gênero, trabalho e educação
(discussão da escolarização das mulheres
em descompasso com ganhos salariais e
mulheres e o Ensino Superior)
Gênero e raça; discriminação salarial
por cor/raça/etnia e gênero;
consubstancialidade de classe, raça e
gênero;
Relações de gênero e trabalho
informal;
Saúde e precarização do
trabalho das mulheres;
Exploração capitalista sobre a
mulher;
Mulheres e o setor de
cosméticos;
Gênero e o setor de serviços;
Empreendedorismo e
cooperativismo;
Qualificação profissional;
Prostituição feminina; Mulheres
camponesas;
Trabalho, mulheres e
família;
Mulheres chefes de família,
Assistência Social e criança;
Papel da mulher no mercado
de trabalho; Gênero e
trabalho no setor público
Representações sociais de
gênero;
Mulheres na gestão;
Mulheres, política e
parlamento.
Fonte: Tabela elaborada a partir dos descritores “trabalho + gênero” na BDTD-IBICT. Nov/2016.
Agrupamos, na tabela 2, os elementos, aspectos e signos desses trabalhos em blocos de
assuntos e de acordo com a incidência com a qual apareciam. Diante desse universo de trabalhos,
foram ínfimos aqueles que discutiam gênero com enfoque na identidade masculina, aparecendo
apenas um sobre a profissão motoboy e outro sobre a profissão policial. A discussão de gênero
ainda está centrada na categoria mulher.
Destaca-se, assim, na tabela a seguir, a presença de apenas 4 pesquisas na contramão da
maioria, que ampliam o debate de gênero, comumente reduzido na categoria mulher e numa visão
binária. Elas demonstram olhares diferenciados, fundamentalmente por permitirem reflexões da
dialética da identidade de gênero como identidade de classe e do trabalho como dimensão de
constituição da identidade social de gênero:
Tabela 3: Trabalho e gênero: algumas pesquisas no contrafluxo do debate
Qt Grau / Ano Gênero
dxs autorxs
Área do PPG
Título
Palavras-chave
1 Doutorado
2006
Feminino
Educação
Tempos modernissimos nas
engrenagens do telemarketing
Trabalho, telermarketing,
gênero, espaço e tempo,
educação.
2 Doutorado
2007
Masculino
Ciências
Sociais
Foi com o trabalho que me tornei
homem: trabalho, gênero e geração
Identidade masculina, gênero,
geração, Sociologia do
Trabalho.
3 Mestrado
2011 Feminino
Ciências da
Comunicação
Estudo de recepção em
comunicação: as representações do
feminino no mundo do trabalho das
teleoperadoras
Mundo do trabalho, relações de
gênero, teleoperadoras,
comunicação, estudos de
recepção.
4 Doutorado
2016 Feminino
Sociologia
As caminhoneiras: uma carona nas
discussões de gênero, trabalho e
identidade
Identidade de gênero; relações
de gênero; divisão do trabalho;
caminhoneiras.
Fonte: Tabela elaborada a partir dos descritores “trabalho + gênero” na BDTD-IBICT. Nov/2016.
A primeira tese, da sociologia do trabalho, discute as múltiplas relações sociais expressas no
trabalho à distância (classe, de gênero, geracionais e étnicas) tocando, de forma inaugural, na
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absorção do público LGBT pelo telemarketing. A pesquisadora não discutiu tal assunto com
profundidade, posto que não era uma intenção do estudo, aparecendo como um flagrante da
pesquisa. Mas, ao abordar a divisão sexual do trabalho, estendeu o conceito para homossexuais e
transexuais empregadxs pelo setor, tratando ainda, da empregabilidade de jovens.
A segunda tese traz uma análise pela sociologia do trabalho articulada aos marcadores
geração e identidade de gênero. Seu diferencial analítico se dá pelo fato de discutir a constituição da
identidade de gênero masculina sob o recorte da inserção geracional no mundo do trabalho. Nota-se
que esse trabalho é desenvolvido por um pesquisador do gênero masculino. O terceiro trabalho,
apesar de tratar das representações do feminino da força de trabalho com foco nas mulheres, busca
olhá-las em sua multiplicidade, fazendo uma análise sociocultural das entrevistadas a partir de um
elenco de aspectos, incluindo-se a orientação sexual, embora utilizando o termo “opção sexual”,
numa clara demonstração de defasagem com o tema e os estudos em torno da sexualidade. O último
trabalho foi selecionado por debater a identidade de gênero no trabalho a partir da incorporação de
elementos de masculinidade e mantença de feminilidade de mulheres em profissões masculinas,
desenvolvendo a perspectiva da interseccionalidade e os conceitos de identidade, diferença e
diferenciação.
Breve análise temática dos estudos sobre juventudes trans e trabalho
Os estudos levantados sobre juventudes refletem ainda o que Pais (1990) já observara, isto é,
na tematização da juventude, as análises possuem uma corrente geracional, ao tematizar a juventude
como uma fase da vida, e outra corrente classista, ao tratá-la como produto das desigualdades de
classe social (PAIS, 1990). Foram poucas as pesquisas encontradas que não incorriam nesta pobre
dicotomização. A articulação juventudes trans e trabalho carece de estudos. Observou-se que o
grupo social jovens trans ainda é pouco estudado e que o tema das identidades trans e trabalho
aparece mais expressivamente com uma agenda de estudos que tem versado, por exemplo, a
respeito de culturas e sociabilidades trans; prostituição e trajetórias escolares; representações de
gênero; e abordagens no terreno socioantropológico sob estudos etnográficos para a análise das
vivências trans; Embora esses estudos apresentem contribuições científicas relevantes, fica ausente,
muitas vezes, uma dimensão de análise a partir da classe social. Já os estudos da sociologia do
trabalho têm tido lacunas ao abordar juventudes e classe trabalhadora sem intersecção com os
marcadores sociais.
Considerações finais
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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
A diversidade de gênero, apesar de não ser uma realidade nova, não estava posta no debate
dos estudos de gênero de décadas anteriores como tema teórico e politico. Trata-se de uma pauta
política e um campo de estudos que vem ganhando expressão mais recentemente, que vem
crescendo e se espraiando no campo acadêmico, configurando-se como um tema contemporâneo,
em sintonia com os processos de lutas da comunidade trans nas últimas décadas do século XXI. A
despeito da crescente visibilidade das identidades trans na cena política, na mídia, no debate das
políticas públicas e nos estudos acadêmicos, percebe-se que a conjugação dos temas trabalho e
população trans é bastante diminuta, porem não desprezível. A bibliografia brasileira que trate da
articulação entre juventudes, identidade trans e trabalho é ainda numericamente pouco expressiva.
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Work and trans youth: brief portrait of the state of the art of a decade (2006-2016)
Astract: The article presents some initial steps of the construction of a State of Art about the theme
work and trans youth, based on Brazilian stricto sensu (master's and / or doctorate) graduate
programs, in order to know and present the main tendencies of that Production. We chose to
systematize the data collected in the BICT of the IBICT, comprising a period of ten years (2006-
2016). It was possible to perceive that the conjugation of the themes work and trans people is very
small, but not negligible, and the Brazilian bibliography dealing with the articulation between
youth, trans identity and work is numerically little expressive.
Keywords: Trans youth . Work. Gender. State of the art.
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