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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO ACÓRDÃO/DECISÃO MONOCRÁTICA
REGISTRADO(A) SOB N°
A C Ó R D Ã O I MM Mil IIIIIJIIIIJ|IJ|IIJ|IIII lllll IIU Ml *02961905*
Vistos, relatados e discutidos estes autos de
Apelação n° 994.06.137444-5, da Comarca de São José
do Rio Preto, em que são apelantes MONTE CARLO
EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS S C LTDA e
MUNICIPALIDADE DE SAO JOSÉ DO RIO PRETO sendo apelado
MINISTÉRIO PUBLICO.
ACORDAM, em 8a Câmara de Direito Privado do
Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte
decisão: "NEGARAM PROVIMENTO AOS RECURSOS. V. U.", de
conformidade com o voto do Relator, que integra este
acórdão.
O julgamento teve a participação dos
Desembargadores CAETANO LAGRASTA (Presidente) e
JOAQUIM GARCIA.
São Paulo, 05 de maio de 2010.
SALLES ROSSI RELATOR
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Voton°: 12.152 Apelação Cível n°: 994.06.137444-5 (antigo 462.961.4/0-00) Comarca: São José do Rio Preto - 6a Vara Ia Instância: Processo n°: 37918/2003 Aptes.: Monte Cario Empreendimentos Imobiliários S.C. Ltda. outra Apdo.: Ministério Público do Estado de São Paulo
VOTO DO RELATOR
EMENTA - LOTEAMENTO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - Procedência - Legitimidade do Ministério Público inquestionável, porquanto a ele incumbe zelar pelo efetivo respeito aos poderes públicos, aos serviços de relevância pública e aos direitos assegurados na Constituição Federal — Municipalidade que é parte legítima para figurar no pólo passivo - Inexistência de litisconsórcio passivo com os adquirentes do loteamento - Ação que busca impedir a venda de lotes irregulares e determinar a regularização do loteamento - Descabida a inclusão, no pólo passivo, daqueles que, na verdade, foram vítimas do parcelamento irregular do solo -Precedentes - Prova pericial conclusiva acerca do efetivo parcelamento do solo - Destinação urbana a imóvel rural - Afronta à Lei 6.766/79 - Loteamento que também carece de infra-estrutura (conforme se extrai do mesmo laudo) - Condenação solidária do Município -Cabimento - Responsabilidade pela fiscalização do loteamento (art. 40 do referido diploma legal) -Precedentes (inclusive desta Câmara, envolvendo loteamento vizinho) - Sentença mantida - Recursos improvidos.
ARTES GRÁFICAS-TJ 41.0035
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Cuidam-se de Apelações interpostas contra a r.
sentença proferida em autos de Ação Civil Pública que, decidindo
pelo mérito os pedidos deduzidos na petição inicial, acabou por
decretar a integral procedência dos mesmos para o fim de condenar
as rés a se absterem de realizar vendas, reservas ou promessas de
venda dos lotes em questão, salvo depois da devida regularização,
o que também foram condenadas a fazê-lo no prazo de dois anos,
sob pena de multa diária de R$ 500,00 (prazo fixado apenas para a
empreendedora); para a caso de desfazimento, fica esta última
condenada a indenizar os adquirentes pelos prejuízos sofridos, cujo
montante será apurado em regular liquidação. Por força da
sucumbência, carreou às vencidas o pagamento das custas e
despesas processuais, além de honorários advocatícios, fixados em
15% sobre o valor atualizado da causa.
Inconformadas, apelam as vencidas.
No que tange ao apelo deduzido pela
empreendedora Monte Cario (fls. 271/291), pugna pela necessidade
de reforma da r. sentença recorrida, na medida em que o
loteamento em questão beneficia diversas famílias e existe há mais
de dezesseis anos. E que o próprio Perito Judicial observa que
referido loteamento se encontra na área rural e não urbana, situada
muito longe do perímetro urbano, tendo a apelante protocolizado
pedido de legalização do loteamento rural, perante a
Municipalidade, nos termos da Lei Municipal 4.568/89. Que,
portanto, não são lotes, mas sim frações ideais. Asseveram que a r.
sentença padece de nulidade ao determinar que retornassem a área
APELAÇÃO CÍVEL N" 994.06.137444-5 - SÃO JOSÉ DO RIO PRETO - VOTO N° 12.152 f 2
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a estado primitivo, o que atingiria centenas de moradores, sendo
ainda humanamente impossível legalizar esse loteamento como
urbano, mas sim rural, mediante aprovação pelo INCRA. Reitera a
necessidade de inclusão dos adquirentes, na qualidade de
litisconsortes, insurgindo-se ainda e finalmente quanto ao valor da
multa e o prazo fixado.
O recurso ora referido foi recebido pelo r.
despacho de fls. 301.
Com relação ao apelo deduzido pela
Municipalidade ré (fls. 303/315), argui nulidade da r. sentença ante
a existência de litisconsórcio passivo necessário, sendo essencial a
inclusão dos adquirentes e inclusão no pólo passivo da ação, eis
que o objeto desta interfere na esfera dos mesmos, que terão
algumas construções demolidas sem que sequer tenham tido
oportunidade de se manifestar nos autos. Ainda em sede de
preliminar, que o pedido é juridicamente impossível, já que não se
pode compelir o Município a realizar ato discricionário e
impossibilidade de transmudar pedidos alternativos em
cumulativos. Que o Ministério Público, por seu turno, é parte
ilegítima para figurar no pólo ativo da demanda.
No tocante à matéria de fundo, pugna pela
necessidade de reforma da r. sentença recorrida, conquanto não
incorreu em omissão, reiterando a discricionariedade das medidas
determinadas pelo Juízo, devendo o apelo ser provido, sob pena de
ingerência indevida no Poder Executivo, em ofensa à tripartição de
poderes.
APELAÇÃO CÍVEL N° 994.06.137444-5 - SÃO JOSÉ DO RIO PRETO - VOTO N° 12.152 <Ü ARTES GRÁFICAS-TJ 41.0035
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O recurso acima foi recebido pelo r. despacho
defls. 316.
Contrarrazões do Ministério Público às fls.
318/338.
Parecer da d. Procuradoria Geral de Justiça,
pelo improvimento (fls. 343/367).
Inicialmente, os autos foram distribuídos ao
Exmo. Desembargador SILVIO MARQUES NETO que lançou o
despacho de fls. 369, seguindo-se posterior redistribuição a este
Relator, que assumiu o acervo deixado pelo Desembargador ora
referido, em virtude de aposentadoria.
E o relatório.
Os recursos não comportam provimento.
Antes de adentrar ao exame dos recursos
propriamente ditos, insta consignar que não se ignora que a r.
sentença recorrida foi proferida aos 12 de dezembro de 2005.
No entanto, este Relator assumiu o acervo
deixado pelo Desembargador SILVIO MARQUES NETO,
conforme publicação no Diário da Justiça Eletrônico, aos 12 de
dezembro de 2008, não tendo, a evidência, dado causa a tão longa
espera.
Feitas tais considerações, não prosperam as
pretensões deduzidas nos apelos interpostos.
Ainda antes de examinar o mérito recursal,
observo que a d. Procuradoria Geral de Justiça consigna em seu
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parecer, a competência da Câmara Especial do Meio Ambiente
para conhecer do presente feito. No entanto, respeitado o
entendimento do d. Procurador de Justiça ofíciante, a questão aqui
discutida não se refere a matéria ambiental, mas sim loteamento
irregular (parcelamento do solo), sendo, portanto, esta 8a Câmara
de Direito Privado competente para o julgamento destes apelos
(cfr. julgamento da Dúvida de Competência n. 136.068-0/7, do
Órgão Especial deste. E. Tribunal, decidindo caso análogo).
No mais, ao contrário do sustentado nos apelos
interpostos, a r. sentença não padece de nulidade. Em primeiro
lugar, anote-se que a legitimação do Ministério Público decorre do
que prevê a Lei 7.347/85. Atua aqui na defesa daquilo que se
chama "interesses transindividuais de natureza indivisível".
O titular desses interesses é a coletividade,
atingida pelo descumprimento das normas que limitam o
parcelamento do solo às exigências legais, que por sua vez
identificam qual o interesse público a ser atingido.
A Ação Civil Pública é, nos termos do artigo
109, III da CF/88, o instrumento adequado para defesa da ordem
jurídica dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
Nesse sentido, julgado desta 8a Câmara de
Direito Privado e Relatoria, extraído dos autos do Agravo de
Instrumento n°: 339.767.4/1-00, cuja ementa se transcreve a seguir:
"AÇÃO CIVIL PÚBLICA - Legitimidade
do Ministério Público inquestionável, porquanto a ele incumbe
zelar pelo efetivo respeito aos poderes públicos, aos serviços de
APELAÇÃO CÍVEL N° 994.06.137444-5 - SÃO JOSÉ DO RIO PRETO - VOTO N° 12.152
ARTES GRÁFICAS-TJ 41.0035
d
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relevância pública e aos direitos assegurados na Constituição
Federal - Inquérito Civil que é mera peça informativa
destinada apenas acolher elementos que venham a indicar a
necessidade ou não de ajuizar Ação Civil Pública - Inexistência
por isso, de qualquer infringência a cláusula constitucional da
ampla defesa e do contraditório - ... - Decisão mantida -
Recurso improvido."
Ainda acerca do tema, recente julgado da 7a
Câmara de Direito Público deste E. Tribunal (Agravo de
Instrumento n. 899.974-5/4-00, Rei. MOACIR PERES, j .
30.11.2009, v.u.), conforme segue:
"AÇÃO CIVIL PÚBLICA
PARCELAMENTO ILEGAL DO SOLO - I - Legititimidade
ativa do Ministério Público. A norma constitucional, definindo
como funções institucionais do Ministério Público, 'a defesa da
ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais
e individuais indisponíveis', atribuiu poderes para 'promover o
inquérito civil e a ação civil pública, para proteção do
patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros
interesses difusos e coletivos' (arts. 127 e 129, inc. III) - II -
Questiona-se, no caso, interesse difuso, passível de defesa por
meio de ação civil pública .. Preliminares afastadas. Recurso
desprovido."
Referido aresto cita precedente do C. STJ que
aqui também possui inteiro enquadramento e merece transcrição, a
saber:
\
APELAÇÃO CÍVEL N° 994.06.137444-5 - SÃO JOSÉ DO RIO PRETO - VOTO N° 12.152 ^ 6 \
ARTES GRÁFICAS-TJ \ ^ _ > 41.0035
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"/. O Ministério Público, por força do art
129, III, da CF/88, é legitimado a promover qualquer espécie de
ação na defesa do patrimônio público social, não se limitando à
ação de reparação de danos. Destarte, nas hipóteses em que não
atua na condição de autor, deve intervir como custos legis
(LACP, art. 5°, § Io, CDC, art 92; ECA, art 202 e LAP, art 9o).
2. A Carta de 1988, ao evidenciar a importância da cidadania no
controle dos atos da administração, com a eleição dos valores
imateriais do art 37 da CF como tuteláveis judicialmente,
coadjuvados por uma série de instrumentos processuais de defesa
dos interesses transindividuais, criou um microssistema de tutela
de interesses difusos referentes à probidade da administração
pública, nele encartando-se a Ação Popular, a Ação Civil Pública
e o Mandado de Segurança Coletivo, como instrumentos
concorrentes na defesa desses direitos eclipsados por cláusulas
pétreas. 3. Em conseqüência, legitima-se o Ministério Público a
toda e qualquer demanda que vise à defesa do patrimônio público
sob o ângulo material (perdas e danos) o imaterial (lesão à
moralidade). 4. A nova ordem constitucional erigiu um autêntico
'concurso de ações* entre os instrumentos de tutela dos interesses
transindividuais e, 'a fortiorV, legitimou o Ministério Público
para o manejo dos mesmos. 5. A lógica jurídica sugere que
legitimar-se o Ministério Público como o mais perfeito órgão
intermediário entre o Estado e a sociedade para todas as
demandas transindividuais e interditar-lhe a iniciativa da Ação
Popular, revela 'contraditio interminis'. 6. Interpretação
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ARTES GRÁFICAS-TJ 41.0035 <Ü
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histórica justifica a posição do MP como legitimado subsidiário
do autor na Ação Popular quando desistente o cidadão,
porquanto à época de sua edição, valorizava-se o parquet como
guardião da lei, entrevendo-se conflitante posição de parte e de
custos legis. 7. Hodiernamente, após a constatação da
importância e dos inconvenientes da legitimação isolada do
cidadão, não há mais lugar para o veto da 'legitimatio ad
causam' do MP para a Ação Popular, a Ação Civil Pública ou o
Mandado de Segurança Coletivo. 8. Os interesses mencionados
na LACP acaso se encontrem sob iminência de lesão por ato de
abusivo da autoridade podem ser tutelados pelo 'mandam us'
coletivo. 9. No mesmo sentido, se a lesividade ou a ilegalidade do
ato administrativo atingem o interesse difuso, passível é a
propositura da Ação Civil Pública fazendo as vezes de uma Ação
Popular multilegitimária. 10. As modernas leis de tutela dos
interesses difusos completam a definição dos interesses que
protegem. Assim é que a LAP define o patrimônio e a LACP
dilargou-o, abarcando área antes deixadas ao desabrigo, como
patrimônio histórico, estético, moral, etc. 11. A moralidade
administrativa e seus desvios, com conseqüências patrimoniais
para o erário público enquadram-se na categoria dos interesses
difusos, habilitando o Ministério Público a demandar em Juízo
acerca dos mesmos' (REsp. n°427.140-RO, Primeira Turma, Rei
para o Acórdão Ministro Luiz Fux,j. 20.05.2003).'
A implantação de loteamento clandestino não
interessa apenas a um conjunto de pessoas identificadas, mas ao
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universo indeterminado de possíveis adquirentes equiparados a
consumidores, bem como toda a sociedade, vez que os problemas
relativos aos loteamentos irregulares não ficam circunscritos à
localidade, mas refletem em toda a região.
A evidência, questiona-se, no caso, interesse
difuso, passível de defesa por meio de ação civil pública..".
Igualmente descabida a alegada
impossibilidade jurídica do pedido. Aliás, tal argüição está
diretamente ligada ao mérito recursal (quanto a alegada
impossibilidade de retorno do loteamento ao estado anterior) e
assim será melhor analisada.
Também não se há falar na inclusão dos
adquirentes do lote no pólo passivo. Ora, a presente ação civil
pública busca impedir a venda de lotes irregulares e determinar a
regularização do loteamento - o que torna totalmente infundada a
inclusão, no pólo passivo, daqueles que, na verdade, foram vítimas
do parcelamento irregular. Assim, o pólo passivo deve (como de
fato foi) ser composto exclusivamente pelo loteador e por aquele
que tem o dever legal de fiscalizar (este último, a Municipalidade).
Nesse sentido, diversos julgados deste E.
Tribunal, destacando-se recente aresto extraído dos autos da
Apelação com Revisão n. 404.477-4/6-00, que teve como Relator o
Desembargador ÁLVARO PASSOS, que em tudo se amolda à
hipótese aqui discutida:
"LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO -
Ação civil pública na qual se pretende a condenação no
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pagamento de indenização por danos urbanísticos e ambientais
decorrentes do parcelamento irregular do solo - Não
ocorrência - Responsabilidade civil daquele que comete o ilícito
- Recurso provido, julgando-se procedente a ação civil
pública."
E ainda:
"AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO
CIVIL PUBLICA - Regularização de loteamento clandestino -
Liminar deferida parcialmente em relação ao Município de
Várzea Paulista - Alegação de ilegitimidade passiva 'ad
causam' - Descabimento da objeção processual - Município
que tem competência em organizar a ocupação do solo prevista
na Constituição Federal (artigo 30, inciso VIII) e na Lei n°
6.766/79 - ... - Chamamento ao processo dos adquirentes dos
lotes irregulares - Desnecessidade - Inexistência de
litisconsórcio passivo necessário - Negado provimento ao
recurso (AI 887.562.5/1-00, 7a Câmara de Direito Público, Rei.
RUBENS RIHL, j . 12.08.2009, v.u.)."
Também nesse mesmo sentido:
"AÇÃO CIVIL PÚBLICA. Guarujá.
Loteamento Jardim Pernambuco. II. Anulação da licença e
adequação ambiental. ... 2. Litisconsórcio. Não se estabelece
litisconsórcio necessário passivo entre os loteadores e os
adquirentes. O pedido principal, de adequação do loteamento à
lei ambiental e urbanística, só atinge os loteadores e a
administração, pois apenas a eles cabe o cumprimento; ...
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Processo extinto sem apreciação do mérito. Apelação provida
para afastar a extinção abreviada; no mérito, decidiu-se pela
improcedência da ação (ac 782.661.5/8-00, Câmara Especial
do Meio Ambiente, Rei. TORRES DE CARVALHO, j .
07.05.2009, v.u.)."
Afastadas as preliminares, passa-se ao exame
do mérito do apelo interposto, cujos argumentos também não se
sustentam.
A prova pericial realizada no loteamento
Estância Bela Vista I é conclusiva no sentido de que este se
encontra implantado na zona rural e que houve parcelamento do
solo - alteração do uso do solo rural para fins urbanos - em afronta
à Lei 6.766/79 (fls. 157 e seguintes), observando ainda o Expert
que aludido loteamento carece de obras de infra-estrutura ("... não
foram implantadas redes de esgoto e de distribuição de água,
asfaltamento das vias e colocação das guias e sarjetas..." - fls.
160).
Ora, diante da conclusão pericial, não restam
dúvidas acerca da ilegalidade e clandestinidade do parcelamento
havido, havendo flagrante desobediência ao já mencionado
diploma legal.
As apelantes, por seu turno, sustentam a
inviabilidade de cumprir a determinação contida na r. sentença -
argumentação totalmente descabida. Acerca dessa insurgência,
cumpre aqui transcrever as bem lançadas considerações da d.
Procuradoria Geral de Justiça, ao observar que "... é insustentável a
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Cj
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manutenção do atual 'status quo', retratado pela negativa dos
entes privado e público de cumprir obrigações contratuais e legais
e de suprir, sem demora, itens básicos de consumo dos moradores
e adquirentes de lotes, sem o fornecimento dos quais resulta
inequívoca afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana,
escorador do Estado Democrático de Direito (CR, art. 1 °, inc. III).
Como visto, por determinação constitucional,
incumbe ao Município promover adequado ordenamento
territorial, mediante planejamento e controle do uso, do
parcelamento e da ocupação do solo urbano (CR, art. 30, inc.
VIII). Além disso, preconiza a Magna Carta que a política de
desenvolvimento urbano, a ser desenvolvida pelos municípios, tem
por objetivo não apenas ordenar o pleno desenvolvimento das
funções sociais da cidade, mas igualmente viabilizar a garantia do
bem-estar de seus habitantes (art. 182, 'caput').
Assim, a partir da emissão de ato autorizativo
por parte do Município para a implantação de parcelamento ou
loteamento, incumbe ao Poder Público a continuidade na
prestação de serviços de controle e fiscalização, de modo a
possibilitar a verificação, por exemplo, do atendimento dos
padrões urbanísticos, de danos ao meio ambiente e ao patrimônio
público, assim como dos eventuais danos ao ente coletivo e aos
mais altos interesses sociais. E exatamente nesse ponto o
fornecimento de água de abastecimento, saneamento, energia
elétrica e iluminação pública assumem contornos de poder-dever.
Contudo, na espécie versada, sequer há falar-se de existe
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legítima e regular autorização, quer de caráter urbanístico, quer
ambiental, quer sanitário..." (fls. 361/362).
Diante de tal quadro, a r. sentença recorrida,
com inteira pertinência, condenou a loteadora e a Municipalidade a,
solidariamente, procederem à regularização do loteamento referido,
ante a flagrante ilegalidade/irregularidade deste último.
Correta ainda a condenação solidária imposta à
Municipalidade. Ora, caberia a esta a fiscalização do
empreendimento, o que, ante as incontroversas irregularidades,
conclui-se que não o fez. Ademais, tal responsabilidade não se
resume à fiscalização, mas também quanto à omissão do
loteamento irregular, tudo em afronta ao artigo 40 da Lei 6.766/79.
Como é sabido, o Poder Público tem o poder-
dever de substituir o parcelador inadimplente na execução de obras
de infra-estrutura ou na formalização e regularização dos
loteamentos e, em decorrência, sub-rogar-se em seus direitos. Tem
o poder, porque lhe compete fiscalizar e coordenar a urbanização.
Tem o dever, porque ao aprovar o loteamento, tornou-se
responsável perante toda a coletividade.
Ora, irregular como está, o loteamento não
pode permanecer, pelo que imperiosa sua regularização, devendo a
Municipalidade fazê-lo por si mesma ou em conjunto com o
loteador, ou compelir este último a tanto. O que não se pode
admitir é que tal encargo seja transferido aos adquirentes,
anotando-se ainda quanto a incidência imediata da mencionada Lei
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6.766/79, que foi editada para evitar a proliferação de loteamentos
irregulares como o objeto da presente ação civil pública.
Decidindo sobre a responsabilidade solidária
do loteador e da Municipalidade, julgado da 6a Câmara de Direito
Privado deste E. Tribunal de Justiça (AC 70.110-4/4, Rei.
Desembargador MOHAMED AMARO), do qual se extraem as
bem lançadas considerações que ora se transcreve:
"... se descumprida a obrigação de
fiscalização, que lhe é inerente, por certo, fica o Município,
responsável, perante terceiros, por essas obras de infra-estrutrura
(LÚCIA VALE FIGUEIREDO, in ob. cit Pág. idem).
Nesta conformidade, desde que autorizada a
implantação do questionado loteamento, ante a incúria, o
inadimplemento da obrigação de fazer pelo parcelador, cumpria
à Municipalidade-ré, executar ou implementar as obras
necessárias (Lei 6.766/79, art. 40) e, regressivamente, obter o
ressarcimento das despesas correspondentes ou excutir a caução
regularmente prestada, levando-se em conta os altos propósitos
de interesse social decorrentes do empreendimento do
parcelamento do solo.
Pode-se perfeitamente tipificar essa operação
como um caso de sub-rogação legal, no que se refere aos
dispêndios de urbanificação já efetivamente realizados pelo
Poder Públcio (TOSHIO MUKAI e outros, in LOTEAMENTOS
E DESMEMBRAMENTOS URBANOS, pág. 238).
APELAÇÃO CÍVEL N" 994.06.137444-5 - SÃO JOSÉ DO RIO PRETO - VOTO N° 12.152
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De resto, diante dos fatos relativos aos danos
aos adquirentes dos lotes, ao meio ambiente e aos padrões de
desenvolvimento urbano, deduzidos na inicial, comprovados na
instrução processual, tem-se que a responsabilidade de todos os
demandados, inclusive da Municipalidade-ré, eficientemente
apurada, a justificar a sua legitimidade de parte passiva à luz do
disposto no artigo 22 da Lei 6.766/79..?.
No mesmo sentido, o recente julgado da Ia
Câmara de Direito Público, também deste E. Tribunal, extraído dos
autos da Apelação Cível n. 836.061-5/7-00, Rei. Desembargador
DANILO PANIZZA, que também em tudo se amolda à hipótese
aqui discutida:
"AÇÃO CIVIL PÚBLICA
LOTEAMENTO IRREGULAR - RESPONSABILIDADE
SOLIDÁRIA DE LOTEADOR E DO MUNICÍPIO.
PROCEDÊNCIA.
Há plena caracterização de
responsabilidade, na ação civil pública, de loteador e
Município, de maneira solidária, em caso de loteamento
irregular. O loteador se enquadra pelo direto descumprimento
da lei de parcelamento do solo e o Município pela omissão
fiscalizatória. Improcedência mantida. Recursos negados."
Em situação idêntica (relativa a loteamento
vizinho, situado na mesma cidade de São José do Rio Preto,
denominado Estância Bela Vista II), recentíssimo julgado desta 8a
Câmara de Direito Privado e Relatoria, extraído dos autos da
APELAÇÃO CÍVEL N° 994.06.137444-5-SÃO JOSÉ DO RIO PRETO-VOTO N° 12.152 f 15
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Apelação Cível n°: 994.03.091002-5 (antigo 293.802.4/9-00), que
assim decidiu:
"LOTEAMENTO - AÇÃO CIVIL
PÚBLICA - Procedência - Legitimidade do Ministério Público
inquestionável, porquanto a ele incumbe zelar pelo efetivo
respeito aos poderes públicos, aos serviços de relevância
pública e aos direitos assegurados na Constituição Federal —
Municipalidade que é parte legítima para figurar no pólo
passivo - Inexistência de litisconsórcio passivo com os
adquirentes do loteamento - Ação que busca impedir a venda
de lotes irregulares e determinar a regularização do loteamento
- Descabida a inclusão, no pólo passivo, daqueles que, na
verdade, foram vítimas do parcelamento irregular do solo -
Precedentes - Prova pericial conclusiva acerca do efetivo
parcelamento do solo - Destinação urbana a imóvel rural -
Afronta à Lei 6.766/79 - Loteamento que também carece de
infra-estrutura (conforme se extrai do mesmo laudo) -
Condenação solidária do Município - Cabimento -
Responsabilidade pela fiscalização do loteamento (art. 40 do
referido diploma legal) - Precedentes - Sentença mantida -
Recurso improvido."
Em vista de todo explanado, correta e bem
fundamentada a r. sentença recorrida, ao condenar os réus,
solidariamente, à regularização do loteamento em questão, o que
aqui se ratifica.
APELAÇÃO CÍVEL N° 994.06.137444-5 - SÃO JOSÉ DO RIO PRETO - VOTO N° 12.152
ARTES GRÁFICAS-TJ 41.0035
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Isto posto, pelo meu voto, nego provimento aos
recursos.
S^LLES ROSSI
Relator
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