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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO AGÊNCIA DE DESENVOLVIMENTO D0 NORDESTE – ADENE
PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO – PNUD MESTRADO PROFISSIONAL EM GESTÃO PÚBLICA
PARA O DESENVOLVIMENTO DO NORDESTE – MPANE
EMPREENDEDORISMO SOCIAL: DESAFIOS PARA AÇÕES SOCIAIS INOVADORAS E SUSTENTÁVEIS
GUSTAVO ANTONIO DUARTE RIBEIRO
RECIFE, 2004
1
GUSTAVO ANTONIO DUARTE RIBEIRO
EMPREENDEDORISMO SOCIAL: DESAFIOS PARA AÇÕES SOCIAIS INOVADORAS E SUSTENTÁVEIS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Pernambuco, Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Gestão Pública para o Desenvolvimento do Nordeste.
Orientadora: Profa. Dra. Maria José de Araújo Lima
RECIFE 2004
3
A minha mulher, Emília, aos meus filhos, Rafael, Bernardo e Cecília, pela compreensão e incentivo, mesmo sendo privados, por longos períodos, de minha atenção.
4
AGRADECIMENTOS À Professora Maria José de Araújo Lima, pelos estímulos e sugestões dadas no encaminhamento do desenvolvimento dos capítulos. Aos colegas de turma do Mestrado, pela solidariedade nos momentos de superar os desafios. Aos Professores, pela dedicação e pelos importantes conhecimentos transmitidos. A meus familiares, por compartilharem comigo algumas obrigações, fazendo com que eu tivesse tempo para realizar as leituras e a produção do trabalho dissertativo. A meu pai, pelo incentivo e apoio, inclusive no sentido de sugerir fontes bibliográficas. A todos que, diretamente ou indiretamente, contribuíram para a realização
deste trabalho.
5
RESUMO
O presente trabalho discute o papel do Instituto de Ecologia Humana - IEH no
cenário das preocupações ambientais na década de 90 como um projeto inovador
que trilhou o caminho do empreendedorismo social. A escolha dessa ONG foi
pautada na mensagem trazida para o debate ecológico da época, introduzindo a
compreensão das relações sociedade-natureza historicamente instalada como a
base para se entender a degradação ambiental vigente. Some-se a isso a
diversidade de ações voltadas para pesquisa, capacitação e intervenção na
comunidade. Como aporte metodológico, foi utilizada a técnica de análise de
conteúdo dos documentos gerados a partir do desenvolvimento de seus projetos,
como também entrevistas de atores sociais do IEH. Os resultados obtidos
confirmaram o caráter de empreendedorismo social dentro da temática ambiental,
com características peculiares, como é papel dessa ONG na formação de capital
social para atuar na ecologia com a dimensão saúde.
Palavras-chave: Empreendedorismo social. ONGs (Instituto de Ecologia Humana). Meio
Ambiente.
6
ABSTRACT
This dissertation discusses the role the Institute of Human Ecology—an innovative
project guided by the concept of social entrepreneurship—played in the
environmentalist movement in the 1990s. This particular NGO was chosen
because of the message it brought to the ecological debate of the period, providing
greater understanding of the relationship between society and nature, in terms of
which environmental degradation has historically been couched. Furthermore, this
organisation has undertaken a wide diversity of activities involving research,
training and intervention in the community.The methodological approach used
involved content analysis of documents produced by the NGO in the course of its
projects, in addition to interviews with social players from the IHE. The results
obtained confirmed both that the organisation is a social-entrepreneurial one,
working the field of environmentalism with its own specific features, and that it has
a role to play in the formation of social capital to work with ecological issues from
the perspective of health.
Key-words: Social Entrepreneurship.NGO (Institute of Human Ecology). Environment.
7
LISTAS DE FIGURAS
Figura 1 - Placa comemorativa da sessão solene de inauguração do IEH........ 88
Figura 2 - Painel de fotos sobre a pesquisa da açudagem ............................... 92
Figura 3 - Projeto de educação ambiental e material educativo na pesquisa da açudagem...........................................................................................................
94
Figura 4 - Oficina com pequenos agricultores de Soledade – PB..................... 96
Figura 5 – Oficina Educação Ambiental ............................................................ 99
Figura 5.1 - Oficina sobre educação ambiental em Desterro – PB..................... 99
Figura 6 - Cartilha utilizando idéias e desenhos das crianças........................... 101
Figura 7 - Exposição Paisagens da Caatinga ................................................... 103
Figura 8 - Curso sobre estudos avançados em ecologia humana .................... 104
Figura 9 - Curso sobre estudos avançados em ecologia humana ..................... 105
Figura 10 - Momento do projeto da avaliação ambiental e capacitação de Recursos Humanos para o Turismo ..................................................................
107
Figura 11 - Aprendizado entre gerações educação ambiental e turismo Paracuru 2003.....................................................................................................
108
Figura 12 - II Encontro de Educação Ambiental no Ensino Formal.................... 109
Figura 13 - Fórum da Criança............................................................................. 112
Figura 13.1 – Fórum da Criança......................................................................... 112
Figura 14 - Atividades do Projeto Avançar ......................................................... 114
Figura 15 - I Curso de Gestão Ambiental ........................................................... 115
Figura 15.1 – I Curso de Gestão Ambiental .......................................................
116
8
LISTAS DE TABELAS E QUADROS
Tabela 1 - Distribuição por idade dos entrevistados – 2004 ............................. 120
Tabela 2 - Importância da ONG na década de 90............................................. 124
Tabela 3 – A importância do IEH para os pesquisadores seniores - 2003 ..... 126
Tabela 4 – A importância do IEH para os pesquisadores juniors - 2003 ........ 127
Tabela 5 – O que o IEH foi na época para você? .............................................. 127Tabela 6 - A mensagem do IEH na década de 90 – 2003 ................................ 132
Tabela 7 - Titulação dos entrevistados no momento da pesquisa – 2003 ......... 134
Tabela 8 – Identificação do projeto mais importante – 2003............................. 134
Quadro 1 – Novo paradigma de relações comunidade-governo-empresas....... 39
Quadro 2 – Pesquisadores associados segundo a instituição ...........................
85
LISTA DE ABREVIATURAS
ONG Organização Não-Governamental
IEH Instituto de Ecologia Humana
UFRPE Universidade Federal Rural de Pernambuco
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
OSPU←S Organizações do terceiro setor, de caráter público, constituídas com base em razões de sociedade
OSPU←E Organizações do terceiro setor, de caráter público, constituídas sob o influxo ou razões de Estado
OSPU←M Organizações do terceiro setor, de caráter público, constituídas sob o influxo ou razões de mercado
OSPU←OSPR Organizações do terceiro setor, de caráter público, constituídas sob o influxo ou razões de sociedade, porém intermediadas por outras organizações do terceiro setor de caráter privado
OSPR←M Organizações do terceiro setor, de caráter privado, constituídas sob o influxo ou razões de mercado
OSPR←S Organizações do terceiro setor, de caráter privado, constituídas sob o influxo ou razões de sociedade
PSA Projeto Saúde e Alegria
ASPAC Associação de Silves para a Preservação Ambiental e Cultural
9
10
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................ 11 17 2 REFERÊNCIAS CONCEITUAIS ................................................................. 17 2.1 Terceiro Setor ........................................................................................... 24 2.2 Organizações Não-Governamentais – ONGs .......................................... 30 2.2.1 As Organizações Não-Governamentais e o Meio Ambiente ................. 38 2.3 Empreendedorismo Social........................................................................ 56 2.4 Capital Social............................................................................................ 56 2.5 Troca de Saberes...................................................................................... 69
3 INSTITUTO DE ECOLOGIA HUMANA: UM EMPREENDEDORISMO INOVADOR ...............................................................................................
82
3.1 Origem e marco teórico ............................................................................ 82
3.2 Ações sob forma de projetos..................................................................... 91
4 ASPECTOS METODOLÓGICOS: O CAMINHAR DA PESQUISA............ 117
5 A VISÃO DOS ATORES E OS DESAFIOS DO EMPREENDEDORISMO
SOCIALDIFERENCIADO........................................................................... 121
6 CONCLUSÕES............................................................................................ 142
REFERÊNCIAS ............................................................................................... 145 APÊNDICE – Questionários ............................................................................ 150 ANEXO – Diário Oficial ................................................................................... 158
11
1 INTRODUÇÃO
O enfoque deste trabalho é o Empreendedorismo Social, que se constitui de
modelos para articular possibilidades de desenvolvimento em diversos segmentos
da sociedade civil, dotando-os de maior autonomia. Foi escolhida para abordagem
uma Organização Não-Governamental – ONG, pela sua trajetória, com
experiências relacionadas ao enfrentamento de questões ambientais, e por ser
composta de indivíduos com perfis de empreendedores sociais.
Existe uma tendência a se pensar que, por estarem atreladas ao social, não
é preciso que as organizações se esmerem na gestão, o que é um engano. Essa
perspectiva é demonstrada por inúmeras organizações que só conseguem
permanecer vinculadas ao social por curto período de tempo.
Os empreendimentos sociais nascem quando os futuros empreendedores,
diante da realidade social com que convivem, têm a sensibilidade de formatar
organizações que tenham possibilidades de construir inovações no enfrentamento
dos problemas sociais. São aliados que, quanto mais relacionamentos tiverem,
mais poderão ampliar as parcerias, havendo uma tendência a maior
sustentabilidade.
O desempenho de organizações na área social depende da abertura para
um contínuo aprendizado, ao se ter a humildade de reconhecer erros cometidos.
Surgem inúmeras frustrações provenientes dos fatos acontecidos na vida de cada
12
indivíduo, como também desencontros nos relacionamentos, conseqüência do que
é próprio dos seres humanos de tentar fazer imperar suas vontades.
O elo com o social dos empreendedores se fortalece pelos constantes
estímulos, tanto interiormente na tomada de consciência da importância dos
resultados, como também no reconhecimento da sociedade pelas mudanças
ocorridas nas condições de vida de populações mais carentes.
Percebe-se, nos relatos que descrevem as histórias da constituição e
crescimento de empreendimentos sociais, a importância da vontade política ou da
visão de mundo dos seus empreendedores. As missões e os procedimentos para
alcançar os objetivos são expressos de forma transparente por representarem suas
crenças, o que provoca represálias contundentes, ao serem geralmente
considerados avançados para o seu tempo histórico e por contrariarem interesses.
A propagação quantitativa e qualitativa dos empreendimentos provoca o
surgimento de avaliações do potencial de transformação das realizações e a
formação de um acervo de conhecimentos, que auxiliam na criação de consensos
sobre formas de estabelecer prioridades no atendimento das demandas sociais
específicas das distintas comunidades.
Outra dimensão importante deste trabalho é a compreensão do papel social
das Organizações Não-Governamentais – ONGs. Não tendo amparos legais para
demarcar sua tipificação, à primeira vista poderiam representar as mais diversas
coletividades com seus respectivos interesses.
13
Entretanto, dois requisitos auxiliam a identificá-las: sem fins lucrativos e com
atividades direcionadas para causas coletivas. O entendimento que aflora quando
se debruça sobre as intervenções das ONGs é de que elas se destacam como
diagnosticadoras e mentoras da formatação de padrões de enfrentamento das
desigualdades sociais, a fim de convencer o Estado a democratizar suas políticas
sociais.
Essas organizações recebem críticas na atualidade, avaliando que as suas
ações não conseguem alterar com relevância a exclusão econômica e que a
gestões não se distanciam tanto da administração estatal como foi divulgado
anteriormente. Os defensores da relevância das ONGs entendem que no social o
qualitativo é essencial e que a importância dessas organizações se fundamenta
nos estímulos a elas relacionados para haver a propagação das mudanças
sociais.
Não existem ainda pesquisas que apresentem um quadro completo de como
as ONGs brasileiras são financiadas. Indícios apontam os governos europeus
como os principais financiadores, o que apresenta graves problemas na eleição
dos segmentos a serem contemplados com projetos, atendendo-se a uma lógica
que não contempla as prioridades dos brasileiros.
Na prospecção do futuro das ONGs, vislumbra-se como importante um
incremento de recursos privados, que proporcionariam uma menor dependência às
oscilações das transferências oriundas de financiamentos estatais. Noutro aspecto,
aponta-se a profissionalização como único caminho para enfrentar problemas
14
sociais cada vez mais graves, que implicam dispendiosas e complexas soluções e
competitividade na busca de capital e parceiros.
Diante dessas premissas, o Instituto de Ecologia Humana foi selecionado
por representar na época uma multiplicidade de ações pioneiras tanto no âmbito do
empreendedorismo social como no que diz respeito à preocupação com o meio
ambiente.
No primeiro caso, o IEH, como é comumente chamado, levou para dentro da
Universidade Federal Rural de Pernambuco a idéia de se ter um núcleo que
pensasse de forma inovadora e influenciasse mudanças, no âmbito da formação do
pensamento universitário, no tocante a meio ambiente e aos conhecimentos
ecológicos.
Assinalava com isso que mecanismos novos poderiam ir aos poucos
quebrando as amarras do academicismo arcaico, ao mesmo tempo em que
chamava atenção para o isolamento das instituições de ensino superior, quase
sempre voltadas para um pensar acadêmico intramuros.
Nesse sentido, o IEH foi uma proposta audaciosa, ao nascer dentro de um
projeto de pesquisa que tinha como objetivo avaliar a estratégia da grande
açudagem no processo de fixação do homem na zona rural. Para tanto, trouxe a
discussão da dimensão social do conhecimento ecológico, dimensão essa
totalmente desconhecida ou relegada a segundo plano por aqueles que
desenvolviam pesquisas e/ou estudos sobre ecologia nas décadas de 70 e 80.
15
Paralelamente a isso, buscava entender a realidade a partir dos relatos da
população, somando a estes os conhecimentos sistematizados portados pelos
pesquisadores.
Desse modo, procurava unir o saber popular ao conhecimento produzido
dentro dos padrões metodológicos. O resultado foi a aproximação da instituição
universitária da realidade social onde estava inserida.
Indo mais além em sua caminhada, o IEH se propunha ao aprendizado
dentro da perspectiva interdisciplinar, ao reunir profissionais de diferentes
especializações, buscando compreender os processos. Rejeitados pela maioria
dos que faziam a casta da universidade, o IEH procurou apoio em organismos
internacionais.
A pesquisa mencionada teve apoio da UNESCO, dentro da proposta MAB
(Man and Biosphera), e em seguida da Fundação Ford, que durante 5 anos
incentivou e apoiou financeiramente, indicando inclusive o formato institucional
até hoje assumido. O Instituto de Ecologia consolidava-se como uma organização
não-governamental – ONG; portanto, não tinha mais lugar dentro do espaço
institucional onde nasceu. Porém, continuou o trabalho social de educação para e
com o meio ambiente, tônica que hoje faz parte do modismo e do novo paradigma
do processo de construção do conhecimento sobre meio ambiente.
Sem dúvida, o empreendedorismo social está presente em sua história.
Muitos do que ali passaram tiveram em sua formação aprendizados em situações
16
de desafios – o empreendimento para um novo conhecimento que só 10 anos
depois consegue ser o debate social e em 20 anos ainda busca como
caminhar dentro das instituições universitárias.
O presente trabalho procura verificar se a importância do empreendedorismo
social dentro da atuação das organizações não-governamentais, ao mesmo tempo
em que mostra como se forma o capital social e qual a importância da troca de
saberes na formação dos atores.
17
2 REFERÊNCIAS CONCEITUAIS
2.1 Terceiro Setor
O Terceiro Setor, termo de origem norte americana, representa a “ação de
agentes privados para fins públicos”. Para Fernandes (1994),
[...] é composto de organizações sem fins lucrativos, criadas e mantidas pela ênfase na participação voluntária, num âmbito não governamental, dando continuidade às práticas tradicionais da caridade, da filantropia e do mecenato e expandindo o seu sentido para outros domínios, graças, sobretudo, à incorporação do conceito de cidadania e de suas múltiplas manifestações na sociedade civil
Em Mendes (2000, p. 58) é descrito que “O termo ‘terceiro setor’ foi utilizado
pela primeira vez por pesquisadores nos Estados Unidos na década de 70, e a
partir da década de 80 passou a ser usado também pelos pesquisadores europeus”
Complementando o entendimento da expressão Terceiro Setor, cita-se
Fernandes (2001, p. 26): “Foi traduzida do inglês “third sector” e faz parte do
vocabulário corrente nos Estados Unidos. [...] Da Europa Continental vem o
predomínio da expressão Organizações Não-Governamentais (ONGs), cuja origem
está na nomenclatura do sistema de representações das Nações Unidas.
Pretende-se apresentar visões de diversos autores, que enalteçam os
aspectos positivos referentes à inovações, mas também outras abordagens que
consigam desmistificar e desconstruir discursos referentes ao Terceiro Setor.
Franco (1999), diferentemente de Rubem César Fernandes, enquadra como
18
Terceiro Setor organizações que não têm fins públicos. Além do que, questiona o
caráter dito público de muitas entidades. Apresenta as organizações e explica os
motivos pelos quais os fins podem não ser considerados públicos (exs.: partidos
políticos, instituições religiosas.). Afirma ainda “[...] que têm fins públicos aquelas
organizações do Terceiro Setor que produzem bens ou prestam serviços de
interesse público ou de interesse geral da sociedade”.
Franco (2002, p. 35) discorre sobre aspectos relevantes para proporcionar o
entendimento da expressão Terceiro Setor. Sobre a “sustentabilidade do terceiro
setor”, esse autor esclarece que deve ser entendida como “capacidade de
desenvolvimento dos entes e processos do terceiro setor”, e segundo nossa
avaliação, com muita propriedade, apresenta formas de como se devem processar
as interações entre “Estado, mercado e a nova sociedade civil”. Afirma ainda que a
“parceria intersetorial agrega valor ao que é ‘produzido pela organização’ – seja
produtos, idéias ou relações – e aumenta a sua capacidade de desenvolvimento”.
(FRANCO, 2000, p. 37).
No tópico “Um novo esquema classificatório para o Terceiro Setor”
(FRANCO, 2000, p. 51-53), há um louvável esforço para superar as extensas
discussões e até conflitos sobre a conceituação da expressão “terceiro setor”.
Mostraremos um resumo da classificação:
1) As organizações do terceiro setor, de caráter público, constituídas com base em
razões de sociedade (quer dizer, da nova sociedade civil): OSPU” ← S. [...] Como
exemplos desse tipo de organização podem ser citados: um grupo de defesa de
direitos, uma central de promoção do voluntariado, uma instituição microfinanceira,
19
uma organização da economia solidária”; uma ONG de conservação do meio
ambiente ou de promoção do desenvolvimento sustentável, uma ação de
cidadania contra a fome, um grupo de fiscalização de preços ou de orientação
social do mercado [...];
2) As organizações do terceiro setor, de caráter público, constituídas sob o influxo
ou razões de Estado: OSPU←E [...]. Aqui se enquadram, por exemplo, as
organizações suplementares ou complementares à ação do Estado, as prestadoras
de bens e serviços suplementares e complementares à ação do Estado [...] , por
exemplo: creches e outras associações, sociedades ou fundações de assistência
social, associações de agentes comunitários de saúde e outras organizações
promotoras da saúde básica ou da educação fundamental;
3) As organizações do terceiro setor, de caráter público, constituídas sob o influxo
de razões de mercado: OSPU←M [...]. Aqui se enquadram, por exemplo, os meios
sociais orgânicos pelos quais se exercem as ações de interesse público do
mercado, como, por exemplo, as fundações da filantropia empresarial e as demais
entidades criadas como instrumentos da responsabilidade social corporativa;
4) As organizações do terceiro setor, de caráter público, constituídas sob o influxo
de razões de Sociedade, porém intermediadas por outras organizações do terceiro
setor de caráter privado:
OSPU←OSPR. São os casos, por exemplo, de uma associação de apoio a
portadores do vírus HIV (uma OSPU), instituída e mantida por uma igreja (uma
OSPR); ou uma entidade de capacitação profissional (OSPU), promovida por um
sindicato (OSPR);
5) As organizações do terceiro setor, de caráter privado, constituídas sob o influxo
de razões de Mercado: OSPR←M. Por exemplo, uma associação de exportadores
20
ou uma associação de funcionários de uma empresa;
6) As organizações do terceiro setor, de caráter privado, constituídas sob o influxo
ou razões de sociedade: OSPR←S. Aqui entram, numa classificação de tipos
básicos, todas as demais organizações do terceiro setor que não se enquadram
nas cinco categorias anteriores.
Os esforços para se conceituar esse fenômeno abrangente, que é o Terceiro
Setor, sofrem reveses quando se observa a operacionalidade das organizações,
quanto à real possibilidade de se ter uma linha de conduta para executar os
projetos sociais, em função de certa dependência aos governos ou à iniciativa
privada, para se conseguir captar recursos.
As organizações que conseguem ter sustentabilidade nas suas ações
sociais, além de terem bem-definidas as suas missões, apresentam lideranças com
forte capacidade de empreender. O perfil desses empreendedores é composto de
comportamentos e atitudes que os diferenciam pela audácia e persistência ao
assumir posturas incomuns na sociedade, que precisam ser difundidas por aqueles
que almejam transformações sociais.
Com a crescente complexidade das relações políticas e sociais, no âmbito
global e local, em vista das transformações dos modelos tradicionais de interações
entre os setores da economia, há uma tendência crescente de geração de
conflitos. Estes só vão sendo superados à medida que haja uma superação de
uma lógica imediatista dos atores sociais, que desejam superar os “competitores”
21
para conseguir a realização de objetivos de curto prazo, com prejuízos para a
sociedade no médio e longo prazo.
As últimas décadas têm exigido das organizações sociais uma capacidade
sempre renovada de ousar. A demanda crescente de parcerias e recursos ilumina
a necessidade da criatividade social, como retalhar costumes e processos de
anteriores projetos sociais, mesclando com inovações, como também avaliar o
impacto do novo sobre os cidadãos e beneficiários.
Numa linha mais contundente para apresentar contradições, Montaño (2002)
explica as debilidades conceituais presentes nos estudos sobre o “Terceiro Setor”:
“O Terceiro Setor correspondendo à Sociedade Civil devia ser o 1º Setor”; “quais
as entidades que o compõem?”; “questiona a efetividade do “caráter não-
governamental”, “autogovernado” e “não-lucrativo”.
Montaño (2002) descreve...
os pressupostos e promessas no debate sobre o ‘Terceiro Setor’, defendendo fundamentalmente que em diversos conteúdos há uma mistificação da realidade que interessa ao capitalismo, no sentido de minorar a importância das classes sociais e seus respectivos conflitos.
Ainda numa linha crítica, Yazbek (2002, p. 277) “[...] propõe-se a examinar
algumas tensões e ambigüidades que perpassam [...] o acelerado crescimento do
Terceiro Setor na sociedade brasileira [...]. O questionamento central dessa autora
é que as atuações na esfera pública podem ocorrer de forma excessivamente
descentralizada, a partir do crescente incremento da capacidade de influência de
determinados atores privados. Yazbelk (2002, p. 281-2) expõe que no
22
neoliberalismo o “reconhecimento dos direitos sociais e de sua universalidade é
substituído nessa ótica pelo dever moral de atender à pobreza”. É demonstrado
repetidamente, como em vários outros autores, a intenção de limitar o escopo de
atuação, para a geração de impossibilidades de os indivíduos moldarem suas
autonomias.
Concluiremos com reflexões sobre as mudanças nas práticas adotadas na
Gestão do Terceiro Setor. Os gestores são exigidos para que efetivamente
aconteçam as novas práticas disseminadas, e se não as realizarem podem
inviabilizar suas organizações pelas descrenças que afloram.
Nesse campo de estudo, Mañas (2002) apresenta verdadeiros desafios, no
nosso entendimento, que precisam continuamente ser reforçados para os
indivíduos vinculados a empreendimentos sociais”, dos quais elegemos alguns
pontos centrais para analisar:
Se tantas coisas fogem à nossa compreensão, tendemos a permanecer com os nossos métodos habituais de raciocínio e também com nossa visão geral do mundo impregnado de ciência clássica. Isso convém para problemas de tamanho limitado, [...], mas eles se tornam inoperantes para as questões de tamanhos maiores que advêm da complexidade e não da complicação. Mañas (2002, p. 286).
As organizações sociais, ao se originarem da visão de empreendedores,
muitas vezes têm em suas histórias marcas de muitos combates, registrados
formalmente ou nas memórias afetivas, que seduzem para haver uma permanência
no enaltecimento do passado e as suas particularidades, o que pode obliterar a
necessária abertura para o que está por vir. A escuta ao novo precisa ser realizada
para haver uma interpretação crítica e não necessariamente para a aceitação do
23
que é professado. Existe, muitas vezes, a constatação de que alguns caminhos
não devem ser percorridos pelo antagonismo às crenças, pois efetivamente não há
desejos de flexibilizá-las.
“A proposta para a formação de organizações no Terceiro Setor é que elas
carreguem em suas entranhas a competência, o voluntarismo e a virtude pura”
(MAÑAS, 2002, p. 289).
Numa tradução subjetiva da idéia do autor, nos deteremos nos senões de
dois termos realçados. Primeiramente, a que competência pode estar se referindo.
A competência capitalista, por exemplo, tem repercussões contraditórias.
Implicitamente, há um risco de se atuar de forma similar, apenas com a diferença
de ser num menor espaço, mas com o mesmo exclusivismo. A busca do consenso
é o diferenciador que pode nortear as ações para haver a atenuação dos conflitos
de interesses. Quanto à virtude pura, a expressão transmite um sentido idealizado
de um homem substancialmente diferente. A eleição para atuar no Terceiro Setor
não santifica o indivíduo e não elimina o chamamento e mesmo a aceitação de
outras verdades relacionadas com as trajetórias pessoais.
Delineiam-se novas construções que exigem mudanças no âmbito de todas as organizações, [...]. Esse processo caminha para a consistência quando os sujeitos coletivos passam a articular soluções intersetoriais.A intervenção modifica a forma de agir e de resolver problemas. É essa ação que exige a articulação das pessoas e das organizações, em relação as seus saberes e experiências, estabelecendo um conjunto de relações, constituindo uma rede (MAÑAS, 2002, p. 291):
A noção de rede traz à tona polaridades quanto a sua difusão, com os
ganhos relativos à oportunidade de os indivíduos contribuírem em inúmeros
24
processos aos quais anteriormente tinham dificuldades de acesso. Some-se
também a vida enriquecida pela multiplicidade de informações e experiências,
constituídas pela aceleração do tempo. O que, porém, pode ser questionado é a
dimensão qualitativa, já combatida pelos críticos ao capitalismo. A inclusão pode
tender a não ser crítica. Os chamamentos múltiplos e os alcances das realizações
não profundamente mensurados podem apontar para investimentos com maior
custo de oportunidade.
O gestor do Terceiro Setor tem que criar capital organizacional [...] produzindo bens e conhecimentos sociais. Esse capital organizacional é resultado da administração de ritmos que permite ampliar o impulso no decorrer de um longo tempo, estimulando um número cada vez maior de pessoas melhores e que trabalhem em prol da melhoria de desempenho (MAÑAS, 2002, p. 299).
Captamos no texto a importância do gestor, muitas vezes confundindo-se
com o empreendedor, como detentor da responsabilidade de imprimir uma
intensidade nas intervenções, que faça com que os parceiros, num sentido amplo,
estejam plenamente vinculados aos objetivos consensuados. O esmorecimento de
empreendimentos sociais é oriundo do fato de ainda não se conseguir o sentimento
e a disponibilidade dos indivíduos para envolverem-se com o foco prioritário para
organizações do Terceiro Setor.
2.2 Organizações Não-Governamentais – ONGs
O termo ONG surgiu em documentos das Nações Unidas, no final da
década de 40. Em face da amplitude do tema, tentaremos focar no nosso trabalho
as mudanças que aconteceram numa entidade durante a década de 1990. Os
25
múltiplos caminhos seguidos pelas ONGs têm uma ligação dura com o perfil de
suas lideranças, que lhes dão uma cultura identitária.
Salomon & Anheier (1992 apud SCHERE-WARREN, 2001, p. 163) define as
ONGs como “[...] organizações que possuem algum grau de permanência
organizacional, são privadas, sem fins lucrativos ou sem distribuição de lucros,
para seus membros, autogovernadas e com algum grau de participação de
voluntários”. As ONGs como empreendedoras sociais desempenham diferentes
papéis. Cabe destacar as suas ações de controle social. A transparência das ações
dos atores sociais é cada vez mais exigida pelos possíveis parceiros. Noutro
contexto, as ONGs atuam como implementadoras de políticas públicas,
freqüentemente em parceria com o Estado. A problematização dos conflitos dessas
interações é essencial. Cada setor tem seus interesses relevantes, que são
majoritários em função do conjunto de forças que detêm.
Schere-Warren (2001, p. 167-169) apresenta os perfis ideológicos das
ONGs latino-americanas: “Neomarxista”, “Neo-anarquista”, “Teologia da
Libertação” e “Articulista”. A autora avalia que a Articulação é a ideologia mais
adequada ao momento histórico atual, permitindo, por meio de redes, incrementar
a cidadania, com o desenvolvimento local e regional. Apresenta ainda que o
desenvolvimento das redes permitirá a superação do grande desafio das ONGs de
ampliar seus trabalhos partindo do microsocial para uma atuação sistêmica global.
Gonh (2000, p. 55) estabelece que a “esfera básica de atuação das ONGs
26
sempre foi a sociedade civil”, e seus campos de atuação são: o “assistencialismo”,
o “desenvolvimentismo” e o “campo da cidadania”.
Numa visão reveladora de profundas críticas, Arantes (2000) amplia a
discussão sobre as ONGs, contextualizando as suas ações dentro do liberalismo
econômico. Alguns pontos centrais esclarecem sua visão. Os discursos, segundo
esse autor, que circulam nas ações do Terceiro Setor estabelecem a divulgação de
sentimentos altruístas para a sociedade. O linguajar ameniza o sofrimento dos
excluídos, oferecendo também como complemento vivências, como uma espécie
de lenitivo. A contínua repetição da existência de setores na economia, sem realçar
a complementaridade, ajuda as empresas e os governos a transferirem
responsabilidades para o Terceiro Setor, permitindo aos primeiros continuarem
vinculados, com toda energia, aos mecanismos que realizam a circulação do
capital e a institucionalização do poder.
A partir das observações de Arantes (2000), refletimos que, se o modelo
capitalista não tem opositores com relevância e aceita e realiza uma maciça
divulgação do Terceiro Setor, é natural a compreensão de que atende aos
interesses de ampliação de mercado e minimização das resistências dos menos
favorecidos. Demonstra o autor em referência que a história revela que os
dominadores cedem espaços políticos e os divulgam em seus discursos, de uma
forma cuidadosa, atendendo a seus interesses de permanência no poder. Em
certas circunstâncias, não se faz necessário inventar apologias e utopias pela
avaliação de que se tem a força política e militar para abafar qualquer resistência.
27
As linhas teóricas dos autores citados, ao estarem envolvidas em
perspectivas de análises contraditórias sobre os conteúdos abordados, mostram
que teremos a tendência em nosso estudo de verificar componentes que
corroborem realidades parciais do que foi apresentado. O estudo sobre o Terceiro
Setor e as organizações que o compõem ainda é marcado por profundas
inconsistências, que não favorecem a consolidação dos entendimentos.
Um elemento de dificuldade para as práticas das ONGs é a resistência para
a incorporação de uma cultura política, em que os atores sociais procurem ser
sujeitos coletivos, respeitando as diversidades. Os cidadãos que ascendem
socialmente se incorporam ao modelo social vigente e se afastam dos interesses
de mobilização de solidariedades que revertam o dramático quadro social
brasileiro.
Ao longo das décadas, a partir de 1960, as ONGs brasileiras modificaram as
suas formas de atuação e suas matrizes ideológicas. Inicialmente, em função do
período de dominação dos militares predominavam instituições ligadas à esquerda
e religiosas. Posteriormente, adentraram novos espaços, como o ambiental.
Mendes (1997 apud COELHO, 2000) aponta as mudanças contemporâneas
acontecidas nas ONGs no final da década de 80, início de 90. Para realizar seus
objetivos, essas ONGs dependem da captação de recursos internacionais ou de
repasses governamentais. Ao transferir recursos, as agências internacionais
realizam análises sobre o perfil da instituição. Os critérios levam em conta se a
organização tem experiências bem-sucedidas na área onde pretende realizar
28
ações sociais. São também avaliadas a gestão das entidades, em critérios como
qualidade, eficiência, eficácia, efetividade.
Nessa nova lógica, tornam-se mais efetivo os controles e minimizam-se as
possibilidades de as organizações terem interesses contrários aos princípios
hegemônicos. O equilíbrio entre uma administração profissional e a liberdade de
ação é mais conflituoso do que querem deixar parecer alguns autores, quando
defendem o aperfeiçoamento da gestão.
As ONGs apresentam novas perspectivas nas relações de trabalho não
muito comuns no Estado e no mercado. Nas experiências laborais, podem-se fazer
escolhas profissionais e se agregar a determinados valores. Antigas reivindicações
de que os trabalhadores não criam identidade com o mundo do trabalho, por ser
exigido em atividades opressivas e não motivadoras, podem ser minoradas.
Uma dificuldade para se avaliar o perfil político que norteia as ações das
ONGs é que existem mecanismos para afastá-las dos valores teóricos adequados
ao seu modelo organizacional. O jogo de forças pende para atender aos interesses
das empresas e dos governos. É muito importante verificar que existem lideranças
e participantes que se aproximam das organizações do Terceiro Setor com
intenções individualistas camufladas e dirigidas a um fim específico não-coletivo.
Ao longo do tempo, houve mudança de valores. No tempo da ditadura
militar, pós-64 os movimentos sociais eram abafados, surgindo as ONGs como um
dos poucos canais que articulavam sorrateiramente transformações sociais. Os
29
exilados conseguiam realizar contatos com seus parentes e amigos por intermédio
de agências internacionais financiadoras dessas organizações.
Um dos parâmetros para compreender o papel das ONGs é fazer distinções
com os Movimentos Sociais. Estes buscam lutar para a resolução de problemas de
que são vítimas, repercutindo na maior radicalidade das posições, enquanto as
organizações têm predominantemente funções mais técnicas, como conscientizar e
apresentar estratégias para que haja inovações que proporcionem inclusão social
ou melhoria da qualidade de vida. O que se revela a partir dessa comparação é um
distanciamento evolutivo das intenções. O grande público tem uma interpretação
equivocada, entendendo como próximos os objetivos. As ações que as
organizações implementam, muitas vezes moldadas em projetos, têm como
principal e instigante desafio gerar nos seus públicos uma filiação plena com as
propostas, superando a tendência de passividade de muitas comunidades.
No aprofundamento da compreensão da estrutura e funcionalidade das
ONGs, ressaltam-se alguns entendimentos: - o desempenho pode ser
incrementado pela agregação dos trabalhadores envolvidos como parceiros. As
atitudes das lideranças de tratá-los como empregados de uma pequena empresa,
com rigidez burocrática, não é propício para vencer os desafios apresentados; -
inúmeros são os espaços sociais a serem preenchidos em conjunto com outros
atores, como os conselhos governamentais, a mídia, os fóruns e seminários.
Os governos têm agendas estabelecidas com sua base partidária, que os
impedem muitas vezes de realizar mudanças conjunturais e estruturais. Um espaço
30
para ONGs é trazer idéias e ações novas, não ficando atreladas a compromissos
que as impeçam de serem flexíveis e inovadoras.
As ONGs terão seus espaços de atuação ampliados se os seus dirigentes
conseguirem verificar as oportunidades provenientes dos espaços não ocupados
pelo mercado e pelo governo. Entre as utopias proclamadas por essas
organizações, encontra-se a influência na governabilidade global, o que exige uma
rede de informações e fortes parcerias, para perceber a dinâmica das intervenções
em distintos ambientes a fim de se fazer a adequação dos projetos.
É complexo entender o que move determinadas pessoas a terem um perfil
diferenciado e ir contra o estabelecido hegemonicamente na sociedade, ao
procurar realizar transformações sociais. Só com solidariedade e muita
perseverança, os indivíduos que pretendem se filiar às lutas sociais conseguem se
transformar em empreendedores sociais.
2.2.1 As Organizações Não-Governamentais e o Meio Ambiente
As experiências das ONGs vinculadas a ações de transformações do meio
ambiente precisam ser iniciadas e fortalecidas com a consciência dos
empreendedores e parceiros de que o envolvimento com questões ambientais
obriga a adoção de um padrão de idéias e ações éticas e consistentes a fim de
alcançar com sustentabilidade seus objetivos.
31
As imagens institucionais são um dos pontos relevantes para os
empreendedores sociais realizarem uma gestão eficiente das organizações, com o
objetivo de divulgar com ênfase as ações implementadas, na intenção de que estas
causem impacto na sociedade. Nesse contexto, é muito significativo realçar os
motivos pelos quais os empreendedores sociais implementam ONGs
ambientalistas.
A escolha desses atores sociais precisa ter componentes racionais
conjugados a um idealismo que transforme o empreendimento em um projeto de
vida, implicando um profundo envolvimento a programas e projetos que
efetivamente realizem transformações sociais.
Uma abertura à confrontação das verdades estabelecidas é uma humildade
exigida para a sustentabilidade das organizações. Existe uma dimensão subjetiva
na capacidade de empreender que não é representada fundamentalmente pelo
quantitativo de conhecimentos, mas tem relações com a formação de
sensibilidades, que se apóiam nas trocas reais e simbólicas dos indivíduos.
Ao confrontarem suas experiências positivas ou negativas, empreendedores
adquirem referências para transformar seus sonhos e desejos em projetos
pragmáticos. O intercâmbio nutre as ONGs de possibilidades de iniciativas, com a
vantagem de poupar recursos e tempo. Ao adquirir confiança por vencer desafios,
os limites das aspirações vão-se ampliando, e ousa-se em realizações
consideradas anteriormente inatingíveis.
32
Entendemos o comportamento dos ambientalistas como proveniente de uma
forte perseverança. Born (2003, p. 108) relata que o “[...] movimento ambientalista
não é monolítico”, do que emergimos o raciocínio que as posições ideológicas não
são constantes, existem trocas entre ideais e interesses pressionando a prática dos
empreendedores, que fazem com que eles amesquinhem ou engrandeçam seus
objetivos.
Com as mutações do capitalismo, num crescente de complexidade
privilegiando os esforços para a acumulação de capital, é extremamente desafiador
perseguir objetivos ambientalistas.
A proliferação de informações e a exigência de sofisticados conhecimentos
no modelo capitalista propagam, naqueles que pretendem realizar
questionamentos ao sistema, uma sensação de despreparo e insegurança para
defender com ênfase os seus propósitos.
Os representantes mais importantes das instituições capitalistas conseguem,
dentro dos jogos de poder, tornar hegemônica as suas idéias, realizando
mudanças sociais e econômicas que atendam às mais excêntricas ambições.
Como contrapartida, os indivíduos ligados a organizações que não têm seus
ideais, e mesmo utopias maciçamente reconhecidas pela sociedade, devem
procurar entender os mecanismos capitalistas e não somente criticá-los e manter
distância, mas principalmente encontrar brechas para mudar as escalas de
33
prioridade nos diversos âmbitos sociais. O vetor essencial das transformações ao
longo da história é o processo educacional nas suas infinitas modalidades.
A atenção com os efeitos, nocivos ao ser humano, das agressões ao meio
ambiente é um dos pressupostos que dão materialidade a uma visão de mundo
que provoca o engajamento de muitos novos adeptos às causas ambientais. O
encaminhamento para se atingir esse ideal parte do contínuo estímulo ao grande
público, por intermédio dos indivíduos convencidos da importância da melhoria das
condições de sobrevivências das populações.
Uma das mais importantes missões das ONGs ambientalistas é fazer com
que as comunidades humanas respeitem a natureza, apresentando alternativas
criativas e inovadoras que repercutam na consciência dos indivíduos pertencentes
a seus públicos-alvo.O esforço de mobilizar grupos sociais, para que se afastem da
inércia social e se desprendam parcialmente dos seus interesses pessoais, exige
extrema habilidade.
O enorme desafio do presente e para o futuro é a ressignificação das
relações humanas. Os inúmeros preconceitos gerados por idolatrias geram
discriminações de todas as ordens: aos velhos, aos negros, às mulheres, aos
povos das nações não-desenvolvidas. Entraves para desabrochar culturas
fortalecidas quanto ao respeito entre seres humanos e destes com a natureza
podem ser compreendidos e superados.
O quadro social e econômico de extrema carência em muitos espaços faz
34
com que as pessoas só consigam dirigir seus esforços para uma sobrevivência
precária. As questões de relevância são administradas por uma elite, que
encaminha prioritariamente os recursos governamentais e privados para questões
restritas a interesses particulares.
Nos primórdios da humanidade, as mudanças importantes para a existência
dos seres humanos eram realizadas em espaços temporais extremamente longos.
No século passado e nas últimas décadas, houve um aceleramento das mudanças,
o que não permitiu uma adaptação do ser humano a fim de reformular sua
existência para as cambiantes e radicais inovações, que alteraram a convivência
social e as conformações do mundo do trabalho.
As repercussões dos efeitos da ação humana no meio ambiente
apresentam-se compostas de alienações e irracionalidades. Atores sociais
carentes de recursos econômicos e infornacionais não têm a capacidade de
realizar análises críticas, agindo economicamente e socialmente sem avaliar os
efeitos no ambiente dos seus modos de vida cotidianos. E, o que é mais grave, são
dependentes dos desejos e intenções de uma minoria articulada e poderosa em
recursos econômicos, que tradicionalmente atuam considerando uma ética em que
predomina o individualismo competitivo e predatório para a sociedade.
Uma mudança cultural importante, para que as demandas ambientais
ganhem relevância, pode ser processada pelas ONGs ligadas ao movimento
ambientalista, ao realizarem programas, que além de atender carências
emergenciais, tenham perspectivas de longo prazo. Nesse campo, está a luta
35
antiga dos ambientalistas para mensurar as externalidades das atividades
econômicas.
Nas diversas regiões ao redor do mundo, existem condições de
sobrevivência distintas, em relação a condições climáticas, formação educacional e
cultural, religiões, etc., sendo trabalho primordial das ONGs a transmissão e
consolidação de novos procedimentos operacionais, como a formação de redes.
As ONGs ambientalistas terão maiores possibilidades de serem profícuas
em suas realizações se os seus líderes tiverem perfis de empreendedores sociais.
Vemos muitas vezes organizações do Terceiro Setor enfraquecerem-se, quando do
aparecimento de dificuldades, ao contrariarem comportamentos já arraigados na
sociedade capitalista, da instrumentalização das relações. Na implementação de
ações, só um compromisso firme dos participantes consegue provocar a
permanência do empreendimento social, mesmo que a custa de pequenas
flexibilizações conjunturais.
A questão ambientalista não pode ser uma trincheira de poucos indivíduos,
carece, já de algum tempo, da necessidade de ser uma proposta universal,
distribuindo o seu enfrentamento por múltiplos atores sociais. Delineia-se pela
educação o oferecimento de novos caminhos. Mister é gestar novos
comportamentos que permitam uma desaleração do ritmo, para proporcionar
verdadeiros encontros das pessoas na vida cotidiana.
36
Os processos educativos formais e informais podem auxiliar integrações
para consolidar sentimentos e ações, em prol de mudanças de realidades
ambientais. Nessa linha, o oferecimento do lúdico e da arte ganha relevo, por
estimular formas de expressão estéticas, voluntárias e criativas. A expressão livre
leva ao comprometimento e à assunção de responsabilidades. No entanto,
precisam ser robustecidos por amplas discussões para a consecução de
consensos amplamente apoiados. Enriquecer as interações pedagógicas pela
multidisciplinaridade amplia a geração e o alcance dos conhecimentos.Essencial
também é a construção, por indivíduos e por representantes de instituições, de
comportamentos radicalmente contrários aos que vêm predominando, substituindo-
os pela ética, solidariedade, dignidade e autonomia, entre outros.
Com o acúmulo de experiências, há uma sedimentação de histórias de vidas
atadas ao enfrentamento dos problemas do meio ambiente. Da mesma forma que
os detentores do capital articulam redes entrelaçadas de contatos para acumular o
capital, as comunidades precisam também fiar as suas articulações não só como
contraponto, mas também pelo reconhecimento da essencialidade desse
comportamento.
A conquista de adeptos para o envolvimento militante com questões relativas
à ecologia deve ser encarada sob uma ótica substantiva, para não sucumbir diante
de fenômenos como os ciclos econômicos, que influenciam na definição dos
interesses que movem as sociedades ao longo da história. A sensibilização para
um apoio passivo é uma situação mais comum.
37
As ONGs precisam ter forças para formatar, a médio e longo prazo, um
convencimento da sociedade civil de que as conseqüências das agressões
ambientais, para serem superadas, precisam dos esforços e conhecimentos de
todos os segmentos sociais. Embora parecendo utópico, empresas, governos e
ambientalistas tendem a evoluir nos seus relacionamentos constituídos por
confrontos, para implementar cooperações e reciprocidades.
As organizações são montadas por diferentes razões, mas asseguram suas
permanências numa prática fértil de realizações, quando conseguem eliminar
preconceitos e deixar florescer um mosaico de intenções e realizações.
Existem entraves para o desabrochar de uma cultura fortalecida quanto ao
respeito entre seres humanos e destes com natureza. Na sociedade brasileira, por
exemplo, há antagonismos entre os interesses dos trabalhadores do campo e os
proprietários de terra e entre os primeiros e a agricultura de negócios.
Vigoram, infelizmente, vontades de destruição dos opositores, reforçadas
por efetivas ações, sem haver a necessária abertura para diálogos, que podem
revelar possibilidades de contato entre os interesses.
Fazendo uma analogia com o aumento acelerado da violência nas cidades,
percebemos que as pessoas estão em sua maioria inertes quanto à busca de
soluções, encarando como se os problemas fossem apenas dos agredidos. Esse
comportamento, entre outros fatores, é originado pela banalização da divulgação
dos fatos violentos em suas diversas vertentes, como guerras, terrorismos e
38
crimes. Na mesma direção, os meios de comunicação, orientados por uma razão
instrumental tentam ecoar que existe alarde quanto ao potencial de degradação da
natureza existente. Faz-se urgente que cada indivíduo, sensibilizado e detentor de
conhecimentos relativos ao meio ambiente, atue como militante numa ação
proselitista, a fim de divulgar saberes que proporcionem escalas de transformação
social: local, regional e mesmo universal.
A preservação da espécie humana e da natureza clama por novos
paradigmas que minimizem as agressões voluntárias e involuntárias, podendo até
ser compostos de conflitos, no intuito de que sejam brotados desvelamentos e
revelações, que ofereçam perspectivas otimistas de qualidade de vida para as
gerações futuras. Nesse sentido, a ONG escolhida tem empreendido a nova
compreensão das relações Sociedade e Natureza.
2.3 Empreendedorismo Social
Empreendedorismo: “neologismo derivado da livre tradução da palavra
entrepreneurship, sendo utilizado para designar os estudos relativos ao
empreendedor, seu perfil, suas origens, seu sistema de atividades, seu universo de
atuação” (MELO NETO e FROES, 2002, p. 6).
Nas últimas décadas, o tema Empreendedorismo vem ampliando sua
relevância em função de fenômenos sociais, econômicos e políticos, que exigem
transformações dos indivíduos e das instituições, tais como: “o declínio dos níveis
39
de emprego e a apologia do auto-emprego” [...]; “o aprofundamento do processo de
globalização e o acirramento da competição capitalista, motivando a busca por
inovações contínuas e por novas oportunidades [...]; ”o avanço na organização da
sociedade civil e a maior pressão pelo “empoderamento” de segmentos sociais
excluídos e regiões marginalizadas [...]” (ALBAGLI & MACIEL, 2002, p. 2).
As teorias atuais de Empreendedorismo, segundo Dees (1998), embora
privilegiem as análises das práticas de indivíduos no âmbito do mercado,
geradoras dos denominados Empreendedores Privados, também podem ser
referências para o campo de estudo que enfocamos em nosso trabalho, o
Empreendedorismo Social.
Consiste o Empreendedorismo Social no redesenho das relações entre
comunidade, governo e setor privado, como mostra Melo Neto e Froes (2002, p.
16) no quadro abaixo:
NO PARADIGMA 1. ações transformadoras são desenvolvidas por uma rede de
empreendedores sociais 2. a comunidade atua como protagonista das ações transformadoras 3. o foco das ações transformadoras são as comunidades menos
privilegiadas 4. há a geração de “fórmulas de empoderamento” 5. busca de novos caminhos no combate à pobreza e à degradação
humana e ambiental 6. ações transformadoras objetivam a promoção da equidade social,
cultural, econômica e ambiental 7. são utilizados os conceitos-base de empreendedorismo social e de
“desenvolvimento sustentável”
Quadro 1 – Novo paradigma de relações comunidade-governo-empresas
40
A efetivação do Empreendedorismo Social acontece pela práxis dos
Empreendedores Sociais, que, segundo Dees (1998):
[...] têm o papel de agentes de mudanças no setor social, por: Adotar uma missão de gerar e manter valor social (não apenas valor privado); Reconhecer e buscar implacavelmente novas oportunidades para servir a tal missão; Engajar-se num processo de inovação e aprendizado contínuo. Agir arrojadamente sem se limitar pelos recursos disponíveis; Exibir um elevado senso de transparência para com seus parceiros e público e pelos resultados gerados.
Merece realce a figura do Empreendedor Social. Por estar interessado em
realizar transformações sociais precisa, estar enlaçado fortemente com seu
empreendimento. As transferências de informações e conhecimentos, para
indivíduos apartados socialmente, não são efetivamente realizadas se forem
implementadas por atores sociais que não têm firmado como crença substancial a
possibilidade de mudanças das ações solidárias. Ao apontar dificuldades para
implementação de projetos sociais, não nos direcionamos para registrar
impossibilidades. A ação social é profundamente dialética e abarca as inúmeras
contradições existentes nas interações humanas, superando muitas vezes
dificuldades aparentemente intransponíveis.
Os Empreendedores Sociais precisam refletir sobre a pertinência de
suas intenções e das possibilidades reais de alcançá-las. Por estarem vinculados a
uma ação política não-hegemônica, os olhares críticos da Sociedade, tanto dos
beneficiários quanto das lideranças empresariais e do governo, estão atentos.
41
A organização ASHOKA, uma “organização internacional, sem fins lucrativos
internacional apresenta, em seu site – www.ashoka.org.br, texto referente “às
características de um empreendedor social inovador”. A ASHOKA identifica o
empreendedor como o cidadão que tenha trabalhos sociais relevantes, no intuito
de premiar e incentivar suas ações sociais. Para ela, o empreendedor se
caracteriza por:
Uma idéia nova – a pessoa é inspirada por uma idéia verdadeiramente
nova para resolver um problema social;
Criatividade – a pessoa é criativa tanto em sua visão como na definição de
objetivos e na solução de problemas. Ela está determinada a continuar
trazendo contribuições criativas, além dessa idéia, ao longo de sua vida;
Personalidade empreendedora – é impossível para essa pessoa
descansar até que sua visão se torne um novo modelo para a sociedade,
mesmo que isso envolva anos de incansáveis lutas para superar uma
miríade de questões do tipo “como fazer“;
Impacto social – a nova idéia, uma vez demonstrada, é prática e útil o
suficiente para que outros a adotem. Quantas pessoas serão beneficiadas
por essa idéia? Em que grau e em que medida elas serão beneficiadas?;
Fibra ética – se você estivesse em perigo, confiaria instintivamente nessa
pessoa? Confiaria nela publicamente?.
42
Um melhor entendimento da abrangência do que é Empreendedorismo
Social pode ser esclarecido pela diferenciação com a abordagem da
Responsabilidade Social. Esta se constitui, fundamentalmente, nas ações sociais
das empresas, que, tendo seus fins próprios e o lucro com meta essencial,
encaram a atividade no campo social como subsidiária. O Empreendedorismo
Social caracteriza-se por iniciativas da Sociedade Civil, que buscam captar
parcerias com o Mercado e o Estado, tendo como finalidade essencial o social. O
desempenho nesse segmento é medido pelo impacto social, ou seja, as
transformações sociais proporcionadas pela implementação de programas e
projetos.
Os autores Melo Neto & Froes (2002) fazem uma distinção entre “gestão
empreendedora do social” e “gestão do empreendedorismo social”. Relatam que a
primeira gestão citada está relacionada com a atuação social das empresas, por
meio de programas e projetos pertinentes à Responsabilidade Social. A gestão do
empreendedorismo tem o social como seu principal vetor e é desenvolvida pela
Sociedade Civil.
Ampliando o entendimento, Melo Neto & Froes (2002) afirmam que o
paradigma do empreendedorismo social objetiva, portanto, transformar a realidade
social com base nos seguintes pressupostos fundamentais:
• reflexão nas comunidades;
• criação e desenvolvimento de soluções antes impossíveis de inserção social
em seu sentido mais amplo;
• existência do exercício pleno da cidadania;
43
• enfoque da sociedade em termos de geração de renda, produtividade, justiça
social e ética;
• estabelecimento de novas parcerias, com total integração entre governo,
comunidade e setor privado;
• foco na melhoria da qualidade de vida dos atores sociais;
• reversão do distanciamento entre economia, sociedade e ética;
• incremento de práticas sociais empreendedoras e de reforço da solidariedade
social local.
O Empreendedorismo Social tem que combater a prática mais comum, que
de tantas vezes repetida se torna de difícil superação, de que as Comunidades
precisam ser apenas cientificamente entendidas e dominadas, para, a partir de um
inventário com uma visão particularista, serem apontadas e implementadas
soluções para as libertarem de suas carências.
O Empreendedorismo Social tem vinculação com a transformação dos
excluídos sociais em cidadãos. A base territorial da atuação dos empreendedores é
as Comunidades. Estas têm as mais variadas dimensões, e há muitas influências
entre as distintas comunidades oriunda da formação de redes sociais.
Analisando as ações de empreendedorismo social relativas ao meio
ambiente, pode-se observar que estudiosos e militantes afirmam que a lógica
capitalista busca continuamente expandir os modos de produção e, por isso, tenta
se sobrepor às ações dos ambientalistas, em face de que a aceitação das
44
proposições implica aumentos de custos e por conseqüência diminuição dos
lucros.
O poder capitalista sobre as questões ambientais realiza-se pelo poder
econômico das grandes empresas e dos países desenvolvidos, ao realizar a
transferência espacial da degradação ambiental.
No aprofundamento das questões ambientais, o caminho quase sempre
tortuoso a ser seguido exige diálogos múltiplos com outros temas cruciais da
sociedade brasileira. As informações recebidas pela população brasileira,
transmitidas por canais de comunicação com controle multinacional, divulgam
realidades ambientais não inerentes ao nosso espaço geográfico.
O enfrentamento das questões ambientais inicia-se pelo entendimento de
que as modificações estruturais das grandes cidades devem ter atenção especial,
pois nesse meio vive a grande maioria da população.
Os dirigentes políticos e os que fazem projetos relacionados ao meio
ambiente, para realizar suas intervenções, devem se munir de informações e de
corpo técnico de diversos campos profissionais.A ampliação da Cidadania
Ambiental só pode ser realizada com a discussão, avaliação e propostas de
soluções em assuntos os mais variados e complexos, como: violência, trabalho
infantil, poluição, utilização de águas, política habitacional, educação pública etc.
45
Em toda essa variabilidade de enfrentamentos para se modificar o
panorama vigente de agressão ambiental, agrega-se a necessidade de superação
de comportamentos históricos que provocam a exclusão social no Brasil. Ter uma
visão pragmática de que não incorporar, social e economicamente, um número
relevante de brasileiros gera uma incapacidade de concorrência diante de países
que já superaram as desigualdades sociais ainda existentes no Brasil.
A dimensão ética nas interações econômicas, políticas e sociais está
progressivamente comprometida e se constitui tema de múltiplos debates ao redor
do mundo. A ampliação, com a globalização das últimas décadas, do porte das
corporações e dos valores envolvidos, gera situações que penalizam com maior
ênfase as sociedades dos países subdesenvolvidos, e quase sempre são
propostas soluções que se mostram paliativas.
No entanto, as experiências progridem após discussões e conflitos que, em
momentos posteriores, delineiam consensos. Nos relacionamentos mornos, de
poucas e centralizadas expressões de vontades, as soluções para os problemas
sociais não retêm o apoio necessário para serem efetivamente implementadas.
As realidades sociais das vidas dos excluídos são os roteiros que os
empreendedores sociais tentam modificar, dentro das condicionantes
estabelecidas pelo sistema econômico. A exaltação do pragmatismo pode inibi-los
e, como conseqüência, afastá-los do envolvimento em atividades que busquem
emancipação.
46
As classes populares tradicionalmente não são escutadas, o que faz com
que, nas experiências articuladas por empreendedores, sintam necessidade de
extravasar suas emoções, inclusive modificando o ritmo dos encaminhamentos das
decisões. Como em outros segmentos, quando se está focado em valores sociais
substantivos, aceitam-se perdas, que geralmente são correções de rumos, para
haver possibilidades de se atingir os resultados esperados.
Pereira (2001, p. 150) enuncia o termo Comunidade com diferentes
traduções. Destacamos a variante que qualifica esse termo como:
“processualidade permanente, produção e decomposição de novas ordens, de puro
caos, de novos encontros entre as pessoas, idéias, projetos, desejos, onde persiste
a multiplicidade, a singularidade e a articulação entre o todo e a exceção”.
O trabalho comunitário é apresentado por Pereira (2001, p. 155) dentro de
três “concepções”:
A partir de um marco teórico-ideológico-político conservador a metodologia de trabalho comunitário é concebida como um instrumento idôneo para canalizar determinadas inquietudes das classes sociais oprimidas[...]; Para um marco teórico reformista-desenvolvimentista, a metodologia do trabalho comunitário se concebe como um processo de mobilização das pessoas com a finalidade de obter os bens e recursos para melhorar a situação social, econômica e cultural; A partir da concepção teórica revolucionária-socialista o processo de participação que promove a metodologia de trabalho comunitário aponta a organização popular para criar em torno dela mesma seu próprio poder e saber visando à autogestão da comunidade.
Entendemos como denso e verossímil o entendimento de Pereira (2001) e
completamos que essa complexa relatividade pode proporcionar inércias,
47
exemplificadas pelos bolsões de pobreza e miséria em todo o mundo.
Contraditoriamente, abnegações e solidariedades arraigadas, individuais e
coletivas, conseguem rasgar o véu da imobilidade, proporcionando melhorias nas
condições de vida das Comunidades.
No desenvolvimento de trabalhos em comunidades, há a necessidade de o
empreendedor ter uma forte convicção de sua capacidade de instigar
transformações sociais. Os indivíduos têm experiências, na maioria das vezes, de
terem participado de iniciativas sociais, por parte dos governos e da sociedade
civil, que não deram resultados com sustentabilidade. O entorno das Comunidades
apresenta carências materiais, que fortalecem nas pessoas o sentimento da
impossibilidade de mudança social.
O Empreendedor Social tem de superar a tendência de homogeneizar a sua
visão sobre as Comunidades nas quais realiza intervenções sociais. Nesses locais,
existem Pedros, Antônios e Joãos e não apenas os “habitantes do semi-árido”. Não
se pode apresentar receita definitiva para as intervenções. O empreendedor
precisa acompanhar a problemática gerada a partir de sua prática, tendo um
pensamento dialético que ampare suas escolhas.
A superação mais significativa nos processos de desenvolvimento
comunitário é a da ideologia de apenas se transferir conhecimentos ou verdades
estabelecidas. Os atores sociais estão aprendendo conjuntamente. O pressuposto
é que a realidade tem uma complexidade que exige compartilhamento de
experiências.
48
Contextualizando esse raciocínio pós-década de 1980, com a alteração do
comportamento político dos dirigentes, principalmente nos países
subdesenvolvidos, no sentido de diminuírem os mecanismos de atenuação dos
males provocados pelo mercado, reforça-se a necessidade de as ações sociais
serem realizadas de forma mais autônoma e criativa pelos empreendedores
sociais.
O comportamento político predominante na formação histórica brasileira,
oriundo das elites, é a busca da dominação pela concentração de poder, que
aparta as populações do exercício de uma efetiva cidadania. Restringir os
assistidos a suas insignificâncias faz parte do processo de se neutralizar
confrontos.
Os conjuntos de ações de empreendedorismo social, aliados a outras
tecnologias sociais, influenciam para uma construção gradual de uma nova visão
de desenvolvimento.
Neste contexto aparecem a prática e os respectivos esclarecimentos
conceituais da tipificação Desenvolvimento Local. Buarque (2002, p. 25) o
conceitua como “um processo endógeno de mudança, que leva ao dinamismoo
econômico e a melhoria da qualidade de vida da população em pequenas unidades
territoriais e agrupamentos humanos”.
49
Em inúmeros documentos ligados à temática meio ambiente, aparece o
termo Desenvolvimento Sustentável, com um sentido quase sempre de um
caminho ideal, apresentado como produto da realização desse modelo de
desenvolvimento, a diminuição da degradação ambiental e pela melhor qualidade
de vida das gerações futuras.
Penetrando em possíveis contradições, vemos que a economia globalizada
vem acompanhada de uma lógica que beneficia os atores sociais mais poderosos.
Nesse contexto, haverá ilimitadas dificuldades para se interpor nas atividades
econômicas medidas que sejam avaliadas como modificadoras do comportamento
alienado a inúmeros aspectos humanitários.
Entende-se aqui que a completude da aplicação do Desenvolvimento
Sustentável, como a realização de outras aspirações idealizadas por políticos e
intelectuais, tem que atravessar uma área movediça. Consistindo em contrariar o
processo histórico que evidencia a não-permanência de determinadas agendas,
quando se realiza a transposição de se pertencer à oposição política para exercer
algum nível de poder institucional.
Ao pesquisar sobre Empreendedorismo Social, identifica-se a multiplicação e
diversificação de experiências que proporcionam diminuição das desigualdades e,
por conseqüência, inclusões sociais. Melo Neto e Froes (2002, p. 4-5) caracterizam
essa nova realidade como construtora de um novo modelo de desenvolvimento
social com as seguintes características:
50
desenvolvimento de dentro para fora, onde o foco é o indivíduo, seu valor e
sua capacidade para inovar, transformar e empreender;
b) desenvolvimento de baixo para cima a partir da mobilização das pessoas
que vivem numa comunidade;
c) tem como referência os potenciais inerentes a cada pessoa e
comunidade, grupo humano ou nação;
d) é centrada nas pessoas e nos grupos sociais e os vê como os únicos
sujeitos legítimos do desenvolvimento;
e) baseia-se nos valores da cooperação, da partilha, da reciprocidade, da
complementaridade e da solidariedade;
f) seus principais ativos são as qualidades humanas e os recursos materiais
e naturais disponíveis na região.
Melo Neto e Froes (2002) tipifica esse modelo de desenvolvimento como:
comunitário, sustentado e integrado. Sua natureza comunitária decorre do foco na comunidade, em sua capacitação, “empoderamento”, mobilização e conscientização. Sustentado porque seu objetivo é dar autonomia às pessoas, grupos e comunidades para agir em seu próprio benefício, tornando-os independentes e auto-suficientes. Integrado por se desenvolver sob a forma de redes de cooperação entre diversos agentes – governo local, empresas e organizações sociais.
Para tornar mais claros os conceitos apresentados, foram escolhidas duas
experiências de Empreendedorismo Social, contidas no livro “Empreendedores
sociais em ação – Apêndice 1”.
O posicionamento da experiência comunitária de ecoturismo na Amazônia
51
brasileira cujo posicionamento pode ser identificado no resumo a seguir:
Na contramão do processo de devastação dos recursos naturais da Amazônia, nasceu a Associação de Silves para a Preservação Ambiental e Cultural (ASPAC). Silves é uma ilha a 300 quilômetros de Manaus, cortada pelo rio Urubu e pelo lago Canaçari. Fundado no século XVI pelas missões da Igreja Católica, o município tem ares de colônia portuguesa. Cercada por pequenas montanhas, a pacata cidadezinha tem uma única estrada, que ainda é de terra, e sua população usa pequenas embarcações como principal meio de transporte. O desemprego ameaça a sobrevivência dos cerca de 8 mil habitantes, que se dividem entre as zonas urbana e rural. Há 20 anos, a comunidade de Silves vem buscando meios para a defesa de seus recursos. A pressão da comunidade contra a pesca predatória resultou na criação de uma Reserva municipal de proteção Ambiental, que possibilitou o zoneamento e o controle dos lagos. Apesar de oficialmente protegida, a reserva não conta com verbas governamentais para sua proteção e manejo.
Em busca de sustentabilidade para suas ações de conservação, assim como para a valorização da cultura ribeirinha, a ASPAC desenvolveu um projeto comunitário de ecoturismo. Durante as várias fases do progra, mas foi implantada a infra-estrutura básica de hotelaria, a comunidade recebeu treinamento para sua operação e foram desenvolvidos roteiros turísticos educativos de caráter ambiental, possibilitando o convívio dos ecoturistas com as populações tradicionais” (ALLOGGIO, TIBÉRIO, cap III, p. 245).
A segunda experiência diz respeito à saúde, que é o “Projeto Saúde e
Alegria: uma experiência comunitária na Amazônia” realizado por Eugênio
Scannavino Neto e Caetano Scannavino, conforme resumo abaixo.
O Projeto Saúde e Alegria (PSA) atua na Amazônia, desde 1987, em mais de uma centena de localidades ribeirinhas extrativistas dos rios Amazonas, Tapajós e Arapiuns, no Estado do Pará, e em comunidades localizadas na Floresta Nacional do Tapajós (Flona), atingindo aproximadamente 20 mil pessoas. O PSA apóia processos participativos e integrados de desenvolvimento comunitário global e sustentado interativo com as políticas públicas e capazes de se multiplicar espontaneamente a partir das dinâmicas e realidades locais. Uma equipe interdisciplinar – com médicos, agrônomos, comunicadores, educadores e profissionais das diversas áreas – visita regularmente as localidades, envolvendo todos os grupos e faixas etárias em ações integradas de organização comunitária, saúde, produção agroflorestal, educação e cultura, gênero, crianças e adolescentes, comunicação
52
popular e pesquisa participativa. A partir da realidade dos moradores, o PSA busca soluções simples e adaptadas, com base em recursos disponíveis nas próprias comunidades, e forma agentes locais para a multiplicação das ações” (ALLOGGIO, TIBÉRIO, cap IV, p. 246).
Entende-se que a partir do envolvimento com projetos de empreendimentos
sociais os indivíduos despertam para valores sociais importantes, como dádiva e
solidariedade. Pela abordagem dos autores consultados, a dádiva pode acontecer,
mas não como vetor principal; e quanto à solidariedade, não existirá na dimensão
exigida para proporcionar emancipação social das populações.
A dádiva não é o centro atual das interações sociais, mas está
continuadamente representada, mesmo que subliminarmente, no comportamento
dos indivíduos. Portanto, nas ações de empreendedorismo social implementadas
pelos profissionais do Instituto de Ecologia Humana, procurar-se-á identificar o
sentimento de dádiva e os seguintes marcos nos relacionamentos: os fins são mais
importantes que os meios; não existe o interesse de que os membros das
Comunidades se sintam devedores e com obrigações de retribuir com
contrapartidas os benefícios recebidos; existe prazer e alegria na realização das
agendas propostas.
O sociólogo Marcel Mauss utiliza duas expressões, dom e dádiva, para
expressar suas teorias.
Caillé (2002, p. 192), utilizando suas referências teóricas, apresenta duas
definições de dádiva, uma de caráter sociológico e outra mais geral, como se
explicita aqui:
53
[...] definição sociológica: qualquer prestação de bens ou serviços efetuada sem garantia de retorno, tendo em vista a criação, manutenção ou regeneração do vínculo social.Na relação de dádiva, o vínculo é mais importante do que o bem; [...] definição geral: toda ação ou prestação efetuada sem expectativa, garantia ou certeza de retorno; por esse fato, comporta uma dimensão de “gratuidade”. O paradigma da dádiva insiste sobre a importância, positiva e normativa, sociológica, econômica, ética, política e filosófica desse tipo de ação e de prestação.
Para Nicolas (2002), dádiva é: “O dispositivo neoliberal da troca de bens’ e a
“Promoção do mercado caritativo”, neste incluindo as ONGs, como “instrumento
retificador dos excessos do mercantilismo Nicolas (2002, p. 41). Fica claro que
esse tipo de organização não se inclui essencialmente no contexto de gerador de
dádivas.
Godbout (2002, p. 92) descreve algumas características do dom na
sociedade moderna:
• a circulação do dom leva a pensar que o agente social é também impelido; • a criar e manter zonas de incerteza entre ele e outrem, a fim de aumentar o valor dos vínculos sociais que ele mais preza; • a vontade de não ter dívidas é, em um sistema de dom, vontade de dominar o outro, um atentado contra sua identidade.
Godbout (2002) esclarece substancialmente dois pontos importantes: o
realizador da dádiva tenta fazer a sua ação com o menor compromisso possível de
retribuição de quem recebe a doação; outro ponto é a desmistificação desse tema,
esclarecendo o sentido de dominação na transferência de valores e afirmações de
identidades do doador.
No caso aqui apresentado, realça-se uma complexidade na análise,
54
considerando esse aspecto, porque os projetos são desenvolvidos com o apoio de
financiamentos de entidades nacionais e internacionais, o que poderia caracterizar
um interesse mercantil. Por isso, a identificação das motivações dos
profissionais/estagiários foi pesquisada. Cabe ressaltar que os indivíduos não se
mobilizam para efetuar seus desejos de uma forma linear.
Com respeito à Solidariedade, opta-se por analisar a concepção de Demo
(2002), que apresenta uma visão crítica na inter-relação de solidariedade com o
Terceiro Setor.
Demo (2002) afirma que a solidariedade não está consolidada nos sistemas
sociais, o que faz com que ele tente desconstruir as possibilidades das sociedades,
principalmente as menos desenvolvidas, de realizarem mudanças profundas nas
políticas sociais. Para ele, “a sociedade manifesta estruturas recorrentes,
evolucionárias e históricas, dentre elas a tendência para hierarquias prepotentes”
(DEMO, 2002, p. 256-7). Diz ainda que são estes os “traços estruturais e históricos
recorrentes de significação decisiva” (DEMO, 2002, p. 258). Identificados, são
listados nesta seqüência:
a) o que mais se vê é prepotência e não solidariedade [...];
b) grande parte das manifestações solidárias são ligadas ao auto-interesse [...];
c) tanto a trajetória evolucionária quanto a história comprovam facilmente a
vigência altruísta [...];
d) [...] a formação hierárquica é o equipamento genético e histórico primeiro [...];
55
e) podemos, pois, construir sociedades alternativas, desde que não
dispensemos seu encaixe dialético não-linear, ambíguo e ambivalente, o que
evitaria enredar-se em efeitos de poder;
f) [...] o fenômeno de poder não é dicotômico; ao contrário, assemelha-se mais à
areia movediça, tanto que a produção e a renovação de ideologias justificadoras
não cessam jamais;
g) se o igualitarismo está sempre em risco, também está em risco a estrutura de
poder, porque nenhum poder consegue ser linear de cima até em baixo [...];
h) [...] o altruísmo é menos eliminação do auto-interesse do que sua
administração alternativa [...];
i) as democracias não eliminam o poder; apenas impõem-lhe o princípio da
gestão reversa, de baixo para cima [...];
j) sociedades solidárias [...] distinguem solidariedade como direito de
emancipação dos outros e a solidariedade como efeito de poder “ (DEMO, 2002,
p.258-9).
Segundo Demo (2002), as ONGs têm possibilidades limitadas de realizar
propostas ousadas, que vão contra essa solidariedade apresentada como
predominante:
O terceiro setor, até o momento tem sido apenas apêndice do mercado ou do Estado, em vez de ser estratégia da sociedade para impor ao mercado e ao Estado padrões mais justos de estruturação e funcionamento. Essa perspectiva é mais visível nas ONGs, que representam, de todos os modos, floração muito interessante” (DEMO, 2002 , p. 264);
Solidariedade, para que não seja mero efeito de poder, necessita, primeiro, de autocrítica [...]. Segundo, a solidariedade dos marginalizados significa a oportunidade da cidadania coletiva em
56
marcha, [...] Terceiro, [...] não perca de vista o projeto contra-hegemônico como obra coletiva [...]. Quarto, [...] implica redistribuição de renda e de poder [...].Quinto, [...] embora seja imprescindível confrontar-se com os opressores até as últimas conseqüências, ao final é mister também fazê-los parte do mesmo projeto emancipatório, o que significa ser solidário com os não-solidários. (DEMO, 2002, p. 272).
Essas críticas podem ser atenuadas se houver contínuos diálogos entre o
Estado, as empresas e organizações do Terceiro Setor. Mesmo com certo viés de
subordinação deste último, para o processo econômico e social torna-se muito
menos excludente. Cabe refletir que esse setor não é homogêneo, sendo difícil
padronizar o impacto social dos diferentes tipos organizacionais e principalmente,
como demonstra a história, mesmo com amarras, as ações humanas podem fugir
dos controles dos poderes dominantes.
Não existem, nos componentes das idéias e dos acontecimentos históricos
atuais, indicações de que as sociedades estejam caminhando para mudanças
radicais, principalmente após a ruptura da proposta socialista da União Soviética.
Os parâmetros do que seria uma sociedade radicalmente diferente do sistema
capitalista não estão visíveis. Por isso, existem riscos de que, no desejo de apenas
mudanças profundas, não haja encaminhamentos que maximizem as
possibilidades de transformação social cedidas ou conquistada.
2.4 Capital Social
A averiguação da efetiva formação de Capital Social é uma das
preocupações do trabalho. Ao se descrever sobre empreendedorismo em capítulo
57
próprio, apresenta-se o desenvolvimento de projetos que caracterizam
transformações sociais nas populações. Constatam-se dois momentos distintos:
primeiramente, no início dos trabalhos, reunião dos profissionais envolvidos com as
populações das Comunidades para a formação de consensos por meio da troca de
saberes. Na conclusão dos trabalhos, implantam-se sementes, para que as
Comunidades busquem suas autonomias e não mais dependam de contínuos
amparos de agentes provenientes principalmente do Estado e do Terceiro Setor.
Explicita-se que as intervenções, nos diversos projetos, são realizadas por
meio de diagnósticos, com a perspectiva de estabelecer incrementos significativos
de Capital Social. O amadurecimento nessas relações sociais caracteriza-se pelo
aprofundamento do entendimento de que as diferenças de compreensões dos
fenômenos e mesmo os pequenos conflitos precisam ser superados para que
aconteçam transformações sociais sustentáveis. No transcorrer dos projetos,
busca-se acumular confiança e reciprocidade. As críticas não acontecem de forma
contundente, e as modificações são feitas gradualmente a partir do convencimento
das suas relevâncias.
As diversas experiências desenvolvidas demonstram a importância da
criação de laços afetivos. Constata-se que, apesar das carências profundas
existentes nas comunidades, a condição fundamental para estimular os indivíduos
a perseverar é a celebração das pequenas ou grandes conquistas incrementadas.
Para compor as referências teóricas sobre Capital Social, foram eleitos:
James Coleman, Robert Putnam e Francis Fukuyama, e as interpretações desses
58
autores realizadas por De Franco.
Coleman (1988, apud D’Araújo, 2003, p. 25) conceitua capital social
relacionando-o a duas tipificações como “normas”: “dão sentido à sociedade,
orientam as ações, tornam previsíveis determinados comportamentos, conferem
textura e densidade à sociedade”. E, por sua “função”: “como qualquer capital,
permite a criação de certos bens que, sem a sua presença, seriam impossíveis”.
Coleman (1988, apud ALBAGLI & MACIEL, 2002, p. 6-7) descrevem
algumas particularidades sobre o capital social que são relevantes para �urricular-
lo ou entender seu processo de formação:
[...] processo não-intencional resultante de ações orientadas para outros propósitos; [...] uma dada forma de capital social, que é útil em facilitar certas ações, pode ser inútil e prejudicial para outras; [...] especifica três formas de capital social [...] nível de confiança.[...] canais de trocas de informações e idéias [...] normas e sanções; [...] explorou as relações entre capital social e capital humano. [...] argumentando que altos níveis de capital humano tendem a se desenvolver quando os indivíduos podem contar com um conjunto de recursos inerentes às relações familiares e à organização da comunidade [...] o capital social tem, portanto, um efeito decisivo sobre a aquisição de credenciais educativas.
Coleman (1988, apud DIAS JÚNIOR, 2001, p. 28) refere-se a capital social
como: “[...] recursos sociais (crença na estrutura social, relações de amizade e
confiança, dentre outros) utilizados pelos indivíduos para realizar seus interesses.
[...] procura apontar as falhas e deficiências da concepção estrutural e da
concepção racional que divide a sociologia” e apresenta diversas características do
capital social:
59
[...] trabalha as relações entre obrigações, expectativas e confiança Coleman (1988, apud DIAS JÚNIOR, 2001, p.33); [...] a informação é um importante mecanismo para a ação social, ao mesmo tempo que o acesso à informação é um gerador de capital social Coleman (1988, apud DIAS JÚNIOR, 2001, p. 34); [...] importância do capital social na família para a criação do capital humano Coleman (1988, apud DIAS JÚNIOR, 2001, p. 37).
As teorias desenvolvidas por esse autor vislumbram para os
empreendedores sociais duas frentes que precisam ser atendidas nos seus
empreendimentos: as relações sociais e os indivíduos. Direcionando-se as linhas
de ações e seus procedimentos, para agir sobre elementos peculiares catalogados,
no sentido de incrementar capital social, consegue-se estabelecer mudanças
significativas para as sociedades, que outros tipos de capital não conseguem
implementar. Nesse contexto, vemos que o vínculo dos indivíduos a seus espaços
comunitários, nos quais vivenciam os seus cotidianos, precisam ser tingidos com
marcas fortes, para que com as identidades fortalecidas promovam suas inclusões
sociais.
De Franco (2001, p. 94 e 95), interpretando Putnam (2000), aponta os dez
elementos teóricos constantes da concepção desse autor sobre o enfrentamento
dos empreendedores em suas atuações:
1 - Dilemas da ação coletiva
2 - Coerção de um terceiro
3 - Cooperação voluntária
4 - Capital social
60
5 - Confiança social
6 - Regras de reciprocidade generalizada
7 - Sistemas de participação cívica
8 - Relações horizontais e verticais
9 - Equilíbrios sociais (subordinação à trajetória)
10 – Acumulação, auto-reforço, círculos virtuosos e viciosos.
Fazendo conexões entre esses elementos, podemos analisar os projetos de
empreendedorismo social pertinente a este trabalho fazendo interpretações e
analogias, porque um foco importante das pesquisas de Putnam, o Sul da Itália,
apresenta similaridades, em face do contraste com outras regiões, com o Nordeste
brasileiro. A sensibilidade decorrente de suas exposições é um fato, pois os efeitos
das realidades sociais apresentadas são idênticos aos nossos. Entende-se a
evidência dos inúmeros males sociais que permanecem historicamente, apesar dos
aportes econômicos e da criação de instituições para implementar soluções.
Reforçando aspectos da linha de pensamento desse autor, constata-se que
a cooperação no Brasil vem cada vez mais ganhando vulto. As razões são
complexas, e as explicações utilizam conhecimentos interdisciplinares provenientes
da sociologia, antropologia, ciência política, psicologia, economia e de outras
ciências. Dentre as discussões centrais, destacam-se as divergências sobre se a
solidariedade crescente na sociedade brasileira é apenas mais um dos
mecanismos que os modelos capitalistas utilizam para atenuar os conflitos sociais
ou se tem sua maior dimensão a partir da capacidade de ampliação das ações
coletivas autônomas.
61
Dentro da primeira premissa, está a ampliação da solidariedade como
criação do modelo capitalista, que mesmo não sendo hegemônica provoca uma
constatação de que esse fenômeno é real em alguma escala. E para aperfeiçoá-lo
a sociedade civil pode influenciar no sentido de que as ações de responsabilidade
social das empresas e os inúmeros modelos de parcerias não estreitem seu foco
em algum segmento, espaço, ou região, o que ampliaria o capital social de uma
forma muito localizada.
Para ganhar destaque e angariar maior volume de recursos e mão-de-obra
voluntária, os empreendedores precisam divulgar com competência os bons
resultados conseguidos, fazendo com que o capital social gerado não fique
represado nos âmbitos das experiências. Ao tomar conhecimento dos mais
diversos projetos e dos valores sociais impulsionadores de novos comportamentos,
a sociedade civil se abastece do capital social da confiança.
A capacidade de reivindicação das comunidades precisa ser estimulada, por
ser fator de agregação de capital social. Há uma tendência de não se valorizar os
pequenos ganhos, o que constitui uma grave distorção. Não se pode realizar
grandes mudanças, quando anteriormente não foi adquirida a competência de
vencer os inúmeros entraves, muitas vezes localizados em setores concorrentes.
Os tempos atuais demarcam uma lógica que os ganhos sociais precisam ser
conquistados por meio de lutas persistentes dos atores sociais envolvidos.
À medida que os colaboradores das instituições que realizam
62
empreendimentos sociais vão acumulando experiências, adquirem competências
nas formas de relacionamento com os indivíduos das comunidades, que
possibilitam o aumento da confiança recíproca. A empatia gerada no
desenvolvimento de projetos alavanca ganhos tangíveis e intangíveis para os
profissionais e populações. Estas adquirem saberes que as preparam para o
enfrentamento de demandas sociais futuras, utilizando procedimentos como
diálogo e reciprocidade. Um desafio encontrado em quase todas as práticas nas
Comunidades é superar comportamentos fortalecidos pelas atividades de políticos
geradores de mendicância de recursos. Ainda há um agravante de que as
lideranças locais tentam direcionar a repartição dos benefícios de acordo com o
atendimento de seus interesses pessoais.
Muitas críticas às instituições privadas com atuações com fins públicos em
suas ações de empreendedorismo procedem do entendimento de que existem
interesses preponderantes não revelados, ligados à idéia de que existe uma lógica
utilitarista que intenta a acumulação e ampliação do capital de uma forma mais
difusa. Entende-se ser extremamente complexo avaliar as razões mais profundas
que explicam o envolvimento em projetos sociais. Constata-se que em algumas
atuações, como as denominadas “Responsabilidade Social”, identificam-se mais
facilmente os interesses capitalistas, mas esse entendimento não diminui a sua
importância para a sociedade. Ressalta-se que os esforços de avaliação dos
impactos sociais devem ser centrados no médio e longo prazo, para medir-se o
alcance dos trabalhos sociais desenvolvidos.
As aspirações e desejos de realizar mudanças sociais localizadas nos
63
empreendimentos sociais, ao se transformarem em missões, metas, objetivos, não
podem ter uma conotação medíocre de enfocar apenas a funcionalidade. O
conjunto de realizações, ao ser implementado e difundido, precisa caminhar para a
busca de transformações sociais que só começam a ser atingidas conquistando-se
espaços de poder. À primeira vista, essa percepção contraria os ideais utópicos de
uma parcela de pessoas que buscam desenvolver empreendedorismo social.
A análise e a catalogação dos conhecimentos referentes às origens do
envolvimento de indivíduos em atividades de empreendedorismo social são
importantes para que se formem parcerias as mais amplas possíveis e se
reproduzam mecanismos de chamamento para o envolvimento com as questões
sociais. O acréscimo de atores sociais conscientes em escala significativa torna-se
essencial para enfrentar na contemporaneidade os inúmeros desajustes sociais,
que atingem de formas distintas as classes sociais, como: o tédio, as drogas e a
violência em suas variadas formas.
Reconhecendo a complexidade de entender as causas que estimulam os
seres humanos a exercerem a solidariedade, avalia-se como um vetor marcante
que as ações têm um impacto na vida de seus semelhantes. Muitas pessoas estão
conscientes que exercem atividades profissionais sem importância, apenas para
conseguir suas sobrevivências. O trabalho social torna-se um alento, mesmo com
suas contradições e conflitos, porque atenua o utilitarismo de ver a acumulação de
capital como destino único dos esforços humanos.
Putnam (2000) ressalta a importância do “repertório histórico” na ampliação
64
do capital social. As múltiplas formas de associativismo, no enfrentamento dos
problemas sociais, durante o desenrolar da história, criam um acervo de
experiências registrado na memória das sociedades, à qual recorrem as
instituições sociais, a iniciativa privada e os governos, para montar suas
percepções dos problemas sociais, objetivando adaptar processos de
enfrentamentos que já foram bem-sucedidos no passado, só realizando as
mudanças pertinentes às exigências próprias do momento histórico.
O desenvolvimento social, segundo Putnam (2000), está centrado no
enfrentamento dos “dilemas de ação coletiva” pela consecução de “articulações
horizontais”. Decorrente dessa análise percebe-se na sociedade brasileira, e em
particular na sociedade nordestina, barreiras sólidas para serem enfrentadas, na
intenção de derrubar as inúmeras hierarquias existentes. Em distintos segmentos
sociais: famílias, empresas, religiões, existe concentração de poder e de recursos.
A minoria detentora de privilégios articula e realiza coerções para que permaneça
esse modelo de sociedade.
O empreendedorismo social tem uma vinculação substancial com a
superação de entraves existentes na realização de ações coletivas. Os indivíduos
vinculados a projetos sociais realizados com seriedade e competência, ficam
atentos à importância do incremento da capacidade das populações das
comunidades de fazerem suas escolhas e de defendê-las politicamente perante
instâncias governamentais.
A permanência de padrões de comportamentos não geradores de mudanças
65
positivas na história de vida das pessoas é uma das fortes justificativas de surgirem
progressivamente empreendedores sociais. Estes modificam suas vidas e as das
pessoas com as quais têm vínculos. Ressalta-se que a capacidade de transformar
o destino histórico de comunidades carentes acontece quase sempre pelo estímulo
de agentes externos.
Finalmente, coloca-se nesse ponto a concepção de Francis Fukuyama
sobre capital social, onde se encontra bastante coerência com a situação
estudada.
Para Fukuyama (1996, p. 41-2)), Capital Social é:
uma capacidade que decorre da prevalência de confiança numa sociedade ou em certas partes dessa sociedade. Pode estar incorporada no menor e mais fundamental grupo social, a família, assim como no maior de todos os grupos, a nação. O capital difere de outras formas de capital humano na medida em que é geralmente criado e transmitido por mecanismos culturais como religião, tradição ou hábito histórico. Os economistas argumentam tipicamente que a formação de grupos sociais pode ser explicada como resultado de um contrato voluntário firmado entre indivíduos que calcularam racionalmente que a cooperação serve aos interesses de longo prazo. Por essa ótica, a confiança não é necessária à cooperação [...] Grupos podem ser formados a qualquer momento baseados no auto-interesse, e formação de grupos não depende da cultura. (p. 41-2). [...] Mas, embora contratos e auto-interesse sejam fontes importantes de associação, as organizações mais eficientes são baseadas em comunidades de valores éticos compartilhados. [...] A aquisição de capital social [...] requer hábito às normais morais de uma comunidade e, no seu contexto, a aquisição de virtudes como lealdade, honestidade e confiabilidade. (p. 41) O capital social não pode ser adquirido simplesmente por indivíduos agindo por conta própria. Ele é baseado no predomínio de virtudes sociais e não apenas individuais. A propensão à sociabilidade é muito mais difícil de adquirir do que outras formas de capital humano, mas por ser baseado em hábito ético também é muito mais difícil de ser modificada ou destruída. (p. 41-2)
66
[...] o capital social tem implicações que vão muito além da economia. A sociabilidade também é um suporte vital para as instituições políticas autogovernadas e é, sob muitos aspectos, um fim em si mesma. O capital social, que é praticado como uma questão de hábito arracional e tem sua origem em fenômenos “irracionais” como religião e ética tradicional, parece ser necessário para permitir o funcionamento apropriado de instituições econômicas e políticas modernas, racionais – fatos que tem implicações interessantes para a natureza do processo de modernização como um todo (p. 345).
A argumentação corrobora a proclamada dificuldade de se medir o capital
social acrescido em função de práticas sociais. Há uma subjetividade no encontro
de atores sociais em distintos espaços, marcada por particularidades muito difíceis
de serem formatadas por indicadores: confiança, reciprocidade, afetividade e
experiências de vivências solidárias, mas são componentes que não podem ser
deixados à margem na análise dos processos contemporâneos de transformação
social.
A análise de distintos fenômenos sociais precisa conter relações de causa e
efeito com o processo de acumulação capitalista. Vemos que as tecnologias
sociais, às vezes encobrem suas conexões com esse modelo hegemônico.
Fukuyama enfatiza que a geração de capital social tem maior repercussão fora da
esfera econômica. Esse argumento é contraditório em função de que
preponderantemente se desenvolve com sustentabilidade, processos e políticas
que interessam substancialmente ao modelo capitalista. Entendemos que, por uma
lógica enviesada, talvez seja compreensível sua intervenção. O capital social
nutrido em outros campos tem posteriormente seus efeitos rebatidos no mercado
para gerar produtividade e, por conseqüência, lucro.
67
Em Fukuyama (2000), a formação de capital social é também estabelecida
pela aceitação das crenças divergentes. Após envolver-se em experiências no
campo social, há nos empreendedores o aprofundamento dos valores que
permeiam os empreendimentos. O amadurecimento provém da aceitação de que
no caminhar há decepções e conflitos. No longo prazo, existe o reconhecimento de
que, mesmo com certo enfraquecimento das expectativas, o mercado social
contribui para agregar valores de confiança nas relações sociais.
Nas organizações sociais, a dinâmica dos trabalhos é realizada de forma
mais descentralizada, mas a hierarquia não pode ser deixada de lado. Os
empreendedores são aclamados como referências, sendo observados quanto à
capacidade de atingir os objetivos, que exige, além dos sonhos e utopias, a
conciliação com o pragmatismo.
O capital social não é, como outros capitais, um fim em si mesmo, provém
das interações sociais e econômicas que acontecem nas sociedades, sendo
incrementado com maior consistência nos países desenvolvidos. Os indicadores
sociais dos países subdesenvolvidos são barreiras para a ampliação do capital
social.
A abertura das economias acontecida nas últimas décadas permite o acesso
a múltiplas informações, o que só repercute em qualidade de vida para populações
aculturadas e com rendas disponíveis, com capacidade de ter acessibilidade e
valorar os serviços e bens disponíveis.
68
Fukuyama (2000) introduz relações do capital social com o sistema
educacional, dando ênfase ao ensino superior, que no Brasil só uma minoria tem
acesso. Não demonstra como o capital social pode ser estimulado nos níveis
básicos de ensino, que são os que merecem maior atenção das políticas
educacionais.
No tocante às comparações apresentadas entre as transações, com ênfase
no mercado, e as de ordem social, parece que contemplam a estrutura social dos
países desenvolvidos. Nos países mais pobres, os acessos significativos às trocas
de mercado são restritos. Antes que estas se efetivem, uma etapa a trilhar é a
transferência de renda, que até pode ser buscada para haver ampliação dos
mercados.
Fukuyama (2000) enaltece de forma extrema o capital social, ao afirmar: “O
estudo sistemático de como a ordem e, portanto, o capital social podem surgir de
maneira espontânea e descentralizada é um dos acontecimentos mais importantes
do final do século XX”.
Essa análise de Fukuyama (2000) é uma síntese do seu pensamento,
cabendo registrar que a base teórica é desenvolvida para ser moldado o capital
social, dentro do modelo neoliberal, na ótica em que o capital social aliado a outros
capitais dinamizam as relações de mercado. A sua abordagem não se coaduna
com certos empreendedores, que, ao pretenderem desenvolver socialmente e
economicamente comunidades, enxergam possibilidades de rupturas do sistema
capitalista.
69
Há nesse autor, em suas bases teóricas, uma eleição da subalternidade da
ordem social ao liberalismo econômico e político. Reconhece que a acumulação
capitalista fortalecida pelo desenvolvimento tecnológico desestrutura o social, mas
entende que esse processo é complexo e tem poucas possibilidades de ser
revertido. Apenas registra o desejo que a “ordem social” para o futuro não sofra as
“rupturas” que ciclicamente acontecem.
2.5 Troca de Saberes
No tocante ao desenvolvimento de programas e projetos pelo IEH,
entendemos que o conhecimento construído se vincula com a troca de saberes,
dentro do campo teórico da Educação Popular e da Educação Comunitária. Tendo
inicialmente como referência desse campo de estudo o autor Brandão (2002),
escolhemos os textos pertinentes a sua proposta pedagógica, uma vez que o maior
fruto da pesquisa foi o resultado com a formação de pessoas.
Brandão (2002) cita algumas idéias e princípios para “formar pessoas com
uma vocação cidadã”, que ampararam o nosso entendimento sobre ações
empreendedoras com viés educativo no Terceiro Setor, um dos focos desse
trabalho. “[...] Tornar o saber e a criação do saber como o valor fundador da
experiência humana” (BRANDÃO, 2002, p. 72).
70
Esse é um empolgante desafio para os empreendedores sociais, pois vemos
que na sociedade pós-moderna há dificuldades profundas para os indivíduos se
envolverem na busca da autoconsciência, uma das exigências para a construção
de saberes relevantes. Esse fenômeno é derivado, entre outros fatores, pela
priorização da acumulação de capital e seus nexos, como a ampliação do
consumo. “[...] Criar e consolidar uma educação dirigida ao diálogo: uma educação
destinada ao aprender a conviver em círculos mais amplos e abertos de
comunicação por meio do saber e do aprender” (BRANDÃO, 2002, p. 85).
Muitas superações precisam ser conseguidas para ser atingida a
aproximação mais consistente das classes sociais e categorias profissionais com a
abertura de canais de comunicação e de uma efetiva escuta. Salvo formatações
conjunturais, populações de menor renda, localizadas em espaços urbanos e rurais
que oferecem precárias condições de vida, não conseguem ser atendidas em seus
inúmeros pleitos.No campo profissional, as diversas ciências querem impor como
mais relevantes os seus respectivos discursos, e na sociedade capitalista há
privilégios conforme a capacidade dos profissionais de atenderem às demandas do
mercado.
[...] Uma educação de vocação cidadã é uma educação política. É uma educação destinada a formar pessoas capazes de viverem a busca da realização plena de seus direitos humanos no mesmo processo de consciência crítica e de prática reflexiva com que se sentem convocadas ao dever cidadão de participarem de maneira ativa da construção dos mundos de sociedade e cultura de suas vidas cotidianas (BRANDÃO, 2002, p. 95).
O autor aponta para um modelo de educação, que extrapolamos para o
espaço das comunidades. Os propósitos ideais afirmados, se não atingidos no
71
curto prazo, devem ser transmitidos no sentido de gerar um convencimento dos
indivíduos para não esmorecer nas suas realizações sociais ou, de outra forma,
sejam objetos de vontades sedimentadas não facilmente manipuláveis. “[...]
educação de vocação formadora de sujeitos críticos-cooperativos, destinados a
virem a ser criadores da gestão social dos significados e dos seus múltiplos
contextos sociais de vida cotidiana” (BRANDÃO, 2002, p. 96).
A formação de interações em programas e projetos da educação
comunitária, no caminho para conquistas sustentáveis, exige que haja persistência
como instrumento de superação: existem pressões econômicas e políticas dos
financiadores das organizações para que seja atingido um perfil de resultados,
implicando uma tendência à replicação de métodos já utilizados, que podem não
ser os ideais para determinada população.
Se o motivo fundador da educação é o perene alargamento e o adensamento da interação entre pessoas através do diálogo de partilha na construção de saberes-valores de origem e sentido do aprender, então ela só pode ser uma educação da e através da diferença. [...] A educação da pessoa cidadã só pode ser uma pedagogia do insesperado (BRANDÃO, 2002, p. 110).
Entendemos o pensamento acima como um pilar do entendimento, que deve
predominar, do valor da educação. A sua efetiva realização no capitalismo, a
educação como fim, é um ideal que tem que ser buscado com muito ímpeto, pois
contraria interesses instrumentais muito bem constituídos. Quanto ao aspecto da
imprevisibilidade, mesmo autores e militantes convencidos e desejosos de ampliar
os valores solidários têm dificuldade de aceitar respostas que os contrariam.
Reconhecer os erros nos caminhos percorridos e aceitar críticas que obrigam a
refazer idéias e ações têm repercussões profundas nas vaidades.
72
Por isso, uma educação devotada a um “aprender a aprender” [...] Um todo na aventura do aprender, que vai de uma pessoa a um pequeno grupo, a uma ampla comunidade aprendente, a um movimento social, a ‘uma rede de instituições devotadas à luta pela causa dos direitos humanos, da questão ambiental, da justiça social, da paz... (BRANDÃO, 2002, p. 305).
Avalia-se que essa ênfase sobre o aprender amadurecerá se for estimulada
socialmente numa perspectiva que busque transformações na vida dos indivíduos,
e não só o acúmulo de conhecimentos. As inúmeras possibilidades de transmissão
e/ou troca de saberes, precisam acontecer com formatações que caracterizem o
envolvimento profundo dos participantes. “Pois o saber e a continuada integração
de novos saberes cria, em cada um de nós e entre todos nós, novos lugares e
novos tempos” (BRANDÃO, 2002, p. 305):
Pretende-se desvelar a partir do enunciado em referência a relevância dos
empreendedores sociais para estimularem modificações de comportamentos
daqueles que conscientes ou inconscientemente são temerosos quanto ás
mudanças. Decifrar os ardis próprios dos seres humanos e aceitá-los, não
pretendendo reagir com preconceitos, violências, intrigas, é uma arte na qual
precisam se envolver aqueles que buscam soluções para as demandas sociais das
comunidades.
O segundo autor com quem dialogaremos para explicar a prática
empreendedora do Instituto de Ecologia Humana, no bojo de um arcabouço
teórico, é Paulo Freire. Na sua obra Pedagogia da Autonomia (FREIRE, 1996), ele
se refere a inúmeros conteúdos relacionados ao ato de ensinar, os quais
apresentaremos seqüencialmente dentro de uma linha de raciocínio. É dada uma
73
visão ampla, abrangendo as interações de diversas espécies de conhecimento com
a educação. A abordagem é centrada primordialmente na relação professor-aluno,
mas entendemos que seja muito pertinente às ações de empreendedorismo social
nas comunicações entre empreendedores e populações das comunidades.
Com uma primeira afirmação desse autor, iniciaremos nossas reflexões: “O
respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo ético, e não um
favor que podemos ou não conceder uns aos outros” (FREIRE, 1996, p. 66).
O cumprimento, mesmo que parcial, desses comportamentos exige uma
vontade férrea para superar arraigada tradição histórica advinda por parte dos
poderes constituídos da não-escuta dos anseios em assuntos relevantes dos
apartados das elites, mesmo que haja conseqüências trágicas para os excluídos.
As classes sociais menos favorecidas economicamente paradoxalmente também
fazem restrições aos seus pares. Vemos que, no imaginário das pessoas, existem
preconceitos e dificuldades para atingir o respeito às diferenças. “Aprender é uma
aventura criadora, algo, por isso mesmo, muito mais rico do que meramente repetir
a lição dada. Aprender, para nós, é construir, reconstruir, constatar para mudar o
que não se faz sem abertura ao risco e à aventura do espírito” (FREIRE, 1996, p.
77).
O pensamento acima, com sua força poética, traduz muito daquilo que é
mais relevante para os participantes de trabalhos de educação comunitária. Muitas
vezes, há desejos de apressar as ações, em virtude das inúmeras aflições que são
vistas e das permanências das conseqüências. No entanto, o ritmo impresso pelos
74
empreendedores não pode contrariar as pulsões dos afligidos. A incorporação dos
enunciados e verdades das populações para a formação de consensos acontece
por inúmeras repetições, que fazem com que haja constantes modificações das
interpretações dos empreendedores, a fim de haver consistência na transferência
para os membros das comunidades das responsabilidades que foram
disseminadas nos projetos. “Saber do futuro como problema, e não como
inexorabilidade. É o saber da História como possibilidade, e não como
determinação” (FREIRE, 1996, p. 85).
A substancialidade da citação provém de que muitas comunidades
apresentam histórias compostas de frustrações nas tentativas de realizar
transformações sociais.O convencimento para o envolvimento em novas
experiências precisa ser alicerçado pela confiança gerada na comunidade das
propostas apresentadas pelo empreendedor com pretensões de realizar trabalhos
sociais. Não deve haver um discurso que simplifique a complexidade para serem
atingidos os objetivos, minimizando os conflitos. Os possíveis percalços devem ser
discutidos para serem aceitos em conformidade com realidades possíveis de
efetivamente acontecerem.
É preciso, porém, que tenhamos na resistência que nos preserva vivos, na compreensão do futuro como problema e na vocação para o ser mais como expressão da natureza humana em processo de estar sendo fundamentos para a nossa rebeldia e não para a nossa resignação em face das ofensas que nos destroem o ser. Não é na resignação mas na rebeldia em face das injustiças que nos afirmamos. (grifos do autor) (FREIRE, 1996, p. 87).
O texto tem uma referência com o comportamento próximo ao ideal do que
seja um empreendedor social. A capacidade de indignação com os acontecimentos
75
que estão no entorno de suas interações sociais é uma característica marcante
desse ator social. A partir desse sentimento, partem para moldar e efetivar
enfrentamentos que minimizem ou solucionem os problemas sociais. Cabe realçar
que há até envolvimentos com causas praticamente sem soluções no curto prazo,
mas existe a intenção de demarcar uma bandeira de luta, que demonstra o não-
afastamento da busca por novos modelos sociais.
Como educador, preciso de ir “lendo” cada vez melhor a leitura do mundo que os grupos populares com quem trabalho fazem de seu contexto imediato e do maior de que o seu é parte. O que quero dizer é o seguinte: não posso de maneira alguma, nas minhas relações político-pedagógicas com os grupos populares, desconsiderar seu saber de experiência jeito. Sua explicação do mundo de que faz parte a compreensão de sua própria presença no mundo. E isso tudo vem explicitado ou sugerido ou escondido no que chamo “leitura do mundo” que precede sempre a ‘leitura da palavra’ (FREIRE, 1996, p. 90).
Foi constituída na citação toda uma perspectiva de educação que retrata e
povoa os sonhos de muitos empreendedores sociais. Superar as insignificâncias e
fragmentações existentes nos processos de troca de saberes da atualidade é
desejo acalentado. O relevante é os seres humanos da interação e, em segundo
plano, os saberes e conhecimentos. Conseguir que os egocentrismos sejam
enfraquecidos e que surjam cumplicidades na busca das realizações é o vetor que
mobiliza muitas consciências.
Adotaremos também Gadotti (2001) como referencial teórico que apresenta
uma base conceitual sobre a educação comunitária. Apresentaremos abaixo
afirmações relevantes desse autor referentes a esse campo de estudo, sob os
quais faremos algumas observações relacionadas ao processo de troca de saberes
nas ações de empreendedorismo social. A visão apresentada, quando
76
implementada nas ações sociais, mostra consistência porque permitirá ao
empreendedor social estimular nas comunidades conquistas sociais sustentáveis.
Se tiver planejado em inúmeras dimensões o alcance de suas realizações, ao
restringir seu campo de atuação por vaidade, comodidade e incapacidade de
ousar, estará sujeito a conseqüências negativas diversas, como a não-realização
dos objetivos explicitados e até mesmo o abandono de programas e projetos:
A educação comunitária, como uma expressão da educação popular, preocupa-se especifica, mas não exclusivamente, com os setores excluídos da sociedade – principalmente excluídos do sistema econômico – não-produtores e não-consumidores – na busca de melhoria da qualidade de vida (grifo do autor) (GADOTTI, 2001 p.11).
Essa visão tem recebido críticas porque vai contra os muitos procedimentos
existentes na dinâmica do Terceiro Setor. Mesmo desejando ter comportamentos
diferenciados dos tradicionalmente utilizados, alguns autores enxergam
dependências ao capitalismo, pois não há a superação completa em face de as
ações sociais acontecerem nesse universo. Registram que muitas atuações se
limitam a aspectos menores, implementando mudanças localizadas.
Gadotti (2001, p.15-16) descreve algumas teses que cabem bem no cenário
atual da educação comunitária:
1º) A educação comunitária precisa superar a ambigüidade da sua própria
expressão, dando conteúdo concreto a ela mesma, o que certamente revelará o
pluralismo das concepções e práticas;
2º) Não se pode separar educação comunitária de educação escolar, pois os
setores populares da comunidade lutam pela escola pública de qualidade;
77
3º) Educação comunitária significa organizar a população para o exercício da
cidadania e melhorar a qualidade de vida [...];
4º) A educação comunitária se desenvolve por meio de novas metodologias, onde
predominam o organizativo, o produtivo, o lúdico, a comunicação etc;
5º) O local, o nacional e o transnacional. Duas são as armadilhas em que o
educador pode cair: o nacionalismo conservador e o universalismo alienado. A
educação comunitária procura mostrar a integração do local com o nacional e o
transnacional. Não posso ser cidadão do mundo sem ser, antes de tudo, cidadão
de um lugar bem-determinado;
6º) A educação comunitária não se confunde com solução de problemas
emergenciais e episódicos da comunidade nem significa transferir para as
camadas populares a solução de todos os seus problemas, retirando a
responsabilidade do Estado;
7º) Os pais pobres querem enviar seus filhos para a escola para que eles sejam
poupados do trabalho manual. Deve-se, pois, ter sempre em mente que o motor da
educação comunitária é a melhoria da qualidade de vida, e não a resignação ao
estado de pobreza.
Com base nas teses descritas, realizamos paráfrases de seus conteúdos,
incluindo comentários e ampliações, tendo como referência experiências vividas no
âmbito da educação popular e comunitária.
78
As experiências com educação popular permitem extrair algumas lições
aplicáveis aos diferentes atores envolvidos. Por exemplo, o envolvimento em
trabalhos comunitários gera nos profissionais sentimentos contraditórios,
principalmente enquanto consolidam-se experiências. Muitos projetos são iniciados
com muito entusiasmo, e com o passar do tempo os ânimos podem arrefecer-se. É
importante ressaltar que as atividades ligadas ao empreendedorismo social exigem
um espírito fortalecido, para não redundar em desistência a partir dos
contratempos ou mesmo impedimentos de continuar na realização dos ideais.
Essas lições formam tiradas de vivência pessoal em projeto comunitário, que são
confirmadas pelos autores citados.
No universo capitalista, há uma dicotomia entre o mundo do trabalho e a
vida doméstica. Isso é demonstrado quando muitas vezes, após muitos anos de
uma atuação profissional em conjunto, as pessoas mantêm um profundo
desconhecimento sobre aspectos relevantes da vida particular de outras pessoas,
inclusive sobre fatos que influenciam nos seus desempenhos nas organizações.
No universo do Terceiro Setor, pode-se perceber pessoas, com estímulos
pedagógicos, comportamentos distintos da lógica acima exposta. Os indivíduos
precisam se entregar por inteiro na busca de seus ideais e estarem conscientes da
necessidade de uma aprendizagem contínua no cotidiano de suas atividades, para
terem qualidade de vida e bem-estar, e não o sentimento de monotonia e tédio,
pela repetição da execução de tarefas não-desafiadoras.
79
No processo de troca de saberes, oriundo das ações sociais executadas, é
importante que seja gerada uma cumplicidade, externalizada pela análise crítica
dos modelos de enfrentamento das naturais dificuldades e obstáculos. A chama do
idealismo precisa ser nutrida, na propagação educativa das possibilidades de
realizar transformações sociais.
As instituições do Terceiro Setor, governos em distintas instâncias e
iniciativa privada, devem buscar superar a comum prepotência de elegerem em
suas iniciativas quais as necessidades e carências das comunidades constituídas
pelas classes detentoras de menor renda.
Nos empreendimentos sociais, uma parte significativa da alocação do tempo
deve ser dedicada à escuta atenta dos pronunciamentos dos membros das
comunidades. Algumas vezes, discorda-se das prioridades apresentadas, mas
estas são respeitadas para se ter a construção de um aprendizado gerador de
autonomia.
A aprendizagem na relação dos empreendedores e comunidade é um
desafio contínuo. Exige um questionamento das verdades estabelecidas, para ser
avaliado o quanto esses atores estão abertos ao diálogo. Esse relacionamento
exige dos promotores das ações sociais muita humildade, para não se
autoproclamarem detentores de saberes que os privilegiam em importância, tendo
em vista o tratamento reverencial que recebem.
O desvelamento da dimensão política nas relações sociais permite, mediante
80
questionamentos e discussões, a compreensão de atitudes e comportamentos não-
profícuos, que apenas atendem a interesses minoritários, mas poderosos. Há
inúmeras mistificações que estimulam impossibilidades. A busca ainda utópica, que
ressaltamos e entendemos como mais significativa, é o incremento de qualidade de
vida nas classes menos favorecidas em seu todo. A práxis do encaminhamento
para novas realidades sociais inicia-se com a possibilidade de troca de
experiências e saberes entre as classes, com a aceitação dos conflitos inerentes.
O diálogo é um instrumento significativo na dinâmica de troca de saberes e
posterior aprendizagem recíproca entre os implementadores das ações sociais e as
populações. Ressalta-se a importância de que, além dos saberes pertinentes a
ações específicas, existe a vontade de se instalar uma cultura crítica e profícua, de
discussões e avaliações, pelos membros das comunidades, de suas aspirações e
realizações para a melhoria da qualidade de vida.
As relações entre os agentes sociais e as comunidades precisam construir
laços de solidariedade que minimizem barreiras, provenientes de julgamentos
antecipados, de que os técnicos são possuidores de conhecimentos que os tornam
superiores, donos de verdades absolutas.
Na verdade, no desenvolvimento dos projetos sociais, a mentalidade mais
promissora de efetivas realizações parte do princípio de que, no início das
atividades, deve-se recolher informações da comunidade e, a partir desses dados,
montar perspectivas de ações para o futuro.
81
A transmissão de saberes prepara não só para uma atividade produtiva, mas
para primordialmente transformar indivíduos em cidadãos. O saber adquirido nas
experiências compartilhadas cria a possibilidade de as pessoas estabelecerem
verdades próprias para a sua existência, bem como conhecer outras visões de
mundo. Os trabalhos desenvolvidos quase sempre apresentam a característica de
estarem abertos a serem modificados, a partir de demandas que muitas vezes não
estão previstas.
No contexto atual, as políticas neoliberais amparam a globalização da
economia, ressaltada a importância do conhecimento para a sociedade global. No
entanto, não pretende proporcionar mecanismos de integração para os excluídos.
A dinâmica da economia, explorando os saberes gerados principalmente nos
países desenvolvidos, não é distributiva. Como conseqüência, parcelas das
populações não se beneficiam com o desenvolvimento de novas realidades sociais.
A transmissão de saberes no empreendedorismo social permite mudanças não
muito extremas, mas contínuas no processo de transformação social e na inclusão
de parcelas da população brasileira.
82
3 INSTITUTO DE ECOLOGIA HUMANA: UM EMPREENDEDORISMO INOVADOR
3.1 Origem e marco teórico
A idéia de criação do Instituto de Ecologia Humana nasceu em 1977,
quando a atual coordenadora geral, professora Maria José de Araújo, desenvolvia
pesquisa numa área de transição entre o ambiente urbano e o ambiente rural, no
município de Maceió, Estado de Alagoas.
Foi concebido, inicialmente, com Núcleo de Estudos sobre Homem,
Ambiente e Sociedade (NEAS), com a finalidade de promover debates entre
professores/pesquisadores das universidades sobre a problemática sócio-
ambiental. Posteriormente, a idéia evoluiu para a criação de uma instituição que
fomentasse estudos e pesquisas sobre as questões ambientais dentro do enfoque
ecossociológico. Várias tentativas foram feitas para encontrar apoio financeiro
capaz de torná-la realidade.
Em 1989, foi apresentado à Fundação Ford o projeto para criação do Centro
de Ecologia Humana, que teve sua aprovação no primeiro semestre de 1990.
Durante a discussão do processo, houve várias modificações da proposta inicial,
cujo resultado foi a substituição de centro por instituto, dadas as dificuldades
burocráticas e jurídicas demandadas para a instalação de um Centro.
83
Desse modo, devidamente acompanhado por uma assessoria jurídica, teve
início o trâmite legal para instalação do INSTITUTO DE ECOLOGIA HUMANA, cuja
primeira fase foi concluída com a publicação do Estatuto no Diário Oficial da
Prefeitura do Recife (nº 138, de 18/12/1990, p. 6), encartado no Diário Oficial do
Estado de Pernambuco, nº 234, da mesma data, ficando assim consolidada a
sua criação em 30 de agosto de 1990. Para fins de isenção de impostos, foi
providenciado o devido cadastramento na Receita Federal.
O Instituto de Ecologia Humana é uma fundação, sem fins lucrativos, voltada
para estudo e esclarecimento da problemática ambiental, com a dimensão social.
Tem como marco filosófico a reflexão sobre o processo de interação
Natureza/Sociedade, o que quer dizer: todo o conhecimento produzido e todas as
ações desencadeadas perseguem o esclarecimento e a análise crítica do
processo de construção da Sociedade, a partir da relação Homem/Natureza
configurada historicamente.
Seus objetivos podem ser sintetizados em:
I – Congregar pessoas interessadas no estudo e pesquisa na área de
Ecologia Humana, em âmbito nacional, com ênfase nas questões regionais e
locais;
II – Incentivar o intercâmbio de informações e experiências entre seus sócios
e com entidades congêneres nacionais e internacionais, objetivando o crescimento
84
da produção do conhecimento e otimização no processo de transferência de
informações;
III – Promover reuniões, encontros, seminários, conferências, palestras,
debates, cursos e outros eventos de natureza cultural e científica;
IV – Produzir documentos, estudos, projetos e pesquisas pertinentes a
questões de relevância nas áreas sócio-econômica, política, cultural e outras afins,
tanto em nível local como estadual, regional e nacional;
V – Executar ações de apoio técnico a entidades públicas e privadas,
nacionais e internacionais, no âmbito de atuação da Sociedade, mediante
convênios ou contratos;
VI – Divulgar idéias, educação ambiental, conceitos e práticas de
preservação da natureza, bem como do aproveitamento racional dos recursos
naturais.
O Instituto tem em seu quadro de associados profissionais de várias
instituições e das mais diversas áreas do saber, o que lhe dá o caráter
interdisciplinar tão necessário à produção de conhecimento no âmbito das Ciências
Ambientais.
Na época que iniciava suas atividades, o IEH contou com a adesão de um
número considerável de pesquisadores, como pode ser notado no quadro abaixo:
85
Pesquisador Nº Professor da UFRJ Outra IES Sênior 11 6 5 Júnior 8 2 6
Estagiário 16 7 9 Pessoal administrativo 6 - -
41 15 20
Quadro 2 – Pesquisadores associados segundo a instituição Fonte: dossiê do IEH, 1990-1995
N=41
A criação do Instituto de Ecologia Humana foi amplamente divulgada. Cartaz
e circular sobre o evento foram expedidos a todas as universidades brasileiras,
secretarias de educação dos Estados, secretarias de meio ambiente, instituições
ambientalistas, organizações não-governamentais, principais representantes de
órgãos e instituições internacionais e representantes do poder executivo e
legislativo do Estado de Pernambuco.
Visando legitimá-lo diante da Sociedade, foi programada a instalação oficial
do instituto por ocasião do Ciclo de Palestras sobre Estudos e Programas em
Ecologia Humana, realizado no período de 9 a 11 de abril.
A sessão solene de inauguração do Instituto de Ecologia Humana foi
efetivada, juntamente com a abertura do referido evento, no dia nove de abril, às 9
horas, no salão nobre da Universidade Federal Rural de Pernambuco.
Compareceram a essa solenidade representantes do corpo diplomático e dos
poderes Legislativo e Executivo, várias autoridades, além de professores, alunos,
representantes de instituições ambientalistas e convidados especiais. A
solenidade foi presidida pelo reitor, professor Manuel Francisco de Moraes
Cavalcanti. Fizeram uso da palavra nessa sessão, além do Presidente da Sessão
86
os senhores Dr. Anthony Anderson, representante da Fundação Ford, Dr.
Mansueto de Lavor, senador da República pelo Estado de Pernambuco, e a
coordenadora geral profa. Maria José de Araújo Lima. Após a sessão solene de
instalação do instituto, foi dado início ao Ciclo de Palestras, no qual foram
proferidas 13 conferências abordando temas importantes e polêmicos sobre a
realidade ambiental brasileira, conforme pode ser visto a seguir:
- Estudo e Programas sobre questões Ecológicas suportadas pela
Fundação Ford;
- Ecologia Humana – uma base para formação interdisciplinar;
- Ecologia Humana e Saúde;
- Programa de formação de recursos humanos sob o marco das políticas
públicas;
- Controle biológico como um processo de Saúde da população humana;
- A realidade agrária brasileira e o Semi-Árido do Nordeste do Brasil;
- A expectativa do SPEC no processo de internalização do enfoque da
Educação Ambiental no ensino formal;
- Programa de capacitação de recursos humanos para a questão
ambiental;
- A política de formento a estudos e pesquisa da FACEPE no âmbito da
problemática ambiental;
- Educação e Cidadania como base para compreensão da questão
ecológica no Brasil;
- A contribuição do pequeno produtor no semi-árido nordestino para a
manutenção do equilíbrio ecológico;
87
- Devastação e violência na Floresta Amazônica;
- Estudos em Ecologia na UFRPE;
- Agricultura tropical no Brasil;
- A Política de Meio Ambiente e sua gestão no ano de 1986/1989;
- A abordagem geográfica da questão ecológica – o caso da Cidade do
Recife;
- O mito do Ecodesenvolvimento dentro do atual modelo econômico
brasileiro.
Participaram desse evento cerca de 500 pessoas entre pesquisadores,
professores, estudantes, ambientalistas, técnicos ligados aos órgãos públicos e
empresas privadas (fig.1).
Dentre os temas abordados nas conferências, destacou-se a questão da
Ecologia Humana como área de conhecimento capaz de fazer e/ou fomentar o
debate sobre a interdisciplinaridade. Nesse ponto, mostrava-se que o entendimento
das intervenções ambientais necessitava de ser entendido a luz do conhecimento
desenvolvido pelas Ciências Sociais e pelas Ciências Naturais. Apontava-se para
os estudos dos processos como um novo caminho para se produzir o
conhecimento. Era na ocasião, um debate novo na universidade, embora
historicamente velho. Outro ponto importante foi chamar atenção para o elo
cidadania e meio ambiente, elo hoje, centro de toda a questão ambiental. Além de
abordagens temáticas, esse ciclo de debate alerta às universidades para a
necessidade de criarem um fórum de debates para tratar de conhecimento
ecológico, com base social. Essa problemática hoje é o centro de todo o
88
conhecimento ambiental. Nesse sentido, IEH reafirma seu pioneirismo e o desafio
de um novo caminho para as IES.
Figura 1 – Placa comemorativa da sessão solene de inauguração do IEH
Analisando a proposta de criação do IEH e comparando com o debate nas
décadas em que estava sendo gestado percebe-se que se tratava de um avanço
considerável. Iniciava a discussão da Ecologia com o norte da dimensão social,
uma vez que até então se tratava a questão ambiental de forma extremamente
reduzida, ou seja, apenas como a eliminação do verde. O conhecimento ecológico
chegava às instituições universitárias, com a abordagem sobre ecologia energética
enfatizando o papel das cadeias alimentares. Por sua vez, do outro lado do muro
das instituições de ensino superior era travado um debate ideológico importante.
Na Região Sul, eclodia um movimento ecológico liderado por José
Lutzemberger, que criou a primeira associação voltada para a proteção ambiental
AGPAM. Essa associação desenvolveu muitas lutas em defesa do meio ambiente,
particularmente campanhas contra o uso indiscriminado de agrotóxico, combate a
poluição dos mares e rios por resíduos industriais e domiciliares, combate à caça
89
abusiva e a luta decisiva pela criação de reservas ecológicas e paisagísticas. A
partir de então, surgiram várias associações em defesa do meio ambiente, com
diferentes bandeiras. A evolução do movimento ambientalista influenciou os
parlamentares e intelectuais, que passaram a estimular a defesa do meio
ambiente, culminando com a criação do partido verde. Todo esse movimento se
dava entre meados da década de 70 e início da década de 80.
Em meio a esse movimento, surge a idéia de humanizar os processos
ecológicos, idéia essa refutada pela maioria dos pesquisadores que compunha o
corpo docente do Departamento de Ecologia da Universidade Federal Rural de
Pernambuco. Para viabilizar essa idéia, a professora Maria José de Araújo Lima
cria o Projeto “Açudagem e o processo de fixação do homem no meio rural” e
apresenta-o ao Conselho de Pesquisa, que o referenda, porém nega todo e
qualquer apoio financeiro.
Esse projeto foi caracterizado como uma atividade de pesquisa a ser
desenvolvida na região semi-árida do Nordeste brasileiro, tendo como linha
norteadora a busca de metodologia interdisciplinar para a compreensão do
processo de interação Natureza/Sociedade, no final da década de 70 e início da
década de 80 (1982). A idéia era estimular a formação de profissionais capazes de
integrar as diversas áreas de conhecimento.
O semi-árido, considerado uma das áreas singulares no Brasil, situado na
região Nordeste, berço da colonização brasileira, foi e ainda o é submetida ao
fenômeno da seca. Fenômeno este, que tem conseqüências tanto para os
90
aspectos biofísicos do ambiente como para o aspecto social notadamente no que
diz respeito ao uso e à ocupação das terras.
Seu universo era constituído por seis açudes públicos, situados no Polígono
das Secas. Seu principal objetivo foi analisar o processo de açudagem, suas
implicações sobre a fixação do homem e suas intervenções sobre os recursos
naturais.
O projeto foi um verdadeiro laboratório, porquanto pesquisa e ensino
permaneciam indissociáveis, com processamento de atividades de capacitação,
qualificação, formação profissional e transferência de informações, com a
instituição e as comunidades pesquisadas trocando informações, dentro de um
espírito de colaboração mútua.
Além da produção de conhecimento e de captação de informações que
subsidiem as políticas públicas no âmbito do semi-árido do Nordeste brasileiro, um
dos propósitos da criação do projeto era a qualificação de futuros profissionais para
trabalhar em Ecologia Humana de forma interdisciplinar. Durante o processamento
da pesquisa, à medida que eram levantados os dados essenciais para a
compreensão da realidade ecossociológica, o grupo de pesquisadores transmite à
comunidade noções básicas de educação sanitária, implantação de pomares
domésticos e recomposição da caatinga, para citar algumas de suas ações.
Preparava-se, inclusive, material educativo instrucional como estratégia de fixação
das mensagens repassadas nas comunidades.
91
Esse projeto foi o berço de outras atividades de ensino e extensão. Porém o
mais importante foi a transformação na pesquisa, pois a preocupação com o
conhecimento empírico começava a ter lugar nas propostas de pesquisa dentro da
universidade. Na realidade, o projeto açudagem foi um marco na universidade,
influenciando mudanças de valores, atitudes e compreensão do papel da pesquisa
e dos pesquisadores, daí seu aspecto revolucionário.
3.2 Ações sob forma de projetos
O Instituto de Ecologia Humana nasceu, como já foi mencionado, a partir do
Projeto Açudagem no Nordeste e o processo de fixação do homem no meio rural.
Segundo os documentos pesquisados [...]
a proposta desta pesquisa coordenada pela Profa. Maria José de Araújo Lima surgiu, no início da década de 80, a partir da constatação de que os habitantes nordestinos situados na zona semi-árida vivem, ao longo dos anos, um contínuo processo de desarticulação com o seu ambiente.
Decorrido quase um século, desde a construção do primeiro açude – Cedro-CE, a observação da realidade nordestina e a análise sobre a história do desenvolvimento econômico do Nordeste nos levaram a programar um estudo onde a preocupação básica é: avaliar a contribuição da açudagem à fixação da população rural inserida no Polígono das Secas considerando quatro aspectos: a) fonte alternativa de trabalho; b) veículo facilitador para a produção agropecuária; c) fonte de alimento; d) agente transformador da paisagem.
Foram selecionados seis açudes situados no Polígono das Secas: Soledade e Coremas, no Estado da Paraíba, Cedro, no Estado do Ceará, Poço da Cruz e Saco II, em Pernambuco, e Cruzeta, no Rio Grande do Norte.
Dada a complexidade do problema, foi definida a linha de trabalho que analisa e interpreta o processo de interação Homem/Ambiente. (O Relatório sobre a Açudagem no Nordeste e
92
o processo de fixação do homem no meio rural. CNPq; Ford; e Fundação Ford, 87-88).
Considerando a ideologia vigente, a análise sobre a proposta da grande
açudagem como fator decisivo para minimizar os efeitos da seca foi realizada a
partir dos seguintes aspectos:
a) a açudagem como fonte alternativa de trabalho;
b) a açudagem para fornecimento de água para a produção agropecuária;
c) a açudagem para abastecimento aos centros urbanos interioranos;
d) açudagem como agente transformador da paisagem (fig. 2).
Figura 2 - Painel de fotos sobre a pesquisa da açudagem
A perspectiva deste estudo foi mostrar que a construção de grandes açudes
representou, para o Polígono das Secas, a introdução de um elemento exógeno,
93
indutor de grandes e profundas transformações na paisagem. Portanto, a presença
de imensas massas d’água represada nessa zona provocou impactos, na medida
em que cobriu grandes extensões de terras, diminuiu a cobertura vegetal nativa,
provocou deslocamento de contingentes populacionais, ao mesmo tempo em que
serviu, e ainda serve, de pólo de atração populacional e de base para uma
reordenação do território. Sua eficácia, porém, resulta questionável. É, pois, essa
condição dialética da proposta da açudagem no semi-árido que nos propomos
estudar (1o Relatório de pesquisa sobre a açudagem no Nordeste e o processo de
fixação do homem no meio rural. MEC-Bid-CNPq, Ford Foundation, 1988).
Nessa pesquisa, a idéia foi promover o encontro de conhecimentos vindos
de diferentes profissionais, constituindo assim um ensaio para abordagem
interdisciplinar. Na época, essa abordagem estava ainda em domínios de poucos
filósofos, porém muito distante daqueles que faziam ciências experimentais. Nesse
sentido, o projeto açudagem foi colocado como uma nova perspectiva
metodológica, como pode ser observada nesta citação:
A complexidade do problema exige uma abordagem interdisciplinar, uma vez que a fixação do homem no meio rural depende, prioritariamente, da disponibilidade e acesso aos recursos naturais, que lhe vão permitir o desenvolvimento das potencialidades biológicas e sociais e sua conseqüente realização como entidade biossocial. Nesse particular, foi escolhida a linha de trabalho que analisa e interpreta o processo de interação Homem-Ambiente através de três ações básicas: compreensão do nível de percepção do assentamento, da ocupação do espaço e do acesso aos recursos naturais; determinação das formas de uso dos recursos naturais; identificação dos impactos causados pelos dois itens anteriores. Para tanto, adotou-se como marco teórico a análise do processo de interação Homem-Ambiente feita por Araújo-Lima (1984).
94
O acervo de informações coletadas e a vivência sobre o semi-árido
propiciada nessa pesquisa ensejaram várias outras ações.
Com o objetivo de envolver as populações pesquisadas em um processo de
melhoria das interações com os recursos naturais, foi criado o Programa de
Educação Ambiental para Comunidades Rurais do Semi-Árido. Originava-se,
assim, uma séria de ações comunitárias desenvolvidas pelas populações
assentadas às margens dos açudes. As atividades foram organizadas em 4
subprojetos.
a) educação para saúde;
b) pomares domésticos;
c) conservação de pescado e preservação das espécies;
d) recomposição da caatinga;
Figura 3 – Projeto de educação ambiental e material educativo na pesquisa da açudagem
As ações de educação para saúde centraram-se na realização do
diagnóstico sobre as doenças mais freqüentes. Os resultados assinalaram um alto
95
índice de parasitose. Então, foram criadas estratégias de reflexão coletiva para se
identificar as possíveis causas desse alto índice de parasitose. A partir daí a água
foi apontada pelos moradores da área como um dos fatores mais importantes na
transmissão de verminose. Dessa constatação, surgiu o “Projeto Água como
usofruto das comunidades rurais”. O Projeto Água tinha como objetivo principal:
implementar ações educativas que estimulassem as comunidades rurais a
internalizar novos hábitos e atitudes em relação ao manejo da água para consumo
doméstico e atividades produtivas (fig. 3).
O referido projeto foi realizado nos municípios de Soledade, na Paraíba, e
no Distrito de Jeritacó, município de Ibimirim, Pernambuco. Participaram das
atividades 600 famílias e foi atingido um total de 1.500 pessoas entre crianças e
adultos. O acompanhamento e avaliação foram feitos por membros das
comunidades em conjunto com os membros do Instituto de Ecologia Humana.
96
Figura 4 –Oficina com pequenos agricultores de Soledade-PB
No final, foi realizado um vídeo para servir de material didático para as
comunidades e para os cursos de capacitação em “Educação Ambiental” (Relatório
sobre o Projeto Água como usufruto das comunidades Rurais, Catholic Relif
Service, Ford Foundation, 1990-1993). (fig. 4).
As principais atividades do Projeto Água foram:
a) Montagem e manejo de filtro;
b) Edificação de quatro sistemas, dentro do sistema convencional;
c) Produção de vídeo;
d) Produção de material educativo.
O projeto Água foi a base para capacitação da equipe para trabalhar a
dimensão ambiental no processo Educativo não-formal.
Aqui, o forte componente foi a troca de saberes e a agregação de valor
qualitativos às informações. Para o conhecimento da realidade se introduziu, o
97
relato oral dos moradores, técnica até então desconhecida pela equipe que
associava as observações do meio biofísico, a qual dava uma visão dos
problemas, das limitações e das potencialidades de cada localidade pesquisada.
Esse conjunto de informações serviu de matéria prima para criação do programa
de educação ambiental para comunidades rurais, cujo subprojeto mais importante
foi o Água, com usufruto das comunidades rurais.
Esse projeto sofreu interrupção por falta de recurso, sendo retomado em
1997. Dessa feita, a proposta era abrangente e com aprofundamento maior, como
pode ser percebido no resumo abaixo:
O Projeto Água como elemento de usufruto das comunidades rurais, em sua
segunda fase, foi previsto para ser desenvolvido em municípios das zonas do
Agreste, Sertão e Zona da Mata, nos Estados de Pernambuco e Paraíba. A
mensagem central dessa proposta é vincular a água às condições de melhoria da
qualidade de vida. Trabalha, simultaneamente, a idéia da construção e
manutenção da organização – funcionamento da natureza em todos os níveis e, no
segundo momento, estimula-se a necessidade de distribuição e acesso da água,
com padrões de qualidade para a saúde e bem-estar das populações. O projeto
está dentro do Programa de Educação Ambiental e tenta desenvolver ações
educativas que possam contribuir para a modificação de hábitos e a internalização
de valores vinculados à conservação da água e promoção de saúde.
Desse modo, procura minimizar os problemas enfrentados pelas
comunidades rurais, ou seja, otimizar o uso desse recurso natural e, por extensão,
98
os demais recursos do entorno (vegetação e solo). A água como tema central foi
escolhido por ser na atualidade o recurso natural propenso a maior escassez em
quantidade e qualidade, além de ser um dos vetores mais importantes para a
saúde e as condições de vida na biosfera. Esses dados por si só justificam a
escolha do tema. Contribuir para a melhoria da qualidade de vida das comunidades
rurais por meio do estímulo à mudança de hábitos e atitudes em relação ao manejo
da água para consumo doméstico.
Além desse aspecto, a Água como tema central no semi-árido ensejava uma
diversidade de conhecimento subsidiando a interdisciplinaridade perseguida na
formação dos projetos.
Foram selecionados 30 municípios no Estado da Paraíba e Pernambuco,
distribuídos em 2 grupos de 15. Esses municípios estão situados nas zonas do
Agreste e do Sertão. Estão representados na Paraíba em 6 microrregiões, e em
Pernambuco em 10. Em relação à população de crianças, pode ser feita uma
estimativa a partir do seguinte dado real: no município de Fagundes, Agreste
paraibano, foram selecionadas 30 escolas com o total de 2.036 crianças. E em
Desterro, Sertão paraibano, considerado o segundo município mais pobre do
Estado da Paraíba, foram selecionadas 36 escolas, com 2.465 crianças,
perfazendo um total de 4.501 crianças nos dois municípios.
Se fizermos uma estimativa de aproximadamente 2.000 crianças por
município, o projeto cobriria 60.000 crianças.
99
Figura 5 – Oficina Educação Ambiental
Figura 5.1 – Oficina sobre educação ambiental em Desterro-PB
Suas atividades envolviam:
- Capacitar 1.000 famílias sobre as formas de uso e conservação da água
para consumo humano;
- Capacitar 1.000 famílias na montagem de filtros e técnicas de purificação
de água para consumo humano;
- Contribuir para redução da morbi-mortalidade infantil por patologias de
veiculação hídrica, nos municípios de Fagundes e Desterro;
100
- Produzir 2 álbuns seriados sobre os conteúdos e práticas trabalhadas no
projeto;
- Contribuir para a garantia do acesso à água para consumo humano nos
municípios de Fagundes e Desterro (Projeto apresentado à UNICEF,
1996).
Essa proposta foi realizada em apenas dois (2) municípios. Como produto
principal, foi elaborada uma cartilha utilizando desenhos e idéias das crianças.
101
Figura 6 – Cartilha utilizando idéias e desenhos das crianças
Esse projeto chegou a atingir diretamente 4.500 crianças e indiretamente
cerca de 22.500 pessoas. Esse trabalho foi absorvido pelo escritório do UNICEF –
Pernambuco, que o ampliou com outras ações para vários municípios desse
Estado. A cartilha serviu de feedback para demonstrar o que as crianças tinham
aprendido no processo desencadeado nas escolas.
Outro projeto importante criado a partir da grande açudagem foi a Exposição
Paisagens da Caatinga. Teve como objetivo estimular o estudo da caatinga como
instrumento pedagógico. Para tanto, foram utilizados os trabalhos do prof. Dárdano
de Andrade Lima e parte de seu acervo fotográfico disponibilizado pela geógrafa
Diva de Andrade Lima, viúva do eminente professor. Essa exposição foi também
um marco na formação do elo entre a arte e a ciência indissociável na
compreensão da singularidade daquele ecossistema. Para realizá-la o IEH investiu
102
3 anos de trabalho envolvendo mais de 10 pesquisadores. A exposição consta de
30 painéis de 1,20 x 1,80 m, onde estão afixados 4 cartazes, 12 desenhos e 154
fotografias, todos com texto e legenda bilíngüe (português-inglês). A apresentação
dos painéis segue uma seqüência onde se mostra a posição da caatinga em
relação aos principais biomas do Nordeste; há uma síntese sobre a metodologia
empregada em seu estudo e fotos com descrição das principais espécies daquele
bioma. Exibem-se também as principais estratégias utilizadas pelas plantas para
sobreviver no semi-árido. A caatinga é apresentada como um Dominium distribuído
em toda a zona semi-árida, realçando as unidades fisionômicas com suas
diferentes comunidades. A exposição finaliza com painéis alusivos à obra do
cientista e professor Dárdano de Andrade Lima.
A exposição foi exibida em congressos nacionais e latino-americanos, bem
em reuniões científicas nos estados de Pernambuco e Paraíba.
Ficou na Biblioteca da Universidade Rural para ser utilizado como material
didático, porém, infelizmente, foi devolvida ao IEH sob a alegação de que não era
utilizada e a biblioteca precisava do espaço (fig. 7).
103
Figura 7 – Exposição Paisagens da Caatinga
Com o objetivo de compartilhar o conhecimento adquirido e disseminar o
aprendizado nesse projeto, o IEH criou e ministrou o 1o Curso sobre Estudos
Avançados em Ecologia Humana. Esse curso oportunizou aos pesquisadores
exercerem a docência vivenciada sobre a realidade do semi-árido nordestino. Suas
características estão discriminadas no texto transcrito do relatório final enviado à
Ford Foundation como patrocionador.
104
O curso sobre Estudos Avançados em Ecologia Humana foi dirigido a
professores interessados na problemática ambiental. Seu objetivo foi capacitar
profissionais a trabalharem a questão ambiental dentro de uma abordagem
ecossociológica. Sua proposta foi construída a partir de um conjunto de encontros
e seminários com professores de diversas instituições de ensino superior (fig. 8).
Figura 8 – Curso sobre estudos avançados em ecologia humana
Esse evento foi promovido pelo Instituto de Ecologia Humana e a área de
Ecologia da Universidade Federal Rural de Pernambuco. Contou com a
participação de professores nacionais e estrangeiros, num total de 19 profissionais.
No processo ensino aprendizagem, adotou-se a metodologia interdisciplinar.
O conhecimento foi desenvolvido a partir do estudo de caso em duas áreas do
semi-árido nordestino: Alto do Pajeú – Pernambuco e Açude de São Gonçalo, no
alto Sertão da Paraíba. Participaram como alunos 15 profissionais, oriundos do
Brasil, Peru e Estados Unidos da América.
105
O curso teve a Estação de Serra Talhada e o DNOCS de São Gonçalo como
bases de trabalho.
A avaliação realizada com o corpo docente e discente considerou o curso
como excelente. O corpo docente foi formado por profissionais de várias
instituições (fig. 9).
Figura 9 – Curso sobre estudos avançados em ecologia humana
O conteúdo programático foi organizado em 2 ciclos. Nesses ciclos, foram
reunidos em módulos os seguintes itens:
1 – A dimensão humana nos processos ecológicos;
2 – Paisagem e expressão da dinâmica ecossociológicos;
3 – Conservação/Preservação e a manutenção do equilíbrio dinâmico;
4 – Gerenciamento Ambiental como política e prática;
5 – Desenvolvimento e a questão Ambiental;
6 – Os instrumentos sócio-políticos para construção, conservação e controle
da qualidade ambiental;
106
7 – Educação Ambiental e Educação de Base (relatório apresentado à Ford
Foudation, janeiro de 1994).
Esse curso mostrou a complexidade da construção do conhecimento ao se
integrar várias ciências com métodos diversos.
Em meados da década de 90, o Instituto de Ecologia Humana inicia sua
caminhada para tornar-se auto-sustentável. A Ford Foundation conclui seu ciclo de
financiamento, que durou 5 anos. A Universidade onde ele nasceu também não o
abrigou.
O resultado foi uma queda em sua trajetória até então marcada por
pioneirismo e uma atividade intensa. A coordenação do IEH, forçada pelas
circunstâncias, busca novos caminhos, diversifica suas atividades e assume o
compromisso de procurar sua sustentabilidade. Dos profissionais que se
beneficiaram do programa, todos procuraram outras instituições após ter finalizado
a bolsa da Fundação Ford. E os estagiários, agora profissionais, foram fisgados por
outros programas.
Entretanto, diante de todas as dificuldades a coordenação do IEH, na
pessoa da professora. Maria José de Araújo Lima e da Dra. Márcia Lima de
Azevedo Monteiro, conseguem entrar no mercado de trabalho e chegam a ganhar
licitações importantes. Em dezembro de 1996, é contratado mediante processo
licitatório para coordenar o Projeto de Elaboração do Programa de Educação
Ambiental do Estado do Ceará. Dentro desse projeto, realizou 9 seminários, tendo
107
como produto 1 documento de política (Programa de Educação Ambiental do
Ceará – PEACE) e 44 planos municipais. Paralelamente, também desenvolve o
Projeto Água, em sua última etapa como foi descrito.
A participação na elaboração do PEACE leva IEH a ter novo caminho de
trabalho. Dedica-se a propostas situadas em vários Estados com atuação em
outros ambientes. O exemplo disso foi a execução do projeto “Avaliação Ambiental
e Capacitação de Recursos Humanos para o Turismo (1998-2000). Desenvolvido
em 6 municípios do litoral oeste do Estado do Ceará (Região Turística II), teve
como principal ação capacitar os municípios para receberem o turismo como
atividade produtiva emergente. Participaram desse projeto 32 profissionais como
consultores e assistentes. Foram capacitados 150 professores da rede de ensino,
137 associações comunitárias, 52 técnicos das prefeituras e 10 estagiários (fig.
10).
Figura 10 – Momento do projeto da avaliação ambiental e capacitação
de Recursos Humanos para o Turismo
108
O caminho que o IEH buscou, não o descaracterizou como ONG, porém, a
sua atuação ficou restrita a realização de projetos demandados por governo. E aqui
ele alia-se ao trabalho de governo e tenta imprimir sua luta de trabalho que é o
processo de ação e conhecimento compartilhado e ancorado na troca de saberes.
Para sua felicidade, esta linha começa a ser desejada também pelos governantes.
Em relação ao IEH, ele passa a oferecer essa competência que o diferencia nas
concorrências. Desse modo, foi possível desenvolver atividades em ampla
participação da população nos dois projetos desenvolvidos no estado do Ceará.
Figura 11 – Aprendizado entre gerações educação ambiental e turismo Paracuru 2000
109
Ao final desses projetos, o Instituto de Ecologia Humana retorna a
Pernambuco e tenta resgatar o seu lugar. Retoma algumas atividades, entre outras
a de promover a realização do II Encontro de Educação Ambiental no Ensino
Formal, cujos detalhes estão resumidos na seguinte citação, “O Instituto de
Ecologia Humana – IEH”, então GEH, realizou, em dezembro de 1989, o ”I
Encontro Nacional de Educação Ambiental no Ensino Formal”, quando a educação
ambiental era ainda um tema emergente. Passados 10 anos, o IEH, desejando
continuar fomentando essa discussão, promoveu o II ENCONTRO NACIONAL DE
EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO ENSINO FORMAL.
A tônica desse encontro foi a inserção da dimensão ambiental no processo
ensino-aprendizagem, tendo em vista a lei de número 9795/99, que instituiu a
Política Nacional de Educação Ambiental, bem como as diretrizes contidas nos
Parâmetros Curriculares Nacionais, que colocam a Educação Ambiental no
currículo como tema transversal.
Figura 12 – II Encontro de Educação Ambiental no Ensino Formal
110
Compreender, questionar e contribuir para uma ação mais efetiva nas
escolas foi o desafio. A utopia é ver a educação e enfocar o meio ambiente em
simultaneidade com a socialização (fig. 12).
O objetivo desse encontro foi promover o intercâmbio entre professores das
redes de ensino do Brasil, visando a estimular e a aprimorar a reflexão teórico-
metodológica da dimensão ambiental no processo de educação formal.
Todas as atividades envolvidas na realização do II Encontro de Educação
Ambiental no Ensino Formal foram desenvolvidas pelos membros do Instituto de
Ecologia Humana e incluíam:
- Idealização, organização e realização do Evento;
- Seleção de trabalhos científicos;
- Produção dos anais do encontro.
Esse evento reuniu as maiores autoridades em Educação Ambiental do
País, porém a participação foi muito abaixo do esperado. A experiência foi válida,
apesar de inúmeros prejuízos financeiros. O encontro recebeu um pequeno apoio
da Petrobrás, cabendo ao IEH o ônus maior. Por problemas internos de conflito
entre o Estado, que antes havia se comprometido com a parceria, não viabilizou a
proposta firmada. Outro caminho aberto pelo instituto foi a criação de um evento
que dessa visibilidade às crianças como protagonistas de processo de
conservação da natureza partindo da compreensão das interações Sociedade-
Natureza. Para tanto, criou o Concurso Criança Século XXI e o Iº Fórum Infanto-
Juvenil de Educação Ambiental. O concurso nacional versou sobre temas ligados
111
ao Meio Ambiente, dirigido à faixa etária de 6 a 14 anos. Os temas propostos por
faixa etária foram os seguintes:
- 6 a 7 anos: crie um desenho retratando as belezas de seu lugar;
- 8 a 9 anos: escolha 5 dos temas abaixo e escreva 5 frases sobre
cada um dos temas escolhido:
O Brasil; b) água e saúde; c) o lixo; d) o ambiente humano; e) os recursos
naturais e o trabalho do ser humano; f) o solo e a produção de alimentos; g) a
Mata Atlântica; h) os recursos do mar; i) o seu lugar; j) a força da criança para a
mudança do Brasil.
- 10 a 12: anos escolha uma das 5 regiões do Brasil:
Região Nordeste – crie um poema e/ou texto sobre a importância e a beleza do Rio
São Francisco ou da Caatinga;
Região Centro-Oeste – faça um poema e/ou texto exaltando as belezas do
Pantanal ou da Chapada dos Guimarães ou da Chapada dos Veadeiros; Região
Sudeste – escolha uma cidade daquela região e faça um poema e/ou texto sobre
suas belezas ou seus problemas; Região Norte – crie um poema para a Floresta
Amazônica e/ou texto sobre a importância de sua preservação; Região Sul – exalte
as belezas da Serra do Mar com um poema e/ou texto.
- 13 a 14 anos: escreva uma carta para o futuro presidente do Brasil
perguntando: Quais os compromissos que o senhor assume para
112
garantir a sustentabilidade dos recursos naturais? Quais são os
compromissos que o senhor assume com as crianças do século 21 para
elas exercerem plenamente sua cidadania?
Os vencedores do concurso conquistam vaga para participar no I Fórum
Infanto-Juvenil em Educação e Meio Ambiente (fig.13).
Figura 13- cartaz de chamada para o Fórum
Figura 13.1 – Fórum da Criança
O Fórum Infantil sobre Educação e Ambiente é um programa do IEH com o
objetivo de integrar as crianças no processo de organização das relações
113
Sociedade-Natureza, com vistas a contribuir para a preservação dos processos
ecológicos, para a conservação dos recursos naturais e para a sustentabilidade
das relações Sociedade-Natureza comprometidas com a qualidade de vida no
planeta.
A idéia de estimular o processo de organização desde os primeiros passos
na construção da cidadania é um sonho, um desejo e uma determinação do IEH,
que entende que esse compromisso deve ser estimulado desde os primeiros
momentos do processo educativo.
O objetivo do fórum é mobilizar e sensibilizar as crianças para a sua
responsabilidade com o meio ambiente e proporcionar a elas um espaço para
reflexão e discussão dos problemas ambientais, para expressão de seus desejos e
para a reivindicação de ações voltadas para otimizar as interações sociedade-
natureza.
A realização de todas as atividades desenvolvidas nesse projeto, que
culmina com a realização do Fórum Infanto-Juvenil de Educação Ambiental, está a
cargo da equipe do Instituto de Ecologia Humana e consta da organização do
conteúdo do Fórum e oficinas sobre água, lixo, biodiversidade e vivências.
Além desses projetos, o instituto participou do Projeto para Elaboração do
Programa de Educação Ambiental do Estado de Pernambuco, na qualidade de
parceiro. Lamentavelmente, esse projeto foi interrompido por decisão do próprio
órgão governamental. A experiência para o IEH foi frustante, uma vez que o
114
caminho trilhado é realizar e realizar bem. A Secretária de Ciências e Tecnologia
não disponibilizou recursos e sugeriu finalizar o projeto com a realização de 4
seminários. Essa postura causou surpresa ao IEH e a todos que participavam
voluntariamente da proposta de trabalho.
Atualmente, o Instituto de Ecologia está desenvolvendo dois projetos no
Estado do Ceará sobre o Sistema de Cooperação Técnica. Trata-se dos projetos
Avançar e Compartilhar. O primeiro visa implantar o Programa de Educação
Ambiental do Ceará em 44 municípios e preparar cerca de 4.000 reeditores para
todo o Estado, e o segundo está dirigido para ações que consolidem o projeto
sobre Educação para o Turismo, realizado no período de 1988-2000.
115
Figura 14 – Atividades do Projeto Avançar
Este último tem uma gama significativa de publicações voltadas para o
ensino fundamental (fig. 14)
Entre os projetos realizados pelo IEH, além dos mencionados, que registram
sua história, como o Caminhar, pautado pelo pioneirismo e ousadia, estão aqueles
realizados a partir de demandas institucionais, como foi o caso do Programa de
Atualização para Gerentes do IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis), em 1994. Composto de 10 cursos destinados a
abranger profissionais de todo o território nacional, foram ministrados em Brasília
(DF), Belo Horizonte (MG), Curitiba (PR) e Recife (PE). Participaram desse evento
430 profissionais entre técnicos e gerentes do IBAMA. Sua duração foi de 6 meses
(fig. 15).
Figura 15- Curso de Gestão Ambiental
116
Figura 15.1 – I Curso de Gestão Ambiental
Para concluir, é importante listar as atividades de capacitação do IEH, bem como
as consultas que tem prestado tanto em âmbito nacional como internacional.
O Instituto de Ecologia Humana abre-se no momento para a área de saúde
e meio ambiente, onde atuou em seu início. Participa, em regime de parceria com a
Fundação Joaquim Nabuco, do Projeto Segurança Alimentar, uma proposta
pedagógica.
Ao se ler a trajetória de trabalho do IEH, tem-se a sensação de que é
possível se fazer muito, mesmo onde falta apoio governamental. Porém, somente o
desejo de realizar e o ideal de fazer acontecer tornam possível o perseverar.
117
4 ASPECTOS METODOLOGICOS: O CAMINHAR DA PESQUISA
A idéia do trabalho foi realizar uma reflexão sobre o comportamento de uma
organização não-governamental – ONG, o Instituto de Ecologia Humana, que
apresentasse singularidade em sua temática de atuação e que articulasse de modo
coerente as questões ligadas ao meio ambiente e à formação de capital social.
Essa escolha teve como diretriz a compreensão de que o papel da ONG pode se
colocar como empreendedorismo social à medida que se preocupa em solucionar
problemas sociais ou que se destina a aperfeiçoar diferentes profissionais para
atuar em questões onde a tônica é o conflito. Tratando-se da questão ambiental, o
empreendedorismo social vai agir na problemática da apropriação social dos
recursos naturais ressignificando conceitos, redefinindo comportamentos e
introduzindo novas formas de interação entre os seres humanos e os recursos
naturais, bem como entre os próprios seres humanos. Aparece uma nova forma de
conquista onde saber, conhecimento e trabalho se integram para transformar uma
realidade. Desse modo, o capital social, a troca de saberes e o empreendedorismo
tornaram-se planos para sustentabilidade da atuação.
A abordagem de pesquisa qualitativa vem crescendo substancialmente, no
campo de Administração a partir da década de 70. Em 1993, o fórum sobre
metodologia de pesquisa realizado nos Estados Unidos demonstrou que essa
abordagem traz uma grande contribuição para otimizar o trabalho nas empresas. O
estudo de caso, a pesquisa documental e os estudos etnográficos são alguns dos
tipos de investigação utilizados que demonstraram esses fatos. Através da
investigação de caráter qualitativo pode-se detectar influência de sentimentos,
118
comportamentos e valores que estão implicitamente ligados ao bom desempenho
de uma empresa.
O caráter essencialmente qualitativo da pesquisa permitiu identificar a
análise de conteúdo (AC) como...
um método de tratamento e análise de informações colhidas através de técnicas de coleta de dados realizadas por meio de entrevistas e documentos. A técnica de análise de conteúdo se aplica à análise de textos escritos ou de qualquer comunicação oral, visual ou gestual reduzida a um texto ou documento (CHIZZOTT, 1991-98).
Desse modo, a pesquisa envolveu leitura exaustiva de documentos relativos
à criação da ONG e à sua atuação no período de 14 anos. Entrevistas com atores
sociais que desempenharam função de orientador-pesquisador; e entrevistas com
atores que encontraram na ONG oportunidade de capacitação.
No tocante a importância da análise documental vale registrar os resultados
obtidos por Barry A. Turner na pesquisa sobre três (3) inquéritos públicos referente
a 3 diferentes tipos de acidentes acontecidos na Inglaterra.
Segundo Godoy (1995-p. 32).
No exame desses inquéritos, o autor procurou identificar as condições – culturais e institucionais – que favoreceram as falhas de previsão acabando por provocar tais catástrofes. Uma análise das características do conjunto de providências organizacionais e administrativas associados aos três acidentes serviu para compreensão mais apurada de como falhas de natureza organizacional, sedimentadas ao longo dos anos, acabaria por favorecer a ocorrência de tais eventos,
Portanto é importante frisar o quanto uma análise documental é uma técnica
valiosa para a abordagem qualitativa.
119
Os atores foram categorizados em 2 grupos conforme a função exercida
nono período 90-95. Desse modo, tem-se:
- o grupo de pesquisadores sêniors que nesse período exerciam o papel
de orientador;
- o grupo de pesquisadores junior que exerciam o papel de auxiliar de
pesquisa, portanto estavam em processo de capacitação.
As questões foram elaboradas também, segundo o critério utilizado na
categorização da amostra.
As entrevistas foram preparadas após a analise dos principais relatórios das
ações desenvolvidos pelo IEH. Para tanto, foi construído um questionário com
questões abertas e fechadas. Após a identificação dos entrevistados foram feitos
os contatos iniciais e marcadas as entrevistas. Para aqueles que moram fora do
Recife, os questionários foram enviados por correio eletrônico. Na análise dos
resultados, foram utilizadas técnicas de análise de discurso para as questões
abertas e tratamento estatístico para as questões fechadas. Os resultados
complementaram a análise documental.
De acordo com a tabela abaixo, o conjunto de entrevistado está distribuído
em diferentes faixas etárias.
120
% 1-18 a 21 2 11,11 2-22 a 24 3 16,66
3-31 a 32 4 22,22
4-32 a 46 3 16,66
5-68 a 71 1 5,55 6- NÃO RESPONDERAM 5 27,8 TOTAL 18 100
Tabela 1 - Distribuição por idade dos entrevistados – 2004
Na década de 90 a 2000 os participantes do IEH no que diz respeito as
categorias de pesquisador estão na faixa entre 22 a 46 anos que na época era
considerada a faixa da PEA (população economicamente ativa) mais ativa.
Para seleção dos entrevistados, foi utilizado o dossiê sobre o Instituto de
Ecologia Humana, onde estão registradas as atividades do período de 1990 a
1995. Essa lista foi completada com informações retiradas dos relatórios. Em
algumas situações, os entrevistados faziam indicação. Com isso, formou-se uma
amostra intencional. A preocupação foi envolver pessoas que tivessem vivenciado
a trajetória do Instituto de Ecologia Humana.
As entrevistas foram efetuadas a partir de questões abertas onde o
entrevistado tivesse a liberdade de decorrer sem limitações. O conteúdo do roteiro
privilegiou opiniões sobre a instituição, sobre os projetos desenvolvidos e sobre as
percepções, sentimentos e desejos de cada entrevistado. Ao todo, foram
realizadas 22 entrevistas distribuídas de modo eqüitativo nos dois grupos de
atores. Finalmente, foi colocada a avaliação do ator responsável por sua fundação.
121
5 A VISÃO DOS ATORES E OS DESAFIOS DO EMPREENDEDORISMO SOCIAL DIFERENCIADO
A singularidade do Instituto de Ecologia Humana inicia-se com sua origem
dentro da universidade, instituição de ensino superior que primava por pesquisas
sofisticadas e em que o status dos pesquisadores era medido pelo volume de
trabalho publicado em revista estrangeira. Contrariando o vigente na época, o IEH,
nasce dentro de uma pesquisa que questiona a estratégia mais difundida para
combater os efeitos da seca: a estratégia da grande açudagem. O primeiro relatório
dessa pesquisa aponta para a necessidade de uma abordagem interdisciplinar e
coloca também a necessidade de ouvir a população sobre suas necessidades e
seus saberes. Essas observações constituíram o desafio, como pode ser
constatado nos relatórios de profissionais que participaram do projeto. Afirma-se,
em sua maioria, que:
O Instituto teve um papel muito importante na formação de uma consciência ambiental tanto dos profissionais quanto dos estudantes que passaram ou que estiveram em contato com ele. A Profa. Sempre primou pela promoção da interdisciplinaridade e de abordagens participativas na execução das atividades de pesquisa, educação e desenvolvimento do Instituto. Vale ressaltar, ainda, o pioneirismo sobre questões conceituais com que a Profa. Tratava as pesquisas que desenvolvia no Instituto. Sem dúvida, um marco no desenvolvimento da sociedade nordestina e da brasileira (GERALDO MAJELLA, PhD, 48, engenharia agronômica, entrevista).
Esse pronunciamento põe em evidência os grandes desafios enfrentados
pela idealizadora da pesquisa e do Instituto, que era mostrar a relevância do saber
local para soluções dos problemas ambientais; colocar a multiplicidade de
experiências para, juntos, redescobrirem a realidade; propiciar aos jovens em
formação conviverem com profissionais de alto nível no enfrentamento de uma
122
nova metodologia de trabalho; e, finalmente, mostrar as limitações de conduzir um
trabalho dessa natureza.
Naquela década a especialização e a importância do método experimental
era a base de todo o pensamento científico
Os conhecimentos ecológicos centravam-se nos ecossistemas, onde
preponderavam as interações entre os fatores biofísicos (água, solo, vegetação e
fauma). O homem não era considerado e tão pouco se chamava atenção para a
relação homem-natureza. Nesse sentido Resende, destacou o papel do IEH na
introdução dessa problemática.
O IEH representou um esforço peculiar no enfrentamento da relação homem-natureza. Havia um grande esforço na conscientização e treinamento das pessoas (RESENDE, 64, PhD, engenheiro agrônomo, entrevista).
O destaque dado à relação homem-natureza remete à posição de avanço e
ousadia, pois hoje é o debate central da questão ambiental. Outro aspecto
importante é indicado pelo pesquisador e ambientalista Luiz Lyra,quando afirma:
Na minha ótica, o IEH surgiu numa fase do movimento ambientalista, onde a prioridade era a denúncia. A preocupação era a preservação sem a inserção do ser humano. Estava o movimento ecológico muito mais voltado para a preservação da cobertura vegetal e dos animais ditos em extinção. O IEH surgiu com uma nova proposta, onde o ser humano – o ecossistema social com suas peculiaridades – passava a ser o foco das discussões. O IEH procura na época, ousava apresentar uma proposta revolucionária de trabalhar o meio ambiente com o homem inserido no contexto. Esta visão permitiu a composição de equipes multidisciplinares, o que possibilitou uma percepção da educação ambiental sobre um enfoque mais holístico e com objetivo de transformar a partir das comunidades impactadas e menos favorecidas (LUIZ LYRA, 59 – geólogo, entrevista).
123
Enquanto se primava para especialização o IEH, estimulava e criava
caminhos para a visão integrada do conhecimento. Referindo-se ao IEH, Maranhão (35, especialista em educação ambiental)
registra:
a sua importância prende-se ao fato de ter oportunizado a formação de recursos humanos para trabalhar o conhecimento de forma multi e interdisciplinar, a partir da compreensão da relação natureza/sociedade e do homem e como ser biossocial”.
Em termos de integrar-se ao movimento da sociedade, o IEH representou
uma ONG que buscava espaço dentro do debate ambiental, trazendo a relação
sociedade-natureza para o centro das discussões estimulando a produção do
conhecimento. Tal postura significou imprimir outra matriz ideológica na discussão
ambiental. Por não encontrar respaldo nas agências financiadoras nacionais,
captou recursos internacionais, inicialmente do Programa MAB (Man and
Biosphera) da UNESCO e, em seguida, da Ford Foundation, que sustentou o IEH
por 5 anos. Entre outros, o caráter inovador, as idéias, ações e ética consistentes
foram alguns dos pontos importantes para consolidar o apoio da Fundação Ford.
Fazendo uma síntese das respostas percebe-se que 100% dos
entrevistados reconhecem o papel pioneiro do IEH como está demonstrado na
tabela (2).
124
IMPORTÂNCIA DA ONG NA DÉCADA DE 90 1. Contribuição para divulgação e expansão da Ecologia humana 6 2. Promoção de cursos e projetos na comunidade 1 3. Formação de profissionais 1 4. Composição de Equipes Multidisciplinares 1 1 e 2 1 1 e 4 2 1 e 3 3 Outras respostas 2 Não respondeu 1 Total 18
Tabela 2 – Importância da ONG na década de 90 - 2003
Grande parte dos pesquisadores da Universidade Federal Rural de
Pernambuco não compreendia a dimensão do IEH, porém o pesquisador Luiz
Bezerra, que esteve a frente de dois importantes cursos, confirma o papel do IEH
na inovação do conhecimento dentro daquela IES, quando expressa:
a importância do IEH foi muito grande, por estar instalado na UFRPE, tendo como professores a coordenadora do Curso, Maria José, e outros, que colaboravam com o IEH na difusão da educação ambiental junto aos alunos de diversos cursos oferecidos pela Universidade e pela formação de profissionais nesse campo de atividade (LUIZ BEZERRA, 80, Químico, entrevista).
Essas idéias são corroboradas por Rivaldo Mafra, quando diz que o IEH teve
papel de destaque na “contribuição para as pessoas e as instituições pela
divulgação da Ecologia Humana e a implantação da conscientização ambiental na
UFRPE” (RIVALDO MAFRA, 70, engenheiro agrônomo, entrevista).
O Instituto ofereceu estágio para 40 estudantes em um período de 5 anos.
Lá se congregavam estudantes das áreas de ciências naturais e sociais, que
tinham oportunidade, tanto de discutir com os seus pares como de conhecer
profissionais de outros Estados e países.
125
Para se ter uma idéia sobre o sentimento partilhado pelos jovens, que na
época eram recém-formados ou estavam ainda na posição de estudante, foram
feitas entrevistas iguais àquelas utilizadas para coletar informações dos
pesquisadores orientadores, ou seja, dos pesquisadores seniores na época. A
análise dessas entrevistas mostra que o IEH era percebido como espaço inovador
dentro da universidade, quando se afirma que “naquele período destacava-se
perante outros grupos de pesquisa no Estado, em função do tipo de projeto e
subprojetos que possuía, em geral com idéias inovadoras e sempre permeando a
multi e a interdisciplinaridade” (ELBA FERRAZ, 40, bióloga, entrevista).
O IEH foi uma oportunidade de crescimento e aprendizagem das questões que relacionavam a forma de interação do homem com as condições de seu entorno. Representava uma outra abordagem da ecologia não trabalhada na época pelos demais profissionais da área de ecologia da UFRPE (LIMA, 40, bióloga, doutora em Ecologia, entrevista).
Ponto importante também foi a inserção de novas abordagens em áreas de
conhecimento extremamente fechadas, como era o caso da Botânica. O projeto
açudagem iniciava o entendimento da caatinga, “o ecossistema típico do semi-
árido nordestino, pelo entendimento das formas de uso da flora. Isso representou o
novo para os botânicos, como está registrado na afirmativa da botânica Margarete
Sales”:
O IEH foi muito importante porque treinou vários novos botânicos, incentivou outros, trazendo novas metodologias e abordagem. Contribuiu também para se criar uma nova mentalidade na UFRPE, da importância das ONGs, vinculadas a instituições públicas, na busca de soluções e recursos para os problemas do Nordeste (MARGARETE SALES, 40, botânica; sistemática, entrevista).
126
Outro aspecto apontado como relevante foi a atuação dos pesquisadores na
comunidade. A proposta de trabalho previa a participação da população na coleta
de dados, na discussão dos resultados e na contribuição de sugestões para a
solução dos problemas. Essa conduta foi muito criticada por parte significativa dos
pesquisadores, incluindo alguns que pertenciam ao staff do Projeto. No entanto, o
sentimento da maioria do grupo era que o caminho devia ser este, envolver a
população em todos passos da pesquisa, como está ressaltado no depoimento:
Para mim, o IEH foi a grande oportunidade de adentrar o campo da pesquisa científica com uma instituição séria, que se pautava por uma nova visão de atuação entre os pesquisadores e as comunidades, onde já na própria pesquisa tentávamos achar soluções e não apenas ficar nos relatórios (JOSÉ ERICSON, 47, engenheiro florestal, entrevista).
A importância da IEH na época foi evidenciada como inovadora na formação
e/ou na atualização de profissionais como mostram as tabelas abaixo:
O QUE O IEH FOI NA ÉPOCA PARA VOCÊ? - 2003 Pesquisadores Senior
Oportunidade de adentrar ao campo da pesquisa científica 1 12,5% Oportunidade de conviver com pessoas numa região hostitaleira, como objetivo de sermos úteis
1 12,5%
Ampliar meus horizontes sobre as relações ecológicas do homem no semi-árido
1 12,5
Não responderam 5 62,5 Total 8 100%
Tabela 3 – A importância do IEH para os pesquisadores seniores - 2003
127
O QUE O IEH FOI NA ÉPOCA PARA VOCÊ? Pesquisadores Junior
Desenvolvimento de perfil profissional 3 60% Crescimento técnico 1 20% Espaço aberto para realizar a análise crítica da questão ambiental 1 20% Total 5 100%
Estagiários Desenvolvimento de perfil profissional 1 33% Crescimento técnico 1 33% Oportunidade de interdisciplinaridade 1 33% Total 3 100%
Tabela 4 – A importância do IEH para os pesquisadores juniors - 2003
Esse mesmo sentimento é resultado pelo pessoal administrativo; conforme
está na tabela abaixo:
O QUE O IEH FOI NA ÉPOCA PARA VOCÊ? - 2003 Apoio Administrativo
Oportunidade de promover a questão ambiental 1 50% Não respondeu 1 50%
Tabela 5 – A importância do IEH para o apoio administrativo - 2003
Outra visão coloca o Instituto como referência em estudos ambientais.
Nesse particular, era mostrada a importância de seu papel disseminador de novas
idéias. A opinião do geógrafo Mauro da Silva faz referência a esse fato:
O IEH é uma referência nos estudos ambientais. Na época, conhecia-se pouco sobre ecologia humana. O IEH teve um papel importante na divulgação e expansão das idéias da ecologia humana, e aliada a atividades (pesquisas) práticas (relacionada ou vinculada à comunidade). (MAURO SILVA, 44, Geógrafo, entrevista).
Completando essa idéia, Monteiro (40, Médica, entrevista) afirma:
O IEH foi pioneiro em muito do que se faz hoje no Brasil em Meio Ambiente, principalmente em Educação Ambiental, Educação e Saúde, Ecologia Humana, Formação de Quadros para Meio Ambiente, Gestão Participativa. Tinha e tem uma forma particular de trabalhar com as comunidades.
128
Criou o seu próprio referencial teórico para trabalhar em Meio Ambiente, Ecologia Humana e Educação Ambiental. Foi pioneiro também na ênfase sobre a Qualidade de Vida, dada em seus Projetos, Estudos e Trabalhos com as comunidades. Além disso, seus estudos sobre o semi-árido, realizados em torno do Projeto Açudagem, forneceram a base, o referencial teórico e a metodologia para se desenvolver trabalhos interdisciplinares.
No âmbito da saúde, a contribuição foi significativa. O projeto-mãe do IEH
desenvolveu uma pesquisa sobre saúde e meio ambiente tida como revolucionária.
Desenvolvido como subprojeto, o segmento saúde teve como objeto central a
interação água-seres humanos.
A água, então, passou a ser vista como elemento de usufruto das
comunidades rurais e facilitadora do processo produtivo. Desse modo, a água foi
ressignificada como recurso natural, por ser compreendida como elemento básico
para a vida, portanto um bem social. O projeto contou com o envolvimento da
população em âmbito familiar, como grupo, e em âmbito individual, quando um
grupo de jovens desempenhou o papel de entrevistadores. A experiência foi
gratificante e exitosa. Dela brotaram o Projeto Água e o Projeto Educação, Meio
Ambiente e Saúde. Para se ter uma idéia da dimensão desse trabalho,
apresentam-se aqui seus principais passos:
O diagnóstico do nível de vida e saúde apontou para uma população com
precárias condições de vida, onde se destacam: a alta prevalência de
enteroparasitos encontrada (86,41%); o manejo inadequado da água, dos
alimentos, do lixo e dos dejetos; a pobreza da ração alimentar. Esses resultados,
somados à identificação das fruteiras existentes na região, particularmente nos
129
quintais das habitações consideradas, levaram ao estabelecimento das ações
“Educação Sanitária” e “Pomares Domésticos”.
O programa de educação sanitária teve início após a realização de exames
parasitológicos de fezes em 118 indivíduos de 24 famílias das 60 que compõem a
amostra do projeto “Açudagem no Nordeste e o processo de fixação do homem no
meio rural”.
Foram realizadas visitas domiciliares para entrega dos resultados dos
exames realizados, distribuídos fármacos vermicidas e orientado o tratamento dos
indivíduos parasitados.
Nessa ocasião, cada família, representada pelos adultos por ela
responsáveis, foi questionada a respeito da origem dos vermes encontrados, sendo
comum a idéia de que estes provinham da água e da terra; houve ainda respostas
como: “a giárdia vem da barata”, “... da lama do pote”, “da água e das fezes”, “da
poeira...”, “por causa do tempo, comer desmantelado, comer tudo que acha”, e
ainda “... a pessoa nunca toma remédio, assim... né”.
Questionou-se também a respeito do que entendiam por saúde e do que
seria necessário para se ter saúde.
Foi geral o conceito de saúde como ausência de doenças e relativamente
freqüente a associação do estado de saúde com a capacidade de realizar trabalho
e a existência de uma boa alimentação.
130
A limpeza e a alimentação foram as condições apontadas como necessárias
para a existência de saúde; entretanto, a necessidade de tomar remédio foi a
condição mais freqüentemente apontada, condizente com o conceito que a maioria
tinha de saúde como ausência de doença. Apenas duas famílias relacionaram a
necessidade de tranqüilidade à existência de saúde.
De posse dos resultados do levantamento realizado sobre a origem,
transporte e armazenamento da água utilizada, existência e utilização de filtro nos
domicílios, origem e tratamento dado aos alimentos consumidos, destino do lixo e
das fezes, existência de fossas e esgotos, características gerais da habitação,
existência de animais domésticos, foram fornecidas, famílias por famílias,
orientações a respeito do manejo adequado da água, dos alimentos, do lixo e
detritos.
Foi enfatizada a necessidade de utilização de filtro pelas famílias, como
forma de minimizar o processo de infecção/infestação verificado. Entretanto, a
queixa freqüente era a dificuldade de repor a água várias vezes por dia em filtros
comuns, dada a grande demanda das casas que não contam com água potável.
Para enfrentar a dificuldade, contamos com a colaboração do prof. Padre
José Nogueira Machado, físico da UNICAP, que idealizou e construiu um filtro
utilizando fôrmas de barro, recipientes de uso corrente na região, com capacidade
para cerca de 40 litros de água. Este serviria de modelo a ser reproduzido pela
comunidade.
131
A análise da percepção da comunidade acerca da origem dos parasitos, de
sua condição de saúde-doença, além do conhecimento das condições sanitárias
em que vivem essas famílias, orientou todo o programa de educação
implementado, inclusive a criação do material instrucional utilizado.
O material instrucional produzido consta de uma série de 4 cartazes que
retomam os temas: o que é saúde, o que é preciso para ter saúde e a origem e
formas de contaminação pelos vermes.
Após as conversas domiciliares, os indivíduos foram convidados para uma
reunião, onde foram retomados os pontos discutidos nas visitas domiciliares,
apresentados os resultados da pesquisa sobre as condições sanitárias da
população e prestados esclarecimentos sobre as enteroparasitoses encontradas na
região. Nessa reunião, foi também testado o material instrucional produzido. Houve
ainda sugestão por parte da comunidade de realização de outras reuniões para
discussão de temas sobre saúde, de interesse dos participantes, tendo sido
sugeridos alguns temas para reuniões futuras (Relatório Açudagem e o processo
de fixação do homem no meio rural – 1988-1990).
Refletindo sobre esse projeto, verifica-se que, em cada passo, há muito do
que é hoje realizado no Programa de Saúde Familiar desenvolvido em âmbito
nacional.
132
A idéia subjacente em suas atividades era fazer a população reconhecer
suas condições de vida, identificando as causas e apontando soluções.
Tal conduta valorizava os atores sociais e mostrava que na solução dos
problemas a população tinha que ser ouvida.
Em toda a atuação do IEH, é possível identificar como sua principal
mensagem a questão da conscientização sobre a importância de se entender a
interdependência natureza-sociedade. Em sua ideologia de trabalho, o homem é
natureza e a sociedade é dependente intrinsicamente da natureza. Logo, ela
também faz parte dos elos que integram o planeta Terra. Essa mensagem é hoje a
palavra de ordem de todo o referencial para estudos e trabalhos que focam o meio
ambiente.
Sob essa ótica, muitos jovens daquela época, hoje pesquisadores,
reconhecem a importância dessa mensagem, quando enfatizam que o IEH trazia e
traz ainda hoje uma mensagem muito clara sobre a relação Homem-Natureza e
Sociedade-Natureza. Esta tabela mostra as respostas e a afirmativa sob a
mensagem do IEH.
QUAL A MENSAGEM QUE O IEH COLOCAVA NA DÉCADA DE 90? 1 - Ação Educativa Ambiental 2 11,1% 2 – O Homem como parte integrante do Ecossistema 4 22,2% 3 – Necessidade de atuação multi e interdisciplinar 2 11,1% 4 - (1 e 2) 1 5,6% 5 – (1, 2 e 3) 1 5,6% 6 – Outras respostas 2 11,1% 7 - Não responderam 6 33,3% Total 18 100%
Tabela 6 – A mensagem do IEH na década de 90 - 2003
133
Assume como pressuposto teórico que a intervenção do homem na natureza
é determinada pelos tipos de sociedade, e não apenas fruto de um aumento
populacional sobre o globo.
Tinha e tem uma forma muito peculiar de trabalhar em Meio Ambiente; sua
Metodologia de trabalho parte sempre da compreensão (percepção da população
de sua relação com os elementos naturais construídos, para o entendimento da
relação que se estabelece em um momento particular entre o ser humano e os
elementos da natureza).
O IEH procurava sensibilizar e conscientizar cientistas e públicos em geral da importância de visualizar o homem como parte integrante dos ecossistemas. E de que os ecossistemas não podiam ser entendidos como bens particulares. Tratava-se de bens públicos e que sua harmonia dependia da atuação responsável de todos (LIMA, 40, ecóloga, entrevista).
O Instituto foi de grande relevância pela produção de conhecimentos e pela formação de pessoal no que se refere à reflexão sobre as relações natureza/sociedade tomando como base o diagnóstico de diferentes realidades locais (MAGELA, 48, agrônomo, entrevista).
Além da concepção, foi reconhecido o papel que o IEH desempenhou,
demonstrando concretamente a indissociabilidade da pesquisa-ensino-extensão.
Seu trabalho inspirou e reforçou a idéia de que o conhecimento também estava na
leitura da realidade, como condição para o salto qualitativo das soluções regionais.
Foi um aprendizado que se distinguiu na formação dos jovens.
No IEH, aprendi a pesquisar e trabalhar em comunidade; a realizar trabalhos de forma participativa e a trabalhar a
134
interdisciplinaridade. Aprendi sobre o elo entre Saúde, Meio Ambiente e Qualidade de Vida, tão em vigor nos dias de hoje, já na segunda metade dos anos 80 (CHALEGRE, 47, bióloga, entrevista).
A cidadania também fazia parte de seu conteúdo. O meio ambiente, os
recursos naturais e boas condições de vida eram a tônica que sustentava a auto-
estrutura. Essa marca ficou como símbolo da luta diferenciada que o IEH
encaminhou em busca da cidadania.
Uma mensagem otimista e de conscientização dos direitos e também de luta pela consolidação da cidadania. O foco no semi-árido também tinha um papel fundamental para a sua diferenciação (BARRETO, 44, engenheira química e professora de Inglês, entrevista).
Para se ter uma idéia do nível do grupo na época e se avaliar o quanto era
inovador o trabalho do IEH, demonstra-se a titulação dos entrevistados na tabela 7.
TITULAÇÃO DOS ENTREVISTADOS NO MOMENTO DA PESQUISA
1 – Doutor 5 27,8% 2 – Mestre 4 22,2% 3 – Especialista 5 27,8 4 – Aperfeiçoamento 1 5,6% 5 – Não responderam 3 16,6% Total 18 100%
Tabela 7 - Titulação dos entrevistados no momento da pesquisa - 2003
DOS PROJETOS QUE PARTICIPOU, QUAL O MAIS IMPORTANTE?
1 – Açudagem no Nordeste e o processo de fixação do homem no meio rural 12 66,7% 2 – Programa de Educação Ambiental do Estado do Ceará – PEACE 2 11,1% 3 – Não identificado 1 5,6% 4 – Não responderam 3 16,6% Total 18 100%
Tabela 8 – Identificação do projeto mais importante - 2003
135
Como se percebe o projeto Acudagem era o centro do trabalho e foi
considerado o mais importante.
Vale salientar a capacidade empreendedora da professora Maria José de
Araújo Lima, pois se adentrando nos resgates históricos do Instituto de Ecologia
Humana e analisando os depoimentos percebe-se que, desde os seus primeiros
passos até as ações mais recentes, é o pilar central da instituição, para que os
sonhos e desejos sejam transformados em objetivos e redundem em realizações
sociais.
Alguns atributos próprios das biografias de reconhecidos empreendedores
fazem parte da forma de ser da professora: perseverança, coragem, liderança,
visão de futuro. Para explicitar nossa observação, apresentamos as visões de
profissionais que atuaram em empreendimentos do IEH, emitidas como resposta
para uma das seguintes perguntas, constantes nas entrevistas realizadas: o que a
professora Maria José representava para o IEH e para você; o que o Sr(a) diria à
profa. Maria José de Araújo Lima pela criação do IEH.
Ela era a própria alma do IEH (MAURO SILVA, 44, professor, entrevista)
A professora Maria José era a Alma do IEH. Ela o criou e colocava toda a sua força na idéia de construir uma instituição que abordasse a questão ambiental de forma diferenciada ao “modismo verde” que imperava na época. Foi muito importante para minha formação profissional (CASSANDRA PESSOA, 37, medica sanitarista, entrevista)
136
A coordenadora do IEH é pessoalmente uma grande amiga, profissional, inteligente e “grande mãe” (FELIPE CARVALHO,32, engenheiro de pesca, entrevista).
A professora Maria José era a coordenadora, sendo sua principal e
única liderança. A professora era, para todos nós, um referencial
(MARIA RODAL, 47, bióloga, entrevista).
Tudo, pois como maestra da equipe mostrava a responsabilidade que tínhamos como pesquisadores e como cidadãos (JOSÉ VIANA, 47, engenheiro florestal, entrevista).
Coordenadora e orientadora (ARTHUR PEREIRA, 34, engenheiro e pesca, entrevista). Para mim, uma professora e pesquisadora segura, competente, inovadora, de visão futurista, e acima de tudo transmitia muita garra. Também muito mãe dos que conseguiam ser seus filhos (ELBA FERRAZ, 40, bióloga, entrevista). Para o IEH ela representou a própria instituição. A mola propulsora, as idéias, a capacidade de realização. Para mim, profa. Zita representava a realização de ideais. Uma pessoa que mostrava poder atingir objetivos a nível conscientizador (KÁTIA BARRETO,44, professora de idiomas, entrevista).
Para o IEH, ela representou o elo, a articulação, a sustentação de todos os
projetos de atividades a serem desenvolvidos; representava a lei. Para mim, a
profa. representava o saber, o conhecimento na transposição das experiências de
vida. Uma das maiores autoridades do conhecimento da Ecologia Humana e,
acima de tudo, uma pessoa que eu sabia que era uma grande amiga.
Em primeiro lugar, parabenizar pela coragem e determinação e a boa ousadia em quebrar os preconceitos dentro do ambiente acadêmico. Maria José seguiu os passos do prof. Vasconcelos Sobrinho, dando um formato mais amplo, onde o homo sapiens é foco como elemento ativo e participativo dentro dos processos ambientais. Enquanto Vasconcelos se preocupava com a desertificação, Maria inclui os seres que sofrem tal fenômeno. Por
137
outro lado, Maria não isola o ambiente do contexto social. Sua luta vai além da preservação da Mata Atlântica, da defesa das baleias; ela é uma verdadeira educadora ambiental. Sabe que um povo educado, que tem cultura e acredite em sua própria força, será um instrumento de harmonia e preservação da própria espécie e das quais o ser humano depende. Educação ambiental é sua “arma” no combate à destruição dos ecossistemas (LUIZ LIRA, 59, geólogo, entrevista). A profa. representou e representa hoje o principal membro do IEH, por ser uma profissional de grande capacidade técnica e humana, com profundo conhecimento das questões ambientais (MARIA GARCEZ, 34, geógrafa, entrevista). Um talento especial para coordenar idéias e ações (MAURO RESENDE, 64 professor aposentado, entrevista). A profa. era e é a célula principal do IEH. É a mentora do Instituto. Na época foi minha orientadora e muito aprendi com ela. No final de 1989, deixei de ter participação ativa com o Instituto. Hoje a profa. Maria José continua a ser uma profissional pela qual tenho bastante respeito (ELCIDA ARAÚJO, 40 anos, professor, entrevista). O Instituto teve um papel muito importante na formação de uma consciência ambiental tanto dos profissionais quanto dos estudantes que passaram ou que estiveram em contato com o Instituto. A profa. sempre primou pela promoção da interdisciplinaridade e de abordagens participativas na execução das atividades de pesquisa, educação e desenvolvimento do Instituto. Vale ressaltar, ainda, o pioneirismo sobre questões conceituais com que ela. tratava as pesquisas que desenvolvida no Instituto. Sem dúvida, um marco no desenvolvimento da sociedade nordestina e da brasileira (GERALDO LOPES, 48, engenheiro agrônomo, entrevista).
Um componente da personalidade e da prática da profa. Maria José a
caracteriza de forma incontestável como empreendedora, o de não se acomodar
com as conquistas. Há uma inquietação presente na sua história de vida, que faz
com que, num ritmo intenso, almeje sempre novos e difíceis desafios.
Sua formação como educadora tem início quando opta pelo curso de
Formação de Professora, no nível secundário. Cursa História Natural, escolhe
138
como mestrado a área de Educação, especializa-se em Ordenação de Território e
doutora-se em Geografia Humana. Tem como linha de trabalho Ecologia Humana
desde da década de 70, quando fez o primeiro trabalho no Brasil e publicou o
primeiro livro sobre Ecologia Humana, realidade e pesquisa. Continuou sua carreira
como educadora lecionando em várias universidades do Nordeste. Na qualidade
de pesquisadora, participou de projetos relevantes, como a Açudagem, já
referenciada.
A década de 90 representou um marco do processo de construção da
carreira da empreendedora. Além de consolidar a criação do Instituto de Ecologia
Humana, leva para todo o Brasil a mensagem da importância histórica da relação
sociedade-natureza por meio de cursos, palestras, seminários e da publicação do
livro Ecologia Humana: Realidade e Pesquisa, editado pela Editora Vozes, em
1982. Abria com suas idéias a perspectiva de discussão sobre a questão ambiental
a partir do questionamento da interação entre os países dominados e dominadores
e da consciência da necessidade de se rever a apropriação social dos recursos
naturais. Desse modo, fechava como tema central da questão ambiental a
compreensão da interdependência sociedade-natureza.
Inspirada ainda no Projeto Açudagem e em conjunto com os jovens
estagiários criou o Projeto Água como usufruto das comunidades rurais. A idéia
nasceu da necessidade e do desejo de se promover ações para melhorar a
qualidade de vida da população. Detectado como um recurso natural que está
intimamente relacionado com as condições de vida e de saúde das populações em
geral, a água tem sido um dos vetores mais significativos na prevalência do alto
139
grau de parasitose das comunidades rurais, particularmente nas crianças em idade
escolar. Teve como principal objetivo promover a incorporação de práticas e
conhecimentos sobre uso e conservação da água visando contribuir para a
melhoria da qualidade de vida e para a conservação da qualidade de vida na
totalidade do planeta Terra.
Como desdobramento do Projeto “Água como usufruto das comunidades
rurais” promove o Fórum Infanto-juvenil, representando a visão de futuro em
relação ao debate sobre água como recurso natural. Esse fórum tem a finalidade
de reunir crianças e adolescentes que desejem se tornar ativos em questões
relacionadas à ecologia, à defesa do ambiente como patrimônio comum da
humanidade, à proteção das riquezas ecossociológicas e ao bem-estar da
sociedade:
• Refletindo sobre a relação dos seres humanos com a natureza;
• Compreendendo e aprimorando essas relações;
• Construindo e ampliando sua compreensão sobre as relações entre a
sociedade e a natureza para o desenvolvimento sustentável;
Seu objetivo foi mobilizar e sensibilizar as crianças para a sua
responsabilidade com o meio ambiente, proporcionando a elas um espaço para
reflexão e discussão dos problemas ambientais, para a expressão de seus desejos
e para a reivindicação de ações voltadas para conservação dos Recursos Naturais,
do ambiente e da beleza das paisagens brasileiras.
140
Em 2003, cria e lidera o Projeto Avançar, cuja atividade central é a
implantação do Programa de Educação Ambiental do Ceará, atingindo 184
municípios. Essa proposta representa um compromisso, pois em 1997 a referida
professora coordenou o Projeto de construção do Programa de Educação
Ambiental. No período 97/99, idealiza o Projeto Realidade para Capacitação em
Educação Ambiental, que visa promover o encontro de diferentes atores dos
municípios da costa oeste do Ceará, visando obter subsídios para o processo de
capacitação de recursos humanos necessários à implantação eficaz e eficiente do
Projeto de Educação Ambiental direcionado para o desenvolvimento do Turismo no
Nordeste, dentro do PRODETUR-CE.
Com isso leva às comunidades a mensagem de um turismo diferenciado sob
o slogan “vamos trocar o turismo mercadoria pelo turismo bem-estar”. Mobiliza os
principais atores sociais dos seis municípios e implementa uma capacitação de tal
modo que deixa no município uma massa crítica de atores sociais capazes de
questionar e discutir os rumos dessa atividade emergencial.
Finalmente, em 2004, à frente da Coordenação de Meio Ambiente da
Fundação Joaquim Nabuco, junto com os pesquisadores, cria o Projeto Segurança
Alimentar, uma questão ambiental, e leva às escolas da rede municipal a discussão
sobre quantidade e qualidade alimentar. Os pesquisadores entram em contato com
a realidade curricular e transformam essa idéia em uma proposta pedagógica.
Conclui-se a apresentação das realizações da professora Maria José de
Araújo Lima registrando que suas ações sociais são moldadas por características
141
marcadamente empreendedoras, como: criatividade, ética, enfrentamento de
desafios e perseverança.
Sua história de vida, principalmente no tocante à criação e luta permanente
para a sustentabilidade do IEH, mesmo enfrentando preconceitos e escassez de
recursos, é um exemplo que serve de referência para a propagação da verdade de
que é possível concretizar os sonhos, estimulando as pessoas a participarem do
bom combate.
142
6 CONCLUSÕES
A análise dos documentos e as entrevistas permitem confirmar o caráter de
empreendedorismo social na proposta de trabalho do Instituto de Ecologia
Humana. Esse caráter é diferenciado à medida que seu foco é a capacitação de
pessoas para compreender a complexidade das relações Sociedade-Natureza,
dentro do processo histórico de formação de diferentes estilos de Sociedade, com
vistas a estimular um reordenamento dessas relações. O importante é assinalar
que a empreendedora, no caso a profa. Maria José de Araújo Lima, foi reconhecida
por todos que participaram da pesquisa como um agente de transformação social,
criador de diferentes formas de articulação entre a formação de capital e
empreendedorismo, utilizando o debate mais atual naquela década, que era o
descortinar da questão ambiental.
A maestria de propiciar o encontro entre estudantes e pesquisadores
possibilitou uma metodologia de aprendizagem com alto poder de potencializar as
habilidades dos jovens. Tanto é assim que todos aqueles que tiveram essa
oportunidade reconhecem a importância para seu desempenho profissional. A
principal limitação encontrada para levar à frente esse empreendimento foi, na
época, a falta de alcance dos dirigentes, cujo apoio era profundamente tímido.
Além de entraves burocráticos, teve a falta de reconhecimento do próprio papel do
Instituto. Talvez pela ameaça de poder dentro da instituição.
Nas atividades desenvolvidas ao longo da trajetória do IEH, verifica-se que a
troca de saberes foi usada como um dos canais mais eficazes para promover o
encontro entre Universidade e a Sociedade, além de reforçar o elo entre esta e a
143
comunidade. O desafio foi unir pesquisa e ação dentro de uma temática ampla e,
ao mesmo tempo, centrá-la na problemática ambiental. Hoje a pesquisa-ação
aparece como uma tônica importante para o ato de pesquisar. No tocante a capital
social, verifica-se que o Instituto de Ecologia Humana desempenhou também um
papel importante à medida que contribuiu para transformações de conduta
naqueles lugares onde teve atuação. Essa influência também foi mais além, na
proporção que colocaram no centro de suas ações a promoção da auto-estima, a
valorização das raízes culturais e a discussão sobre a apropriação social dos
recursos naturais.
No processo metodológico utilizado em suas diferentes ações, incentivou a
participação, a troca de saberes e introduziu a arte e o lúdico no processo ensino-
aprendizagem. E, fechando todo esse debate, assume como elemento primordial
de sua função a contribuição para transformação das interações sociedade-
natureza, principalmente demonstrando a necessidade de se aperfeiçoar e se
manter dentro de um equilíbrio dinâmico a interação sociedade-natureza. Tomando
como base a questão das políticas públicas, tem formulado projetos que viabilizem
concretamente o elo governo-sociedade civil, como é o caso do Projeto Avançar e
do Projeto Compartilhar, ambos em desenvolvimento no Estado do Ceará.
No tocante à formação de capital humano, a ética na condução das ações e
do relacionamento entre os profissionais foi perseguida com uma conduta básica
para o crescimento individual e coletivo. Finalizando, deve-se afirmar que o
Instituto de Ecologia Humana teve uma importância fundamental no processo de
formação da consciência ambiental, tanto dos profissionais quanto dos estudantes
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que passaram pelo instituto e com ele que tiveram contato. O caráter
interdisciplinar e as abordagens participativas nas atividades de pesquisa,
educação e desenvolvimento levavam ao respeito e à valorização do outro. Vale
ressaltar também o pioneirismo sobre as questões ambientais com que na década
de 90, eram tratadas as pesquisas desenvolvidas pelo Instituto. Como observou
um dos pesquisadores na época, o IEH foi um marco no desenvolvimento da
sociedade nordestina e brasileira.
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