View
229
Download
5
Category
Preview:
Citation preview
Microsoft Word - DissertaoJLF-Final _20-04-2012_
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARAN
SETOR DE CINCIAS SOCIAIS APLICADAS
JULIANA LAZZAROTTO FREITAS
OPES METODOLGICAS EM PESQUISAS NA REA DE CINCIA DA INFORMAO: CONTRIBUIES A UMA ANLISE DE DOMNIO
CURITIBA 2012
JULIANA LAZZAROTTO FREITAS
OPES METODOLGICAS EM PESQUISAS NA REA DE CINCIA DA INFORMAO: CONTRIBUIES A UMA ANLISE DE DOMNIO
Dissertao apresentada ao Programa de Ps Graduao em Cincia, Gesto e Tecnologia da Informao, Setor de Cincias Sociais Aplicadas, Universidade Federal do Paran, como requisito para a obteno do ttulo de Mestre em Cincia, Gesto e Tecnologia da Informao. Orientadora: Profa. Dra. Leilah Santiago Bufrem Coorientadora: Profa. Dra. Snia Maria Breda.
CURITIBA 2012
AGRADECIMENTOS
Em especial, Professora Dra. Leilah Santiago Bufrem pela orientao,
compreenso, confiana e amizade, com quem tenho o constante privilgio de
aprender e crescer pessoal e intelectualmente e por quem tenho uma grande
admirao.
Professora Dra. Snia Maria Breda, pelo seu olhar atento e minucioso
necessrio ao fazer pesquisa, com suas observaes e sugestes consideradas
determinantes para o delineamento do estudo.
Ao Professor Dr. Jos Augusto Chaves Guimares, pelas ricas contribuies
dadas no momento da qualificao.
Ao colega Rene Faustino Gabriel Jnior, que apoiou e colaborou para que
esse trabalho fosse concretizado.
Aos colegas do Grupo de Pesquisa Educao, Pesquisa e Perfil Profissional.
Capes pela concesso da bolsa que viabilizou o desenvolvimento dessa
pesquisa.
A todas as pessoas que participaram diretamente da minha caminhada de
formao pessoal e profissional: meus queridos pais, amigos e parceiros bolsistas.
RESUMO
Estudo sobre modos de organizao de pesquisas por opes metodolgicas na Base de Dados Referenciais de Artigos de Peridicos em Cincia da Informao (Brapci). Objetiva evidenciar como a organizao da produo cientfica por opes metodolgicas na rea pode contribuir para a identificao de caractersticas dessa produo bem como para a realizao de anlises de domnio. Elabora categorias baseadas nos fundamentos tericos e tentativas anteriores de classificao de pesquisas por suas opes metodolgicas. Apresenta como proposta uma classificao por cinco categorias gerais, a saber: a pesquisa quanto aos seus fins, quanto aos seus meios, quanto aos seus enfoques, quanto s tcnicas utilizadas e quanto s anlises realizadas. Discute a aceitao da proposta, sua ampliao e aperfeioamento pelos produtores de conhecimento na rea. Aplica empiricamente a proposta em um corpus representativo de uma realidade concreta do domnio da CI, representado por 689 artigos, ou seja, 10% da produo de artigos indexados na Brapci de 1972 a 2010. Adota o questionrio, como tcnica de coleta de informaes com especialistas e produtores de conhecimento sobre o tema. Utiliza a modalidade de anlise de contedo para interpretar as respostas do questionrio, assim como, para identificar as opes metodolgicas dos autores no corpus selecionado. Apresenta um referencial terico sobre: produo cientfica; bases de dados como instrumento de divulgao cientfica; organizao do conhecimento; o mtodo, suas origens e concepes; as concepes e correntes epistemolgicas; as relaes de complementaridade entre metodologia e epistemologia; os plos da pesquisa; as relaes desse objeto com a rea de CI e as tentativas anteriores de organizao de pesquisas por opes metodolgicas na CI. Analisa as caractersticas da produo cientfica da CI. Dessa anlise conclui que na pesquisa quanto aos fins, relativa ao seu grau de profundidade, h a predominncia dos estudos exploratrios seguidos dos estudos descritivos em detrimento dos estudos metodolgicos, avaliativos e especialmente aos explicativos. Destaca que essa predominncia refora a caracterstica de cincia social da CI. Na categoria de pesquisa quanto aos meios, a pesquisa bibliogrfica bem como a pesquisa documental apresentam maior grau de incidncia, seguidas dos estudos de caso em terceira colocao. As tcnicas de observao sistemtica, questionrio e entrevista so preferencialmente utilizadas nos artigos do corpus. Em relao aos tipos de anlise, a anlise documental e de contedo so as mais recorrentes nas pesquisas analisadas. Os enfoques de pesquisa que se sobressaem so o terico, o histrico e o bibliomtrico. Observa que o enfoque dialtico incide em estudos sobre questes educacionais. Percebe que, por meio da conjuno do uso de opes metodolgicas, correntes epistemolgicas so explicitadas nos artigos em perodos determinados, com destaque aos estudos caractersticos do positivismo no perodo de 1972 a 1981 e influncia da corrente fenomenolgica no perodo de 1982 a 1991, a qual ampliou o uso de mtodos nas pesquisas qualitativas. Palavras-chave: Metodologia cientfica. Cincia da Informao. Categorizao de opes metodolgicas. Opes metodolgicas. Base Brapci.
ABSTRACT
It is a study on ways of organizing researches by their methodological options in Base Referencial de Artigos de Peridicos em Cincia da Informao (Brapci). It highlights how the organization of scientific production by its methodological options in Information Science (IC) contributes to identification of its production features as well as the domain analysis. It establishes categories based on theoretical foundations and previous attempts at classification of methodological options. It proposes a classification constituted of five categories, namely: the research and their purposes, their means of searching, their approaches, their techniques used and the type of analysis performed. It discusses its acceptance as well as the possibilities of expansion and improvement of the categorization by the knowledge producers in the area. It empirically applies the proposal in a representative corpus of IC reality, represented by 689 articles, 10% of the production indexed in Brapci from 1972 to 2010. It adopts the questionnaire, a technique for gathering information about the subject with specialists and knowledge producers. It uses content analysis to interpret the questionnaire answers and to identify the author`s methodological options in the selected corpus. It presents a theoretical basement about: scientific production, databases as tools for scientific communication, knowledge organization, the method and its origins and conceptions, epistemological currents, the relation between methodology and epistemology, the poles of the scientific research, the research in IC and the previous attempts to organize researches by methodological options in the area. This analysis concludes that the research about its purposes, in relation to the depth of the research, identifies the predominance of exploratory followed by descriptive studies, rather than methodological, evaluative and explanatory studies. It emphasizes the character of the social science as predominant in the area. Realizes that the bibliography, the documentary research and the case studies, respectively in first, second and third positions as a mean of research are more incident in this scientific periodic production. The systematic observation technique, the questionnaire and the interview are preferably used in the analyzed articles. It identifies that document analysis and content analysis are the most used types of analysis in the corpus. The predominant approaches are the theoretical, historical and bibliometric approaches. It is observed that the dialectic approach turns to the studies about educational issues. It realizes, through the conjunction of methodological options used, that epistemological currents are explained in the articles, according to specific periods, with emphasis on studies with characteristics of positivism in the period between 1972 and 1981 and on the influence of phenomenological current from 1982 to 1991, which expanded the use of methods in qualitative research. Keywords: Scientific Methodology. Information Science. Categorization of Methodological Options. Brapci Database.
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
Brapci Base de dados Referenciais de artigos de peridicos em Cincia da
Informao
CI Cincia da Informao
ISKO International Society for Knowledge Organization
LIS Library and Information Science
OC Organizao do Conhecimento
OI Organizao da Informao
RI Recuperao da Informao
UFPR Universidade Federal do Paran
SUMRIO
1 INTRODUO ......................................................................................................... 82 REFERENCIAL TERICO ..................................................................................... 122.1 PRODUO CIENTFICA ................................................................................... 12
2.2 BASES DE DADOS COMO INSTRUMENTO DE DIVULGAO CIENTFICA .. 14
2.3 ORGANIZAO DO CONHECIMENTO ............................................................. 16
2.4 CONCEPES SOBRE O MTODO ................................................................. 22
2.5 O ENSINO DA METODOLOGIA CIENTFICA: REPERCUSSES NA
PRODUO CIENTFICA .................................................................................. 31
2.6 CONCEPES SOBRE EPISTEMOLOGIA ....................................................... 33
2.7 A EPISTEMOLOGIA E O DOMNIO DA CI ......................................................... 37
2.8 COMPLEMENTARIDADE ENTRE METODOLOGIA E EPISTEMOLOGIA ......... 39
2.9 CLASSIFICAO DE PESQUISAS NAS CINCIAS .......................................... 44
2.10 OPES METODOLGICAS DE PESQUISAS EM CI .................................... 47
3 TRAJETRIA METODOLGICA .......................................................................... 524 RESULTADOS ....................................................................................................... 564.1 ANLISE DOS QUESTIONRIOS ...................................................................... 57
4.2 ANLISE DO CORPUS....................................................................................... 64
5 CONSIDERAES FINAIS ................................................................................... 84REFERNCIAS ......................................................................................................... 87APNDICE A QUESTIONRIO SOBRE CATEGORIZAO DE OPES
METODOLGICAS ......................................................................... 94APNDICE B RESPOSTAS RECEBIDAS ............................................................ 96APNDICE C QUADRO PARA SISTEMATIZAO DAS RESPOSTAS DOS
PESQUISADORES ........................................................................ 101APNDICE D REFERNCIA DO CORPUS DE ARTIGOS ANALISADOS
SEGUIDA DE SEU RESPECTIVO NMERO ALEATRIO ......... 103APNDICE E OPES METODOLGICAS IDENTIFICADAS NA BRAPCI PARA
AS CATEGORIAS PROPOSTAS .................................................. 143ANEXO A PRODUTIVIDADE ANUAL DE PESQUISAS DA BRAPCI ................ 145
8
1 INTRODUO
As trajetrias metodolgicas ou estruturas para realizao de trabalhos
cientficos revelam correntes de pensamento que fundamentam sua construo
cientfica. Toda prtica cientfica est contextualizada em uma realidade concreta, ou
seja, num domnio terico de pesquisa como estrutura para o desenvolvimento das
trajetrias metodolgicas.
As prticas de investigao cientfica so estruturadas pelo uso integrado e
convergente de quatro plos da pesquisa, os quais constituem o modelo topolgico
da prtica metodolgica de Bruyne et al. (1977). O plo terico, segundo os autores,
relativo ao desenvolvimento do referencial terico que fundamenta a pesquisa, o
morfolgico refere-se estruturao formal do objeto cientfico, enquanto o plo
tcnico relaciona-se aos procedimentos e tcnicas utilizados pelos pesquisadores e
o epistemolgico refere-se construo e delimitao do problema e objeto da
pesquisa.
Considerando a tentativa de contribuio cientfica em relao s opes
metodolgicas, busca-se possibilitar a realizao de anlises da produo peridica
da CI bem como de seus fundamentos epistemolgicos para que se reconhea um
domnio de pesquisa cientfica coerente com os mtodos construdos pelos
estudiosos em suas prticas de pesquisa (BUFREM, 2009). Em relao a essa
questo, Snchez-Gamboa afirma que: se pretendemos o aprimoramento da
pesquisa, preciso encarar a reflexo sobre os mtodos e suas relaes com as
tcnicas no contexto das epistemologias que os fundam (1997, p. 67).
A investigao das possibilidades de se elaborarem categorias para tipos
metodolgicos de pesquisas no tem a pretenso de se estabelecer como um
modelo consolidado de modo a engessar formatos de pesquisa. Procura-se, sim,
uma estrutura flexvel e no reducionista das opes de investigao, isto , no
fechada s novas possibilidades de adequao de mtodos que se ampliam
segundo as condies contextuais, visto que as categorias tendem a representar
estruturas dinmicas e exorveis de organizao do conhecimento.
Parte-se ento da seguinte questo de investigao: que possibilidades a
organizao do conhecimento por opes metodolgicas no campo da CI traz para a
identificao e anlise de domnio da produo peridica cientfica da rea?
9
O estudo e o resgate histrico da produo cientfica de uma rea,
considerando suas estruturas terico-metodolgicas, so relevantes porque
permitem uma maior compreenso do domnio cientfico em questo. Lloyd (1995, p.
38) justifica essa necessidade quando diz que a anlise de uma construo
cientfica permite melhor compreender as explicaes e o emprego de arcabouos
que incluem pressupostos metodolgicos e filosficos.
Se enfocada a CI no contexto brasileiro, deve-se considerar sua breve
existncia em relao a outras formaes cientficas que tampouco se notabilizam
pela sua historicidade. De acordo com Paviani (2005) em prefcio da obra de Kche
(2005), a pesquisa no Brasil chegou tarde, e consequentemente, mais tarde ainda,
chegou a reflexo epistemolgica. E tambm com esse desgnio que se busca
organizar o conhecimento por meio de opes metodolgicas.
Com a categorizao de opes metodolgicas proposta e colocada em
discusso nesse estudo, pretende-se identificar e analisar os desdobramentos
metodolgicos das pesquisas em CI no Brasil. Destaca-se, de modo especial, a
posio de Gonzlez de Gmez (2000, p. 1) sobre a definio das estratgias
metodolgicas em relao ao domnio epistemolgico:
os mtodos, quantitativos, qualitativos, comparativos, assim como as tcnicas de coleta e anlise da informao, definem a direo e modalidade das aes de pesquisa de modo secundrio, estando j ancorados num domnio epistemolgico e poltico que acolhe e legitima as condies de produo do objeto da pesquisa. Uma metodologia de pesquisa teria, para ns, e como primeira tarefa, a tematizao dessas condies de produo do objeto de conhecimento.
Essa instncia legitimadora tambm destacada por Rendon-Rojas (2008,
p. 5), quando afirma que a metodologia essencial na construo do conhecimento
cientfico, porm ao mesmo tempo deve-se reconhecer que toda metodologia
integra-se a uma epistemologia. Desse modo, o rigor e as exigncias da prtica
metodolgica decorrem dos pressupostos epistemolgicos que fundamentam as
pesquisas.
Considerando-se a importncia de integrao dos plos da pesquisa na
atividade de investigao, busca-se salientar a relao de dependncia entre teoria
e prtica, pela qual se integram os modos de se fazer pesquisa. Evidencia-se dessa
10
forma a importncia de estudos tericos que retratem a realidade de um campo
cientfico, a fim de revelar o caminho seguido por seus pesquisadores e as correntes
de pensamento que os influenciam e os sustentam. Adota-se aqui a conceituao de
Bourdieu (1983, p. 136) ao afirmar que o campo cientfico um espao simblico,
estruturado, onde os agentes produzem, reproduzem e difundem o conhecimento
cientfico, onde se estabelecem relaes de fora e dominao, e os seus agentes
desigualmente dotados de capital cientfico esto em permanente luta por sua
aquisio.
A anlise de uma construo cientfica, portanto, permite verificar no
somente a incidncia de estudos sobre um tema, mas tambm as contribuies
metodolgicas mais significativas para o desenvolvimento dos saberes especficos.
Pressupe-se que esses conjuntos de ideias e crenas a respeito do mundo e do
modo como percebido pertencem aos domnios do conhecimento, produtos da
histria, da teoria e das descobertas cientficas ao longo dos sculos. Os
procedimentos cientficos so os meios para se chegar s anlises e produzir
conhecimento em todos os campos. Conforme lembram Bruyne et al. (1977, p. 16)
na realidade histrica de seu devir, o procedimento cientfico ao mesmo tempo
aquisio de saber, aperfeioamento de metodologia e elaborao de norma.
Procura-se, a partir dessas premissas, verificar como se concretizam e o que
revelam esses modos de realizao de pesquisa na CI. Esses modos podem
representar tendncias tericas e ideolgicas predominantes em um campo, j que
os mtodos cientficos usados nas pesquisas refletem os fundamentos
epistemolgicos em que se baseiam os autores da rea. Destaca-se ento, a
importncia de desconstruir e construir a estrutura da literatura, em especial, neste
caso, dos rumos metodolgicos adotados pelos autores da rea.
Para isso, primeiro faz-se necessrio um estudo metodolgico a fim de suprir
a dificuldade constatada na literatura em relao questo da definio, no apenas
do que seja pesquisa, mas tambm de uma tipologia relacionada s suas categorias,
mtodos, estratgias, tcnicas ou instrumentos, considerando a variedade e
diversidade de classificaes, a necessidade de organizar critrios para estudos e
anlises de contedo e a dificuldade operacional que vm enfrentando os
pesquisadores, devido inadequao ou inconsistncias de sistemas de
classificao existentes.
11
A motivao pessoal da autora para a pesquisa vem da preocupao em
identificar as possibilidades de organizao do conhecimento cientificamente
construdo por opes metodolgicas no campo da CI, como contribuio ao estudo
dos fundamentos epistemolgicos das pesquisas na rea, a partir da anlise de
resultados da categorizao. Essa contribuio apresentou-se desde que, nas
pesquisas que vm sendo realizadas pelo Grupo de Pesquisa Educao, Pesquisa e
perfil Profissional com a Base Referencial de Artigos de Peridicos em Cincia da
Informao (Brapci), aventou-se a possibilidade de incorporar representao dos
artigos cientficos, as modalidades e opes de pesquisa realizadas pelos autores.
As consideraes aqui realizadas indicam ser possvel apontar bases
tericas e metodolgicas para uma epistemologia da CI, fundamentadas nos
pressupostos e paradigmas de Bachelard (1996) e Ginzburg (1991). O primeiro, com
sua epistemologia histrica e com o conceito de cincia formativa, por meio dos trs
estados de esprito cientfico e o segundo com o conceito de paradigma indicirio,
cuja proposta parte da intuio emprica e racional como base metodolgica para o
fazer cientfico.
Enfim, concorda-se com a hiptese de Bufrem (2009, p. 5) de que a
produo cientfica, seja qualquer o seu grau de desenvolvimento ou a sua
formalizao metodolgica, sempre pressupe formas de conscincia, pelas quais
os pesquisadores do sentido e significado s suas prticas.
Tem-se como objetivo geral evidenciar como uma organizao do
conhecimento por opes metodolgicas na rea de CI pode contribuir para a
identificao de caractersticas da produo e com a anlise de domnio. Para tanto,
prope-se uma categorizao das opes metodolgicas aplicadas em uma
realidade da rea. A concretizao do objetivo geral desdobra-se nos objetivos
especficos:
a) identificar e relacionar na literatura os conceitos relativos s opes
metodolgicas de pesquisa;
b) elaborar proposta de categorizao das opes metodolgicas baseada
nos fundamentos tericos e tentativas anteriores, assim como na
apreciao dos produtores de conhecimento da rea;
c) aplicar empiricamente a proposta em um corpus representativo de uma
realidade concreta do domnio da CI;
12
d) analisar as caractersticas da produo cientfica da CI a partir da
aplicao da categorizao de opes metodolgicas.
2 REFERENCIAL TERICO
O referencial terico desenvolvido permite clarificar conceitos relativos s
opes metodolgicas de pesquisa e epistemologia, relacionando-os rea da CI,
assim como as concepes de mtodo cientfico por distintas correntes que tratam
da natureza e da construo do mtodo. Refora-se a importncia da produo
cientfica como meio para divulgao de pesquisas e para a realizao de anlises
de domnio. Tambm so buscadas concepes de organizao do conhecimento
como meio para fundamentar a proposta de categorizao das opes
metodolgicas.
2.1 PRODUO CIENTFICA
Deve-se ter em conta que a literatura cientfica o meio de divulgao de
pesquisas e troca de conhecimentos entre pesquisadores de uma rea e busca
estimular seu desenvolvimento e o processo natural de sua consolidao.
De acordo com Bufrem, pode-se dizer que a produo individual e coletiva
da literatura peridica cientfica, elemento substantivo dessas prticas, um
processo dinmico, socialmente construdo que, em grande parte, mantm e
reproduz estruturas cientficas e, s vezes, as transforma (BUFREM, 2009, p. 4).
Segundo a autora, os peridicos cientficos permitem aos pesquisadores olhares
voltados compreenso da histria da produo intelectual de reas especficas e,
de modo especial, de como se desenvolveram os encaminhamentos metodolgicos
das pesquisas, razo pela qual foram aqui escolhidos como objeto de estudo.
Esse olhar favorecido pela conjuntura dinmica em que se encontra esse
tipo de publicao, que tem sido objeto de pesquisas na rea de CI, como a de
Mueller (2008, p. 9), sobre as mudanas ocorridas com o surgimento dos peridicos
eletrnicos. Segundo a autora, suas vantagens e desvantagens foram temas
13
bastante explorados no final da dcada de 1990. Recentemente tem havido estudos
que descrevem peridicos eletrnicos ou verses eletrnicas de peridicos
impressos, avaliando tambm sua aceitao ou discorrendo sobre a transio dos
suportes impresso para eletrnico. Entretanto, ainda segundo a autora, embora a
histria dos peridicos seja um assunto conhecido, isso no ocorre em relao dos
peridicos brasileiros, cuja origem reporta-se ao surgimento das revistas literrias do
sculo XIX.
Nota-se a relevncia do peridico como canal de comunicao cientfica
tambm no estudo de Stumpf (1996) que, motivada pelo mesmo contexto, realiza
um resgate da histria marcada pela evoluo e pelas alteraes sofridas pelas
revistas cientficas, por trs sculos, at o momento de desempenharem importante
papel no processo de comunicao da cincia. Segundo a autora (STUMPF, 1996,
p. 2), o peridico cientfico que caracterizou uma forma de comunicao, no sculo
XVII, era constitudo de alguns artigos mais breves e especficos que as cartas e as
atas anteriormente utilizadas. Alm disso, segundo ela, eliminava qualquer
conotao pessoal na forma de expresso. Os artigos de peridicos so importantes
canais de comunicao da cincia, fortalecendo-a como prtica questionadora do
senso comum. Para Bufrem (2009, p. 4), essas fontes privilegiadas de produo de
conhecimento apresentam virtualidades como modelos exemplares de uma prtica
de extrema relevncia para o desenvolvimento da cincia, enquanto frutos de
pesquisa e reflexo.
De acordo com Mueller (2008, p. 7), a citada frase a comunicao a
essncia da cincia se reflete no interesse pelo estudo das publicaes cientficas,
entre as quais o artigo cientfico ainda o canal principal. Ainda segundo a autora, o
estudo de peridicos isolados e estudos sobre grupos de peridicos tm sido
frequentes na literatura da rea. Esses estudos analisam o peridico ou grupo de
peridicos sob diversos ngulos, muitas vezes, usando a bibliometria para identificar
caractersticas dos artigos, como temas, autorias, citaes (MUELLER, 2008, p. 8).
A produo cientfica, expressa atravs das publicaes, um dos mais
importantes indicadores de desenvolvimento da cincia. Isto significa no s
quantificar e qualificar as publicaes produzidas como meio de monitorar a cincia,
mas tambm investigar aspectos desta produo, como a avaliao das publicaes
peridicas (STUMPF et al., 2006).
14
Logo, considera-se que a proposta destes materiais elucidar ou analisar
cientificamente um domnio da realidade, do ponto de vista terico ou emprico.
Quanto ao domnio, de acordo com Lloyd (1995, p. 25), um recurso para constituir
teoricamente objetos de investigao, assim como para incorporar e fazer justia
histria da cincia em sua acumulao de conhecimento.
Alicerada nas idias de Lloyd, Bufrem (2009, p. 5) afirma que a produo
cientfica desenvolvida em determinados contextos sociais e momentos histricos
reflete as mudanas e contradies desse contexto, tanto em sua organizao
interna quanto em suas aplicaes. A mesma autora, baseada no pressuposto de
que a conjuntura poltica e os fatores relacionados a tal conjuntura influenciam as
formas de produo do conhecimento cientfico e tambm do conhecimento tcnico,
considera que esse conhecimento produzido, alm de mero produto final da cincia,
adquire papel ideolgico, tornando-se instrumento de legitimao do poder.
Portanto, faz-se necessrio desvendar as formas de legitimao e reforo desse
poder tambm nas expresses formais e modelos que o reproduzem.
2.2 BASES DE DADOS COMO INSTRUMENTO DE DIVULGAO CIENTFICA
Consideram-se as atividades de categorizao e padronizao inevitveis
organizao do conhecimento em bases de dados, especialmente quando
especializadas, haja vista a importncia de tal processo para promover a
recuperao de documentos e facilitar suas anlises.
Embora a categorizao muitas vezes seja percebida como uma tentativa de
engessamento de estruturas dinmicas de informao e conhecimento, no contexto
das bases de dados tem sido entendida como um modo de sistematizar informaes
em prol da recuperao de contedos inseridos em documentos, uma vez que a
rea de pesquisa da Recuperao da Informao (RI) volta-se obteno da
informao, seja oriunda de pessoas, instituies, seja de sistemas computacionais,
que, neste ltimo caso, aliceram as bases de dados.
Pasquarelli et al., com a preocupao em organizar e estruturar dados com
fins de recuperao, em 1989, j relatam a metodologia utilizada para o controle da
produo tcnico-cientfica e artstica gerada na Universidade de So Paulo, por
15
meio da organizao de mdulo especfico no Banco de dados bibliogrficos. Os
autores indicam algumas dificuldades, tanto para a caracterizao adequada dos
vrios tipos de documentos, como para os procedimentos de automao.
Sobre o processo de RI, afirma Marchionini (1989, p. 58) que o mesmo
inclui reconhecer e interpretar a informao requerida, estabelecer uma estratgia
de busca, conduzir uma busca, analisar e avaliar os resultados e, caso necessrio,
interagir atravs de todo o processo novamente. Mediante a complexidade na
realizao dessas tarefas, se v expressiva a preocupao dos profissionais da
informao em desenvolver tcnicas de organizao da informao e do prprio
conhecimento inserido em documentos, assim como mtodos de busca a fim de
atender com maior agilidade e preciso s necessidades dos usurios dos sistemas
de recuperao e tambm dos pesquisadores que desenvolvem estudos por meio
da produo cientfica de um domnio.
medida que se popularizou o uso do computador, apareceram novos
sistemas de RI, cujos diferentes mtodos para ordenao e indexao da
informao foram analisados por Oliveira e Medeiros (2009, p. 419). Para eles tal
fenmeno determinou a importncia de identificar quais sistemas eram capazes de
recuperar um maior nmero de documentos relevantes ou, ainda, qual deles tinha
melhor preciso no atendimento s necessidades da informao expressas pelo
usurio. Essa recuperao em larga escala se torna mais precisa e eficiente quando
feita em bases e bancos de dados, instrumentos de organizao e recuperao das
informaes, grandemente alicerados pela informtica.
Segundo Lopes (2002, p. 65), os bancos de dados, entendidos como
sistemas de RI, apresentam uma complexidade inerente s estruturas que os
suportam, no processo de armazenamento e busca de informao, envolvendo uma
srie de aspectos interdependentes. Um destes aspectos, de acordo com a autora,
o planejamento de estratgias de busca especficas, a fim de se obter qualidade na
informao recuperada. Esta qualidade exige cuidados e ateno a indicadores,
conforme alerta Bufrem (2008, p. 2). A anlise sobre indicadores de qualidade
parte das atividades de um processo em que se clarificam e distinguem a proviso
da base e o seu monitoramento. Entretanto, considerar que os indicadores no so
um fim em si mesmo, mas instrumentos prticos para a administrao de bases de
dados e tomadas de deciso, implica o encaminhamento dado ao seu processo de
16
assuno, que, esse sim, volta-se aos propsitos ou fins para os quais se construiu
o objeto. Assim, destacam-se os indicadores, conforme a consistncia interna da
base de dados, por um lado e, por outro, em relao ao usurio e ao contexto em
que se situam as relaes de busca e recuperao.
Esse processo de recuperao, anlise e interpretao da produo
cientfica em CI vem sendo constantemente realizado na base Brapci, devido s
possibilidades e condies de efetivao de pesquisas que esta oferece. O
desenvolvimento do seu modelo marcado pelo contnuo aperfeioamento na
sistematizao e organizao da literatura peridica da rea. Tal preocupao faz da
Brapci o mais completo repositrio da produo cientfica peridica em CI no Brasil,
com 34 publicaes indexadas, dentre estas, 26 revistas cientficas vigentes e oito
descontinuadas. A Brapci totalizava, quando da retirada da amostra para este
estudo1, aproximadamente 6.720 artigos disponibilizados. Deve-se destacar que a
atividade de categorizao abarcada neste processo de desenvolvimento e
manuteno da base.
2.3 ORGANIZAO DO CONHECIMENTO
Em vista da historicidade dos processos de categorizao como forma de
organizar as informaes e os conhecimentos, que neste caso esto inseridos em
base de dados e visam possibilitar a comunicao e divulgao cientfica, dedicam-
se aqui reflexes voltadas busca da origem das aplicaes de tais processos at
as concepes recentes sobre a prtica de Organizao do Conhecimento (OC).
Apesar de a expresso ser conhecida desde a dcada de 1930, foi em 1989 com a
criao da International Society for Knowledge Organization (ISKO) que se incitaram
estudos e reflexes mais aprofundados sobre o tema pelos pesquisadores da rea
da CI. (PANDO; GUIMARES, 2006).
Com a evoluo tecnolgica e o consequente aumento das possibilidades de
disponibilizao e disseminao da informao, os suportes e ferramentas de OC
no mais se adquam ao formato tradicional de documento. Essa realidade parece
1 Amostra retirada da Brapci em 15 de abril de 2011.
17
escapar s tentativas de estruturao de informaes e de conhecimento em forma
de categorias, cujos fundamentos criteriosos revestem-nas de uma aparente rigidez.
Partindo-se de concepes sobre OC, observa-se que a atividade de
categorizao do ponto de vista crtico psmoderno remete s estruturas rgidas,
consolidadas, incapazes de considerar a evoluo de domnios com seus
respectivos termos, e no caso deste estudo especfico, evoluo de tcnicas e
opes metodolgicas.
Entretanto, o desenvolvimento da atividade de categorizao foi marcante
para os estudos de organizao da informao (OI) e de OC, embora hoje, se
reforcem as tentativas de OI, considerando a diversidade de suportes e a
dinamicidade da informao que os caracteriza.
Para clarificar a distino entre OI e OC, a primeira, de acordo com Brandt e
Medeiros (2010, p. 112), relativa aos registros fsicos do conhecimento, e a
segunda refere-se organizao de um conjunto de conceitos (unidades do
conhecimento) presentes em certa rea temtica.
Os autores, (2010, p. 117) afirmam que esta distino essencial para a
teoria da OC, e que no est relacionada apenas organizao das cincias, mas
do conhecimento de forma geral. A OC relaciona-se dinmica de um campo de
atuao concreta, que apresenta um forte ritmo de crescimento em um contexto
pragmtico, a fim de facilitar a representao e utilizao do conhecimento adquirido
e organizado.
H autores que definem a OC como um processo que, para outros, refere-se
OI. Para Broughton et al. (2005 apud BRANDT; MEDEIROS 2010, p. 112), a OC
relativa aos sistemas de organizao como tesauros, sistemas de classificao,
redes semnticas, entre outros.
Para Chernyi (1997 apud GOMES, 2009, p. 61), a OC pode ser entendida,
como representao ordenada do conhecimento para alcanar propsitos
especficos, sendo o propsito o fator dominante para a escolha de um mtodo de
descrio, formalizao e representao do conhecimento.
Hjrland (2007) diferencia a OC em dois tipos, a organizao social do
conhecimento e a organizao intelectual do conhecimento. A primeira se refere
categorizao de disciplinas, feita de acordo com interesses institucionais e
18
acadmicos, j a segunda refere-se organizao do conhecimento com bases
inerentes ao prprio conhecimento de um domnio em questo.
Embora a OI seja pautada por atividades de organizao que implicam a
categorizao, entende-se que a OC requer um aprofundamento conceitual e
minuciosidade na descrio de atributos e caractersticas especficas dos objetos
analisados e tambm no estabelecimento de relaes entre estes.
Portanto, concorda-se com Dahlberg (1978, p. 102) que entende por
categoria o conceito na sua mais ampla extenso, pois abarca o maior nmero de
caractersticas ou atributos.
Um conceito segundo a autora uma compilao de enunciados
verdadeiros sobre determinado objeto (1978). A representao de uma
categorizao feita por uma linguagem, a qual, quando representativa de um
contexto cientfico deve buscar a mxima preciso, atuando como um instrumento
para fixar conceitos sobre determinado objeto.
Em relao apropriao do conceito na CI, Bufrem e Gabriel Junior (2011,
p. 53) afirmam que: se aceita a concepo de conceito como aquilo que a mente concebe ou entende, ou seja, uma noo ou representao geral de uma realidade concreta, tem-se o termo como a representao da representao, associada a um objeto do universo de discurso ou a uma unidade semntica.
Segundo os autores, os conceitos carregam significados e so universais
por se aplicarem igualmente a todas as coisas em sua extenso. As representaes
expressas a partir de conceitos so determinadas pela realidade, mas tambm so
determinantes em relao aos termos definidos, devido s relaes necessrias e
obrigatrias entre a natureza, o conhecimento e os elementos representativos da
realidade (2011, p. 53).
Sobre a noo de categoria, evidenciada acima, Dahlberg (1978) a utiliza
como um recurso para o entendimento da natureza do conceito e tambm para a
formao de estruturas conceituais, no considerando estes dois aspectos de forma
excludente, e sim, complementares.
A atividade de categorizar, segundo Binwal (2001 apud CAMPOS; GOMES,
2006, p. 355) significa um processo cognitivo de dividir o mundo da experincia
humana em grupos gerais ou categorias amplas compreendendo certos
19
componentes que compartilham similaridade imediata em termos de atributos num
dado contexto. Para ampliar tal entendimento, complementa-se com a definio de
categorizao por Campos e Gomes (2008), um processo que requer pensar o
domnio de forma dedutiva, a partir da determinao de classes de maior
abrangncia dentro da temtica escolhida. Segundo as autoras (CAMPOS; GOMES,
2006, p. 356), aplicar a categorizao analisar o domnio a partir de recortes
conceituais que permitem determinar a identidade dos conceitos (categorias) que
fazem parte deste domnio.
O uso das categorias para a organizao de conceitos em uma determinada
rea de interesse foi introduzido por Ranganathan (1967) no mbito da
documentao, a partir de sua teoria da classificao facetada (CAMPOS; GOMES,
2006, p. 355). Ranganathan usa a noo de categoria para a anlise dos assuntos
contidos nos documentos e para a organizao dos componentes desses assuntos
(isolados) em um esquema de classificao em que cada faceta de qualquer tema,
assim como o foco sob o qual analisada uma manifestao das cinco categorias
fundamentais por ele determinadas: tempo, espao, energia, matria e
personalidade (RANGANATHAN, 1969, p. 1-25).
A classificao em facetas, tambm denominada Classificao de Dois
Pontos, foi, segundo Straioto e Guimares (2004, p. 111), um resgate e
aperfeioamento da concepo de indexao sistemtica de Julius Kaiser, na obra
Systematic Indexing de 1911 que, por sua vez, desenvolveu estudos a partir de
Cutter, sobre a catalogao alfabtica de assunto.
A categorizao como forma de sistematizar e organizar informao e
conhecimento o princpio no s para uniformizar sistemas de informao, bases
de dados e bibliotecas como um fim em si mesmo, mas para facilitar o
desenvolvimento da produo cientfica de uma rea com anlises de domnio,
abrangendo estudos mtricos, bem como a recuperao de informaes pelo
usurio.
Importante ressaltar aqui as concepes de Hjrland (2008) sobre a OC.
Para o autor (p. 1), a OC constitui-se em atividades como a descrio de
documentos, a indexao e a classificao realizadas em bibliotecas, bases de
dados ou arquivos e representa um campo de estudo que diz respeito natureza e
qualidade dos processos de organizao do conhecimento assim como dos
20
sistemas de organizao do conhecimento usados para organizar documentos,
representaes de documentos e conceitos (2008, p. 1). O trabalho relativo a esse
campo deve, segundo ele, voltar-se s novas tecnologias e s possibilidades de
novas linguagens de padronizao e sistematizao, mas sem se esquecer do
trabalho de interpretao e anlise de significado.
Esta ltima atividade, de interpretao e anlise, exige uma rendio ao
pensamento filosfico, em especial hermenutica, que nos ajuda a repensar a
objetividade cientfica e sua noo tradicional de verdade, grandemente amparada
por uma objetividade positivista, que para a OC no mbito da CI no suficiente.
Desse ponto de vista, e considerando o objetivo deste estudo, a organizao
do conhecimento metodolgico construdo tem o papel de sistematizar
conhecimentos para a realizao de anlises de domnio.
Logo, ponderando as abordagens da anlise de domnio concebidas por
Hjrland (2002), tem-se que a OC em bases de dados no contexto aqui
aprofundado, de opes metodolgicas, vo ao encontro das abordagens relativas a
estudos bibliomtricos e estudos epistemolgicos e crticos concebidas pelo autor
dentre as onzes bases que ele prope para analisar um domnio. Para a anlise de
domnio necessrio, segundo Hjrland (2002), romper a ideia do domnio como
uma disciplina, ou um ramo do conhecimento, mas compreender que o domnio o
reflexo de uma comunidade discursiva que considera o contexto e a coletividade.
Relacionando-se o campo da metodologia com a prtica de OC, revela-se
que estudos realizados na rea podem contribuir para melhorar as prticas
informacionais, integrar mtodos, tcnicas de pesquisa assim como facilitar
atividades como a bibliometria, a recuperao da informao e proporcionar a
realizao de anlises do domnio da produo peridica cientfica da CI.
Tennis (2003, p. 5) facilita o uso das abordagens de Hjrland (2002) para a
anlise de domnio ao definir dois eixos precedentes ao uso destas abordagens, a
saber: rea de modulao, a qual define as fronteiras dentro da rea que o objeto
est sendo analisado, e o segundo eixo refere-se definio do grau de
especializao, ou seja, serve para qualificar o objeto de anlise, atribuir-lhe
caractersticas particulares quando houver a necessidade de repartir o domnio e
analisar o objeto com qualificaes especficas.
21
A realizao de estudos de domnio da perspectiva da OC deve ser
estimulada, visto que, contribui grandemente uma potencial solidificao da CI
como cincia reconhecida por fornecer bases tericas slidas aos instrumentais
destinados organizao e anlise de informao e conhecimento produzido em
outras reas.
De acordo com Guimares e Sales (2010), a rea de organizao referente
CI responsvel pela mediao entre os contextos de produo e uso da
informao, em especial naquilo que tange dimenso dos contedos, no mais das
vezes denominada como Tratamento Temtico da Informao.
Segundo Barit (1997, p. 124), o tratamento temtico da informao centra-
se nas questes relativas
[...] anlise, descrio e representao do contedo dos documentos, bem como suas inevitveis interfaces com as teorias e sistemas de armazenamento e recuperao da informao em cujo mbito desenvolvem-se processos, valendo-se de instrumentos para a gerao de produtos.
Do mesmo modo, a concepo de Esteban Navarro (1996) sobre a OC
direcionada ao tratamento temtico da informao, abarca as dimenses da
representao, organizao e comunicao documental. O autor define a OC como
uma disciplina especfica da CI documental que se volta aos estudos dos
[...] fundamentos tericos do tratamento e da recuperao da informao e a construo, manuteno, uso e avaliao dos instrumentos lgico-lingusticos mais adequados para controlar os processos de representao, classificao, ordenao e armazenamento do contedo informativo dos documentos com o fim de permitir sua recuperao e comunicao. (ESTEBAN NAVARRO, 1996, p. 97-98).
Para Barit, a OC, disciplina de formao recente (2000, p. 1), uma
disciplina de convergncia terico-metodolgica, pois se sustenta de elementos da
lingstica, da documentao, da informtica e da comunicao alm de manter
vnculos com os contextos que se ocupam da produo do pensamento cientfico
como a cincia da cincia, a filosofia da cincia, a sociologia da cincia.
22
Ao tomarem o exemplo de Hjrland2 (2009) para explicitar as influncias
epistemolgicas como determinantes dos pontos de vista que sero lanados sobre
os conceitos, Kobashi e Francelin (2011, p. 19) expem a importncia dessas
influncias nos modos de assumir posies tericas e metodolgicas. Assim, a
bibliometria seria emprica enquanto buscasse a frequncia de conceitos,
racionalista ao criar categorias conceituais e identificar semelhanas entre as
caractersticas dos conceitos, historicista ao realizar a genealogia dos conceitos e
pragmtica ao buscar compreender fatores ou valores presentes no uso dos
conceitos. Esse exemplo ilustra bem o que se quer analisar em relao s
influncias epistemolgicas nos modos de investigar e produzir cientificamente.
Nesta pesquisa realizam-se atividades para que se organizem conceitos
relativos s opes metodolgicas adotadas na CI. Logo, a OC trabalhada da
perspectiva de organizao de conhecimento metodolgico construdo e vale-se de
instrumento tecnolgico para tal concretizao. Alm de facilitar a realizao de
estudos mtricos relativos aos mtodos, enfoques e tcnicas, aventa-se a
possibilidade a realizao de estudos epistemolgicos da CI por essas opes
metodolgicas que compem a produo peridica cientfica da rea.
2.4 CONCEPES SOBRE O MTODO
O mtodo pode ser entendido como garantia do conhecimento cientfico.
Entretanto, nota-se que no h uma concordncia entre os filsofos da cincia sobre
suas caractersticas (ALVES-MAZZOTTI; GEWANDSZNAJDER, 2004, p. 3). Este
fato confirma-se no estudo das distintas concepes do mtodo pelas cincias.
As consideraes, tanto de Bacon, quanto de Descartes, o tratavam como o
que normalmente se entende por uma regra de comportamento que pudesse levar
infalivelmente a mais conhecimentos ou ao aprofundamento deles, ou seja, um
mtodo para construir a cincia.
Ao evidenciar as correntes empiristas e racionalistas, Omns situa-se em
contexto menos determinista na metodologia, defendendo o procedimento que no
2 HJRLAND, B. Concept theory. Journal of the American Society for Information Science and Technology, v. 60, n. 8, p. 1519-1536, 2009.
23
marginaliza os princpios filosficos. Ele defende antes de tudo um mtodo para
julgar a cincia, uma vez que, ela j esteja construda, sem estabelecer previamente
a forma que essa cincia deve assumir. (OMNS, 1996, p. 272).
Nesse mesmo direcionamento, Chalmers (2000, p. 188) afirma no ser
considervel aceitar que uma metodologia determine em uma dada situao, que se
deva adotar ou preferir uma teoria outra ou adotar teorias que tenham maior apoio
indutivo pelos seus feitos aceitos. O fato de algumas teorias serem incompatveis
com os feitos geralmente aceitos e com os episdios da cincia comumente
considerados como constitutivos de suas fases mais progressivas corrobora com o
a condio dominante do ensino e da aplicao da metodologia hoje. Sendo vista
como provedora de regra para guias cientficos, a metodologia reafirma o desuso
de outras teorias e mtodos assim como d seguimento reproduo de modelos
tericos e instrumentais. (2000, p. 188).
Considera-se ento, como princpio direcionador desse estudo, a definio
aqui concebida sobre o entendimento da metodologia como domnio que d suporte
terico, estrutural, tcnico e epistemolgico apreenso, anlise, compreenso e/ou
explicao de objetos suscetveis investigao, buscando primeiramente auxiliar o
pesquisador na definio do tema e em como torn-lo relevante ao desenvolvimento
de um campo cientfico, a fim de contribuir com o processo de conscientizao e
crtica.
Ao definir o objeto de estudo da metodologia, Oliveira (1998, p. 18) afirma
que so as possibilidades explicativas dos diferentes mtodos, situando as
peculiaridades de cada qual, as diferenas, as divergncias, bem como os aspectos
em comum. J segundo Kaplan (1969) a caracterstica que distingue o mtodo a
de auxiliar a compreenso, no dos resultados da investigao cientfica, mas do
prprio processo de investigao.
Isso porque, de acordo com Bufrem (2008), esse processo desenvolve-se
numa situao emprica estruturada, mas de certo modo flexvel, que permite ao
investigador ir descobrindo as variveis e a problemtica, que ele mesmo vai
colocando em foco, na raiz de cada uma das tarefas propostas. Esse descobrir e
reinventar supe uma interao entre o sujeito e o objeto de conhecimento sob a
forma de uma situao a ser resolvida, de acordo com a autora. Desenvolve-se um
dilogo entre pesquisador e outras vozes, entre o prprio texto que vai sendo
24
construdo e os referenciais que a ele se relacionam, tanto situaes de
interpretao do terico quanto do emprico. Logo, esse processo de construo
estudado pela metodologia como um vir a ser em que so reconhecidas
contradies cuja superao requer a imaginao criadora. (BUFREM, 2008).
De acordo com Mills (1965), a pesquisa no se limita observncia de
regras, mesmo porque na maioria das vezes experimentam-se situaes que os
manuais no poderiam antecipar.
Pesquisar no se restringe a absorver tcnicas e p-las em prtica. O cultivo da capacidade imaginadora separa o tcnico do pesquisador, somente a engenhosidade saber promover a associao de coisas, que no poderamos sequer intentar pudessem um dia se compor [...] (OLIVEIRA, 1998, p. 19).
Os processos de investigao, em especial os seus modos de formalizao,
passam por transformaes histricas que determinam novas posturas e condutas
cientficas nas diferentes reas do conhecimento. A partir disso, pode-se ressaltar
que os critrios de cientificidade para a aplicao de tcnicas de pesquisas em
diferentes campos do saber divergem em relao aos seus princpios e aos seus
modos de aplicao.
Segundo Oliveira (1998, p. 21), conceituar mtodo como um conjunto de
tcnicas significa reduzir enormemente o alcance daquilo que ele pode representar,
visto que o mtodo para o autor envolve, sim, tcnicas que precisam ser
sintonizadas com o que se prope em uma pesquisa, contudo, alm disso,
concernente a fundamentos e processos, nos quais se apia a reflexo.
Vergara (1998, p. 12) parte da ideia de que os mtodos hipottico-dedutivo,
fenomenolgico e dialtico so os trs grandes mtodos. Logo, outros como a
etnografia, a grounded theory, a anlise de contedo, a tcnica Delphi, o mtodo
comparativo, o sistmico e os que usam de tcnicas estatsticas descritivas so
considerados mais especficos. Entretanto, essa viso no coincide com o que se
prope neste estudo, visto que aqui se compreende o mtodo como um conceito
mais amplo e abrangente, como modo para chegar ao conhecimento, ou seja,
dedutivo, indutivo, redutivo, hipottico-dedutivo (BUFREM, 2011).
Ainda sobre os mtodos que Vergara (1998) identifica, aqui se consideram a
fenomenologia e a dialtica mais precisamente como enfoques pelos quais se
25
observa o objeto de estudo do que uma modalidade de pesquisa quanto aos fins ou
quanto aos meios. E sobre o trajeto hipottico-dedutivo, como forma de construo
do objeto partindo de uma hiptese geral para chegar a hipteses e conhecimentos
especficos, tem sido usado tanto nas pesquisas de carter positivista quanto
naquelas que tm como objeto o prprio sujeito e as variveis que o envolvem. Em
relao anlise de contedo e tcnica Delphi, consideram-se nesta pesquisa,
tcnicas de coleta e anlise de informaes. Quanto aos procedimentos
comparativos e sistmicos, aos quais Vergara (1998) se refere como mtodos, nas
categorias aqui propostas so considerados modos de pesquisa em relao aos
meios utilizados e podem servir a estudos com finalidades diferenciadas, como:
exploratrio, descritivo, metodolgico ou avaliativo.
Segundo a autora, o mtodo hipottico-dedutivo foi herdado da corrente
epistemolgica denominada de positivismo, cuja viso o mundo existindo
independentemente da apreciao de sujeitos. Esta concepo traz nfase s
tcnicas de quantificao. A autora, ao relacionar as tcnicas de pesquisa com os
trs grandes mtodos que descreve (1998, p. 13) considera que esta corrente utiliza
como principais instrumentos de coleta de dados os procedimentos estatsticos,
questionrios estruturados, escalas, testes, que tem sua representao em
categorias numricas, grficos e tabelas.
O vis positivista, que enfatiza a causalidade como explicao cientfica, de
acordo com Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (2004), fundamenta especialmente as
cincias naturais. Esses autores, referindo-se ao mtodo cientfico nas cincias
naturais, salientam que as hipteses cientficas devem ser passveis de testes, e de
serem refutadas, como j enfatizava Popper. Para que o conhecimento progrida por
meio das refutaes necessrio que as leis e teorias estejam abertas refutao,
somente assim elas podem ser testadas (POPPER3, 1982 apud ALVES-MAZZOTTI;
GEWANDSZNAJDER, 2004, p. 16).
Ainda em relao corrente positivista, uma das concepes sobre o
mtodo cientfico que a lgica e a matemtica so vlidas devido ao fato de
estabelecerem regras de linguagem, constituintes de um conhecimento apriorstico,
independentemente da experincia. Vale mencionar que o positivismo deu origem a
3 POPPER, K.R. Conjecturas e refutaes. Braslia: Ed. UNB, 1982.
26
outras vertentes de pensamento como o positivismo lgico ou empirismo lgico, que
busca o conhecimento pela observao e pela experincia.
Entretanto, foram enunciadas crticas por Kuhn, Lakatos e Feyerbend s
idias de racionalistas como as de Popper, as quais se sustentam nas questes de
que os enunciados dos resultados dos testes esto impregnados de teorias, e a
segunda questo que usualmente so testados sistemas tericos complexos e no
hipteses isoladas (ALVES-MAZZOTTI; GEWANDSZNAJDER, 2004, p. 21).
Tal crtica s ideias popperianas tambm feita por Duhem4, quando afirma
que: um experimento em fsica no pode nunca condenar uma hiptese isolada,
mas apenas todo um conjunto terico (DUHEM, 1954 apud ALVES-MAZZOTTI;
GEWANDSZNAJDER, 2004, p. 22).
J o segundo grande mtodo apontado por Vergara (1998, p. 13), o
fenomenolgico, criado por Husserl, ope-se corrente positivista, visto que
considera, de acordo com a autora, que o homem carrega sua histria de vida,
crenas, suposies, valores no momento de investigar e buscar a compreenso
cientfica para determinados fenmenos. Em vista disso, o mtodo fenomenolgico
faz uso do olhar hermenutico para a compreenso de significados.
De acordo com Bufrem, (1996, p. 19),
a fenomenologia de Husserl (1859-1938) viria a desempenhar um importante papel na evoluo da pesquisa qualitativa, nas cincias sociais, por ter sido considerada uma linha de pensamento cuja principal contribuio para a epistemologia consistiu na ampliao das opes metodolgicas, diante do domnio positivista sobre as cincias sociais.
Husserl, segundo ela, apresenta o mtodo fenomenolgico como um modo
seguro e liberto de pressuposies para todas as cincias. A fonte de conhecimento
seria a conscincia e, desse modo, o autor toma como ponto de partida de sua
filosofia e da metodologia dela decorrente os fenmenos da conscincia, por
entender que somente eles podero revelar o que as coisas realmente so
(BUFREM, 1996, p. 19).
Em relao hermenutica, pode ser apreendida como um mtodo por
alguns autores, mas tambm como um olhar praticado pela fenomenologia, como
4 DUHEM, P. The aim and structure of physical theory. Princepton: University Press, 1954.
27
anteriormente mencionado. A hermenutica de acordo com Francisconi (2008, p.
49), estuda a interpretao e o entendimento dos produtos da mente humana que
caracterizam o mundo social e cultural. Como mtodo, influencia a corrente
interpretativista, a qual tem seus fundamentos no trabalho de Kant e reflete a
filosofia social (FRANCISCONI, 2008, p. 50).
O mtodo dialtico, assim como o fenomenolgico, ope-se corrente
positivista, visto que observa o processo, as coisas em constante fluxo e
transformao (VERGARA, 1998, p. 13). Nesse pensamento dialtico, considera-se
que a sociedade constri o homem e, ao mesmo tempo, por ele construda e que
a relao de foras que se atraem ou se repelem, ou seja, a contradio permite a
superao de determinada situao, provocando mudanas.
De acordo com a mesma autora, o mtodo fenomenolgico e o dialtico
fazem uso de tcnicas como observao, entrevistas, questionrios no
estruturados, histrias de vida, contedos documentais para a coleta de dados sobre
seu objeto de estudo, ou seja, de todo material que permite a reflexo sobre
processos e interaes.
O ato de pesquisar, compreendido por Oliveira (1998, p. 19) como modo de
aprimorar a percepo, refinar a sensibilidade, ampliar horizontes de compreenso,
comover-se diante prticas, pequenas nas suas formas, calorosas e desprendidas
no seu ntimo remete ao valor da observao cientfica como tcnica, aquela que
difere do olhar curioso e contemplativo do homem para com o mundo.
A cincia busca, essencialmente, desvendar e compreender a natureza e
seus fenmenos, atravs de mtodos sistemticos e seguros (TARGINO, 2000, p.
2). No entanto, segundo Targino (2000), face dinamicidade intrnseca prpria
natureza, seus resultados so sempre provisrios, tendo carter permanente de
explicao. Logo, para a autora, a caracterstica de ininterrupo da investigao o
que faz da cincia uma instituio social, dinmica, contnua, cumulativa.
Sem pretenses histricas da autora, entende-se que a cincia influencia h
sculos a humanidade, criando e alterando convices, modificando hbitos,
gerando leis, provocando acontecimentos, ampliando de forma permanente e
contnua as fronteiras do conhecimento (TARGINO, 2000, p. 2).
Em relao prtica de observao adotada nas cincias, deve-se
considerar que a observao cientfica, desde a Grcia Antiga, em que o mtodo e a
28
lgica permitiam a construo do conhecimento e a evoluo das cincias, diferia do
olhar curioso e contemplativo do homem para o mundo. Devido a esse fato, inicia-
se, aqui, a discusso sobre a tcnica de observao, que permite a mxima
obteno de informao e aprendizado sobre um objeto em estudo, quando aplicada
em campos cientficos distintos, diferencia-se devido aos critrios de cientificidade
que podem ser aplicados e que limitam o estudo do objeto em questo.
Para Chalmers (2000), a cincia inicia com a observao, forma de
apreenso da realidade que possibilita a consolidao objetiva e mais prxima do
real de um determinado contexto, sem desconsiderar as condies de apreenso do
observador dadas por sua cultura e experincias anteriores e os objetivos da
observao. Contudo, a objetividade propiciada pela observao sem intermediao,
em que h uma relao de proximidade entre pesquisador e objeto, no apresenta
critrios absolutos de cientificidade ou parmetros de avaliao nas cincias
humanas e sociais. Vale dizer que a observao cientfica, assim como outras
tcnicas, pode ser utilizada em conjunto, a fim de apreender o mximo de
informaes da forma mais adequada ao objeto de estudo. De acordo com Perseu
Abramo (1979), a pesquisa se constitui em dois momentos fundamentais: a
observao e a interpretao do que foi observado. Contudo, no proceder cotidiano
da pesquisa h estgios que precedem e sucedem esses dois momentos bsicos,
assim como fases, subfases, passos em que cada um deles pode ser subdividido
(ABRAMO, 1979, p. 44).
Pondera-se a observao tanto como tcnica especfica de pesquisa, quanto
como um dos seus momentos bsicos. Pode-se afirmar que embora muito utilizada
em todos os domnios cientficos, quando se retoma a distino da aplicao de
mtodos no domnio das cincias humanas e nas cincias naturais verifica-se que a
observao uma tcnica que, mesmo com finalidades e denominaes distintas ou
critrios de cientificidade absolutos ou no, intrnseca atividade de investigao e
deve ser reconhecida como tal.
Para Abramo (1979, p. 25), nas cincias humanas e especialmente na
Sociologia, a caracterstica metodolgica fundamental dada pelo fato de que o
sujeito e o objeto do conhecimento se confundem. J, nas denominadas cincias
exatas ou naturais, a possibilidade e a convenincia da experimentao de
hipteses criam normas metodolgicas particulares para tais cincias. Ainda de
29
acordo com o autor, a possibilidade de se fazer uma cincia objetiva e sistemtica
dos fatos sociais nem sempre universalmente aceita. Para Goode e Hatt (1977),
h quatro aspectos em torno dos quais subsiste a polmica entre os que aceitam ou
no aceitam a pesquisa cientfica em sociologia, a saber: o comportamento humano
muda muito e por isso no possvel fazer previses cientficas exatas, esse
comportamento tambm enganoso, sutil e complexo para permitir o uso de
caracterizaes rgidas e de instrumentos cientficos, o terceiro ponto que s pode
ser investigado por observadores que tambm so humanos e so passveis de
interpretaes diferenciadas, em alguns casos acabam por distorcer fatos, no
possibilitando um olhar objetivo, e por ltimo, porque os seres humanos a respeito
dos quais se fazem previses, apresentam a caracterstica de deliberadamente,
alterar as previses feitas.
Parece notrio o fato de que se as colocaes desses autores so
absolutamente aceitas, conclui-se que no h como fazer pesquisa cientfica nas
cincias humanas, entretanto, segundo Abramo (1979, p. 26), os resultados j
obtidos nas cincias sociais revelaram que esses juzos se constituem em falsas
afirmaes.
Nesse contexto, sobre a metodologia das cincias humanas, Oliveira (1998,
p. 17) afirma que o mtodo no representa um caminho qualquer entre outros, mas
um caminho seguro, uma via de acesso que permita interpretar com a maior
coerncia e correo possveis as questes sociais propostas num estudo.
A chamada crise das cincias sociais, de acordo com Bufrem (1996, p. 21)
levou pensadores discusso sobre a necessidade do mtodo e chegou-se a
afirmar que a metodologia perde a sua dignidade de orientadora cientfica geral e
universal, para se revelar como um verdadeiro formulrio de receitas de senso-
comum.
Ponderando a preocupao acima enunciada da metodologia no ser
apenas um formulrio de receitas, em que se considera somente seu aspecto
formal, Francisconi (2008) realiza um estudo com a preocupao de resgatar as
correntes epistemolgicas fundamentadoras dos estudos organizacionais. Embora o
campo seja o da Administrao, o exemplo relevante de igual maneira, visto que a
autora busca estudar as formas de pensamento advindas das correntes:
30
funcionalista, interpretativista, estruturalista, hermenutica, de estudos crticos e da
teoria crtica.
Vale sintetizar aqui os conceitos dos autores retomados por Francisconi
(2008) sobre tais correntes. Os funcionalistas explicam as regularidades de
comportamento no a partir do que os indivduos fazem ou tm a inteno de fazer,
mas mostrando que estas regularidades servem para manter o grupo coeso e
contribuem para que suas finalidades se cumpram.
Sobre o estruturalismo, combinam-se duas articulaes essenciais do
mtodo estrutural: a operao estruturante prpria dos modelos formais de
inteligibilidade e o inventrio estruturado que define o corpo codificado dos signos.
Segundo Faria (2007), em relao aos estudos crticos e teoria crtica, h
uma ntida diferena entre estas correntes.
Estudos crticos so aqueles que rompem com a tradio gerencialista, afirmando novos modos de interpretao da realidade, incluindo novos elementos nas anlises, recusando o pragmatismo como finalidade e os mtodos quantitativos como os nicos com carter cientfico (FARIA, 2007, p. 2).
Os estudos crticos, ao contrrio da teoria crtica, teoria psmoderna
(FARIA, 2007).
A teoria crtica est ligada a um interesse emancipador, porque procura transcender todos os outros tipos de interesse considerados separadamente, ao tentar libertar os homens da dominao: no apenas da dominao de outros, mas de sua dominao por foras que eles no entendem nem controlam - incluindo as foras que, na verdade, foram criadas pelos prprios homens (GIDDENS, 1978, p. 64).
nesse sentido que se busca retratar que o ensino e a prtica da
metodologia sob a luz do plo tcnico e formal de estruturao do objeto no
suficiente para a realizao da investigao cientfica em nenhum campo. Frente a
esta condio, defende-se que a teoria e a prtica da pesquisa devem estar aliadas
na investigao do objeto, assim como na complementaridade dos plos de Bruyne
et al. (1977) a fim de que os mtodos sejam compatveis com os objetos de estudo
nas diferentes reas do conhecimento.
31
2.5 O ENSINO DA METODOLOGIA CIENTFICA: REPERCUSSES NA
PRODUO CIENTFICA
Considera-se o modelo da prtica metodolgica por Bruyne et al. (1977)
constitudo por quatro plos: terico, epistemolgico, tcnico e morfolgico para
tratar da investigao cientfica.
Pode-se dizer que os quatro plos so trabalhados claramente na definio
da proposta desse estudo, ainda que o epistemolgico seja o mais empreendido. O
morfolgico explorado na proposta para categorizao das pesquisas indexadas
na base Brapci a fim de organiz-las por opes metodolgicas em uma das
interfaces da base. O plo tcnico representado pelas prticas de coleta e anlise
de informaes utilizadas para a concretizao do seu objetivo, so elas: a anlise
documental e de contedo e o questionrio. J, o terico, alm de ser visualizado na
construo do referencial que suporta essa pesquisa, pode ser facilitado por meio da
categorizao aqui realizada, visto que, com o contedo da Brapci organizado por
metodologias, estimula-se e fomenta-se o desenvolvimento de estudos na rea.
Para um aprofundamento relativo aos processos de investigao cientfica,
importante destacar que a metodologia da cincia, de acordo com Kche (2005, p.
14), juntamente com seus conceitos relacionados, como o de hipteses, leis,
experimentos, confirmao, objetividade, vem sendo ensinada a partir de uma
perspectiva positivista, assumindo muitas vezes um carter prescritivo, enfatizado no
ensino do fazer pesquisa, processo que acaba por se concretizar em normas
metodolgicas. Estas, do ponto de vista da organizao de pesquisas, so
componentes constituintes do plo que se volta estruturao formal do objeto
cientfico, com a construo de modelos de interpretao da pesquisa, o qual
denominado por Bruyne et al. (1977) de plo morfolgico da pesquisa.
Considera-se que necessria uma sustentao epistemolgica ao ensino
da metodologia cientfica para que este no se torne integralmente prescritivo e
normativo.
De acordo com Kche (2005, p. 14), as questes aferentes natureza, ao
objeto das teorias cientficas e os critrios de cientificidade de uma investigao so
32
dificuldades concretas presentes tanto na discusso epistemolgica quanto, por
decorrncia na metodolgica.
Ainda quanto aos critrios de cientificidade, Lloyd (1995, p. 150) argumenta
que a cincia no um discurso que pretenda ou atinja a objetividade absoluta,
mas um conjunto de prticas socialmente construdas na tentativa de descobrir
progressivamente as estruturas causais da realidade.
H que ponderar que a ausncia de um horizonte histrico da cincia, ou a
prpria negao de uma teoria de construo de conhecimento de um campo
cientfico por seus produtores pode originar a pretenso aos valores absolutos e
desconsiderao de seus fundamentos epistemolgicos. Dilthey (1989), de acordo
com Bufrem (1996), baseia sua filosofia na experincia interna da compreenso,
uma vez que segundo ele, somente esta desvenda a realidade. Todo o
conhecimento histrico, portanto, seria baseado nesse gnero de compreenso, que
difere estruturalmente do mtodo das cincias naturais (GADAMER5, 1994, p. 37
apud BUFREM, 1996, p. 15).
Para Kche (2005, p. 14), a discusso relativa s questes da prtica
cientfica e seus critrios requerem uma insero na epistemologia da qual
procedem os padres de uma suposta metodologia. Com esse fim, a categorizao
de opes metodolgicas de pesquisa na rea de CI proposta aqui aplicada em
um corpus documental como meio emprico para a possvel anlise de suas
aproximaes com os fundamentos epistemolgicos da CI.
Em relao ao ensino da metodologia da pesquisa e da epistemologia, de
acordo com o mesmo autor (KCHE, 2005, p. 27), este objetiva desenvolver a
postura dos alunos para o estudo de teorias cientficas, orientando-os tanto do ponto
de vista terico como prtico. Sintetizando aqui a amplitude do ensino desta
disciplina, especificada pelo autor, abarca desde a diferenciao entre o
conhecimento cientfico e o conhecimento do senso comum, o estmulo
problematizao cientfica e ao uso de teorias para a delimitao de problemas,
assim como busca tratar do alcance e das possibilidades do mtodo, da
verificabilidade de hipteses redao das pesquisas (KCHE, 2005, p. 27).
5 GADAMER, Hans-Georg. Verdad y mtodo II. 2. ed. Salamanca: Ediciones Sgueme, 1994. 429 p. (Hermeneia, 34).
33
Refora-se a importncia da considerao dos aspectos filosficos no ensino
do fazer pesquisa tambm com a hermenutica, que Gadamer (1994, p. 122) afirma
se converter em uma atitude metodolgica universal ao pressupor a alienao do
contedo e propor como tarefa sua superao mediante a compreenso. Segundo
o autor, no lugar do conhecimento objetivo imediato se apresenta a interpretao
histrico-psicolgica como autntica atitude metodolgico-cientfica.
Ao tratar das formas de ensino da metodologia, deve-se clarificar que as
realidades dos objetos de estudo devem ser respeitadas, considerando os mtodos
adequados a cada objeto. Esse aspecto fundamental no ensino da metodologia
remete necessidade do conhecer metodicamente partindo das diferenas na
investigao cientfica nas cincias naturais e nas cincias humanas, sobre as quais
discorrem Laville e Dione (1999, p. 32). Segundo estes, os objetos de investigao
das cincias humanas e naturais nem de longe se parecem, devido ao seu grau de
complexidade e facilidade ou no de serem identificados com preciso.
O modelo metodolgico positivista e da experimentao no poderia ser
aplicado com sucesso nas cincias humanas, visto que os fatores interferentes do
objeto so mais complexos, e tambm devido a que o pesquisador no domnio das
humanidades seja tambm ator que exerce influencia no seu objeto, moldando-o
pelas escolhas que faz. Alm disso, o fato do objeto apresentar um comportamento
voluntrio, consciente, faz com que o verdadeiro nas cincias humanas no seja o
mesmo verdadeiro nas cincias naturais. Logo, o positivismo mostrou-se
enfraquecido quando se desejou aplic-lo no domnio humano, segundo Laville e
Dione (1999, p. 35).
A metodologia, quando compreendida sob os plos de Bruyne et al. (1977)
facilita a compreenso em relao ao modos de se construir, delimitar problemas de
pesquisa e em especial de estabelecer os rumos metodolgicos que um estudo
pode assumir, fazendo com que estes sejam compatveis com o objeto a ser
investigado.
2.6 CONCEPES SOBRE EPISTEMOLOGIA
Segundo Kche (2005, p. 15), o conceito de epistemologia, que
etimologicamente quer dizer discurso (logos) sobre a cincia (episteme) comea a
34
ser utilizado somente a partir do sculo XIX no vocabulrio filosfico, como o
discurso sobre o qual o discurso da cincia refletido, evidenciando assim os meios
do conhecimento cientfico. Logo, percebe-se a estreita relao entre os mtodos
adotados em uma investigao e a epistemologia que fundamenta o domnio em que
se realiza tal investigao.
Para se compreender o papel exercido pelas funes epistemolgicas da
cincia, importante apresentar as concepes de epistemologia de diferentes
pontos de vista. De acordo com Lalande (1999, p. 313) a epistemologia pode ser
definida como o estudo crtico dos princpios, hipteses e dos resultados das
cincias, destinado a determinar a sua origem lgica, o seu valor e a sua
importncia objetiva. Para Japiassu (1992, p 16), por epistemologia pode-se
considerar o estudo metdico e reflexivo do saber, de sua organizao, de sua
formao, de seu desenvolvimento, de seu funcionamento e de seus produtos
intelectuais.
Este autor (1992) deixa de lado a epistemologia lgica, do empirismo lgico,
devido sua caracterstica de descrio de mtodos, de resultados e, sobretudo da
linguagem racional. Refere-se epistemologia com carter deliberadamente no
positivista, para ento estabelecer a relao mantida entre o sujeito e o objeto no ato
de conhecer, buscando determinar o valor e os limites do prprio conhecimento.
As funes epistemolgicas da cincia, de acordo com Rendn Rojas (2008)
so trs: a explicao, a predio e a compreenso. Segundo Hempel6 (1979, apud
RENDN ROJAS, 2008, p. 4), a explicao cientfica consiste em deduzir um
fenmeno a partir de leis gerais e condies iniciais. J a predio se refere ao
mesmo processo da explicao, diferindo pelo fato de que o fenmeno que se deduz
no est presente. De acordo com o autor, esta funo permite a transformao da
realidade a fim de obter ou impedir os fenmenos que se prevem pela teoria.
Para Rendn Rojas (2008), a compreenso tem um lugar especial nas reas
das cincias sociais e humanas, pois so reas em que no possvel descobrir leis
que permitam a explicao e a predio, visto que, seu objeto de estudo pode ser
um sujeito, que apresenta uma complexidade de variveis, difceis de controlar.
6 HEMPEL, C. G. (1979) [1965] La explicacin cientfica: estudios sobre filosofa de la ciencia. Buenos Aires: Paidos.
35
Para Habermas (1997) a teoria do conhecimento trata do estudo da
construo do conhecimento considerando-se aspectos epistemolgicos e filosficos
que contriburam ao longo do tempo para este processo de construo, alm dos
aspectos instrumentais e empricos. O autor, com sua formao interdisciplinar,
critica as cincias objetivistas que no consideram a auto-reflexo como elemento
essencial na construo do conhecimento.
Entretanto, Medeiros e Marques (2003, p. 15) afirmam que na modernidade
o conhecimento desenvolveu-se pelo carter instrumental e com propsitos tcnicos.
Logo, o conhecimento cientfico passou a ser ancorado exclusivamente pela
racionalidade. nesse sentido que Habermas (1997) examina os confrontos da
razo moderna a uma nova teoria, na qual a construo do conhecimento seja
baseada em valores que permitam sociedade alcanar o desenvolvimento e a
liberdade social, usando-se da reflexo e da considerao de aspectos histricos,
filosficos e epistemolgicos na elaborao de novos saberes.
Vale destacar a reviso das distintas concepes de epistemologia realizada
por Francelin (2005). O autor parte da epistemologia enquanto palavra, campo de
investigao e disciplina do conhecimento, chegando ao seu desdobramento em
epistemologias. Argumenta que a epistemologia da complexidade comporta e
comportada por essas epistemologias. Procura reconstituir um itinerrio mvel e
flexvel da epistemologia at sua relao com a complexidade a partir de Gaston
Bachelard e Edgar Morin.
Na epistemologia histrica de Bachelard (1971), de acordo com Japiassu
(1992, p. 66), h uma reflexo sobre as filosofias implcitas nas prticas dos
cientistas. A epistemologia para Bachelard deve interrogar-se sobre as relaes
susceptveis de existir entre a cincia e a sociedade. Ele considera fundamental
descobrir a gnese, a estrutura e o funcionamento do conhecimento cientfico. A
noo de ruptura epistemolgica pelo autor afere distino entre o que pertence
prtica cientfica e o que decorre das ideologias. A vigilncia epistemolgica para ele
o isolamento dos interesses ideolgicos dos filosficos. O obstculo
epistemolgico ocorre quando uma organizao do pensamento encontra alguma
ameaa. Na concepo de Bachelard (1971), o conhecimento deve ser concebido
como uma produo histrica, j a epistemologia visa um processo. A epistemologia
36
bachelardiana marcada pelo esforo de apreender a lgica do erro para
reconstruir uma lgica da descoberta (JAPIASSU, 1992, p. 8).
Sob a perspectiva da epistemologia bachelardiana, retoma-se a importncia
da compreenso da formao do esprito cientfico ao qual Bachelard (1996) se
refere em um de seus escritos dedicados a discutir o saber cientfico.
Segundo Breda (2008), sua obra carrega em seu ncleo a preocupao da
relao com o saber, no como algo exterior ao indivduo, no sentido homem e
coisas, mas como a relao fundamental que estabelecida entre o homem e seu
prprio saber. Bachelard, movido pela firme crena no intelecto, escreve para
iluminar mentes cristalizadas ao longo do avanar dos conhecimentos, a fim de
retraar a luta contra alguns preconceitos. (BACHELARD, 1996 apud BREDA,
2008, p. 73).
Do ponto de vista da epistemologia crtica, Karl Popper, racionalista crtico,
filsofo da democracia liberal, citado por Japiassu (1992, p. 93), preocupa-se com o
grau de confiana das teorias cientficas em funo dos dados empricos de que se
pode dispor, j que, segundo ele, a preocupao do empirismo reduzir todo
contedo do conhecimento s determinaes observveis. Para Popper, segundo
Japiassu (1992, p. 96), as leis e teorias cientficas so hipotticas e conjeturais, ou
seja, uma teoria que pode ser confirmada pela experincia no passa de uma teoria
que ainda no foi infirmada.
Essa tendncia epistemolgica crtica fruto da reflexo dos prprios
cientistas sobre a cincia em si mesma (JAPIASSU, 1992, p. 138), devido
responsabilidade destes como pesquisadores em meio sociedade, indstria e
poltica, pois a cincia acadmica pura deu lugar a uma cincia dependente do
Estado e da indstria.
A epistemologia arqueolgica de Michel Focault, conforme Japiassu (1992,
p. 115), prope a descoberta dos fundamentos das cincias humanas. O campo
epistemolgico ou domnio onde ela se situa, no a cincia, mas o solo sobre o
qual se constri a cincia (JAPIASSU, 1992, p. 127). De acordo com Foucault7
(apud ALVARENGA, 1998, p. 4), um campo discursivo no se caracteriza somente
7 FOUCAULT, M. A Arqueologia do Saber. Traduo de Luiz Felipe Baeta Neves, reviso de Ligia Vassalo. Petrpolis: Vozes, Lisboa: Centro do Livro Brasileiro, 1972. 260 p. [Edio Original publicada em 1969].
37
pelos objetos que estuda, pelas modalidades de enunciao, pelos conceitos ou
pelas temticas privilegiadas, mas, em especial, pela maneira pela qual se formam
seus objetos.
Na epistemologia social a produo do saber apresenta um carter coletivo,
o que aponta algumas afinidades com a arqueologia do saber de Foucault. A
epistemologia social, para Oddone (2007, p. 108), entendida como o estudo das
relaes recprocas entre os seres humanos e seu entorno social, cultural e
tecnolgico em constante transformao. Essa caracterstica pode ser utilizada pela
CI, segundo a autora, como arcabouo conceitual pertinente para as pesquisas
cientficas desenvolvidas na rea.
O estudo desse modo de estruturao do objeto comum s cincias,
especialmente quando do processo de sua formao e, neste caso, a CI revela uma
extensa literatura, que vem sendo analisada sob os aspectos diversos de sua
conjuntura epistemolgica.
Visualiza-se que os termos cincia e conhecimento, hoje, adquirem sentidos
complementares e que epistemologia deixa de ser interpretada prioritariamente
como o estudo da histria e estruturao do conhecimento em geral. Por meio de
Japiassu (1992), que define trs tipos de epistemologia: global, particular e
especfica, nota-se que o objeto de estudo da epistemologia no o conhecimento
estritamente, e sim a cincia. Na CI, o estudo sobre um campo particular, suas
fronteiras e estruturao, retratado por meio da produo cientfica.
2.7 A EPISTEMOLOGIA E O DOMNIO DA CI
As relaes entre a epistemologia e a CI evidenciam-se sempre que se
pretende analisar e definir seus domnios e objetos de estudo, e os princpios
metodolgicos que orientam suas atividades de pesquisa.
A importncia da investigao epistemolgica na CI, de acordo com Rendn
Rojas (2008), se d por trs razes. A primeira delas para que ocorra um
autoconhecimento da rea e seja realizada uma busca pela identidade. A segunda
razo para que o corpo terico desse domnio do conhecimento possa se
fundamentar, por meio de um corpo conceitual preciso, claro e definido. E o terceiro
38
motivo a interdisciplina, a interao com outras disciplinas, mas com uma
identidade bem definida, a fim de no invadir outros campos do conhecimento e no
deixar ser absorvida por outras reas.
A importncia de estudos sobre a construo histrica de conceitos
cientficos justifica-se a partir da situao j observada, que a CI emprestou
conceitos de outras disciplinas, muitas vezes sem uma reflexo epistemolgica do
impacto das possveis incongruncias e incompatibilidades tericas para a
delimitao de sua identidade cientfico-disciplinar (RABELLO 2008, p. 30).
Essas relaes entre campos tem sido preocupao de autores que tentam
conciliar seus estudos histricos com as tendncias que se configuram. Desse
modo, Freire (2008, p. 3) prope a perspectiva de Ginzburg para analisar os indcios
da constituio de um espao de pesquisa sobre a Epistemologia da CI nesse
domnio. O paradigma indicirio uma competncia cognitiva originria do tempo
em que a sobrevivncia da nossa espcie dependia da observao para obter o
conhecimento sobre os animais a serem caados, seus hbitos e trilhas nas
correntes migratrias.
Entretanto, autores privilegiam aspectos que, sob seu ponto de vista,
contribuem mais especificamente para a constituio terico-metodolgica dessa
cincia. o caso de Barreto (2008), para quem a CI se constri ao sabor das
inovaes na tecnologia. Para melhor compreender esse processo, o autor
considera didtico e fundamental contar a histria de como se atuava no passado e
como se verificou a evoluo das prticas da rea, de modo a contribuir tambm
para a formao de seus profissionais.
Com essa inteno, Arajo (2006) elabora uma reflexo epistemolgica
sobre o fazer cientfico estruturado na cincia moderna em termos tericos e
metodolgicos e nas tecnologias da informao, em termos aplicados, visto que
essa configurao, segundo ela, que possibilitou o surgimento da CI. Contudo,
considera que esta cincia no garantir seu pleno desenvolvimento como campo
do conhecimento consistente e moderno e que a cincia moderna enquanto viso e
prtica cientfica encontra-se esgotada, sendo as tecnologias de informao apenas
mecanismos auto-regulados que funcionam segundo princpios de automatismos.
Portanto, com a finalidade de apontar bases tericas e metodolgicas para
uma epistemologia da CI, fundamentada nos pressupostos e paradigmas de
39
Bachelard (1996) e Ginzburg (1991) citados por Arajo (2006), propem
respectivamente, o conceito de cincia formativa, a qual parte dos trs estados do
esprito cientfico, ou seja, as etapas, do pensamento atitude cientfica: o estado
concreto, o concreto-abstrato e o abstrato. Apia-se nas condies psicolgicas do
progresso cientfico e no conceito de paradigma indicirio, cuja proposta a intuio
emprica e racional como base metodolgica para o fazer cientfico. necessrio
que as disciplinas possuam identidade prpria para poderem interatuar entre si, sem
invadir ou absorver o espao da outra.
Com essa percepo que Rendn Rojas (2008, p. 14) defende que a
reflexo epistemolgica sobre a CI necessria para seu ulterior desenvolvimento e
fortalecimento, tanto disciplinar interno como social externo.
Os aspectos histricos e sociais que permearam a criao da CI, junto
necessidade de se ter um discurso cientfico que trate especificamente dos
processos de produo disseminao da informao so suficientemente
relevantes para estimular o desenvolvimento de estudos tericos com vistas
obteno de resultados significativos nos processos de OC cientfico.
2.8 COMPLEMENTARIDADE ENTRE METODOLOGIA E EPISTEMOLOGIA
As aproximaes entre a epistemologia e a metodologia so determinadas
por meio do processo de pesquisa, em que o pesquisador legitima e promove a
construo do conhecimento cientfico que visa produzir.
Quando retratadas as inclinaes e abordagens da literatura, reconhece-se
que a prtica da pesquisa est associada a uma teoria, a qual procura explicar as
estruturas de uma sociedade construda histrica, social, econmica e politicamente.
Defende-se que, somente a partir do conhecimento dessas estruturas,
pode-se exercer a crtica sobre a cincia que se produz (BUFREM, 2009, p. 5),
pois, na concepo de Lloyd (1995), as estruturas incluem os sistemas polticos, as
mentalidades e as culturas, tanto quanto os sistemas econmicos e sociais.
Quando se fala em estruturas da histria, fundamental abordar a
conceituao de estruturismo de Lloyd (1995, p. 23), que
40
[...] em um sentido mais amplo tambm pode ser entendido como uma abordagem explicativa do social, que tem dimenses metodolgicas, sociolgicas e histricas, as quais reforam-se mutuamente do ponto de vista lgico e conceitual. Esse reforo um componente crucial para possibilitar a explicao cientfica da histria estrutural.
Aceita essa concepo, o grande desafio imposto que as pesquisas
realizadas nos diferentes campos do conhecimento, de modo especial as pesquisas
da CI, busquem a reflexo sobre como possibilitar, por meio da produo e
disseminao da informao cientfica, a construo de uma sociedade mais justa e
democrtica e de uma comunicao cientfica transparente e fiel aos seus objetivos
e intencionalidades, tambm no sentido de evitar as apropriaes errneas,
intencionais ou no, de conceitos e mtodos num domnio cientfico.
Ao estudar as estruturas metodolgicas dos estudos da rea, concorda-se
com a posio de Lloyd (1995, p. 23), quando afirma que, a autocompreenso
metodolgica dos praticantes de uma disciplina no constitui um guia confivel para
seus verdadeiros fundamentos, prticas e resultados, visto que, muitas vezes se
intitula de histria social o relato de eventos e no da estrutura que envolve tais
eventos, nesse caso a histria social no se refere a um tipo distint
Recommended