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Trajetórias, ciberespaço e movimentos ciberativistas: os twitteiros e suas redes
políticas em Natal-RN
Raquel Souza da Silva1
Resumo: As matrizes das orientações metodológicas em Antropologia Social são o
trabalho de campo e o método etnográfico sistematizado por Malinowski na década de
20. A transição da antropologia dos estudos de sociedades e culturas particulares para o
estudo das sociedades contemporâneas fez com que os pesquisadores percebessem a
existência de impasses teóricos e metodológicos canonizados por este autor. Desta
forma, a técnica de observação-participante, entre a década de 50 a 80, passaria por
vários questionamentos com intensificação da complexidade das relações mantidas na
cidade. Na década de 90, com a emergência do ciberespaço, novos desafios foram
lançados ao fazer antropológico. Com todas as discussões hoje apresentadas por uma
antropologia no e do ciberespaço, existe um consenso entre os pesquisadores de que a
“observação-participante” ainda é fundamental ao trabalho antropológico.
Esta proposta de artigo consiste em uma reflexão concernente à parte inicial do trabalho
de campo do curso de doutorado que está em andamento no PPPGA-UFF com os
movimentos ciberativistas de Natal-RN, 2010 a 2015. A pretensão é refletir sobre como
“a história de vida” junto ao processo de observação-participante pode elucidar a
trajetória política de sujeitos em movimentos ciberativistas e as consequências deste
“percurso individual” para o quadro político local na contemporaneidade.
Palavras-chave: antropologia no ciberespaço; método biográfico; metodologia;
ciberativismo;
Em um mundo cada vez mais complexo, em rede e globalizado, a antropologia
aparece como uma ciência do “estudo do homem pelo homem” que deve buscar
compreender as questões sociais e culturais da contemporaneidade. Para isso, por meio
da construção de problemáticas de investigação antropológica, é necessário o
entendimento das questões teóricas e metodológicas em Antropologia. 1 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal Fluminense.
Professora substituta do Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
2
As matrizes das orientações metodológicas em Antropologia Social é o trabalho
de campo e o método etnográfico sistematizado por Malinowski (1978) no clássico
“Argonautas do Pacífico Ocidental: um relato dos empreendimentos e da aventura dos
nativos nos arquipélagos da Nova Guiné melanésia”. Neste trabalho inaugural2, existe
uma forte influência das ciências naturais. Por meio de uma “sociedade simples” e
“geograficamente delimitada”, condições que formam o “laboratório antropológico
ideal”, o pesquisador deve compreender a totalidade do funcionamento de uma
sociedade. E para manter o controle do experimento, o antropólogo necessita proceder
de forma que garanta a total racionalidade e objetividade necessárias para a efetivação
de uma prática científica.
Outro ponto relevante deste livro de Malinowski (1987) é que o controle do
experimento apenas existe se o antropólogo sair da varanda e se aproximar de forma
efetiva dos nativos. Esta prática veio a consistir o chamado método de “observação-
participante”. Este método criaria uma narrativa de autoridade etnográfica do
pesquisador, no sentido de que as coisas se deram desta forma porque ele estava lá para
ver e afirmar o que ocorreu. Assim, o texto etnográfico é uma narrativa em primeira
pessoa que coloca em centralidade o etnógrafo em campo.
A transição da antropologia dos estudos de sociedades e culturas particulares
para o estudo das sociedades contemporâneas fez com que os pesquisadores
percebessem a existência de impasses teóricos e metodológicos do enfoque
funcionalista-estrutural. Segundo Bella Fieldman-Bianco (1987), o estrutural-
funcionalismo privilegia a “teoria da ação” que consiste na “observação e reconstrução
do comportamento de indivíduos” em específicas situações e estruturadas. Portanto,
“com base em dados empíricos concretos, coletados por meio de vivência prolongada
no “campo”, passaram a observar e comparar os contextos contemporâneos de
sociedades específicas com o objetivo de recosntruir o seu desenvolvimento passado”.
O mundo passava por profundas transformações que colocavam novos desafios
às teorias e aos métodos antropológicos. Em 1950, os pesquisadores estavam diante de:
a) contextos de transformações aceleradas; b) processos de migrações do campo para a
2 Trato como inaugural no sentido de ser a primeira obra antropológica que busca sistematizar o trabalho
de campo.
3
cidade e com isso a emergência de novas ações na era pós-colonial; c) situações urbanas
e articulações existentes entre vila, cidade e nação. Desta forma, FeldmanBianco
(1987) destaca que apareceram novas problemáticas e novas questões que necessitavam
que os antigos pressupostos teóricos e metodológicos passassem por um tipo de
refinamento.
Desta forma, a técnica de observação-participante - que consiste neste
deslocamento do antropólogo até o campo e da exigência de uma vivência do
pesquisador entre os nativos - passaria por vários questionamentos com urbanização do
mundo e a intensificação da complexidade das relações mantidas na cidade. Se os
antropólogos das décadas de 50 a 80 perceberam que o estrutural-funcionalismo não era
capaz de atender as demandas das questões e problemáticas de um mundo cada vez mais
intensificado pela complexidade urbana, a emergência do ciberespaço3, tornando o
globo cada vez mais interligado por meio das infovias online e digital, trouxe novos
desafios ao fazer antropológico. Dessa forma, a ciberantropologia – ou a antropologia
da cibercultura – é um termo que advém da noção de ciberespaço, palavra dita pela
primeira vez na obra de ficção científica Neuromancer, de Willian Gibson, em 1984. De
acordo com Budka e Krenser (2004, p. 213), na antropologia, o primeiro pesquisador a
voltar à atenção ao tema cibercultura foi Arturo Escobar (1994). Para esse antropólogo,
cibercultura é uma análise das transformações fundamentais na estrutura e no
significado das sociedades e culturas modernas devido às informações dos
computadores e das tecnologias biológicas.
3“[...]conjunto de informações codificadas binariamente que transita em circuitos digitais e redes de
transmissão. A partir das intricadas relações estabelecidas nesse sistema, emergem as referências a um
'espaço informacional', indicando o caráter teórico que embasa a concepção da espacialidade do
ciberespaço. (FRAGOSO, 2000, p.01).”. A autora afirma que as experiências na virtualidade das redes
digitais são muitas vezes descritas por meio de metáforas relacionadas à espacialidade do “mundo real”.
Por isso, ela acredita que a incorporação destes termos em nossa cultura aponta para um possível
paralelismo entre “espacialidade de nossa experiência cotidiana e a percepção que temos da abstração a
que denominamos ciberspaço”. (FRAGOSO, 2000, p.02). Ainda de acordo com Fragoso, no pensamento
ocidental, existem duas formas fundamentais de compreender o espaço "real": o "espaço absoluto" e o
"espaço relacional". O primeiro existe de forma anterior e independente dos elementos que o ocupam e
tem como características importantes a homogeneidade e a infinitude. Já o segundo seria formado a partir
das relações entre os objetos que o compõem. Uma vez que o espaço do ciberespaço é formado por meio
das relações entre os objetos, Fragoso (2000, p.06) afirma: “apreendemos a espacialidade do mundo físico
a partir da percepção das relações que os vários elementos que povoam estabelecem entre si, também o
espaço da Web se revela para os usuários a partir da identificação das relações estabelecidas entre os
vários elementos que o compõem - no caso da World Wide Web os vários WebSites - o ciberespaço seria,
por definição, uma espaço do tipo relacional.”. (FRAGOSO, 2000, p.08).
4
No início dos anos 1990, Escobar trazia diversos questionamentos para a
antropologia com o surgimento desse novo campo de pesquisa, sendo eles: como a
antropologia, que é uma disciplina acadêmica, lida com as novas tecnologias de
informação e comunicação (TICs)? Quais as consequências da investigação das TICs
para os conceitos teóricos e para a metodologia da antropologia? Desta forma,
trabalhos antropológicos no ciberespaço e a partir do ciberespaço vêm buscando
problematizar quais as possibilidades e os limites de uma etnografia “online/virtual”, de
modo a problematizar seus aspectos teórico-metodológicos no campo da Antropologia
Social, em contraste, comparação e complementaridade com a etnografia presencial.
Para Rifiotis (2010), a antropologia no ciberespaço fez com que os antropólogos
se confrontassem com uma série de dilemas no campo teórico e metodológico. São eles:
“[...] diário de campo, trabalho de campo, campo, pesquisa participante, e mesmo a
noção de entrevista mediada por computador (chat, IRC, p.e)” (RIFIOTIS, 2010, p. 15).
Para o autor, os dilemas trazidos pela pesquisa no ciberespaço podem ser
entendidos como os mesmos enfrentados pela antropologia nos anos de 1970-1980,
“quando os antropólogos anunciavam que se dedicariam cada vez mais aos estudos das
sociedades urbano-industriais [...]” (RIFIOTIS, 2010, p. 16). Naquela época, o grande
debate estava em torno da constituição de um campo de estudo denominado
“antropologia urbana, a noção de ‘sociedades complexas’, o pesquisador-nativo e
mesmo o nativo-pesquisador”.
Com todas as discussões hoje apresentada por uma antropologia no e do
ciberespaço existe um consenso entre os pesquisadores de que a “observação-
participante”- canonizada no fazer antropológico por meio do chamado trabalho de
campo e da pesquisa etnográfica - ainda é uma técnica fundamental do trabalho
antropológico, mesmo quando “estar lá” consiste em estar em mundos formados por
bytes (GOMES e LEITÂO, 2011)
Tendo este entendimento de que a matriz etnográfica consiste em um trabalho de
campo por meio da observação-participante, mesmo quando o campo é as redes online
com seus diversos ciberespaços foi realizado uma pesquisa etnográfica com e no
movimento ciberativista “#ForaMicarla” em Natal-RN. É na relação entre o homem e as
tecnologias digitais de comunicação e informação em seu aspecto político que emerge o
5
“#ForaMicarla” na capital potiguar, que tem início em 2010 no Twitter4 (TT) com a
insatisfação dos cidadãos natalenses com a gestão da ex-prefeita da cidade, Micarla de
Sousa (2008 a outubro de 2012) do Partido Verde. O movimento “#ForaMicarla”
começou em rede no TT e tempos depois, em maio e junho de 2011, chegou às ruas
promovendo passeatas e a instalação de um acampamento na sede do legislativo
municipal. O acampamento “#primaverasemborboleta” começou em 11 de junho de
2011 e teve a duração de 11 dias. Até aquela época eram inéditos dois fatos: a
quantidade de pessoas envolvidas nas passeatas, as quais cada uma reunia cerca de três
mil pessoas, e a realização de um acampamento na Câmara Municipal. Com os vários
questionamentos trazidos para o cenário político e democrático da cidade de Natal-RN
por este que foi o primeiro movimento ciberativista da capital potiguar, foi realizado um
trabalho etnográfico no Twitter e nos momentos em que o movimento estava nas ruas
da cidade. Desta forma, o trabalho etnográfico ocorreu sistematicamente entre março de
2011 a dezembro de 2011 e culminou, em abril de 2012, com a defesa da dissertação
“Twitter e ciberativismo: o movimento social da hashtag “#ForaMicarla” em Natal-
RN”, no programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte (PPGAS/UFRN).
Depois de dezembro de 2011, ocorreram outros fatos dentro do movimento
“#ForaMicarla”, pois este terminou apenas em outubro de 2012 com a saída da gestora
Micarla de Sousa do cargo sob a acusação de improbidade administrativa. Neste mesmo
ano, ocorreu no Brasil o pleito eleitoral para os cargos de prefeito e vereador. Ganhou as
eleições para prefeito de Natal o candidato Carlos Eduardo (PDT), tendo como vice-
prefeita Wilma de Faria (PSB). Ainda no ano de 2012, a primeira “#RevoltadoBusão” -
movimento em rede natalense nas plataformas sociais online contra o aumento da
passagem – também chegou às ruas em setembro. A “#RevoltadoBusão” voltou a
realizar passeatas no início de 2013, sendo na gestão do prefeito Carlos Eduardo.
4 “O Twitter é uma ferramenta que proporciona a postagem de mensagens de até 140 caracteres para uma
rede de seguidores bem como a troca de mensagens entre usuários de forma pública (Replies) e privada
(Diretct Messages - DM) http://www.twitter.com.” (RECUERO; ZAGO, 2011, p. 1).
6
A observação-participante realizada com e no “#ForaMicarla” identificou a
construção de pontos de adesamento (ou pontualização) 5da rede por meio e em torno de
alguns twitteiros os quais constituíram sua identidade no movimento e no Twitter como
opositores à gestão de Micarla de Sousa. Tempos depois, estes twitteiros passaram a
fazer parte da atual gestão municipal da cidade de Natal. Por isso, para a construção
inicial do trabalho de campo do curso de doutorado, acredita-se que a “história de vida”
aparece neste contexto político como um método viável para compreensão das redes
constituídas por estes sujeitos, dentro do entendimento e da perspectiva de que eles
podem ser considerados como mediadores entre o mundo político natalense online e
off-line. Assim:
A passagem por diferentes mundos dá a alguns indivíduos a possibilidade de
desempenhar, com maior ou menor sucesso, o papel de mediador. Assim, a
circulação por universos distintos gera condições, em princípio, para que
certos agentes sociais desenvolvam o potencial supracitado e que ativem essa
competência específica. (p.82)
A pretensão deste artigo é refletir sobre como “a história de vida”, ou a chamada
“biografia”, junto ao processo de observação-participante podem elucidar a trajetória
política de sujeitos em movimentos ciberativistas e as consequências deste “percurso
individual” para o quadro político e a esfera pública local.
1. História oral, história de vida ou biografia: uma história contada em bytes
Com um artigo cujo título é “A Ilusão biográfica”, Bourdieu (1987) apresenta
logo aos seus leitores a crítica à unidade que se busca construir por meio do método
biográfico. Isto ocorre uma vez que a singularização do conceito, assim como a
singuralização do conceito de identidade, promove o apagamento das contradições, das
incoerências e da não-linearidade da vida. Desta forma, assim como no senso comum, a
história de vida
5 Redes cujos padrões de ordenamentos são mais amplamente performados são aquelas que mais
frequentemente podem ser pontualizadas. Isto é porque elas são redes empacotadas – rotinas -, as quais
podem ser, mesmo que precariamente, consideradas mais ou menos estáveis no processo da engenharia
heterogênea. Em outras palavras, elas podem ser tomadas como recursos, recursos que podem surgir
numa variedade de formas: agentes, dispositivos, textos, conjuntos relativamente padronizados de
relações organizacionais, tecnologias sociais, protocolos de fronteira, formas organizacionais,– qualquer
um ou todos esses. (LAW, 1992, p.06).
7
descreve a vida como um caminho [...] que percorremos e que
deve ser percorrido, um trajeto, uma corrida, um cursus, uma
passagem, uma viagem, um percurso orientado, um
deslocamento linear, unidirecional ( a "mobilidade"), que tem
começo ("uma estréia na vida"), etapas e um fim, no duplo
sentido, de término e de finalidade ("ele seu caminho" significa
ele terá êxito, fará uma bela carreira), um fim da história".
(BOURDIER, 1987. p.183)
O relato a ser constituído pelo biógrafo ou por quem conta a história de sua vida
– relato autobiográfico – tende a ser organizado por “sequências ordenadas segundo
relações inteligíveis”. Isto ocorre mesmo quando os acontecimentos não se desenrolam
em uma sucessão cronológica. Bourdieu (1987) ressalta que neste processo de promover
uma unidade inteligível, um relato com início, meio e fim, tanto o sujeito (investigador)
como o objeto da biografia (o investigado) apresentam o mesmo objetivo de acreditar na
existência do sentido postulado da narrativa. Portanto,
Sem dúvida, cabe supor que o relato autobiográfico se baseia sempre, ou pelo
menos em parte, na preocupação de dar sentido, de tornar razoável, de extrair
urna lógica ao mesmo tempo retrospectiva e prospectiva, urna consistência e
uma constância, estabelecendo relações inteligíveis, como a do efeito a causa
eficiente ou final, entre os estados sucessivos, assim constituídos em etapas
de um desenvolvimento necessário. (BOURDIEU, 1987, p.184).
Para Bourdieu (1987), esta aceitação do biógrafo e do biografado desta produção
de coerência pode ser atribuída à origem do interesse que se tem com este tipo de
método. Por isso, existe a aceitação do sentido artificial produzido pela biografia. É
neste entendimento que o autor afirma que “produzir uma história de vida, tratar a vida
como uma história, isto é, como o relato coerente de uma sequência de acontecimentos
com significado e direção, talvez seja conformar-se com uma ilusão retórica [...]” (1987,
p.185).
Mas esta ilusão biográfica está ancorada em um mundo social que tende a
produzir uma identidade constante, responsável, previsível e inteligível ao ponto de
construir uma história linear e bem delimitada. É o social que acaba por apresentar
instituições de totalização e unificação do eu. Bourdieu (1987) afirma que o nome
próprio é uma das mais importantes produções sociais de uma forma única e estável do
eu. É o nome próprio que especifica uma pessoa, um objeto ou um grupo em qualquer
contexto.
Por essa forma inteiramente singular de nominação que é o nome próprio,
institui-se uma identidade social constante e durável, que garante a identidade
do indivíduo biológico em todos as suas histórias de vida possíveis. [...] que
assegura a constância através do tempo e a unidade através dos espaços
sociais dos diferentes agentes sociais que são a manifestação dessa
8
individualidade nos diferentes campos [...] ao mudar o nome existe a quebra
desta expectiva de unidade.
Este “designador rígido” – o nome próprio - estabelecido e reafirmado em
instâncias burocráticas, por meio da chamada certidão de nascimento, acaba produzindo
um indivíduo único em todos os contextos sociais possíveis. Quando Bourdieu faz esta
análise, ele acaba tratando de relações em que os sujeitos travam interações uns com
outros em condições de uma vida civil. Temos que lembrar que por meio de das
possibilidades de construção de um segundo eu através dos condicionantes das
tecnologias de comunicação e informação, o nome/identidade vai produzir um novo
jogo social e relacionado ao contexto cultural e social que aquela identidade será
produzida. Teremos a aparição dos niknames6 e todas as implicações do jogo relacional
destes na vida social online.
O mundo online é permeado por identidades convergentes ou não com o mundo
off-line, como afirma o antropólogo Jair de Souza Ramos (2013). Temos mídias sociais,
como Facebook, que a própria agência da máquina e a cultura e as práticas sociais que
foram estabelecidas na plataforma vão exigir dos participantes deste ciberespaço a
maior convergência possível entre a identidade online e a identidade civil - a registrada
em cartório. Podemos perceber isso quando as pessoas assumem seus nomes próprios ao
abrir uma conta no Facebook7. No caso do Twitter, a pessoa não necessariamente usa o
nome próprio. Como no campo etnográfico com e no “#ForaMicarla”, temos twitteiros
como @DELLRN 8em que seu nome civil é Wendell Jeferson. Só que, no Twitter, a
construção de uma identidade convergente com a identidade civil vai ser realizada não
apenas por meio do nome, mas também por meio das ações e usos da plataforma. As
possibilidades técnicas do TT de criação de niknames vão permitir o surgimento dos
fakes9. Na cultura online, esse sujeito, como a própria tradução da palavra aponta, é um
perfil falso de usuário. O fake é um avatar construído na plataforma que não faz
referência ao corpo físico, nem aos papéis sociais do sujeito offline que comanda o
perfil (CAMOZZATO, 2007; SEGATA, 2007).
6 São nomes que os usuários criam no online que pode ou não correspondência com o nome próprio. 7 Facebook´s terms of service explicitly require its users to provide their ‘real names and
information.’.Indeed, the norm among many Facebook users is to provide a first andlast name that
appears to be genuine. (BOYD, 2012, p.29) 8 @DELLRN participou do “#ForaMicarla” por meio do grupo “#MobilizaNatal”. 9 Não estou afirmando que não existam fakes no Facebook. Mas cada plataforma, com sua agência de
máquina, e com as relações estabelecidas por seus usuários, acabam condicionando as formas de
interação entre os seus cibernautas.
9
É justamente por causa da existência de fakes que os Twitteiros do
“#ForaMicarla” buscavam em suas ações confirmar que a identidade e a trajetória que
estavam construindo na plataforma estavam em total consonância com sua identidade e
“história de vida” offline. Em 21 de maio de 2011, @DELLRN comunicou-se com
@dayvsoon10 no Twitter afirmando que estava saindo de casa e estaria às 10h no local
combinado para fazer as gravações.
@DELLRN postou no Youtube e no Twitter o vídeo “#MobilizaNatal11: AME
Planalto não fica em Natal”. No Youtube, os dois colocaram a descrição do vídeo: “A
prefeitura de Natal investe na divulgação das AMEs, onde constatamos que a AME do
bairro Planalto na verdade fica em Emaús/Parnamirim. Mande sua sugestão e vamos até
o seu bairro para mostrar os problemas de nossa cidade. Sigam @dayvsoon e
@DELLRN”.
No início do vídeo, Dayvson Moura e Wendell Jefferson afirmam que vão fazer
uma série de matérias “#MicarlaFez”. Em seguida, os dois divulgam seus endereços no
Twitter e se apresentam no vídeo com seus nomes de “twitteiros”, como podemos
verificar neste trecho da fala de Dayvson Moura: “Então, veio aqui eu @DELLRN e
@dayvsoon”. Assim, Dayvson interferiu dizendo que seu nome no Twitter é com dois
“o”, porque ele teve a conta original “roubada”.
Como podemos ver neste caso do “#ForaMicarla”, existe a preocupação no
vídeo de afirmar quem são eles tanto no mundo online como no offline. E também
aparece a preocupação de Dayvson Moura em afirmar que mudou a sua nomeação no
Twitter depois que teve a sua outra conta hackeada. Pois a mudança do nikname implica
a construção de uma nova relação de confiança dos sujeitos com aquela identidade.
Esta imbricação entre as redes sociais online e offline coloca ao antropólogo que
não se deve pensar o mundo online em total separação de uma interação face a face.
Como afirma Rifiotis (2010):
Há várias razões para se afirmar que não há divórcio entre o online e o
offline, propor uma pesquisa que trabalhe nas duas dimensões (KENDALL,
1999, p. 57-58), além do fato trivial de que não se vive completa e
exclusivamente no ciberespaço. O debate está mal colocado, pois
fundamenta-se na falácia da homogeneidade do ciberespaço. Como mostram
as pesquisas sobre IRC, trata-se de um tipo de “comunidade” em que há uma
base local, uma ligação “geográfica” e deste modo a experiência on e offline,
10 O meu encontro etnográfico com o “#ForaMicarla” no Twitter ocorreu por meio de @dayvsoon que era
um dos principais mobilizadores online. 11 Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=v0-RtjLM0Fc>.
10
seja por motivos técnicos de fonte de informações, seja pelo tempo e/ou
custos que limitam a realização da pesquisa. (p. 25-26).
Desta forma, se o cibernauta construir um eu no online mantendo o nome
próprio ou referência a este “designador rígido”, isto em uma análise antropológica, vai
exigir do etnógrafo o entendimento da relação de sua trajetória social online e offline. E,
como afirmamos antes, o pesquisador deve compreender que é quase impossível
determinar quando termina o online e começa o offline. Assim, pensar em “campo
online” e “campo offline” será mais um ato arbitrário do pesquisador do que como os
fluxos e as redes do mundo contemporâneo efetivamente acontecem.
Como neste trabalho estamos tecendo análise sobre indivíduos que produzem no
online uma convergência com sua identidade offline, o pensamento de Bourdieu (1987)
sobre o nome próprio continua sendo revelador para o entendimento da “história de
vida” dos twitteiros. Por isso que o autor vai afirmar:
Assim o nome próprio é o suporte (somos tentados a dizer a substância)
daquilo que chamamos de estado civil, isto é, desse conjunto de propriedades
(nacionalidade, sexo, idade etc.) ligadas a pessoas às quais a lei civil associa
efeitos jurídicos e que instituem, sob a aparência de constatá-las, as certidões
de estado civil. [...] verdadeiro objeto de todos os sucessivos ritos de
instituição ou denominação através dos quais é construída a identidade social:
essas certidões (em geral públicas e solenes) de atribuição, produzidas sob o
controle e com a garantia do Estado [...] todos os atestados jurídicos que
envolvem um futuro à longo prazo, quer se trate de certificados que garantem
de forma irreversível uma capacidade ( ou incapacidade), de contratos que
envolvem um futuro longínquo, [...] que de sanções penais.(P.188).
Ao afirmar que a única constância do sujeito é o nome próprio que está
vinculado a ele, Bourdieu (1987) chama atenção para o fato de que temos de ter em
mente que a criação de um relato biográfico, com início, meio e fim, é uma escolha
metodológica do biógrafo e do biografado. Assim, temos que entender que este tipo de
narrativa possui lembranças, esquecimentos, intenções, agenciamentos e sublimações.
Em todos estes casos trata-se do levantamento de toda, ou de uma parcela, da
vida de um indivíduo. Para esta pesquisa, propõe-se empreender uma parcela da
"história de vida" dos twitteiros do “#ForaMicarla” ao traçar a carreira política destes
sujeitos antes do Twitter, durante o "#ForaMicarla" no TT e no atual governo
municipal.
As mídias sociais permitem que esta trajetória, em seu aspecto político, possa ser
apreendida por meio das postagens, das interações deste agente com sua rede e por meio
das conversas informais e formais que são travadas com o etnógrafo. Assim, busca-se
uma nova forma de pensar a biografia como um relato que também é contado pelo
cibernauta em bytes. Esta perspectiva metodológica é aliada à forma tradicional do
11
método biográfico, sendo: “1º) de relatos motivados pelo pesquisador e implicando sua
presença como ouvinte e interlocutor [...] 3º) daquela parcela da vida do sujeito que diz
respeito ao tema da pesquisa, sem esgotar as várias facetas de uma biografia”. (KOFES,
1994, p.118).
A proposta deste trabalho está em acordo com Suely Kofes (1994) de que a
“história de vida” é fonte de informação ao falar de uma experiência social, desta forma,
que vai além do sujeito que relata; é como evocação ao tornar inteligível a dimensão
subjetiva e interpretativa do biografado; e é como reflexão ao apresentar uma análise do
próprio entrevistado em relação a experiência vivida. Por isso que Kofes (1994) ressalta
que cabe ao pesquisador levar em conta estas dimensões da “história de vida” e
intercruzá-la com outras narrativas. Que no caso da proposta deste trabalho seria
intercruzar com as próprias narrativas construídas pelos entrevistados - @ItsMenrenx e
@TiaBeteNatal - nas mídias sociais e com os outros agentes que mantém relação com
eles por meio de contextos políticos ciberativistas.
2. @ItsMenrenx
Conheci @ItsMenrenx por meio de @dayvsoon. No momento inicial da
pesquisa de campo no Twitter com o “#ForaMicarla”, @dayvsoon foi aos poucos me
explicando por meio de conversas que mantínhamos no MSN algumas pessoas que
eram identificadas como twitteiro importante do “#ForaMicarla”12 nas redes online de
Natal. @dayvsoon relatou que formou um grupo com @ItsMenrenx e @DELLRN
denominado “#MobilizaNatal”. O grupo mantinha a prática, dentro do #ForaMicarla,
de produzir produtos multimídias online com o objetivo de registrar, principalmente por
meio de vídeos, casos suspeitos de improbidade administrativa.
Após alguns meses, em 07 de junho de 2011, foi agendada no Twitter a
realização de mais uma manifestação de rua do “#ForaMicarla”. Logo no início da
passeata, às 09h, na Rua Trairi em Petrópolis, eu encontrei uma aluna que conheci
quando fazia estágio docência na UFRN. Em seguida, ela realizou o meu primeiro
contato com @ItsMenrex.
Em uma conversa informal, @ItsMenrenx disse que fazia dois meses que ele
havia passado a ser militante no “#ForaMicarla”. Comentou que conheceu @dayvsoon e
12 O #ForaMicarla não era um grupo. Era um movimento em rede que começou no online e tempos depois
chegou às ruas da cidade.
12
@DELLRN por meio da internet e também falou que estava sendo seguido pela prefeita
@micarladesousa no Twitter e acreditava que era uma forma de ser vigiado.
Segundo Menrenx, até o momento daquela passeata, ele ainda não havia sido
ameaçado pelo grupo da situação, mas sentia que isso estava próximo de ocorrer.
@ItsMenrenx, naquele primeiro contato informal, enfatizou que não fazia parte de
partido político e nunca teve envolvimento em movimentos sociais. Uma das pessoas
presente na manifestação perguntou se ele tinha a intenção de se candidatar ao cargo de
vereador. Menrenx afirmou categoricamente que nunca ia se candidatar a um cargo
político e enfatizou que o seu envolvimento com o “#ForaMicarla” era apenas com o
objetivo de buscar melhorias para cidade de Natal.
Nesta construção diária de uma prática de oposição à Micarla de Sousa,
@ItsMenrenx foi constituindo uma identidade de agente em busca de melhorias para a
cidade. O twitteiro era antes das ações no “#ForaMicarla” um desconhecido. Aos
poucos, na relação com sua rede de seguidores, o jovem de 26 anos (mas na época desta
passeata do dia 07 de junho de 2011 com 24 anos) foi ganhando projeção no Twitter.
Desta forma, @ItsMenrenx atualmente, julho de 2014, tem o número de mil e 500
seguidores.
Portanto, meses após o acampamento #PrimaveraSemBorboleta, em dezembro
de 2011, fui ao encontro de @ItsMenrenx no maior shopping da cidade. As postagens e
ações de @ItsMenrex no Twitter e no Facebook demonstravam uma aproximação dele
com a ex-governadora do RN e ex-prefeita de Natal, Wilma de Faria. Esta aproximação
de Menrenx com Wilma de Faria foi questionada por seus seguidores. Bem como por
seus companheiros do “#MobilizaNatal”. Na época, durante a entrevista, @ItsMenrenx
afirmou que não fazia parte do partido PSB. Contudo, ele não descartou a possibilidade
de participar de uma possível campanha eleitoral de Wilma de Faria e afirmou que
estava realmente investindo em ações no Twitter com intuitos políticos.
Raquel: Houve a tentativa destes partidos de te angariar para trabalhar em
prol deles?
Menrenx: Eu nunca recebi proposta nenhuma para trabalhar em partido
político, porque até mesmo eu não aceito. Por que não é de vontade minha
me envolver com a política ao ponto até mesmo de me filiar. Esse não é meu
pensamento hoje. Nunca, graças a Deus, houve uma proposta dessa para
mim.
Raquel: Como é que você vê sua relação hoje ... você twitta Wilma de Faria,
você teve ela na sua festa de aniversário, como é que você pensa esta relação?
Menrenx: A minha relação com Wilma de Faria aconteceu do nada. Foi um
convite que eu recebi de um amigo, onde neste convite ele dizia: - hoje você
quer conhecer Wilma de Faria? Eu disse quero. Quero ter contato com ela. E
13
ele disse, então vamos hoje, que vai ter um evento com ela. Até momentos
antes de conhecê-la, eu estava meio que ansioso. E quando eu vi ela pela
primeira vez e que comecei conversar com ela, eu pude ver o carisma que ela
tem. Isso me chamou muita atenção. Eu dou muito valor a pessoas
carismáticas. Eu tive oportunidade de conversar com ela, até mesmo sobre
questões da cidade. Então, aquilo me encantou. Aquilo me chamou atenção
de tal forma, que hoje declaro apoio à Wilma de Faria.
Raquel: Mas você não faz parte do partido dela?
Menrenx: De jeito nenhum. Eu sou apartidário.
Raquel: Você pensa como vai ser visto?
Menrenx: Penso. Penso porque a pessoa de Wilma de Faria foi várias vezes
testada pela população. E hoje podemos dizer que ela tem um alto índice de
popularidade. Nas vezes que eu tenho acompanhado ela, eu posso ver, posso
presenciar sem ninguém me dizer, o quanto ela é adorada pela população. E
isso nos dar força para trabalhar em cima daquilo. Entendeu? Quando eu vejo
isso, é uma forma que me dá mais vontade de fazer aquilo. É uma forma
natural de fazer aquilo.
Neste trecho da entrevista, podemos notar como a identidade de agente
oposicionista de @ItsMenrex é colocada em questionamento por sua rede de seguidores
no Twitter. Na conversa informal durante a passeata, Menrenx enfatiza sua trajetória
despretensiosa em relação à política no Twitter, colocando-se como mais um cidadão
insatisfeito com a gestão de Micarla de Sousa. Ao se constituir a cada dia como ponto
importante dentro da rede online por meio da identidade de oposição à Micarla de Sousa
e também como pessoa que busca “o melhor” para a cidade sem intuitos políticos
partidários, a aproximação de @ItsMenrenx com Wilma de Faria traz um processo de
desconforto na relação do twitteiro com seus seguidores. Isso é percebido na entrevista
quando Menrenx mantém o discurso de apartidarismo que existe de forma marcante
entre os sujeitos que participaram do “#ForaMicarla”.
Quando começou a aparecer em público, na timeline do Twitter e do Facebook,
uma aproximação entre @ItsMenrenx e Wilma de Faria, existiam rumores de que ela
seria candidata à prefeitura no pleito de 2012. Naquela época, dezembro de 2011, a
dúvida era se Wilma de Faria ia sair em candidatura própria ou não. Em 23 de junho de
2013, foi oficializada a coligação de Carlos Eduardo (PDT) com Wilma de Faria (PSB),
sendo: o primeiro como candidato a prefeito e a segunda como vice. Entre o período de
rumores e a oficialização, Wilma de Faria empossou @ItsMenrex no cargo de
Presidente do Comitê de Juventude do PSB-Natal.
Em 2013, momento este em que começa o governo de Carlos Eduardo e Wilma
de Faria. Menrenx Eufrásio é empossado em 07 de fevereiro de 2013 em cargo
comissionado da Secretaria Municipal de Obras Públicas e Infra-Estruturas – SEMOPI.
Dois meses depois, começaram as passeatas de rua do movimento “#RevoltadoBusão”.
14
Este movimento começou em setembro de 2012, quase no final do mandato da prefeita
Micarla de Sousa, afastada do cargo em 31 de outubro do mesmo ano. Por causa do ato
de rua da “#RevoltadoBusão” e das ações no Twitter e Facebook, 17 pessoas e um
coletivo denominado “Lições de Cidadania UFRN” tomaram o conhecimento de que
estavam sendo investigados pela Polícia Civil do Rio Grande Norte. Os investigados
receberam a notificação da justiça em 11 de março de 2013 e publicaram suas
insatisfações em suas redes online. Entre as pessoas investigadas, estava Menrenx
Eufrásio que demonstrou imenso pavor, chamando a atenção de seus amigos e
seguidores para o caso. No processo, aparece o endereço dos perfis do Facebook de
cada réu, os quais estavam sendo monitorados pela Polícia Civil. Os 18 investigados
também fizeram parte de forma ativa do movimento social da hashtag “#ForaMicarla”.
A “#RevoltadoBusão” voltaria a ser pauta dos debates no Twitter e no Facebook
em maio de 2013. Menrenx Eufrásio, agora como funcionário comissionado do governo
de Carlos Eduardo, defende a gestão do prefeito no Twitter e no Facebook postando
imagens e esclarecimentos quanto aos investimentos que a gestão municipal estava
fazendo na área de mobilidade urbana da cidade. Menrenx também conversa com seus
seguidores, os quais criticam Carlos Eduardo por ter aumentado o preço da passagem de
ônibus, e busca mostrar aos seus seguidores que a gestão municipal está trazendo
melhorias as quais não existiram na gestão de Micarla de Sousa. Podemos ver, neste
diálogo do dia 16 de maio de 2013, a intervenção do twitteiro em defesa do gestor.
15
Figura 01 - @ItsMenrenx retwitta e conversa com @carloseduardo12, @wilmadefaria e seus seguidores.
Print da minha timeline em 16 de maio de 2013.
16
Twitteiros de um lado cobravam posicionamento do prefeito em relação às
reivindicações da “#RevoltadoBusão” e no outro lado Carlos Eduardo conversava, às
21horas e 46 minutos, com os cibernautas sobre quais eram as ações da prefeitura até
aquele momento. Quando perguntei na Timeline e no extado momento destes diálogos a
@ItsMenrenx se ele tinha ido à passeata, o twitteiro me respondeu que estava gripado. E
era esta a mesma resposta que ele dava a sua rede de seguidores.
A elucidação da trajetória social parece necessária neste contexto para
compreensão de como @ItsMenrenx emerge como possível mediador entres dois
campos sociais e políticos, podendo ser pensado como um elo entre as redes online
politizada e as redes estatais. Para Karina Kuschnir (1999, p.86), o mediador mostra sua
força de negociador principalmente em “contradições entre as diversas "culturas
políticas" mediadas, atuando ora como intérprete de diferentes níveis culturais, ora
como mediador, solucionando conflitos de grupos das mais diferentes naturezas”.
No estudo de Karina Kushnir (1999) sobre o processo de eleições e
representação na cidade do Rio de Janeiro, o vereador aparece como personagem central
diante de:
[...] uma ampla e diferenciada rede de relações, constituídas por diversos
grupos e numerosos indivíduos. Essas redes de relações podem ser
classificadas em três eixos distintos, sendo que cada um corresponde a um
tipo de interação e atuação específico. Grosso modo, esses eixos seria o de
relação do vereador com a população em geral da cidade (eleitores em
pontencial), com outros vereadores da mesma Legislatura e com o Poder
Público, mais especialmente, com o Executivo municipal. (p.85)
Desta forma, em movimentos como o “#ForaMicarla”que não aceita a
existência de lideranças e como a “#RevoltadoBusão” que não aceita ser direcionado
pela política partidária, como foi o caso da agressão à vereadora Amanda Gurgel por ter
levado a bandeira do PSTU durante a passeata de rua em maio de 2013, o vereador
neste contexto parece perder o papel de mediador. Desta forma, podemos apontar as
perspectiva dos twitteiros - @ItsMenrex e @TiaBeteNatal – como uma forma de
promover uma mediação entre o poder público municpal e a população. Estes twiteiros
parecem conseguir organizar as demandas dos seguidores sob uma nova lógica.
3. @TiaBeteNatal
Assim como @ItsMenrenx, conheci @TiaBeteNatal em abril de 2011 no Twitter
por meio de @Dayvsoon. Durante meses, nós conversamos sobre o “#ForaMicarla” na
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timeline13. Quando alguns segredos etnográficos eram ditos a mim por Elizabete de
Paiva, as conversas eram realizadas por meio de “DMs”14. Apenas tive o primeiro
contato em copresença física com @TiaBeteNatal pouco tempo após o acampamento
“#PrimaveraSemBorboleta”, em 06 de agosto de 2011, em um churrasco em sua casa no
bairro Planalto, localizado na Zona Oeste de Natal. Este evento foi promovido por
@TiaBeteNatal para reunir os amigos do Twitter, que se conheceram por causa da
hashtag “#ForaMicarla”. Boa parte das pessoas que estavam no evento promovido por
@TiaBeteNatal ainda não se conheciam fora do ciberespaço.
Em dezembro de 2011, fui mais uma vez até a casa de @TiaBeteNatal e nesta
ocasião realizei uma entrevista com ela, @Assis1961 e @PauloSBarbosa. Cada um foi
explicando qual era a sua trajetória política. Elizabete de Paiva, 46 anos e professora da
rede municipal, disse que seu envolvimento começou cedo com a política, uma vez que
seu pai era sindicalista. “E com 18 anos eu me filiei aos democratas”, afirmou
@TiaBeteNatal. Com esta afirmação, @PauloSBarbosa disse de forma irônica: -
Democratas?. Logo em seguida, ela fez questão de afirmar que havia se desfiliado há
pouco tempo do partido e estava empenhada em retirar seu nome da lista partidária. A
conversa prosseguiu com @TiaBeteNatal explicando os motivos que levaram a saída
dela do DEM. Foi por isso que perguntei: - você tem pretensão de se filiar a outro
partido?. E ela respondeu: - “Não. No momento, não. Eu até me apaixonei pelo PT.
Mas eu acho o PT muito fundamentalista, muito radical. No momento, eu pretendo ficar
mais neutra.”.
Quando foi no ano seguinte, perto do pleito eleitoral de 2012, fui convidada por
@TiaBeteNatal a ir a um festejo junino em uma rua nas proximidades da igreja católica
do bairro de Candelária, localizado na Zona Sul da capital potiguar. O convite ocorreu
na timeline do Twitter, mas em momento algum ela disse de que este evento tratava-se
de um encontro do PDT com o PSDB. Vale ressaltar que naquele momento, junho, as
candidaturas não estavam oficialmente registradas no Tribunal Regional Eleitoral. Desta
forma, a candidatura de Wilma de Faria como vice-prefeita era apenas um rumor. Assim
que eu cheguei à festa, @TiaBeteNatal me puxou pelos braços e me levou até o
candidato Carlos Eduardo. Ela foi me apresentando a ele dizendo imediatamente que era
13 Consiste na área onde aparecem todas as atualizações públicas dos twitteiros os quais a pessoa segue.
14 DM ou Direct Messenger é a área onde aparecem as mensagens privadas enviadas a você.
18
eu que tinha escrito uma dissertação sobre o “#ForaMicarla”. Carlos Eduardo afirmou
que queria muito me conhecer. No mesmo momento, dois vereadores me abordaram e
um deles disse: - “então é você que escreveu sobre o #ForaMicarla”. Percebi que era
momento de me afastar da roda dos políticos e ficar em um lugar o qual não seria muito
vista. Esta minha preocupação vinha da possibilidade de postarem no Twitter a minha
presença no evento ao lado do candidato a prefeito e seus correligionários. Assim como
a identidade dos twitteiros analisados neste artigo incorria no perigo do impuro ao
atravessar as fronteiras entre a identidade de oposição e situação, existia também a
preocupação de manter as fronteiras de minha identidade de pesquisadora e se manter o
máximo possível na zona pura da “imparcialidade acadêmica”.
Tempos depois a este evento junino, ao ser eleito e assumir o cargo em janeiro
de 2013, Carlos Eduardo (PDT) empossou Elizabete de Paiva em cargo comissionado
na Secretaria Municipal de Educação, na função de assessora pedagógica. Meses depois,
começou a “#RevoltadoBusão” nas mídias sociais e a promoção de passeatas de rua.
@TiaBeteNatal não esteve presente nestas manifestações. Quando ela comentava sobre
o assunto no Twitter, sua atitude era a de intermediadora dos seus seguidores com o
prefeito na plataforma. Em 09 de outubro de 2013, @TiaBeteNatal postou críticas ao
projeto “#PasseLivre” da vereadora Amanda Gurgel (PSTU). Em sua crítica, Elizabete
afirmava que o projeto não possuía clareza em relação de onde viria o dinheiro público
para financiamento da tarifa gratuita. Esta preocupação advinha do fato dos vereadores
terem aprovado em unanimidade o projeto proposto pela vereadora e a aprovação era
tida como uma “pressão” do movimento “#RevoltadoBusão”. Portanto, a
implementação do projeto passou a ser da responsabilidade do prefeito em vetar ou não.
@TiaBeteNatal com este episódio buscava no Twitter convencer aos seus seguidores da
“falta de responsabilidade” dos vereadores em aprovar o projeto “#PasseLivre”.
Assim como @ItsMenrex, existe a perspectiva de @TiaBeteNatal ser uma
mediadora entre as redes políticas offline com as redes online politizada. O caso aqui
relatado demonstra a preocupação da twitteira em intermediar, por meio de uma
trajetória construída no online e do conhecimento da “cultura política” daquela
plataforma, as demandas da população com o executivo municipal. Os casos
etnográficos apontam para a perspectiva de que os twitteiros tem um acesso à população
de uma forma diferente das empenhadas por vereadores, secretários de estado e prefeito.
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Considerações Finais
Como afirmamos no início deste trabalho, as entrevistas realizadas com os
Twitteiros do “#ForaMicarla”, o relato de parte de sua trajetória no Twitter e na atual
gestão da cidade de Natal-RN apontam a perspectiva da necessidade de um
aprofundamento na construção do relato “biográfico” destes sujeitos, a busca pela
compreensão da trajetória social em seu aspecto político.
Também se pensa que o método biográfico, devido aos vários suportes
midiáticos presentes em um campo online, deve ser repensado para além da técnica de
entrevista que coloca em situação de oralidade e copresença física o entrevistador e o
entrevistado. Portanto, se busca pensar as narrativas que são empenhadas pelos próprios
internautas em bytes por meio de postagens escritas e audiovisuais em plataformas
como Facebook, Youtube, Twitter , Blogs e Chats.
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