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NOTÍCIAS DE ALÉM-MAR:
VARIAÇÃO E MUDANÇA NO USO DE INFINITIVO GERUNDIVO
NO PORTUGUÊS EUROPEU AO LONGO DO SÉCULO XX
Nubia Graciella Mendes Mothé
2014
Universidade Federal do Rio de Janeiro
NOTÍCIAS DE ALÉM-MAR:
VARIAÇÃO E MUDANÇA NO USO DE INFINITIVO GERUNDIVO
NO PORTUGUÊS EUROPEU AO LONGO DO SÉCULO XX
Nubia Graciella Mendes Mothé
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Letras Vernáculas da Universidade
Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos
necessários para a obtenção do Título de Doutor em
Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).
Orientador: Prof. Doutor Afranio Gonçalves Barbosa
Rio de Janeiro
Junho de 2014
Universidade Federal do Rio de Janeiro
ii
NOTÍCIAS DE ALÉM-MAR:
VARIAÇÃO E MUDANÇA NO USO DE INFINITIVO GERUNDIVO
NO PORTUGUÊS EUROPEU AO LONGO DO SÉCULO XX
Nubia Graciella Mendes Mothé
Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a
obtenção do título de Doutor em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).
Examinada por:
Professor Doutor Afranio Gonçalves Barbosa
(Departamento de Letras Vernáculas / UFRJ)
Orientador
Professora Doutora Célia Regina dos Santos Lopes
(Departamento de Letras Vernáculas / UFRJ)
Professor Doutor Leonardo Lennertz Marcotulio
(Departamento Letras Vernáculas / UFRJ)
Professora Doutora Beatriz Protti Christino
(Departamento de Letras Vernáculas / UFRJ)
Professora Doutora Maria Maura da Conceição Cezario
(Departamento de Linguística / UFRJ)
Professora Doutora Sílvia Rodrigues Vieira
(Departamento Letras Vernáculas / UFRJ)
Suplente
Professora Doutora Karen Sampaio Braga Alonso
(Departamento de Linguística / UFRJ)
Suplente
Rio de Janeiro
Junho de 2014
iii
Aos meus pais, Nina Greice e Nilson. Sempre.
Não só pelo apoio e incentivo incondicionais, mas por
tanto amor ao longo de toda a vida.
iv
AGRADECIMENTOS
Inicialmente, ao meu orientador Afranio Gonçalves Barbosa, que sempre representou
um exemplo de argúcia e erudição acadêmica. Obrigada pelos conselhos, pelo atendimento e
esclarecimento de dúvidas e, em especial, pelo empenho e participação decisiva na obtenção,
junto à Força Aérea Brasileira, de minha licença para realização de estágio no exterior. Pelo
muito que aprendi ao longo dos 11 anos de convivência, desde o curso de Português IV, ainda
na graduação, passando pela Iniciação Científica, pelo Mestrado, pelo apoio no tempo em que
fui professora substituta da mesma disciplina em que fui sua aluna na UFRJ e, agora, durante
o Doutorado. Orgulho-me muito por ser sua orientanda.
Ao CNPq, pela bolsa-sanduíche concedida para estágio em Portugal, único meio de ter
esta tese concluída com os dados do Português Europeu colhidos in loco.
Ao Comando da Aeronáutica, personificado nos Ex.mos
Sr.es
Tenente-Brigadeiro do Ar
Nivaldo Luiz Rossato, Comandante-Geral de Operações Aéreas (COMGAR), Tenente-
Brigadeiro do Ar Rafael Rodrigues Filho, à época, Comandante do COMAR III, e Tenente-
Brigadeiro do Ar Luiz Carlos Terciotti, então diretor-geral do Departamento de Ensino da
Aeronáutica (DEPENS).
À direção do Colégio Brigadeiro Newton Braga, especialmente ao diretor-geral,
Professor Luiz Otávio Ebendinger Martins, e ao administrador geral, Coronel Intendente
Carlos Eduardo Barroso, pelo apoio e intercessão fundamentais junto ao Comando da
Aeronáutica para a concessão do afastamento de minhas funções docentes.
Aos colegas da equipe de Língua Portuguesa do CBNB, pelo apoio ao meu
afastamento para estudo no exterior, apesar de isso representar, para eles, mais trabalho
durante o tempo em que estive ausente da escola. Agradeço, em especial, aos que são mais
que colegas de trabalho. São, antes, verdadeiros amigos: Adriana D’Albrieux, Deisiane
Santos, Fernando Henriques e Susana Elaine, pelo suporte emocional e profissional quando
mais precisei.
Ao meu orientador durante estágio no exterior, Professor Doutor Ivo Castro, da
Universidade de Lisboa, que me recebeu de forma tão acolhedora e amável e sempre foi tão
solícito em me atender durante minha permanência em Lisboa. Agradeço pela valiosa
contribuição em meu trabalho, sempre pontuando leituras e reflexões fundamentais para o
desenvolvimento desta pesquisa. Sinto-me honrada de ter podido contar com tão ilustre
orientação.
v
Às professoras Ana Maria Martins, Rita Marquilhas e Inês Duarte, da Universidade de
Lisboa, com quem tive contato através do Professor Ivo Castro. A elas agradeço pelas
considerações acerca do fenômeno que me propus estudar em terras lusas e pelas sugestões de
leitura. À professora Maria Lobo, da Universidade Nova de Lisboa, grande pesquisadora das
construções gerundiais no Português Europeu, pelo envio de textos com as mais recentes
notícias sobre o tema. Às professoras Fátima Oliveira, da Universidade do Porto, e Maria
Filomena Gonçalves, da Universidade de Évora, pela disposição em me ajudar a respeito dos
dialetos do Norte e do Alentejo.
Ao Sr. Paulo Barriga, diretor do Diário do Alentejo, por ter aberto tão gentilmente o
arquivo privado do jornal, de onde pude levantar, durante dias, precioso material da região do
Alentejo, crucial para minha investigação. Obrigada também pelas conversas informais
durante as quais pude perceber como um alentejano se orgulha de sua terra, de suas raízes.
Aos amigos com quem convivi em Lisboa e que me ajudaram a tornar menos
dolorosas a distância e a saudade daqueles que amo. Um agradecimento mais que especial a
Julia Nunes e Kellen Cozine, pelas risadas, companheirismo e amizade. E um muito obrigada
aos amigos “tugas”, Carla Barros, José Carlos Maltez, Nuno e Nela, Pedro “Pine” Pinheiro,
Maria do Mar, Filipa, Marta Ribeiro e demais queridos Marillionados.
Aos professores da UFRJ, minha estimada casa, que direta ou indiretamente
contribuíram para este trabalho. Às professoras Célia Lopes e Maria Maura Cezário, pela
colaboração no exame de Qualificação. À professora Dinah Callou, pelo financiamento
parcial de minha primeira ida à Portugal para coleta de dados em 2011. A Sílvia Rodrigues
Vieira, pela pronta ajuda sobre pesquisas sociolinguísticas. A Leonor Werneck dos Santos,
pelos esclarecimentos a respeito do interminável tema dos gêneros textuais jornalísticos. A
Sílvia Cavalcante, pela verdadeira iluminação acerca das poderosas ferramentas do Word!
Ao, antes de tudo, amigo e, agora também, Professor Doutor Leonardo Marcotulio,
por ajudar a abrandar algumas das angústias acadêmicas nos últimos meses, por ter me
recebido de maneira tão hospitaleira e cordial em sua casa em Lisboa em 2011 e,
principalmente, por ter me fornecido informações ricas sobre como viver em Lisboa quando a
bolsa se tornou real.
Ao colega Alexandre Xavier Lima, pela obtenção de material do Diário de Coimbra
durante sua breve ida a Portugal, quando eu mesma ainda não sabia se conseguiria a licença
para a bolsa-sanduíche. Agradeço também às bolsistas Maria Izadora Zarro e Mariane
Albergarias, pela ajuda no levantamento parcial de dados das fontes do Alentejo.
vi
À minha amiga Paula, companheira de trajetória acadêmica desde – literalmente – o
primeiro dia em que pus os pés na Faculdade de Letras e com quem, agora, compartilho o
mesmo momento de anseios típicos de “doutorandas em crise” em fase de conclusão da tese.
Obrigada pela revisão deste trabalho indo, na verdade, muito além da correção da redação.
Obrigada pelas sugestões e pelo apoio. Em breve chegará a sua vez!
Aos amigos que continuam amigos apesar da ausência nos últimos meses. Obrigada
pela paciência e pelo carinho. Em especial, agradeço às minhas queridas “Jovi Friends”,
companheiras de loucas experiências nos últimos quatro anos. Os entendedores entenderão.
À minha amada irmã, Nicole, minha melhor amiga, que ouve meus desabafos quando
mais preciso. A ela e a sua família linda, que me enche de alegria, meu cunhado Bruno e meu
sobrinho Canaã. Amo muito vocês.
Ao meu babe, Raphael. Não tenho palavras para agradecer toda sua paciência e
compreensão, especialmente nessa reta final. Participando, inclusive, literalmente, ao digitar
dados quando a tendinite me atacou! Obrigada pelo incentivo constante apesar da e inclusive
na distância, durante os meses de afastamento. Por me ajudar a ver a vida de maneira mais
objetiva e descomplicada. Por ser meu amigo e companheiro e sempre zelar pelo meu bem. E,
principalmente, obrigada por me amar do seu jeito sincero.
Aos meus pais, Nina Greice e Nilson. Sem vocês, teria sido realmente impossível ter
chegado até aqui. Meu agradecimento vai muito além do simples – mas de extrema
importância – suporte “logístico” que vocês sempre proveram com caronas, refeições sempre
prontinhas, massagem na coluna, silêncio na casa, “greve de TV” na sala, entre outros...
Muito obrigada por tanto amor e dedicação, pela verdadeira abnegação em troca
simplesmente de me ver bem e feliz. Vocês não fazem ideia de como sempre me foi
importante ver os seus olhinhos de aprovação e orgulho a cada conquista minha mesmo sem
conhecerem bem os caminhos acadêmicos trilhados. Amo vocês do fundo do meu coração.
Vocês são os melhores pais!
A todos os demais familiares e amigos que contribuíram de alguma forma e torceram
pelo meu bom desempenho, especialmente vovó Elisete pelas infindáveis orações.
Finalmente, agradeço, sobretudo, a Deus, por ter aberto todas as portas que foram
necessárias para que eu chegasse até aqui; por me ter concedido saúde, força e sabedoria para
lidar com todos os problemas durante essa trajetória, sempre me confortando através do
Consolador; por me ajudar a compreender sua boa, perfeita e agradável vontade, ensinando-
me através de seus meios a confiar nEle em qualquer circunstância. Obrigada, Pai, por encher-
me da tua paz, amor e maravilhosa graça. Ad majorem Dei gloriam.
vii
Uma das mais velhas ilusões do homem é a de que uma
língua deve ser exatamente igual para todos os que a falam.
(Ivo Castro, 2001)
Os cavaleiros têm uns vocábulos e os lavradores outros e os
cortesãos outros e os religiosos outros [...] os da Beira têm
umas falas e os d’Alentejo outras e os homens da
Estremadura são diferentes dos Antre-Douro e Minho;
porque assim como os tempos assim também as terras
criam diversas condições e conceitos.
(Fernão de Oliveira, 1536)
viii
RESUMO
NOTÍCIAS DE ALÉM-MAR:
VARIAÇÃO E MUDANÇA NO USO DE INFINITIVO GERUNDIVO
NO PORTUGUÊS EUROPEU AO LONGO DO SÉCULO XX
Nubia Graciella Mendes Mothé
Orientador: Afranio Gonçalves Barbosa
Esta tese investiga, diacrônica e diatopicamente no Português Europeu (PE), a
variação entre as formas nominais que indicam aspecto progressivo em Língua Portuguesa: o
gerúndio e a construção a + infinitivo, chamada de infinitivo gerundivo. Usando os
pressupostos teóricos da Sociolinguística Histórica de base laboviana, o objetivo central desta
tese foi encontrar fatores que condicionaram o avanço do infinitivo gerundivo em terras lusas,
buscando observar, ao alcance do nosso corpus de análise, como essa construção se distribui
ao longo do tempo (século XX) e do espaço do território lusitano. Pretendia-se, também,
confirmar se essas regiões de Portugal antes apontadas como mais conservadoras quanto ao
uso do gerúndio permanecem com tal comportamento e, se sim, em que medida e
circunstâncias.
Os resultados obtidos sugerem que o avanço do infinitivo gerundivo no PE foi mais
significativo em três diferentes fases ao longo do século XX: na virada da década de 1920
para 1930; depois, na virada da década de 1950 para 1960; e ao fim do século XX, entre as
décadas de 1980 e 1990. Tal avanço, ainda segundo nossos dados, teria se dado de forma mais
expressiva nas construções perifrásticas formadas pelos verbos auxiliares estar, andar, ficar e
continuar + a + infinitivo. Outro resultado bastante relevante desta pesquisa sinaliza que o
infinitivo gerundivo tem sido usado, ao menos nas notícias dos jornais do século XX
utilizadas como corpus, de forma indistinta em todas as cinco regiões de Portugal estudadas, o
que pode indicar tanto uma padronização desse gênero textual quanto uma generalização da
variante inovadora mesmo nas regiões frequentemente apontadas como conservadoras.
Ademais, para além do estudo de cunho variacionista, uma parte essencial da tese diz
respeito à própria construção do corpus de análise, composto por notícias de jornais
portugueses do século XX provenientes das cinco regiões de Portugal estudadas (Norte,
Centro, Lisboa, Alentejo e Algarve). Esse material inédito, levantado diretamente dos
arquivos portugueses durante estágio no exterior, composto a partir de edições de periódicos
da imprensa nacional e da imprensa regional portuguesas de cada uma das décadas do século
XX, é riquíssimo não somente para este trabalho, mas para posteriores investigações acerca
dos mais variados temas, tais como língua, literatura e sócio-história lusitanas.
Palavras-chave: Sociolinguística Histórica. Mudança linguística. Diacronia. Aspecto
progressivo. Gerúndio. Infinitivo gerundivo.
Rio de Janeiro
Junho de 2014
ix
ABSTRACT
NEWS FROM OVERSEAS:
VARIATION AND CHANGE IN THE USE OF GERUNDIAL INFINITIVE
IN EUROPEAN PORTUGUESE THROUGHOUT THE 20TH
CENTURY
Nubia Graciella Mendes Mothé
Supervisor: Afranio Gonçalves Barbosa
This thesis investigates the variation between two nominal forms that indicate the
progressive aspect in Portuguese: the gerund and the gerundial infinitive (preposition “a” +
infinitive) diachronically and diatopically, throughout the 20th
century, in the European
Portuguese (EP). Using the Labovian principles of Historical Sociolinguistics, the main
objective of this thesis was to find the factors that led to the advance of the gerundial
infinitive in Portugal in order to observe in the corpus of analysis how this construction is
distributed throughout time (the 20th century) and along the Portuguese territory. The
objective was also to verify if these regions in Portugal, which were once regarded as
conservative concerning the use of the gerund, still show this behavior, and to what extent and
under which circumstances they are conservative.
The results obtained suggest that the advance of the gerundial infinitive in the EP was
more significant in three different phases throughout the 20th
century: at the turn of the 1920’s
until the 1930’s; at the turn of the 1950’s until the 1960’s and at the end of the 20th century,
between 1980 and 1990. Still according to our data, such advance may have occurred more
significantly in the periphrastic constructions formed by the auxiliary verbs estar, andar, ficar
(to be – lit. to be, to walk, to stay, respectively) and continuar (to continue) + to + a +
infinitive. Another result of this research which is extremely relevant reveals that the
gerundial infinitive has been used indistinctively in the five Portugal regions studied (the
North, Center, Lisbon, Alentejo and Algarve), at least in the news from newspapers of the 20th
century that were used as our corpora, which could indicate either the standardization of this
text genre or the generalization of this innovative variant even in regions usually pointed out
as conservative.
Furthermore, besides the variationist sociolinguistics objectives, an essential part of
the thesis concerns the compilation of the corpus itself, which consists of news collected from
Portuguese newspapers from five different geographical regions of Portugal throughout the
20th
century. This new material, collected directly from the Portuguese archives during
internship abroad and consisting of editions of Portuguese national and regional newspapers,
is extremely important not only for this research, but also for future researches on various
themes, such as Portuguese language, literature and social history.
Key-words: Historical Sociolinguistics. Linguistic change. Diachrony. Progressive aspect.
Gerund. “Gerundial infinitive”.
Rio de Janeiro
June 2014
x
Sumário
Índice de Charges .................................................................................................................... xiii
Índice de Figuras ..................................................................................................................... xiii
Índice de Gráficos .................................................................................................................... xiii
Índice de Mapas ....................................................................................................................... xiv
Índice de Quadros ..................................................................................................................... xv
Índice de Tabelas ..................................................................................................................... xvi
Introdução ................................................................................................................................... 1
1. A perspectiva deste trabalho ................................................................................................... 4
1.1 O tema .......................................................................................................................... 4
1.2 Hipóteses gerais ......................................................................................................... 17
1.3 Objetivos .................................................................................................................... 17
1.4 Justificativa ................................................................................................................ 20
1.5 Fundamentação teórica .............................................................................................. 21
2 Revisão bibliográfica ............................................................................................................. 25
2.1 Definindo a noção de aspecto .................................................................................... 25
2.2 O aspecto nas línguas românicas ............................................................................... 34
2.3 O aspecto e o uso das construções gerundivas em gramáticas descritivas lusas ....... 45
2.4 O aspecto e o uso das construções gerundivas em gramáticas escolares lusas .......... 63
2.5 A variação gerúndio x infinitivo gerundivo em trabalhos acadêmicos ...................... 82
3. Metodologia .......................................................................................................................... 92
3.1 Do levantamento do corpus ....................................................................................... 92
3.2 Do tratamento dos dados .......................................................................................... 106
3.2.1. Variável dependente ......................................................................................... 110
3.2.2. Região geográfica ............................................................................................. 110
3.2.3. Tempo ............................................................................................................... 114
3.2.4. Tipo de Texto (Sequência textual).................................................................... 114
3.2.5. Estrutura Verbal (sintética x perifrástica) ......................................................... 119
3.2.6. Voz Verbal ........................................................................................................ 146
3.2.7. Posição do clítico .............................................................................................. 148
3.2.8. Referência adverbial ......................................................................................... 152
3.2.9. Interpolação de item lexical entre o verbo auxiliar e o verbo principal ........... 158
3.2.10. Tipo sintático de oração ................................................................................ 159
xi
3.2.11. Tipo semântico de oração ............................................................................. 174
3.2.12. Posição da oração gerundial no período (em relação à oração principal)..... 188
3.2.13. Tipo semântico do verbo ............................................................................... 191
3.2.14. Cambialidade ................................................................................................ 198
4. Os periódicos portugueses que compõem o corpus............................................................ 203
4.1 Região Norte ............................................................................................................ 219
4.2 Região Central ......................................................................................................... 226
4.2.1. O Jornal d’Estarreja .......................................................................................... 226
4.2.2. O Diário de Coimbra ........................................................................................ 230
4.3 Lisboa ....................................................................................................................... 238
4.4 Alentejo .................................................................................................................... 244
4.4.1. A Folha do Sul .................................................................................................. 244
4.4.2. O Diário do Alentejo. ....................................................................................... 247
4.5 Algarve ..................................................................................................................... 254
4.6 Açores ...................................................................................................................... 263
5. Análise dos dados quantitativos e Resultados .................................................................... 269
5.1 Dados de Portugal Continental ................................................................................ 269
5.1.1. TODOS os dados do corpus de Portugal Continental ...................................... 270
5.1.2. Estruturas Sintéticas x Estruturas Analíticas .................................................... 295
5.1.3. Estrutura Sintética x Estruturas Analíticas com “auxiliares clássicos” ............ 298
5.1.4. Estruturas Analíticas (todas) ............................................................................. 307
5.1.5. Estruturas Analíticas (somente com “auxiliares clássicos”) ............................. 311
5.1.6. Estruturas Analíticas (somente com “auxiliares clássicos”) em três fases do
século XX ........................................................................................................................ 317
5.1.7. Estrutura Sintética (somente com verbos plenos)............................................. 326
5.2 Dados de Portugal Continental + Açores ................................................................. 334
5.2.1. TODOS os dados do corpus de Portugal Continental + Açores ...................... 335
5.2.2. Estrutura Sintética x Estruturas Analíticas com “auxiliares clássicos” ............ 340
5.2.3. Estruturas Analíticas (todas) ............................................................................. 344
5.2.4. Estruturas Analíticas (somente com “auxiliares clássicos”) ............................. 346
5.3 Dados provenientes de jornais regionais.................................................................. 348
5.3.1. TODOS os dados de jornais regionais de Portugal Continental ....................... 349
5.3.2. Estrutura Sintética x Estruturas Analíticas com “auxiliares clássicos” ............ 350
5.3.3. Estruturas Analíticas (somente com “auxiliares clássicos”) ............................. 351
xii
5.3.4. TODOS os dados de jornais regionais de Portugal Continental + Açores ....... 352
5.3.5. Estrutura Sintética x Estruturas Analíticas com “auxiliares clássicos” ............ 353
5.3.6. Estruturas Analíticas (somente com “auxiliares clássicos”) ............................. 354
5.4 Contrastes regionais ................................................................................................. 355
5.4.1. Lisboa x Alentejo .............................................................................................. 355
5.4.2. Norte x Alentejo................................................................................................ 356
Conclusões .............................................................................................................................. 374
Bibliografia ............................................................................................................................. 378
APÊNDICE ............................................................................................................................ 389
xiii
ÍNDICE DE CHARGES
Charge 1: “Os Compadres” – Gerúndio em estrutura perifrástica na reprodução de fala
alentejana .................................................................................................................................. 13
Charge 2: “Os Compadres” – Gerúndio em estrutura sintética na reprodução de fala alentejana
.................................................................................................................................................. 13
Charge 3: Regionalização de Portugal – Centro x Interior (DN, 15/04/1996) ......................... 95
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 1: Categorias aspectuais imperfectivas, segundo Comrie (1976, p. 25) ....................... 31
Figura 2: Tipologia aspectual, segundo Mateus et alii (2003) ................................................. 58
Figura 3: Esquema de classificação semântica dos verbos, segundo Halliday (1994) ........... 198
Figura 4: Edição de despedida do semanário O Algarve ........................................................ 257
ÍNDICE DE GRÁFICOS
I- Rodada com TODOS OS DADOS – Portugal Continental
Gráfico 1: Percentual de uso de infinitivo gerundivo no séc. XX (em sincronia) nas cinco
regiões de Portugal Continental .............................................................................................. 271
Gráfico 2: Percentual de uso de infinitivo gerundivo ao longo do século XX em Portugal
Continental.............................................................................................................................. 279
II- Rodada com ESTRUTURA SINTÉTICA x ESTRUTURAS ANALÍTICAS com
"AUXILIARES CLÁSSICOS" – Portugal Continental
Gráfico 3: O avanço do infinitivo gerundivo ao longo do séc. XX nas cinco regiões de
Portugal Continental ............................................................................................................... 302
Gráfico 4: Percentuais de uso de infinitivo gerundivo nos diferentes tipos de Estrutura Verbal
ao longo do séc. XX em Portugal Continental ....................................................................... 306
III- Rodada com ESTRUTURAS ANALÍTICAS com "AUXILIARES CLÁSSICOS" –
Portugal Continental
xiv
Gráfico 5: Percentual de uso de infinitivo gerundivo em estruturas analíticas com auxiliares
ESTAR, ANDAR e FICAR ao longo do séc. XX em Portugal Continental ............................. 314
IV- Rodada com ESTRUTURAS ANALÍTICAS com "AUXILIARES CLÁSSICOS" em
três fases do séc. XX – Portugal Continental
Gráfico 6: Percentual de uso de infinitivo gerundivo em estruturas analíticas com auxiliares
ESTAR, ANDAR e FICAR em três fases do séc. XX em Portugal Continental ...................... 324
Gráfico 7: Percentuais de uso de infinitivo gerundivo nos diferentes tipos de Estrutura
Analítica em três fases do séc. XX em Portugal Continental ................................................. 325
V- Rodada com ESTRUTURA SINTÉTICA – Portugal Continental
Gráfico 8: Percentual de uso de infinitivo gerundivo em estruturas analíticas com auxiliares
ESTAR, ANDAR e FICAR x estruturas sintéticas ao longo do séc. XX em Portugal Continental
................................................................................................................................................ 329
Gráfico 9: Percentual de uso de infinitivo gerundivo em estruturas analíticas com auxiliares
ESTAR, ANDAR e FICAR x estruturas sintéticas em três fases do séc. XX em Portugal
Continental.............................................................................................................................. 330
VI- Rodada com ESTRUTURA SINTÉTICA x ESTRUTURAS ANALÍTICAS com
"AUXILIARES CLÁSSICOS" – Portugal Continental + Açores (Décadas de 1900, 1930,
1960 e 1990)
Gráfico 10: Percentual de uso de infinitivo gerundivo no séc. XX (em sincronia) em Portugal
Continental + Açores .............................................................................................................. 336
Gráfico 11: Percentual de uso de infinitivo gerundivo ao longo do séc. XX em Portugal
Continental + Açores .............................................................................................................. 338
Gráfico 12: Percentuais de uso de infinitivo gerundivo nos diferentes tipos de Estrutura
Verbal ao longo do séc. XX.................................................................................................... 343
ÍNDICE DE MAPAS
Mapa 1: Distribuição de estar aspectual seguido de gerúndio no CORDIAL-SIN, segundo
Carrilho & Pereira (2011 e 2013) ............................................................................................. 93
xv
Mapa 2: Divisão geográfica de Portugal Continental em NUTS II (divisão adotada para a
vertente diatópica deste trabalho) ............................................................................................. 97
Mapa 3: Divisão geográfica de Portugal Continental em seus 18 distritos e respectivas regiões
.................................................................................................................................................. 98
ÍNDICE DE QUADROS
Quadro 1: Conceituação e possibilidades semânticas da categoria aspecto em português,
segundo Costa (2002) ............................................................................................................... 32
Quadro 2: Perífrases aspectuais com gerúndio e infinitivo no português, segundo Squartini
(1998)........................................................................................................................................ 36
Quadro 3: Perífrases aspectuais com gerúndio e infinitivo nas línguas românicas, segundo
Squartini (1998) ........................................................................................................................ 38
Quadro 4: Tipos de perífrases aspectuais: aspecto sintático x aspecto lexical, segundo Laca
(2002)........................................................................................................................................ 42
Quadro 5: Verbos de operação aspectual, segundo Mateus et alii (2003, p. 151) ................... 60
Quadro 6: Valores semânticos das perífrases aspectuais em castelhano, segundo Bosque &
Demonte (1999) ........................................................................................................................ 61
Quadro 7: Perífrases de gerúndio, segundo Bosque & Demonte (1999).................................. 63
Quadro 8: Tipos sintáticos e semânticos básicos no português, segundo Móia & Viotti (2004)
.................................................................................................................................................. 84
Quadro 9: Gerúndio perifrástico no PB e no PE, segundo Móia & Viotti (2004) .................... 88
Quadro 10: Títulos de periódicos que compõem o corpus ..................................................... 104
Quadro 11: Grupos de fatores para análise variacionista dos dados ...................................... 110
Quadro 12: Tipologia textual: nomenclatura simplificada e adaptada, segundo Santos, Riche
& Teixeira (2012, p. 36-37) .................................................................................................... 117
Quadro 13: Verbos leves x verbos semiauxiliares, segundo Mateus et alii (2003) ................ 130
Quadro 14: Jornais em circulação em Portugal entre 1894 e 1900, segundo Tengarrinha (1989,
p. 232) ..................................................................................................................................... 209
Quadro 15: Periódicos por nº de habitantes na última déc. do século XIX, segundo Brito
Aranha (1900) ......................................................................................................................... 210
Quadro 16: Possibilidades de classificação dos periódicos, segundo Tengarrinha (1989) .... 211
xvi
Quadro 17: Aspectos da elaboração dos jornais a serem considerados em análises de
periódicos, segundo Tengarrinha (1989) ................................................................................ 212
Quadro 18: Periodicidade das publicações regionais em Portugal em 2009, segundo Martins &
Gonçalves (2010) .................................................................................................................... 215
Quadro 19: Hábitos de leitura por distrito, segundo Martins & Gonçalves (2010)................ 218
Quadro 20: Informações acerca de O Comércio do Porto nas edições do corpus ................. 221
Quadro 21: Capas de O Comércio do Porto por década ........................................................ 223
Quadro 22: Informações acerca de O Jornal d’Estarreja nas edições do corpus .................. 227
Quadro 23: Capas do Jornal d’ Estarreja por década ............................................................ 227
Quadro 24: Informações acerca do Diário de Coimbra nas edições do corpus ..................... 232
Quadro 25: Capas do Diário de Coimbra por década ............................................................ 234
Quadro 26: Informações acerca do Diário de Notícias nas edições do corpus ...................... 241
Quadro 27: Capas do Diário de Notícias por década ............................................................. 242
Quadro 28: Ranking de vendas de jornais generalistas não gratuitos de âmbito nacional em
Portugal em 2013, segundo a APCT ...................................................................................... 243
Quadro 29: Informações acerca de A Folha do Sul nas edições do corpus ............................ 246
Quadro 30: Capas de A Folha do Sul por década ................................................................... 246
Quadro 31: Informações acerca do Diário do Alentejo por década ....................................... 250
Quadro 32: Capas do Diário do Alentejo por década ............................................................. 251
Quadro 33: Informações acerca de O Algarve nas edições do corpus ................................... 260
Quadro 34: Capas de O Algarve por década........................................................................... 261
Quadro 35: Informações acerca de o Diário dos Açores nas edições do corpus .................... 265
Quadro 36: Capas do Diário dos Açores por década.............................................................. 266
Quadro 37: Quadro comparativo de grupos selecionados como relevantes para a variação
entre gerúndio x infinitivo gerundivo nas diferentes rodadas realizadas ................................ 360
ÍNDICE DE TABELAS
I- Informações gerais
xvii
Tabela 1: Distribuição populacional de Portugal em NUTS .................................................... 96
Tabela 2: Quantidade de edições de jornais levantadas para composição do corpus inédito 103
Tabela 3: Número PRELIMINAR de dados por célula de região .......................................... 105
Tabela 4: Distribuição dos dados por década x região ........................................................... 105
Tabela 5: Distribuição das ocorrências de gerúndio e de infinitivo gerundivo nos diferentes
tipos de estrutura verbal do corpus ......................................................................................... 145
Tabela 6: Número FINAL de dados por célula de região....................................................... 146
II- Rodada com TODOS OS DADOS – Portugal Continental
Tabela 7: Distribuição de infinitivo gerundivo ao longo do séc. XX nas cinco regiões de
Portugal Continental ............................................................................................................... 270
Tabela 8: Grupos de fatores selecionados na rodada com TODOS os dados de Portugal
Continental.............................................................................................................................. 273
Tabela 9: Distribuição de infinitivo gerundivo no séc. XX (em sincronia) nas cinco regiões de
Portugal Continental ............................................................................................................... 274
Tabela 10: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Estrutura Verbal ........ 275
Tabela 11: Distribuição de infinitivo gerundivo ao longo do séc. XX em Portugal Continental
................................................................................................................................................ 278
Tabela 12: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Tipo Sintático de Oração
................................................................................................................................................ 280
Tabela 13: Distribuição de infinitivo gerundivo nos diferentes tipos de Orações Adverbiais
................................................................................................................................................ 281
Tabela 14: Distribuição de infinitivo gerundivo nos diferentes tipos de Orações Substantivas
................................................................................................................................................ 282
Tabela 15: Distribuição de infinitivo gerundivo nos diferentes tipos de Orações Relativas . 283
Tabela 16: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Tipo Semântico de Verbo
................................................................................................................................................ 284
Tabela 17: Mothé (2007) x Mothé (s. d.) quanto aos resultados do grupo de fatores Tipo
Semântico dos Verbos ............................................................................................................. 285
Tabela 18: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Referência Adverbial . 287
Tabela 19: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Posição do Clítico ...... 287
xviii
Tabela 20: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Tipo Semântico de
Oração .................................................................................................................................... 291
Tabela 21: Distribuição de infinitivo gerundivo nos diferentes Tipos Semânticos de Oração
................................................................................................................................................ 292
Tabela 22: Distribuição de infinitivo gerundivo nos fatores relativos à Cambialidade ......... 293
Tabela 23: Distribuição de infinitivo gerundivo nos quanto à Cambialidade ao longo do séc.
XX .......................................................................................................................................... 294
III- Rodada com ESTRUTURAS SINTÉTICAS (Plenos + Leves) x ESTRUTURAS
ANALÍTICAS (Todas) – Portugal Continental
Tabela 24: Grupos de fatores selecionados na rodada que opõe ESTRUTURAS SINTÉTICAS
(verbos plenos + leves) x ESTRUTURAS ANALÍTICAS (todas) em Portugal Continental 296
Tabela 25: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Interpolação de item
lexical...................................................................................................................................... 296
IV- Rodada com ESTRUTURA SINTÉTICA x ESTRUTURAS ANALÍTICAS com
"AUXILIARES CLÁSSICOS" (estar, andar e ficar) – Portugal Continental
Tabela 26: Grupos de fatores selecionados na rodada que opõe ESTRUTURA SINTÉTICA x
ESTRUTURAS ANALÍTICAS com auxiliares ESTAR, ANDAR e FICAR em Portugal
Continental.............................................................................................................................. 299
Tabela 27: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Estrutura Verbal ........ 299
Tabela 28: Pesos relativos do uso de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Estrutura
Verbal em diferentes rodadas ................................................................................................. 300
Tabela 29: Distribuição de infinitivo gerundivo por região ao longo do séc. XX em Portugal
Continental.............................................................................................................................. 304
Tabela 30: Distribuição de infinitivo gerundivo por Estrutura Verbal ao longo do séc. XX 305
V- Rodada com ESTRUTURAS ANALÍTICAS (Todas) – Portugal Continental
Tabela 31: Grupos de fatores selecionados na rodada que opõe as diferentes ESTRUTURAS
ANALÍTICAS (TODAS) em Portugal Continental ............................................................... 307
Tabela 32: Distribuição de infinitivo gerundivo ao longo do séc. XX ................................... 308
Tabela 33: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Estrutura Verbal ........ 309
xix
Tabela 34: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Posição do Clítico ...... 310
Tabela 35: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Tipo de Texto .............. 311
VI- Rodada SOMENTE com ESTRUTURAS ANALÍTICAS com "AUXILIARES
CLÁSSICOS" (estar, andar e ficar) ao longo do séc. XX – Portugal Continental
Tabela 36: Grupos de fatores selecionados na rodada que opõe SOMENTE as diferentes
ESTRUTURAS ANALÍTICAS com auxiliares ESTAR, ANDAR e FICAR em Portugal
Continental.............................................................................................................................. 312
Tabela 37: Distribuição de infinitivo gerundivo em estruturas perifrásticas por região ao longo
do séc. XX .............................................................................................................................. 313
Tabela 38: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Tipo de Texto .............. 315
Tabela 39: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Posição do clítico ....... 316
VII- Rodada SOMENTE com ESTRUTURAS ANALÍTICAS com "AUXILIARES
CLÁSSICOS" (estar, andar e ficar) em três fases do séc. XX – Portugal Continental
Tabela 40: Grupos de fatores selecionados na rodada que opõe SOMENTE as diferentes
ESTRUTURAS ANALÍTICAS com auxiliares ESTAR, ANDAR e FICAR em Portugal
Continental em três fases do séc. XX ..................................................................................... 318
Tabela 41: Distribuição de infinitivo gerundivo em estruturas perifrásticas “clássicas” por
região em três fases do séc. XX .............................................................................................. 318
Tabela 42: Distribuição de infinitivo gerundivo em três fases do séc. XX em Portugal
Continental.............................................................................................................................. 324
VIII- Rodada SOMENTE com ESTRUTURA SINTÉTICA "CLÁSSICA" (Plenos) ao
longo do séc. XX – Portugal Continental
Tabela 43: Distribuição de infinitivo gerundivo em estruturas sintéticas por região ao longo do
séc. XX ................................................................................................................................... 327
Tabela 44: Grupos de fatores selecionados na rodada que opõe SOMENTE as ESTRUTURAS
SINTÉTICAS “CLÁSSICAS” em Portugal Continental ao longo do séc. XX ..................... 330
Tabela 45: Grupos de fatores selecionados nas rodadas com TODOS os dados x dados
sintéticos do corpus de Portugal Continental ......................................................................... 331
Tabela 46: Distribuição de infinitivo gerundivo ao longo do séc. XX nas estruturas sintéticas
de Portugal Continental .......................................................................................................... 332
xx
Tabela 47: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Tipo Sintático de Oração
nas estruturas sintéticas .......................................................................................................... 332
IX- Rodada com TODOS OS DADOS – Portugal Continental + Açores (Décadas de
1900, 1930, 1960 e 1990)
Tabela 48: Distribuição de infinitivo gerundivo ao longo do séc. XX em Portugal Continental
+ Açores335
Tabela 49: Grupos de fatores selecionados nas rodadas com TODOS os dados dos corpora de
Portugal Continental + Açores x Portugal Continental .......................................................... 337
Tabela 50: Distribuição de infinitivo gerundivo ao longo do séc. XX em Portugal Continental
+ Açores .................................................................................................................................. 338
Tabela 51: Percentual de uso de infinitivo gerundivo no séc. XX (em sincronia) ................. 339
X- Rodada com ESTRUTURA SINTÉTICA x ESTRUTURAS ANALÍTICAS com
"AUXILIARES CLÁSSICOS" (estar, andar e ficar) – Portugal Continental + Açores
Tabela 52: Grupos de fatores selecionados nas rodadas que opõem dados com ESTRUTURA
SINTÉTICA x ESTRUTURAS ANALÍTICAS com auxiliares ESTAR, ANDAR e FICAR –
Portugal Continental + Açores x Portugal Continental .......................................................... 340
Tabela 53: Percentual de uso de infinitivo gerundivo ao longo do séc. XX .......................... 341
Tabela 54: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Estrutura Verbal ........ 341
Tabela 55: Distribuição de infinitivo gerundivo por Estrutura Verbal ao longo do séc. XX 342
XI- Rodada SOMENTE com ESTRUTURAS ANALÍTICAS (TODAS) – Portugal
Continental + Açores
Tabela 56: Grupos de fatores selecionados nas rodadas que opõem dados com
ESTRUTURAS ANALÍTICAS (TODAS) em Portugal Continental + Açores x Portugal
Continental.............................................................................................................................. 344
Tabela 57: Distribuição de infinitivo gerundivo por grupo de fatores Posição Da Oração
Gerundial no Período ............................................................................................................. 345
xxi
XII- Rodada SOMENTE com ESTRUTURAS ANALÍTICAS com "AUXILIARES
CLÁSSICOS" (estar, andar e ficar) – Portugal Continental + Açores
Tabela 58: Grupos de fatores selecionados nas rodadas que opõem dados com
ESTRUTURAS ANALÍTICAS com auxiliares ESTAR, ANDAR e FICAR – Portugal
Continental + Açores versus Portugal Continental................................................................. 346
Tabela 59: Distribuição de infinitivo gerundivo por Voz Verbal ........................................... 347
XIII- Rodadas com JORNAIS REGIONAIS
Tabela 60: Grupos de fatores selecionados na rodada que opõe TODOS os dados de
JORNAIS REGIONAIS de Portugal Continental .................................................................. 349
Tabela 61: Grupos de fatores selecionados nas rodadas que opõem ESTRUTURA
SINTÉTICA x ESTRUTURAS ANALÍTICAS com auxiliares ESTAR, ANDAR e FICAR –
TODO o corpus de JORNAIS REGIONAIS de Portugal Continental x TODO o corpus de
Portugal Continental ............................................................................................................... 350
Tabela 62: Grupos de fatores selecionados na rodada que opõe as diferentes ESTRUTURAS
ANALÍTICAS com auxiliares ESTAR, ANDAR e FICAR no corpus de JORNAIS
REGIONAIS de Portugal Continental .................................................................................... 351
Tabela 63: Grupos de fatores selecionados na rodada que opõe TODOS os dados do corpus de
JORNAIS REGIONAIS de Portugal Continental + Açores ................................................... 352
Tabela 64: Grupos de fatores selecionados na rodada que opõe ESTRUTURAS SINTÉTICAS
x ESTRUTURAS ANALÍTICAS com auxiliares ESTAR, ANDAR e FICAR em JORNAIS
REGIONAIS de Portugal Continental + Açores .................................................................... 353
Tabela 65: Grupos de fatores selecionados na rodada que opõe as diferentes ESTRUTURAS
ANALÍTICAS com AUXILIARES ESTAR, ANDAR e FICAR em JORNAIS REGIONAIS de
Portugal Continental + Açores ............................................................................................... 354
XIV- Rodadas de CONTRASTES REGIONAIS
Tabela 66: Grupos de fatores selecionados nas rodadas que opõem os corpora de Lisboa x
Alentejo .................................................................................................................................. 356
Tabela 67: Grupos de fatores selecionados nas rodadas que opõem os corpora de Norte x
Alentejo .................................................................................................................................. 357
xxii
XV- RESUMOS de pesos relativos por grupos de fatores
Tabela 68: Resumo dos pesos relativos - por rodada em que foi selecionado - do grupo
Posição do Clítico .................................................................................................................. 363
Tabela 69: Resumo dos pesos relativos - por rodada em que foi selecionado - do grupo
Referência Adverbial .............................................................................................................. 365
Tabela 70: Resumo dos pesos relativos - por rodada em que foi selecionado - do grupo Tipo
Sintático de Oração ................................................................................................................ 367
Tabela 71: Resumo dos pesos relativos - por rodada em que foi selecionado - do grupo Tipo
Semântico de Oração.............................................................................................................. 369
Tabela 72: Resumo dos pesos relativos - por rodada em que foi selecionado - do grupo Tipo
Semântico de Verbo ................................................................................................................ 371
INTRODUÇÃO
As línguas mudam. A variação é uma condição intrínseca a todas as línguas humanas.
Até mesmo os leigos, os “não linguistas”, podem perceber que, em vários aspectos, uma
criança usa a língua diferentemente de um adulto, assim como uma pessoa com um alto grau
de escolaridade fala de forma distinta de uma outra que quase não tenha tido acesso a estudos,
bem como pessoas de regiões diferentes – como Nordeste e Sul, no Brasil, por exemplo – se
expressam com características próprias, diferentes uns dos outros. O mesmo ocorre em todas
as línguas vivas, usadas por uma determinada comunidade de fala. As diferenças variam caso
a caso, podendo ser no nível fonológico, morfológico, sintático, lexical ou discursivo. A
Sociolinguística tem como principal objetivo tentar descrever e entender como as línguas
mudam, descobrindo que fatores intra ou extralinguísticos influenciam no uso de uma ou
outra forma de “dizer algo”.
Neste trabalho, nos propusemos a investigar, no Português Europeu, a variação entre
as duas principais construções usadas para indicar aspecto progressivo em Língua Portuguesa,
a saber, o gerúndio e a forma infinitiva em equivalência funcional, doravante denominada
infinitivo gerundivo (a + infinitivo). Referimo-nos, por exemplo, a frases como:
“Eu estou pesquisando esse fenômeno”. (gerúndio)
x
“Eu estou a pesquisar esse fenômeno.” (infinitivo gerundivo)
Com tal intuito, nos pautamos nos princípios da Sociolinguística de base laboviana
(WEINREICH; LABOV; HERZOG, 1968 e LABOV, 1972, 1994, 2003) com o auxílio do
pacote de programas Goldvarb para quantificação dos dados (ROBINSON, J. S.;
LAWRENCE, H. R.; TAGLIAMONTE, S. A., 2001; MOLLICA, 1992; MOLLICA;
BRAGA, 2004; NARO, 2004 e GUY; ZILLES, 2007). Além disso, também nos baseamos em
pesquisas anteriores acerca do tema aspecto progressivo em línguas românicas (SQUARTINI,
1998; LACA, 1998, 2002, 2002b, 2004 e 2006) e também especificamente sobre a variação
em si entre gerúndio e infinitivo gerundivo (MALER, 1972; BARBOSA, 1999; MOTHÉ,
2007) e em outros trabalhos que serão mencionados adiante acerca do tema da variação entre
as duas formas em questão. Em Mothé (2007), nosso objetivo era investigar o contraste entre
essas duas formas no Português Brasileiro (PB) em oposição ao Português Europeu (PE). O
2
foco da presente pesquisa, entretanto, está somente sobre a variação em terras lusas. Assim,
almejamos verificar que fatores têm influenciado no uso de infinitivo gerundivo no Português
Europeu numa perspectiva diacrônica, ao longo do século XX, e também em alguns recortes
sincrônicos de nossos dados.
Além da análise variacionista, uma grande conquista deste trabalho diz respeito ao
levantamento de corpus oriundo de jornais lusitanos, extraído diretamente de arquivos
portugueses, gerando um material inédito que ficará à disposição para investigações futuras de
outros pesquisadores, inclusive de outras áreas além da linguística. Para realizar este trabalho,
utilizamos como corpus notícias desses jornais portugueses, do século XX. Esse material será
descrito em detalhe no capítulo 4.
O trabalho está dividido em cinco capítulos. No capítulo 1, o qual chamamos A
perspectiva deste trabalho, veremos as motivações que nos levaram a pesquisar sobre a
variação entre gerúndio e infinitivo gerundivo: o tema, nossos objetivos, justificativas,
hipóteses gerais, escolha e descrição do corpus e o quadro teórico-metodológico que
nortearam nossa investigação.
O capítulo 2 destina-se à revisão bibliográfica acerca do tema desta pesquisa, onde
apresentamos algumas abordagens sobre o conceito de aspecto, em especial o aspecto
progressivo (que nos interessa nesta pesquisa), também chamado de aspecto contínuo,
durativo ou cursivo Além disso, também veremos o que afirmam algumas gramáticas a
respeito das formas nominais gerúndio e infinitivo gerundivo. Por fim, mencionaremos
trabalhos sobre gerúndio e infinitivo gerundivo, em especial trabalhos produzidos por
pesquisadores portugueses, que têm maior contato com o fenômeno de variação em foco nesta
pesquisa.
O capítulo 3 é dedicado à Metodologia e é dividido em dois subcapítulos: 3.1. Do
levantamento do corpus e 3.2. Do tratamento dos dados. Nele, apresentamos os critérios
metodológicos para levantamento do corpus deste trabalho, constituído, como dissemos, por
notícias de jornais portugueses do século XX e também apresentamos os grupos de fatores
elaborados para esta investigação e seus respectivos exemplos a partir dos dados do corpus.
Ademais, veremos os pressupostos teóricos e as hipóteses que nos serviram de base para a
criação desses grupos de fatores. A parte do presente trabalho que se propõe variacionista
possui treze variáveis independentes: 1- região; 2- tempo; 3- tipo de texto (sequência
textual); 4-estrutura verbal (sintática x analíticas); 5- voz verbal; 6- posição do clítico; 7-
posição da oração gerundial no período (em relação à oração principal); 8- referência
3
adverbial; 9- interpolação de item lexical entre o verbo auxiliar e o verbo principal; 10- tipo
sintático de oração; 11- tipo semântico de oração; 12- tipo semântico do verbo; (13-
cambialidade).
No capítulo 4, veremos uma descrição mais pormenorizada dos jornais que constituem
o corpus desta pesquisa, bem como as características gerais da imprensa no século XX em
Portugal, sobretudo a imprensa regional.
O capítulo 5 é concernente à análise variacionista dos dados, onde expomos os
resultados obtidos e os avaliamos de acordo com as hipóteses que tínhamos ao iniciar o
trabalho.
Finalmente, vemos as conclusões a que chegamos acerca da pesquisa realizada. Ao
fazermos isso, procuramos retomar as hipóteses e os objetivos principais que nos
direcionaram, comparando-os aos resultados mais significativos que encontramos aqui.
Após a bibliografia do trabalho, também se pode conferir, em um apêndice, a relação
das edições de jornais com que contamos para constituição do corpus desta pesquisa. Tais
edições foram levantadas a partir dos arquivos da Biblioteca Nacional de Portugal e dos
arquivos privados do jornal Diário do Alentejo, situado em Beja.
1. A PERSPECTIVA DESTE TRABALHO
Neste capítulo, veremos a perspectiva geral desta pesquisa, o seu ponto de partida: o
tema, os objetivos, suas justificativas, hipóteses gerais, escolha e descrição do corpus e o
quadro teórico-metodológico que direcionaram nossa investigação.
1.1 O tema
O tema deste trabalho – a variação entre as construções de gerúndio e infinitivo
gerundivo – tem sido foco de meus estudos há anos, desde a iniciação científica, quando, já
então sob supervisão do meu orientador, o Prof. Dr. Afranio Gonçalves Barbosa, comecei a
pesquisar acerca do assunto que também tinha sido investigado em parte da pesquisa de sua
tese de doutoramento. Barbosa (1999), em cartas de comércio escritas por portugueses do
século XVIII, constatou que, naquele corpus, o uso de infinitivo gerundivo se revelou
semelhante aos resultados de Maler (1972), que, por sua vez, encontrou em seu corpus,
constituído por peças teatrais portuguesas do século XVIII, apenas 10% de uso de infinitivo
gerundivo.
Ao todo, vinte casos de infinitivo gerundivo sobre um total de exatamente 200
exemplos de construções perifrásticas à base de estar ou andar – se contei bem –
quer dizer, não mais do que 10% nesses materiais que devem ser olhados como uma
amostra bem representativa do diálogo popular do final do século XVIII. (MALER,
1972, p. 267, tradução nossa)1
A questão insere-se, na verdade, na discussão mais abrangente sobre inovação x
conservação em Língua Portuguesa. Em seu artigo “Conservação e Inovação no Português do
Brasil” (1986), Celso Cunha lista uma série de fenômenos linguísticos em que o Brasil
apresenta características de inovação, ao passo que Portugal é tido como mais conservador.
Em contrapartida, o autor também apresenta vários casos em que o Brasil tende à conservação
e Portugal, por outro lado, à inovação. Dentre os fenômenos listados como sinal de
conservação no Português Brasileiro está o uso de gerúndio; logo, Portugal seria o inovador
nesse caso. O autor diz que, enquanto os brasileiros continuaram usando a forma clássica e
1 Somme toute, vingt cas d’i.g. sur un total d’exactement 200 exemples de c.p. à base estar ou andar – si j’ai bien
compté – c’est-à-dire pas plus de 10% dans ces matériaux qu’il faut tout de même regarder comme um
echántillon assez représentatif du dialogue populaire de la fin du XVIIIe siècle. (MALER, 1972, p. 267)
5
mais antiga no idioma (o gerúndio), os portugueses a foram, paulatinamente, substituindo pela
construção “a + infinitivo” (salvo – ainda segundo ele – em algumas exceções regionais,
como nos dialetos centro-meridionais de Portugal, tais como os do Alentejo e do Algarve e
também os dos Açores e das ex-colônias africanas, onde se veria, ainda hoje, a predominância
da forma nominal gerúndio).
Têm certamente maior expansão alguns fatos conservadores de morfossintaxe,
como: a) a perífrase formada por estar (andar, viver, etc.) + gerúndio, que, em
Portugal, desde o século XVIII, vem sendo progressivamente substituída por outra,
constituída de estar (andar, viver, etc.) + infinitivo antecedido da preposição a.
[...]
A construção estar (andar, etc.) + gerúndio, preferida no Brasil, é a mais antiga no
idioma e ainda tem vitalidade em dialetos centro-meridionais de Portugal
(principalmente no Alentejo e no Algarve), nos Açores e nos países africanos de
língua oficial portuguesa. (CUNHA, 1986, p. 206 e 221)
A construção de infinitivo gerundivo está presente na Língua Portuguesa desde muito
cedo, como já afirmava Barbosa (1999): “Vale ressaltar que o registro do infinitivo gerundivo,
apesar de raro, remonta à fase arcaica da língua portuguesa”. Mas, apesar disso, o gerúndio
ainda aparecia como a forma preferida nos textos literários até meados do século XIX, ao
menos segundo Maler (1972) e Menon (2004).
Em um texto em que discorre sobre as implicações dos contatos afro-portugueses para
a expansão da língua, Lipski (2008) defende a tese de que o infinitivo gerundivo, apesar de
presente na língua desde o início de sua história, teria se tornado o preferido nos pidgins
formados a partir da união do português com línguas africanas do século XVI em diante. Tal
expansão teria sido desencadeada pelo que chama de “partícula aspectual” TA seguida de
infinitivo, existente em quase todos os crioulos de base portuguesa e espanhola (exceto nos
crioulos de São Tomé e Príncipe e Annobom, de acordo com o mesmo texto). O autor acredita
que a origem dessa construção seja justamente o infinitivo gerundivo perifrástico, formado
pelo verbo auxiliar estar. As línguas crioulas preferiam, em geral, o uso de verbos invariáveis,
no infinitivo. Com base nisso, a construção de infinitivo gerundivo constituída por estar + a +
infinitivo teria gerado ta + infinitivo, sofrendo aférese da primeira sílaba do verbo auxiliar e
supressão da preposição a. Ele demonstra, inclusive, que o mesmo processo ocorre hoje no
vernáculo dos musseques (bairros populares) de Angola:
Mas tá passá gente perto {Viriato da Cruz, "Makèzu" (Ferreira 1976: 164-165)}
O porícia tá vir! {Rebello de Andrade, "Encosta a cabecinha e chora" (Andrade
1961)}
6
Dominga tá ver eles [...] E Dominga num tá querêr [...] E Dominga num tá repará
nesses confusao todo [...] Que vucê tá fazer? [...] Ma Dominga tá ficar co medo [...]
{Cochat Osório, "Aiué" (Andrade 1961)} (LIPSKI, 2008, p. 7)
O autor menciona ainda que, apesar de Naro (1978, p. 342) afirmar que a partícula ta
tenha se formado desde o século XVI em um pidgin afrolusitano, esta praticamente não
aparece nos textos literários que representam a fala de preto entre os séculos XV e XVIII
(com exceção apenas de ocorrências em alguns poucos poemas anônimos do século XVII)
(LIPSKI, 2008, p. 7).
E afirma:
Apesar da ausência2 notável do infinitivo gerundivo nos documentos literários
anteriores ao século XIX, a linguagem popular favorecia o infinitivo gerundivo
desde a época medieval. Por exemplo, no texto de A demanda do Santo Graal
(Magne 1970: 81; fl. 117, cap. 352)3 encontramos: “Quando aquêles que estavam a
ouvir êste conto entenderom que aquel era Erec, filho de rei Lac [...]”. De Camões
temos (Lund 1980: 66)4: “... aonde então estava vizitar a el Rey a Evora”. De Gil
Vicente (Floresta de enganos): “Hi está elle a peneirar, e elle mesmo há damassar,
porque a negra he co marido”. Nesta mesma obra um homem branco que pretende
passar por mulher preta fala com a linguagem pidginizada da fala de preto e
emprega só o infinitivo invariável e estar com o gerundio:“Que cosa estar vos
hablando?” Esta obra é duma importância extraordinária pois revela que a
combinação estar a + INFINITIVO ainda não formava parte do pidgin
afrolusitano estereotipado mas pertencia à linguagem “normal” dos brancos; os
pretos bozais ainda preferiam os infinitivos invariáveis e os verbos conjugados na
terceira pessoa do singular: a mí llama, etc. [...]
Como dado de muita importância, aparecem várias combinações de estar +
INFINITIVO nuns poemas anónimos dos primeiros anos do século XVII que imitam
a fala de preto (texto 13):
pois toro estamo amorte a pediro ...
...os fia sempre está a fazero ...
Estes poemas representam o único exemplo do infinitivo gerundivo atribuído ao
pidgin português dos escravos pretos, e documentam a presença desta construção na
fala dos grupos marginais muito antes de ser aceita pela língua literária. (LIPSKI,
2008, p. 7, grifos em itálico do autor, em negrito, nossos)
O próprio Maler (1972) já tinha sinalizado a rara presença do infinitivo gerundivo em
construções perifrásticas nos textos literários. Depois de apresentar alguns exemplos dos
séculos XVI, XVII e XVIII, o autor afirma:
2 Vale ressaltar que se trata de uma “QUASE ausência”, já que existem – ainda que raros – alguns casos de
infinitivo gerundivo a partir do século XVI no Português Europeu de textos literários, conforme mostraram
Maler (1972) e Menon (2004).
3 MAGNE, Augusto (ed.) A Demanda do Santo Graal. v. II. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura,
Instituto Nacional do Livro, 1970.
4 LUND, Christopher. Anedotas portuguesas e memórias biográficas da corte quinhentista. Coimbra: Livraria
Almedina, 1980.
7
É então justo dizer, penso eu, que a primeira metade do século XVIII ainda não viu
o triunfo do infinitivo gerundivo em construções perifrásticas. [...] Agora sabemos
com certeza que não podemos falar em avanço “real” do infinitivo gerundivo na
língua escrita – na língua falada ele sem dúvida teve lugar antes – até o século XIX.
(MALER, 1972, p. 265 e 267, tradução nossa5)
Tanto o texto de Lipski (2008) quanto o de Maler (1972) parecem sugerir, portanto,
que a construção estar + a + infinitivo estava presente na língua oral corrente há muito
tempo, aparentemente sem sofrer qualquer tipo de preconceito linguístico por parte dos
falantes cultos da época, o que também podemos inferir a partir de um texto de Gonçalves
Viana, datado de 1890-1892:
Em vários artigos de bastante interêsse pelo seu assunto, publicados em números
consecutivos da revista americana <<Modern Language Notes>>, no anno de 1888,
e intitulados The Gerundial Construction in the Romanic Languages, cita o seu
autor, o sr. Samuel Garner, as frases portuguesas em que os verbos andar e ir,
seguidos de jerundio em –ndo (e poderia acrescentar, dos infinitos precedidos
da preposição a, de mais frequente emprego do que aquelle), denotam acção
<<demorada, continuada>>, diferenciando-se o primeiro dêstes auxiliares em
expressar tal acção, como frecuentativa.
[...]
Em castelhano o emprêgo do jerundio é análogo ao do português; não são porém
usadas as linguajens de infinito precedido de a, que neste último tendem cada vez
mais a substituí-lo, mormente na conversação e no estilo espontaneo.
(GONÇALVES VIANA, 1890-1892, grifos em negrito nossos)
O relato de Gonçalves Viana, notável português estudioso da língua na virada do
século XIX para o XX, é precioso porque, nele, quase perdido na seção de miscelânea de uma
edição da Revista Lusitana, tendo apenas uma página e meia, o autor menciona algo não
muito comum nos estudos linguísticos da época: a língua em uso na fala. Contrapondo sua
observação com os resultados dos trabalhos citados sobre o uso dessa construção em textos
escritos até o século XIX, constatamos que, apesar de não tão frequente nos textos escritos da
época, o infinitivo gerundivo aparentemente já era bastante difundido na língua falada em
Portugal.
Ainda a respeito da avaliação social da construção de infinitivo gerundivo, Barbosa
(1999) – em trecho também citado por Lipski (2008) – afirmou:
5 Il est donc justifié de dire, je pensa, que la première moitié du XVIII
e siècle ne voit pas encore le triomphe de
l’i.g. dans la c.p. [...] Nous savons maintenant avec la certitude, qu’on ne pourra parler de veritable “percée" de
l’infinitif gérondival dans la langue écrite – dans la langue parlée cela avait eu lieu sans aucun doute bien avant –
qu’au XIXe siècle. (MALER, 1972, p. 265 e 267)
8
Se a forma infinitivo gerundivo se generalizou na sociedade portuguesa de tal forma
que, hoje, se apresenta como um dos contrastes mais contundentes da variante
europeia da língua portuguesa face à brasileira, é provável que ela não estivesse
sofrendo restrições de ordem social.
O estigma de popular, portanto, não deveria estar sendo aplicado àquela época a
essa variante. (BARBOSA, 1999, p. 248)
Isto é, pelo menos até o século XVIII, de quando data o corpus de Barbosa (1999), o
infinitivo gerundivo não parecia ser alvo de preconceito linguístico como variante típica das
camadas mais populares da sociedade.
Já a partir do século XIX, a construção começa a despontar com maior destaque,
mesmo em textos literários. Menon (2004) mostrou, ao analisar obras literárias portuguesas
do século XVI ao século XX, que, nessas obras, o infinitivo gerundivo teria começado a
aparecer de forma significativa no final do século XIX.
Qualquer falante de Língua Portuguesa hoje com algum conhecimento mínimo sobre
diferenças entre as duas variantes, PB e PE, é capaz de sinalizar, a partir do senso comum,
que, atualmente, Portugal emprega mais o infinitivo gerundivo, ao passo que o Brasil, o
gerúndio, em vários contextos de uso. Apesar disso, não havia trabalhos na área de
Sociolinguística Histórica a respeito dessa variação entre as duas formas gerundivas. A partir
dessa observação, em Mothé (2007), investigamos o fenômeno em um corpus formado por
anúncios, editoriais e notícias dos séculos XIX e XX de jornais brasileiros e portugueses (o
corpus do Projeto VARPORT (BRANDÃO; MOTA, 2002)). Segundo os resultados dessa
pesquisa, o uso de infinitivo gerundivo teria avançado naquele corpus do Português Europeu
somente a partir do segundo quartel do século XX, por volta de 1925.
Assim, de uma forma ou de outra, todas essas pesquisas citadas até aqui (MALER,
1972; BARBOSA, 1999; MENON, 2004; MOTHÉ, 2007; LIPSKI, 2008) parecem indicar
que a mudança em Portugal, ou seja, o fato de o infinitivo gerundivo passar a ser o preferido
no PE em detrimento do gerúndio, – ao menos no que tange aos textos escritos desses
diferentes gêneros textuais citados – é mais recente do que se imaginava e teria se
desencadeado de maneira mais significativa a partir do século XIX e mais intensamente ao
longo do XX.
O que até então parecia inédito, entretanto, era um estudo acerca da variação diatópica
e diacrônica desse fenômeno em diferentes regiões de Portugal. Vários autores, assim como
Celso Cunha, afirmam que as regiões do Alentejo e do Algarve são mais conservadoras
quanto ao uso do gerúndio. O próprio senso comum, do “cidadão médio” de Portugal, não
consciente sobre fenômenos linguísticos, costuma apontar essas regiões, em especial o
9
Alentejo, como mais conservadoras. A esse respeito, existem trabalhos descritivos, outros
tantos na área de dialectologia, outros gerativistas etc, mas na pesquisa bibliográfica realizada
e descrita no próximo capítulo, pouco – ou nada – se encontrou sobre o assunto em
Sociolinguística Histórica.
A falta de pesquisas na área ajuda na manutenção de preconceitos relacionados ao
emprego do gerúndio, tanto no Brasil quanto em Portugal. O disparate no Brasil chegou a tal
ponto que, no dia 28 de setembro de 2007, o então governador do Distrito Federal, José
Roberto Arruda, baixou um decreto demitindo o gerúndio (!) (PETRY, 2007). O motivo
alegado foi a “ineficiência do gerúndio”, que foi associado à constante resposta “Vamos estar
publicando” dada ao governador quando inquiria seus funcionários a respeito da publicação
de um edital de que precisava para dar prosseguimento a uma obra prometida em sua
campanha eleitoral. O vício de linguagem usualmente chamado de gerundismo foi confundido
pelo governador com o gerúndio e, por decreto, resolveu proibir de vez o uso da forma
nominal existente na língua desde seus tempos mais remotos, desde o latim!
Em 1999, um artigo intitulado “O jovem tem a palavra”, da revista Época
(VASCONCELOS; SEGATTO, 1999) mostrava a discrepância entre ensino e pesquisa,
conforme mostrado por Barbosa (2007, p. 108). O texto da revista aparece publicado em uma
seção de teor “científico” e “tecnológico” voltada para vestibulandos. Pela credibilidade
geralmente empenhada à referida publicação, o leitor acredita que as informações veiculadas
são fruto de uma consultoria científica e, assim, interpreta todas as sugestões como verdades
absolutas. O artigo, no entanto, destaca em hipertexto “O uso do gerúndio empobrece o texto.
Lembre que não existe gerúndio no Português falado em Portugal”. Ao fazer isso, parece
deixar implícito outros “valores”, como diz Barbosa (2007, p. 50): “Mesmo que esse absurdo
[não existir gerúndio em Portugal] fosse verdade, por que teríamos de considerar pobre o uso
do gerúndio? Estaria havendo confusão entre origem geográfica de uma língua e legitimidade
histórica? Estaria havendo subserviência colonial anacrônica?”.
Além disso, conforme já apontado em Mothé (2007), a matéria revela total
desconhecimento do conceito de variação linguística por parte de seus autores, de acordo com
Leite e Callou (2002):
Não se pode pensar no uso de uma língua em termos de “certo” e “errado” e em
variante regional “melhor” ou “pior”, “bonita” ou “feia”. No ensino da língua
escrita, contudo, procura-se neutralizar as marcas identificadoras de cada grupo
social, a fim de atingir um padrão único abstrato e idealizado que seja supranacional.
O paradoxo está em que cada falar, mesmo culto, tem sua norma, variantes que
10
prevalecem estatisticamente, mas que não anulam a ocorrência de outras. (LEITE;
CALLOU, 2002, p. 57).
Comentando a reportagem da Revista Época, o autor Marcos Bagno, reconhecido no
Brasil como grande combatente do preconceito linguístico, com inúmeras publicações sobre o
tema, menciona o seguinte em sua obra Preconceito Linguístico. O que é. Como se faz.:
Ora, se são dicas para brasileiros que querem escrever bem, por que motivos eles
têm de lembrar do que existe ou não existe no português de Portugal? A dica, além
de deixar à mostra sua inspiração neocolonialista, também afirma uma inverdade
linguística: no português de Portugal existe, sim, o gerúndio. [...]
O que não existe no português falado em Portugal é a construção do tipo estou
comendo, ela está telefonando, Pedro esteve trabalhando muito – situações em que
os portugueses usam a preposição a seguida do verbo no infinitivo (BAGNO, 2005,
p. 28-29, grifos do autor)
O que inicialmente aparenta querer criticar a publicação da revista revela-se ainda
mais espantoso, uma vez que provém de um livro que se propõe a repudiar a veiculação de
“normas” baseadas em “pré-conceitos” e, contraditoriamente, ele mesmo acaba por lançar
mão de um “pré-conceito” ao afirmar, sem menção a pesquisas científicas, que não existe um
determinado tipo de construção com gerúndio (as analíticas, com verbos auxiliares) em
Portugal, o que vimos em Mothé (2007) ser uma inverdade. O autor faz essa afirmação
categórica sem ao menos citar algum corpus de língua em uso do Português Europeu, e
também sem mencionar as possíveis diferenças dialetais em terras lusitanas já destacadas por
outros autores.
Outro exemplo de prescrição desabonando o uso do gerúndio baseado em uma norma
idealizada pode ser encontrado em Carneiro (1993), que afirma sobre as orações adjetivas: “o
uso do gerúndio será tão mais impróprio quanto mais se aproxime da função adjetiva, ou da
expressão de qualidades ou estados, ou quanto maior a distância entre o tempo da ação
expressa por ele e o tempo da ação do verbo principal”. Entretanto, até mesmo esse emprego
do gerúndio se mostrou bastante produtivo nos dados de Mothé (2007) em textos de jornais
portugueses e também brasileiros dos séculos XIX e XX.
Tal postura normativa é seguida por vários autores, em especial os de livros didáticos.
O uso da forma nominal gerúndio tem sido alvo de críticas e rechaços, especialmente nos
últimos anos, inclusive em Portugal. O filólogo português Rodrigues Lapa menciona que os
puristas portugueses chamam o uso abusivo do gerúndio de “endorreia” (Lapa, 1982). Ele
critica tal preconceito por parte daqueles que consideram esse uso pouco vernáculo e salienta
o fato de o gerúndio trazer vantagem estilística sobre outros processos em alguns casos.
11
Segundo Lapa, “o argumento do ‘classicismo’ não serve: não podemos nem devemos escrever
hoje como no tempo de Fr. Luís de Sousa.” (1982, p. 154). E completa:
Não há dúvida pois que o uso do gerúndio é em certos casos preferível à oração
relativa, sobretudo quando não temos o recurso acertado, expressivo das
preposições. Não abusemos dele, mas não hesitemos em empregá-lo, sempre que o
reconheçamos superior a outros modos de escrever. [...] Para que havemos pois de
banir da língua este instrumento expressivo, sob a acusação de que não era usado
pelos nossos tresavós e nos veio diretamente do francês? O que aliás não é
inteiramente verdadeiro, pois se apontam exemplos dessa construção em autores
como o Pe. Manuel Bernardes e Alexandre Herculano. (LAPA, 1982, p. 154).
Ainda a respeito do preconceito em Portugal, mesmo pesquisadores em atividade
ainda hoje mencionam o fato de que o Alentejo e o Algarve – os dialetos meridionais, grosso
modo – são mais conservadores quanto ao uso do gerúndio. Pesquisas em dialectologia
mostram que, de fato, a forma nominal gerúndio, especialmente quando acompanhada do
verbo auxiliar estar, aparece quase que exclusivamente apenas nessas regiões (CARRILHO &
PEREIRA, 2011). Durante minha visita a Portugal em 2011, financiada parcialmente pelo
projeto de pesquisa do qual faz parte meu orientador, e também durante meu estágio de bolsa
sanduíche em 2013, financiado pelo CNPq, constatei que existe, tanto entre os cidadãos leigos
quanto entre pesquisadores da área de linguística, um certo “pré-conceito” quanto ao uso do
gerúndio, sobretudo em relação ao dialeto alentejano.
Com efeito, os alentejanos, de maneira geral, costumam ser alvo de anedotas em
Portugal talvez na mesma medida em que os baianos o são no sudeste/sul do Brasil. No
imaginário coletivo e estereotipado do português médio, os alentejanos muitas vezes são
vistos como preguiçosos, lentos, mansos, simpáticos e... usuários de gerúndio. Nas anedotas
sobre alentejanos, é comum ouvir um português usar gerúndio e falar de forma mais vagarosa
para tentar reproduzir o sotaque da região.
Em pesquisa realizada pela internet em fóruns de discussões e redes sociais,
encontramos alguns relatos que ilustram bem esse estereótipo. No trecho abaixo, retirado de
um texto intitulado “Patriotismo linguístico”, por Desidério Murcho, português, no blog
chamado “Blog da Crítica”, vemos o autor emitindo sua opinião a respeito do preconceito
quanto ao uso do gerúndio e, em seguida, na mesma página, dois comentários interessantes a
respeito do texto.
Todavia, quero falar de outro artificialismo mais recentemente introduzido na língua
portuguesa de Portugal: o cagaço do gerúndio. Isto é muito recente, dado que em
textos de Eça de Queirós ou de Fernando Pessoa se vê o gerúndio correctamente
usado — para falar do que está em curso no momento. Assim, é correcto dizer
12
“Estou escrevendo este apontamento” e um disparate português dizer “Estou a
escrever este apontamento”. A minha hipótese é que a dada altura de finais do séc.
XIX ou já no séc. XX algum português que não tinha sensatez em excesso sonhou
que o gerúndio era brasileiro [...]. (MURCHO, 2010).
(Disponível em http://blog.criticanarede.com/2010/04/patriotismo-linguistico.html. Acesso em: 14 jan 2014.)
Como se pode ver, entre portugueses existe o preconceito de ambos os lados: há os
que afirmam que o gerúndio não possa ser usado por ser considerado brasileirismo e há os que
se orgulham de usá-lo como marca de sua terra, apregoando veementemente que o gerúndio
lhes é próprio, usando para isso, inclusive, vocabulário grosseiro para indicar sua indignação
diante do rechaço ao emprego da forma nominal em questão. Há de se reparar, também, que
um dos comentários cita o fato de os “professores continentais”6 corrigirem o uso do gerúndio
na Ilha da Madeira.
O cartunista Sergei (pseudônimo de Paulo Sérgio Teixeira) é o autor de uma série de
cartoons chamada “Os compadres” (SERGEI, 2013), na qual busca representar o cotidiano do
camponês lusitano, no caso, o alentejano. Nos dois exemplos abaixo, podemos observar, na
fala do camponês, o uso do gerúndio tanto em sua forma perifrástica, com verbo auxiliar (“tá
vendo”), quanto em sua forma sintética (“dormindo”), em vez de o infinitivo gerundivo, tão
característico do Português Europeu.
6 “Professores continentais” seriam aqueles oriundos da parte continental do território de Portugal, em oposição
às ilhas que constituem regiões autônomas, como é o caso da Madeira e do arquipélago dos Açores.
13
Charge 1: “Os Compadres” – Gerúndio em estrutura perifrástica na reprodução de fala alentejana
Charge 2: “Os Compadres” – Gerúndio em estrutura sintética na reprodução de fala alentejana
Como se vê, nas duas charges apregoa-se o estereótipo do alentejano preguiçoso e de
raciocínio lento. E usando gerúndio. O mesmo pode ser observado na piada abaixo:
“Um Alentejano saiu da estação do comboio rindo às gargalhadas. Encontra um compadre e
este pergunta-lhe:
- Atão do que está rindo tanto compadre?
- Ora, é que comprei um bilhete de ida e volta mas eu nã volto”.
(Disponível em: <<http://www.anedotas.rir.com.pt/anedota60.htm.>>. Acesso em: 14 jan 2014)
14
Em outro blog, específico sobre sotaques, a autora, alentejana, posta seu primeiro
texto, chamado “Alentejano de Portugal”, falando sobre o sotaque da sua terra. E afirma:
P'ra começar eu falo mesmo de maneira diferente da vossa! Mesmo muito diferente!
Eu trato-vos por tu, vocês tratam-me por você, essa deve ser, de longe a maior
diferença! Mas que tem piada tem! :)
Depois há muitas diferenças, mas quando se chega ao meu sotaque.... esse aí
transmite calma, transmite paz, tranquilidade. Quando se fala em alguém preguiçoso
- é um alentejano. Quando se vê alguém a descansar no meio de uma tarde de calor
impossível - é alentejano. Quando se goza por alguém demorar mais tempo a
perceber qualquer coisa ou é alentejano ou é loura (e eu que sou as duas coisas...).
[...] gostamos de dizer "a gente" e usar mal a pessoa do verbo ("a gente vamos"
quando devia ser "a gente vai"), nesta parte do Alentejo não usamos muito o
gerúndio, mas quanto mais descemos mais estamos cantando a língua como
vocês do outro lado do Atlântico, tiramos o i do "lete" e pomo-lo no "caféi",
gostamos de dizer sim, mas quando é não ficamo-nos pelo "nã", o Manuel passa a
"Maneli", [...].
Somos pacíficos, tolerantes e não gostamos de confrontos directos, as terras
pequenas estão vazias, sem pessoas, sem jovens. (TAMIA, 2006, grifo nosso)
Em seguida, em uma resposta que a autora do texto dá a um dos leitores, ela tenta
simular o falar alentejano escrevendo:
(Disponível em http://sotaques.blogspot.com.br/2006/01/alentejano-de-portugal.html. Acesso em: 14 jan 2014.)
Percebe-se pelo relato da autora, que se autodenomina Tamia, que, mesmo no
Alentejo, existem diferenças quanto ao emprego de gerúndio. Ela, falante nativa do dialeto
alentejano, distingue – em reflexão metalinguística a partir de suas próprias impressões, é
verdade – ao menos duas “sub-regiões” do Alentejo, uma supostamente mais ao norte (que
corresponderia, possivelmente, o Alto-Alentejo), onde “não se usa tanto gerúndio”, segundo
ela, e uma mais ao sul (o Baixo-Alentejo), onde aparentemente essa forma nominal é mais
15
empregada (“[...] quanto mais descemos mais estamos cantando a língua como vocês do outro
lado do Atlântico [...]”).
É interessante, porém, que essa peculiaridade do dialeto alentejano não foi
mencionada por Leite de Vasconcellos em um texto específico sobre os dialetos da região
(VASCONCELLOS, 1890-1892). O autor lista uma série de características nos âmbitos
morfossintático, fonológico e lexical dos falares populares de três cidades alentejanas (Évora,
Alandroal e Beja), com dados colhidos por ele em 1890. Não é feita qualquer referência ao
uso do gerúndio.
Além disso, curiosamente, apesar desse senso comum de que o Alentejano é mais
conservador quanto ao uso do gerúndio, mesmo antes da fase de análise quantitativa dos
dados, a impressão que se tinha ao observar os textos alentejanos de maneira geral – tanto
orais, enquanto estive lá, quanto escritos, nos sites e jornais que me serviram de corpus nos
recortes de tempo mais recentes – era de que não havia grande diferença entre os produzidos
ali ou no restante do país.
A enciclopédia virtual Wikipédia, embora nem sempre possa ser considerada confiável
devido ao fato de poder ser editada por qualquer pessoa, é inegavelmente uma das principais
fontes de consulta escolar/informal atualmente. Apesar da vulnerabilidade das informações
apresentadas no site, muitos artigos possuem, inclusive, referências bibliográficas de
respeitosos trabalhos acadêmicos. Independentemente da cientificidade do site, há de se
admitir que ele funciona como base de informações para milhares de pessoas em todo o
mundo. É interessante perceber que, nessa fonte, o artigo referente a “português europeu”
afirma o seguinte:
No português europeu, é muito frequente o uso do infinitivo gerundivo. Até algum
tempo atrás, a Sul do Rio Tejo, usava-se mais o gerúndio, mas, com os meios de
comunicação, o infinitivo tornou-se mais geral em todo o país durante a primeira
metade do século XX [carece de fontes]
.
"Estou a fazer um trabalho."
(PORTUGUÊS EUROPEU, disponível em
<http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Portugu%C3%AAs_europeu&oldid=378
07528>, acesso em 28 fev 2014)
Essa observação, apesar de o próprio artigo indicar “carecer de fontes”, não deixa de
ser um indício de que o avanço do infinitivo gerundivo em regiões consideradas
conservadoras quanto ao uso do gerúndio tem sido percebido/sinalizado de alguma forma
mesmo em meios não acadêmicos.
16
Em conversa informal com o diretor do jornal Diário do Alentejo, em Beja, enquanto
colhia amostras de edições do periódico no arquivo privado do mesmo para a constituição do
corpus, ele, ao inquirir sobre o conteúdo de minha pesquisa, produzia uma fala muito
semelhante ao relato de António Parente no comentário do blog, acima. Dizia que ele, como
alentejano, cresceu ouvindo que o gerúndio era uma marca linguística forte no Alentejo e que,
de fato, isso era bastante perceptível entre seus conterrâneos etc, mesmo na fala. Mas dizia
tudo isso usando inúmeros infinitivos gerundivos em seu texto oral, numa proporção que
meus ouvidos – de certa forma “treinados” para esse fenômeno – não sentiram diferença,
nesse aspecto, entre seu uso da língua e o de um lisboeta, por exemplo.
Fazendo um paralelo dessa postura em relação ao conceito que os falantes têm acerca
da norma-padrão de sua variante, é possível mencionarmos o que dizem a respeito Mateus e
Cardeira (2007):
Quando observamos a produção espontânea dos falantes verificamos que se afastam,
em maior ou menor grau, desse modelo. O padrão real, o comportamento mais
frequente, nem sempre coincide com o padrão ideal. Mas se perguntarmos aos
falantes cuja produção espontânea observámos qual é a forma de expressão mais
correcta naquelas exactas situações, veremos que as respostas serão diferentes dos
dados que obtivemos na observação da realidade. O velho ditado “faz o que eu digo,
não faças o que eu faço” aplica-se aqui: o que os falantes sentem como correcto
corresponde ao padrão ideal (norma-padrão) e a forma como realmente agem
corresponde ao padrão real (ou norma-objectiva). (MATEUS & CARDEIRA,
2007, p. 24)
Isto é, adaptando a distinção norma subjetiva x norma objetiva que as autoras fazem
no trecho acima ao fenômeno de variação gerúndio x infinitivo gerundivo no Alentejo, percebi
que os alentejanos se apropriam do gerúndio como uma marca típica, modelar de seu dialeto,
muitas vezes chegando a se orgulharem dele por isso. Todavia, aparentemente empregam em
seus textos orais e escritos uma proporção de infinitivo gerundivo não muito diferente das
demais regiões de Portugal.
É bem verdade que isso seria apenas uma impressão, sem quantificação. Para que a
impressão se tornasse constatação na língua em uso, seja escrita ou oral, seria necessário
quantificar essa variação em diversos contextos controlando-a em diferentes aspectos. Mas,
ainda assim, essa impressão – que já existia mesmo antes das visitas a Portugal – nos leva a
supor que, talvez hoje, talvez na oralidade, o aumento do uso do infinitivo gerundivo esteja
mais difundido e em um estágio mais avançado do que se pensa em Portugal, inclusive no
Alentejo. Essa hipótese foi a motivação inicial da presente pesquisa, na qual pretendia
17
começar uma investigação Sociolinguística acerca da variação entre gerúndio e infinitivo
gerundivo em terras lusas, no Português Europeu.
1.2 Hipóteses gerais
A partir dos resultados de Mothé (2007), esta tese visa a comprovar, basicamente, as
seguintes hipóteses a respeito da variação entre gerúndio e infinitivo gerundivo no Português
Europeu:
1. O avanço significativo do infinitivo gerundivo em Portugal foi gradativo ao longo
do século XX, acentuando-se e tornando-se predominante em relação ao uso de gerúndio a
partir da segunda metade do século. Essa é a hipótese para a vertente diacrônica deste
trabalho;
2. A preferência ao emprego do infinitivo gerundivo em detrimento do gerúndio em
diversos contextos está em um estágio mais avançado em Portugal do que se costuma pensar,
a tal ponto que, provavelmente, até o fim do século XX, já teria alcançado regiões antes
consideradas conservadoras quanto ao uso do gerúndio, tais como o Alentejo e o Algarve, em
Portugal Continental, e a região autônoma dos Açores. Como resultado, poderá se atestar que,
até o fim do século XX, regiões antes apontadas como conservadoras estariam, também,
preferindo a construção gerundiva inovadora (a + infinitivo) em contextos que antes tendiam
a usar gerúndio. Tal é a hipótese para a vertente diatópica deste trabalho.
Além dessas hipóteses gerais, no capítulo 3, onde será feita a apreciação dos grupos de
fatores da análise quantitativa que se dará através do modelo Variacionista e do pacote de
programas Goldvarb, veremos as hipóteses específicas que norteiam cada um dos grupos em
questão.
1.3 Objetivos
O objetivo geral aqui almejado é estudar a mudança quantitativa que se processou no
Português Europeu quanto ao uso das duas estruturas gerundiais em foco, a tal ponto que –
18
aparentemente – tem feito com que o infinitivo gerundivo avance de forma gradativa em
Portugal mesmo nos contextos que antes eram predominantemente redutos do gerúndio.
Nesse sentido, a abordagem diacrônica que contemplamos neste trabalho tem por objetivo
descrever e avaliar a trajetória de conservação e de inovação da variação em padrões
quantitativo-distribucionais com relação às variáveis gerúndio e infinitivo gerundivo em terras
lusitanas ao longo do século XX.
Conforme já mencionamos, com base em Maler (1972) – que investigou um corpus de
peças teatrais portuguesas do século XVIII –, em Barbosa (1999) – que pesquisou a mesma
variação em cartas de comércio – e em Mothé (2007) – cujo trabalho tinha textos jornalísticos
como corpus –, sabemos, que, até o fim do século XIX, nas amostras de língua escrita desses
diferentes corpora pesquisados, os portugueses apresentavam cerca de 10% de uso de
infinitivo gerundivo (taxa bastante próxima da que é vista hoje no Brasil em textos
jornalísticos escritos – que varia entre 9% e 11%7). Segundo os dados de Mothé (2007) (de
anúncios, editoriais e notícias dos séculos XIX e XX), o uso de infinitivo gerundivo teria
avançado nesses gêneros textuais em Portugal a partir do segundo quartel do século XX, por
volta de 1925. Já Menon (2004) mostrou, ao analisar obras literárias portuguesas do século
XVI ao século XX, que, nessas obras, o infinitivo gerundivo teria começado a aparecer de
forma significativa no final do século XIX. De uma forma ou de outra, conforme já
mencionamos, essas pesquisas parecem indicar que a mudança em Portugal é mais recente do
que se imaginava e teria se desencadeado de maneira mais intensa ao longo do XX.
E, assim, chegamos ao principal objetivo deste trabalho:
Investigar a variação diatópica e seus condicionamentos sincrônica e
diacronicamente no século XX, analisando dados de diferentes regiões de
Portugal, para verificar se o gerúndio continua sendo predominante em
regiões vistas como conservadoras no PE, tais como o Alentejo e o Algarve.
Além disso, como objetivos mais específicos, com base em resultados de pesquisas
sociolinguísticas anteriores, a saber, Barbosa (1999) e Mothé (2007), também pretendemos
verificar se:
7 Segundo Mothé (2004) e Mothé (2007).
19
1. A generalização da forma infinitivo gerundivo foi favorecida nas orações
circunstanciais temporais, condicionais e modais, conforme resultado obtido com cartas de
comércio do século XVIII em Barbosa (1999);
2. O infinitivo gerundivo teve maior avanço (inclusive nos dados de PE escrito) nas
construções analíticas (verbo auxiliar + a + infinitivo do verbo principal), assim como
observado em Mothé (2007);
Com tais fins, foram levantadas ocorrências da forma nominal gerúndio e de infinitivo
gerundivo em um corpus que reúne notícias de jornais provenientes de diferentes regiões de
Portugal ao longo do século XX. Analisando os dados década a década, foi possível averiguar
com maior detalhe a variação de uso entre essas formas durante o período em que parece ter
se caracterizado com maior clareza o avanço do infinitivo gerundivo no Português Europeu
escrito, visto que as pesquisas anteriores já mencionadas mostraram taxas relativamente
estáveis até fins do século XIX em diferentes gêneros textuais escritos. A revisão
bibliográfica sobre o tema em diferentes perspectivas tradicionais e descritivas a respeito do
comportamento do aspecto progressivo em línguas românicas (SQUARTINI, 1998; LACA,
1998, 2002, 2002b, 2004 e 2006) bem como sobre a variação em si entre gerúndio e infinitivo
gerundivo (MALER, 1972; BARBOSA, 1999; MOTHÉ, 2007) serviu de base à procura de
fatores que eventualmente controlem a variação.
Para tentar alcançar esses objetivos, baseamo-nos, conforme já mencionado na
introdução deste trabalho, nos princípios da Sociolinguística laboviana (WEINREICH;
LABOV; HERZOG, 1968 e LABOV, 1972, 1994, 2003) usando – como instrumento de
quantificação dos dados e de cálculo estatístico de relevância dos fatores no fenômeno – o
pacote de programas Goldvarb (ROBINSON, J. S., LAWRENCE, H. R.; TAGLIAMONTE,
S. A., 2001; MOLLICA, 1992 e 2004; NARO, 2004 e GUY; ZILLES, 2007). Dessa forma,
em relação a Mothé (2007), ampliamos e aprofundamos os estudos para continuar a verificar
que fatores influenciam no avanço do infinitivo gerundivo no Português Europeu, restringindo
esta pesquisa ao gênero textual notícias, numa perspectiva diacrônica, ao longo do século XX,
e sincrônica, observando o século XX como um todo.
20
1.4 Justificativa
Conforme já mencionamos, o foco central de minha investigação está sobre o uso do
infinitivo gerundivo em Portugal. Assim, enquanto o objeto de estudo em minha dissertação
era a variação das duas formas gerundiais no Brasil e em Portugal, agora dei maior atenção a
corpora exclusivamente portugueses. Nesta pesquisa, levantei e cataloguei fontes do
Português Europeu, as editei (parcialmente, para este trabalho8) e, em seguida, prossegui na
descrição do fenômeno linguístico em foco: a oposição entre gerúndio e infinitivo gerundivo
na variante europeia da Língua Portuguesa.
Vários corpora diacrônicos já foram e continuam sendo constituídos de modo a
oferecer à comunidade acadêmica material bem-editado para descrever e estudar a formação
do Português Brasileiro em contraste ou não com o Português Europeu. Destaco, nesse
propósito, os trabalhos desenvolvidos com muito êxito pelas equipes que compõem o Projeto
Para uma História do Português Brasileiro.
É possível que se questione por que ter como objetivo central analisar, em uma
investigação no Brasil, a evolução de uma determinada construção em Portugal – no caso, o
infinitivo gerundivo. A pesquisa justifica-se exatamente porque é preciso controlar casos de
conservação e de inovação em Língua Portuguesa em geral não só para a construção da
História da Língua Portuguesa, mas para evitar que o preconceito linguístico perpetue o
pensamento de que Portugal é dono da língua.
Assim, partindo dos resultados dos já referidos trabalhos prévios sobre o tema,
procurei dar minha colaboração para maior esclarecimento do fenômeno, sem, no entanto,
imaginar que o assunto há de ser esgotado nesta pesquisa. Muito ainda haverá de ser
investigado em outros contextos, outros recortes no tempo e no espaço, outros gêneros
textuais etc. Espera-se, assim, ao longo do tempo e com a colaboração do trabalho de
inúmeros pesquisadores, chegar a construir – cada vez de forma mais completa – a História da
Língua Portuguesa.
8 Vale ressaltar que não editamos todo o material levantado ao longo da pesquisa. Como se pode constatar a
partir do apêndice deste trabalho, o volume de jornais lusos que levantamos nos arquivos portugueses é imenso.
Tais jornais constitnuem fontes de textos, amostras de língua em uso em diferentes gêneros textuais de diferentes
regiões do território português ao longo do século XX. Entretanto, devido à limitação do próprio tempo,
ativemo-nos exclusivamente à edição das notícias que utilizamos para levantamento dos dados desta pesquisa.
21
1.5 Fundamentação teórica
O princípio básico da Sociolinguística, segundo enunciou William Labov na década de
1960, é o de que todas as línguas humanas vivas mudam, daí a sua teoria também ser
conhecida como Teoria da Variação e Mudança. Isso implica dizer que todas as línguas
possuem mais de uma forma de “dizer a mesma coisa”.
A condição normal da comunidade de fala é a da heterogeneidade: podemos esperar
encontrar um grande leque de variantes, estilos, dialetos e falares usados pelos
membros. [...] O caráter heterogêneo da comunidade aparece no fato de que há
muitas formas alternáveis, semanticamente equivalentes de dizer “a mesma coisa”.
(LABOV, 1982, tradução nossa).9
A variação no uso entre duas construções que indicam aspecto progressivo em Língua
Portuguesa é o objeto de estudo sobre o qual aqui nos debruçamos. Conforme já
mencionamos, utilizaremos os pressupostos da Sociolinguística Histórica de base laboviana
para realizar a pesquisa e, embora tais pressupostos sejam os mesmos estabelecidos em nossa
investigação prévia, Mothé (2007), é pertinente também explicitarmos aqui nossa
fundamentação teórica.
As formas em variação num determinado fenômeno da língua são chamadas de
variantes e cada conjunto de variantes em oposição é denominado variável (socio)linguística.
Sendo assim, em nossa pesquisa, as variantes em análise seriam as construções em gerúndio e
em infinitivo gerundivo. O fato de as duas formas coexistirem no Português Europeu por
séculos é perfeitamente aceitável para a Teoria da Variação:
[...] nós identificamos mudança em progresso através da coexistência de variantes
mais velhas e mais novas. Além disso, o progresso é raramente representado pela
substituição categórica de uma forma pela outra, mas, normalmente, por mudanças
na frequência relativa das variantes e mudanças em seus condicionamentos
situacionais. (LABOV, 1982, tradução nossa).10
Outro pressuposto da Sociolinguística laboviana é o de que a variação linguística não é
caótica, mas sim condicionada por fatores estruturais (“internos” à língua, como os aspectos
9 The normal condition of the speech community is a heterogeneous one: we can expect to find a wide range of
variants, styles, dialects and languages used by members. […] The heterogeneous character of the community
appears in the fact that there are many alternate, semantically equivalent ways of saying “the same thing”.
(LABOV, 1982)
10
[…] we identify change in progress by the coexistence of older and younger variants. Furthermore, that
progress is rarely represented by the categorical replacement of one form by another, but normally by changes in
the relative frequencies of the variants and changes in their environmental constraints. (LABOV, 1982).
22
fonológicos, morfológicos, sintáticos e discursivos) e/ou sociais (“externos” à língua, como
idade, sexo, nível de escolaridade dos informantes, região de onde provêm etc.). Associados à
proposta de variação linguística condicionada por fatores internos e externos, surgiram, então,
instrumentos para melhor quantificação dos dados colhidos da língua em uso, na tentativa de
melhor aferir diferentes graus de influência de cada um desses fatores sobre um determinado
fenômeno de variação linguística.
Vários modelos matemáticos e estatísticos foram testados desde 1969, quando o
próprio Labov chegou a propor um modelo aditivo de quantificação de dados. Esses modelos
revelaram-se ineficazes e não confiáveis para a análise de dados linguísticos, embora todos
eles possuíssem, na verdade, pontos positivos e negativos. Até que, em 1978, os
pesquisadores Pascale Rousseau e David Sankoff sugeriram um novo modelo quantitativo que
congregava as boas características dos anteriores: o chamado modelo logístico. Segundo Naro
(2004), o diferencial desse modelo é “dar conta, de modo satisfatório, da desejada
desvinculação de fatores”. O modelo logístico é o usado em pesquisas sociolinguísticas ainda
hoje e sua aplicação ocorre, basicamente, através do pacote de programas computacionais
VARBRUL (do inglês “variable rules”) em suas diferentes atualizações, como o Goldvarb
2001 (ROBINSON, LAWRENCE e TAGLIAMONTE, 2001) e o Goldvarb X (SANKOFF,
TAGLIAMONTE e SMITH, 2005). Os dados desta pesquisa foram submetidos à primeira
versão para Windows do VARBRUL, o Goldvarb 2001.
Assim, nesse instrumento de quantificação estatística dos dados, nossa variável
dependente é composta pelas variantes gerúndio x infinitivo gerundivo, sendo esta última o
nosso valor de aplicação. Em uma pesquisa estatística (seja ela linguística ou não), a chamada
variável dependente varia de acordo com a influência de variáveis independentes.
[...] a variável dependente é afetada, medida ou explicada pela atuação da(s)
variável(is) independente(s), variando de acordo com esta(s). Sendo assim, em uma
pesquisa, a variável independente é o antecedente e a variável dependente, o
consequente.
É necessário estabelecer o controle de variáveis independentes para verificar, em
função dessas, os efeitos na variável dependente. Ao desenvolver a pesquisa, porém,
o pesquisador pode descobrir que, entre as variáveis independentes, há aquelas que
são relevantes e aquelas que são irrelevantes, mas todas devem ser controladas
mesmo que não se saiba se são importantes ou não. A metodologia da investigação
é, nesse sentido, muitas vezes, experimental, e cabe ao linguista interpretar os
resultados que lhe são apresentados através do uso do programa estatístico de regras
variáveis. (MOTHÉ, 2007, p. 35)
Isso significa que, apesar de contar com um instrumento estatístico de quantificação
dos dados, a maior responsabilidade é do linguista, que, antes de tudo, precisa levantar os
23
dados, supor hipóteses, baseado em seus conhecimentos linguísticos, para construção das
variáveis independentes que possam exercer influência sobre o fenômeno analisado etc., como
já sinalizava Naro (2004):
As suas limitações [da pesquisa] são as do próprio linguista, a quem cabe a
responsabilidade de descobrir quais são os fatores relevantes, de levantar e codificar
os dados empíricos corretamente, e, sobretudo, de interpretar os resultados
numéricos dentro de uma visão teórica da língua. O progresso da ciência linguística
não está nos números em si, mas no que a análise pode trazer para nosso
entendimento das línguas humanas. (NARO, 2004)
Por fim, convém fazer mais uma observação acerca da adoção dos princípios da
Sociolinguística para o estudo de nosso fenômeno. Como mencionamos acima, a Teoria da
Variação pressupõe que as variantes em competição constituam “duas (ou mais) formas de
dizer a mesma coisa”. Segundo Labov (1972),
Variação social e estilística pressupõem a opção de dizer “a mesma coisa” de
maneiras diferentes, isto é, as variantes são idênticas em valor de verdade, mas
distintas em seu significado social e/ou estilístico. (1972, p. 271, tradução nossa)11
Nesse sentido, há quem questione o uso da Sociolinguística para investigação de
fenômenos morfossintáticos. A justificativa seria que, fora do âmbito da fonologia, duas
variáveis nunca querem dizer exatamente a mesma coisa. Foi o que argumentou Beatriz
Lavandera (1978) ao suscitar um caloroso debate entre linguistas que durou anos acerca dessa
temática. Segundo a autora: “[...] nós nos prejudicamos ao estender tanto o conceito de
variável a ‘sempre que o falante tiver uma opção’” (1978, p. 173, tradução nossa)12
. Para
Lavandera, no nível morfossintático ou lexical, é muito difícil afirmar que as variantes
constituam “diferentes formas de dizer a mesma coisa”, pois
[...] um morfema, um item lexical e até mesmo uma construção sintática têm já em
si um sentido próprio (ao contrário dos fonemas, que não possuem significado
quando observados isoladamente). O que se questiona, na verdade, é a existência de
sinônimos perfeitos na língua.
11 Social and stylistic variation presuppose the option of saying ‘the same thing’ in several different ways: that is,
the variants are identical in referential or truth value, but opposed in their social and/or stylistic significance.
(LABOV, 1972, p. 271).
12
I think we are losing in extending so comprehensively the concept of variable to “whenever the speaker has an
option”. (LAVANDERA, 1978, p. 173)
24
No caso do nosso objeto de estudo, dizer que nos versos da música “O Sol nascerá”,
de Cartola13
“A sorrir eu pretendo levar a vida / pois chorando eu vi a mocidade perdida”,
trocar “a sorrir” por “sorrindo” reflete meramente uma escolha aleatória do falante
seria ignorar o fato de que, no Português do Brasil, se atribui um valor muito mais
estilizado, literário mesmo, ao infinitivo gerundivo que ao gerúndio. Sendo assim,
essas formas NÃO informariam a “mesma coisa”, o que seria um impedimento
segundo os pressupostos teóricos de Labov. (MOTHÉ, 2007, p. 37-38)
Sendo assim, então por que insistimos em nos apropriarmos dos princípios da Teoria
da Variação para estudar um fenômeno de natureza morfossintática como é a alternância entre
gerúndio x infinitivo gerundivo no PE?
Hoje, embora ainda não seja um assunto totalmente encerrado e não haja exatamente
um consenso entre linguistas, muitos sociolinguistas já aceitam – e, inclusive, lançam mão da
– Sociolinguística laboviana em pesquisas acerca da variação de fenômenos morfossintáticos.
É evidente que sabemos que nossas duas variantes não dizem perfeitamente a mesma coisa. Já
até mesmo mostramos existir certo estigma em relação ao uso de gerúndio no PE, o que não
ocorre com o infinitivo gerundivo. O emprego de gerúndio em contextos onde o PE padrão
utiliza infinitivo gerundivo, além do próprio aspecto progressivo, também veicula outras
“informações”, tais como a possível origem geográfica do informante e todos os “pré-
conceitos” que daí advêm.
Dessa forma, para que possamos nos apropriar da Sociolinguística laboviana para o
estudo desse fenômeno, precisamos ampliar um pouco nossa noção de “sentido referencial”,
passando a admitir a compatibilidade funcional entre as formas alternantes. Assim, mesmo
cientes de que gerúndio e infinitivo gerundivo não digam exatamente “a mesma coisa”, não
podemos negar que o valor funcional e aproximado das duas construções é mantido ao
trocarmos uma pela outra em determinado contexto. Ambas indicam aspecto progressivo. É
este, portanto, assim como em Mothé (2007), o tratamento dado à nossa variável dependente:
gerúndio e infinitivo gerundivo são equivalentes, intercambiáveis funcionalmente.
No próximo capítulo, faremos uma revisão sobre o que se encontra na literatura acerca
do nosso objeto de estudo: o gerúndio e o infinitivo gerundivo.
13
Angenor de Oliveira (1908-1980), o Cartola, foi compositor, cantor e poeta brasileiro. É considerado por
muitos como o maior sambista de todos os tempos. Cartola não só fundou a escola de samba Estação Primeira de
Mangueira, como lhe deu o nome e as cores verde e rosa. Muito gravado pelos grandes cantores da década de 30,
Cartola compôs, sozinho ou com parceiros, mais de quinhentas músicas.
2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
As construções com gerúndio e com infinitivo gerundivo, nosso objeto de estudo,
indicam, basicamente, situações muitas vezes chamadas de progressivas em língua
portuguesa. As características mais marcantes dessas situações são a duração e a
incompletude, visto que representam uma ação em curso. Em geral, o aspecto progressivo,
também denominado aspecto contínuo, indica um tempo coincidente com o momento da
enunciação da ação14
. Assim, tendo em vista o fato de ser um elemento fundamental em nossa
pesquisa, é pertinente mencionar algumas das acepções de aspecto em diferentes fontes (tais
como pesquisas linguísticas e até mesmo gramáticas descritivas e tradicionais).
Neste capítulo, portanto, mostraremos não só o que já tem sido constatado acerca da
variação entre as formas gerundiais aqui pesquisadas, mas também procuraremos definir
alguns dos conceitos aos quais nos referiremos ao longo de toda esta obra. Ademais,
procuraremos verificar se existe, sobretudo em gramáticas escolares portuguesas – que, tais
como as brasileiras do mesmo tipo, geralmente apresentam tendência prescritiva –, qualquer
norma que privilegie o emprego de uma ou outra das variantes em foco em determinado
contexto.
2.1 Definindo a noção de aspecto
Inicialmente, nesta revisão bibliográfica, procuraremos delimitar nosso entendimento
acerca da noção de aspecto, que é, em particular, importante para o estudo de um fenômeno
que envolve formas gerundivas.
14 Apesar disso, sabemos que as mesmas construções também podem indicar outras ideias. Exemplo disso é o
uso do Presente Progressivo para falar acerca do tempo futuro, conforme mostram Mateus et alii (2003, p. 155):
Dentro de uma semana a Maria está a viver em Paris.
Dentro de uma semana a Maria está a ser simpática com os colegas.
Os exemplos acima podem soar estranhos a nós, brasileiros, talvez pelo fato de as autoras, portuguesas,
buscarem representar a variante lusitana da Língua Portuguesa, a qual não nos é tão familiar em alguns
contextos.
Embora seu uso possa nos remeter a expressões de futuro em outras línguas, as autoras fazem questão de
destacar o fato de essa construção ser diferente do chamado Progressivo Futuro de outras línguas, tais como o
inglês:
I’m traveling next month.
26
O Dicionário de Linguística e Gramática, de Camara Jr., define aspecto como:
ASPECTO – Propriedade que tem uma forma verbal, de designar a
DURAÇÃO do processo (momentâneo ou durativo) ou o aspecto propriamente
dito sob que ele é considerado pelo falante (ex.: em seu começo – incoativo; em
seu curso e ainda inconcluso – imperfeito; em seu fim já concluso mas permanente
em seus efeitos – permansivo). O aspecto coexiste ao lado da categoria de tempo,
constituindo com esta um sistema complexo de categorias verbais, em que,
conforme a língua, predomina o aspecto ou o tempo. [...] (CAMARA JR., 2002, p.
60, grifo nosso)
Camara Jr. destaca que a ênfase do aspecto está na noção de duração que um
determinado evento tem de acordo com o ponto de vista do falante e não diz respeito ao
tempo em si (passado, presente, futuro) em que o evento/processo/ação/fato/situação – a
nomenclatura varia de acordo com o autor – ocorre. Em uma expoente obra sobre o assunto,
Bernard Comrie (1976) afirma que o conceito de aspecto costuma ser menos familiar aos
estudantes de Linguística do que outras categorias verbais, tais como tempo ou modo, fato
este também citado por Costa (2002) em relação ao português:
O Aspecto é uma categoria linguística não muito cortejada pelos estudiosos do
português, fora do âmbito acadêmico. Uma pessoa pode perfeitamente, pelo menos
no Brasil, ir até o fim de sua formação escolar, inclusive universitária, sem nunca
ter-lhe ouvido qualquer referência diferentemente do que se passa com muitas outras
categorias, como o Gênero, o Número, a Voz, o Tempo, o Modo, a Pessoa.
(COSTA, 2002, p. 8)
Travaglia (2007) chega a apresentar um estudo sobre o ensino de verbos nas escolas a
partir da análise de 15 coleções de livros didáticos, totalizando 60 livros (4 por ano do Ensino
Fundamental II). De acordo com a pesquisa (NUNES, G., 2001)15
, apenas uma dentre as
quinze coleções investigadas mencionava a categoria aspecto e, mesmo assim, apenas nos
livros referentes a 5ª e 6ª séries (atuais 6º e 7º anos do Ensino Fundamental II).
Talvez exatamente por ser pouco estudado comparado a outras categorias gramaticais,
o aspecto acaba por ser frequentemente confundido com outra(s) categoria(s). Comrie cita,
por exemplo, a confusão que se costuma fazer entre os conceitos de tempo verbal e aspecto
verbal e os diferencia assim:
Como uma definição geral de aspecto podemos aceitar a formulação segundo a qual
“aspectos são maneiras diferentes de ver a constituição temporal interna de uma
situação”. [...] No entanto, apesar de tanto o conceito de aspecto verbal quanto o de
tempo verbal estarem relacionados à noção de tempo, eles estão relacionados ao
15
Dissertação de mestrado de Gisele da Paz Nunes (2001), intitulada O ensino de gramática nas escolas de
ensino fundamental: a questão do verbo, da Universidade Federal de Uberlândia.
27
tempo de maneiras muito distintas. Conforme observado acima, o tempo verbal é
uma categoria dêitica, isto é, localiza uma situação no tempo, em geral com
referência ao momento presente, embora também com referência a outras
situações. Aspecto não relaciona o tempo de uma situação com qualquer outro
ponto no tempo, antes, tem a ver com a constituição temporal interna de uma
situação; pode-se afirmar que a diferença entre esses conceitos seja a que existe
entre tempo interno de uma situação (aspecto) e tempo externo de uma situação
(tempo verbal) (COMRIE, 1976, p. 3-5, grifos e tradução nossos)16
Logo, segundo o autor, a principal diferença entre tempo verbal e aspecto é que aquele
se relaciona sempre a um determinado ponto no tempo ao passo que este, não. Ao contrário,
pode-se dizer que o aspecto concerne exclusivamente à DURAÇÃO – como disse Camara Jr.
– do evento em si. Na mesma direção vai a definição de Costa (2002):
Aspecto e Tempo são ambas categorias temporais no sentido de que têm por base
referencial o tempo físico. Distinguem-se, contudo, do ponto de vista semântico,
basicamente a partir da concepção do chamado tempo interno (o Aspecto) diferente
do tempo externo (o Tempo). As noções semânticas do Tempo dizem respeito à
localização do fato enunciado relativamente ao momento da enunciação; são, em
linhas gerais, as noções de presente, passado e futuro e suas subdivisões. Já as
noções semânticas do âmbito do Aspecto são as noções de duração, instantaneidade,
começo, desenvolvimento e fim. (COSTA, 2002, p. 19)
Interessante é que, para facilitar a compreensão da diferença entre esses conceitos, a
autora utiliza justamente o exemplo de duas formas nominais, dentre elas o gerúndio, o que
mostra o quão ligado à noção de aspecto está o uso do gerúndio em língua portuguesa:
É evidente que essas formas [o Gerúndio e o Particípio] expressam o tempo físico de
alguma maneira. O Gerúndio expressa cursividade, o decorrer, o escoamento do
tempo; [...] Você pode observar, entretanto, que não são dêiticas [essas formas],
visto que formas como lendo e lido não nos informam se o processo de ler e o
estado resultante do processo de leitura ocorre no momento da fala, se ocorreu em
momento anterior ou ocorrerá em momento posterior. Se você quiser especificar
essa referência, você deverá utilizar essas formas em perífrase com outro verbo que
carregará no seu morfema flexional a marca temporal. Então você poderá ter:
Esteve lendo; ficou lido (passado)
Está lendo; está lido (presente)
Estará lendo; estará lido (futuro). (COSTA, 2002, p. 20, grifos da autora)
Ou seja, segundo a autora, é como se o gerúndio e o particípio fossem formas
eminentemente aspectuais, uma vez que não especificam um tempo físico propriamente dito.
16
As the general definition of aspect, we may take the formulation that ‘aspects are different ways of viewing
the internal temporal constituency of a situation’ […] However, although both aspect and tense are concerned
with time, they are concerned with time in very different ways. As noted above, tense is a deictic category, i.e.
locates situations in time, usually with reference to the present moment, though also with reference to other
situations. Aspect is not concerned with relations the time of a situation to any other time-point, but rather with
the internal temporal constituency of the one situation; one could state the difference as one between situation-
internal time (aspect) and situation-external time (tense) (COMRIE, 1976, p. 3-5).
28
Em vez disso, dizem respeito à duração interna de um determinado evento (ou fato verbal,
como ela prefere chamar). No caso do gerúndio, particularmente, a ideia veiculada seria a que
ela chama de “cursividade”. Em seguida, a autora ressalta que essas formas são chamadas de
“formas nominais” não só porque podem assumir papéis de nomes – em especial o particípio,
que admite, inclusive, variações de gênero e número –, mas principalmente porque “essas
formas não expressam as categorias que mais especificamente identificam os verbos: não
expressam Pessoa, nem Modo, nem Tempo.” (COSTA, 2002, p. 44)
No lugar dessas, as categorias que mais se relacionam ao gerúndio e ao particípio,
segundo a autora, seriam justamente o Aspecto e a Voz, formando, em construções
perifrásticas, o que ela afirma ser o recurso mais produtivo para a expressão aspectual em
português. “O gerúndio expressa imperfectividade em curso e Voz ativa, e o Particípio
expressa imperfectividade resultativa e Voz passiva” (COSTA, 2002, p. 44, grifo nosso).
Outra característica do aspecto, segundo Comrie, é que, assim como qualquer outra
categoria gramatical, ele pode ser expresso através de uma determinada flexão morfológica.
Portanto, aspecto como uma categoria gramatical, assim como qualquer outra, pode
ser expresso por meio de uma morfologia flexional da língua em questão, como em
espanhol leyó [ele leu] e leía [ele lia] citados acima, mas também pode ser expresso
através de uma perífrase, como em inglês he was reading [ele estava lendo], o
progressivo perifrástico, em oposição à forma verbal simples he read [ele leu].
(COMRIE, 1976, p. 9, grifo em negrito e tradução nossos)17
Segundo o trecho acima, percebemos que cada língua possui determinadas marcas
linguísticas para expressar certas noções aspectuais. No caso do português e tratando
especificamente da ideia aspectual de progressividade, isso se dá, grosso modo, por meio do
uso da forma verbal gerúndio – em construções perifrásticas, em sua maioria, mas também
podendo ser sintéticas – e, consequentemente, também pelo uso de seu equivalente funcional:
o infinitivo gerundivo, como Camara Jr. menciona na sequência da definição de aspecto de
seu dicionário de linguística. Assim:
Outras distinções de aspecto são expressas em português por conjugações
perifrásticas (v.) como em tipos de construção que entram na estrutura
gramatical da língua: 1) [...]; 2) o verbo auxiliar estar, conjugado com um
gerúndio ou infinitivo regido de a; 3) o verbo auxiliar ir conjugado com um
17
Thus aspect as a grammatical category, just like any other grammatical category, may be expressed by means
of the inflectional morphology of the language in question, as with Spanish leyó and leía cited above; it may also
be expressed by means of a periphrasis, as with English he was reading, the periphrastic Progressive, as opposed
to the simple verb form he read. (COMRIE, 1976, p. 9)
29
infinitivo em seguimento direto. O tipo 2 expressa em qualquer tempo (com a
conjugação do auxiliar) o aspecto durativo, constituindo os chamados tempos
continuados (ex.: estou falando, estava falando, estarei falando etc.). O tipo 3
expressa da mesma sorte um aspecto durativo em progressão (ex.: vou falando, ia
falando, fui falando etc.). O tipo 4 cria um aspecto inceptivo (ex. vou falar, ia falar,
fui falar, irei falar etc.) (CAMARA JR., 2002, p. 61, grifos em itálico do autor, em
negrito, nossos)
Uma observação deve ser feita aqui acerca desse trecho da obra de Camara Jr. É
curioso reparar que – por provável erro de edição – o item 3) da relação de perífrases citadas
não diz respeito ao que o autor logo em seguida chama de “tipo 3”. O item 3, que menciona o
verbo auxiliar ir conjugado com infinitivo, parece relacionar-se ao “tipo 4”, como podemos
verificar pelos exemplos fornecidos. Sendo assim, em sua listagem de conjugações
perifrásticas aspectuais, parece faltar o tipo chamado de 3, que veicula a noção de aspecto
durativo (como ele chama), através da conjugação do verbo ir + gerúndio. Aparentemente, de
acordo com seus exemplos, essa estrutura com verbo ir não prevê o uso de a + infinitivo no
lugar do gerúndio (diferentemente da observação que o autor faz no item 1) referente à
construção com o auxiliar estar e consoante a prescrição existente no PE, segundo a qual o
infinitivo gerundivo não é empregado com os auxiliares ir e vir.).
Ao contrário de Camara Jr., nem Comrie (1976) nem Costa (2002) fazem referência à
possibilidade do uso da construção a + infinitivo como alternativa ao uso de gerúndio em
língua portuguesa.
A esta altura, quando já nos referimos de diferentes formas à ideia aspectual expressa
por gerúndio / infinitivo gerundivo, é preciso ressaltar que, na bibliografia sobre o tema
aspecto, a terminologia utilizada não é padronizada na maioria dos casos, fato criticado pelo
próprio Comrie:
[...] Por outro lado, geralmente se podem encontrar categorias gramaticais
particulares de uma língua que correspondem de forma muito semelhante, mas não
exatamente igual, a distinções semânticas: na seção 1.2.2, por exemplo, veremos que
o Progressivo do inglês expressa com frequência o sentido progressivo, embora sua
abrangência seja, de fato, consideravelmente mais ampla do que a prevista pela
definição semântica geral de sentido progressivo [...] Conforme já indicado, em
discussões acerca de aspecto, ao contrário do que ocorre em muitas outras
áreas da linguística, não há terminologia aceita de forma geral. [...] Não se deve
pensar que todas essas diferenças sejam terminológicas – em muitos casos
também há profundas diferenças conceituais – mas na maioria dos casos a
diferença é unicamente terminológica. Por um lado, classificações distintas são
frequentemente usadas para se referir ao mesmo fenômeno, enquanto, por outro
lado, e ainda mais confuso, a mesma classificação é aplicada por linguistas
30
diferentes a conceitos radicalmente distintos. (COMRIE, 1976, p. 9-12, grifo e
tradução nossos) 18
Essa falta de padronização terminológica é o que nos faz optar, neste trabalho, por
muitas vezes empregar indistintamente alguns nomes usados geralmente para expressar as
ideias transmitidas pelas construções com gerúndio e infinitivo gerundivo. Parece-nos que, na
grande maioria dos casos, os autores vinculam o gerúndio e o infinitivo gerundivo em
português à categoria chamada de aspecto Progressivo, pelo que é a nomenclatura também
usada por nós majoritariamente. Mas há também quem atribua a essas construções as noções
de aspecto Durativo, aspecto Cursivo, aspecto Contínuo etc. Assim, quando nos referirmos a
uma dessas nomenclaturas neste trabalho, será considerando-as como veiculadoras do mesmo
valor semântico e não necessariamente referindo-nos a um rótulo, uma classificação aspectual
segundo nomenclatura teórica de um autor específico, a menos que estejamos – como será o
caso neste capítulo – falando sobre a visão teórica de determinado autor.
Ainda segundo Comrie (1976), por exemplo, progressividade e continuidade são
conceitos distintos: “Na discussão sobre as subdivisões da imperfectibilidade, uma distinção é
feita entre os termos ‘progressivo’ e ‘contínuo’, sendo o primeiro uma subdivisão do último
(progressividade é a combinação de continuidade com não estativo)”. (COMRIE, 1976, p.
12)19
. Para ele, pertencem ao âmbito do aspecto imperfectivo, que, por sua vez, pode ser
assim subdividido:
18
[…] On the other hand, one often finds language-particular categories that correspond closely, but not exactly,
to semantic distinctions: in section 1.2.2, for instance, we shall see that the English Progressive typically
expresses progressive meaning, although its range is in fact somewhat wider than is predicted by the general
semantic definition of progressive meaning. […] As already indicated, in discussions of aspect, as opposed to
many other areas of linguistics, there is no generally accepted terminology. […] It should not be thought that all
such differences are terminological – in many cases there are also deep-seated conceptual differences – but in
large number of instances the difference is purely one of terminology. On the one hand, different labels are often
used to refer to the same phenomenon, while, on the other hand, and even more confusingly, the same label is
often applied by different linguists to radically different concepts. (COMRIE, 1976, p. 9-12)
19
In the discussion of subdivisions of imperfectivity, a distinction is made between the terms ‘progressive’ and
‘continuous’, the form being a subdivision of the latter (progressiveness is the combination of continuousness
with nonstativity). (COMRIE, 1976, p. 12)
31
Figura 1: Categorias aspectuais imperfectivas, segundo Comrie (1976, p. 25)
Estranhamente, porém, apesar de hierarquizar os diferentes tipos de aspecto dessa
forma, o autor subdivide o capítulo que trata das diferenças entre perfectividade e
imperfectividade assim:
1 – Perfectividade e Imperfectividade;
1.1 Perfectividade
1.2 Imperfectividade
1.2.1 Habitual
1.2.2 Progressivo
Tal divisão das seções aparentemente considera o Progressivo como oposto ao
Habitual, ao passo que, de acordo com seu quadro exposto acima, o aspecto oposto ao
Habitual seria o Contínuo, sendo este subdividido em Progressivo e Não progressivo. Seja
como for, o autor menciona a perífrase de estar + gerúndio (que ele chama somente como
particípio presente) como um dos meios de expressar aspecto Progressivo em língua
portuguesa (COMRIE, 1976, p. 22-23).
Segundo o autor, definir o aspecto Progressivo meramente como “uma ação em
progresso” não é adequado, pois isso traria confusão entre Progressividade e
Imperfectividade, quando, na verdade, para ele, nem todo evento imperfectivo indica,
necessariamente, progressividade. Nesse sentido, Comrie considera a progressividade como
equivalente à continuidade, que, por sua vez, define como “imperfectividade que não é gerada
por habitualidade” (1976, p. 33). Como se vê, o autor define certos conceitos a partir da
negação. O aspecto contínuo seria, para ele, meramente, um evento imperfectivo não habitual.
Imperfeito -
Habitual
-
Contínuo -
Não progressivo
-
Progressivo -
32
Ao prosseguir na distinção entre tais conceitos, o autor compara o que ocorre em
língua inglesa ao que considera um uso análogo em Português do Brasil: “Todas as tardes,
quando ele chegava (Imperfeito) em casa, as crianças estavam brincando (Progressivo) na
rua.”. Sobre esse uso, Comrie (1976) afirma “Assim como hábito não determina
progressividade, progressividade também não determina hábito, por exemplo, a situação
descrita pode ser vista como progressiva sem ser vista como habitual.”.
Já Costa (2002) propõe outro tipo de classificação das possibilidades aspectuais no
português. Ela afirma que o imperfectivo é, com efeito, “o verdadeiro atualizador da categoria
[aspecto] como recurso de expressividade no português”. Para ela, o imperfectivo admite as
seguintes subdivisões:
Pode referir o fato como em curso [nosso objeto de estudo nesta pesquisa];
Pode referir uma das fases constitutivas da temporalidade interna do fato
(inicial, intermediária, final);
Pode referir o fato como um estado resultante de um processo anterior.
Assim, a autora propõe o quadro abaixo para resumir as classificações aspectuais no
português, no qual destacamos em negrito, como fizemos acima, onde se enquadra nosso
objeto de estudo (COSTA, 2002, p. 38):
Quadro 1: Conceituação e possibilidades semânticas da categoria aspecto em português, segundo Costa
(2002)
1. Aspecto: Categoria linguística que marca a referência ou não à estrutura temporal interna de um fato. Apresenta duas possibilidades:
1.1. Perfectivo: Fato referido como global. Não marcado para as nuances da
constituição temporal interna.
1.2. Imperfectivo: Fato referido como marca de sua constituição temporal interna.
Semanticamente restringido a lexemas que incluam o traço [+ durativo]. Apresenta as
seguintes possibilidades:
1.2.1. Imperfectivo em curso [nosso objeto de estudo nesta pesquisa]
1.2.2. Imperfectivo de fase inicial
1.2.3. Imperfectivo de fase intermediária
1.2.4. Imperfectivo de fase final
1.2.5. Imperfectivo resultativo
33
Ainda de acordo com a autora, “a imperfectização se manifesta sobretudo através de
formas verbais, de circunstâncias temporais e de formas de substantivos e adjetivos. Pode
estar atualizada através de lexemas, de morfemas ou de perífrases” (COSTA, 2002, p. 38).
Nosso objeto de estudo – as formas “verbais” de gerúndio e infinitivo gerundivo – seria,
portanto, um dos meios de realização, concretização da noção aspectual “ação em curso”, por
meio de morfemas ou perífrases.
Vale destacar uma importante observação que a autora faz com relação a essas formas
de realização do aspecto cursivo. Muitos autores (como veremos a seguir, inclusive) lançam
mão da distinção entre as categorias de aspecto x aktionsart (que a autora traduz como Modo
de Ação). Segundo esses autores, o aspecto seria uma categoria restrita aos meios
morfossintáticos de expressar o tempo interno das situações, ao passo que o aktionsart diria
respeito a lexemas verbais usados para expressar tais noções, como um processo ou um
estado, por exemplo. Costa (2002), entretanto, discorda de tal bipartição, argumentando que,
Se se admite para uma língua a existência da categoria de Aspecto enquanto
possibilidade semântica, cabe automaticamente a investigação do(s) recurso(s) que a
língua utiliza para a atualização da categoria em causa: se é uma categoria de
expressão lexical, morfológica ou sintática; se é categoria nominal, verbal ou da
frase, etc.
O fato é que, se se estuda a categoria como conteúdo semântico numa língua, deve-
se estudá-la onde quer que apareça nos enunciados da língua. [...] Considero,
portanto, que a língua portuguesa inclui no seu sistema semântico a categoria de
Aspecto que pode ser atualizada através de lexemas (caso que outros preferem
vincular à categoria de Modo de Ação), através de morfemas flexionais ou
derivacionais, e de perífrases, como veremos com mais vagar em parte posterior
deste texto. (COSTA, 2002, p. 23)
A diferença entre aktionsart x aspecto será, porém, considerada relevante por outros
autores citados adiante neste trabalho.
Em seguida, Costa (2002) procede à descrição das possibilidades de combinações
verbais para formação das referidas perífrases aspectuais. Antes disso, porém, ela faz uma
crítica às gramáticas do português, que, segundo ela, carecem de sistematização na descrição
dessas construções:
É dessa sistematização, dessa verificação exaustiva que se ressentem os estudos
gramaticais do português. Um estudante ou qualquer outro interessado, que busque,
nas gramáticas escolares ou em livros similares, onde se encaixam formas como está
escrevendo ou esteve preso não as localizará, ou, se conseguir fazê-lo, ficará com a
impressão de que essas formas são marginais, raras e, ainda, de que ocorrem muito
salteadamente, só para alguns Tempos verbais, sem que se discutam os verbos que
as permitem, os que as rejeitam, quais os auxiliares que as formam, etc. (COSTA,
2002, p. 55)
34
Assim, tendo em vista também a própria escassez de descrições pormenorizadas nas
gramáticas de língua portuguesa, mostraremos, a seguir, o tratamento dado ao conceito de
aspecto bem como à descrição das perífrases aspectuais com gerúndio / infinitivo gerundivo
em trabalhos focados em línguas românicas. Basicamente, nos respaldaremos nos trabalhos do
linguista italiano Mario Squartini (1998) e da linguista francesa Brenda Laca (1998; 2002;
2002b; 2004; 2006).
2.2 O aspecto nas línguas românicas
É notável, desde as primeiras descrições do português, a produtividade de construções
formadas por preposições seguidas de infinitivo como uma das diferenciações das línguas
românicas em relação ao latim, como afirmou Dias (1918, p. 223): “Um dos factos mais
notáveis relativos á syntaxe do infinitivo, nas lingoas românicas, é a construção de
preposições com o infinitivo.”.
Um texto crucial sobre a descrição das construções com infinitivo no português é o do
linguista dinamarquês Holger Sten: “O Infinitivo Impessoal e o Infinitivo Pessoal em
Português Moderno”, de 1952. Nele, o autor se propõe a descrever todas as construções
formadas por preposição x + infinitivo em língua portuguesa. Consequentemente, Sten
menciona as construções formadas pela preposição a + infinitivo, dentre elas o infinitivo
gerundivo: “O infinitivo <<gerundivo>>: como dissemos, pode-se encontrar a + infinitivo
com valor de gerúndio em muitas combinações.” (STEN, 1952, p. 51).
Baseada em Dahl (1985)20
, Laca afirma que “os gramemas temporais e aspectuais
tendem a expressar um pequeno número de categorias temporais e aspectuais cujo conteúdo
típico é, essencialmente, análogo em muitas línguas”21
(1998, p. 207, tradução nossa). É esse
princípio que nos leva a investigar diferentes estudos acerca de línguas românicas, cuja
origem é a mesma do português.
Em um extenso trabalho sobre as perífrases verbais nas línguas românicas, Mario
Squartini (1998) defende a hipótese de que certas perífrases – na verdade os verbos auxiliares
20
DAHL, Östen. Tense and Aspect Systems. Oxford, Blackwell, 1985.
21
Les grammèmes temporels et aspectuels ont tendance à exprimer un petit nombre de catégories temporelles et
aspectuelles dont les contenus prototypiques sont en essence analogues dans beaucoup de langues. (LACA,
1998)
35
que as constituem – estejam seguindo um caminho de gramaticalização ao longo da história.
Para tal, o autor se baseia em uma obra de Bernd Heine intitulada Auxiliaries. Cognitive
forces and grammaticalization (1993)22
. Assim, diferentemente da maioria dos autores que
tratam do tema, em vez de listar uma série de possibilidades de combinações de perífrases
aspectuais (tal qual Costa (2002)), Squartini, antes, menciona a dificuldade em determinar que
construções formam ou não uma unidade, uma perífrase. Segundo ele:
Morfemas verbais descontínuos23
apresentam diferentes graus de analiticidade,
demonstrando, portanto, a natureza escalar intrínseca do parâmetro
sintético/analítico. Tal escala pode ser concebida como um caminho diacrônico,
gradiente o suficiente para englobar diferentes estágios evolutivos (Ramat 1987).
Nesse sentido, a noção de auxiliaridade e seu status categorial, que têm sido alvo de
muitos debates na literatura, podem ser vistos como escalares, levando em
consideração o processo dinâmico de gramaticalização de um item lexical para um
morfema verbal, e, eventualmente, para morfema zero. (SQUARTINI, 1998, p. 19,
tradução e grifos nossos)24
Conforme veremos a seguir, no capítulo 3, na seção que tratará do grupo de fatores
estrutura verbal, outras obras também consideram a distinção entre forma sintética x forma
analítica em perífrases verbais como noções escalares, tais como Bosque & Demonte (1999) e
Bechara (2001), o que nos será especialmente útil para o tratamento de alguns dados, como
veremos à frente.
Contudo, mesmo considerando o grau de ligação entre os verbos de uma dada
estrutura analítica como algo escalar, o autor apresenta uma lista das perífrases verbais mais
comuns nas línguas românicas, uma vez que todas elas – segundo ele – podem ser
consideradas partes do mesmo sistema gradiente, em diferentes graus de analiticidade. Assim,
construímos um quadro com as possibilidades de perífrase aspectuais em Português
apresentadas pelo autor:
22
HEINE, Bernd. Auxiliaries. Cognitive forces and grammaticalization. New York / Oxford: Oxford University
Press, 1993.
23
Traduzimos aqui como “morfemas verbais descontínuos” usando a mesma terminologia empregada por Duarte
(1992) que, conforme veremos no capítulo 3, faz referência à preposição a + -r (infinitivo gerundivo) como
sendo, igualmente, um “morfema aspectual separado” do vocábulo com informação lexical (no caso, o verbo no
infinitivo).
24
Non-bound verb morphemes display different degrees of analyticity, thus demonstrating the intrinsic scalar
nature of the synthetic/analytic parameter. Such a scale can be conceived as a diachronic path, gradual enough to
encompass different evolutionary stages (Ramat 1987). In this respect the notion of auxiliary and its categorical
status, which has always been a major point of debate in the literature, can be seen as scalar, once the dynamic
process of grammaticalization from lexical item into a verb morpheme, and eventually into a zero morpheme, is
taken into account. (SQUARTINI, 1998, p. 19)
36
PERÍFRASES ASPECTUAIS NO PORTUGUÊS
COM GERÚNDIO COM INFINITIVO
Estar + gerúndio Estar + a + infinitivo
Ir + gerúndio -
Vir + gerúndio -
Andar + gerúndio Andar + a + infinitivo
Viver + gerúndio Viver + a + infinitivo
Ficar + gerúndio Ficar + a + infinitivo
Quadro 2: Perífrases aspectuais com gerúndio e infinitivo no português, segundo Squartini (1998)
Conforme podemos perceber, inicialmente o autor não considera a possibilidade de
ocorrência de infinitivo gerundivo com os auxiliares ir e vir, assim como prevê a tradição
gramatical do PE padrão. Ele acrescenta, entretanto, uma nota de fim em que afirma: “Em
alguns casos restritos ir e vir também podem ser combinados com a preposição a + infinitivo”
(SQUARTINI, 1998, p. 307), fato que ele comentará em maior detalhe no capítulo 5 da
obra25
.
Sobre o infinitivo gerundivo, na abertura da seção em que trata das perífrases
aspectuais nas línguas românicas, o autor faz as seguintes observações:
No português e no italiano as construções com gerúndio coexistem com as
construções com infinitivo com os mesmos auxiliares. Esta última se tornou padrão
no Português Europeu, enquanto as formas com gerúndio são a regra no Português
Brasileiro e em algumas regiões de Portugal. (SQUARTINI, 1998, p. 26, tradução
nossa)26
25
No item 5.3.5.1 (p. 285-287) , o autor afirma que, em alguns raros casos, ir e vir podem aparecer seguidos da
preposição a + infinitivo, indicando valor basicamente durativo. O autor cita exemplos de Böckle (1980, p. 345)
a partir do dialeto de Cáceres (uma vila espanhola onde se fala português) (Vinha a pensar em ti já faz dois
dias.) e também de textos literários (Em que vais tu a pensar?, perguntou-lhe ele baixo, muito terno. – Eça de
Queirós, O Primo Basílio).
Além desses casos, o autor também cita o contexto em que o auxiliar vir é conjugado no Presente Perfeito,
embora acredite que o uso da construção a + infinitivo, nessa situação, seja devido a razões morfológicas, uma
vez que o particípio passado do verbo vir tem a mesma terminação do gerúndio (vindo). (Apetece-me uma pausa
e, como a ela me abandono, habituo-a com uma pergunta que tem vindo a repetir-se: que é um americano? (F.
Namora, Cavalgada Cinzenta).
26
In Portuguese and in Italian the gerundial constructions coexist with infinitival constructions with the same
auxiliarities. In European Portuguese the latter have become standard, while the gerundial forms are the norm in
Brazilian Portuguese and in some areas of Portugal. (SQUARTINI, 1998, p. 26)
37
Como se vê, também Squartini menciona a variação regional quanto ao uso de
infinitivo gerundivo x gerúndio no território português, embora não especifique quais seriam
as regiões que privilegiam o uso de gerúndio.
Além das construções vistas no quadro acima, o autor também cita a construção ser +
gerúndio, mas afirma ter sido documentada por outros linguistas somente em textos do
Português Antigo (séculos XIV e XV), não ocorrendo mais no português contemporâneo.
Convém expormos aqui outro quadro comparativo que construímos resumindo as
perífrases com gerúndio e com infinitivo mencionadas por Squartini (1998). O objetivo é
facilitar a visualização dessas perífrases de modo a contrastarmos as possibilidades de
combinações de verbos auxiliares veiculando informação de aspecto contínuo em cada uma
das línguas românicas. Segundo o autor, as perífrases com infinitivo também admitem valor
progressivo nas seguintes línguas: português, galego, italiano, francês e provençal, conforme
se poderá ver no quadro abaixo:
A análise do quadro abaixo nos permite observar algumas semelhanças e diferenças
entre o português e as demais línguas românicas no que tange ao emprego de perífrases
aspectuais de progressividade. Em nosso entendimento, a principal semelhança é perceber que
quase todas as línguas possuem perífrases com o verbo auxiliar estar tanto combinado ao
gerúndio (exceto o provençal) quanto combinado a a + infinitivo (exceto o catalão e o
romeno) para expressar aspecto progressivo. De forma parecida, verificamos que quase todas
as línguas românicas (exceto o italiano e o romeno) também possuem perífrases formadas
pelo auxiliar ir + gerúndio e nenhuma delas, tal qual o português, admite perífrase de ir + a +
infinitivo para indicar aspecto contínuo.
A principal diferença concernente às perífrases aspectuais entre essas línguas diz
respeito às construções gerundiais com o auxiliar ficar que, aparentemente, segundo o autor,
são exclusivas da língua portuguesa, sendo, nesta, possíveis tanto com gerúndio quanto com
infinitivo.27
Outra característica apontada pelo autor é que, com exceção do romeno, todas as
línguas românicas apresentam, pelo menos, uma construção gerundiva com um verbo de
movimento como auxiliar (andar, ir, vir etc.).
27
O autor também mostra que a perífrase formada por viver + gerúndio / infinitivo gerundivo é exclusiva do
português. Entretanto, preferimos não incluí-la na comparação, pois, neste estudo, não consideramos o verbo
viver como auxiliar aspectual, conforme ficará claro na exposição dos critérios metodológicos no capítulo 3,
adiante, na seção que tratará do grupo de fatores estrutura verbal, onde oporemos estruturas sintéticas x
estruturas analíticas.
38
PORTUGUÊS
CA
TA
LÃ
O
FR
AN
CÊ
S
GA
LE
GO
ITA
LIA
NO
PR
OV
EN
ÇA
L
RO
ME
NO
RE
TO
-
RO
MÂ
NIC
A
ES
PA
NH
OL
Estar
+
gerúndio Estar Être Estar Stare - *
28 Star Estar
+ a +
infinitivo -
Être en
train
de29
Estar
30 Stare
31 Estre - Star *
32
Ir
+
gerúndio Anar Aller Ir - Anar - Ir Ir
+ a +
infinitivo - - - - - - - -
Vir
gerúndio Venir - Vir Venire - - - Venir
+ a +
infinitivo - - - - - - - -
Andar
gerúndio - - Andar Andare - - - Andar
+ a +
infinitivo - - Andar - - - - -
Viver
gerúndio - - - - - - - -
+ a +
infinitivo - - - - - - - -
Ficar
gerúndio - - - - - - - -
a +
infinitivo - - - - - - - -
Outros
+
gerúndio - -
Levar
(levar)
Ser
(ser) - - -
Llevar
(levar)
+ a +
infinitivo - - - - - - - -
Quadro 3: Perífrases aspectuais com gerúndio e infinitivo nas línguas românicas, segundo Squartini (1998)
28
Segundo o autor, havia na língua construções perifrásticas formadas pelo auxiliar estar + gerúndio no
princípio do Romeno Antigo. Ele afirma, porém, que essas formas desapareceram a partir do século XVIII e hoje
existem somente em alguns dialetos. O romeno padrão atualmente expressa o Progressivo em uma construção
formada por infinitivo.
29
O autor menciona também outras perífrases com o auxiliar estar: être à + infinitivo e être après, mas faz uma
observação afirmando que estas não pertencem ao francês contemporâneo padrão.
30
Squartini menciona que as construções perifrásticas com gerúndio e com infinitivo se distribuem
geograficamente na Galícia. As construções com infinitivo aparecem somente no Oeste do país, ao passo que as
construções com gerúndio são amplamente empregadas em toda a Galícia. Além disso, dentre as três perífrases
com infinitivo citadas no quadro, ele afirma que a perífrase com andar + a + inf. é mais difundida do que a com
estar + a + inf., enquanto ser + a + inf. é encontrada por toda a Galícia, porém com pouca frequência.
31
Além de stare a + infinitivo, o autor também mostra as construções essere dietro a + infinitivo, essere a +
infinitivo e essere/stare qui/lì a + inf., todas envolvendo variações do verbo stare / essere + inf., no italiano.
32
O autor considera o espanhol o idioma mais consistente dentre todas as línguas românicas em termos de
progressividade, sempre selecionando perífrases com gerúndio em vez de infinitivo. Ele cita que foram
encontradas apenas no espanhol antigo e no espanhol medieval algumas poucas construções com infinitivo para
indicar aspecto progressivo, mas nenhuma delas se realiza no espanhol contemporâneo.
39
O capítulo 3 da obra de Squartini (1998) trata especificamente do aspecto progressivo
nas línguas românicas, onde o autor detalha as listas de perífrases mencionadas acima. No
item 3.5.1.1, o autor descreve as perífrases progressivas com gerúndio em língua portuguesa
e, no item 3.5.6, detalha as perífrases estar + gerúndio e estar + a + infinitivo, também no
português.
Squartini faz referência à obra de Maler (1972) e ao trabalho de Andrej Vasil'evic
Berežnoj (1989)33
para afirmar que, nos textos mais antigos da língua, privilegiavam-se as
perífrases com gerúndio, ao passo que, mais recentemente, nos séculos XIX e XX, passaram a
ser mais frequentes as construções com infinitivo gerundivo. Segundo o autor, as duas
construções diferenciam-se no PB e no PE, basicamente, por razões “geográficas e estilísticas,
uma vez que estar + gerúndio é a forma padrão no PB e em algumas regiões de Portugal,
enquanto estar + a + infinitivo prevalece no PE padrão” (SQUARTINI, 1998, p. 113,
tradução nossa)34
. Ainda segundo o autor, ambas as perífrases (tanto com gerúndio quanto
com a + infinitivo) podem se conjugar a estruturas perfectivas (tal como o pretérito perfeito,
por exemplo, em estive trabalhando / a trabalhar) – comportando-se de forma semelhante a
perífrases do espanhol e do italiano – e a estruturas imperfectivas, indicando aspecto
progressivo (tal como com o pretérito imperfeito – estava anoitecendo / a anoitecer).
Além disso, o autor afirma que existem contextos em que as estruturas gerundivas do
português se assemelham às do espanhol e se distinguem das do italiano, tais como:
Em combinação com o advérbio sempre, indicando que a duração de um
determinado evento é contínua, geralmente hiperbólica:
[...] em geral eram pessoas de vontade fraca, daquelas que vão adiando decisões, estão
sempre a dizer amanhã, amanhã, mas isto não significa que não tenham sonhos e desejos.
(José Saramago, em Jangada de Pedra)
33
BEREŽNOJ, Andrej Vasil’evič. Infinitivnaja i gerundial’naja konstrukcii s glagolom estar v portugal’skom
jazyke Portugalii i Brazilii. [Infinitival and gerundial constructions with the verb estar in Portuguese of Portugal
and Brazil]. Dissertação. Kiev: Universidade de Kiev, 1989. 34
The distinction between the two is mainly geographical and stylistic, since estar + gerund is the standard form
in Brazilian Portuguese and in some areas of Portugal, while estar + a + infinitive prevails in Standard European
Portuguese [...]. (SQUARTINI, 1998, p. 113)
40
Aquêle menino está sempre brigando com os outros.
(THOMAS, 196935
apud SQUARTINI, 1998)
Em situações de duração delimitada:
O pior seria estarmos esperando muito tempo.
(THOMAS, 1969 apud SQUARTINI, 1998)
Com imperativo negativo:
Veja o leitor a comparação que melhor lhe quadrar, veja-a e não esteja daí a torcer-me o
nariz, só porque ainda não chegamos à parte narrativa destas memórias.
(Machado de Assis, em Memórias póstumas de Brás Cubas)
De acordo com essa análise, portanto, o português se assemelharia muito mais ao
espanhol do que ao italiano, por exemplo, e, mais adiante, o autor também mostra que o
galego se comporta de forma análoga ao português e ao espanhol, parecendo assinalar um
certo padrão característico das línguas ibero-românicas.
Squartini conclui que as perífrases românicas que indicam progressividade dividem-se,
basicamente em dois grupos:
As línguas nas quais as perífrases progressivas restringem-se a contextos
imperfectivos nos quais a situação é vista em curso em um determinado
período (tais como no italiano e no francês);
As línguas nas quais as perífrases ocorrem tanto em situações imperfectivas,
marcando que estas estão em curso, quanto em situações meramente
durativas, que são marcadas por “acionalidade”36
e não por aspectualidade (é
35
THOMAS, Earl W. The syntax of sponken Brazilian Portuguese. Nashville: Vanderbilt University Press,
1969. 36
O autor chama de “acionalidade” (actionality) o que Costa (2002) chama de Modo de Ação, ou seja, a
categoria comumente denominada de Aktionsart em trabalhos sobre aspecto.
41
o caso das línguas ibero-românicas, tais como o português e o espanhol, por
exemplo).
Assim, as ideias de “duração pura” e de progressividade imperfectiva seriam as duas
funções básicas desempenhadas pelas construções gerundiais (e respectivas construções
infinitivas) nas línguas românicas.
Diferentemente de Costa (2002), o autor faz questão de manter a distinção entre
aktionsart e aspecto e acredita que tal procedimento pode ser útil para esclarecer a evolução
de diversas construções perifrásticas das línguas românicas.
Passando aos estudos da linguista Brenda Laca, que já nos serviram de referência em
Mothé (2007), percebemos algumas diferenças, mas também alguns pontos de contato em
relação ao proposto por Squartini. Em vários dos artigos da autora, ela também mantém e
julga fundamental a distinção entre aktionsart e aspecto. Segundo ela, as perífrases aspectuais
se dividem em dois tipos: as perífrases de situação (ou de aspecto lexical ou ‘Aktionsart’) e
as perífrases de ponto de vista (ou de aspecto gramatical ou sintático). Laca afirma que
ambas se distinguem tanto semântica como sintaticamente e, portanto, devem ser estudadas de
modo separado.
A partir dessa dicotomia entre perífrases de situação e de ponto de vista, uma das
contribuições dos estudos de Laca para nosso trabalho diz respeito às considerações acerca da
ordem das perífrases aspectuais. No artigo “Spanish ‘Aspectual’ Periphrases: Ordering
Constraints and the Distinction Between Situation and Viewpoint Aspect” (2002), Laca cita a
proposta de um linguista chamado Cinque segundo a qual o autor tenta solucionar a questão
do status sintático e semântico do verbo principal da perífrase (CINQUE, 1998, 1999 e 200037
apud LACA, 2002). Mas, após analisar seus argumentos, a autora afirma que a hierarquia de
Cinque não oferece resposta totalmente satisfatória para a questão. Apesar disso, ela admite
haver condicionamentos com relação à ordem das construções perifrásticas, sendo este um
dos fatores que as diferencia, juntamente com a possibilidade de combinações dos
constituintes.
37
CINQUE, Guglielmo. “Restructuring” and the order of aspectual and root modal heads. In: University of
Venice Working Papers in Linguistics, 8, 1998.
__________. Adverbs and Functional Heads. A Cross-linguistic Perspective. New York: Oxford University
Press, 1999. (Monografia).
__________. “Restructuring” and functional structure. Ms. University of Venice, 2000.
42
Laca acredita que a ordem das perífrases aspectuais seja determinada tanto por
condicionamentos extrínsecos como por condicionamentos intrínsecos, e a diferença entre
esses domínios é o que caracteriza a distinção entre aspecto sintático e aspecto lexical (2002,
p. 8). Com base nessa distinção, reproduziremos um quadro já exposto em Mothé (2007) onde
podemos melhor visualizar os tipos de perífrases aspectuais segundo Laca:
TIPOS DE PERÍFRASES ASPECTUAIS
ASPECTO SINTÁTICO ASPECTO LEXICAL
Afixos de flexão Afixos de derivação
Mais periféricos (longe da raiz) Menos periféricos
Elementos extrinsecamente ordenados
(ordem mais rígida)
Elementos intrinsecamente ordenados
(mais “liberdade”)
Afixação sintática Afixação lexical
Aspecto de ponto de vista Aspecto de situação
Quadro 4: Tipos de perífrases aspectuais: aspecto sintático x aspecto lexical, segundo Laca (2002)
Ou seja, segundo sua hipótese, há correlação entre aspecto de ponto de vista (posição
periférica – ordem extrínseca) versus aspecto de situação (posição interna – ordem
intrínseca). Como se verá no capítulo 3, alguns grupos de fatores desta pesquisa objetivam
investigar justamente a relevância da ordem dos constituintes em torno das construções
gerundiais.
Concretamente, ao tentarmos aplicar essa diferenciação ao uso de gerúndio e de
infinitivo gerundivo em língua portuguesa, observamos que, segundo Smith, em The
Parameter of Aspect (SMITH, 199138
apud LACA, 2002), o aspecto sintático (ou “de ponto
de vista”) corresponde à relação entre o intervalo de tempo da situação (SitT) e o intervalo de
tempo do enunciado (AssT). Com isso, Laca (2002, p. 10) propõe três possibilidades de
aspectos de ponto de vista:
AssT ANTES SitT – prospectiva (ex.: ir + gerúndio);
AssT DEPOIS SitT – retrospectiva (ex.: acabar de + infinitivo);
AssT DURANTE SitT – progressiva (ex.: estar + gerúndio / a + infinitivo)
[onde podemos ver que se enquadra nosso fenômeno].
38
SMITH, Carlota. The parameter of aspect. Dordrecht: Kluver Academic Publishers, 1991.
43
Convém pontuar que, de acordo com Laca, muitos fatores semânticos e distribucionais
mostram que, com verbos de movimento, as perífrases de gerúndio não dizem respeito ao
aspecto progressivo, uma vez que este deve incluir AssT em SitT, ou seja, o ponto final da
ação não pode coincidir com o ponto final da enunciação. Tal posicionamento diverge do de
Squartini (1998). Para exemplificar, a autora cita do espanhol:
A las tres / Cuando llegaba a casa, María estava poniendo la mesa.
em que, segundo ela, não há aspecto progressivo, e sim “telicidade suspensa”39
. De acordo
com Bybee & Dahl40
apud Laca (1998, p. 217), o aspecto progressivo indica:
Uma atividade que está em continuidade no momento da fala;
Uma atividade realmente em progresso no momento do evento;
Atividades realmente em progresso no momento de referência41
.
Em outro de seus artigos, “Aspect – Periphrase – Grammaticalisation. A propôs du
‘Progressif’ dans les langues ibero-romanes” (1998), o foco da autora, assim como o de
Squartini (1998), é o estudo do aspecto sob a perspectiva da gramaticalização. A autora
afirma que as “perífrases surgem como resultado de processos de gramaticalização e
diferenças entre elas podem até indicar diferentes fases do processo”42
(2002, p. 24, tradução
nossa). Por isso, contrasta o surgimento de diversas perífrases aspectuais (em especial as que
indicam aspecto progressivo), visando a mostrar que há muitas semelhanças entre elas nas
diferentes línguas românicas, que constituiriam, assim, um bom campo para os estudos de
gramaticalização uma vez que, na maioria dos casos, há muitas (pelo menos duas e, às vezes,
seis) perífrases “concorrentes” com nuances de diferenciação muito sutis. A variedade de
construções semanticamente alternativas muito parecidas entre si caracterizaria um dos
39
Em outro artigo, os objetivos da autora são justamente provar que as perífrases com verbos de movimento
pertencem ao domínio de aspecto “mais baixo”, enquanto as verdadeiras perífrases de aspecto progressivo
seriam aquelas constituídas pelo verbo STARE (LACA, 2004).
40
BYBEE, Joan L.; DAHL, Östen. The creation of tense and aspect systems in the languages of the world. In:
Studies in Languages 13, 1989. p. 51-103.
41
[…] an activity that is ongoing at speech time; activity actually […] in progress at event time; activities […]
actually in progress at reference time […] (LACA, 1998, p. 217).
42
Now, it is an uncontroversial fact that periphrases arise as a result of grammaticalization processes. It is thus
tempting to assume that the differences we have just discussed correspond to different stages in such processes.
(LACA, 2002, p. 24)
44
ambientes favoráveis à gramaticalização. Em termos gerais, a autora defende a hipótese de
que o caminho de gramaticalização seguido pelas perífrases é: copulativo/locativo >
progressivo > imperfectivo.
Laca fundamenta em três partes sua defesa em favor da gramaticalização da
construção estar + gerúndio: 1- existe generalização da distribuição de estar + gerúndio em
espanhol e em catalão; 2- houve a multiplicação dos valores contextuais dessa perífrase; e 3-
ocorreu o aumento da frequência da construção.
Acerca da generalização da distribuição da perífrase em espanhol e em catalão, a
autora mostra que, até o século XV, esta se combinava com “verbos agentivos que indicassem
uma ação controlada ou voluntária de um sujeito animado”. Atualmente, contudo, esta
também se combina com sujeitos não animados, verbos estativos (não agentivos), predicações
atributivas e verbos de movimento (1998, p. 218).
Já com relação à multiplicação dos valores contextuais, os dados de sua pesquisa
mostram estar + gerúndio aparecendo em predicações com o valor de uma “disposição,
aptidão” ou de um “hábito temporário”.
Quanto à frequência, Laca mostra que, no espanhol contemporâneo, estar + gerúndio
é de duas a três vezes mais frequente do que ir e andar + gerúndio, em dois corpora: um de
textos narrativos posteriores a 1950; e outro de língua oral. Ela menciona o trabalho de Yllera
(YLLERA, 197943
apud LACA, 2002) que concluiu que, até o século XIV, o quadro era
inverso e que estar + gerúndio começou a “tomar o lugar” de ir e andar + gerúndio somente
a partir de então.
Mas, ainda assim, mesmo com tantos trabalhos descritivos, afirmamos, como em
Mothé (2007):
É difícil diferenciar as perífrases de gerúndio, pois costumam se comportar de
maneira muito semelhante em relação às possíveis estratégias usadas para distinguir
perífrases: caráter fixo ou não dos constituintes; possibilidade de introduzir ou não
material lexical ou gramatical entre o auxiliar e o gerúndio; e a ordem dos clíticos
junto com tais construções. Sendo assim, Laca aponta a necessidade de encontrar
índices semânticos de caracterização para identificar a gramaticalização que ocorre
nessas perífrases (Laca, 1998, p. 209 apud Mothé, 2007, p. 64).
Essas investigações acerca do comportamento das perífrases aspectuais em outras
línguas românicas podem nos indicar caminhos para o estudo das construções gerundiais em
língua portuguesa. É o que tentaremos observar nos dados encontrados em nossos corpora
43
YLLERA, Alicia. Sintaxis histórica del verbo español: las periphrasis medievales., Zaragoza, Dpto. de
Filologia, 1979.
45
controlando alguns fatores que nos foram sinalizados como “pistas” nesses trabalhos,
indicando estarem, de alguma forma, relacionados ao emprego de uma ou outra perífrase
aspectual. Assim, controlaremos, por exemplo, a ordem das orações gerundiais no período, a
possibilidade de intercalação de elementos entre o verbo auxiliar e o verbo pleno e a
classificação semântica das orações e dos verbos principais que constituem as perífrases,
como se verá no capítulo 3, na seção voltada à delimitação das variáveis sociolinguísticas.
A seguir, veremos como algumas gramáticas de língua portuguesa descrevem a noção
de aspecto e os usos de gerúndio e de infinitivo gerundivo.
2.3 O aspecto e o uso das construções gerundivas em gramáticas descritivas
lusas
Neste subcapítulo, também mostraremos como o tema aspecto, bem como o emprego
de gerúndio e de infinitivo gerundivo, é tratado em algumas gramáticas portuguesas desde o
século XIX, chegando a Mateus et alii (2003) e à gramática luso-brasileira de Cunha & Cintra
(2001), muito conceituada tanto aquém como além-mar.
Iniciaremos nossa análise das obras desta seção a partir de algumas gramáticas
clássicas publicadas em Portugal ainda no século XIX ou no começo do século XX. Não
encontramos em qualquer uma delas a menção clara ao termo aspecto. Mas vislumbramos,
ainda que indiretamente, a tentativa de alguns autores descreverem essa possibilidade de
expressão na língua. Foi o que aconteceu, por exemplo, na Grammatica Philosophica da
Língua Portugueza (1822), em que Jerônimo Soares Barbosa afirma no capítulo sobre
verbos:
Foi necessario pois para a enunciação completa de nossos conceitos, que o verbo
substantivo simples chamasse em ajuda sua outros verbos, que junctos e conjugados
com elle, acabasse, de formar o painel da enunciação total dos diversos modos
possíveis, porque o espirito póde conceber, e concebe huma couza existente. Estes
verbos chamão-se por isso Auxiliares, porque auxilião o verbo Ser para tomar todas
as fórmas compostas, e combinações precisas para este fim.
Taes são os tres verbos Haver, Estar, e Ter, combinados com o infinitivo impessoal,
e particípios do verbo Ser, deste modo: Haver de ser, Esta sendo, Ter sido. [...] Estes
tres auxiliares pois, junctos com o verbo substantivo, fazem com elle tres
Linguagens compostas, que se podem chamar, a primeira Inchoativa, a
segunda Continuativa, e a terceira Completiva da existencia do attributo no
sujeito, significada pelas fórmas infinitivas do verbo Ser.
46
[...]
Estes verbos considerados como Auxiliares, não tem a mesma accepção, que tem,
quando se tomão em sua significação primitiva, [...], perdem então a sua
significação propria e natural para exprimirem os vários estados de existencia ou
começada, ou continuada, ou acabada, de baixo dos quaes se póde considerar
hum objeto em qualquer epocha, ou tempo. (BARBOSA, 1822, p. 195-196, grifos
em itálico do autor; em negrito, nossos)
Conforme podemos verificar no trecho acima, Jerônimo Soares Barbosa, mesmo sem
usar a nomenclatura aspecto, chega a mencionar que, em língua portuguesa, muitas vezes
usamos perífrases (estruturas formadas por verbos auxiliares + formas infinitivas do verbo)
para exprimir ideias “incoativas, continuadas ou acabadas”. Além disso, o autor ressalta que,
por meio dessas estruturas, “podemos considerar um objeto em qualquer época ou tempo”,
isto é, mesmo sem usar exatamente as palavras com as quais estamos habituados na
nomenclatura linguística hoje, nesse excerto o autor faz referência à constituição interna do
tempo de uma determinada ação, sua duração, o que, segundo já observamos antes, diz
respeito justamente à categoria aspecto.
Outra observação que merece ser feita em relação ao trecho acima é concernente aos
verbos considerados pelo autor como auxiliares. Apesar de só mencionar os verbos haver
estar e ter, mais adiante Barbosa (1822) afirma:
Alêm destes tres verbos auxiliares, que exprimem os tres diferentes estados de
Existencia, há outros tres, que exprimem também os tres diferentes modos de acção
e movimento, pelos quaes hum agente passa para mostrar ou a duração de huma
acção, ou sua proximidade no tempo, quer anterior, quer posterior. Taes são os
nossos tres verbos de movimento Andar, Vir, e Hir, que junctos com os infinitos, e
particípios de outros verbos deste modo: Ando ou Vou escrevendo, Venho de
escrever, Vou escrever; [...]. (BARBOSA, 1822, p. 197-198)
O autor acrescenta à lista dos já mencionados verbos auxiliares ter, haver e estar, os
verbos andar, ir e vir. Ressaltamos que, até então, Barbosa (1822) não empregou em nenhum
momento o termo gerúndio. Antes, refere-se a essa forma como um dos particípios do verbo
(no caso, o que ele chama de particípio imperfeito). Também não constatamos até aqui
qualquer referência à possibilidade de formar uma perífrase indicativa de continuidade
mediante uso da estrutura verbo auxiliar + a + infinitivo, ou seja, o infinitivo gerundivo.
Ainda em relação ao tratamento dado a noções aspectuais (mesmo que sem tal
nomenclatura), Barbosa (1822) afirma, na seção II – Dos Tempos do Verbo em geral – do
capítulo relativo ao verbo de sua gramática:
47
Não há pois verdadeiramente se não tres durações ou Tempos, a saber, o Presente,
que he o em que se está falando; o Preterito, que he todo aquelle, que precedeo ao
presente; e o Futuro, que he todo o que se lhe há de seguir. Mas todas estas
durações e tempos se podem considerar de dous modos; ou como continuados e
não acabados, ou como não continuados e acabados. Daqui a subdivisão dos
mesmos tres tempos em Imperfeitos ou Periodicos, e em Perfeitos ou
Momentaneos.
Os tempos imperfeitos exprimem durações não acabadas; e como estas são outras
tantas continuações da existencia dentro dos espaços, que correm ou até á epocha da
palavra, ou no tempo desta, ou depois della; [...]. (BARBOSA, 1822, p. 204, grifos
em negrito nossos)
De novo, constatamos, na obra do autor, a percepção e descrição de ideias aspectuais,
Perfeito x Imperfeito, que só passariam a ser assim chamadas nos estudos linguísticos mais
tarde.
Com relação às formas nominais em si, segundo nomenclatura que utilizamos
atualmente, Barbosa (1822) chama-as simplesmente de formas infinitivas do verbo,
distinguindo entre elas somente infinitivo x particípios, sem utilizar o termo gerúndio. Assim:
A estas tres espécies de orações, de que são tecidos todos os períodos do discurso,
correspondem justamente os tres modos de enunciar a coexistência do attributo no
sujeito da proposição; ou enunciando-o pura e simplesmente sem determinação
alguma nem de afirmação, nem de subordinação, nem de tempos, e pessoas; e este
he o Modo, chamado por isso mesmo Infinitivo, ou indeterminado, que he a
forma primitiva de qualquer verbo, como: Ser, Haver, Estar, Ter, e as suas
dirivadas Sendo Sido, Havendo Havido, Estando Estado, Tendo Tido; as quaes
todas nunca se empregão no discurso se não como additamentos e complementos de
outros verbos, ou preposições, por quem são regidas á maneira dos nomes
substantivos e adjetivos, de cuja natureza, indeterminação, e propriedades participão
para este mesmo fim, chamadas por isso Participios, ou Modo Participial; porque
participão de nomes o poderem ser, como elles complementos da oração, e
participão do verbo a propriedade de enunciarem a coexistência indeterminada de
huma couza com outra. (BARBOSA, 1822, p. 201, grifos em negrito nossos)
Percebemos, portanto, que o gerúndio é referido como Particípio Imperfeito, cujo uso
o autor descreve em:
Este participio tem dous usos na nossa Lingua, o primeiro o de compor Linguagem
com o auxiliar Estar, como Estou sendo amante, ou Estou amando, que he o mesmo
(sum amans). O segundo o de fazer por si huma oração á parte, porém sempre
subordinada a outra principal, e dependente della ou como circunstancia, ou como
modo, ou como causa. (BARBOSA, 1822, p. 209)
Ambos os casos de uso mencionados por Barbosa no fragmento acima são detalhados
em uma seção posterior, onde trata exclusivamente dos particípios dos verbos adjetivos, mais
especificamente sobre o particípio imperfeito ativo:
48
Nossa Lingua emprega os particípios imperfeitos activos de dous modos, ou
Conjugando-os, ou Conjunctando-os. Conjuga-os so com hum dos tres verbos
auxiliares, ou com o continuativo Estar, ou com o frequentativo Andar, ou com o
inchoativo Ir, como: Estou escrevendo, Ando cuidando, Vou convalescendo.
Conjuncta-os fazendo-os depender de outro verbo e oração ou principal, ou
subordinada, ou incidente, a que servem ou de modo, ou de circunstancia, ou de
condição, ou de causa e rasão. (BARBOSA, 1822, p. 285)
Seguem-se exemplos e maiores esclarecimentos acerca de cada uma das possibilidades
de emprego da forma a que o autor chama particípio imperfeito, citadas acima. Em nenhum
momento, porém, Barbosa (1822) menciona a construção a + infinitivo tampouco a
alternância entre esta e as estruturas com o particípio imperfeito.
Já Julio Moreira, em seus Estudos da Língua Portuguesa (1907), quase um século
depois da obra de Jerônimo Soares Barbosa, faz menção explícita ao emprego da construção a
+ infinitivo como equivalente ao gerúndio, veiculando, ambos, a ideia de ação em curso.
No capítulo XIX da referida obra, o autor afirma que o gerúndio, no latim, possuía três
formas (v. g.: amandum, amandi, amando) e que, no português, conservou-se apenas uma
forma de seu emprego verbal “em virtude do desaparecimento dos outros casos, cujas relações
passaram a exprimir-se com o infinitivo precedido de preposições” (MOREIRA, 1907, p. 94).
Após descrever os usos do gerúndio e comentar acerca dos supostos problemas
advindos da tradução direta do gerúndio francês, o que os gramáticos da época (e alguns
puristas ainda hoje, como vimos no capítulo 1) costumavam considerar galicismo, o autor
inicia uma nova seção para tratar das construções perifrásticas com gerúndio, sobre as quais
afirma:
Ainda as expressões da chamada conjugação perifrástica, formada com o gerúndio,
são muito menos empregadas na linguagem popular do que na língua culta. O
gerúndio é na maior parte dos casos substituído pelo infinitivo procedido da
preposição a. Assim entre o povo dir-se-ha antes <<está a estudar>> do que
<<está estudando>>.
Pelo contrário, no dialecto do Brasil as periphrases em que entra o gerúndio têm
muito mais amplo emprego do que entre nós, usando-se o gerúndio até depois de
verbos que na nossa língua culta costumam ser construídos as mais das vezes com
uma preposição e infinitivo [...] (MOREIRA, 1907, p. 98-99, grifos nossos).
A partir do trecho acima, verificamos que o autor não só menciona que o gerúndio
costuma ser substituído por “infinitivo precedido da preposição a”, como afirma que isso se
dá com maior frequência na linguagem popular. Além disso, cita a diferença quanto a esse uso
no Português Brasileiro. Tais observações mostram que o autor, mesmo em tempos quando
49
ainda não eram comuns ou sistematizados os estudos sociolinguísticos enquanto ciência, já
considerava a variação linguística social e diatópica com relação ao fenômeno aqui estudado.
Já na Syntaxe Histórica Portuguesa (1918), de Epiphanio Dias, a menção à
construção a + infinitivo como intercambiável com o gerúndio aparece logo no início do
capítulo sobre verbos, na explicação sobre o presente do indicativo:
O presente serve, em primeiro lugar, de designar o que se está dando no tempo
presente.
Querendo-se designar explicitamente o que se está dando no momento em que a
pessoa falla, de modo que não haja confusão com a designação do que costuma
acontecer, emprega-se a conjugação periphrástica, composta do verbo estar com
o particípio presente, ou com o infinitivo presente precedido de a. (Assim, a
alguém que pergunte se pode agora fallar a um individuo, responder-se-lhe-ha, por
ex.: <<Agora não, porque está a jantar>> e não: porque janta). (DIAS, 1918, p.
185-186, grifos nossos)
Como se pode verificar, o autor acaba definindo o presente por oposição à ideia
expressa pelo aspecto progressivo realizado com perífrases de gerúndio ou a + infinitivo.
Dias (1918), em seguida, atém-se a descrever os usos de cada modo e tempo verbais,
dentre eles o infinitivo e o gerúndio, ao qual, assim como Jerônimo Soares Barbosa, chama
apenas de particípio (em seu caso específico, chama de particípio ativo em -ndo).
O autor dedica, ainda, uma seção às construções perifrásticas, na qual – dentre as
construções que indicam ação em curso – menciona apenas:
§321. Com o verbo andar e o partic. presente ou o infinitivo precedido da prepos. a,
representa-se a ação como objeto de occupação prolongada: [...]
§322. a) Com o verbo ir e o partic. presente, exprime-se a realização gradual da
acção: [...]
§323. a) Com o verbo vir e o partic. presente, exprime-se a realização gradual da
acção. [...]
§324. a) Com estar e o partic. presente, ou o infinitivo precedido da prepos. a,
representa-se, de modo preciso, a acção como estando começada. (DIAS, 1918, p.
255-257)
Como podemos observar, curiosamente, o autor, de início, não menciona perífrases
formadas com o verbo auxiliar estar, que, em geral, são apontadas como as mais frequentes
para indicar ação em curso ou aspecto progressivo. O autor cita como válidas para tal fim,
com uso tanto com gerúndio quanto com a + infinitivo, apenas as construções formadas a
partir do verbo auxiliar andar. As construções com o verbo auxiliar estar serão citadas apenas
mais adiante e, sobre as quais, afirma que – junto de gerúndio ou de a + infinitivo – são
usadas para representar uma ação começada. Ou seja, as perífrases com auxiliar estar não são
50
apontadas por Dias (1918) como necessariamente indicativas de ação em curso. Antes,
sinalizam apenas que a ação “já foi começada”.
Já com relação à expressão de realização gradual da ação, Dias (1918) mostra somente
construções com os auxiliares ir e vir seguidas de gerúndio (particípio presente) e não com a
+ infinitivo. Tal descrição, que restringe as construções formadas pelos auxiliares ir e vir ao
emprego de verbos principais no gerúndio (e não com a + infinitivo), perdurará até os dias de
hoje, em descrições mais modernas, conforme veremos a seguir.
Com relação a essas três gramáticas vistas até então, podemos perceber que a única
delas que não menciona a possibilidade de usar a construção com a + infinitivo no lugar de
construções com gerúndio é justamente a mais antiga delas: Barbosa (1822). Isso pode
sinalizar que, àquela altura, o uso de infinitivo gerundivo ainda não estava tão difundido no
uso da língua, o que corrobora o que supusemos e expusemos no capítulo 1, em que
afirmamos que tal uso se propagou de forma mais significativa no PE a partir do século XX,
com base em Maler (1972), Barbosa (1999), Menon (2004) e Mothé (2007). Além disso,
Moreira (1907), já no início do século XX, chega a mencionar que a construção perifrástica
constituída por infinitivo precedido da preposição a (no lugar de gerúndio) é mais comum na
linguagem popular, o que também confirma o que fora exposto no capítulo 1 e se opõe ao que
é observado hoje no PE de maneira geral, pois é perceptível que o infinitivo gerundivo tem
sido empregado amplamente mesmo nos contextos mais formais de uso da língua portuguesa.
Passando às gramáticas contemporâneas, começaremos por Cunha & Cintra (2001).
Nas obras mais modernas, já vemos menção ao conceito de aspecto, o qual é definido pelos
autores como “uma categoria gramatical que manifesta o ponto de vista do qual o locutor
considera a ação expressa pelo verbo” (CUNHA; CINTRA, 2001, p. 382). Em seguida, os
autores fazem a oposição de quatro tipos de variação aspectual:
1- Formas perfeitas e mais-que-perfeitas versus formas imperfeitas
2- Valores semânticos dos verbos:
a) Aspecto pontual / aspecto durativo – de acordo com a extensão de tempo da ação;
b) Aspecto contínuo / aspecto descontínuo – de acordo com o processo de
desenvolvimento da ação [embora eles não mencionem explicitamente – entre as formas de
realização desse aspecto citadas na gramática – a oposição entre gerúndio e infinitivo
gerundivo se enquadraria no chamado aspecto contínuo, conforme nomenclatura dos autores.
51
Outros autores chegam a considerar este como sinônimo do aspecto durativo, conforme vimos
anteriormente.];
c) Aspecto incoativo / aspecto conclusivo – de acordo com a fase em que se encontra a
ação.
3- Forma simples versus perífrase durativa
Relativamente a esse tipo de classificação, os autores afirmam que a perífrase estar +
gerúndio (ou infinitivo precedido de preposição a, ou seja, o infinitivo gerundivo) pode ser
usada em todos os modos e tempos verbais. Além disso, no lugar do verbo estar, podem
aparecer outros verbos auxiliares: os de movimento (andar, ir, vir etc.) ou os que eles chamam
de de implicação (continuar, ficar etc.).
4- Ser versus estar – Diferentes tipos de passividade
Como se pode observar, diferentemente das abordagens já mencionadas, o aspecto
contínuo não seria, de acordo com os autores, uma subcategoria da noção imperfectiva. Antes,
faria parte, na verdade, de outra forma de classificação aspectual, segundo a qual se rotulam
semanticamente os verbos que constituem as perífrases. Conforme mencionamos acima, eles
também não citam as estruturas gerundiais do valor semântico que chamam de aspecto
contínuo, mas, ainda assim, entendemos que nosso fenômeno se enquadraria nessa
classificação.
A respeito especificamente das formas gerundiais que estudamos, Cunha & Cintra
(2001) afirmam que o verbo apresenta variações de número, pessoa, modo, tempo, aspecto e
voz. No início da seção “verbo” de sua gramática, os autores afirmam existir apenas três
modos em português: indicativo, subjuntivo e imperativo. Logo em seguida, porém, incluem
na seção “modos” as formas nominais infinitivo, gerúndio e particípio.
Em uma outra parte da mesma gramática, os autores declaram que as formas nominais
se caracterizam por não poderem expressar sozinhas nem o tempo nem o modo. Antes, seus
valores temporal e modal dependeriam do contexto em que aparecem. Com essas definições,
não fica claro para o leitor se os autores consideram ou não as formas nominais como modos
do verbo, conforme já tínhamos ressaltado em Mothé (2007).
Semelhante ao que já verificávamos nas gramáticas do século XIX e do início do
século XX, eles mostram que cada uma dessas formas nominais se aproxima, devido a
algumas características, a outra(s) classe(s) de palavras. Assim, o infinitivo se aproximaria da
52
classe dos substantivos; ao passo que o gerúndio, da dos advérbios ou dos adjetivos. O
particípio, embora não seja o foco de nossa pesquisa, são apontados por eles como próximos à
classe dos adjetivos.
Especificamente sobre o infinitivo, os autores mostram que este pode ser flexionado
ou não flexionado e fornecem exemplos de usos dos dois casos, buscando sistematizar este
que é um dos tópicos de maior divergência nas gramáticas de Língua Portuguesa. A respeito
das construções com infinitivo precedido da preposição a, ou seja, equivalendo a um
“gerúndio em locuções formadas com os verbos estar, andar, ficar, viver e semelhantes”
(CUNHA; CINTRA, 2001, p. 486), os autores afirmam que nestas é conservada a forma não
flexionada de infinitivo. Em nossos dados, tanto os de Mothé (2007) quanto os da presente
pesquisa, entretanto, encontramos vários casos que mostram o contrário tanto no uso
perifrástico quanto no sintético do infinitivo gerundivo, como em:
DE MOIMENTA DA BEIRA. O QUE É DEMAIS... – MOLMENTA DA
BEIRA, 28 – Na noite do Natal e devido, talvez (pois de outra forma
não se pode conceber) aos fumos do alcool (sic) serem em excessiva
quantidade, um grupo de rapazes de baixo quilate, mas com
pretensões a creaturas educadas (o que, francamente, não provaram)
andaram em devaneios noctívagos a percorrerem as ruas desta villa
em grandes algazarras e cometendo as maiores tropellas.
(Dado 152 Centro, 01 jan 1931)44
FENÓMENO DAS MILÍCIAS POPULARES CONTINUA AO RUBRO.
<<SARRAFO>> NO BAIRRO DE S. TOMÉ. [...] <<Estamos fartos
de ver drogados por todo o lado, a injectarem-se mesmo em frente
das crianças>>, adiantou a mesma fonte.
(Dado 619 Norte, 10 jun 1995)
Conforme podemos observar, “a percorrerem” e “a injectarem-se”, nos dados acima,
apresentam-se na forma de infinitivo flexionado e ambos possuem valor gerundivo (poderiam
ser substituídos por “percorrendo” ou “injetando-se” sem perda de sua informação básica de
progressividade). Contraditoriamente, algumas páginas após afirmarem que a construção a +
infinitivo equivalendo a gerúndio mantém a forma não flexionada, os próprios autores
explicitam um exemplo de Aluísio Azevedo em que há o emprego da forma flexionada dessa
construção objetivando, segundo eles, “dar à frase maior ênfase ou harmonia”:
44
Os exemplos retirados de nosso corpus de análise e demonstrados neste trabalho serão sempre referenciados a
partir da numeração que mantêm em nossos arquivos de dados juntamente com a região de Portugal de onde
provêm e da data de publicação no periódico de onde foram extraídos.
53
“Aqueles homens gotejantes de suor, bêbados de calor, desvairados de insolação, / a
quebrarem, / a espicaçarem, / a torturarem a pedra, / pareciam um punhado de demônios
revoltados na sua impotência contra o impassível gigante.”
(AZEVEDO apud CUNHA; CINTRA, 2001, p. 489)45
Com isso, parece que Cunha & Cintra não consideram gerundivo os usos do fragmento
acima, talvez por não apresentarem verbos auxiliares. Em nosso entendimento, porém, o texto
de Aluísio Azevedo também – assim como nossos dados transcritos anteriormente – expõe
construções formadas por a + infinitivo flexionado que são, sim, equivalentes funcionais da
forma nominal gerúndio. Isso indicaria, portanto, que a variação entre forma flexionada ou
não flexionada do infinitivo ocorre de forma semelhante, mesmo quando este representa uma
ação em curso.
Ainda sobre usos do infinitivo, convém mencionar que Cunha & Cintra denominam
infinitivo de narração o infinitivo precedido de preposição a em “frase nominal de acentuado
caráter afetivo”, com sentido narrativo ou descritivo. Este também tende a aparecer – segundo
eles – sob forma não flexionada. Exemplos (2001, p. 486):
Mais dois dias. E Catarina a piorar.
(Jorge Amado, Gabriela, Cravo e Canela)
[...] A mãe a fenecer em casa, a ouvir e a obedecer.
(Óscar Ribas, Uanga: feitiço)
Tal caráter “afetivo” dessa construção também é mencionado por Campos (1972, p.
50), que afirma ocorrerem em “descrições dotadas de grande vivacidade onde a afetividade
justifica a ausência da forma verbal pessoal”. Diferentemente de Cunha & Cintra (2001),
porém, segundo a pesquisadora, esse uso não se restringe à construção a + infinitivo, mas
também ao próprio gerúndio (“uma sequência de gerúndios enfatiza o que se pretende
reproduzir” (1972, p. 158)), demonstrando mais um contexto em que as duas construções
podem ser consideradas intercambiáveis.
45
Os exemplos de obras literárias aqui apresentados encontram-se nas próprias gramáticas às quais estamos nos
referindo em cada seção.
54
Acerca desse emprego narrativo do infinitivo precedido da preposição a, Simões
(2007, p. 115) afirma que “Nesse tipo de orações, em lugar do verbo finito, encontra-se um
substantivo, um adjetivo, uma forma nominal (infinitivo preposicionado, particípio ou
gerúndio) ou ainda qualquer nome precedido de preposição.”. Simões também cita a tese de
doutoramento de Campos (1972), segundo a qual esse uso gerundial não existia nas fases
mais antigas da língua portuguesa, tendo se desenvolvido somente no português
contemporâneo.
Também sobre esse tipo de uso das construções gerundiais no português, existem os
casos que Barbosa (1999, p. 216) chamou de gerúndio narrativo, ou seja, “uma ou mais
orações iniciadas por gerúndio, sem qualquer valor circunstancial ou relativo, mas sim em
uma estrutura em coordenação funcionando como um encadeador discursivo”.
Podemos observar exemplos desse uso do gerúndio nos seguintes dados de nosso
corpus:
FESTIVIDADE Á SENHORA DA MISERICÓRDIA. [...] Concluindo,
põe em evidência as grandes obras praticadas pela Santa Casa da
Misericórdia do Porto, enaltecendo-lhe as suas benemerências e os
benefícios que prodigalisa a milhares de infelizes, e exhortando todos
os favorecidos da fortuna a protegerem tão grandiosa instituição de
caridade.
(Dados 135 e 136 Norte, 18 mai 1915)
BANDA DOS BOMBEIROS. Fez a sua visita anual aos seus sócios e
famílias a Banda dos Bombeiros Voluntários desta vila, percorrendo,
ao som de marchas festivas, as principais ruas da vila, apresentando
cumprimentos de Boas-Festas aos seus colaboradores e amigos.
(Dados 251 e 251 Centro, 07 jan 1951)
Sobre esse uso, Barbosa (1999, p. 217) afirma:
[...] o desenvolvimento dessas orações reduzidas não explicita qualquer vínculo a
um nome, nem a um verbo, sob circunstância de tempo, modo, causa, etc. A permuta
válida para as formas nominais em foco deve ser feita por uma forma verbal
indicativa, presente ou perfeita.
Voltaremos a mencionar esse sentido narrativo atribuído a construções gerundivas no
item 3.2.4 desta tese, onde apresentaremos as motivações para controle do grupo de fatores
tipo de texto / sequência textual.
55
A respeito da forma nominal gerúndio propriamente dita, Cunha & Cintra afirmam ser
invariável46
e ressaltam que, quanto ao tempo, a forma simples (e não a composta) do
gerúndio indica uma ação em progresso, que pode ser imediatamente anterior, posterior ou
contemporânea à ação do verbo da oração principal. Esse sentido, de acordo com os autores,
depende, em geral, da posição do gerúndio na frase, conforme já sinalizamos em Mothé
(2007). Assim:
O gerúndio situado no início do período expressa uma ação realizada
imediatamente antes ou ainda uma ação que começou antes da indicada na
oração principal e ainda continua.
Ganhando a praça, o engenheiro suspirou livre.
(Aníbal M. Machado)
Estremecendo, vejo um casal de sessenta anos.
(Augusto Abelaira)
O gerúndio colocado ao lado do verbo principal denota uma ação
concomitante, equivalendo a um adjunto adverbial de modo.
Maciel ouvia sorrindo.
(Machado de Assis)
Chorou soluçando sobre a cabeça do chão.
(Castro Soromenho)
O gerúndio posposto à oração principal retrata uma ação posterior e,
frequentemente, corresponde a uma oração coordenada iniciada pela
conjunção e.
46
Convém mencionar, embora não seja o foco de nossa pesquisa, que a afirmação de que o gerúndio é
invariável não pode ser vista de forma categórica, pois existem dialetos do PE em que o gerúndio é flexionado,
conforme mostram Carrilho & Pereira (2011) e Carrilho & Lobo (2013), por exemplo. Cunha & Cintra (2001)
não fazem qualquer menção a tal emprego da forma nominal.
56
No quintal as folhas fugiam com o vento, dançando no ar em reviravoltas de brinquedo.
(Luís Jardim)
A observação de que a semântica (o sentido da oração gerundial) pode variar de
acordo com a posição que ocupa no período em relação à oração principal também é apontada
por Móia & Viotti (2004). A partir dessas referências, criamos para essa pesquisa um grupo
de fatores especificamente para controlar a posição dessas orações no período, conforme
veremos adiante, no item 3.2.12 do capítulo 3.
Além desses supracitados, outros usos do gerúndio mencionados por Cunha & Cintra
são:
Ideia de progressão indefinida, especialmente quando a forma aparecer em
repetição.
Viajando, viajando, esquecia-se o mal e o bem.
(Adonias Filho)
Sentido de imperativo, ordem.
Andando!
Em outra seção da mesma gramática, os autores mostram especificamente o
comportamento do gerúndio em construções perifrásticas. Nela, afirmam que a forma nominal
pode se combinar com os auxiliares estar, andar, ir e vir. O verbo auxiliar ficar não é citado
como possível junto ao gerúndio apesar de esse verbo ser arrolado pelos autores como um dos
verbos auxiliares aspectuais do português em outra parte de sua obra. Além disso,
constatamos na língua em uso, tanto em Mothé (2007) quanto na presente pesquisa, muitos
dados de gerúndio e de infinitivo gerundivo em construções perifrásticas com o auxiliar ficar.
A respeito dos quatro auxiliares citados por eles nessa seção, os autores afirmam que
exprimem uma ação durativa, com diferentes nuances de acordo com o verbo. Nos exemplos
fornecidos pelos autores, conforme vemos abaixo, percebemos que não existe menção, nessa
57
seção do texto, à possibilidade de realização dessas perífrases com o infinitivo gerundivo.
Assim:
Estar: ação ocorrendo no momento exato da enunciação.
Estas delongas estão afligindo a curiosidade de quem me ler.
(Camilo Castelo Branco)
Andar: ideia de intensidade ou de ação repetitiva.
A população andava agora vivendo dias de chuva [...].
(Manuel Ferreira)
Ir: ação realizada progressivamente ou em fases sucessivas.
Vagaroso, o tempo foi passando.
(Miguel Torga)
Vir: ação que se desenvolve gradativamente em direção ao momento ou ao
lugar em que se encontra o enunciador.
A noite vem chegando de mansinho.
(Fernando Namora)
Já Mateus et alii (2003) apontam três formas de marcar o tempo na língua: através dos
tempos verbais, dos advérbios e das expressões adverbiais de tempo. De acordo com as
autoras, assim como em muitas outras línguas, vários fatores podem influenciar na
determinação do valor aspectual de uma frase em português. Para elas, a noção de aspecto é
essencialmente componencial. Os tempos verbais, por exemplo, podem veicular informação
aspectual sem que a distinção tempo x aspecto possa ser feita morfologicamente.
58
Ainda segundo Mateus et alii, o aspecto é definido como aquilo que “fornece
informações sobre a forma como é perspectivada ou focalizada a estrutura temporal interna de
uma situação descrita pela frase, em particular, pela sua predicação” (2003, p. 129). Assim, é
o tempo verbal que permite a “ordenação linear de unidades temporais atômicas (instantes) ou
densas (intervalos, períodos) que se podem suceder ou sobrepor”; por outro lado, o aspecto
destaca a estrutura interna das situações, focalizando-as a partir do seu interior e sendo,
portanto, “subatômico”. Além disso, segundo as autoras, o tempo é eminentemente uma
categoria relacional (dêitica ou anafórica), enquanto o aspecto, por se concentrar na
perspectiva interna, não precisa se relacionar com outros elementos.
De acordo com as autoras, o aspecto também está intimamente associado à duração
da situação e pode veicular três tipos de informação: concluído, terminado e em curso. Elas
continuam a tratar da noção de aspecto mencionando uma distinção feita pelos neogramáticos,
no século XIX, e também por alguns dos autores já citados neste trabalho: a diferença entre
aspecto, de natureza gramatical e realizado em muitas línguas (como o português) através de
morfemas flexionais, versus aktionsart (ou modo de ação), de natureza lexical. Assim como
Costa (2002), a cujo trabalho já nos referimos, as autoras são igualmente contra tal
diferenciação, pois acreditam ser possível transmitir informação aspectual através de diversos
processos linguísticos, tais como afixos, construções com auxiliares e semiauxiliares e
combinação de vários elementos na frase associados a esses dois primeiros processos.
Mateus et alii (2003) estabelecem uma tipologia aspectual, como segue:
Figura 2: Tipologia aspectual, segundo Mateus et alii (2003)
EVENTOS
Situações dinâmicas
Télicos
Tendem para um fim
Processos culminados
Duração razoavelmente longa
Culminações
Duração muito breve ou nula
Atélicos Não tendemm para um
fim
Processos
-
ESTADOS
Situações não dinâmicas
Faseáveis Admitem construções
progressivas
Não faseáveis Não admitem construções
progressivas
59
Dentre os tipos aspectuais mostrados acima, verificamos que – de acordo com as
autoras – nosso fenômeno pode configurar tanto um estado faseável quanto um evento que
indique processo (seja este télico ou atélico). Com efeito, para elas, todas as situações podem
ocorrer com a construção que chamam de progressivo, exceto os chamados estados não
faseáveis (ex.: *Pedro está a estar a comer sopa.).
As autoras tratam detalhadamente dos fatores que julgam responsáveis por mudanças
aspectuais: os tempos gramaticais, os operadores aspectuais e a natureza semântica dos
complementos. Elas começam a descrever as construções que funcionam como operadores
aspectuais justamente a partir do progressivo, que seria, para elas, uma construção bastante
debatida e de uso muito frequente em língua portuguesa. Segundo as autoras, o progressivo
“obtém-se no português europeu com estar a + infinitivo” (MATEUS et alii, 2003, p. 146).
Relacionada a esse ponto do texto, elas incluem uma nota de rodapé onde afirmam: “Em
português do Brasil esta construção obtém-se com estar + Gerúndio, como acontece noutras
línguas e em variedades do português europeu do Alentejo.”. Tal é a única menção à
construção estar + gerúndio na obra, ou seja, atribuindo-a ao PB ou ao dialeto alentejano.
Continuando a tratar da construção estar + a + infinitivo, elas afirmam:
Estas construções apresentam desde logo algumas características interessantes,
sendo uma das mais relevantes o serem perspectivadas como estando a decorrer. A
esta característica podemos ainda associar a de duração e a de incompletude, pois se
uma eventualidade está no seu decurso, é natural que tenha duração e que também
não esteja completa, ou não tenha atingido o seu ponto terminal. (MATEUS et alii,
2003, p. 146)
Em seguida, são fornecidos alguns exemplos sobre a gramaticalidade ou
agramaticalidade de estar + a + infinitivo em cada um dos tipos aspectuais mencionados na
figura 2, acima. A partir dos exemplos, constatam que a construção se torna agramatical
apenas, como referimos acima, com estados não faseáveis.
Não há menção explícita à construção infinitivo gerundivo e elas também não parecem
admitir a possibilidade de se expressar o progressivo com outras perífrases além daquela
formada pelo auxiliar estar. Embora citem e descrevam construções como andar + a +
infinitivo, nenhuma relação é estabelecida entre estas e o progressivo, tampouco mencionam a
possibilidade de, também nesses casos, ser usado o gerúndio no lugar de a + infinitivo.
Após descrever as construções que, em sua concepção, constituem operadores
aspectuais, as autoras explicitam o seguinte quadro resumidor:
60
VERBOS DE OPERAÇÃO ASPECTUAL SEGUNDO MATEUS ET ALII (2003)
Estar a47
Estados faseáveis
Eventos Estado progressivo
Andar a Estados faseáveis
Eventos Estado habitual ou frequentativo
Começar a48
Estados faseáveis
Eventos Estado pontual
Continuar a Estados
Eventos
Estado não faseável
Processo
Deixar de Estados
Eventos
Estado não faseável
Evento pontual + estado cessativo
Parar de Processos
Processos culminados Evento pontual / (estado cessativo)
Acabar de Processos
Processos culminados Culminação / (processo culminado)
Quadro 5: Verbos de operação aspectual, segundo Mateus et alii (2003, p. 151)
Mateus et alli (2003) não mencionam nada específico sobre formas nominais em si. Só
tratam de gerúndio sintaticamente, ao descreverem as orações gerundiais, que serão analisadas
neste trabalho somente no capítulo 3, quando tratarmos do grupo de fatores tipo sintático de
oração.
Para finalizar a seção, a título de comparação com as gramáticas de língua portuguesa
apresentadas até aqui, mencionaremos o que é dito acerca das perífrases aspectuais em uma
gramática descritiva do espanhol, uma língua românica que funciona de maneira muito
semelhante ao português, conforme já constatamos nos trabalhos citados acima. Na
Gramática Descriptiva de la Lengua Española, Bosque & Demonte (1999) afirmam que as
perífrases aspectuais estão fortemente vinculadas à ação verbal, indicando diferentes nuances
aspectuais. Abaixo, reproduziremos um quadro que resume as ideias aspectuais mencionadas
por Bosque & Demonte (1999):
47
Conforme já mencionamos em Mothé (2007), nesse quadro reproduzido a partir de Mateus et alii (2003), a
preposição é mostrada como participante da perífrase verbal com valor aspectual, exprimindo ideia de duração.
48
É interessante notar que, no quadro, Mateus et alii “juntam” verbos que selecionam obrigatoriamente
preposição e verbos que não o fazem. Elas, além de não mencionarem que pode haver perífrases de aspecto
progressivo seguidas de gerúndio no lugar de preposição + infinitivo com quase todos os verbos do quadro,
também não citam a possível alteração de sentido entre começar + a + infinitivo e começar + gerúndio. Essa
postura parece ser incoerente com o que apresentam no capítulo 11 (2003, p. 400-401), no qual afirmam que,
com verbos que não exigem complementos preposicionados, “as preposições ou locuções prepositivas têm um
importante papel na interpretação”.
61
ASPECTO VALOR SEMÂNTICO EXEMPLOS
Incoativo Indicam o início da ação Começar a; pôr-se a;
romper a + infinitivo
Ingressivo Indicam o ponto imediatamente anterior ao
início da ação Estar a ponto de + infinitivo
Durativao Indicam o transcurso da ação -
(Re)iterativo Indicam a repetição da ação Andar a, costumar;
voltar a + infinitivo
Perfectivo Indicam o final da ação Acabar de, parar de, deixar
de + infinitivo
Pontual Indicam um ponto qualquer da ação, sem
considerar estágios anteriores ou posteriores -
Quadro 6: Valores semânticos das perífrases aspectuais em castelhano, segundo Bosque & Demonte
(1999)
Conforme já verificamos nas análises comparativas de Laca e Squartini acerca das
línguas românicas, sabemos que, em espanhol, a construção a + infinitivo não veicula
informação relacionada ao aspecto progressivo (ou durativo, como Bosque & Demonte
chamam). Os autores descrevem diversas perífrases com infinitivo frequentes no castelhano,
mas nenhuma delas parece se assemelhar ao emprego de a + infinitivo no português.
Por outro lado, grande semelhança existe entre as perífrases de gerúndio das duas
línguas em questão. Diferentemente do que fazem Mateus et alii (2003) em relação ao
português, Bosque & Demonte (1999) fazem em sua gramática uma descrição bastante
detalhada da forma nominal gerúndio, especialmente das perífrases e construções (em geral)
em que ela se encontra. Os autores dedicam, na verdade, um capítulo inteiro às perífrases de
gerúndio e particípio, o capítulo 52, no qual elencam os verbos que podem aparecer seguidos
de gerúndio formando perífrases verbais na língua espanhola. Reproduziremos, abaixo, um
quadro já presente em Mothé (2007) que resume os usos das construções gerundiais do
castelhano:
62
PERÍFRASES DESCRIÇÃO
Estar + gerúndio
(Estar + gerundio)
É a perífrase de gerúndio mais usada. Apresenta a ação em curso
durante um período de tempo breve ou longo no passado, no
presente ou no futuro, de acordo com o tempo do auxiliar estar.
Ir + gerúndio
(Ir + gerundio)
Transmite uma ação gradual e prospectiva, de acordo com o
tempo do auxiliar. Não aceita advérbios temporais de duração
concreta, específica.
Vir + gerúndio
(Venir + gerundio)
Expressa a ação em curso que parte de um ponto anterior e se
dirige a um ponto coincidente com o momento designado pelo
auxiliar. É a chamada “visão retrospectiva”.
Andar + gerúndio
(Andar + gerundio)
Caracteriza-se por representar a ação mediante uma série de
conotações subjetivas de natureza diversa, em especial, uma
visão modalizadora da ação (ênfase, solicitude, ansiedade, ironia,
humor...). Bosque & Demonte mencionam que, segundo
Spaulding49
, essa é uma perífrase mais coloquial do que estar +
gerúndio.
Ficar + gerúndio
(Quedar(se) + gerundio)
Exprime uma ação cujo desenvolvimento é captado a partir de
seu momento inicial, com certa noção de começo brusco.
Segundo Bosque & Demonte, muitos autores não a consideram
perífrase.
Sair + gerúndio
(Salir + gerundio)
Expressa o início de uma ação vista em seu transcurso, que
pressupõe um processo anterior (explícito ou não) (BOSQUE;
DEMONTE, 1999, p. 3.421). Ao menos no que tange ao
castelhano, diz-se que essa construção é “meio-perífrase” e
“meio-locução”, pois o verbo principal quase sempre é um
“verbo de dizer” (ex.: Sair dizendo; sair falando...)
Seguir, continuar e
prosseguir + gerúndio
(Seguir, continuar e
proseguir + gerundio)50
Exprime uma noção continuada da ação em curso, que começa
em um momento anterior e se prolonga até o momento designado
pelo auxiliar, sem especificar o momento desde o passado (como
acontece com as perífrases com vir ou levar + gerundio), nem
até o futuro (como faz a perífrase ir + gerundio).
Acabar, terminar +
gerúndio
(Acabar, terminar +
gerundio)
Descrevem uma ação progressiva vista como uma culminação
final de um processo ou série de processos anteriores (visão
“culminativo-finalizativa”, segundo os autores). Também pode
indicar uma ação inesperada ou difícil e pode conter, às vezes,
um sentido de impaciência.
Iniciar, começar +
gerúndio
(Empezar, comenzar +
gerundio)
É usado no início de um processo visto em seu “desenrolar-se”,
que se relaciona com outro processo ou série de processos
posteriores, explícitos ou implícitos (visão “iniciativo-sucessiva”,
de acordo com Bosque & Demonte).
49
SPAULDING, Robert K. History and Syntax of the Progressive Constructions in Spanish. Berkeley:
University of California Press, 1926.
50
Bosque & Demonte (1999) afirmam que, ao menos para o castelhano, a perífrase seguir + gerundio é muito
frequente na fala atual, enquanto a perífrase continuar + gerundio é muito menos frequente, em especial na fala
coloquial. Essa informação não se aplica (na verdade, podemos até dizer que é inversa) à Língua Portuguesa, em
que sabemos que a perífrase continuar + gerundio é bastante usada, inclusive na língua falada coloquial.
63
Levar + gerúndio
(Llevar + gerundio)
Só é empregada em tempos perfectivos, enquanto as demais
perífrases também admitem os tempos compostos e o perfeito
simples. Não expressa desde quando dura uma ação, mas sim
quanto a mesma dura.
Quadro 7: Perífrases de gerúndio, segundo Bosque & Demonte (1999)
Como podemos verificar e conforme já tínhamos comentado em relação a quadros
semelhantes sobre as línguas românicas em geral, discutidos anteriormente, quando
mencionamos os trabalhos de Laca e Squartini, constatamos que praticamente todas as
perífrases aspectuais formadas com gerúndio em espanhol também ocorrem em português,
com sentidos semelhantes. Dentre essas, algumas também se realizam indicando aspecto
durativo – em particular no PE – por meio do infinitivo gerundivo, especialmente as formadas
pelos auxiliares estar, andar e ficar. A variação entre gerúndio e a + infinitivo nessas
perífrases controlaremos através do grupo de fatores estrutura verbal, conforme veremos no
capítulo 3.
2.4 O aspecto e o uso das construções gerundivas em gramáticas escolares
lusas
Nesta seção, analisaremos seis gramáticas escolares lusitanas: Azeredo, Pinto & Lopes
(2011); Moreira & Pimenta (2010); Costa (2012); Moura (2006); Ferreira & Figueiredo
(2006) e Arruda (2008). Dentre essas, cinco são voltadas para o 3º Ciclo do Ensino Básico
(equivalente aos 7º, 8º e 9º anos do Ensino Fundamental II, no Brasil) e / ou para o Ensino
Secundário (equivalente ao nosso Ensino Médio) em Portugal e uma é voltada para o ensino
de português como língua estrangeira (PLE) (ARRUDA, 2008). As seis gramáticas em
questão foram publicadas, desde sua primeira edição, já no século XXI. Duas delas figuram
no topo das listas de vendas das duas principais e maiores redes de livrarias de Portugal
atualmente: Azeredo, Pinto & Lopes (2011) e Moreira & Pimenta (2010).
O objetivo foi verificar se o tema aspecto recebe mais atenção no ensino escolar luso
do que no Brasil, onde, como já mencionamos, é praticamente ignorado. Além disso, também
almejamos observar se existe qualquer tipo de prescrição quanto ao uso de gerúndio nessas
obras que circulam no universo escolar de terras portuguesas. Segundo constatamos, todas as
gramáticas citadas tratam do tema aspecto verbal. Umas são mais abrangentes, outras menos.
64
Em Da Comunicação à Expressão – Gramática Prática de Português, de Azeredo,
Pinto & Lopes (2011), uma das mais vendidas em Portugal, as autoras mencionam a noção de
aspecto pela primeira vez na seção voltada para as classes de palavras, na subseção a respeito
do verbo. Segundo elas, o aspecto “exprime a maneira como uma situação é perspectivada,
apresentando-a como um todo completo ou em desenvolvimento, ou ainda acentuando o
início, o desenrolar ou o fim de uma ação” (AZEREDO, PINTO & LOPES, 2011, p. 240).
Elas afirmam, ainda, que, para expressar ideias com valor aspectual, contribuem:
O conteúdo lexical e semântico transmitido pelo verbo através de sufixos;
Certos complexos verbais, dos quais destacam os auxiliares aspectuais;
Alguns tempos verbais (presente do indicativo, pretérito imperfeito, pretérito
perfeito simples e pretérito perfeito composto);
Alguns advérbios ou locuções adverbiais (já, sempre, ainda, lentamente,
frequentemente, pouco a pouco, etc.) ou ainda por nomes, quantificadores e
orações subordinadas.
Assim, as autoras lembram que os verbos não são os únicos responsáveis por
veicularem noções aspectuais em língua portuguesa e voltam a tratar do tema na seção
dedicada à semântica em uma subseção específica sobre valor aspectual, onde afirmam que
“o valor aspectual de um enunciado é construído com base quer no aspecto lexical quer no
aspecto gramatical” (AZEREDO, PINTO & LOPES, 2011, p. 313, grifos das autoras).
Segundo elas, no aspecto lexical, distinguem-se os eventos (durativos e não
durativos) e as situações estativas. Já o aspecto gramatical subdivide-se em:
perfectivos e imperfectivos;
genérico, habitual e iterativo;
diferenças relativas à duração das situações ou marcas de início e fim das
situações. (grifos nossos)
De acordo com essas possibilidades, as construções gerundivas que estudamos podem
se enquadrar tanto como um evento imperfectivo (as autoras chegam a usar, inclusive, um
exemplo com infinitivo gerundivo para ilustrar a imperfectividade); quanto como um evento
de duração prolongada, como no exemplo Estive a ler o livro durante toda a tarde., citado
por elas.
65
Por fim, vale ainda mencionar que as autoras também descrevem os chamados verbos
auxiliares aspectuais. Ao tratarem desse assunto, destacam que as construções capazes de
transmitir a ideia de duração da ação são:
[estar, continuar, ficar, andar, ir ou vir] + a + infinitivo OU gerúndio.
Na obra, nenhuma menção é feita a peculiaridades de cada construção nem mesmo a
restrições quanto ao emprego de gerúndio ou de a + infinitivo.
Já na Gramática de Português (2010), de Vasco Moreira e Hilário Pimenta, também
no topo das listas de vendas de gramáticas no país, junto com o título analisado anteriormente,
a noção de aspecto só é mencionada no capítulo concernente à Semântica. Os autores o
descrevem como “uma categoria linguística que define o decurso ou tempo interno de um
estado de coisas. Corresponde a diferentes maneiras de perspectivar a estrutura interna, isto é,
o tempo interno de um estado de coisas a partir de um dado ponto de referência.” (MOREIRA
& PIMENTA, 2010, p. 249).
Segundo os autores, embora o aspecto seja uma categoria gramatical característica dos
verbos, ele também pode se realizar através de perífrases verbais, de advérbios e de locuções
adverbiais. Ademais, mostrando uma análise mais profunda e menos simplista que as demais
gramáticas escolares pesquisadas, Moreira & Pimenta (2010) chegam a incluir uma nota em
que afirmam que a interpretação do aspecto baseia-se em diversos elementos linguísticos do
enunciado, tais como: 1- o conteúdo lexical dos verbos; 2- os complementos verbais e não
verbais; 3- construção pragmática; 4- morfemas derivativos e de aspecto gramatical. Como
temos visto e continuaremos a ver, poucas são as gramáticas escolares a contemplarem
questões pragmáticas nos estudos linguísticos, mais raro ainda é que tal assunto seja analisado
associado a uma categoria verbal tal qual o aspecto.
Ainda no início da seção dedicada ao tratamento do aspecto, os autores citam exemplo
onde podemos verificar o emprego de uma das estruturas gerundivas por nós pesquisadas:
A Paula está a estudar a lição.
Segundo eles, esse exemplo mostra uma ação cujo ponto de referência apresenta a
situação em desenvolvimento. Os autores também ressaltam que o valor aspectual de um
66
enunciado não é vinculado, necessariamente, ao valor temporal do mesmo e subdividem a
categoria, assim como outros autores, em aspecto lexical e aspecto gramatical.
De acordo com Moreira & Pimenta (2010), o aspecto lexical é o “valor aspectual
presente no significado intrínseco de uma palavra ou de uma expressão predicativa e
independente dos elementos com que coocorre (modificadores, quantificadores ou verbos
auxiliares)” (MOREIRA & PIMENTA, 2010, p. 250). Em relação a esse tipo de aspecto, os
autores classificam as situações em eventos (não durativos e durativos) e estativas,
semelhantemente à subdivisão oferecida por outras gramáticas. Apesar dessa semelhança,
existe uma peculiaridade nessa obra: no âmbito do aspecto lexical, quando as gramáticas
mencionam as construções gerundivas, geralmente é associando-as aos eventos durativos.
Nela, em vez disso, vimos, pela primeira vez, uma construção gerundial associada a uma
situação estativa, materializada no exemplo O Diogo está a ser simpático., com infinitivo
gerundivo.
Quanto ao aspecto gramatical, Moreira & Pimenta (2010) apresentam uma definição
inicial um tanto imprecisa: “diferentes valores aspectuais representados num enunciado e que
o afectam na sua globalidade.” (MOREIRA & PIMENTA, 2010, p. 170). No parágrafo
imediatamente a seguir, os autores especificam os tipos de aspecto gramatical:
Os valores básicos do aspecto gramatical são o perfectivo e o imperfectivo; os que
podem especificar a quantificação da situação construída – genérico, habitual,
iterativo – ou a sua caracterização específica – pontual, durativo – e, ainda,
diferentes fases no seu desenvolvimento – ingressivo, progressivo, terminativo,
resultativo. (MOREIRA & PIMENTA, 2010, p. 250, grifos dos autores)
Em nosso entendimento, o parágrafo acima não deixa claro se todos os rótulos em
destaque (em itálico) são tipos de aspecto gramatical numa mesma hierarquia ou se
constituem grupos e subgrupos ou, ainda, se dizem respeito a diferentes parâmetros de
classificação aspectual. De uma forma ou de outra, logo após esse parágrafo, os autores
definem os valores perfectivo, imperfectivo, genérico, habitual e iterativo. Utilizam para todos
esses a mesma fonte e a mesma organização espacial, como se pertencessem ao mesmo nível
hierárquico (não constituindo, portanto, grupos e subgrupos). E, em uma nota de fim de
página, em fonte menor e de coloração mais clara, em menor destaque, opõem situações
pontuais a situações durativas. Abaixo, ainda, contrastam as situações ingressivas,
progressivas, terminativas e resultativas, como que constituíssem uma classificação à parte.
67
Definem cada um desses valores aspectuais e fornecem exemplos para os mesmos. Os
casos onde encontramos exemplos com as construções que nos interessam, as gerundivas,
foram:
Imperfectivo: Representam atividades, estados ou eventos prolongados,
construídos como homogêneos, quer estejam em curso ou não (2010, p. 251)
A Maria está a ler o livro.
Durativo: São situações que se estendem por um período de tempo
necessariamente diferente de zero.
O Rogério está a ler uma revista.
Progressivo: É o valor aspectual que incide sobre o avanço da ação.
Os autores não fornecem exemplos concretos para o valor aspectual progressivo, mas
sinalizam, entre parênteses, que ele ocorre em construções como estar a..., andar a....
Relacionado a isso, convém mencionar que, em outra seção da mesma gramática, no
capítulo sobre classes de palavras, os autores especificam os tipos de verbos auxiliares, entre
os quais estão os verbos auxiliares aspectuais. É interessante ressaltar que, nessa parte da
gramática, os autores afirmam que os auxiliares aspectuais “exigem que o verbo principal se
encontre no infinitivo” (grifo nosso), descartando a possibilidade de ocorrência de uma
perífrase verbal aspectual constituída por verbo auxiliar + gerúndio.
Segundo eles, a gramática tradicional chama as construções com auxiliares aspectuais
de conjugação perifrástica que veiculam, dentre outras, a ideia de continuidade (aspecto
durativo, também chamado de contínuo). Na sequência, eles afirmam “Os auxiliares
aspectuais com valor durativo são, por exemplo, estar a, continuar a, ficar a, andar a, ir a,
vir a. Ex.: A Teresa está a telefonar à mãe.” (MOREIRA & PIMENTA, 2010, p. 117).
Nenhuma outra referência há na obra acerca do uso de construções gerundiais e, como
se pôde perceber, é como se a forma nominal gerúndio sequer existisse no idioma.
68
Na Gramática Moderna da Língua Portuguesa (2012), com coordenação editorial de
João Costa, o aspecto – diferentemente do que ocorre nas duas gramáticas já analisadas acima
– é tratado exclusivamente no capítulo relativo à Morfologia e classes de palavras, na
subseção concernente ao verbo, como uma de suas categorias. Na obra, o aspecto é definido
como “a categoria que permite descrever e identificar o sentido de uma situação, a partir da
informação lexical e gramatical” (COSTA, 2012, p. 179). Ora, como se pode verificar, tal
definição é demasiadamente abrangente e não ajuda a esclarecer o que seria efetivamente o
aspecto verbal, pois poderia dizer respeito a qualquer categoria verbal. Afinal, os verbos
possuem intrinsecamente sua base lexical (o radical) e suas flexões morfológicas,
contribuindo ambas para identificação de seu sentido.
Essa obra, a exemplo das anteriores, também distingue aspecto lexical e aspecto
gramatical, mas de forma bem mais sucinta. Aqui, a distinção restringe-se, basicamente, a
definirem o aspecto lexical e o aspecto gramatical (também de maneira vaga e pouco
esclarecedora) e, em seguida, a apresentarem quadros com uma subdivisão de cada um dos
tipos de aspecto e seus respectivos exemplos, sem qualquer explicação.
Assim, o aspecto lexical seria aquele que se apresenta “através do significado
intrínseco que a palavra ou conjuntos de palavras veiculam, podendo ser alterado pelo
aspecto gramatical”, ao passo que o aspecto gramatical seria aquele verificado “no domínio
da predicação, podendo o valor aspectual variar em função do valor temporal e das
combinações com verbos auxiliares e estruturas de quantificação” (COSTA, 2012, p. 179-
180, grifos do editor).
O aspecto lexical – assim como nas obras explicitadas anteriormente – também se
subdivide em 1) situações estativas ou estados (situações não dinâmicas) e 2) eventos
(durativos (ou processo culminado) e não durativos (ou ponto)). Dentre os exemplos dos
diferentes tipos de expressão do aspecto lexical, não encontramos nenhuma ocorrência das
formas gerundivas que aqui estudamos.
Já o aspecto gramatical subdivide-se em:
Culminado – estados ou processos terminados;
Não culminado – estados ou processos não terminados;
Habitual – estados que apresentam uma propriedade [os outros não
apresentam “propriedade” alguma?]; processo que apresenta um hábito; sem
intervalo de tempo delimitado;
69
Genérico – estados que referem situações plurais aceitas como verdades
genéricas; sem valor temporal; sem intervalo de tempo limitado;
Iterativo – estados ou processos com início no passado que perduram no
presente;
Dentre as subdivisões acima, identificamos nos exemplos fornecidos, formas
gerundiais em dois casos, ambos citados com infinitivo gerundivo: como aspecto não
culminado, que, segundo a obra, pode ser expresso, entre outros meios, através das perífrases
estar a, começar a e continuar a (Estava a estudar, quando chegaste.); e como aspecto
habitual, expresso, dentre outras formas não gerundivas, através da perífrase andar a (Ando a
ler um livro). Nessa seção, não existe qualquer referência ao emprego de gerúndio como
alternativo ao uso de a + infinitivo.
Em Costa (2012), as formas gerundiais em foco nesta pesquisa, além de nessa seção
acerca do aspecto verbal, são citadas apenas na seção concernente aos modos do verbo,
quando são mencionadas as formas verbais não finitas (infinitivo, gerúndio e particípio). Na
subseção sobre o infinitivo, verificamos, dentre os oito usos citados dessa forma nominal,
exemplos de ideia gerundiva nos seguintes casos, assim descritos na gramática em análise
(COSTA, 2012, p. 170):
EXEMPLOS USOS DO INFINITIVO
Os rapazes estão a dormir e as raparigas a ler. Numa descrição ou narração.
Estou a ouvir. Precedido da preposição “a” com os
verbos estar, andar, ficar, etc.
Como se pode ver, igualmente aqui as descrições dessa obra são sobremaneira
imprecisas. Que ideia o uso “precedido da preposição ‘a’ com os verbos estar, andar, ficar,
etc.” transmite? Em que esse uso é diferente de uma “descrição ou narração” para terem sido
apresentados separadamente? Que outros verbos podem formar perífrases com infinitivo
precedido da preposição “a” além de estar, andar e ficar? Que verbos seriam englobados pelo
“etc.”?
Quanto ao gerúndio, vemos o seguinte quadro:
70
EXEMPLOS USOS DO GERÚNDIO
Estavam todos rindo como loucos.
Vendo que não estavas, voltei para casa.
- É usado para dar conta da ação que se
desenrola continuadamente (rindo);
- É usado com o valor de uma ação
precedente da ação principal (vendo).
Conforme verificamos, também as descrições das possibilidades de emprego do
gerúndio nessa gramática são incompletas. Além disso, nenhuma relação é estabelecida entre
o gerúndio e a construção a + infinitivo. Em um dos exemplos acima, ignora-se, inclusive,
que também ocorre ali uma perífrase de estar + gerúndio (estavam todos rindo), o que
poderia ter sido comentado em uma comparação com o uso de infinitivo precedido de “a”,
observado no quadro imediatamente acima. Em vez disso, porém, considera-se tal uso como
se se tratasse de uma estrutura sintética, apenas com o verbo rir.
Nenhuma outra menção a infinitivo ou a gerúndio é encontrada no restante da
gramática.
Na Gramática do Português Actual (2006), a única das seis que é voltada
especificamente para o Ensino Secundário, de José de Almeida Moura, também existe uma
seção voltada para o aspecto, que se encontra exclusivamente no capítulo que trata da
Morfossintaxe, no subcapítulo a respeito do verbo (não sendo mencionada qualquer relação
entre aspecto e semântica, como nas gramáticas analisadas previamente).
Nessa seção da referida gramática, o autor está tratando do modo do verbo. Esclarece o
modo indicativo, o conjuntivo, o condicional (no Brasil, costumamos agrupar esses dois
últimos sob um mesmo rótulo: subjuntivo), o modo imperativo e, por último, menciona o
modo infinitivo, definindo-o apenas como aquele que ocorre “se a representação é de todo
vaga, excepto no tempo” (MOURA, 2006, p. 47). Certamente vaga é tal explicação. Seguem-
se na obra exemplos de enunciados com o verbo no infinitivo. Nenhum deles é precedido da
preposição a e, portanto, nenhum deles veicula ideia gerundiva.
É curioso observar que o autor inclui a forma infinitiva do verbo como um de seus
modos e, imediatamente a seguir, ele inicia uma nova seção no capítulo para tratar das formas
nominais, as quais, segundo ele, são apenas o infinitivo e o particípio. Na mesma página, ele
informa que o infinitivo é, ao mesmo tempo, um dos modos do verbo e uma forma nominal,
sem fazer qualquer relação entre essas duas informações.
71
Outro ponto interessante a ser destacado é que – diferentemente da grande maioria das
gramáticas – o autor não inclui o gerúndio como uma das formas nominais do verbo. Apenas
o infinitivo e o particípio são mencionados como capazes de desempenhar funções sintáticas
próprias de nomes, tais como a função de sujeito, a de complemento direto (que também
chamamos objeto direto), a de atributo, a de predicativo do sujeito ou do objeto, a de
complemento determinativo e a de complemento circunstancial. Como exemplo de
complemento circunstancial com uma forma nominal do verbo, o autor usa uma frase em que
o infinitivo é precedido de a e possui, no nosso entendimento, valor gerundial:
Ganha a vida a cantar.
No exemplo acima, o valor circunstancial ao qual o autor se refere – e com o qual
concordamos – é o de modo. Trata-se da maneira, do jeito como o sujeito ganha a vida
(cantando / a cantar). O autor não faz qualquer referência à possibilidade de alternância entre
gerúndio e a + infinitivo aqui.
A partir de então, Moura (2006) concentra sua descrição da forma nominal infinitivo
basicamente na distinção entre os usos de infinitivo pessoal x infinitivo impessoal, fornecendo
inúmeros exemplos de cada um dos tipos. Entre os diversos usos de infinitivo impessoal
citados, os casos nitidamente gerundivos são utilizados:
Para expressar uma circunstância (tal qual o exemplo previamente citado):
Eles a divertirem-se [c. c. de modo: divertindo-se] e nós aqui, a trabalhar [c. c. de modo:
trabalhando]!
Para fazer o que ele chama de “uma descrição animada (infinitivo histórico /
narrativo)”51
:
Eu e ela ali a sofrer / sofrermos [sofrendo], e eles a rirem-se [rindo-se].
51
Conforme veremos no item 3.2.4 (capítulo 3), onde descreveremos o grupo de fatores tipo de texto, uma das
motivações iniciais para controle dessa variável desde Mothé (2007) foi justamente a constatação da existência
do chamado gerúndio narrativo, pontuado por Barbosa (1999), que se assemelha bastante ao infinitivo
narrativo (ou histórico) mencionado – segundo expusemos no item 2.3 – por Cunha e Cintra (2001) e também
por Bechara (2001). Como se vê, Moura (2006) foi a única das gramáticas escolares lusitanas a fazer referência a
esse tipo de emprego de uma construção infinitiva com valor gerundial.
72
Como núcleo de locuções perifrásticas:
Estou / Ando / Começo a ler.
Já entre os casos de infinitivo pessoal, há um exemplo gerundial, mencionado para
ilustrar os casos em que essa forma nominal é usada “em orações com sujeito próprio,
expresso ou foneticamente nulo”:
Zangou-se por estarem a mentir.
Além desses casos, o autor afirma que “Nos casos em que não há ambiguidade de
sentido, é comum ocorrer qualquer das formas de infinitivo, para se conseguirem efeitos de
eufonia (inf. impes.) ou para dar ênfase ao sujeito (inf. pes.).” (MOURA, 2006, p. 48),
fornecendo, em seguida, mais vários exemplos em que podem ser empregadas ambas as
formas de infinitivo, tanto a impessoal quanto a pessoal. Um desses exemplos é precedido da
preposição a e veicula uma ideia gerundial:
Vi crianças a tirarem / a tirar [tirando] comida dos caixotes de lixo.
Conforme podemos verificar, em alguns dos exemplos acima, o autor chega a colocar
o verbo em gerúndio no meio do exemplo, logo depois da construção com infinitivo,
sinalizando claramente a possibilidade de intercambiar as duas formas, mesmo que tais
exemplos – de acordo com o título da seção em que se encontram – devessem se restringir aos
usos da construção com infinitivo. Apesar dessa associação por meio do uso de gerúndio entre
colchetes, o autor não faz qualquer observação explícita sobre a possibilidade de alternância
entre a construção a + infinitivo e o gerúndio. Na verdade, a essa altura, o gerúndio sequer
chegou a ser mencionado na gramática.
Em seguida, Moura (2006) passa a descrever os usos da outra forma nominal que
menciona: o particípio. Somente depois disso é que o autor inicia uma nova seção no capítulo,
voltada para a “forma adverbial” (em oposição às formas nominais descritas até então). Trata-
se justamente do gerúndio. Segundo ele, o gerúndio “desempenha funções circunstanciais
73
próprias de orações adverbiais”. É a única definição que oferece, exemplificando por meio da
frase:
Trabalhando [c. c. de meio: com/pelo trabalho; condição: se trabalhares], consegues vencer.
É interessante perceber que, apesar de não fornecer explicações nem sequer tecer
comentários a respeito, o autor “traduz” a ideia transmitida pelo gerúndio no enunciado acima
mostrando entre os colchetes a possibilidade de substituí-lo por com/pelo trabalho
(informando meio) ou por se trabalhares (informando condição). De fato, fora de um
contexto mais abrangente, é impossível determinar se a primeira oração desse período indica
meio ou condição. Com efeito, como veremos no próximo capítulo, um dos grupos de fatores
de nossa pesquisa controla os tipos sintáticos de oração gerundial e essas diferentes
possibilidades de interpretação era uma de nossas maiores dificuldades em classificar os
dados sintaticamente. Isso ocorre justamente porque, por não haver conectivos, por serem –
como o próprio nome diz – reduzidas de gerúndio, a classificação sintática dessas orações
muitas vezes carece da interpretação semântica e, como podemos perceber, elas permitem
uma leitura de sentido bastante ampla. Esse foi também um dos motivos por que optamos por
classificar tanto sintática quanto semanticamente as orações que constituem nossos dados.
Depois disso, Moura (2006) atém-se a diferenciar os usos de gerúndio simples e
gerúndio composto. O autor segue usando exemplos e inserindo entre colchetes “traduções”
dos sentidos veiculados pelo gerúndio em cada enunciado, da mesma forma como fez o
contrário disso para “traduzir” as construções infinitivas. Em algumas ocorrências dessa
seção, o autor substitui o gerúndio por a + infinitivo. Todas essas ocorrências são relativas ao
gerúndio simples. Nenhum dos casos de gerúndio composto é associado à construção
infinitiva (esses casos resumem-se a ocorrências de verbo auxiliar no gerúndio – geralmente o
verbo ter – seguido de particípio, como em tendo recebido, tendo caído, tendo feito...).
Aparentemente, tais construções de gerúndio composto não parecem passíveis de serem
alternadas por infinitivo gerundivo, fato que verificaremos se se confirmará em nossos dados
da língua em uso nas notícias do corpus desta pesquisa (vide item 3.2.5, sobre o grupo de
fatores estrutura verbal, no subitem a respeito de construções com “gerúndio no auxiliar”).
Com relação aos usos de gerúndio simples, as seguintes ocorrências de gerúndio são
“traduzidas” pelo autor por meio da construção a + infinitivo:
74
O gerúndio que representa as propriedades atributivas de forma adjetiva ou as
circunstanciais de modo adverbial:
(Processador) Imprimindo página 1 / preparando imagem. [a imprimir / a preparar]
O gerúndio que integra a expressão perifrástica com valores semânticos
diversos:
Estou comendo [a comer] a sobremesa. [durativo]
Ando ouvindo [a ouvir] coisas sobre ti. [frequentativo]
Ao vê-la, desatei correndo [a correr], para a abraçar. [incoativo]
Fiquei sabendo [a saber] que és um amigalhaço. [resultativo]
Como se pode observar, embora o autor ainda não tenha mencionado os diferentes
valores e tipos aspectuais até então, ele atribui esses valores às construções perifrásticas com
gerúndio. Além disso, o autor também não faz qualquer distinção entre construções
perifrásticas com verbos auxiliares (estar, andar e ficar) e uma estrutura onde há o que – em
nosso entendimento – são dois verbos plenos juntos (desatei correndo), na qual a oração
gerundiva parece, na verdade, desempenhar um papel circunstancial de modo em relação ao
verbo desatar. Em nossa concepção, portanto, seria mais adequado incluir tal exemplo no uso
gerundial descrito no uso acima deste [gerúndio que representa as propriedades atributivas
de forma adjetiva ou as circunstanciais de modo adverbial] e não como uma estrutura
perifrástica.
Por fim, após encerrar a descrição da categoria modo, o autor passa a descrever o
aspecto, o qual define como “a referência ao desenrolar da acção, marcando-se por ele
sobretudo o início, a duração, a conclusão ou o resultado do desenvolvimento processual”.
(MOURA, 2006, p. 53). De acordo com o autor, o aspecto pode ser expresso por meio da
significação do próprio verbo, de formas perifrásticas, da combinação de formas temporais
com sintagmas preposicionais ou pelo contexto da enunciação. A partir dessa definição,
podemos dizer que, apesar de não mencionar a noção de aspecto no capítulo sobre semântica
nem no sobre pragmática (esse último, na verdade, sequer existe em sua gramática), Moura
(2006) prevê que esse seja determinado contextualmente. Ele explicita isso ao concluir a
seção dizendo “O aspecto verbal é, pois, realizado pela semântica e o tempo do verbo e por
75
formas verbais auxiliares, conjugados todos com outros elementos gramaticais,
nomeadamente com o tipo de conjugação e os advérbios.” (MOURA, 2006, p. 54)
Diferentemente de outros autores, Moura (2006) não faz distinção entre aspecto lexical
e aspecto gramatical. Ele diz apenas que os tipos de aspecto são muito variados e que
merecem maior destaque os seguintes:
Pontual
Durativo
Frequentativo / iterativo
Incoativo / inceptivo
Cessativo
Progressivo
Resultativo
Dentre esses, os únicos em que verificamos exemplos gerundiais foram:
Durativo, se a ação se prolonga por vários momentos.
Continua a amanhecer.
Incoativo / inceptivo, se a ação está no começo.
O comboio está a partir.
Progressivo, se o desenvolvimento da ação vai avançando gradualmente.
Vai amanhecendo.
A mãe está a recuperar da operação.
Nessa seção, o autor não usa – como fez na seção anterior – os colchetes substituindo
gerúndios por a + infinitivos e vice-versa. Mesmo assim, a partir dos exemplos fornecidos,
76
julgamos que todos os casos acima podem ser considerados intercambiáveis quanto às
estruturas gerundiais em foco.
Outra gramática escolar analisada foi o Compêndio de Gramática Portuguesa (2006),
de António Gomes Ferreira e José Nunes de Figueiredo. Essa obra possui uma divisão
hierárquica dos assuntos um tanto complexa em relação às demais gramáticas analisadas. Há
cerca de cinco diferentes níveis. O maior nível de divisão seriam as partes. São sete ao todo:
Introdução; Sintaxe; A Língua como expressão literária; Do Latim ao Português; Morfologia;
Léxico; e Ortografia. Todas as referências que nos interessam, tanto a respeito de aspecto
quanto a infinitivo e gerúndio, encontram-se em duas dessas partes: a parte 2, Sintaxe, e a
parte 5, Morfologia. Cada uma dessas partes é dividida em grandes seções, que, por sua vez,
subdividem-se em capítulos e subcapítulos. Nossos assuntos de interesse encontram-se assim
distribuídos:
Parte 2: Sintaxe
V. Sintaxe do Verbo. Categorias Verbais. Modos, Tempos e Aspecto.
Capítulo II. Modos, Tempos e Aspecto.
Parte 5: Morfologia
III. Flexão Verbal.
Capítulo III. Verbos regulares e irregulares, auxiliares e defectivos.
Conjugação pronominal, pronominal reflexiva e perifrástica.
Os autores abrem o capítulo II da seção V da parte 2 definindo modo, tempo e, por
último, aspecto, sobre o qual dizem apenas: “Por vezes, as formas verbais indicam duração,
começo, fim, repetição, etc., da ação verbal. É a categoria do aspecto verbal.” (FERREIRA
& FIGUEIREDO, 2006, p. 66, grifos dos autores). Conforme já afirmamos em relação à outra
obra, é estranho verificar em gramáticas qualquer definição utilizando “etc.”, pois a expressão
latina cujo significado é “e outras coisas” pode abarcar efetivamente QUALQUER COISA.
Assim, que outras ideias podem ser transmitidas por meio da categoria aspecto? Não fica
claro. O leitor ou estudioso da língua portuguesa que queira saber que sentidos podem ser
expressos aspectualmente com certeza não terá suas dúvidas solucionadas a partir do
Compêndio de Gramática Portuguesa de Ferreira & Figueiredo (2006).
77
Os autores também não fazem qualquer referência a diferenças entre aspecto lexical e
aspecto gramatical. Seguem-se alguns exemplos soltos, dentre os quais, com valor gerundivo,
vemos apenas Andava a passear. (O grifo dos autores aparece, a propósito, somente no verbo
andar e não na construção de infinitivo gerundivo). Nenhum comentário é feito nem mesmo
no sentido de identificar qual dos valores mencionados na “definição” de aspecto se faz
presente em cada um dos exemplos fornecidos.
Em seguida, os autores dedicam-se a apontar “o emprego dos tempos nos diferentes
modos e os seus valores”. As formas nominais infinitivo e gerúndio enquadram-se nessa parte
da gramática. Com relação aos usos de infinitivo, não há, assim como em todas as outras
gramáticas já analisadas aqui, qualquer menção explícita ao infinitivo gerundivo nem mesmo
à possibilidade de substituir a construção a + infinitvo por gerúndio. Os autores subdividem o
estudo da forma infinitiva em pessoal x impessoal. No primeiro caso, não vemos entre os
exemplos qualquer uso gerundivo do infinitivo. No segundo caso, entre os diferentes usos do
infinitivo impessoal, verificamos a ocorrência de exemplos de a + infinitivo com ideia
gerundial somente em um tipo de situação descrita: com valor circunstancial de modo:
Íamos para casa a correr.
Encontrei-o a chorar.
Ferreira & Figueiredo apenas listam esses exemplos. Nenhum comentário é feito a
respeito.
Na breve subseção que se segue, passam a tratar do gerúndio, dizendo ser este uma
forma adverbial derivada do latim, desempenhando, em parte, as funções do ablativo do
gerúndio e do particípio do presente. Novamente, assim como em outras obras do gênero
estudadas, não se faz referência à possibilidade de troca entre o gerúndio e a construção a +
infinitvo.
Passando ao capítulo III da parte 5 do livro, Morfologia, na seção III, que é relativa à
flexão verbal, vemos a preocupação em determinar o que seria uma conjugação perifrástica, a
qual definem como “Dá-se o nome de conjugação perifrástica às locuções formadas pelo
gerúndio ou infinitivo de qualquer verbo e um dos verbos auxiliares andar, ir, vir, estar, ter ou
haver e outros.” (FERREIRA & FIGUEIREDO, 2006, p. 196). De novo, verificamos que os
autores encerram uma definição usando “e outros”, o que torna indefinida a categoria que se
propunha definir. De qualquer forma, eles continuam a caracterização das conjugações
perifrásticas e afirmam:
78
É que os tempos simples da voz activa não chegam, em muitos casos, para traduzir
tudo o que desejamos exprimir, ao referirmo-nos a uma acção verbal. Recorremos
então a formas da conjugação perifrástica.
[...]
Do mesmo modo, se se disser:
João está escrevendo ou João está a escrever,
Exprime-se a ideia de continuidade da acção, ideia que não é indicada pelo presente
do indicativo: João escreve. (FERREIRA & FIGUEIREDO, 2006, p. 196-197,
grifos dos autores)
A partir desses exemplos, inferimos que, segundo os autores, está escrevendo e está a
escrever exprimem a mesma ideia, ou seja, de continuidade, o que mostra que, para eles, as
duas formas são intercambiáveis.
Em seguida, os autores mostram alguns tipos de construções perifrásticas, dentre as
quais destacaremos aquelas que possuem valor gerundivo. Assim, eles afirmam que a
“linguagem perifrástica” pode ser formada com:
a) Andar + gerúndio OU infinitivo precedido da preposição a, indicando realização
prolongada da ação:
Ando a ler o romance A Cidade e as Serras.
b) Ir ou vir + gerúndio, indicando a realização gradual da ação:
Ia anoitecendo; vinha amanhecendo.
c) Estar + gerúndio OU infinitivo precedido da preposição a, representando a ação como
começada.
Estava estudando ou a estudar.
Como podemos perceber, aparentemente, para os autores, com os auxiliares andar e
estar, gerúndio e a + infinitivo são perfeitamente cambiáveis. Por outro lado, com os
auxiliares ir e vir, eles não mencionam a possibilidade de uso de a + infinitivo, sinalizando a
norma segundo a qual os lusitanos não usam ir ou vir com infinitivo gerundivo, fato que não
79
se mostrou inteiramente verdade em Mothé (2007) e que também pretendemos confirmar com
nossos dados (vide item 3.2.5 a respeito do grupo de fatores estrutura verbal, nos subitens a
respeito dos verbos auxiliares ir e vir).
De qualquer forma, nessa mesma seção, os autores acrescentam uma caixa de
observação em destaque onde afirmam que com o presente, o imperfeito e o futuro imperfeito
do auxiliar ir + a (ou também para) + infinitivo, o sentido que se transmite é de que a ação foi
apenas iniciada, como em Ia a levantar-se. Já na estrutura vir + a + infinitivo, a ideia
transmitida é de por fim, como em Isto vem a significar... = Isto, por fim, significa.... Ou seja,
a estrutura a + infinitvo precedida pelos auxiliares ir ou vir não veicula ideia de ação em
curso, em progresso e, por isso, para obter esse sentido, usa-se – em geral – somente o
gerúndio, mesmo em regiões consideradas mais inovadoras em relação a essa variação em
Portugal.
Entre as construções com gerúndio ou infinitivo precedido de a com valor gerundial,
somente essas são indicadas pelos autores. No fim da seção, eles acrescentam, porém, uma
observação, onde afirmam: “Também se empregam como auxiliares da conjugação
perifrástica outros verbos, como: começar, deixar, acabar, etc.”. Mais uma vez, terminam uma
lista com “etc.” deixando aos leitores muito imprecisa a noção de quais verbos exatamente
podem ser empregados como auxiliares nesse tipo de construção.
Finalmente, tratemos agora da única das gramáticas em questão voltada para o ensino
de Português como Língua Estrangeira: Gramática de Português Língua Não Materna
(2008), de Lígia Arruda. Diferentemente das demais gramáticas analisadas, os capítulos dessa
resumem-se a breves considerações acerca de fonética/fonologia, ortografia e sintaxe (num
capítulo chamado de frase). Não há nenhum capítulo intitulado morfologia nem sintaxe, como
de costume, assim como também não há qualquer capítulo ou subcapítulo dedicado à
semântica. Todos os demais capítulos correspondem, cada um, a uma diferente classe
gramatical. As formas de gerúndio e de infinitivo enquadram-se no capítulo Verbo.
A primeira menção às formas nominais ocorre na seção que trata dos modos verbais.
Após listar indicativo, condicional, imperativo, conjuntivo e infinitivo, a autora menciona as
formas nominais, definindo-as como:
São formas nominais dos verbos o infinitivo (impessoal), o gerúndio e o particípio
passado. Distinguem-se dos outros tempos por não exprimirem, por si, nem o tempo
nem o modo. Assim, os valores modal e temporal dependem do contexto em que se
encontram. Chamam-se nominais porque podem desempenhar, de algum modo,
funções equivalentes a nomes. (ARRUDA, 2008, p. 124)
80
Imediatamente a seguir, encontramos a única menção a aspecto na obra:
Aspecto – designa “uma categoria gramatical que manifesta o ponto de vista do qual
o locutor considera a acção expressa pelo verbo”52
. Pode ele considerá-la como
concluída, isto é, observada no seu término, no seu resultado; ou pode considerá-la
como não concluída, ou seja, observada na sua duração, na sua repetição.
(ARRUDA, 2008, p. 124)
A autora não fornece nenhum tipo de exemplo para mostrar como se dá o aspecto em
língua portuguesa, nem mesmo cita quais são os tipos de aspecto. Logo após esse parágrafo, é
iniciada uma nova seção para tratar da categoria Voz, a qual explora com maior detalhe.
Algumas páginas adiante, ainda na seção a respeito do Verbo, a autora abre um subcapítulo
específico sobre as formas nominais, dividido em: gerúndio simples; gerúndio composto;
infinitivo impessoal ou não flexionado; infinitivo pessoal ou flexionado; infinitivo pessoal
composto.
Arruda (2008) descreve tanto o gerúndio como o infinitivo de forma até mais extensa
que nas demais gramáticas estudadas. Curiosamente, porém, apesar de dedicar quatro páginas
inteiras ao tratamento da forma nominal infinitivo, NENHUM dos inúmeros exemplos
fornecidos era precedido da preposição a. Nenhum apresentava valor gerundivo.
Consequentemente, tampouco se mencionou a possibilidade de o infinitivo, quando precedido
da preposição a, indicar uma ação em curso.
A única menção – indireta – à construção a + infinitivo é quando a autora afirma que o
infinitivo impessoal ocorre (sempre, segundo ela) com os seguintes verbos auxiliares: estar a
(por, para), ir (a, para), começar a (por), acabar de (por), deixar de (por, para), poder,
dever, ter de (que). Como vemos, embora na lista haja vários verbos seguidos de preposição
(tal qual estar a), a autora refere-se a eles apenas como “verbos auxiliares”, parecendo ignorar
a presença das preposições e suas diferenças de sentido. Isso é notável ao observarmos, por
exemplo, que construções formadas por estar a / estar por / estar para seguidas de infinitivo
podem produzir efeitos de sentido bastante diferentes em língua portuguesa. Mas tal
possibilidade é ignorada pela autora, que, além disso, também não fornece qualquer exemplo
dessas construções.
O mesmo ocorre com a explanação acerca do gerúndio. A autora lista dez diferentes
usos de gerúndio, que podemos resumir, basicamente, a cinco:
52
Nesse ponto existe uma nota de rodapé indicando que o trecho entre aspas é de autoria de Contad Bureau, em
Dictionaire de la Linguistique, sous la direction de Georges Mounin, Paris, PUFm 1974.
81
1) Substituir uma oração coordenada e exprimir uma ação simultânea:
2) Expressar ideias circunstanciais (tempo, modo, causa, condição e
consequência):
3) Exprimir, junto com o verbo ir, uma ação durativa que se realiza
progressivamente ou a antecipação de uma ação;
4) Junto com o verbo vir, veicular a ideia de ação durativa que se desenvolve aos
poucos em relação à época ou ao momento em que se encontra o emissor;
5) Expressar uma ação que se realizou no passado.
Ela fornece exemplos para cada um desses usos de gerúndio. Em nosso entendimento,
todos eles poderiam ser alternados por a + infinitivo. A autora, porém, não faz qualquer
referência a isso.
Como pudemos perceber a partir da análise dessas gramáticas escolares portuguesas,
com relação ao ensino sobre a categoria ou a noção de aspecto, pouco há de diferente em
relação ao que acontece nas gramáticas escolares brasileiras (conforme vimos em Mothé
(2007) e de acordo com as críticas em Costa (2002) e Travaglia (2007)). Quanto aos usos de
gerúndio e infinitivo, umas são mais detalhas que as outras. Algumas chegam a mostrar
exemplos equiparando construções com a + infinitivo a construções com gerúndio.
Entretanto, mesmo naquelas onde isso ocorre, em nenhum momento chegam a enunciar
explicitamente essa possibilidade de alternância, tampouco mencionam qualquer tipo de
variação diatópica em relação a esses usos em Portugal. Não há menção ao fato de que,
eventualmente, algumas regiões de Portugal possam preferir o uso de gerúndio ao de a +
infinitivo em determinados contextos e nem mesmo há referência ao padrão de uso no Brasil.
Por outro lado, apesar de percebermos em praticamente todas elas a exemplificação do
aspecto progressivo, cursivo por meio de construções (especialmente perifrásticas) com
infinitivo gerundivo, também é verdade que não constatamos existir explicitamente qualquer
tipo de prescrição que desestimule o emprego de gerúndio.
82
2.5 A variação gerúndio x infinitivo gerundivo em trabalhos acadêmicos
Para finalizar este capítulo, em que se propôs relatar o tratamento dado às construções
de gerúndio e de a + infinitivo no português, convém comentarmos o status do estudo sobre a
variação específica entre essas duas formas na esfera acadêmica. Além dos trabalhos de Maler
(1972), de Barbosa (1999), de Menon (2004) e de Mothé (2007), que pesquisaram
quantitativamente a variação gerúndio x infinitivo gerundivo no PB e no PE em diferentes
corpora, buscamos trabalhos sobre o mesmo tema em outros materiais, bem como pesquisas
que eventualmente mencionassem a variação diatópica dentro do território português.
Conforme já mencionamos no capítulo 1 deste trabalho, não encontramos publicações
no âmbito da Sociolinguística histórica de base laboviana acerca do fenômeno aqui estudado.
Identificamos diversas pesquisas na área da dialectologia, vários trabalhos gerativistas, outros
descritivos etc. Todos buscavam dar conta de bem descrever o comportamento de
determinados aspectos relativos ao emprego de construções gerundiais: uns com foco na
sintaxe, outros na semântica, ora a respeito das perífrases de gerúndio, ora das de infinitivo.
Mas nenhum deles sobre a variação entre as duas formas com o foco que aqui propomos: a
distribuição diatópica e diacrônica das duas construções em PE.
Dentre esses trabalhos, citamos, por exemplo, Duarte (1992), Carrilho & Lobo (2012),
Carrilho & Pereira (2011 e 2013), Fiéis & Lobo (2010 e 2011), Lobo (2006 e 2008), Sousa
(2007), Barbosa & Cochofel (2004), Borges Neto & Foltran (2001) e Oliveira, Cunha &
Matos (2001). Evidentemente, tais trabalhos nos serviram de base para reflexões e,
especialmente, para formulação de hipóteses ou, ao menos, para nos indicar “pistas”,
caminhos interessantes para serem investigados que vieram a gerar / nortear os grupos de
fatores de controle sociolinguístico do fenômeno que pesquisamos. Assim, mencionaremos a
maioria desses textos no próximo capítulo, onde descrevermos esses grupos de fatores das
variáveis que controlaremos estatisticamente através do programa Goldvarb. Gostaríamos,
entretanto, de destacar, dentre os demais, dois artigos de Móia & Viotti (2004 e 2004b).
Sendo um dos autores português e a outra brasileira, seus artigos evidenciaram inúmeras
questões pertinentes à análise da variação entre gerúndio x a + infinitivo, que pretendemos
investigar.
83
Em “Diferences and Similarities between European and Brazilian Portuguese in the
use of <<gerúndio>>”, Móia & Viotti (2004) buscam descrever, como o título propõe, as
semelhanças e diferenças entre o PE e o PB no que concerne as estruturas gerundiais. Seu
foco está especialmente sobre dois de seus principais empregos: o chamado gerúndio
perifrástico e o gerúndio adverbial. No trabalho, o corpus do PE é constituído a partir do
corpus Natura-Público, que contém 6,3 milhões de palavras provenientes de jornais
portugueses recentes. Já o corpus do PB é formado pelo material do NILC-São Carlos, que
possui 32 milhões de palavras, oriundas majoritariamente de jornais brasileiros (o restante, de
outras fontes de texto). Além disso, em uma das seções do artigo, os autores também analisam
as mesmas construções gerundiais em textos literários portugueses.
Embora concentrem seu texto em dois dos principais empregos de construções
gerundiais, inicialmente, os autores listam cinco tipos sintáticos e semânticos básicos de
gerúndio no português. São eles:
TIPOS DE
GERÚNDIO USOS EXEMPLOS
Gerúndio
Independente
- É aquele que ocorre em orações
independentes, tais como em alguns
casos de imperativo;
- ou no que os autores chamam de
“capturas fotográficas”.
Andando já para casa!
Mulheres vendendo tapetes no
mercado.53
Gerúndio
Argumental
É o que aparece em uma oração que
funciona como um dos argumentos de
do verbo da oração principal.
A Ana viu [um bicho estranho
cavando a terra].
Aves chocando contra aviões
não é uma situação rara.
Gerúndio
Perifrástico
É aquele que coocorre com os verbos
auxiliares tipicamente chamados de
“verbos aspectuais”.54
O país está mudando.
Já há muito tempo que eu venho
dizendo isso.
Gerúndio
Adnominal
É o que aparece associado ao verbo
principal como modificadores de
nomes (são as orações que
costumamos chamar de relativas /
adjetivas restritivas ou explicativas).55
Foram encontradas várias caixas
contendo documentos secretos.
O timbre da sua voz, fazendo
lembrar Maria Callas, é
impressionante.
53
Em nosso corpus, também constituído por textos jornalísticos, assim como o corpus da pesquisa de Móia &
Viotti, esse tipo de gerúndio se mostrou muito produtivo em títulos de notícias, por exemplo. Apesar disso, não
selecionamos essas ocorrências como dados de nosso trabalho. Foram selecionadas como dados somente as
ocorrências de gerúndio em que havia um período completo, fosse ele simples ou composto, o que, segundo
nosso entendimento, não é o caso do uso em questão.
54
Os autores afirmam que este é um dos usos mais comuns de gerúndio em português.
55
Os autores mencionam que esse uso, como pudemos constatar através das obras citadas nas seções anteriores,
costuma ser condenado pelos gramáticos mais tradicionais, mas, além de bastante produtivo na língua
84
Gerúndio
Adverbial
É aquele que exerce função de
advérbio em relação a um verbo da
oração principal, veiculando
diferentes tipos de informação
circunstancial.
Ana abraçou o Rui, apertando-o
fortemente contra o peito.
[modo]
A Ana cortou a meta em primeiro
lugar, recebendo o prémio de mil
euros. [resultado]
Quadro 8: Tipos sintáticos e semânticos básicos no português, segundo Móia & Viotti (2004)
Conforme veremos no próximo capítulo, todos os tipos de gerúndio mencionados
acima (exceto o gerúndio de “capturas fotográficas”) foram selecionados como dados em
nosso corpus, embora os tenhamos classificado em diferentes grupos de fatores. Quase todos
eles constituem fatores do grupo tipo sintático de oração, com exceção do tipo gerúndio
perifrástico, cuja classificação se encontra no grupo estrutura verbal. Dessa forma, possuímos
dados de gerúndio perifrásticos que são, ao mesmo tempo, adverbiais ou argumentais (orações
substantivas), por exemplo. Entendemos que ser um gerúndio perifrástico não exclui a
possibilidade de corresponder a uma classificação sintática x. O que temos nesses casos, na
verdade, são diferentes critérios de classificação. De qualquer forma, explicitaremos com
maior detalhe cada um desses casos no capítulo 3.
Segundo Móia & Viotti (2004), uma das diferenças mais notórias entre o PB e o PE
moderno – pelo menos no que diz respeito à fala na região de Lisboa hoje em dia, de acordo
com eles – é justamente o fato de o PE preferir construções infinitivas, geralmente precedidas
da preposição a (ou por, em alguns casos, segundo eles) em muitos contextos em que no PB
se usa preferencialmente o gerúndio. De acordo com os autores, a preferência pelas estruturas
com infinitivo preposicionado no PE moderno afeta todos os cinco tipos de gerúndio listados
acima por eles. A esse respeito, porém, eles acrescentam uma nota de rodapé, onde se lê:
Em algumas regiões de Portugal (por exemplo, o Alentejo e o Algarve), o uso de
gerúndio em contextos de tipo relevante é muito comum. Além disso, muitos autores
clássicos portugueses, como Júlio Dinis, Eça de Queirós ou Camilo Castelo Branco
usam amplamente o gerúndio em estruturas nas quais o PE moderno prefere o
infinitivo: [...] Para efeito de simplificação, ignoraremos a variação dialetal e/ou
histórica a partir daqui. (MÓIA & VIOTTI, 2004, p. 115, tradução e grifos
nossos)56
portuguesa, também tal estrutura com gerúndio é, inclusive, intercambiável por a + infinitivo no PE, conforme
veremos a seguir em exemplos do nosso corpus.
56
In some areas of Portugal (e. g. the Alentejo and the Algarve), the use of the <<gerúndio>> in the relevant
type of contexts is very common. Also, many classical Portuguese authors, like Júlio Dinis, Eça de Queirós or
Camilo Castelo Branco, widely use the <<gerúndio>> in structures where modern standard EP prefers the
85
A nota acima nos confirma que os autores têm ciência da variação dialetal e histórica
entre as duas formas gerundiais em questão, mas, apesar disso, afirmam que não considerarão
tais variações em seu trabalho, exatamente o oposto do que pretendemos no nosso.
Outro fato que precisa ser destacado diz respeito a uma observação feita pelos autores
segundo a qual nem todos os tipos de gerúndio variam livremente com o infinitivo
preposicionado. Essa informação parece contraditória, uma vez que, pouco antes, conforme
citamos, os autores afirmaram que – salvo nos casos de variação dialetal – o PE moderno
tende a preferir as construções de infinitivo preposicionado ao gerúndio em todos os cinco
usos citados. Já nesse outro ponto do texto, porém, de acordo com eles, as estruturas de
gerúndio adnominal, como o exemplo Foram encontradas várias caixas contendo
documentos secretos., não ocorrem com infinitivo gerundivo. Contudo, mesmo esse tipo de
oração gerundial, as quais costumamos classificar como orações adjetivas restritivas, também
ocorrem com infinitivo gerundivo no PE, conforme podemos verificar nos exemplos abaixo:
TURISTAS APANHADOS DE SURPRESA PELO S. JOÃO. É ESTA A
CIDADE DO <<PORT WINE>>?. Nas esplanadas, alinhavam-se já
as cadeiras nas barracas, dava-se uma refrescadela aos manjericos a
desmaiar ao pé.
(Dado 593 Norte, 24 jun 1983)
O ESPETÁCULO DO ORFEÃO DE TAVIRA FOI UM ÊXITO. [...] As
<<Rosas de todo o ano>> do Dr. Júlio Dantas tiveram em Olga
Soares uma <<Soror Inês>>a merecer boa nota.
(Dado 240 Algarve, 05 jun 1955)
Em seguida, depois de apresentar brevemente esses cinco tipos de uso de gerúndio, os
autores concentram-se na análise específica do gerúndio perifrástico e do gerúndio adverbial.
Sobre o gerúndio perifrástico, Móia & Viotti (2004) apresentam informações
quantitativas acerca do emprego de gerúndio e de infinitivo gerundivo com o auxiliar estar
nos seus corpora do PB e do PE. Segundo eles, nesse contexto, menos de 1% das ocorrências
é com gerúndio no PE (27 dados com gerúndio x 4.231 dados com estar + a + infinitivo); ao
passo que, no PB, ocorre exatamente o oposto: 99% de uso de gerúndio (36.964 dados com
gerúndio x 152 dados com estar + a + infinitivo).
infinitive: […]. For the sake of simplicity, we will ignore dialectal and/or historical variance henceforth. (MÓIA
& VIOTTI, 2004, p. 151)
86
Além desses resultados com o auxiliar estar, os autores destacam novamente que
“muitos outros verbos auxiliares ou expressões predicativas complexas – embora não todas,
como veremos adiante – apresentam uma tendência similar, isto é, um uso predominante de
infinitivo no PE e de gerúndio no PB” (2004, p. 116, grifo nosso). Ou seja, embora
mencionem a tendência do PE ao uso de infinitivo nas construções gerundiais, eles voltam a
afirmar que isso não ocorre em todos os contextos perifrásticos.
A partir daí, Móia & Viotti passam a descrever os demais verbos que costumam
formar perífrases com gerúndio no português. Os autores organizam a sequência do artigo
sempre relacionando as construções perifrásticas aos contrastes de usos no PB e no PE.
Assim, com base em suas considerações, construímos o quadro a seguir:
VARIAÇÃO PERÍFRASE EXEMPLOS
PE = preferência ao uso de
a+ infinitivo
x
PB = preferência ao uso de
gerúndio
Andar + gerúndio /
a + infinitivo
Há quem ande a pensar montar
uns bares e uma discoteca no
Castelo de Ourém [...]. [PE]
[...] eu próprio fiz uma
instalação e andei pensando em
me habilitar à Bienal. [PB]
Ficar + gerúndio /
a + infinitivo
Fica a conhecer um dos mais
originais ficcionistas
portugueses do século XX. [PE]
É no Carnaval que a gente fica
conhecendo o Brasil. [PB]
Passar a vida +
gerúndio / a + infinitivo
Totó passa a vida a remoer a
sua desgraça [...].[PE]
Cigano é um povo que passa a
vida viajando e é chamado de
nômade. [PB]
Começar + gerúndio /
por + infinitivo57
Os trabalhadores começaram
por reivindicar 12 por cento de
aumentos [...]. [PE]
A imprensa começou nomeando
José Serra, desistiu dele e
escolheu Edmar Bacha [...] [PB]
“Variação livre”
(tanto no PE quanto no PB)
Continuar + gerúndio /
a + infinitivo
Portugal deve continuar a
defender a aplicação das
resoluções [...]. [PE]
Hamlet, apesar da prova obtida
57
Convém ressaltar que, nessa perífrase, o gerúndio se alterna com infinitivo precedido da preposição por, e não
a. Nesse caso, a construção infinitiva não possui valor gerundial. Apesar disso, embora não tenha sido
mencionada pelos autores, entendemos que também é possível a construção começar + a + infinitivo.
87
[...], continua hesitando. [PB]
Acabar + gerúndio /
a + infinitivo
[...] ao quilo numa feira
acabaram por provocar uma
cena rocambolesca [...]. [PE]
Esta substância impermeabiliza
as células e acaba provocando a
sua morte. [PB]
Só ocorre com gerúndio
(tanto no PE quanto no PB) Ir + gerúndio
[...] e a forma com o é resolvido
influencia a personalidade que
se vai moldando. [PE]
Ele vai moldando a imagem de
um político estável, capaz de
enfrentar [...]. [PB]
Só ocorre com infinitivo + a
(tanto no PE quanto no PB)58
Vir + a + infinitivo
O primeiro ministro [...] excluiu
há dias a possibilidade de vir a
remodelar o seu Governo.
Começar + a +
infinitivo
[...] ao fim da tarde, quando o
frio começa a queimar as mãos.
Chegar + a + infinitivo Mas o presidente chegou a
pensar em desistir da reeleição.
Voltar / tornar + a +
infinitivo
Aos 21 min, porém, a defesa
voltou a falhar.
Tornaram a casar m 1989,
quando ambos já eram famosos.
Passar + a + infinitivo São Paulo passa a estar
conectada às
Pôr-se + a + infinitivo
Ultimamente, [...] até os
pragmáticos [...] se puseram a
chorar sobre os valores
patrióticos derramados...
Estruturas típicas do PB
(Só ocorrem no PB,
tanto com gerúndio
quanto com infinitivo)
Viver + gerúndio /
a + infinitivo
Seus donos são dois irmãos que
vivem brigando e não param de
comer.
Viviam a captar no céu
presságios horripilantes como
pragas, pestes, guerras e
moléstias afins.
Terminar + gerúndio /
por + infinitivo59
O resultado prático é que cada
um termina comprando aquilo
que já desejava antes.
Eu não falava uma palavra de
58
Convém destacar que todos os casos relacionados pelos autores como perífrases possíveis de ocorrer somente
por meio da construção a + infinitivo não constituem, em nosso entendimento, construções gerundivas e, sendo
assim, não selecionamos para nossa análise ocorrências desse tipo de perífrase em nosso corpus.
59
Convém ressaltar que, nessa perífrase, o gerúndio se alterna com infinitivo precedido da preposição por, e não
a. Nesse caso, a construção infinitiva não possui valor gerundial.
88
português, mas um rapaz
brasileiro terminou por
entender o que eu queria [...].
Estar + gerúndio de um
verbo estativo do tipo
saber ou poder
Quem não assistiu à cerimônia
[...] não está sabendo: [...]
Durante esta semana, o público
em Bauru está podendo ver
apresentações de balé e teatro.
Estar + gerúndio
(Gerundismo)60
Eu vou estar resolvendo o seu
problema ainda hoje.
Estruturas típicas do PE
(Só ocorrem no PE,
tanto com gerúndio
quanto com infinitivo)
Ir + gerúndio
(com ideia temporal
gradual com verbos
estativos)
[...] as contratações de pilotos e
os treinos das equipas já vão
sendo notícia [...].
Ter vindo a +
infinitivo61
As relações com os Estados
Unidos têm vindo a melhorar.
Quadro 9: Gerúndio perifrástico no PB e no PE, segundo Móia & Viotti (2004)
Julgamos pertinente comentar a construção continuar + gerúndio / a + infinitivo,
citada pelos autores como um caso de “livre variação”, de comportamento semelhante tanto
no PE quanto no PB. A respeito dessa construção, os autores só mencionam os dados
quantitativos do corpus do PB, informando que houve 3.951 dados de continuar + gerúndio x
1.401 dados de continuar + a + infinitivo, ou seja, mesmo com o verbo continuar sendo
regido pela preposição a, na variante que, em geral, privilegia o emprego de gerúndio, o
semiauxiliar continuar acaba também selecionando um verbo principal no gerúndio e não a
estrutura a + infinitivo, apesar de sua regência. Convém verificar se o mesmo ocorre nos
nossos dados do PE, ou seja, constatar se, por preferir, em geral, o uso de a + infinitivo, o PE
tende a usar mais continuar + a + infinitivo. Voltaremos a discutir ocorrências com essa
construção no próximo capítulo, quando descrevermos o grupo estrutura verbal.
É importante destacar também que, embora os autores façam menção inúmeras vezes a
“infinitivo preposicionado”, eles jamais usam o termo “infinitivo gerundivo”. Essa
observação é relevante, pois muitas das construções perifrásticas arroladas por eles como
60
Os autores descrevem essa estrutura como “o verbo auxiliar ocorre tipicamente em uma forma perifrástica que
indica futuro e a construção inteira carrega um estigma de baixo comprometimento de uma entidade com o
enunciado” (2004, p. 123). A partir dessa descrição e dos exemplos, inferimos que se trata da construção que se
convencionou chamar de gerundismo no PB, embora os autores não citem esse termo em nenhum momento.
61
Segundo os autores, enquanto os portugueses preferem a construção ter vindo a + infinitivo, os brasileiros
costumam usar em seu lugar a construção vir + gerúndio. (Ex.: As relações com os Estados Unidos vêm
melhorando.).
89
possíveis de ocorrer tanto no gerúndio quanto no infinitivo não nos pareciam,
necessariamente, veiculadoras de ideia gerundial, progressiva. Os autores não relacionam
nominalmente as construções a seus respectivos valores aspectuais, apenas descrevem-nas
quanto à forma e ao uso (inclusive semântico). Mas, apesar de não empregarem as
nomenclaturas da maioria dos textos sobre aspecto, muitas vezes, percebemos haver ideias
iterativas, incoativas ou cessativas, por exemplo. Os casos em que observamos não haver
valor de “ação em curso” foram comentados nas notas de rodapé desta seção conforme foram
sendo mencionadas no quadro acima.
Como se pode constatar, o trabalho de Móia & Viotti não tem o objetivo de mostrar a
variação histórica diacronicamente entre gerúndio e infinitivo gerundivo. Na verdade, as
construções com infinitivo preposicionado citadas nem sempre são efetivamente gerundivas,
conforme acabamos de mencionar. O trabalho demonstra, contudo, uma forte preocupação
com a descrição sintática e semântica das construções com gerúndio no PB em oposição ao
PE, bem como com a informação de alguns valores quantitativos (em números percentuais e
absolutos) de ocorrências dessas construções em seus corpora. Os autores procuram dar conta
de descrever a variação entre duas variedades nacionais do português, assim como fizemos
em Mothé (2007). Sendo assim, apesar das diferenças citadas, dentre os trabalhos
encontrados, é aquele que mais se assemelha à natureza de nossa pesquisa.
Com relação à segunda parte de seu artigo, em que se dedicam à análise das orações
gerundivas adverbiais, bem como ao outro artigo da dupla luso-brasileira de autores, (MÓIA;
VIOTTI, 2004b), intitulado “Sobre a semântica das orações gerundivas adverbiais”,
voltaremos a citá-los no próximo capítulo, ao descrevermos o grupo de fatores tipo semântico
de oração, no item 3.2.11.
Ainda em Móia & Viotti (2004), os autores concluem o seguinte acerca das
semelhanças e diferenças no PB e no PE:
De maneira geral, podemos dizer que o uso do «gerúndio» é bastante semelhante no
Português Europeu e no Brasileiro. Com efeito, essa forma verbal ocorre nos
mesmos (cinco) principais contextos sintáticos e pode estar associado aos mesmos
valores semânticos interproposicionais – por exemplo, temporal, de elaboração,
causal, instrumental, condicional ou contrastivo –, quando usado de forma adverbial.
[ ...]
O mais impressionante é a diferença entre PE e PB que diz respeito ao fato de que,
em (pelo menos algumas variantes do) PE, o «gerúndio» tende a cair em desuso
depois de alguns verbos auxiliares aspectuais, tais como estar ou andar, ou em
orações adverbiais gerundivas que envolvem a sobreposição temporal de ações, por
exemplo. Por serem construções muito comuns, o impacto deste tipo de variação
entre PE e PB torna-se consideravelmente perceptível. Como foi mencionado
90
brevemente, o fenômeno parece ser sujeito a considerações dialetais e históricas
que não poderiam ser exploradas neste artigo (embora tenhamos notado, por
exemplo, que autores clássicos portugueses usam o «gerúndio» em contextos em que
raramente são encontrados em jornais do PE moderno). Além disso, a tendência a
abandonar o «gerúndio» revela algumas regularidades – por exemplo,
restrições temporais e aspectuais –, mas também evidencia algumas
assimetrias, típicas de fenômenos que não se estabilizaram totalmente. Isso é,
em particular, evidente no caso do «gerúndio» perifrástico, em que verbos que
pertencem a uma mesma família sintática e semântica parecem comportar-se de
maneira diferente. (MÓIA & VIOTTI, 2004, p. 138, tradução e grifos nossos)62
Mais uma vez, os autores mencionam a variação dialetal e histórica do fenômeno que
aqui nos propusemos a analisar. Segundo Móia & Viotti (2004), a variação ainda está em
curso no PE. De fato, aparentemente não vemos contextos onde seja absolutamente categórico
o uso de uma ou outra de nossas variantes no PE, o que configura a variação. Procuraremos
observar tal processo de maneira mais concreta em nosso corpus. Ademais, os autores
reconhecem haver regularidades e irregularidades nessa variação, o que é bastante
característico de fenômenos variáveis morfossintáticos, uma vez que sabemos que as
mudanças linguísticas desse tipo não ocorrem de forma abrupta.
Além do que acabamos de expor, também vale aqui o que Simões (2007) concluiu
acerca da revisão bibliográfica de seu trabalho sobre as orações gerundivas:
A partir do que se leu acima sobre as descrições do gerúndio no português percebe-
se que essas classificações levam em conta propriedades sintáticas, semânticas e
discursivas dessa forma nominal do verbo. Muitas vezes, trata-se de descrições
imbricadas que ora estão orientadas pelas propriedades sintáticas, ora pelos traços
semânticos, e outras vezes pelas funções discursivas que o gerúndio pode apresentar.
Embora sejam contribuições de muita valia para o entendimento do gerúndio no
português, seria necessário separar estes argumentos conforme as propriedades
específicas que são ativas, reativadas e desativadas em cada um dos sistemas da
língua, a fim de verificar como se organizam os vários usos do gerúndio. (SIMÕES,
2007, p. 120)
62
Overall, we can say that the use of the «gerúndio» is fairly similar in European and Brazilian Portuguese. In
fact, this verb form occurs in the same (five) major types of syntactic environment and may be associated with
the same interpropositional semantic values – e.g. temporal, elaborative, causal, instrumental, conditional or
contrastive –, when used adverbially.
[…]
More striking is the difference between EP and BP which amounts to the fact that, in (at least some variants of)
EP, the «gerúndio» tends to fall into disuse after some auxiliary aspectual verbs, like estar or andar, or in
adverbial gerundive clauses that involve temporal overlapping of activities, for instance. Given the very common
status of these constructions, the impact of this sort of variation between EP and BP becomes considerably
perceptible. As was briefly mentioned, the phenomenon seems to be subject to historical and dialectal
considerations that could not be explored in this paper (though we noted, for instance, that Portuguese classical
authors use the «gerúndio» in contexts that are seldom found in modern EP newspapers). Furthermore, the
tendency to abandon the «gerúndio» shows some regularities – e.g. temporal and aspectual restrictions –, but
evinces some asymmetries as well, typical of phenomena that have not completely stabilized. This is particularly
evident in the case of the periphrastic «gerúndio», where verbs within the same syntactic and semantic family
seem to behave differently. (MÓIA & VIOTTI, 2004, p. 138)
91
Diante do exposto, no próximo capítulo deste trabalho, descreveremos a metodologia
de nossa pesquisa mediante a qual controlaremos, separadamente, grupos de fatores de
naturezas diversas, sejam morfológicas, sintáticas, semânticas e textuais de modo a tentar
observar como se comportam as estruturas gerundiais empregadas no nosso corpus do
Português Europeu.
3. METODOLOGIA
3.1 Do levantamento do corpus
Em minha dissertação de mestrado, utilizei um corpus já pronto e editado, o corpus do
Projeto de Variação Contrastiva do Português (Projeto VARPORT) (BRANDÃO; MOTA,
2002). Poder contar com esse corpus que já reunia amostras do Português Brasileiro e do
Português Europeu escrito e falado divididas em fases dos séculos XIX e XX (em diacronia)
foi imprescindível para minha pesquisa àquela altura. Não fosse por esses textos orais e
escritos já disponíveis na página do projeto, ainda teria de percorrer uma etapa, em geral,
muito longa e cansativa do processo de uma pesquisa científica: o levantamento do corpus de
análise.
Sabemos que um corpus bem montado e editado é de suma importância para qualquer
pesquisa, em especial em Linguística Histórica, que, segundo já dizia Labov (1982), “é a arte
de fazer o melhor uso de maus dados”. O fenômeno por mim estudado na pesquisa de
mestrado visava analisar uma variação entre o Português no Brasil e em Portugal, logo, era
mais do que necessário que fossem contrastados diacronicamente dados das duas localidades.
Por isso, em Mothé (2007), levantei dados de gerúndio e de infinitivo gerundivo de anúncios,
editoriais e notícias de jornais brasileiros e portugueses dos séculos XIX e XX bem como de
dados de língua oral culta e popular das décadas de 1970 e 1990 dos dois países. Isso significa
que, para aquela pesquisa, utilizei todo o corpus do Projeto VARPORT.
Já para a pesquisa que desenvolvi durante o curso de doutorado para produzir este
trabalho, assumi o desafio de também levantar novos corpora que, futuramente, ainda
poderão ser úteis a novos pesquisadores. Parti, então, para o “garimpo” nas bibliotecas e
arquivos, para a referida tarefa “longa e cansativa”.
Como mencionado antes, minha atual pesquisa tem como principal objetivo,
basicamente, verificar o avanço do infinitivo gerundivo nas diferentes regiões de Portugal,
procurando ratificar ou não – ao alcance dos nossos dados – o que fora dito por Celso Cunha
(entre outros) ao afirmar que o Algarve, o Alentejo e os Açores seriam redutos ainda hoje, em
Portugal, da forma nominal gerúndio predominantemente (ao menos até a década de 1980,
quando seu texto foi escrito). Conforme já exposto no capítulo 1, temos por hipótese que tal
93
tendência conservadora ao uso de gerúndio não se mantém nem mesmo no Alentejo, região
considerada um reduto da variante gerúndio.
Entretanto, embora essa característica linguística conservadora do Alentejo, do
Algarve e dos Açores (especialmente do Alentejo) quanto ao uso de gerúndio, como se viu no
capítulo 1, seja, de certa forma, conhecida pelos portugueses de maneira geral, linguistas ou
não, de acordo com a pesquisa bibliográfica realizada, não existem trabalhos na área de
Sociolinguística Histórica em Portugal sobre o avanço diacrônico do infinitivo gerundivo no
país que possam corroborar esse padrão. Existem trabalhos descritivos, trabalhos na área de
dialectologia (como é o caso dos trabalhos com base no corpus CORDIAL-SIN, Corpus
Dialetal para o Estudo da Sintaxe, que congrega o material dos corpora de projetos de 1998,
1999, 2002 e 2006 do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa), trabalhos
sincrônicos, sobre a origem do infinitivo gerundivo no Português etc. Mas não foram
encontrados trabalhos contrastando diatópica e diacronicamente, em terras lusas, as duas
variantes em foco. Portanto, não se sabe se, de fato, quantitativamente, essas regiões ainda se
mantêm resistentes ao avanço de infinitivo gerundivo como se costuma afirmar.
Trabalhos de dialectologia encontrados (CARRILHO; PEREIRA, 2011 e 2013), que
usaram como corpus o material do CORDIAL-SIN, chegaram a mostrar geograficamente, no
território português, onde existem ocorrências de estruturas perifrásticas compostas por verbo
auxiliar ESTAR + gerúndio.
Mapa 1: Distribuição de estar aspectual seguido de gerúndio no CORDIAL-SIN, segundo Carrilho &
Pereira (2011 e 2013)
94
O mapa produzido na pesquisa citada mostra que, mesmo com dados recentes (entre
1998 e 2006), de fato, o gerúndio só ocorreu nas regiões já costumeiramente mencionadas
pelos autores como redutos do gerúndio. Entretanto, não se sabe se a proporção de uso de
gerúndio em relação ao infinitivo gerundivo continua a mesma ou se tem diminuído nem em
que contextos a conservação se dá com maior vigor.
Como minha pesquisa se propõe diacrônica, far-se-ia necessário obter dados do
Português Europeu que me permitissem observar a distribuição do uso de gerúndio e de
infinitivo gerundivo em Portugal ao longo do tempo – no caso, ao longo do século XX, o
recorte de tempo que desejava investigar. Dessa forma, o primeiro passo seria buscar uma
maneira objetiva de dividir o território lusitano em áreas onde pudesse analisar tal avanço
com maior clareza.
Inicialmente, objetivávamos analisar os dados contrastando regiões semelhantes à
divisão brasileira em regiões (Norte, Nordeste, Centro-oeste, Sudeste, Sul), que seria a
chamada divisão em 1º nível do território nacional. Entretanto, verificamos que, embora as
divisões em 2º e 3º níveis sejam bem definidas em Portugal (em distritos e freguesias,
equivalentes aos nossos estados e municípios, respectivamente), a divisão em 1º nível inexiste
oficialmente.
Já houve diferentes regiões administrativas em Portugal ao longo da história. Existia
uma até o início do século XIX, depois outra a partir de 1832 (após a Revolução Liberal) e,
finalmente, uma divisão de 1936, instituída pelo Estado Novo na Constituição de 1933,
baseada nos estudos publicados de 1927 a 1930 por um geógrafo da época. As divisões
correspondiam às chamadas províncias, mas, oficialmente, as províncias foram extintas na
Constituição de 1976, que prevê a criação de novas, o que ainda não foi feito. Portanto, todas
essas divisões do território luso disponíveis ainda hoje são, oficialmente, consideradas
obsoletas. Até recentemente, os manuais escolares ainda apresentavam a divisão em 11
províncias, de 1936 e, por isso, essa é a referência de divisão territorial em 1º nível que
muitos portugueses têm para si.
A única divisão geográfica oficial em Portugal atualmente é a que divide o país em 18
distritos (equivalentes ao que chamamos de “estados” no Brasil). E, embora isso ainda não
tenha sido feito, a Constituição Portuguesa de 1976 (em vigor ainda hoje) prevê que o país
seja re-dividido em regiões administrativas. Existe, em Portugal, muita discussão sobre como
fazer oficialmente, de forma justa, a nova divisão interna em 1º nível, tendo sido inclusive já
95
realizado um referendo a esse respeito em 1997. A charge abaixo, retirada da edição de 15 de
abril de 1996 do jornal Diário de Notícias, que faz parte do corpus da presente pesquisa,
ilustra bem a forma como os portugueses, especialmente os do interior, receberam a proposta
de divisão.
Charge 3: Regionalização de Portugal – Centro x Interior (DN, 15/04/1996)
Mesmo antes de ler as falas da charge, a partir da indumentária dos personagens, é
possível inferir que estes são interioranos, não habitam os centros urbanos de Portugal. Ao
lermos, constatamos serem alentejanos. Verificamos, então, uma situação em que, ao se
darem conta de que estão em minoria em relação à população da grande Lisboa, os
personagens desconfiam de que serão prejudicados com o resultado do referendo. Isso é
evidenciado pela última fala “Estamos tramados”, que significa, no uso popular do Português
Europeu, segundo o Dicionário mobile da Língua Portuguesa, da Porto Editora (2011), “estar
prejudicado”, “estar aflito por não ter solução para um problema”. Ou seja, fica explícito quão
temerosos os alentejanos estavam do resultado do referendo.
96
Talvez como consequência dessa desconfiança quanto à representatividade do
referendo, menos de 50% da população do país compareceu às votações. Assim, o referendo –
que propunha uma divisão em oito regiões administrativas – não teve validade legal. Logo,
ficamos sem uma divisão geográfica oficial do país para uso na pesquisa.
É verdade, contudo, que, para uma pesquisa sociolinguística, não é preciso,
necessariamente, nos ater a uma divisão geográfica / política, mas sim a uma divisão social /
populacional / linguística. Uma decisão metodológica precisou ser tomada e optamos aqui
pela da divisão em NUTS (Nomenclatura de Unidades Territoriais para Fins Estatísticos), que
é a classificação usada em todos os países membros da União Europeia. A comissão da União
Europeia procura agrupar os territórios de acordo com as classificações pré-existentes de cada
país e respeitando o número de habitantes.
Segundo a divisão em NUTS (SUBDIVISÕES DE PORTUGAL, 2013), teríamos o
seguinte quadro populacional em Portugal:
POSIÇÃO NOME POPULAÇÃO PERCENTAGEM DENSIDADE
1 Região Norte 3 818 722 35,9% 178 h/km²63
2 Região de Lisboa 2 808 414 26,4% 948 h/km²
3 Região Centro 2 348 453 22,1% 83 h/km²
4 Região do Alentejo 776 339 7,3% 25 h/km²
5 Região do Algarve 395 208 3,7% 79 h/km²
6 Região Autônoma da Madeira 245 012 2,3% 308 h/km²
7 Região Autônoma dos Açores 244 006 2,3% 105 h/km²
TOTAL 10 636 154 100% 112,3 h/km²
Tabela 1: Distribuição populacional de Portugal em NUTS
Para esta pesquisa, era importante que a divisão regional – seja ela qual fosse –
mantivesse separadas as regiões apontadas como conservadoras quanto ao uso do gerúndio
(ou seja, Alentejo, Algarve e Açores), assim como seria interessante observar separadamente
a região de Lisboa (capital e maior metrópole do país) e a região Norte, como principal ponto
de oposição em relação às regiões ao sul do país, mais conservadoras, conforme mostrado no
mapa 1. Sendo assim, a divisão em NUTS mantinha todas essas divisões previstas em nossas
hipóteses e acrescentava ainda a região Centro, que nos servirá a um outro propósito,
conforme veremos mais adiante. Por isso e por ser mais abrangente que a divisão em distritos,
63
Habitantes por quilômetro quadrado.
97
acreditamos que a divisão em NUTS seja boa para usarmos na pesquisa (ao menos por
enquanto). Além disso, é a divisão que tem sido usada para fazer as estatísticas geográficas do
país, inclusive o último Censo, de 2011 (INSTITUTO NACIONAL DE ESTATÍSTICA,
2011).
Abaixo, podem-se observar dois mapas do território de Portugal Continental. No
primeiro, vemos a divisão em NUTS II adotada para este trabalho e, em seguida, um mapa
com as divisões dos distritos, mostrando que estes são agrupados praticamente da mesma
forma como previsto na divisão em NUTS II.
Mapa 2: Divisão geográfica de Portugal Continental em NUTS II (divisão adotada para a vertente
diatópica deste trabalho)
98
Mapa 3: Divisão geográfica de Portugal Continental em seus 18 distritos e respectivas regiões
99
Uma vez decididas quais as regiões de onde seriam levantadas as fontes primárias, foi
necessário decidir quais seriam os gêneros textuais da pesquisa e quais os recortes no tempo
para a investigação diacrônica. Em minha dissertação de mestrado (Mothé, 2007), tive,
conforme já mencionado, um corpus de textos escritos constituído por anúncios, editoriais e
notícias dos séculos XIX e XX. Ao submeter os dados desse material ao programa estatístico
de cálculo de pesos relativos Goldvarb, foi observado que a frequência de uso do infinitivo
gerundivo em Portugal se mostrou muito semelhante nos três gêneros textuais jornalísticos
estudados, sendo levemente menos frequente nos anúncios. Em contrapartida, com relação ao
fator tempo, vimos que o avanço do infinitivo gerundivo se deu – naqueles dados – a partir de
meados do século XX.
Sendo assim, já que, aparentemente, ao menos ao alcance daqueles dados, o aumento
do uso da construção gerundial com infinitivo pareceu ser indiferente aos gêneros antes
estudados, decidimos concentrar a atual pesquisa em apenas um dos gêneros textuais
jornalísticos em questão: as notícias. Além disso, foi decidido investigar com maior detalhe
períodos de tempo mais curtos que os do Projeto VARPORT dentro do século XX. No Projeto
VARPORT, o século XX estava dividido em cinco fases (1901-1924; 1925-1949; 1950-1960;
1961-1974; e 1975-2000). Decidimos que, agora, o recorte temporal seria década a década do
século passado.
Para fins de melhor recorte dos dados, focamos nossa pesquisa no território de
Portugal Continental (Norte, Lisboa, Centro, Alentejo e Algarve). Dessas regiões, foram
levantados dados das dez décadas do século XX, para que pudessem ser observados em maior
detalhe. Além disso, por também ser considerado conservador quanto ao uso do gerúndio,
constituímos um corpus de fontes primárias e levantei dados a partir dos mesmos do
arquipélago dos Açores. Entretanto, por serem mais escassas as fontes dessa localidade,
levantei dados dos Açores somente de quatro recortes no tempo: décadas de 1900, 1930, 1960
e 1990.
É possível que se questione o uso de um corpus formado por textos de jornais para
uma pesquisa Sociolinguística. Tal questionamento surge porque os textos jornalísticos, em
geral, não são tão transparentes às variações linguísticas – particularmente as da fala – quanto
se deseja observar. De fato, tal suposição é pertinente em certa medida. Sabemos que as
mudanças linguísticas em geral ocorrem primeiramente na fala para depois – muitas vezes,
muito tempo depois – aparecerem na escrita. Além disso, ainda há de se considerar que,
dentre os gêneros textuais escritos, os gêneros jornalísticos costumam conservar um registro
100
considerado formal, na maioria dos casos, o que os afastaria do “sonho de consumo do
investigador em linguística histórica” (BARBOSA, 2005, p. 28), que seriam os textos mais
transparentes aos usos gerais da fala. Para constatar isso, basta que pensemos, hoje, no jornal
mais popular em circulação em uma dada sociedade. Para os moradores da cidade do Rio de
Janeiro no ano de 2014, por exemplo, é possível imaginar o jornal Meia Hora. Quem tem
acesso aos textos do Meia Hora reconhece que tal periódico usa língua escrita informal
visando a alcançar as camadas mais populares da sociedade, público-alvo dessa publicação.
Entretanto, ainda que considerado extremamente informal e popular – especialmente
quando comparado a outros jornais –, a linguagem do Meia Hora não é capaz de transparecer
grande parte das variações que ocorrem na fala informal dos leitores de baixa escolaridade do
jornal em questão e tampouco retrata os desvios à norma culta padrão presentes na fala não
vigiada – e até na escrita – desses mesmos leitores. Para citar um exemplo concreto, pode-se
mencionar o apagamento do fonema [s] indicativo de plural nos sintagmas nominais. O uso
do fonema [s] indicativo de plural somente no elemento mais à esquerda do sintagma, no
caso, o artigo, tem sido bastante comum no Português Brasileiro, inclusive na fala informal de
informantes de escolaridade não tão baixa quanto o suposto público-alvo do Meia Hora (em
sua maioria, as classes D e E). Trata-se da variação que existe em sintagmas como “os
meninos bonitos”, frequentemente realizados como “os meninoø bonitoø”, conforme atestam
inúmeros trabalhos acadêmicos sobre o tema (SCHERRE, 1994; SCHERRE; NARO, 1998;
CRISTÓFARO-SILVA; ALMEIDA; GUEDRI, 2008). Apesar disso, porém, se
constituíssemos um corpus de uma pesquisa linguística a partir dos textos do jornal Meia
Hora, dificilmente encontraríamos esse fenômeno nas amostras de língua desse corpus.
Sendo assim, pode-se questionar a validade de resultados de pesquisas
sociolinguísticas realizadas com corpora de textos jornalísticos. Todavia, algumas
considerações devem ser feitas a esse respeito. Em primeiro lugar, deve-se ter em mente que
se trata de uma pesquisa de Sociolinguística HISTÓRICA cujo objetivo é analisar amostras de
língua em diacronia desde o início do século passado. Idealmente, qualquer linguista desejaria
utilizar um corpus de língua falada controlado com cuidados metodológicos da
Sociolinguística contemporânea, usando questionários elaborados especificamente para
observar um determinado fenômeno variável na língua de uma comunidade x. Voltamos,
porém, ao ponto crucial já evidenciado por Labov nos primórdios da Sociolinguística
Histórica: nossa ciência “é a arte de fazer bom uso de maus dados”. É evidente, como se sabe,
que é inviável conseguir um corpus de textos orais de recortes no tempo do início do século
XX.
101
Contudo, isso não inviabiliza a produção de ciência em Linguística Histórica de
sincronias de um tempo quando não havia registros de textos orais. O que o linguista deve ter
– além do cuidado metodológico para constituição e tratamento do corpus – é o cuidado na
divulgação dos resultados de sua pesquisa. Voltemos ao exemplo de uma suposta pesquisa
linguística sobre o apagamento do [s] plural nos sintagmas nominais com textos do jornal
Meia Hora como corpus. Caso fosse, de fato, constatada a inexistência do fenômeno no
corpus em questão, o linguista não poderia afirmar que o fenômeno estudado não existe na
língua portuguesa. No máximo, ele poderia afirmar, por exemplo, que naquele corpus,
naqueles dados, naquele determinado gênero textual, o fenômeno em foco não ocorreu,
sinalizando, talvez, por exemplo, que, embora seja frequente na fala informal, em textos
escritos, nos gêneros textuais jornalísticos x, da imprensa carioca considerada informal, o
fenômeno não ocorre. Ou seja, queremos salientar que temos consciência dos limites do
corpus que nos propusemos a analisar e temos ciência de que quaisquer generalizações sobre
o passado ou o futuro da língua portuguesa – escrita e, sobretudo, falada – como um todo
seriam levianas. Ao contrário, pretende-se com este trabalho contribuir com mais um pequeno
tijolo para construção da história da língua portuguesa, que há de ser contada ao longo do
tempo com a colaboração de inúmeros cientistas, inúmeras pesquisas realizadas por aqueles,
aquém ou além-mar, que se interessam pela história do nosso idioma.
Além disso, embora tenhamos ciência desse necessário cuidado metodológico, existe
uma característica do fenômeno aqui estudado que o diferencia amplamente do fenômeno
mencionado como exemplo, acima, o apagamento de [s] plural: o grau de controle dos
falantes quanto à variação. Apesar de ser considerado, até pelo português leigo, como uma
marca do dialeto alentejano, por exemplo, o uso do gerúndio não é considerado um “erro”, um
“desvio à norma culta padrão” como o é o apagamento do [s] plural. Usar gerúndio ou
infinitivo gerundivo é encarado, no máximo, como uma marca regional, ou como um tipo de
brasileirismo em Portugal. Não possui o mesmo estigma que a não realização do [s] plural
possui no Português Brasileiro. Conforme vimos no capítulo anterior, inclusive, mesmo as
gramáticas escolares mais vendidas em Portugal atualmente não apresentam explicitamente
restrições ao emprego do gerúndio em detrimento ao uso de infinitivo gerundivo. O que se
quer argumentar é que existem fenômenos que não sofrem controle consciente dos falantes
por não representarem variantes sem prestígio ou alvo de preconceito linguístico.
Acreditamos que a variação gerúndio x infinitivo gerundivo seja um desses casos e, portanto,
seu uso em nosso corpus pode ter sido – de certa forma – um pouco mais equivalente ao que
os redatores dos textos jornalísticos usa(va)m segundo seu uso pessoal.
102
Como ocorre na maioria dos corpora de pesquisas em Sociolinguística Histórica,
porém, pouco se sabe a respeito dos redatores dos textos do nosso corpus. Não podemos
controlar sua idade, seu sexo ou seu grau de escolaridade, por exemplo. A profissão de
jornalista em Portugal, tal como no Brasil, durante muito tempo foi exercida sem a
necessidade de graduação em Jornalismo. Mas, ainda que com dificuldade na identificação
das características sociais dos redatores, procuramos tomar alguns cuidados metodológicos no
levantamento dos textos com o objetivo de tornar o corpus o mais representativo possível da
língua escrita usada nas diferentes regiões de Portugal que servirão de base diatópica para este
trabalho.
Em primeiro lugar, não usamos sob qualquer hipótese, notícias traduzidas de jornais
de outras nacionalidades. Era muito comum vermos ao longo dos jornais, por exemplo, siglas
que indicavam que uma determinada notícia tinha como fonte original uma agência
internacional de notícias, como a Reuters (R.) ou a Agence France-Presse (A.F.P.), ambas
fundadas no século XIX e em atividade ainda hoje.
Para evitar as traduções bem como a reprodução de notícias publicadas em outros
jornais lusitanos, sempre que possível foi privilegiado o uso de notícias das seções dedicadas
aos acontecimentos locais da cidade / região de cada jornal. Assim, não utilizamos notícias da
seção “Internacional” e evitamos ao máximo o uso de notícias de âmbito nacional. Estas eram
utilizadas, somente em último caso, como complementação das células, caso as notícias
regionais não fossem suficientes para o quantitativo de palavras por célula. Além disso, deu-
se preferência ao uso dos chamados periódicos regionais, que serão mais bem definidos no
capítulo 4, a seguir. A imprensa regional em Portugal passa por forte crise hoje, mas foi (e,
mesmo com suas atuais limitações, ainda é) bastante influente no país. Ademais, a redação
desses jornais é, ainda hoje, composta basicamente por conterrâneos, pessoas que colaboram
muitas vezes até quase que voluntariamente, tendo seu sustento principal em outras atividades
e colaborando paralelamente com o jornal de sua terra.
Assim, aumentamos a probabilidade de termos em nosso corpus do Alentejo, textos
produzidos por um alentejano; no corpus do Algarve, textos produzidos por um algarvio; e
assim sucessivamente nas demais regiões. Os únicos jornais não regionais do corpus são os
jornais que serviram de fonte para os dados de Lisboa e do Norte, mas, como essas duas
regiões são apontadas como inovadoras quanto ao uso de gerúndio, não consideramos ser isto
um empecilho aos objetivos da pesquisa e, na verdade, tais amostras servirão até mesmo
como referência para verificarmos se havia alguma diferença quanto às taxas de uso de
gerúndio e de infinitivo gerundivo em periódicos de âmbito nacional ou em periódicos de
103
âmbito regional, opondo, por exemplo, os dados do Norte (oriundos de jornal nacional) aos
dados do Centro (oriundos de jornal regional), sendo ambas as regiões consideradas
inovadoras, assim como outras combinações de dados possíveis dentro do nosso corpus, que
serão adequadamente descritas no capítulo 5, adiante, de acordo com as rodadas estatísticas
realizadas.
Tendo feito essas escolhas metodológicas iniciais, era preciso começar o garimpo. O
corpus da atual pesquisa foi montado, basicamente, a partir do arquivo da Biblioteca Nacional
de Lisboa e do arquivo privado do jornal Diário do Alentejo, cuja redação, na cidade de Beja,
visitei em julho de 2011 com o fim de fotografar as edições de interesse para a pesquisa.
Vale ressaltar que o corpus foi equilibrado pelo número de palavras e não pelo número
de documentos ou de textos. A quantidade de textos de cada célula sociolinguística dependeu
do “volume de texto” de cada exemplar, o que significa que procuramos ter o cuidado de
analisar uma quantidade de textos com número semelhante de palavras, de maneira que
houvesse as mesmas “chances” de o fenômeno surgir em cada célula. Portanto, o que foi
considerado foi o número de palavras no total de textos. Cada célula de dados apresentava
cerca de 4.000 palavras, ou seja, foram “lidas”, aproximadamente, 4.000 palavras de notícias
do Alentejo de 1900, mais 4.000 palavras do Alentejo de 1910 e assim sucessivamente para
todas as regiões e décadas.
Antes, porém, do levantamento de dados propriamente dito, foi preciso levantar as
fontes primárias, ou seja, as edições dos jornais de onde os dados seriam extraídos, as quais
foram:
REGIÃO NÚMERO DE EDIÇÕES NÚMERO DE PÁGINAS /
IMAGENS
Norte 43 528
Centro 86 619
Lisboa 206 2262
Alentejo 105 773
Algarve 105 549
Açores 40 181
TOTAL GERAL 585 4912
Tabela 2: Quantidade de edições de jornais levantadas para composição do corpus inédito
104
As edições quantificadas na tabela acima foram levantadas a partir dos seguintes
jornais:
REGIÃO TÍTULO PUBLICAÇÃO FASE
COLETADA EDIÇÕES IMAGENS
Norte O Comércio do
Porto
De 02 de junho de
1854 até 30
de julho de 2005
(1905 – 2000) 43 528
Centro
O Jornal d’
Estarreja
De 12 de abril de
1883 até HOJE (1902 – 1925) 31 128
Diário de Coimbra De 1930 até HOJE (1931 – 1991) 55 491
Lisboa
VARPORT
(Vários títulos) Vários (1901 – 2000) - -
Diário de Notícias De 29 de dezembro
de 1864 até HOJE (1902 – 1996) 206 2262
Alentejo
A Folha do Sul
De 07 de agosto de
1897 até 14 de
dezembro de 1946
(1901 – 1923) 37 110
Diário do Alentejo De 01 de junho de
1932 até HOJE (1932 – 1998) 68 663
Algarve O Algarve
De 29 de março de
1908 até abril de
2013
(1908 – 1993) 105 549
Açores Diário dos Açores De 05 de fevereiro
de 1870 até HOJE (1907 – 1997) 40 181
TOTAL - - - 585 4912
Quadro 10: Títulos de periódicos que compõem o corpus
No apêndice deste trabalho, podem ser verificadas, com maior detalhe de data e
quantidade de imagens, as edições que nos serviram para composição do corpus.
Os dados de gerúndio e de infinitivo gerundivo obtidos a partir dessas fontes foram:
105
LOCALIDADE NÚMERO DE PALAVRAS NÚMERO DE DADOS
Norte 40.689 647
Centro 41.585 437
Lisboa 40.693 550
Alentejo 41.123 472
Algarve 40.930 351
Açores 16.417 204
TOTAL GERAL 221.437 2.649
Tabela 3: Número PRELIMINAR de dados por célula de região
Se distribuirmos os dados acima pela divisão temporal, em décadas, das células
sociolinguísticas da pesquisa, teremos a seguinte tabela:
NOTÍCIAS
FASES
NORTE CENTRO LISBOA ALENTEJO ALGARVE AÇORES
Nº
de
pa
lav
ras
Nº
de
da
do
s
Nº
de
pa
lav
ras
Nº
de
da
do
s
Nº
de
pa
lav
ras
Nº
de
da
do
s
Nº
de
pa
lav
ras
Nº
de
da
do
s
Nº
de
pa
lav
ras
Nº
de
da
do
s
Nº
de
pa
lav
ras
Nº
de
da
do
s
00 (1901 - 1910) 4056 77 4055 42 4062 85 4020 68 4020 35 4140 77
01 (1911 - 1920) 4015 76 4297 42 4024 75 4160 64 4158 61 - -
02 (1921 - 1930) 4027 93 4213 58 4049 71 4055 43 4010 37 - -
03 (1931 - 1940) 4024 82 4256 53 4065 46 4150 61 4025 50 4005 33
04 (1941 - 1950) 4050 78 4118 26 4052 38 4205 34 4045 34 - -
05 (1951 - 1960) 4099 48 4172 38 4058 32 4120 58 4225 26 - -
06 (1961 - 1970) 4107 49 4078 55 4100 47 4095 34 4075 29 4139 47
07 (1971 - 1980) 4143 59 4097 59 4048 62 4012 31 4174 24 - -
08 (1981 - 1990) 4154 52 4178 24 4091 48 4004 35 4065 20 - -
09 (1991 - 2000) 4014 33 4121 40 4144 46 4302 44 4133 35 4133 47
TOTAL 40689 647 41585 437 40693 550 41123 472 40930 351 16417 204
Tabela 4: Distribuição dos dados por década x região
106
Conforme mencionamos e se pode observar pela tabela acima, as células
sociolinguísticas foram compostas por aproximadamente 4.000 palavras, gerando, em cada
uma delas, o volume de dados visto na coluna à direita de cada fase na mesma tabela.
Apenas cerca de 25% dos dados referentes a Lisboa (147 dos 550 dados) são
originários do Projeto VARPORT, já utilizados em minha dissertação de mestrado. Isso
porque o corpus do Projeto VARPORT limita-se a material jornalístico de periódicos
publicados em Lisboa e, além de apresentarem uma divisão cronológica diferenciada da desta
pesquisa, suas células possuem apenas cerca de 1500 palavras. Por isso, foi necessário
complementar esse material com novos levantamentos de fontes primárias, o que, no caso de
Lisboa, se deu com o jornal Diário de Notícias, um dos mais lidos de sua categoria em
Portugal, ainda hoje. Os dados das outras cinco regiões em análise são provenientes de fontes
inéditas enquanto material para pesquisa sociolinguística.
Uma vez levantados os dados, era preciso analisá-los segundo determinadas bases
teóricas para interpretação dos resultados. Descrevemos, a seguir, tais fundamentos.
3.2 Do tratamento dos dados
Conforme explicitado antes, os dados levantados durante a pesquisa foram submetidos
aos programas do pacote computacional VARBRUL em uma de suas versões para Windows,
o Goldvarb 2001 (ROBINSON; LAWRENCE; TAGLIAMONTE, 2001), como instrumental
usado para quantificar os dados e calcular o peso relativo da influência de cada variável no
fenômeno estudado. Isso a serviço dos pressupostos teóricos da Sociolinguística Histórica de
base laboviana.
Para o controle dos fatores que visamos verificar se condicionam a variação entre
gerúndio e infinitivo gerundivo (nossa variável dependente), segundo a Sociolinguística
laboviana, foram construídos treze grupos de fatores (as variáveis independentes), que são: 1-
região geográfica; 2- tempo; 3- tipo de texto (sequência textual); 4-estrutura verbal
(sintática x perifrástica); 5- voz verbal; 6- posição do clítico; 7- referência adverbial; 8-
interpolação de item lexical (diferente de advérbio) entre o auxiliar e o infinitivo; 9- tipo
sintático de oração; 10- tipo semântico de oração; 11- posição da oração gerundial no
período (em relação à oração principal); 12- tipo semântico do verbo; (e 13- cambialidade).
O quadro abaixo mostra todos os grupos com seus respectivos fatores, que foram
usados para codificação dos dados desta pesquisa:
107
# GRUPOS DE FATORES CÓDIGO VARIANTES
1 Variável dependente
(gerúndio x infinitivo)
g Gerúndio
r A + Infinitivo
2 Região geográfica N Norte (Porto)
C Centro (Estarreja e Coimbra)
L Lisboa
A Alentejo (Montemor-o-Novo e Beja)
G Algarve (Faro)
S Açores
3 Tempo 0 1901 - 1910
1 1911 - 1920
2 1921 - 1930
3 1931 - 1940
4 1941 - 1950
5 1951 - 1960
6 1961 - 1970
7 1971 - 1980
8 1981 - 1990
9 1991 - 2000
4 Tipo de texto /
Sequência textual
n Narrativo
s Expositivo-argumentativo
d Descritivo
5 Estrutura verbal
(sintética x perifrástica)
n Estrutura sintética (somente com verbo pleno)
e Estrutura analítica com auxiliar ESTAR
a Estrutura analítica com auxiliar ANDAR
f Estrutura analítica com auxiliar FICAR
i Estrutura analítica com auxiliar IR
v Estrutura analítica com auxiliar VIR
u Estrutura analítica com
semiauxiliar CONTINUAR
o Estrutura analítica com outros semiauxiliares
(ou auxiliares acidentais)
z Estrutura analítica com gerúndio no verbo
auxiliar
l (L) Construções com verbos leves (ter, dar, fazer)
m Construções com verbos modais
6 Voz verbal A Voz Ativa
N Voz Passiva Analítica
S Voz Passiva Sintética
R Voz Reflexiva
108
7 Posição do clítico p Próclise
e Ênclise
m Mesóclise
x Não se aplica (não há clítico)
a Clítico entre o verbo auxiliar e o verbo
principal gerundivo
8 Referência adverbial
a Referência TEMPORAL ANTES da forma
nominal (na mesma oração)
d Referência TEMPORAL DEPOIS da forma
nominal (na mesma oração)
m Referência TEMPORAL NO MEIO da
perífrase verbal (entre o verbo auxiliar e o
verbo principal na forma nominal)
l (L) Referência TEMPORAL ANTES da forma
nominal (em outra oração)
+ Referência TEMPORAL DEPOIS da forma
nominal (em outra oração)
o Referência adverbial de MODO ou LUGAR
NO MEIO da locução (entre o verbo auxiliar e
o verbo principal)
b Referência adverbial de MODO ou LUGAR
ANTES da forma nominal (na mesma oração)
v Referência adverbial de MODO ou LUGAR
DEPOIS da forma nominal (na mesma oração)
x Não se aplica (não há referência adverbial)
9 Interpolação de item
lexical (diferente de
advérbio) entre o verbo
auxiliar e o verbo
principal
i HÁ interpolação de item lexical (diferente de
advérbio) entre o verbo auxiliar e o principal
x NÃO HÁ interpolação de item lexical
(diferente de advérbio) entre o verbo auxiliar e
o principal ou a estrutura é sintética
10 Tipo sintático de oração
a Absoluta (independente)
i Coordenada SINDÉTICA
d Coordenada ASSINDÉTICA
p Oração principal
l (L) Relativa RESTRITIVA (geral)
z Relativa EXPLICATIVA (geral)
u Relativa do tipo: ACUSATIVO + FORMA
NOMINAL (regido por verbo de “sentido” ou
com significado de “encontrar”)
Ex.: E aí dei com ele a vasculhar /
vasculhando minha gaveta.
x Relativa na COMPARAÇÃO
Ex. “Era como um coração a bater / batendo,
como uma pedra preciosa que respirava”.
109
w Relativa do tipo: COM + SUBSTANTIVO +
FORMA NOMINAL
Ex. “Não me sinto bem com todo mundo a
olhar / olhando para mim.”
g Substantiva APOSITIVA
e Substantiva COMPLETIVA NOMINAL
b Substantivas OBJETIVAS (direta ou indireta)
r Substantiva PREDICATIVA
s Substantiva SUBJETIVA
c Adverbial CAUSAL
o Adverbial COMPARATIVA
v Adverbial CONCESSIVA
n Adverbial CONDICIONAL
k Adverbial CONFORMATIVA
q Adverbial CONSECUTIVA
f Adverbial FINAL
m Adverbial MODAL
h Adverbial PROPORCIONAL
t Adverbial TEMPORAL
j “Subordinada aditiva” (Azeredo: 2001)
11 Tipo semântico de
oração
(aplica-se SOMENTE às
orações adverbiais)
D Gerúndio narrativo de posterioridade
A Gerúndio narrativo de anterioridade
S Gerúndio de sobreposição (ou paralelismo)
temporal
Q Gerúndio de sobre-enquadramento
T Gerúndio de subenquadramento
E Gerúndio de elaboração
M Gerúndio de modo
I Gerúndio instrumental (ou de meio)
C Gerúndio causal
R Gerúndio resultativo
N Gerúndio condicional
V Gerúndio concessivo ou adversativo
O Gerúndio opositivo
U Gerúndio neutro
X Não se aplica
(a oração gerundiva não é adverbial)
12 Posição da oração
gerundial no período
(em relação à oração
principal)
I Inicial
M Medial (intercalada)
F Final
P A gerundiva é a principal
A Não se aplica (oração absoluta ou coordenada)
110
13 Tipo semântico do verbo f Processos materiais (processos de fazer)
s Processos mentais (processos de sentir)
r Processos relacionais (processos de ser)
c Processos comportamentais
v Processos verbais
e Processos existenciais
m Processos meteorológicos
14 Cambialidade S Perfeitamente cambiável, sempre com ideia
gerundial
R Cambiável, mas com leitura ambígua, podendo
o “A” ser apenas a preposição exigida pela
regência do verbo.
(Ex.: Começou a fazer, continuou a cantar...).
A Cambiável, mas com leitura ambígua, podendo
o “A” ser equivalente a uma preposição não
esvaziada semanticamente (com sentido de
“para”, por exemplo).
(Ex.: Estava ali a fazer bolinhos para o
almoço.).
Quadro 11: Grupos de fatores para análise variacionista dos dados
A seguir, são explicitadas as motivações subjacentes à criação de cada grupo de
fatores.
3.2.1. Variável dependente
Como o próprio nome sugere, trata-se da variável dependente, ou seja, aquela em
função da qual o cálculo de pesos relativos será feito pelo programa estatístico. Opõe nossas
variantes em análise: gerúndio x infinitivo gerundivo.
3.2.2. Região geográfica
Grupo de controle diatópico, que opõe as cinco regiões de Portugal Continental
descritas no item 3.1: Norte, Centro, Lisboa, Alentejo e Algarve, além do arquipélago de
Açores, que se faz presente através de edições do periódico Diário dos Açores, oriundo da
ilha de São Miguel, a capital desta região autônoma, que concentra o maior número de
habitantes e a situação socioeconômica mais desenvolvida dentre as nove ilhas que compõem
111
o arquipélago. Esse grupo é de controle básico em uma pesquisa que visa a contrastar as
variantes de diferentes regiões de Portugal com o objetivo de verificar se alguma dessas áreas
ainda se mantém mais conservadora quanto ao uso do gerúndio, ao menos na amostra de
dados do corpus, considerando ser isto o que se costuma afirmar a respeito do uso da língua
no Alentejo, no Algarve e nos Açores. Conforme já mencionamos, nossa hipótese é de que tal
distinção regional já não exista (ou, ao menos, que seja cada vez menor) no PE conforme se
costuma afirmar na literatura, o que pretendemos mostrar ao alcance dos nossos dados.
Vale destacar, nesta seção, as cidades de onde vêm os jornais que constituem o corpus.
Maiores detalhes sobre cada periódico em questão poderão ser vistos no capítulo 4 deste
trabalho.
Norte
Todo o corpus da região Norte foi composto a partir do jornal O Comércio do Porto,
uma vez que este foi publicado ao longo de todo o século XX – período que pretendemos
investigar –, desde junho de 1854 até julho de 2005. O jornal é proveniente da cidade do
Porto, a segunda maior cidade do país e pertence a uma região considerada inovadora quanto
ao uso de infinitivo gerundivo, privilegiando essa forma em detrimento do gerúndio. Trata-se
de um jornal de abrangência nacional e, portanto, espera-se que tenha um padrão linguístico
semelhante ao da capital, Lisboa.
Centro
O corpus da região Centro é formado por dois jornais: O Jornal d’ Estarreja e Diário
de Coimbra, ambos publicados nas cidades que lhes dão título, respectivamente. O Diário de
Coimbra foi o primeiro periódico dessa região a ser levantado como fonte primária desta
pesquisa e, como começou a ser publicado somente em 1930, foi preciso procurar outra
publicação para complementar o corpus da região Centro com as décadas do século XX
anteriores a de 1930. A partir de novas buscas, chegou-se a O Jornal d’Estarreja, que
começou a ser publicado em 1883 e está em circulação até hoje.
Ambos são jornais de abrangência regional. No capítulo 4, serão pormenorizadas as
principais características dos jornais regionais de Portugal, mas, por ora, adiantamos que,
como a própria classificação sinaliza (regionais), se tratam de periódicos mais voltados para o
112
público local e também geralmente produzidos – conforme mencionado anteriormente – por
redatores locais. Sendo assim, é possível que a língua utilizada nesses veículos receba menos
influência de tentativas conscientes de padronização com “a língua de Lisboa”, a capital.
Assim, por serem os únicos jornais regionais do corpus deste trabalho pertencentes a uma
região apontada como mais inovadora quanto ao uso de infinitivo gerundivo, pretende-se, em
algumas das rodadas estatísticas, contrapor exclusivamente os dados dessa região aos dados
das regiões apontadas como conservadoras quanto ao uso das formas nominais estudadas:
Alentejo, Algarve e Açores, cujos corpora são igualmente constituídos por jornais regionais.
Lisboa
A região de Lisboa possui cerca de 75% de seu corpus levantado a partir de fontes
inéditas provenientes do jornal de abrangência nacional de maior circulação no país: o Diário
de Notícias, publicado desde 1864. Os demais 25% são oriundos do corpus do Projeto
VARPORT, disponível na internet no site http://www.letras.ufrj.br/varport/. Além de também
possuir material do próprio Diário de Notícias, o Projeto VARPORT apresenta em seu corpus
dados colhidos das seguintes publicações e respectivos períodos de tempo: O Século (1901 a
1977), Diário Popular (1942 a 1991), Público (1991 a 2000) e Expresso (1973 a 2000).
O diário O Século, fundado em 08 de junho de 1880, foi um periódico de referência
em Portugal e era o principal concorrente do Diário de Notícias durante o período em que
esteve em atividade, isto é, até 12 de fevereiro de 1977. O Diário Popular, já extinto, foi
publicado entre os anos de 1942 e 1991 e alcançou maior sucesso durante as décadas de 1950
a 1970. O Público é o periódico mais novo dentre os que compõem o corpus, tendo sido
fundado em 1990. É um jornal diário, voltado principalmente para as classes A e B, em
circulação ainda hoje. Atualmente, é o líder de vendas do seu segmento, sendo o principal
concorrente do Diário de Notícias. Fundado em 06 de janeiro de 1973, o Expresso é um
semanário de abrangência nacional, mas com a maior parte de seus leitores na Grande Lisboa.
Ainda em circulação, também é voltado para as classes A e B.
Alentejo
113
Assim como ocorreu com a região Centro, o corpus da região do Alentejo também
precisou ser constituído a partir de dois títulos, ambos de abrangência regional. Inicialmente,
tivemos acesso ao arquivo privado do jornal Diário do Alentejo, publicado em Beja, desde
1932, até hoje. Era então necessário buscar outro periódico para complementar o material da
região no século XX. Na Biblioteca Nacional de Portugal encontramos as edições do
semanário regional A Folha do Sul, publicado na pequena cidade de Montemór-o-Novo, de
1897 até 1946. O corpus levantado desse jornal compreendeu o período de 1901 a 1930.
Algarve
Assim como na região Norte, na região algarvia, também foi possível levantar os
dados integralmente a partir do semanário independente de abrangência regional O Algarve,
da capital do distrito, Faro, fundado em 1908 e em circulação até 12 de abril de 2013.
Infelizmente a imprensa regional em Portugal, assim como vários outros setores da economia
do país, tem passado por uma grande crise e, por isso, vários periódicos têm fechado as portas
nos últimos anos. Foi o que ocorreu com o centenário jornal O Algarve, que encerrou suas
atividades durante o período de coleta de dados in loco para esta pesquisa.
Açores
O corpus do arquipélago dos Açores é o menor deste trabalho e foi formado
inteiramente a partir de exemplares do jornal Diário dos Açores, que é publicado na capital da
região autônoma, a cidade de Ponta Delgada, na ilha de São Miguel, desde 05 de fevereiro de
1870, até os dias de hoje.
Conforme mencionado acima, cada um dos periódicos citados será descrito mais
profundamente no capítulo 4, adiante. Com esse grupo, pretende-se verificar se, de fato, ao
menos ao alcance dos nossos dados – nunca é bastante lembrar –, as regiões do Algarve, dos
Açores e, especialmente, a do Alentejo permanecem mais conservadoras quanto ao uso do
gerúndio como se costuma afirmar. A nossa hipótese é que o avanço do infinitivo gerundivo
no país esteja ocorrendo, diferentemente do que supõem o senso comum e a literatura, de
maneira indistinta por todo o território luso, ao menos em determinados contextos.
114
3.2.3. Tempo
O grupo tempo diz respeito à própria divisão em células do corpus. O objetivo é
observar a evolução e o comportamento diacrônicos da construção infinitivo gerundivo e do
gerúndio no corpus do Português Europeu deste trabalho ao longo de cada década do século
XX. As fases desse grupo de fatores são:
0)1901 – 1910;
1)1911 – 1920;
2)1921 – 1930;
3)1931 – 1940;
4)1941 – 1950;
5)1951 – 1960;
6)1961 – 1970;
7)1971 – 1980;
8)1981 – 1990;
9)1991 – 2000.
Pretende-se, com esse grupo de fatores, observar o avanço do infinitivo gerundivo em
maior detalhe ao longo do século XX nos nossos dados, analisando se o aumento das taxas de
uso foi constante e gradativo, se houve períodos em que o aumento foi mais abrupto e se
tende a continuar em ascensão.
3.2.4. Tipo de Texto (Sequência textual)
Assim como em Mothé (2007, p. 123), a definição que usamos nesta pesquisa para
tipo textual é a de Marcuschi (2007):
Usamos a expressão tipo textual para designar uma espécie de sequência
teoricamente definida pela natureza linguística de sua composição (aspectos lexicais,
sintáticos, tempos verbais, relações lógicas). Em geral, os tipos textuais abrangem
cerca de meia dúzia de categorias conhecidas como: narração, argumentação,
exposição, descrição, injunção. (MARCUSCHI, 2007, p. 22)
115
Esse grupo tem por objetivo controlar, em nossos dados, se há maior uso de infinitivo
gerundivo em algum dos tipos textuais estudados. Dentre os cinco tipos textuais citados por
Marcuschi no excerto acima, contemplamos neste grupo de fatores os tipos: narrativo,
descritivo e injuntivo. Os tipos argumentativo e expositivo juntamos em um único fator, a que
chamamos expositivo-argumentativo, visto que, para este trabalho, com vista a observar o
fenômeno em foco, não julgamos relevantes as diferenças existentes entre essas duas
tipologias textuais. Conforme se poderá ver no quadro abaixo, existem muitas semelhanças –
tanto estruturais quanto temáticas – entre esses dois tipos, o que também justifica a junção.
Sabemos que os gêneros textuais se diferenciam, principalmente, por sua função social
e também por um determinado conjunto de características, dentre elas o tipo de texto
predominante. Sendo assim, as notícias, gênero textual utilizado para constituição de nosso
corpus, apresentam-se, majoritariamente, sob forma de texto narrativo ao relatarem um fato
ocorrido no passado recente. Se as notícias fossem sempre pertencentes ao gênero narrativo,
porém, não haveria necessidade de criar um grupo de fatores específico para controlar a
tipologia textual. Mas não é o que ocorre na prática. Muitas vezes, as notícias do nosso corpus
apareciam num formato muito semelhante a de um anúncio não comercial, um aviso, uma
mera informação que se participava ao público. Nesse caso, era muito mais apropriado rotular
tal texto como expositivo-argumentativo, uma vez que os textos eminentemente informativos
são, em geral, expositivos. Com efeito, os tipos textuais mais produtivos em nosso corpus
composto por notícias foram justamente o narrativo e o expositivo-argumentativo.
É necessário destacar que, em se tratando de tipologia textual, a classificação se dá
com base na PREDOMINÂNCIA ao longo do texto. Frequentemente, nos deparamos com
“tipos híbridos”, como ocorria, por exemplo, com algumas notícias de um determinado evento
que, de repente, tinha sua narrativa interrompida pela descrição de uma cena do crime ou dos
criminosos, ou por algum discurso expositivo de alguém presente na situação narrada. A esse
respeito, Marcuschi (2007, p. 25-27) afirma:
É evidente que em todos estes gêneros também se está realizando tipos textuais,
podendo ocorrer que o mesmo gênero realize dois ou mais tipos. Assim, um texto é
em geral tipologicamente variado (heterogêneo). Veja-se o caso da carta pessoal,
que pode conter uma sequência narrativa (contar uma historinha), uma
argumentação (argumenta em função de algo), uma descrição (descreve uma
situação) e assim por diante. [...] Portanto, entre as características básicas dos tipos
textuais está o fato de eles serem definidos por seus traços linguísticos
predominantes. Por isso, um tipo textual é dado por um conjunto de traços que
formam uma sequência e não um texto. [...] Quando se nomeia um certo texto como
116
“narrativo”, “descritivo” ou “argumentativo”, não se está nomeando o gênero e sim
o predomínio de um tipo de sequência de base.
No trecho acima, observa-se que Marcuschi (2007) prevê a heterogeneidade dos
gêneros quanto à sua tipologia e, no final, deixa um indicativo de que um texto deve ser
nomeado como representante de um certo “tipo de texto” quando existe a predominância de
uma determinada “sequência base”. Pode-se dizer, então, que “sequência textual” é sinônimo
de “tipo textual”, mas dizemos que um texto pertence a um determinado tipo pelo seu “todo”,
pela predominância de uma certa sequência, ao passo que a sequência textual, como a própria
nomenclatura faz supor, refere-se somente a um fragmento x de um texto que apresente
características de um dado tipo. Ou seja, embora um texto possa ser majoritariamente
narrativo, como é o caso da maioria das notícias do corpus, um dado trecho desse texto – uma
sequência textual – pode ser descritivo ou expositivo-argumentativo, por exemplo.
Assim, optamos por privilegiar nesse grupo de fatores as sequências narrativas de cada
dado, sem deixar, obviamente, de considerar o contexto e/ou o tipo textual em que cada texto
analisado se insere. Dentre as inúmeras possibilidades de classificação tipológica/sequencial
de textos, optamos por utilizar a classificação de Marcuschi (2007). Reproduziremos a seguir
um quadro simplificado e didático dos tipos textuais segundo Marcuschi elaborado por
Santos; Richie; Teixeira (2012, p. 36-37).
CARACTERÍSTICAS
DAS TIPOLOGIAS OBJETIVO E TEMÁTICA MARCAS LINGUÍSTICAS DE
DESTAQUE
Descrição
Identificar, localizar e
qualificar seres, objetos,
lugares, apresentando
características físicas ou
“psicológicas”.
Substantivos, adjetivos e advérbios
(modo e intensidade, principalmente);
verbos no presente ou pretérito
imperfeito do indicativo.
Narração
Relatar fatos, acontecimentos,
ações, numa sequência
temporal.
Verbos, advérbios e conjunções
(tempo, lugar...); verbos no presente
ou no pretérito perfeito do indicativo.
Exposição
Discutir, informar ou expor um
tema, numa organização
lógica, mostrando relações de
causa/efeito, contraposição etc.
Operadores discursivos (conjunções,
preposições e expressões denotativas),
modalizadores (ex.: talvez, sem
dúvida, provavelmente etc.), verbos
no presente do indicativo.
Argumentação
Defender ponto de vista,
opinião, por meio de
argumentos, numa organização
lógica, mostrando relações de
causa/efeito, contraposição.
Operadores discursivos (conjunções,
preposições e expressões denotativas),
modalizadores (ex.: talvez, sem
dúvida, provavelmente etc.), verbos
no presente do indicativo.
117
Injunção
Dar ordens, apresentar regras e
procedimentos a serem
seguidos.
Verbos com valor imperativo (mesmo
que não estejam no modo imperativo,
mas no infinitivo, por exemplo),
pronomes (você, vocês).
Quadro 12: Tipologia textual: nomenclatura simplificada e adaptada, segundo Santos, Riche & Teixeira
(2012, p. 36-37)
Expomos abaixo alguns exemplos dos tipos textuais que ocorreram no corpus.
Narrativo
1)INAUGURAÇÃO DA LUZ ELECTRICA EM CALDAS DE
MONCHIQUE. [...] No passado domingo foi inaugurada a luz
electrica, lançando jorror de claridade que encheu de satisfação
todos os que ali se encontravam.
(Dado 140 Algarve, 06 set 1931)
2)INJURIOU O CHEFE DE ESTAÇÃO. [...] Cerca das 19.30 de
anteontem, quando o réu chegou à Estação da Trindade vindo da
Póvoa de Varzim, foi surpreendido pelo chefe da estação a tentar
vender um bilhete que, segundo Avelino Augusto, tinha encontrado
numa carruagem do comboio em que se fez transportar.
(Dado 569 Norte, 22 jun 1983)
Expositivo-argumentativo
3)A FALTA DE POLÍCIA. Vae por ahi, por esta linda villa
alemtejana, um justificado clamor contra a falta de policia para a
extinção de cães vadios que enxameiam as ruas de Montemór,
equiparando-nos aos povos mais atrasados e dando tão tristes
resultados como o de há dias, em que um cão derramado mordeu 6
creanças, seis inocentinhos que na distração procuravam aliviar-se
do incommodo frio a que temos estados sujeitos.
(Dados 122 e 123 do Alentejo, 03 jun 1911)
4)Num país onde a macroeconomia vai tão bem, com a inflação
estável e rasteirinha como há muito não se via, com o desemprego a
descer, a taxa de câmbio segura e a taxa de juro serena e a baixar
lentamente, não deixa de ser motivo de alguma perplexidade que os
maiores problemas do Governo sejam económicos.
(Dado 502 Lisboa – VARPORT, 09 jul 1997)
118
Descritivo
5)NOTICIÁRIO. COMMUNHÃO DOS MENINOS EM SALREU. [...]
As creanças da Sagrada Communhão, trajando belamente, com
retratos santos e <<bouquets>> de flores, tinham uma presença
graciosa, agradável, suavíssima!
(Dado 004 Centro, 12 jun 1902)
6)NA RIBEIRA, JUNTO DA PONTE DE LUÍS I CAIU AO RIO UMA
CAMINHETA DE CARGA NÃO HAVENDO, FELIZMENTE,
DESASTRES PESSOAIS A LAMENTAR. [...] Há barcos que chegam e
barcos que partem, carros de mão e caminhetas a carregar e a
descarregar, gente humilde disposta para o trabalho, párias a espera
do que lhe dão, vendedeiras de fruta, peixeiras e um sem número de
típicos personagens, que formam o conjunto mais heterogéneo e
expressivo.
(Dado 326 Norte, 03 jul 1945)
Injuntivo
7)DESAPARECEU UM AUTOMÓVEL QUE FORA ABANDONADO
NA FRONTEIRA. Qualquer entidade, pessoal ou colectiva,
proprietária de garagem ou oficina onde o carro possa estar
recolhido, tendo procedido ou não ao seu reboque, deverá do mesmo
modo dar conhecimento desse facto na aludida 4ª Secção da Polícia
Judiciária desta cidade, sob pena de incorrer em responsabilidade
criminal se o não fizer.
(Dado 488 Norte, 11 abr 1965)
O exemplo acima foi o único dado do tipo de texto injuntivo com o qual nos
deparamos em todo o corpus da pesquisa. Trata-se de uma notícia intitulada “Desapareceu um
automóvel que fora abandonado na fronteira”. Depois de narrar o furto, o redator dá
instruções sobre como se deve proceder caso algum leitor encontre o veículo desaparecido.
Estamos, portanto, claramente diante de um trecho injuntivo no meio da notícia narrativa.
Como o programa de cálculo de pesos relativos não permite que exista entre os dados algum
fator em que não haja variação (no caso, o fator injuntivo só apresenta um dado de gerúndio,
nenhum de infinitivo), ao recodificar o dado em questão, inicialmente, o incluímos no
conjunto de dados narrativos, considerando que a sequência predominante do texto pertencia a
esse tipo textual. Posteriormente, porém, percebemos que o dado acima precisaria, na
119
verdade, de ser excluído definitivamente do total de dados, devido a uma outra característica
sua, conforme será visto no item 3.2.5, referente ao grupo estrutura verbal. Sendo assim,
acabamos por ficar sem qualquer dado do tipo de texto injuntivo, embora o mesmo tivesse
sido previsto como fator neste grupo.
A motivação inicial desse grupo de fatores, tipo de texto / sequência textual, presente
desde a pesquisa anterior a esta, durante o curso de mestrado (MOTHÉ, 2007), foi o fato de
Barbosa (1999) ter encontrado em seu corpus uma grande frequência do que ele chamou de
“gerúndio narrativo” e também devido a Cunha & Cintra (2001) e Bechara (2001) fazerem
menção à estrutura de infinitivo de narração, conforme já mencionamos no capítulo anterior.
Isso nos levou, em Mothé (2007), a querer observar se a frequência de uso de gerúndio ou de
infinitivo gerundivo teria sido maior em textos narrativos do que nos demais. Contrariamente
ao esperado, porém, segundo os resultados obtidos naquela pesquisa, embora esse grupo tenha
sido selecionado poucas vezes pelo programa de cálculo de pesos relativos, quando isso
ocorreu – justamente na rodada feita a partir exclusivamente de dados de língua escrita do
Português Europeu, assim como a amostra que temos agora –, os resultados apontavam que os
tipos descritivo e expositivo eram aqueles que mais favoreciam o uso de do infinitivo
gerundivo, respectivamente com .66 e .65 de peso relativo, em oposição a .31 do tipo
narrativo e .28 do argumentativo. Observaremos agora se, com mais dados, recortes no tempo
mais detalhados e diferentes regiões, os resultados refletem comportamento linguístico
semelhante.
3.2.5. Estrutura Verbal (sintética x perifrástica)
Esse grupo de fatores é fundamental na presente pesquisa. Ele já estava presente em
Mothé (2007) e foi selecionado naquele trabalho como relevante na variação entre as
variantes em foco em algumas rodadas de cálculo de peso relativo. Para alguns autores, a
principal distinção entre o Português Brasileiro e o Europeu quanto ao uso de gerúndio x
infinitivo gerundivo ocorre especialmente em um contexto que costuma ser chamado
simplesmente de progressivo, que envolve justamente estruturas perifrásticas. Sendo assim,
torna-se imperativo verificar o padrão de uso de infinitivo gerundivo em um grupo que
opusesse formas analíticas (ou perifrásticas) (com verbo auxiliar) à forma sintética (com
120
verbo pleno). Para ilustrar tais ocorrências, mostramos os seguintes dados extraídos de nosso
corpus de análise:
Forma analítica com gerúndio (com auxiliar estar)
8)COMEMORAÇÕES DO 5º CENTENÁRIO DE MONCARAPACHO.
O espectáculo, aguardado com grande interesse pelo meio
moncarapachente, rico de tradições do melhor amadorismo teatral,
efectua-se no salão-teatro da Casa do Povo de Moncarapacho e está
despertando grande interesse mesmo em outros meios algarvios.
(Dado 278 Algarve, 23 jan 1972)
Forma analítica com infinitivo gerundivo (com auxiliar estar)
9)GNR DETÉM INDIVÍDUO POR POSSE DE ARMA E HEROÍNA.
RUSGA NAS CANCELAS NEGRAS. A fonte revelou que um total de
20 toxicodependentes estavam a trabalhar naquele local em troca das
suas doses diárias de estupefacientes.
(Dado 621 Norte, 10 jun 1995).
Forma sintética com gerúndio
10)NA BIBLIOTECA DO LICEU. O CONCERTO DA PIANISTA
MARGARIDA MAGALHÃES DE SOUSA. [...] Se é dificil pôr em
relevo qualquer destes compositores, porque em todos a interpretação
esteve à altura da brilhante inteligência musical de que é possuidora,
apreendendo com facilidade os mais diversos estilos e transmitindo-
os ao publico com invulgar maleabilidade, seja-nos licito destacar os
três Improvisos de Schubert, que deliciaram a assistência e
suscitaram as mais calorosas ovações, e na segunda parte a Dança de
Pack de Debussy, de sonoridades maravilhosas, o empolgante
Prelúdio de Rachmaninoff e a célebre <<Bourrée Fontarque>>, de
Chabrier, peça dificílima, de que a pianista soube tirar todos os
efeitos, mercê da técnica impecável que possui e a todo o momento
aperfeiçoa.
(Dado 117 Açores, 28 jan 1961)
121
Forma sintética com infinitivo gerundivo
11)O MECÂNICO PREVIU TUDO MENOS O LOCAL E A HORA DE
UMA OPERAÇÃO “STOP”. [...] Diversas infracções foram
detectadas, entre as quais três indivíduos a conduzir ilegalmente, um
por a carta haver caducado, dois, por não possuírem carta de
habilitação.
(Dado 446 Lisboa, 03 dez 1971)
Sobre o chamado progressivo, no artigo intitulado “Construções com gerúndio”
(BORGES NETO & FOLTRAN, 2001), os autores afirmam, na seção dedicada às
construções com gerúndio no PE: “Constatamos que, no caso do progressivo e de outras
perífrases verbais que no PB apresentam gerúndio, o PE, na maioria dos dados, vai usar o
infinitivo [...]” (BORGES NETO & FOLTRAN, 2001, p. 730, grifos nossos). Isso mostra que,
para eles, ser “progressivo” subentende ser uma perífrase verbal, no caso do texto deles, com
o auxiliar estar. Os autores dividem sua descrição das construções com gerúndio no PB e no
PE em: “1.1.1 O Progressivo”, “1.1.2. Predicados secundários” e “1.1.3. Orações reduzidas de
gerúndio”, sinalizando que possivelmente as construções perifrásticas que compõem o
chamado progressivo se comportem de maneira diferente das outras estruturas gerundivas
analisadas por eles.
Já no artigo “Sobre a distribuição geográfica de construções sintácticas não-padrão em
português europeu” (CARRILHO & PEREIRA, 2011), as autoras declaram:
A sequência de verbo aspectual (como estar, ficar, andar) seguido de gerúndio,
comum no português brasileiro, ocorre em certas variedades do PE como alternativa
a sequência do verbo aspectual seguido de a e infinitivo, com uma interpretação
equivalente (cf. Gonçalves, 1996). As duas possibilidades podem assim ser
entendidas, no essencial, como variantes.
Neste trabalho foram apenas consideradas as ocorrências de gerúndio a seguir ao
verbo aspectual estar, tomadas como representativas da construção, pela mais alta
frequência deste verbo face aos outro aspectuais. (CARRILHO & PEREIRA, 2011,
p. 130)
Pelo exposto, percebe-se que as autoras consideram que a estrutura de estar +
gerúndio / a + infinitivo é tão mais frequente que as demais construções com gerúndio /
infinitivo gerundivo, que pode servir, inclusive, como exemplo representativo dessa variação.
122
Também (MÓIA & VIOTTI, 2004), em seu artigo chamado “Differences and
similarities between European and Brazilian Portuguese in the use of <<gerúndio>>”, já
mencionado no capítulo 2, os dois autores dividem a descrição das estruturas gerundivas em i.
Gerúndio independente (independent <<gerúndio>>); ii. Gerúndio argumental (argumental
<<gerúndio>>); iii. <<Gerúndio>> perifrástico (periphrastic <<gerúndio>>); iv.
<<Gerúndio>> adnominal (adnominal <<gerúndio>>); e v. Gerúndio adverbial (adverbial
<<gerúndio>>) (grifo nosso). Na seção iii., exclusivamente para tratar do gerúndio
perifrástico, os autores afirmam: “Em um dos seus usos mais comuns, o <<gerúndio>> ocorre
juntamente com os (assim chamados) verbos auxiliares – tipicamente verbos aspectuais, como
estar, continuar e vir.” (MÓIA & VIOTTI, 2004, p. 113, tradução nossa).64
Depois de enunciar várias estruturas perifrásticas descrevendo-as como costumam
ocorrer no Português Brasileiro comparado ao Português Europeu, os autores concluem que
não encontraram motivação semântica e/ou sintática que influencie na variação entre gerúndio
e infinitivo gerundivo nas duas variantes da Língua Portuguesa, ou seja, não chegam a
formular hipóteses a respeito de fatores que possivelmente influenciem na variação entre as
duas formas.
Até onde podemos ver a partir da descrição que acabamos de fazer, parece não haver
regularidade semântica clara na distribuição do gerúndio perifrástico e da forma
infinitiva em competição com ela no português, uma vez que os verbos auxiliares da
mesma família semântica e sintática aparentemente se comportam de formas
diferentes. (MÓIA & VIOTTI, 2004, tradução nossa)65
.
A nossa expectativa é a de conseguir encontrar alguma regularidade nessa variação de
estruturas perifrásticas no nosso corpus do Português Europeu a partir do controle estatístico
das variáveis.
Mas, para falarmos em estruturas perifrásticas, é mandatório falarmos,
necessariamente, sobre verbos auxiliares. Em Mothé (2007, p. 89-100) mostramos o quão
difícil e variável é o conceito de verbo auxiliar nas gramáticas. Os autores costumam adotar
critérios diferenciados para classificar determinado verbo como auxiliar ou principal,
especialmente no que diz respeito a verbos com características “híbridas”, ora de verbo pleno,
64
In one of its most common uses, the <<gerúndio>> co-occurs with (so-called) auxiliary verbs – typically
aspectual verbs, like estar (“be”), continuar (“continue”) or vir (“come”) (MÓIA & VIOTTI, 2004, p. 113).
65
As far as we can see from the description just made, there seems to be no clear semantic regularity in the
distribution of the perifrastic <<gerúndio>> and the competing infinitive form, in Portuguese, since auxiliary
verbs of the same semantic and syntactic family seem to behave differently. (MÓIA & VIOTTI, 2004)
123
ora de verbo auxiliar. A questão persiste, mas, da mesma forma como ocorreu naquele
trabalho, foi preciso, apesar das várias classificações, optar por uma delas para atribuir um
padrão uniforme à codificação dos dados do corpus.
Para chegarmos a uma definição, contrastamos, basicamente, as classificações de
cinco obras: Mateus et alii (2003), Rocha Lima (2002), Cunha & Cintra (2001), Bechara
(2001) e Bosque & Demonte (1999), além de consultarmos a descrição das perífrases
aspectuais de Costa (2002). Dentre esses, Rocha Lima (2002, p. 134) e Cunha & Cintra (2001,
p. 397) apresentaram análises, em nosso entendimento, bastante superficiais sobre a definição
de verbos auxiliares e de perífrases verbais como um todo. Sendo assim, da mesma forma
como fizemos em Mothé (2007), construímos os fatores do grupo estrutura verbal
essencialmente a partir da classificação de Mateus et alii (2003) acrescida de algumas
sugestões de Bechara (2001), como se verá a seguir.
Antes, porém, é curioso destacar uma particularidade da Gramática Descriptiva de la
Lengua Española (BOSQUE & DEMONTE, 1999). Enquanto todas as obras acima
mencionadas (exceto a referida gramática) definem a priori o que são verbos auxiliares para,
depois disso, determinarem o que são as perífrases verbais (basicamente aquelas construções
onde há verbo auxiliar conforme critérios pré-estabelecidos), Bosque & Demonte fazem
exatamente o contrário disso. Eles definem primeiro as características e critérios de
reconhecimento de uma perífrase verbal e, somente após isso, explicam o que seriam os
verbos auxiliares. E, para eles, pode ser um verbo auxiliar qualquer verbo que preencha os
requisitos de formação de uma perífrase verbal. Assim, os autores defendem a ideia de que
não existem verbos essencialmente auxiliares, mas sim “usos auxiliares de determinados
verbos”.
Definir o conceito de perífrase / locução verbal é de suma importância em um
fenômeno que envolve formas nominais, visto que estas frequentemente aparecem associadas
a outros verbos. Os autores listam uma série de critérios para identificar uma perífrase
verbal66
. Nesse sentido, entendem que uma dada construção pode atender a mais ou menos
dois critérios de identificação de perífrases e, por isso, entendem o fenômeno perifrástico
como algo gradual. Consequentemente, para os autores, não faz sentido tentar determinar
66
Neste trabalho, usamos indistintamente as nomenclaturas perífrase verbal, locução verbal, complexo verbal,
construções, estrutura com verbo auxiliar + verbo principal/pleno/auxiliado, embora cientes de que vários
autores prefiram esta ou aquela nomenclatura por diferentes motivações teóricas.
124
com exatidão o momento em que uma determinada construção começa a ser considerada
como perífrase.
Segundo eles, ainda, as perífrases verbais, diferentemente dos tempos compostos,
permitem a intercalação de elementos como advérbios, locuções adverbiais ou sequências
nominais entre os verbos auxiliar e principal, mostrando que a maioria das perífrases possui
um grau de conexão mais fraco do que os tempos compostos (à exceção de algumas perífrases
que possuem o auxiliar fortemente gramaticalizado junto ao verbo principal). Como veremos
adiante, construímos também três grupos de fatores voltados para controlar a existência ou
não de intercalação de itens entre o verbo auxiliar e o principal. Oportunamente detalharemos
cada um deles.
De acordo com os autores, assim como o conceito de auxiliaridade, o conceito de
perífrase verbal apresenta, em certas ocasiões, um caráter claramente contextual. Bosque &
Demonte (1999) definem perífrase verbal no fragmento abaixo:
Uma perífrase verbal é a união de dois ou mais verbos que constituem um só
‘núcleo’ do predicado. O primeiro verbo, chamado ‘auxiliar’, comporta as
informações morfológicas de número e pessoa, e se conjuga em todas (ou em parte
de) as formas ou tempos da conjugação. O segundo verbo, chamado ‘principal’ ou
‘auxiliado’, deve aparecer no infinitivo, gerúndio ou particípio, ou seja, em uma
forma impessoal. (1999, p. 3325, tradução nossa)67
68
Essa definição das perífrases verbais do castelhano também pode ser aplicada às
perífrases verbais da Língua Portuguesa. Os autores destacam, ainda, o fato de que, como as
perífrases compõem um predicado simples – e não complexo –, nenhum dos verbos
desempenha função argumental ou coordenadora com relação ao outro.
Isto posto, aí sim Bosque & Demonte (1999) definem verbo auxiliar. Para eles, um
verbo auxiliar:
67
Una perífrasis verbal es la unión de dos o más verbos que constituyen un solo ‘núcleo’ del predicado. El
premier verbo, llamado ‘auxiliar’, comporta las informaciones morfológicas de número y persona, y se conjuga
en todas (o en parte de) las formas o tiempos de la conjugación. El segundo verbo, llamado ‘principal’ o
‘auxiliado’, debe aparecer en infinitivo, gerundio o participio, es decir, en una forma no personal. (1999, p.
3325)
68
Vale ressaltar que, para os autores, perífrase verbal não é sinônimo de locução verbal, embora algumas
locuções verbais possam ter sido formadas por usos lexicalizados de perífrases verbais.
Algumas diferenças entre as duas construções são: as locuções são formadas por várias palavras e possuem como
centro um único verbo; são unidades léxicas fixas e, por isso, seus componentes não podem ser substituídos.
Além disso, o primeiro verbo da locução não é um auxiliar, e sim um verbo pleno; o primeiro verbo da locução
não carrega valores modais, nem aspectuais, nem temporais nem expressivos; e, em geral, a expressão toda
equivale a um verbo simples. (BOSQUE & DEMONTE, 1999, p. 3342-3343).
125
[...] é aquele que forma parte de uma perífrase verbal como verbo conjugado, quer
dizer, com os morfemas que carregam informação modal, temporal, aspectual, de
pessoa e de número e que se encontra incapaz de selecionar sujeitos e
complementos, pois sua função é meramente de ser uma ferramenta morfossintática.
(BOSQUE & DEMONTE, 1999, p. 3345, tradução nossa).69
Semelhantemente, Bechara (2001) faz uma observação a respeito da importância do
contexto para a decisão de considerar dois verbos como perífrase ou não. Ele afirma que “nem
sempre a aproximação de dois ou mais verbos constitui uma locução verbal; a intenção da
pessoa que fala ou escreve é que determinará a existência ou inexistência da locução.” (2001,
p. 233). E complementa com um trecho de Oiticica:
Só o sentido pode indicar se se trata de expressão verbal. Por exemplo, na frase
Queríamos colher rosas, os verbos queríamos colher constituirão expressão verbal
se pretendo dizer que queríamos colher rosas e não outra flor, sendo rosas o objeto
da declaração. Se, porém, pretendo dizer que o que nós queríamos era colher rosas e
não fazer outra cousa, o objeto da declaração é colher rosas e a declaração principal
se contém incompletamente em queríamos. (Oiticica, 1945, p. 202-203)
Depois de analisar as obras acima, podemos dizer que as duas características básicas
que permitem a identificação de uma perífrase verbal são:
a) A formal impessoal deve possuir carga exclusivamente verbal e não nominal;
b) Não deve haver sujeitos distintos para cada verbo da construção.
Além dessas características primordiais, os autores mencionam ainda outras
“estratégias” que podem ajudar a identificar uma perífrase verbal, mas – independentemente
de como se chegue a essa conclusão –, para que uma estrutura com dois ou mais verbos seja
considerada perífrase verbal, os dois parâmetros acima precisam ser respeitados.
Tais observações da Gramática Despriptiva de la Lengua Española (1999) e da
Moderna Gramática Portuguesa (2001) associadas ao exposto no estudo acerca de perífrases
verbais de Squartini (1998) – já mencionado no capítulo 2 – vêm a ser bastante interessantes
para esta pesquisa visto que, em diversos momentos, ficamos em dúvida sobre se um
determinado verbo que pode estar funcionando como auxiliar o é realmente ou se está
69
[...] es aquel que forma de una perífrasis verbal como verbo conjugado, es decir, con los morfemas que aportan
información modal, temporal, aspectual, de persona y de número, y que se encuentra inhabilitado para
seleccionar sujetos y complementos, pues su misión es la de ser un mero útil morfosintáctico. (BOSQUE;
DEMONTE, 1999, p. 3345).
126
desempenhando um papel de verbo principal, mantendo seu conteúdo semântico e demais
características de verbo pleno. É o que ocorre nos exemplos:
12)PELA GUARDA REPUBLICANA. Foram autoados pelas
patrulhas da Guarda Republicana, na freguesia da Salvada, José
Feira, Fabrício Baião, Antonio Gedinho e João Antonio Verissimo
por andarem cantando pelas ruas, transgredindo o edital do Governo
Civil de Beja.
(Dado 185 Alentejo, 03 jun 1932)
13)FEIRA DA LADRA. Uma numerosa comissão de feirantes do
Mercado de Santa Clara (Feira da Ladra), esteve ontem no Ministerio
das Finanças a pedir para não serem sobrecarregados com mais
impostos, pois é já com grande dificuldade que conseguem pagar as
actuais contribuições.
(Dado 249 Lisboa, 10 fev 1931)
14)A CIDADE. UM TELEGRAMA PARA LONDRES. [...] Aquela
senhora, entretanto, dirigiu-se na terça-feira, á estação de Sintra dos
C. T. T. para expedir novo telegrama, desta vez com a morada da
filha em vez de telefone, e, ontem, esteve na secção de Inforcações
(sic) e Reclamações, a apresentar o caso e a tentar reaver os 28$00
do primeiro telegrama enviado e não entregue.
(Dado 453 Lisboa, 03 dez 1971)
Nos exemplos acima, os verbos andar e estar parecem conservar ainda seus
respectivos conteúdos semânticos, mas é inegável a possibilidade de também funcionarem
como auxiliares nesses contextos. Conforme observamos anteriormente, segundo Bosque &
Demonte (1999), os dois exemplos com construções perifrásticas supostamente compostas
pelo verbo auxiliar estar + verbo pleno, talvez por apresentarem, nos dois casos, adjuntos
adverbiais de tempo e/ou lugar entre o verbo estar e o verbo principal, parecem possuir um
grau de conexão entre si mais fraco do que no exemplo com o auxiliar andar 12). A dúvida
sobre um verbo exercer função de auxiliar ou pleno num determinado contexto é bastante
frequente em exemplos da língua em uso. Como se viu acima, há autores que defendem que a
auxiliaridade muitas vezes deve ser definida pelo contexto. Na língua falada, os aspectos
pragmáticos (contexto, situação, entonação...) são, em geral, suficientes para evitar a
ambiguidade. Mas, em nossos dados de língua escrita (em especial, os de sincronias
passadas), tal determinação costuma ser bastante complexa. E, por isso mesmo, em
consonância com Bosque & Demonte (1999), entendemos que não haja limites claros e
127
estanques entre as fronteiras que definem a natureza perifrástica ou não das orações. Trata-se
de uma noção gradiente.
Ademais, sabemos que alguns verbos hoje tidos como auxiliares antes foram verbos
significativos (ou plenos) e, ao longo da evolução linguística, passaram a ocupar posições em
contextos ambíguos, nos quais pareciam ainda manter seu conteúdo semântico, mas, ao
mesmo tempo, aparentando ser em certa medida, um verbo auxiliar; até, enfim, aparecerem
claramente como auxiliares. Foi o que aconteceu, por exemplo, com o famoso caso de
gramaticalização por que passou o verbo ir para indicar futuro, que gradualmente foi
perdendo seu conteúdo semântico indicando “deslocamento no espaço” e se tornando cada
vez mais gramatical, sendo usado como verbo auxiliar para formação de “futuro do presente
composto”, até chegar a aparecer em construções do tipo “Eu vou ir lá amanhã”. Ora, o
falante só usa o verbo ir duas vezes seguidas em frases assim justamente porque não percebe
– e isso é um processo inconsciente, é claro – a primeira ocorrência do verbo ir como
veiculadora da informação “deslocar-se para algum lugar”.
Todavia, mesmo concordando com a posição que defende não existirem limites claros
entre um verbo ser ou não auxiliar, cientes dessas fronteiras muitas vezes nebulosas sobre a
condição perifrástica ou não de uma construção, para a leitura dos dados pelo programa
estatístico, precisamos atribuir um código a todas as ocorrências. A decisão a ser tomada
trata-se de mais uma questão de natureza metodológica. Para casos assim, optamos por
considerar tais estruturas como perifrásticas, com os verbos andar e estar (ou algum outro
que aparecesse em contexto semelhante) como auxiliares, de modo a não “perder” a
informação de que existe a possibilidade de que sejam interpretadas como estruturas
perifrásticas, o que aconteceria se fossem classificados indistintamente como verbos plenos
em estruturas sintéticas.
Outra situação complexa imposta pelas ocorrências dos dados de língua real, retirados
do nosso corpus diz respeito ao caso de perífrases verbais compostas por mais de dois verbos.
Em situações desse tipo, lançamos mão igualmente da definição de verbo auxiliar de Bosque
& Demonte (1999), considerando como verbo auxiliar, basicamente, aquele que carrega as
funções morfossintáticas da perífrase verbal.
Quando a perífrase verbal possui mais de dois verbos, diz-se que há, no âmbito
sintático, “orações simples segmentáveis em um auxiliar (toda a cadeia) e um principal
(auxiliado)” (BOSQUE & DEMONTE, 1999). Nesses casos, apenas o primeiro auxiliar
permite flexão de pessoa. Sendo assim, nos exemplos abaixo:
128
15)E’ a sua festa de homenagem, que brevemente se deve realizar
com um programa sensacional de concerto e variedades e que está
sendo elaborado com o maior carinho e meticulosidade.
(Dado 135 Algarve, 06 set 1931)
16)O julgamento foi rodeado de rigorosas medidas de segurança
dado o alto índice e perigosidade dos réus, especialmente do
<<Alentejano>> que, entre seus crimes, já consta o assassinato de
um agente da PSP, um assalto a mão armada aos CTT de Caxias e
fuga duma sala de audiências, em Fevereiro de 1980, quando estava a
ser julgado.
(Dado 485 Lisboa, 10 jun 1981)
optamos por considerar como verbo auxiliar o primeiro verbo da perífrase verbal, aquele que
carrega as informações gramaticais da mesma. Nos exemplos acima, trata-se do auxiliar estar.
Quase a totalidade dos casos desse tipo aconteceu com orações na voz passiva analítica, em
que havia o auxiliar com as informações morfossintáticas seguido do auxiliar ser, responsável
por indicar a voz passiva analítica. Sendo assim, marcávamos a existência de ambos os verbos
auxiliares. O primeiro deles, no grupo estrutura verbal, tratado nesta seção. O outro – o verbo
ser – acabava também sendo sinalizado – ainda que indiretamente – no grupo de fatores voz
verbal, onde, através da codificação para voz passiva analítica, também se registrava a
existência do verbo formador dessa estrutura.
Resta-nos, agora, explicitar quais foram os verbos considerados como auxiliares neste
trabalho, que seguiu os mesmos padrões de Mothé (2007), a saber: baseados em Mateus et alii
(2003) e em Bechara (2001).
De acordo com Mateus et alii (2003), existem três grandes subclasses de verbos: os
principais, os copulativos e os auxiliares. Os verbos principais (também chamados
de verbos plenos) são o núcleo semântico de uma oração. Os copulativos são aqueles
também chamados de predicativos, de cópula ou de ligação pela tradição
gramatical. E os verbos auxiliares, que nos interessam mais de perto neste estudo,
são aqueles presentes em orações que possuem, pelo menos, dois verbos: um
auxiliar e um auxiliado (= verbo principal). (MOTHÉ, 2007, p. 89)
Assim como visto em Bosque & Demonte (1999), para Mateus et alii (2003), os
verbos auxiliares também não têm significado lexical. Para as autoras, as construções que
possuem dois verbos podem ser constituídas por:
129
verbo auxiliar + verbo principal (que formam uma unidade sintática, um sintagma
verbal único. Trata-se, portanto, das estruturas que aqui expomos), ou
verbo principal + verbo principal (que mantêm uma relação de complementação
verbal de natureza frásica, como em Tentei fazer um bolo., em que fazer um bolo é argumento
do tipo objeto direto do verbo fazer.).
Ao contrário de Bosque & Demonte (1999), as autoras apresentam seus “critérios”
para a identificação de um verbo auxiliar (2003, p. 404-409) para só em seguida deduzirem o
que seriam as perífrases. Depois de explicitarem os critérios de identificação, concluem que,
para elas, só existem oito verbos que preenchem todos os critérios de típicos verbos
auxiliares:
Ter e haver: seguidos de particípio (auxiliares de tempos compostos);
Andar, estar, ficar, ir e vir: seguidos de gerúndio (auxiliares aspectuais);
Ser: seguido de particípio passado (auxiliar da voz passiva).
Entre os verbos principais e os verbos auxiliares, porém, as autoras afirmam existirem
outros dois tipos de verbos: os leves (que também podem ser chamados de verbo operador ou
de verbo suporte) e os semiauxiliares. Ambos têm em comum o fato de formarem um
predicado complexo (diferentemente dos “verdadeiros” auxiliares). Reproduzimos abaixo um
quadro de Mothé (2007, p. 92-93) que compara os dois tipos de estrutura segundo Mateus et
alii (2003, p. 311-316):
VERBOS LEVES VERBOS SEMIAUXILIARES
Geralmente, são classificados como
principais, mas não se comportam como
tais em certas construções.
Geralmente, são classificados como
auxiliares, mas não respondem
afirmativamente a todos os critérios de
auxiliaridade.
Sofreram um processo de gramaticalização
por esvaziamento lexical.
São esvaziados de significado lexical e não
selecionam argumentos.
O centro semântico da frase passa a ser
uma expressão nominal (e não um verbo)
que, frequentemente, pode ser substituída
por verbos principais de significado
equivalente.
Tal expressão nominal funciona como um
argumento do verbo leve.
Os semiauxiliares mais próximos dos
“verdadeiros auxiliares” são:
- Ir + infinitivo (indicando futuro)
- Verbos aspectuais construídos pela
preposição a + infinitivo do verbo
principal (= infinitivo gerundivo).
130
Exemplos: dar uma contribuição x
contribuir; fazer queixas x queixar-se, ter
influência x influenciar.
Exemplos de semiauxiliares aspectuais:
chegar, começar, continuar, tornar, estar,
acabar.
Quadro 13: Verbos leves x verbos semiauxiliares, segundo Mateus et alii (2003)
Já na Moderna Gramática do Português (2001), Bechara divide os verbos em
“conjuntos” de auxiliares de acordo com seu uso. Assim, para ele, além dos auxiliares
formadores de tempos compostos (ter, haver e ser) e dos formadores de voz passiva (ser,
estar e ficar), também existem:
1) os auxiliares acurativos, que são aqueles que se combinam com o infinitivo ou com
o gerúndio do verbo principal para indicar nuances de aspecto que não podem ser expressas
apenas pelos tempos passado, presente e futuro. Referem-se, basicamente, aos casos que
Mateus et alii (2003) chamam de auxiliares aspectuais. Exemplos:
a- início de ação (começar a + infinitivo, pôr-se a + infinitivo etc.)
b- iminência de ação (estar para/por + infinitivo etc.)
c- continuidade da ação (continuar + gerúndio / infinitivo gerundivo70
)
d- desenvolvimento gradual da ação, duração (estar + a + infinitivo, andar +
gerúndio, vir + gerúndio, ir + gerúndio)
e- repetição de ação
f- término de ação
2) auxiliares modais: são aqueles que se unem ao infinitivo ou ao gerúndio do verbo
principal para indicar o modo como se realiza uma ação verbal.
a- necessidade, obrigação, dever (ter de, dever, precisar etc. + infinitivo)
b- possibilidade ou capacidade (poder, dever etc. + infinitivo)
c- vontade ou desejo (querer, desejar, odiar etc. + infinitivo)
d- tentativa ou esforço (buscar, pretender, tentar, atrever-se a + infinitivo)
e- consecução (conseguir, lograr + infinitivo etc.)
f- aparência, dúvida (parecer + infinitivo etc.)
g- movimento para realizar um intento futuro (ir + infinitivo etc.)
70
Bechara destaca nesse ponto de seu texto que a forma com gerúndio é a mais antiga no idioma. Em nota, o
autor aponta que a construção com gerúndio é a preferida no Brasil, ao passo que, em Portugal, a forma em
infinitivo é a mais usual, apesar de não ser a única.
131
h- resultado (vir a, chegar a + infinitivo etc.)
3) auxiliares causativos e sensitivos: são aqueles que, combinados com infinitivo ou
com gerúndio, se comportam sintaticamente como locuções verbais, embora não o sejam de
fato. Exemplos de causativos: deixar, mandar, fazer e sinônimos; exemplos de sensitivos: ver,
ouvir, sentir e sinônimos.
Como se pode observar, Bechara amplia muito a lista dos auxiliares em relação aos
demais autores, assim como fazem, para o castelhano, Bosque & Demonte (1999) que citam
muitas perífrases constituídas por verbos que não costumam ser considerados auxiliares, mas,
conforme já constatado acima, isso se deve ao fato de os autores considerarem primordial a
definição de perífrase verbal e, consequentemente, toda e qualquer construção verbal que
atenda a seus critérios é, portanto, formada por um verbo auxiliar (seja ele qual for) + um
verbo pleno.
Além dessas obras já citadas, convém mencionar os auxiliares aspectuais mostrados
por Costa (2002) em sua obra específica sobre aspecto. Conforme já explicitamos no capítulo
2 deste trabalho, a autora afirma que uma das realizações possíveis do aspecto em língua
portuguesa é através de formas verbais. Ela relaciona uma série de possibilidades para essa
concretização, das quais mencionamos aqui a seção que ela denomina “O aspecto verbal em
perífrases”. A autora abre a seção afirmando:
[...] os verbos que são tradicionalmente chamados “de ligação” ou “copulativos”,
quando associados às formas nominais Gerúndio ou Particípio, constroem perífrases
que expressam Aspecto e Voz, além, naturalmente, da marca da categoria de Tempo
também presente através do morfema Modo-temporal acrescido ao primeiro verbo.
Assim, nessas perífrases com Gerúndio temos a expressão de Aspecto imperfectivo
em curso (processo) e Voz ativa [...]. (COSTA, 2002, p. 51)
E, em seguida, dedica-se a determinar quais seriam esses verbos que – sendo em geral
classificados como “de ligação ou copulativos” – costumam constituir as perífrases aspectuais
com as formas nominais. Utilizam como referência para esse fim justamente a definição da
primeira gramática de Mateus et alii, publicada em 1983 e optam, seguindo a mesma
nomenclatura da referida gramática, por chamar tais verbos de estativos. São eles: ser, estar,
ficar, permanecer, andar, continuar (excluem apenas o verbo parecer da série de verbos
listados como estativos em Mateus et alii).
132
Dentre esses, elas afirmam que o verbo ser é o único que constitui perífrases
aspectuais perfectivas e, mais que isso, afirmam que o mesmo não é capaz de formar
perífrases imperfectivas, uma vez que expressa um estado permanente, não faseável. Sendo
assim, ele seria um forte candidato a não ser considerado como verbo auxiliar em nossa
pesquisa, que pressupõe construções imperfectivas que expressam ação em curso, conforme
vimos no capítulo 2. Mas, ainda assim, por ser um dos verbos auxiliares aspectuais,
inicialmente optamos por codificar as ocorrências de construções ser + gerúndio / infinitivo
gerundivo, embora tenhamos nos deparado com uma peculiaridade nessas construções que
será mencionada adiante.
Após essas observações, a autora conclui que as perífrases aspectuais imperfectivas
são constituídas pelos seguintes auxiliares aspectuais: estar, ficar, permanecer (que funciona
como ficar e assemelha-se a continuar) e andar. Desses, chamamos os verbos estar, ficar e
andar como os auxiliares aspectuais “clássicos”, por serem os principais formadores de
perífrases de aspecto progressivo quando juntos a um verbo pleno em gerúndio ou no
infinitivo precedido da preposição a.
Assim, a partir da análise das obras supracitadas, chegamos às estruturas que, além dos
verbos plenos, foram contempladas como fatores do grupo estrutura verbal na presente
pesquisa. São eles, conforme já explicitados no Quadro 11, acima:
Estrutura analítica com auxiliar ANDAR;
Estrutura analítica com auxiliar FICAR;
Estrutura analítica com auxiliar IR;
Estrutura analítica com auxiliar VIR;
Estrutura analítica com auxiliar SER;
Estrutura analítica com semiauxiliar CONTINUAR;
Estrutura analítica com outros semiauxiliares (auxiliares acidentais);
Estrutura analítica com VERBOS LEVES;
Estrutura analítica com VERBOS MODAIS;
Estrutura analítica com a forma nominal (gerúndio ou a + infinitivo) no verbo
auxiliar
133
Seguem os exemplos de cada uma dessas construções para que sejam observadas
como ocorrem com gerúndio e com infinitivo gerundivo. (Não voltamos a fornecer exemplos
com estrutura sintética e com estrutura analítica com verbo auxiliar estar, visto que esses já
foram fornecidos na abertura desta seção).
Estrutura analítica com auxiliar ANDAR
17)CANELLAS. Passados alguns mezes depois do crime, foram
encontradas as pelles dos ditos animaes por dois homens que
andavam desocupando um curral d’estrume em casa d’um dos
gatunos e onde as ovelhas foram comidas.
(Dado 066 Centro, 29 abr 1911)
18)DUAS RAPOSAS CAPTURADAS VIVAS. No lugar da Carregosa
andavam a arrancar cepos, numa propriedade, os trabalhadores
António Simão e Manuel Augusto Justino, ambos do concelho de
Cantanhede, quando viram entrar, numa toca próximo do local onde
trabalhavam, duas raposas.
(Dado 267 Centro, 06 jan 1961)
Estrutura analítica com auxiliar FICAR
19)DIA DE FINADOS. A PIEDOSA COMEMORAÇÃO DOS FIEIS
DEFUNTOS. Flores, muitas flores ficaram juncando os campos
sagrados, mais frescos e mais perfumados quando cobriam a jazida
minuscula de alguma criança, talvez porque lagrimas de mãe as
tivessem regado, ou porque as acariciasse brandamente a alminha
tambem em flor do pequenino morto.
(Dado 195 Lisboa, 03 nov 1924)
20)CASOS DE POLÍCIA. [...] DESEMBARCOU E FOI ROUBADO.
O Lucilio esperou largo tempo e como o outro não aparecesse,
desconfiou e pediu o auxilio da Policia, que prendeu o outro
individuo, que lhe ficara a fazer companhia.
(Dado 339 Lisboa, 02 set 1951)
134
Estrutura analítica com auxiliar IR
As perífrases gerundiais com os auxiliares ir e vir (abaixo) são sempre questionáveis
quanto à possibilidade de alternância gerúndio x infinitivo gerundivo, visto que muitos
autores afirmam que, com esses auxiliares, não é possível o uso de infinitivo gerundivo,
mesmo em Portugal. Entretanto, conforme já explicitado no capítulo 1, se cremos que o
infinitivo gerundivo tem avançado a ponto de passar a aparecer em contextos não previstos,
cremos que – ao menos inicialmente – isso justificasse a seleção de dados com esses
auxiliares.
Há poucas ocorrências de construções com esses dois auxiliares, considerando o total
de dados (apenas 51 dados com auxiliar ir e 20 dados com auxiliar vir, de um total de 2649
dados, ou seja, cerca de 2,6% do total). Desses 71 dados, há apenas dois com infinitivo
gerundivo, sendo ambos com o auxiliar ir, ou seja, não há dados de infinitivo gerundivo com
o auxiliar vir em nosso corpus atual. Além disso, um outro problema é que, nas duas
ocorrências, existe margem para que se questionem, respectivamente, como se verá, a
auxiliaridade do verbo ir e o aspecto progressivo do a + infinitivo. Mas o fato de haver
poucos, embora aparentemente pouco relevante do ponto de vista quantitativo, possui grande
valor qualitativo para uma análise linguística, mostrando que, além de não ser “agramatical”
como muitas vezes se considera, talvez – com as mudanças inerentes às línguas, que nunca
param – um dia a frequência de uso de infinitivo gerundivo com esses auxiliares pode passar a
ser maior. No corpus de nossa pesquisa anterior, Mothé (2007), havia mais dados (do século
XIX e que, portanto, ficaram de fora do corpus atual) de construções com os auxiliares ir e vir
com leitura mais claramente gerundial do que as que obtivemos agora, por exemplo. Abaixo
podemos ver um exemplo de estrutura analítica com o verbo auxiliar ir seguida dos dois
únicos casos de verbo ir + (a + infinitivo).
21)A CONSTRUÇAO DO SANATÓRIO DO MONTE ALTO. [...]
Destes três departamentos projectados foi-se erguendo o último, dada
a necessidade de tratamento continuado dos doentes susceptíveis de
cura.
(Dado 345 Norte, 03 jul 1945)
22)PELO DISTRICTO. Em Arada d’Ovar, realisou-se, nos últimos
sabbado, domingo e segunda-feira, a grande festa a Nossa Senhora
do Desterro, que é uma das romarias mais importantes do Districto,
135
onde vão milhares de devotos de muitas terras, a agradecer á Senhora
benefícios recebidos.
(Dado 016 Centro, 14 abr 1904)
23)CAMPANHA ELEITORAL CAUSA <<DORES DE CABEÇA>>
AO GOVERNO CIVIL. [...] Todas as urnas e câmaras de voto já
foram distribuídas e vão começar a ser entregues, hoje, os boletins de
voto pelas respectivas Câmaras.
(Dado 524 Norte, 11 abr 1975)
Como se pode observar, o exemplo 22), acima, trata-se de um caso em que não fica
claro se o verbo ir é pleno ou se serve como auxiliar de “a agradecer”. O fato de existir um
sintagma nominal entre o suposto verbo auxiliar e o verbo principal favorece a leitura do
verbo ir como pleno. Entretanto, também é verdade ser possível a leitura:
“[...] é uma das romarias mais importantes do Distrito, onde milhares de devotos de muitas
terras vão a agradecer á Senhora benefícios recebidos.”
Ainda mais questionável é o exemplo 23), em que “a ser” muito provavelmente é
complemento do semiauxiliar começar, sem valor gerundivo. Mas, ainda assim, também é
possível a substituição de “a ser” por “sendo”, com gerúndio, sem alteração semântica no
enunciado.
“Todas as urnas e câmaras de voto foram distribuídas e vão começar sendo entregues, hoje,
os boletins de voto pelas respectivas Câmaras.”
Squartini (1998) menciona que existem peculiaridades referentes ao emprego de ir e
vir com na estrutura chamada de “progressiva”, majoritariamente representada por meio da
construção estar + gerúndio / infinitivo gerundivo. Mas o autor não afirma serem impossíveis:
Em meio às construções gerundiais também podemos encontrar a forma
“progressiva” das línguas ibero-românicas e do italiano, que é formada pelo verbo
stare, oriundo do latim. Essa forma receberá atenção especial neste trabalho e seu
papel semântico também será contrastado com outras formas gerundivas, em
particular aquelas formadas por verbos de movimento tais como ‘ir’ e ‘vir’ que
podem aparecer nos mesmos contextos que o Progressivo, mas em geral são
muito menos frequentes e possuem algumas restrições idiossincráticas. (SQUARTINI, 1998, p. 27, tradução e grifos nossos)
71
71
Among gerundial constructions we can also find the “progressive” form of the Ibero-Romance languages and
Italian, which is formed with the descendant of the Latin verb stare. This form will be given particular attention
136
O autor menciona esse trecho imediatamente após afirmar que no Português Europeu
predomina a construção gerundiva com infinitivo precedido de a no lugar do gerúndio. Ou
seja, ao dizer que as construções com auxiliares ir e vir ocorrem nos mesmos contextos em
que ocorre a construção estar + gerúndio, entendemos que isso significa dizer que tais
construções também podem veicular informação de aspecto progressivo, apesar de serem
muito menos frequentes e de apresentarem – como o autor diz – algumas restrições nesse uso.
Além disso, Móia & Viotti (2004) também consideram a possibilidade de variação
entre gerúndio e a + infinitivo em construções com o verbo auxiliar vir:
Em segundo lugar, existe o caso em que tanto o gerúndio quanto o infinitivo são
comuns no PE (enquanto o PB geralmente emprega apenas o gerúndio). Isso
acontece, pelo menos, com o verbo VIR, que indica mudança gradual no tempo
relevante das situações. O uso desse verbo auxiliar apresenta algumas
idiossincrasias, com diferenças no uso das formas simples x formas compostas.
(segundo sabemos, ainda não comentadas na literatura)
Em estruturas com a forma simples do verbo auxiliar vir, o PE prefere claramente o
uso de gerúndio (embora alguns exemplos com o infinitivo – ligeiramente estranhos
para alguns falantes do PE – estejam registrados no corpus); o PB usa apenas o
gerúndio: […]. (MÓIA & VIOTTI, 2004, p. 118, tradução nossa, grifos dos
autores)72
.
Como podemos observar, embora afirmem que, no PE, a preferência é pelo uso do
gerúndio em construções com a forma simples do auxiliar vir, os autores mencionam terem
registrado em seu corpus do PE casos em que ocorre o infinitivo no lugar do gerúndio (ainda
que tais dados soem “estranhos” a alguns informantes do PE, como eles atestam).
De uma forma ou de outra, por serem poucos e – em certa medida – categóricos (se
não considerarmos os dois exemplos acima gerundiais), achamos mais adequado excluir
definitivamente os dados com auxiliares ir e vir da análise quantitativa.
in the present work, and its semantic role will be also contrasted with the other gerundial forms and in particular
with those formed with motion verbs such as ‘go’ and ‘come’ that can occur in the same contexts as Progressive
but are in general much less frequent and present more idiosyncratic restrictions. (SQUARTINI, 1998, p. 27) 72
Secondly, there is the case where the «gerúndio» and the infinitive are both common in EP (while BP
normally only resorts to the «gerúndio»). This happens at least with the verb VIR (“come”), which indicates
gradual change in time of the relevant state-of-affairs. The use of this auxiliary verb reveals some idiosyncrasies,
with differences arising from the use of the simple vs. the compound forms (unnoticed in the literature, to our
knowledge).
In structures with the simple forms of the auxiliary verb vir, EP clearly favours the use of the «gerúndio»
(though a few instances with the infinitive – slightly odd to some EP speakers – are registered in the corpus); BP
only uses the «gerúndio»: […]. (MÓIA & VIOTTI, 2004, p. 118)
137
Estrutura analítica com auxiliar VIR
Abaixo, um exemplo para ilustrar as ocorrências de perífrases com auxiliar vir do
corpus, como mencionado antes, sempre seguido da forma nominal gerúndio.
24)OUTRA SEARA CEIFADA GRATUITAMENTE A UM
LAVRADOR ALENTEJANO. No passado domingo coube a vez ao
povo desta localidade de seguir o exemplo dado pelos rurais de
Baleizão e Ervidel, e, num gesto de reconhecimento, ceifou uma
<<folha>> de trigo do lavrador sr. Mariano António Marujo,
projecto que os trabalhadores sambrissenses vinham alimentando
desde há muito.
(Dado 355 Alentejo, 06 jun 1963)
Estrutura analítica com auxiliar SER
Embora tenhamos criado um fator para as construções com verbo auxiliar ser, todas as
suas ocorrências são como auxiliar de voz passiva, acompanhando o verbo principal no
particípio e sempre se apresentando com a forma nominal gerúndio, nunca com a + infinitivo.
Sendo assim, os dados foram igualmente excluídos da análise quantitativa deste trabalho.
Segue, abaixo, um exemplo desse tipo de dado:
25)INCENDIO. [...] O incendio, que teve começo na carvoeira da
cozinha, causou prejuizos em portas, tetos e alizares, sendo extinto
com o emprego de uma agulheta pelos Sapadores Bombeiros.
(Dado 294 Lisboa, 15 mai 1941)
Estrutura analítica com semiauxiliar CONTINUAR
Conforme mencionado anteriormente, Mateus et alii (2003) consideram o verbo
continuar como um semiauxiliar quando presente em construções perifrásticas. Mas, em vez
de classificá-lo com o rótulo genérico de semiauxiliares – como foi feito com os demais
verbos que se enquadram nessa classificação segundo Mateus et alii (2003), conforme
descrito adiante –, optamos por codificá-lo à parte, assim como fizemos com os verbos
auxiliares, codificados separadamente uns dos outros. Bechara (2001) chega a considerar o
138
verbo continuar como auxiliar, inclusive. Tomamos essa decisão devido ao fato de essas
construções serem muito produtivas tanto com gerúndio quanto com a + infinitivo, o que, a
nosso ver, justifica analisar tais construções separadamente dos demais semiauxiliares
agrupados em um só fator.
Além disso, separá-los dos demais dados de semiauxiliares também nos pareceu
relevante para poder analisar em maior detalhe essas construções, já que muitas vezes é
possível questionar se a preposição a em estruturas do tipo “verbo continuar + a + infinitvo”
indica realmente infinitivo gerundivo ou se, na verdade, não seria meramente o complemento
exigido pela regência do verbo continuar. Isto é: a leitura adequada seria “[verbo continuar +
a] + infinitvo” (não gerundivo) ou “verbo continuar + [a + infinitvo] (gerundivo)”? De fato, a
interpretação, nesses casos, é dúbia e, no grupo de fatores cambialidade – que
pormenorizaremos mais à frente –, esses dados foram classificados como ambíguos.
Conforme já mencionamos no capítulo 2, Móia & Viotti (2004) chegam a afirmar que
as construções gerundivas com o verbo auxiliar continuar variam “livremente” no PB,
podendo aparecer tanto com gerúndio quanto com infinitivo (embora – segundo eles – o PE
prefira, como sua tendência geral, o uso do infinitivo). Mas reiteramos o questionamento: até
que ponto existe, de fato, a “preferência pelo infinitivo” simplesmente por ser a estrutura mais
usada no PE hoje? Tal uso, nessa construção específica, não seria meramente a influência da
regência do verbo continuar? Apesar disso, porém, é inegável a possibilidade de alternância
entre gerúndio e a + infinitivo em construções com verbo continuar, como se pode verificar
no exemplo abaixo:
26)SENADO MONTEMORENSE. Na segunda feira e hontem
continuou reunindo o nosso Senado, e a tratar de assumptos que se
dizem – de interesse para Montemór.
(Dados 127 e 128 Alentejo, 21 jan 1914)
Como se pode ver, temos acima um caso em que, no mesmo período, o verbo
continuar serve como auxiliar de “reunindo”, no gerúndio, e de “a tratar”, com infinitivo. É
possível interpretar a preposição “a” como regência do verbo continuar (elíptico, nessa
oração), mas, da mesma forma, também é possível enxergar a expressão “a + infinitivo
(tratar)” como infinitivo gerundivo, semelhante e em paralelismo com “reunindo”, na oração
anterior. Sendo assim, entendemos que as ocorrências desse complexo verbal “continuar + a
+ infinitivo” permitem uma leitura gerundial, especialmente pela natureza semântica do verbo
139
continuar, que pressupõe uma ação durativa. Seguem exemplos com gerúndio e com a +
infinitivo.
27)A companhia do Theatro Lisbonense continua trabalhando com
agrado no theatro barraca do Rocio.
(Dado 049 Alentejo, 09 ago 1902)
28)PELA CIDADE. UMA SIMPLES E INOFENSIVA PARTIDA DE
BILHAR ORIGINOU UMA DESORDEM ENTRE DOIS CASAIS.O
dono do estabelecimento pô-los fora da porta, onde eles continuaram
a brigar.
(Dado 404 Norte, 01 mar 1955)
Estrutura analítica com demais semiauxiliares (ou auxiliares acidentais)
As ocorrências com esses semiauxiliares são semelhantes às construções com
semiauxiliar continuar. A maioria dos semiauxiliares é regida pela preposição a, o que torna
ambígua a interpretação do complemento infinitivo como aspecto progressivo ou não.
Sabemos, até pelas ocorrências com gerúndio, tais como o exemplo 29), abaixo, ser possível
nessas construções a alternância entre as duas variantes aqui estudadas. Entretanto, tomamos
o cuidado de incluir no corpus somente ocorrências em que de fato exista a possibilidade de
leitura gerundiva da oração e não qualquer ocorrência de “semiauxiliar x + a + infinitivo”,
que muitas vezes é claramente não alternável por gerúndio.
29)POLICIAIS DIGNOS DE LOUVOR. PRISÃO DO ASSASSINO
FRANCISCO LEAL, QUE ASSASSINOU HORROROSAMENTE O
JOSÉ ALLEMÃO NO LUGAR DA RAINHA. [...] Uma vez ali
começaram procurando, sem dados, o assassino Francisco Leal, não
lhes tendo ali dado ninguém relação d’ele.
(Dado 115 Lisboa, 01 ago 1913)
30)O ÚLTIMO DIA DAS FESTAS DA ALAMEDA PROMOVIDAS
PELO SPORTING C. FARENSE. Berta Cardoso, que se exibiu na
noite anterior, assistiu ás festas e só não voltou a cantar por se
encontrar bastante adoentada.
(Dado 212 Algarve, 13 ago 1944)
140
No dado 030, acima, a interpretação é efetivamente ambígua. A notícia reporta sobre
as festas da cidade e menciona uma cantora que já tinha se apresentado na noite anterior. Ora,
a construção “voltou a cantar” poderia, portanto, de fato, indicar que ela simplesmente não
voltou a cantar por estar doente (ideia não durativa, sendo o a meramente a preposição da
regência de voltar) ou poderia indicar que a cantora até voltou à festa no dia seguinte apesar
de adoentada, mas não voltou cantando (ideia durativa).
De qualquer forma, mesmo com essa dupla possibilidade de leitura, fizemos rodadas
estatísticas com e sem esses tipos de dados, para verificar se sua presença ou não no corpus
influencia de alguma maneira os resultados.
Estrutura analítica com verbos leves
31)TRÊS PESSOAS FERIDAS NUM INVULGAR ACIDENTE. [...]
Em dado momento, a roda da frente do veículo soltou-se, dando
origem a que o ciclista fosse projectado à distância, com tanta
infelicidade, que foi de encontro a Maria Luísa Vaz Lourenço Costa,
de 44 anos, casada, doméstica, e sua filha Maria Luísa Lourenço
Costa, de 17 anos, solteira, empregada de escritório, residentes na
Rua de Delfim Lima, 3537, Canelas, também do concelho de Vila
Nova de Gaia, e que se encontravam na berma da estrada, a fim de ali
aguardarem uma caminheta de passageiros que as transportasse à
sua residência.
(Dado 481 Norte, 11 abr 1965)
32)COMBATE À DROGA PASSA PELA FORMAÇÃO. Formação
específica para pais e professores, a ter início em Março próximo, foi
a resolução acordada na reunião efectuada ontem à tarde nas
instalações da Junta de Freguesia de Sines, pelas entidades ligadas à
Comissão de Combate à Droga.
(Dado 435 Alentejo, 31 jan 1992)
Conforme se pode observar, as construções com verbos leves, embora, de certa
maneira, sejam analíticas, por serem compostas por mais de uma palavra, não são exatamente
locuções verbais, por não serem compostas por verbo auxiliar + verbo principal. Elas são, na
verdade, construções com um só verbo + nome. Com efeito, o único dado do nosso corpus em
que uma construção com verbo leve apareceu com infinitivo gerundivo foi o exemplo 32),
acima. Sendo assim, por serem poucos dados, na maioria das rodadas, esses casos foram
141
amalgamados com as ocorrências com verbos plenos, sendo considerados como estruturas
sintéticas.
Estrutura analítica com verbos modais
33)Não ha ligação nenhuma, mas os dissidentes estiveram na camara ao lado dos republicanos e d’outras opposições, em tudo quanto era
justo e liberal, e assim como em todos os paizes, e ainda agora na
Allemanha, há a união de elementos políticos antagônicos, não teria
duvida, apesar de monarchicos, de entrar n’um entendimento eleitoral
e parlamentar; devendo accrescentar que o não há: que nem os
republicanos nem os dissidentes o propozeram ou pediram.
(Dado 059 Açores, 13 mai 1907)
34)PESSOAL DA EXPLORAÇÃO DO PORTO DE LISBOA. [...] Nele
vem lavrado um protesto contra os últimos acontecimentos,
lamentando a prisão dos consócios, fazendo sciente a todos os
associados de que espera, de todos os que estejam dispostos a
coadjuvarem e conservarem a boa união entre a classe, a aprovação
deste protesto, a fim de que esta direcção, dentro da lei, da ordem, do
método e da disciplina, factores imprescindíveis no seio da
colectividade, possa continuar a desempenhar o mandato de que foi
incumbida, o qual terá de declinar no caso de não merecer a
confiança que nela foi depositada quando da sua eleição ou de lhe
faltar a cooperação de todos os interessados na existência legal da
associação.
(Dado 152 Lisboa, 03 ago 1913)
As ocorrências de construções com verbos modais foram poucas no corpus: 39 ao
todo, sendo 36 com gerúndio (apresentando o gerúndio no próprio verbo modal, como no
exemplo 33)) e apenas três com infinitivo gerundivo. Todas as três ocorrências com infinitivo
gerundivo incluem o semiauxiliar continuar, conforme o exemplo 34) acima. Sendo assim,
pelas mesmas razões que apresentamos a respeito das construções com semiauxiliar
continuar, também excluímos de algumas rodadas os dados com verbos modais, por
questionarmos se há efetivamente o aspecto progressivo nesses contextos e por questionarmos
a possibilidade de variação das ocorrências com gerúndio no verbo modal por infinitivo
gerundivo (que geraria, no caso do exemplo 33), uma estrutura do tipo “a dever acrescentar”),
já que nenhuma ocorrência desse tipo apareceu em nossos dados.
142
Estrutura analítica com a forma nominal (gerúndio ou a + infinitivo) no verbo
auxiliar
Por fim, criamos um fator para contemplar os dados em que o gerúndio não era, como
de costume, o verbo principal da perífrase verbal. Como visto acima, em uma perífrase verbal,
o verbo principal é quase sempre uma das formas nominais do verbo, responsável por seu
núcleo semântico. Entretanto, em alguns casos, o complexo verbal é constituído por duas
formas nominais, uma funcionando como auxiliar e outra como principal. Os dados
classificados como pertencentes a esse fator acabaram por ser excluídos da análise. Isso
porque todas as suas ocorrências – que foram bastantes, 327 ao todo – foram com a forma
nominal gerúndio, indicando que muito provavelmente não admitem variação com infinitivo
gerundivo, mesmo no Português Europeu. São, majoritariamente, dados em que o gerúndio
aparece no verbo auxiliar ter ou haver seguido de verbo principal no particípio passado, ou
seja, os já referidos casos de gerúndio composto, como no dado abaixo:
35)FESTAS DO CARMO REVESTIRAM ÊSTE ANO GRANDE
BRILHANTISMO E TIVERAM LARGA CONCORRÊNCIA. Não
ficaram a perder de vista aos anos anteriores, tendo revestido aquele
luzimento que lhes é tradicional, as festas realizadas nesta cidade em
honra de Nossa Senhora do Monte do Carmo e que tiveram por fulcro
o formoso templo da sua invocação.
(Dado 174 Algarve, 24 jul 1938)
Mas também podem ser casos com outro tipo de construção em que o gerúndio
estivesse no verbo auxiliar, como em:
36)O MECÂNICO PREVIU TUDO MENOS O LOCAL E A HORA DE
UMA OPERAÇÃO “STOP”. [...] O mecânico foi preso, estando
agora a Polícia a investigar todas as suas actividades.
(Dado 448 Lisboa, 03 dez 1971)
37)O PREÇO DO CAFÉ. PROVOCOU ONTEM Á NOITE, NA
BRASILEIRA, DO ROSSIO, UM GRANDE MOTIM. [...] Por esse
motivo foi requisitada a intervenção da policia que evacuou o
143
estabelecimento que, em seguida, foi encerrado, ficando a guardá-lo
alguns civicos.
(Dado 189 Lisboa, 02 nov 1924)
38)EM LISBOA. DESASTRE NO TRABALHO. José Joaquim Junior,
morador na rua do Marquez de Sá da Bandeira, 20, loja, andando a
trabalhar nos carris de ferro, no Campo Grande, fez um ferimento
com a picareta no pe direito.
(Dado Lisboa, 12 abr 1904)
Nesses casos, inicialmente sinalizamos haver dois dados: o primeiro analisado sob o
ponto de vista de uma estrutura formada por gerúndio no auxiliar (estar, em 37), ficar, em 38)
e andar, em 39)) e o segundo sendo uma estrutura de infinitivo gerundivo (a investigar, a
guardar, a trabalhar) com seus respectivos auxiliares. Em situações como essa, foi
descartado apenas o dado de “gerúndio no auxiliar”, sendo mantido o dado de infinitivo
gerundivo.
Entretanto, optamos por excluir definitivamente as ocorrências de gerúndio no auxiliar
de toda a análise. Relataremos seus quantitativos apenas percentualmente, na rodada inicial de
dados, antes de termos feito as exclusões desses dados que se mostraram, desde o início,
categóricos – como se costuma chamar na nomenclatura sociolinguística –, ou seja, não
passíveis de variação. Tais resultados ratificam o que Móia & Viotti (2004) afirmam em seu
artigo “Differences and Similarities between European and Brazilian Portuguese in the use of
<<gerúndio>>”:
Com relação às restrições aspectuais, devemos notar que, na sequência a INF, o
verbo no infinitivo representa tipicamente atividades básicas ou derivadas (ou, em
alguns poucos casos excepcionais, estados, especialmente aqueles compatíveis com
estar a). Consequentemente, a INF não se alterna com <<gerúndio>> em
estruturas que envolvem outras classes aspectuais, em especial estados regulares (ou
seja, incluindo aqueles com o <<gerúndio>> composto – tendo PARTICÍPIO).
Trata-se exatamente do caso de sentenças com três tipos de <<gerúndio>>: gerúndio
de sobre-enquadramento, gerúndio de elaboração (uma vez que eles ocorrem
tipicamente com <<gerúndio>> composto, que representa situações estáticas), e o
gerúndio neutro (que ocorre tipicamente com estados): [...] (MÓIA & VIOTTI,
2004, p. 134, tradução e grifos nossos)73
73
As for aspectual restrictions, we must note that, in the sequence a INF, the infinitive verb typically represents
basic or derived activities (or, in a few exceptional cases, states, incidentally those that are compatible with estar
a). Consequently, a INF does not alternate with the «gerúndio» in structures that involve other aspectual classes,
in particular regular states (including those with the compound «gerúndio» – tendo PP). This is namely the case
of sentences with three types of «gerúndio»: backgrounded «gerúndio» and elaborative «gerúndio» (as they
typically occur with the compound «gerúndio», which represents stative eventualities), and the neuter
«gerúndio» (as it typically occurs with states): (…) (MÓIA & VIOTTI, 2004, p. 134)
144
E, a seguir, os autores fornecem exemplos dos três tipos de gerúndio citados, de
acordo com a classificação semântica das orações adverbiais gerundivas que propõem
(conforme veremos, em maior detalhe, no item 3.2.11deste capítulo):
- Gerúndio de sobre-enquadramento:
A Ana passeou horas pela praia, {tendo / *a ter} encontrado uma moeda de ouro
muito antiga.
- Gerúndio de elaboração:
A Ana remodelou toda a casa, {tendo / *a ter} pintado a sala de azul.
- Gerúndio neutro:
Os juros serão pagos anualmente, {sendo / * a ser} o BPA quem efectua o pagamento.
Conforme se pode observar, dois dos três tipos de gerúndio mencionados pelos autores
como não alternáveis com infinitivo gerundivo envolvem a estrutura com verbo ter no
gerúndio seguido de verbo principal no particípio. Como mencionamos, os “tipos de
gerúndio” enunciados acima serão mais detalhados na seção 3.2.11 deste capítulo, quando
tratarmos do grupo de fatores referente à classificação dos tipos semânticos das orações
gerundiais. Por enquanto, basta mostrarmos esses exemplos, que confirmam nossa decisão
metodológica de excluir esses dados por entendermos não serem cambiáveis por infinitivo
gerundivo.
Assim, compararemos, na tabela abaixo, o número anterior de ocorrências com
gerúndio e com infinitivo gerundivo e o número de dados após as exclusões mencionadas.
145
CORPUS ► PORTUGAL
CONTINENTAL AÇORES TOTAL TOTAL
ESTRUTURA VERBAL
▼
NÚMERO
PRELIMINAR
DE DADOS
NÚMERO
PRELIMINAR
DE DADOS
NÚMERO
PRELIMINAR
DE DADOS
NÚMERO
FINAL
DE DADOS
Estrutura sintética 1611 156 1767 1767
Auxiliar ESTAR 173 06 179 179
Auxiliar ANDAR 25 01 26 26
Auxiliar FICAR 26 01 27 27
Auxiliar IR 48 01 49 0
Auxiliar VIR 20 01 21 0
Auxiliar SER 96 10 106 0
Semiaux CONTINUAR 57 03 60 60
Demais semiauxiliares 37 04 41 41
Verbos leves 77 04 81 81
Verbos modais 39 05 44 44
Gerúndio no v. auxiliar 237 11 248 0
TOTAL GERAL 2446 203 2.649 2.225
Tabela 5: Distribuição das ocorrências de gerúndio e de infinitivo gerundivo nos diferentes tipos de
estrutura verbal do corpus
Conforme se vê, excluímos do total inicial de 2.649 dados todos os complexos verbais
com auxiliares ir e vir, ser e com gerúndio no auxiliar. Com isso, ao todo, foram excluídos
424 dados, o que nos deixa agora com 2.225 dados no total, sendo 2.045 de Portugal
Continental e 180 da região autônoma dos Açores.
Para finalizar esta seção do capítulo, é pertinente apresentar uma nova tabela com o
quantitativo total de dados após a eliminação desses fatores que se mostraram categóricos,
revisando a Tabela 3, apresentada anteriormente.
LOCALIDADE NÚMERO DE
PALAVRAS
NÚMERO PRELIMINAR
DE DADOS
NÚMERO FINAL
DE DADOS
Norte 40.689 644 523
Centro 41.585 435 366
Lisboa 40.693 548 460
Alentejo 41.123 470 384
Algarve 40.930 349 312
146
Açores 16.417 203 180
TOTAL GERAL 221.437 2.649 2.225
Tabela 6: Número FINAL de dados por célula de região
É com esse total de dados que faremos as rodadas estatísticas que serão apresentadas
no capitulo 5 deste trabalho.
3.2.6. Voz Verbal
Esse grupo tem por objetivo controlar se há mudança nas taxas de uso de infinitivo
gerundivo dependendo da voz do verbo na oração onde aparecem as variantes. Para este
grupo, não existe propriamente uma hipótese. Trata-se, portanto, de um grupo de fatores
experimental com o objetivo de verificar se a voz em que se encontra o verbo principal da
oração tem alguma relevância para a seleção de gerúndio ou de infinitivo gerúndio na
formulação de sentenças de nosso corpus do PE. Seguem os exemplos abaixo:
Voz Ativa
39)Lá andam os vivos curvados sobre as humidas edespresadas (sic)
campas – terra sagrada – ceifando o enorme ervaçal e pisando restos
dossos queo (sic) descuido dum coveiro a quem a Junta não paga nem
manda, deixou ao acaso, por enterrar.
(Dados 107 e 108 Centro, 02 jul 1922)
40)CABRELLA, 29. Decorrem animadíssimas as eleições n’esta villa;
o povo cheio de alegria e satisfação corria á urna a deitar a sua lista
nos candidatos republicanos.
(Dado 109 Alentejo, 31 mai 1911)
Voz Passiva Analítica
41)PELAS BEIRAS. DE CONDEIXA. MARCO DO CORREIO. [...]
Condeixa está sendo extraordinariamente visitada, quer por nativos,
147
quer por estrangeiros – altas individualidades – que aqui acorrem
atraídos pelas inumeráveis preciosidades estilístico-arqueológicas.
(Dado 210 Centro, 07 fev 1941)
42)CASOS DOS HOSPITAIS DA UNIVERSIDADE. VÍTIMA DE
ACIDENTE COM ARMA DE FOGO. Com graves ferimentos no pé
esquerdo, foi conduzido a estes hospitais, onde ficou internado, o
estudante, António Jorge Moreira Gomes, de 20 anos, solteiro,
residente no Bairro de S. João, Selá, que ao pegar numa espingarda
que estava a ser limpa por um caçador, inadvertidamente disparou-a,
desconhecendo que ela se encontrava carregada.
(Dado 316 Centro, 01 jan 1971)
Voz Passiva Sintética
43)PELOS ARCHIPELAGOS. TERCEIRA. [...] Pelo sr. Baptista Leal
foi recitada a poesia de João de Lemos <<Voz do soldado>>,
representando-se o drama em 3 actos <<Segredo do pescador>> e a
comedia em 1 acto <<Por causa de um clarinete>>.
(Dado 028 Açores, 04 mai 1907)
44)PELA PROVÍNCIA. MORTO POR UMA BARREIRA QUE
DESABOU. Nas obras que estão a fazer-se no campo de futebol,
desta vila, deu-se, ontem, ao fim da tarde, o desabamento duma
barreira que soterrou o trabalhador José Vasconcelos, guarda-fiscal
reformado, da freguesia da Bela, que era casado e contava 52 anos.
(Dado 356 Norte, 04 jul 1945)
Voz Reflexiva
45)A ROSA E O MANUEL. A Policia prendeu Manuel Maria Gomes,
de 36 anos, maritimo, e Rosa Rodrigues, de 36 anos, residentes na rua
de S. Miguel, por se haverem envolvido em desordem, agredindo-se
mutuamente.
(Dado 295 Lisboa, 15 mai 1941)
46)SE CALHAR ANDA A TREINAR-SE PARA A <<VOLTA A
PORTUGAL>> [...] Na 16ª esquadra da P. S. P. apresentou-se o sr.
Domingos Francisco, da Rua da Vilarinha, 1806, a queixar-se contra
148
determinado indivíduo, que indicou, o qual lhe alugou, em 28 de
Fevereiro último, uma bicicleta a pedal, para dar umas voltas.
(Dado 496 Norte, 11 abr 1965)
3.2.7. Posição do clítico
O grupo de fatores posição do clítico, juntamente com outros dois grupos de fatores
que veremos a seguir, tem um objetivo principal: verificar a possibilidade ou não de, nas
estruturas analíticas, haver intercalação de elementos entre o verbo auxiliar e o verbo
principal nas formas nominais em foco. Isso visa a observar o quão forte é a ligação entre o
auxiliar e a forma nominal gerundiva. Em especial, pretende-se verificar a possibilidade de
intercalação de elementos entre a preposição a e o verbo no infinitivo (nesse caso, apenas para
as construções com o infinitivo gerundivo, evidentemente). A possibilidade ou não de
intercalação de elementos entre a preposição e o verbo pode, por exemplo, nos sinalizar se
esta está mais ligada ao verbo que a antecede (o auxiliar) ou ao verbo que a sucede (o
principal). Ou seja, queremos verificar se, inconscientemente, as estruturas de verbo auxiliar
+ a + infinitivo são analisadas pelo informante como:
a) [verbo auxiliar + a] + infinitivo
ou como
b) verbo auxiliar + [a + infinitivo].
Dependendo dos resultados encontrados, pode-se, verificar, em certa medida, se o
possível processo de gramaticalização da preposição a junto ao infinitivo para indicar aspecto
progressivo está cumprindo ou não uma de suas etapas rumo à gramaticalização (MOTHÉ,
2007, p. 208-227), apresentando-se mais ligada ao verbo no infinitivo ou não. Se existirem
muitos dados em que haja palavras entre o a e o infinitivo, por exemplo, isso pode indicar que
a estrutura provavelmente é analisada como em a), com a preposição formando uma unidade
com o item que a antecede, o verbo auxiliar, e não com o verbo principal no infinitivo.
A nossa hipótese, porém, é de que isso não venha a ocorrer e de que o mais provável
seja a estrutura estar sendo analisada como em b), isto é, mais ligada ao verbo principal no
infinitivo, que a sucede. Em seu texto “Complementos Infinitivos Preposicionados e outras
Construções Temporalmente Defectivas em Português Europeu” (1992), Inês Duarte chama a
149
preposição a no infinitivo gerundivo como um “morfema descontínuo a –r” com valor
aspectual [+dur] (durativo). E afirma: “[...] estou a sugerir que esta construção, historicamente
de natureza preposicional, sofreu uma reanálise que fixou a sequência preposição–morfema
infinitivo como uma unidade sintática.” (DUARTE, 1992, p. 152).
Se, de fato, como propõe Duarte (1992), a preposição a tiver sofrido uma reanálise e
estiver cada vez mais funcionando como um morfema indicativo de aspecto
progressivo/durativo, significa que cada vez mais ela assume um papel mais gramatical na
construção a + infinitivo e menos lexical, conforme já sugeria Mothé (2007). Logo, essa
construção provavelmente estaria em processo de gramaticalização, entendendo este
fenômeno como:
[…] a maneira através da qual formas gramaticais surgem e se desenvolvem no
tempo e no espaço, e explicar por que elas são estruturadas da forma que são.
Define-se gramaticalização como um processo que, em hipótese, é essencialmente
unidirecional.
[…] o processo não é restrito ao desenvolvimento de itens lexicais; mesmo as
formas gramaticais podem dar origem a formas ainda mais gramaticais, o que ocorre
bastante frequentemente. (HEINE, 2003, p. 575, tradução e grifo nossos)74
Sendo assim, a preposição a, que já é um item gramatical (e não lexical), ao funcionar
como um “morfema descontínuo”, estaria se tornando ainda mais gramatical, perdendo, cada
vez mais, seu sentido primordial de preposição e funcionando quase como um afixo indicativo
de aspecto progressivo.
Em suma, o que se pretende ao criar este grupo de fatores é verificar o quão ligada é a
preposição a aos verbos que a antecedem e que a sucedem nas construções com infinitivo
gerundivo. Quanto maior a ligação entre a preposição a e o verbo principal no infinitivo,
menor a possibilidade de haver qualquer outro tipo de palavra entre eles. Assim, para tentar
controlar a ocorrência ou não de palavras entre o verbo auxiliar e o verbo principal, bem como
entre a preposição a e o verbo principal, criamos três grupos de fatores distintos, de acordo
com a natureza da palavra que pode se interpor entre eles: clíticos, referências adverbiais e
outros itens lexicais diferentes de advérbios. Cada um desses elementos será explicitado nas
descrições de grupos de fatores criados para os controlarem, conforme será visto adiante nos
itens 3.2.8 e 3.2.9.
74
[…] the way grammatical forms arise and develop through space and time, and to explain why they are
structured the way they are. Grammaticalization is defined as a process which is hypothesized to be essentially
unidirectional.
[…] the process is not confined to the development of lexical forms; rather, grammatical forms themselves can,
and frequently do, give rise to even more grammatical forms. (HEINE, 2003, p. 575)
150
Neste grupo, apresentamos exemplos da possibilidade de ocorrência de clíticos nas
construções gerundivas. Embora o foco principal fosse controlar a possibilidade de
interpolação dessas palavras entre o auxiliar e o verbo principal ou entre a preposição e o
verbo principal, uma vez que codificaríamos os dados para esses grupos, acabamos por
marcar outras possibilidades de aparecimento dessas palavras, ou seja, além de marcar
somente a interpolação, também sinalizamos quando havia clíticos antes ou depois das
estruturas perifrásticas em análise. Assim:
Próclise
47)O funeral, que se realizou hoje para o cemitério de Travanca de
Lagos, foi concorridíssimo, nele se incorporando a Irmandade de S.
Pedro.
(Dado 243 Centro, 07 jan 1951)
48)TURISTAS APANHADOS DE SURPRESA PELO S. JOÃO. É
ESTA A CIDADE DO <<PORT WINE>>? [...] Muitos deles não
faziam ideia do que se estava a passar.
(Dado 595 Norte, 24 jun 1983)
Ênclise
49)A sala do sul será ajardinada e destinada ao serviço de restaurant,
dançando-se unicamente na do norte.
(Dado 013 Alentejo, 19 jun 1902)
50)PIRITES ALENTEJANAS PARAM POR SEIS MESES. [...] <<A
concretizar-se a aplicação da <<lay-off>> e se entretanto as
cotações do zinco no mercado internacional melhorarem, a empresa
pode ser financiada>>, disse Manuel Baltazar, dirigente sindical,
acrescentando que se acontecer o contrário o prazo terá de ser
prorrogado por igual período, findo o qual tem de ser tomada uma
decisão definitiva.
(Dado 451 Alentejo, 16 a 22 abr 1993)
151
Clítico entre o verbo auxiliar e o verbo principal, gerundivo
51)A SARDINHA. Tem batido em quantidade na costa algarvia depois
dos temporaes; com esta abundancia os fabricantes e os seus
operarios estão se regalando no mais activo e productivo trabalho.
(Dado 093 Algarve, 28 fev 1915)
52)DESPISTE DE VIATURA PROVOCA DOIS FERIDOS. [...] De
acordo com fonte hospitalar, António Lage encontrava-se a receber
tratamento na Urgência, enquanto José Sousa ficou internado em
Cirurgia 3.
(Dado 634 Norte, 11 jun 1995)
Nesse grupo, também previmos a ocorrência de mesóclise, mas nenhum dado
apresentou o clítico em mesóclise.
Quanto à possibilidade de ocorrência de clíticos entre a preposição a e o verbo
principal no infinitivo, também possuíamos um fator exclusivamente para codificar dados
desse tipo que viessem a aparecer no corpus. Esperávamos encontrar casos como, por
exemplo, adaptando o exemplo 51), em que ocorresse:
“Tem batido em quantidade na costa algarvia depois dos temporaes; com esta abundancia os
fabricantes e os seus operarios estão a se regalar no mais activo e productivo trabalho.”.
Apesar dessa expectativa, não houve dados desse tipo no corpus analisado e, portanto,
o fator deixou de existir por ser vazio. A não ocorrência de dados desse tipo já nos sinaliza o
forte grau de ligação entre a preposição a e o infinitivo, reforçando a hipótese de que a
construção se comporte como um “morfema descontínuo”, como apontou Duarte (1992).
Todos os demais dados, nos quais não havia qualquer clítico, eram codificados com o
símbolo referente a “não se aplica / não há clíticos”. Estes foram, na verdade, a grande
maioria dos dados, conforme se verá no capítulo 5, relativo aos resultados.
152
3.2.8. Referência adverbial
Conforme já explicitado na seção 3.2.7, o objetivo essencial também deste grupo de
fatores é controlar a ocorrência de palavras – aqui, no caso, de referências adverbiais – entre o
verbo auxiliar e o verbo principal e entre a preposição a e o verbo principal para observar o
grau de ligação entre os elementos da construção verbo auxiliar + a + infintivo. Da mesma
forma que no grupo de fatores anterior (posição do clítico), nossa hipótese, aqui, é a de que,
ao longo do tempo, cada vez mais a preposição a esteja ligada ao verbo no infinitivo, como
parte do processo de gramaticalização do “morfema descontínuo a + -r”, segundo proposta de
Duarte (1992). Caso nossa hipótese se confirme, esperamos ver pouca intercalação de
elementos (sejam clíticos ou referências adverbais ou demais itens lexicais, em geral) entre a
preposição a e o infinitivo que a segue na construção de infinitivo gerundivo.
Codificamos somente as referências adverbiais relacionadas a tempo, modo e lugar,
dando maior atenção e codificando separadamente das demais as de tempo, por entendermos
que, em um fenômeno envolvendo aspecto progressivo (durativo), as referências às
circunstâncias de tempo tendem a ser mais relevantes do que as de modo e lugar. Assim como
no grupo de fatores relativo aos clíticos, controlamos também aqui o aparecimento de
referências adverbiais antes ou depois da forma nominal gerundiva.
Metodologicamente, quando algum dado apresentava mais de uma referência
adverbial, em posições diferentes ou de naturezas diferentes (de tempo e/ou modo e/ou lugar,
no mesmo dado), assinalávamos aquela mais próxima, com maior relação de relevância no
contexto, da estrutura gerundial em análise. Seguem os exemplos:
Referência TEMPORAL ANTES da forma nominal (NA MESMA ORAÇÃO)
53)ACTO HERÓICO DE UM SOLDADO EM MOÇAMBIQUE.
TRANSPORTOU ÀS COSTAS UM OFICIAL FERIDO E SALVOU-
LHE A VIDA. [...] Após o combate, o heroico soldado Manuel de
Sousa permaneceu toda a noite junto do seu superior, nunca o
abandonando e protegendo-o sempre, acabando por o transportar às
costas durante várias horas até lhe arranjar um esconderijo seguro.
(Dado 141 Açores, 07 abr 1965)
153
54)A PARTIR DA PRÓXIMA QUARTA-FEIRA. GREVE DE
ENFERMEIROS E MÉDICOS PARALISA INSTITUTO DE
ONCOLOGIA. [...] O Instituto desde a sua criação, em 19 de Abril de
1974, está a ser administrado por uma comissão instaladora o que
origina que a carreira de enfermagem definida por decreto-lei em
1981 não seja aplicada.
(Dado 578 Norte, 22 jun 1983)
Referência TEMPORAL DEPOIS da forma nominal (NA MESMA ORAÇÃO)
55)ACTO HERÓICO DE UM SOLDADO EM MOÇAMBIQUE.
TRANSPORTOU ÀS COSTAS UM OFICIAL FERIDO E SALVOU-
LHE A VIDA. [...] Após o combate, o heroico soldado Manuel de
Sousa permaneceu toda a noite junto do seu superior, nunca o
abandonando e protegendo-o sempre, acabando por o transportar às
costas durante várias horas até lhe arranjar um esconderijo seguro.
(Dado 142 Açores, 07 abr 1965)
56)Isto, a continuar por muito tempo, causará um grande mal a
muitas classes que vivem do Jornalismo.
(Dado 030 Centro, 21 abr 1904)
Referência TEMPORAL NO MEIO da perífrase verbal (entre o verbo auxiliar e
o verbo principal na forma nominal)
57)Foram concedidos 10 dias de licença ao sr. dr. António Pires
Machado, meretíssimo juiz da nossa comarca, que esteve durante
alguns meses desempenhando uma importante comissão de serviço
no Ministério das Finanças.
(Dado 201 Centro, 07 fev 1941)
58)Ignoram-se, por enquanto, as causas que originaram o incêndio,
que ficou extinto cerca das 10 horas e meia da manhã, hora a que as
corporações de bombeiros retiraram, ficando, ainda, a trabalhar no
rescaldo um piquete dos Municipais, que retirou ao meio-dia.
(Dado 275 Norte, 04 abr 1935)
Referência TEMPORAL ANTES da forma nominal (EM OUTRA ORAÇÃO)
154
59)O JULGAMENTO DO 1º TENENTE MOREIRA RATO. [...] Em
seguida, o juiz auditor, sr. Dr. Teixeira de Sampaio, interrogou o
accusado, que relatou os factos dados até ao dia da agressão, dizendo
não poder reconstituir o que então se passou.
(Dado 004 Açores, 03 mai 1907)
60)CONFLITOS SOCIAIS QUE SE AGUDIZAM NO CHAMADO
BAIRRO ALTO EM VALADARES. [...] Mas a Câmara Municipal,
depois da visita do seu presidente da Comissão Administrativa há
meses, mais nada disse da sua justiça e as autoridades locais, sem
campo de manobras que lhe permitam tomar iniciativas de maior
alcance, quedam-se quase inertes, a aguardar notícias, enquanto que
os moradores, também sem bem saberem do seu destino, vão, à
medida que os dias passam, complicando quase inconscientemente um
sistema que já poderia ter sido há muito posto em prática.
(Dado 508 Norte, 10 abr 1975)
Referência TEMPORAL DEPOIS da forma nominal (EM OUTRA ORAÇÃO)
61)BEJA. A ESTRADA É SANGUE. FERIDOS NUM ACIDENTE DE
AUTOCARRO EM ÉVORA. [...] Dominado o pânico inicial, os
passageiros conseguiram sair do veículo, verificando-se que sete
deles apresentavam ferimentos, pelo que foram conduzidos
imediatamente ao posto médico de <<A Pátria>>, de onde
transitaram para o hospital da Misericórdia.
(Dado 387 Alentejo, 07 jan 1972)
62)NOTAS CITADINAS. [...] Motivo, mais um, de atração turística,
este bem antigo, do tempo em que o Algarve (então região distante e
pouco acessível e que muitos supunham paredes-meias com
Marrocos...) apenas era conhecido pelas suas amendoeiras floridas,
ele aí está, a preparar-se para atingir a plenitude dentro de poucos
dias – e a chamar, desde já, a atenção dos turistas, nacionais e
estrangeiros, que se extasiam ante o tradicional e incomparável
espetáculo da <<neve vegetal>>, que cobre a <<terra morena>>
desde a planície ribeirinha às encostas da serra, de Vila Real de
Santo António ao Promontório Sacro.
(Dado 292 Algarve, 06 fev 1972)
155
Referência de MODO ou LUGAR ANTES da forma nominal (NA MESMA
ORAÇÃO)
- LUGAR
63)NA NOVA ESTRADA DE QUELUZ UMA CAMIONETA
DESPEDAÇOU UM AUTOMOVEL EMBATEU COM DUAS
ARVORES E DESPENHOU-SE POR UMA RIBANCEIRA DE 15
METROS DE ALTURA. [...] Depois do violentíssimo abalroamento a
camioneta foi embater contra uma arvore, na berma do passeio,
percorreu aos ziguezagues alguns metros para chocar com outra
arvore distante daquela 40 metros, deixando ali o eixo e rodas da
frente, e, por fim, despenhou-se por uma ribanceira de 15 metros de
altura, ali ficando tombada.
(Dado 331 Lisboa, 02 set 1951)
64)COMEÇA DEPOIS DE AMANHÃ PROLONGANDO-SE ATÉ AO
DIA 29, NA ASSOCIAÇÃO INDUSTRIAL PORTUGUESA, UM
SEMINÁRIO SOBRE «A ORGANIZAÇÃO DA HIGIENE E DA
SEGURANÇA NA EMPRESA». [...] Uma lápida em ferro fundido, no
exterior dos edíficios fabris ficou a assinalar a inauguração, após o
que foram benzidas as instalações pelo vigário - geral da diocese.
(Dado 402 Lisboa – VARPORT, 25 nov 1972)
- MODO
65)NA HERDADE DOS ALPENDRES. DECORREU MUITO
ANIMADA A <<TENTA>>, DE NOVILHAS DO LAVRADOS SR.
CABRAL D’ASCENÇÃO. [...] Que nos desculpe o sr. Cabral
d’Ascensão, se ferimos a sua comprovada modéstia, mas, como
verdadeiro aficionado, não podíamos deixar de prestar justiça a quem
tao dedicada e inteligentemente está trabalhando para o
engrandecimento e prestigio da Festa Brava.
(Dado 288 Alentejo, 06 jun 1953)
Não houve dados com referência adverbial de modo com infinitivo gerundivo.
156
Referência de MODO ou LUGAR DEPOIS da forma nominal (NA MESMA
ORAÇÃO)
- LUGAR
66)PRISÃO ARBITRÁRIA. Domingo ultimo o sub-chefe das oficinas da empreza da Mina de S. Domingos, Mr. Arthur Brown, procedendo
a umas experiências com a Draga na embocadura da ribeira Chança,
junto a Pomarão, teve que passar a margem espanhola afim de lançar
os cabos (amarras) para ali atracar a Draga quando,
inesperadamente, se vê cercado pelos carabineiros (guarda fiscal
espanhola) que lhe dão voz de prisão.
(Dado 044 Algarve, 11 jan 1914)
67)O FUTURO DO ALENTEJO DEPENDE DE “ALQUEVA”. [...] É
com estas palavras e com a razão que lhes assiste, que está a correr
em todo o Alentejo, uma petição pública, dirigida à Assembleia da
República, requerendo, nos termos do art.o 52º da Constituição, a
realização de um debate em Plenário e a adopção de medidas que
garantam a viabilização da construção de Alqueva, provada que está
a sua importante contribuição para o desenvolvimento generalizado
de toda esta região.
(Dado 441 Alentejo, 07 a 13 fev 1992)
- MODO
68)O JULGAMENTO DO 1º TENENTE MOREIRA RATO. [...]
Terminado o discurso de defeza do sr. dr. Luciano Monteiro, foi
suspensa a audiência, reunindo se secretamente o conselho, para
responder aos quesitos e lavrar a sentença que absolveu por
unanimidade o sr. 1º tenente Moreira Rato.
(Dado 010 Açores, 03 mai 1907)
69)POVOAÇÕES ISOLADAS NA PARTE ALTA DO CONCELHO DE
VALE DE CAMBRA. [...] O trânsito está a fazer-se com grandes
dificuldades.
(Dado 364 Centro, 05 jan 1971)
157
Referência de MODO ou LUGAR NO MEIO da perífrase verbal (entre o verbo
auxiliar e o verbo principal na forma nominal)
- LUGAR
70)Quem não conseguiu meio de transporte, ficou pela berma da
estrada saudando os que, em automóveis, camionetas, atrelados a
tractores e motorizadas, se empolgavam com as palavras de ordem
pela Paz e contra a guerra.
(Dado 408 Alentejo, 17 a 23 jun 1983)
71)DEZENAS DE CARROS RETIDOS EM CELORICO DA BEIRA.
[...] Entretanto muitas delas andaram de porta em porta a pedir um
quarto para pernoitarem, independente do preço.
(Dado 366 Centro, 05 jan 1971)
- MODO
72)PELAS BEIRAS. DE CONDEIXA. MARCO DO CORREIO. [...]
Condeixa está sendo extraordinariamente visitada, quer por nativos,
quer por estrangeiros – altas individualidades – que aqui acorrem
atraídos pelas inumeráveis preciosidades estilístico-arqueológicas.
(Dado 210 Centro, 07 fev 1941)
73)DE MOIMENTA DA BEIRA. O QUE É DEMAIS... – MOLMENTA
DA BEIRA, 28 – Na noite do Natal e devido, talvez (pois de outra
forma não se pode conceber) aos fumos do alcool (sic) serem em
excessiva quantidade, um grupo de rapazes de baixo quilate, mas com
pretensões a creaturas educadas (o que, francamente, não provaram)
andaram em devaneios noctívagos a percorrerem as ruas desta villa
em grandes algazarras e cometendo as maiores tropellas.
(Dado 152 Centro, 01 jan 1931)
Não se aplica (Não há referências adverbiais de tempo, nem de modo ou lugar)
74)ECCOS DA SEMANA. OS OVOS. Não haja duvida de que, em
vista da crise por que o paiz está passando, é esta uma medida de
grande alcance.
(Dado 73 Algarve, 28 fev 1915)
158
75)ASCENDE A VINTE E SETE O NÚMERO DE PESSOAS QUE
COMERAM PÃO-DE-LÓ E ADOECERAM. São conhecidos mais
casos de intoxicação provocados por pães-de-ló, assunto que as
autoridades sanitárias estão a deslindar a fim de determinarem as
verdadeiras causas da doença pela qual, ao que se conhece, foram
atacadas vinte e sete pessoas.
(Dado 367 Lisboa, 01 ago 1961)
Inicialmente, também codificamos separadamente as ocorrências de advérbio de
negação, mas a quantificação inicial mostrou haver poucos dados e sempre em gerúndio,
nunca com infinitivo gerundivo. Assim, resolvemos considerar apenas as referências
adverbiais de tempo, modo e lugar, desconsiderando os advérbios de negação e amalgamando
esse fator com o fator “não se aplica”.
3.2.9. Interpolação de item lexical entre o verbo auxiliar e o verbo principal
Temos aqui o último grupo de fatores que visa a observar a presença ou não de
palavras entre o verbo auxiliar e o verbo principal da construção gerundiva ou entre a
preposição a e o verbo com infinitivo nas estruturas com infinitivo gerundivo. Neste grupo,
opusemos como fatores a presença ou ausência de itens lexicais quaisquer (diferentes de
clíticos e advérbios, analisados em outros grupos de fatores já descritos acima) entre o auxiliar
e o verbo principal gerundial. Novamente, não houve sequer um dado com itens lexicais entre
a preposição a e o verbo no infinitivo, havendo, portanto, somente casos com palavras entre o
verbo auxiliar e o gerúndio ou o infinitivo gerundivo.
COM intercalação de item lexical diferente de advérbio entre o verbo auxiliar e o
verbo principal
76)MONUMENTO DA GUERRA PENINSULAR. Acaba de ser
contratada com a Cooperativa dos Pedreiros Portuenses a
construcção do monumento da guerra peninsular a erigir na praça de
Mousinho de Albuquerque, devendo os trabalhos tomar o maior
desenvolvimento em breves dias.
(Dado 116 Norte, 10 abr 1915)
159
77)Para tal, está aquela organização sindical a efectuar contatos com
diversos organismos da região, tendo em vista troca de dados,
informações e estudos.
(Dado 432 Centro, 04 jan 1991)
Os casos sem interpolação são, obviamente, aqueles que apresentam gerúndio ou
infinitivo gerundivo em estruturas sintéticas (ou seja, sem verbo auxiliar) bem como aqueles
que, em estruturas analíticas, como se tem visto ao longo dos exemplos já citados, não
apresentam qualquer item lexical entre o verbo auxiliar e o principal.
A quantidade de dados em que houve interpolação de palavras (diferentes de clíticos e
advérbios de tempo, modo e lugar) entre o verbo auxiliar e o verbo pleno foi de apenas 28 (14
com gerúndio e 14 com infinitivo gerundivo). Nos casos com gerúndio, quase sempre as
ocorrências eram com estruturas com verbos modais, reforçando o questionamento sobre se
essas estruturas, na verdade, não apresentariam padrão semelhante às estruturas com
“gerúndio no auxiliar” – conforme já pontuamos no item 3.2.5, na parte relativa às
construções com verbos modais – o que justificaria sua exclusão do total de dados. Mas,
como já mencionado naquela seção, optamos por mantê-los no quantitativo de dados de
algumas rodadas estatísticas visto que, diferentemente dos dados excluídos, de “gerúndio no
auxiliar”, as estruturas perifrásticas com verbos modais não se apresentaram categoricamente
com gerúndio, havendo alguns, ainda que poucos, dados com infinitivo gerundivo.
3.2.10.Tipo sintático de oração
No grupo Tipo sintático de oração, já presente em Mothé (2007), mantivemos os
mesmos critérios de classificação sintática daquele trabalho. Codificamos os dados em
diferentes tipos de oração (absolutas, relativas, adverbiais e completivas e suas respectivas
subdivisões), com o objetivo de verificar se algum desses tipos de oração favorecia o uso de
alguma das variantes em foco neste estudo. Se algum tipo de construção sintática se
apresentar como favorecedora de uma das variantes, isso pode indicar – dependendo do
quantitativo – a tendência à formação de uma frequência de tipo (type frequency) (BYBEE,
2003) de uma dada estrutura, o que pode ser relevante na avaliação do processo de
gramaticalização da estrutura a + infinitivo como indicadora de aspecto progressivo
(MOTHÉ, 2007). Embora, diferentemente de em Mothé (2007), não tratemos do processo de
160
gramaticalização nesta pesquisa, verificar a distribuição das estruturas gerundivas nos
diferentes tipos oracionais pode servir a investigações futuras com esse fim.
Para o controle dos tipos sintáticos de oração gerundial, ativemo-nos, basicamente, à
classificação da gramática tradicional, conjugando a visão de vários autores. Assim como em
Mothé (2007), acrescentamos alguns tipos sintáticos ao conjunto de orações previsto pela
Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB) devido a algumas especificidades do nosso
corpus. Além das orações previstas pela NGB, adicionamos à nossa classificação as orações
subordinadas adverbiais modais, só mencionadas – dentre as gramáticas que nos serviram de
referência – em Rocha Lima (2002) e Kury (2004), indispensáveis em um fenômeno que
envolve aspecto verbal, e as chamadas orações subordinadas aditivas, segundo proposta de
Azeredo (2001), conforme descreveremos oportunamente.
Além de, conforme mencionado, deixar registrada a distribuição de construções
gerundiais nos diferentes tipos sintáticos de oração para investigações posteriores sobre o
processo de gramaticalização da estrutura a + infinitivo como formadora de aspecto
progressivo, o objetivo, ao investigar esse grupo é, na verdade, confirmar os resultados
obtidos por Barbosa (1999), que encontrou, nas cartas de comércio do século XVIII, a
predominância de infinitivo gerundivo nas adverbiais temporais, condicionais e modais.
Ademais, pretendemos comparar nossos resultados aos resultados de Mothé (2007), segundo
os quais, diferentemente de Barbosa (1999), as temporais e as modais não se mostraram
relevantes para a variação em análise e somente as condicionais, as comparativas, as finais, as
principais, as relativas do tipo com + substantivo + forma nominal e as objetivas se
revelaram favorecedoras da construção de infinitivo gerundivo. A seguir, apresentamos
exemplos de cada um desses tipos sintáticos de oração e, sempre que julgarmos pertinente,
faremos observações referentes a cada uma delas.
Oração absoluta
78)O PROGRAMA NAVAL. CHEGARAM ONTEM A LISBOA OS
MODELOS DOS NAVIOS QUE AS CASAS ITALIANAS SE
PROPÕEM CONSTRUIR. [...] Entre outros oficiais, estiveram
admirando os modelos os srs. contra-almirante Tito de Morais e
capitão-tenente Nunes Ribeiro, director dos Serviços Redio-
Telegraficos da Armada.
(Dado 259 Lisboa, 11 fev 1931)
161
79)POVOAÇÕES ISOLADAS NA PARTE ALTA DO CONCELHO DE
VALE DE CAMBRA. [...] Por outro lado, o mau tempo está a causar
graves prejuízos nas culturas, especialmente nas pastagens dos
animais.
(Dado 365 Centro, 05 jan 1971)
Oração coordenada assindética
80)O SERVIÇO SOCIAL É DOS MAIS EFICIENTES. [...] O
Secretariado de Assistência Social tem atendido muitíssimos casos de
miséria, salvando os filhos, tratando ou colocando os pais.
(Dados 340 e 341 Norte, 03 jul 1945)
81)A DESORDEM NA RUA DA PRATA. AVERIGUAÇÕES DA
POLÍCIA – PRISÃO DO FAQUISTA. [...] Todos os demais
continuaram a ser testemunhas mudas e quedas da segunda
desordem, e o Marques ia descarregando no outro sucessivas
pancadas com a bengala, chegando o Custodio a dizer ao Palhano
que estranhava que ele não o defendesse.
(Dado 025 Lisboa, 03 jan 1902)
Oração coordenada sindética
82)DIA A DIA. Tem estado recolhido a casa, devido a uma canelada
que deu, o distincto clinico sr. dr. Bruno Tavares Carreiro,
experimentando, porém, algumas melhoras.
(Dado 051 Açores, 11 mai 1907)
83)TRINTA CENTÍMETROS DE ESPESSURA NA REGIÃO DO
CARAMULO. Os trabalhadores agrícolas estão paralisados há mais
de dez dias e os rebanhos estão a sofrer com a falta de alimentos, o
que preocupa as populações da região.
(Dado 363 Centro, 05 jan 1971)
Oração principal
162
84)MONUMENTO A GUILHERME FERNANDES. A commissão
executiva do monumento ao glorioso bombeiro Guilherme Gomes
Fernandes está empregando todos os esforços para que a festa
inaugural do monumento, no dia 1 de maio, revista o maior
brilhantismo possível.
(Dado 117 Norte, 10 abr 1915)
85)CHAMA-SE MONICA A PRIMEIRA CRIANÇA NASCIDA ESTE
ANO EM COIMBRA. [...] Ficamos a saber, desde logo, um dado
importante e que aqui merece ser realçado e que se prende com uma
decisão do casal quanto ao nascimento da pequerrucha.
(Dado 373 Centro, 03 jan 1981)
Oração relativa restritiva
86)Tem sido assignada pela quasi totalidade dos habitantes de Faro
uma representação recomendando o dr. Francisco Honorato de
Souza Vaz para o provimento de um logar do partido medico d'este
municipio que se acha a concurso.
(Dado 003 Algarve, 29 mar 1908)
87)EXPO’98. OCEANOGRAFIA E EDUCAÇÃO AMBIENTAL.
<<Aprender a gostar dos Oceanos>> é o título de uma campanha
que a Expo’98 está a levar a cabo por todo o país, abrangendo
também o arquipélago dos Açores.
(Dado 162 Açores, 21 abr 1997)
Oração relativa explicativa
88)Interrogada hontem na 1ª secção judiciaria, a arguida, que se
apresentou alli voluntariamente, tendo vindo de Arouca, onde está
vivendo em companhia de sua mãe, protestou energicamente contra
similhante accusação, atribuindo-a a uma vingança de seu ex-patrão.
(Dado 074 Norte, 27 jan 1905)
89)UMA CRIANÇA AFOGADA. Há poucos dias, em Cuba, seis
rapazinhos, que andavam a apanhar erva para os coelhos,
resolveram ir tomar banho a uma pedreira que se encontrava perto e
cheia de água.
(Dado 239 Alentejo, 12 jun 1943)
163
Oração relativa do tipo ACUSATIVO + forma nominal (regido por verbo de
“sentido” ou com significado de “encontrar”)
Esse subtipo de oração relativa e os próximos dois fatores, abaixo, embora não
previstos pelas gramáticas tradicionais, foram assim codificados, separados dos demais dados
de orações relativas “tradicionais” por terem sido citados por Maler (1972) como sendo muito
produtivos em construções gerundiais no português moderno. Ao contrário dos resultados do
autor, porém, encontramos poucos dados desses tipos em nosso corpus e, consequentemente,
devido à sua pequena quantidade, acabamos por juntá-los aos dados de relativas restritivas
para o cálculo de pesos relativos. Ainda assim, apresentamos abaixo exemplos dessas
ocorrências:
90)NOTÍCIAS DE TODA PARTE. DO CONCELHO. MURTOSA, 9-7-
912. [...] Estimamos que este nosso amigo, que tantas provas de
estima e dedicação nos tem consagrado, chegasse ao seu torrão natal
rejubilante de saúde e alegria, e encontrasse sua Ex.ma
esposa e
querido filhinho Rodrigo compartilhando da mesma saúde e alegria.
(Dado 067 Centro, 13 jul 1912)
Só há um dado, o que está acima, com gerúndio.
Oração relativa em comparação
91)CRIME HORROROSO. DOIS ASSASSINATOS. [...] Mas os maus
instinctos não ficaram por alli; como no alto da escada houvesse um
pau, servindo de travessa, tentou enlaçar a corda no pau e
dependurar a pobre velha, fazendo assim crêr que ella própria se
matou por meio de enforcamento, mas o pau que não pôde com o
peso, quebrou a tempo e a pobre velha ficou cahida, entalada quasi
sentada entre trez pernas d'um banco, como que dormindo.
(Dado 195 Norte, 21 abr 1925)
Não há dados com infinitivo gerundivo. Só há um dado, o que está acima, com
gerúndio.
164
Oração relativa do tipo COM + substantivo + forma nominal
92)Com queimaduras na face e nas mãos, por ter sido atingido por
uma frigideira com azeite a ferver, quando com sua mãe, fritava
filhós, foi conduzido a este estabelecimento hospitalar, onde ficou
internado, o servente de pedreiro, Rui Abrantes Pires da Cruz, de 15
anos, residente no lugar do Bordalo, Santa Clara.
(Dado 341 Centro, 03 jan 1971)
Não há dados com gerúndio. Só há três dados (o que está acima e mais dois), todos
com infinitivo gerundivo. Sendo assim, da mesma forma que os demais dados desses subtipos
de relativas propostos por Maler (1972), esses dados foram amalgamados aos de relativas
restritivas e, portanto, não poderão ser apontados individualmente como relevantes para o uso
de infinitivo gerundivo, diferentemente dos resultados de Mothé (2007).
Oração substantiva apositiva
Assim como aconteceu com os subtipos de orações relativas, a maioria das orações
substantivas (completivas) ocorreu em número bastante reduzido, embora nunca categórico,
em uma das variantes quando a rodada incluía o corpus total do trabalho. Mas, dependendo do
recorte de dados de algumas rodadas estatísticas, algumas delas chegavam a aparecer como
categóricas positivas ou negativas, ou seja, com todos os dados em infinitivo gerundivo ou em
gerúndio, respectivamente, já que nosso valor de aplicação foi o infinitivo gerundivo. Sendo
assim, em algumas rodadas estatísticas, os dados referentes às orações substantivas foram
amalgamados em um só fator correspondente a todas as orações desse tipo. Seguem os
exemplos:
93)CERCA DE 53 MIL LEITORES REGISTROU A BIBLIOTECA
NACIONAL. [...] A Biblioteca Municipal cumpriu também uma das
suas principais funções: a informação, prestando em grande número
os mais díspares esclarecimentos sobre temas para que foi
consultada.
(Dado 328 Centro, 03 jan 1971)
165
94)VINTE E NOVE PAÍSES REPRESENTADOS NUM FESTIVAL DE
<<CURTA METRAGEM>> NA ALEMANHA. [...] Causou certa
surpresa a circunstância de o tema da solidão, também das pessoas
idosas, ter sido versado em vários filmes: projectou-se toda uma serie
de filmes deste género, a começar pela <<Manhã de um senhor
idoso>> do regisseur Peter Pewas e a terminar pela contribuição
americana <<Momento of Hapiness>>.
(Dado 344 Alentejo, 04 jun 1962)
Oração substantiva completiva nominal
95)TENTATIVA DE ACTOS DE TERRORISMO CONTRA FÁTIMA.
[...] Felizmente a reação natural e imediata de todos os portugueses
dignos desse nome veio ser a prova eloquente, inequívoca de que
Fátima continua a ser para a Nação, o grande magnífico e
esplendoroso milagre que está na base do nosso Renascimento.
(Dado 246 Algarve, 28 mai 1961)
96)INAUGURAÇÃO DA NOVA ESTAÇÃO TELEGRAFO-POSTAL
DE LOULÉ. [...] Por ultimo falou o sr. governador civil substituto,
que em nome do chefe do distrito disse que se encontrava satisfeito
por ter assistido á inauguração da nova estação dos correios, fazendo
votos para que o Estado Novo continue concedendo a Loulé os
benefícios a que tem legitimo direito e terminando por saudar o chefe
do Estado e seu presidente de Conselho, ministro das Obras Publicas
e o povo de Loulé.
(Dado 171 Algarve, 17 jul 1938)
Orações substantivas objetivas (direta ou indireta)
97)AVANCA. Certo individuo d’aqui disse-nos que andava
satisfazendo uma promessa, indo todos os dias accender uma luz em
umas alminhas denominadas <<Almas do Deserto>> e uma quinta-
feira foi encontrar os vidros do lampeão em cacos.
(Dado 055 Centro, 22 abr 1911)
98)GNR DETÉM INDIVÍDUO POR POSSE DE ARMA E HEROÍNA.
RUSGA NAS CANCELAS NEGRAS. [...] A fonte revelou que um total
de 20 toxicodependentes estavam a trabalhar naquele local em troca
das suas doses diárias de estupefacientes.
(Dado 621 Norte, 10 jun 1995)
166
Oração substantiva predicativa
99)DR. AFONSO COSTA. [...] E' o que a policia anda averiguando.
(Dado 083 Algarve, 28 fev 1915)
100)PONTOS SENSÍVEIS DE ALCOUTIM. [...] Quanto ao projecto
da estrada marginal e aproveitamento turístico do Guadiana parece
já estar a despertaro interesse de alguns investidores.
(Dado 301 Algarve, 23 set 1981)
Oração substantiva subjetiva
101)CASA DO POVO. Consta-nos que a Direcção da Casa do Povo
está empregando os seus melhores esforços no sentido de adquirir
uma sede própria onde possa instalar-se convenientemente, visto as
dependências que hoje possue serem insuficientes para o enorme
movimento associativo que a mesma tem.
(Dado 198 Centro, 07 fev 1941)
102)PELO DISTRITO. ALDEIA NOVA DE SÃO BENTO. É para
lastimar que depois de casos destes, as pestilentes lagôas e as
pútridas estrumeiras, circundando esta terra, comtinuem (sic) a
ameaçar a saúde de todos.
(Dado 215 Alentejo, 06 jun 1932)
Oração adverbial causal
Semelhantemente ao que ocorreu com as relativas e com as substantivas, alguns
subtipos de orações adverbiais (circunstanciais) se apresentaram somente com gerúndio ou
somente com infinitivo gerundivo e/ou em pouca quantidade em relação ao total de dados
(embora nem sempre categóricos). Os números serão expostos no capítulo 5, dedicado à
análise quantitativa dos dados. Por isso, em algumas rodadas também amalgamamos alguns
dos subtipos de orações adverbiais. Em geral, opúnhamos temporais x modais x [todos os
demais tipos de orações adverbiais em um só fator]. Abaixo, seguem os exemplos:
167
103)DESORDEM ENTRE MALTEZES - TIROS E PAULADAS. [...]
Vendo-se ambos feridos dirigiram-se ao hospital de S. José e para
isso vieram a pé até á estação de Sacavem, onde tomaram o comboio
com destino a Lisboa.
(Dado 005 Lisboa – VARPORT, 04 fev 1910)
104)2ª FASE DO PIDDEV. APRESENTADA A INSTITUIÇÕES DA
CEE. BRUCE MILAN CONVIDADO A VISITAR ÉVORA. [...] Foi-
nos ainda dito que o timing era correcto na medida em que estão a
dar os primeiros passos para a elaboração de um novo PDR que
estará aprovado no primeiro semestre de 93, para ser aplicado a
partir de Janeiro de 94.
(Dado 439 Alentejo, 07 a 13 de fev 1992)
Oração adverbial comparativa
105)Do ponto de vista financeiro, acrescenta Helena Torres Marques,
o facto do escudo se manter com uma cotação elevada, o mesmo
acontecendo com as taxas reais de juros, teve efeitos negativos
inesperados, o mesmo acontecendo com os efeitos da seca que
obrigaram a uma nova captação e condução de água, investimento
não previsto inicialmente, obrigando a despesas adicionais.
(Dados 458 e 459 Alentejo, 16 a 22 abr 1993)
Não há dados de orações adverbiais comparativas com infinitivo gerundivo. Só há
quatro dados, os dois que estão acima e mais dois, todos com gerúndio.
Oração adverbial concessiva
106)RIBEIRINHO NO TEATRO AVENIDA. [...] Embora
representando uma peça que fez rir a bandeiras despregadas, pode
afirmar-se- e isso é o que importa fazer – que a companhia é séria.
(Dado 263 Centro, 06 jan 1961)
107)ÚLTIMAS NOTÍCIAS. O DESTINO DOS PASSAGEIROS E
TRIPULANTES DO "SANTA MARIA" À MERCÊ DO BANDO
INTERNACIONAL DE MERCENÁRIOS PREOCUPA TODO O
MUNDO CIVILIZADO. Embora as informações continuem a ser
168
confusas sobre o verdadeiro destino do <<Santa Maria>>, sabe-se
que o paquete se mantém relativamente próximo das águas
territoriais brasileiras e do porto do Recife.
(Dado 126 Açores, 28 jan 1961)
Oração adverbial condicional
108)LIGA NAVAL. [...] Procedendo assim congrega sympathias,
attrairá adeptos e verá os seus esforços coroados de exito.
(Dado 035 Algarve, 17 mai 1908)
109)PIRITES ALENTEJANAS PARAM POR SEIS MESES. [...] <<A
concretizar-se a aplicação da <<lay-off>> e se entretanto as
cotações do zinco no mercado internacional melhorarem, a empresa
pode ser financiada>>, disse Manuel Baltazar, dirigente sindical,
acrescentando que se acontecer o contrário o prazo terá de ser
prorrogado por igual período, findo o qual tem de ser tomada uma
decisão definitiva.
(Dado 451 Alentejo, 16 a 22 abr 1993)
Oração adverbial conformativa
110)CONTRA O IMPOSTO CAMARARIO. [...] Essa leva apenas, como
se está vendo, á miseria negra, aos prejuizos incalculaveis e á ruina
economica das regiões onde se dá.
(Dado 175 Lisboa – VARPORT, 03 set 1922)
Não há dados com infinitivo gerundivo. Há apenas três dados de orações
conformativas, todos com gerúndio.
Oração adverbial consecutiva
111)DESASTRES. NA LINHA FERREA. Fel-o, porém, tão
desastradamente, que foi colhido por um dos vagões, ficando o infeliz
com ambas as pernas esmagadas pelo terço inferior.
(Dado 119 Norte, 10 abr 1915)
169
112)A CONSTRUÇÃO DO HOTEL DA EVA EM FARO. [...] Assim, a
EVA vai adjudicar desde já a sua construção, e Faro será dotada de
um magnífico estabelecimento hoteleiro com 131 quartos, ficando a
ser o melhor Hotel do sul do País.
(Dado 256 Algarve, 03 jun 1962)
Oração adverbial final
113)NOTICIÁRIO. A LEI DO DESCANÇO (SIC). Uma parte dos
comerciantes d’este concelho, dirigiu-se, na ultima quarta-feira, á
Camara Municipal pedindo providencias sobre o facto de muitos
negociantes d’este concelho, especialmente da Murtoza e Veiros, não
cumprirem a lei do encerramento, advertindo também que concelhos
visinhos como Aveiro, Azemeis e Ovar ainda não tinham em vigor
essa lei, o que prejudicava bastante os negociantes das freguesias
circunvizinhas e da área do concelho d’Estarreja.
(Dado 063 Centro, 29 abr 1911)
114)CABRELLA, 7. Retirou para as Caldas da Rainha a fazer uso das
aguas o nosso amigo sr. Carlos Pedro.
(Dado 051 Alentejo, 09 ago 1902)
Oração adverbial modal
115)LIONS. POST GOVERNADORES REÚNEM EM PONTA
DELGADA. Os Lions são homens e mulheres que dedicam o seu
tempo livre a causas humanitárias na comunidade local e global.
Realizando projectos e levantando fundos, os Lions procuram ajudar
os necessitados sempre que aparece uma necessidade.
(Dado 181 Açores, 21 abr 1997)
116)O FUTURO DA NAÇÃO E DO REGIME. PODE SER
ENCARADO COM INTEIRA CONFIANÇA - AFIRMOU O
CONSELHEIRO ALBINO DOS REIS NA SESSÃO ELEITORAL
REALIZADA ONTEM EM LISBOA. [...] E foi a vitoriar o nome de
Salazar que o publico se exprimiu, antes ainda de se constituir a mesa
de honra.
(Dado 321 Lisboa, 25 nov 1972)
170
Oração adverbial proporcional
117)A medida que a imprensa internacional vai reconstituindo as
biografias dos comparsas de Henrique Galvão no assalto ao paquete
<<Santa Maria>>, as tentativas para o explicar politicamente
tornam-se ridículas e o crime aparece na sua trágica realidade.
(Dado 125 Açores, 28 jan 1961)
118)PORTO / METRÓPOLE. MAIS DE 700 MIL CONTOS EM
ARRANJOS EXTERIORES E INFRA-ESTRUTURAS. PORTO
INVESTE NOS BAIRROS SOCIAIS. [...] A autarquia não se conforma
com esta atitude até porque <<há gente, que vive em barracos, que
vem à Câmara quase mendigar uma casa e até garante – e nós
sabemos que é verdade – que cuidará das habitações como se dela
fosse, enquanto alguns bairros estão a ser estragados pelos próprios
habitantes>>.
(Dado 624 Norte, 10 jun 1995)
Oração adverbial temporal
119)EM LISBOA. DESASTRE NA ESTAÇÃO DE SACAVEM. Adriano
da Costa, de 22 annos, carregador, morador na estação de Sacavem,
filho de João da Costa, agulheiro ali mesmo, e de Maria José,
andando á 1 hora da tarde em manobras com uns vagons, foi colhido
por um destes quando pretendia calçal-o com um bocado de madeira.
(Dado 049 Lisboa, 10 abr 1904)
120)CAPTURADA UMA MULHER QUE FURTOU DUAS CAMISAS
DE HOMEM. O guarda nº 874, da 1ª esquadra da P. S. P., desta
cidade, capturou na Rua Gomes Freire, ao fim da noite de anteontem,
Maria de Fátima Oliveira Pereira, de 27 anos, casada, doméstica,
residente na Rua da Corticeira, 15, casa 4, a qual havia furtado duas
camisas de homem à srª Maria Adelaide das Dores, da Rua de S.
Vítor, 76, casa 11, quando as mesmas estavam a secar.
(Dado 490 Norte, 11 abr 1965)
171
Oração “subordinada aditiva”
O último fator deste grupo diz respeito a um tipo de oração – muito produtivo em
nosso corpus – que, conforme já mencionamos, não aparece em nenhuma das gramáticas
tradicionais que serviram de base para este trabalho ou para Mothé (2007), que afirmou:
A observação dos dados que se nos apresentavam nos deixava muitas vezes em
dúvida quanto à sua classificação sintática. Em muitos casos, a oração gerundial
parecia possuir uma semântica de coordenação, com uma ideia aditiva, porém com
encaixe de subordinação. Muitas vezes ficávamos entre a classificação de
coordenada assindética e subordinada adverbial modal, por exemplo, já que parece
ser inerente ao próprio gerúndio o sentido de modo, maneira. (MOTHÉ, 2007, p. 86)
Observemos os seguintes dados:
121)O JULGAMENTO DO 1º TENENTE MOREIRA RATO. [...] O
réu vestia a farda de 1º tenente, sem espada nem condecorações,
apresentando bom aspecto.
(Dado 003 Açores, 03 mai 1907)
122)Foram estes que, terminada a busca que fizeram a toda a casa,
abrindo e despejando gavetas (deixaram tudo num completo reboliço,
saíram primeiro da casa, ficando o «chefe» a vigiar a vítima, que
estava deitada na cama, atada com os lençóis e com um pijama do
marido, uma gravata e, até, com a sua própria camisa de dormir, que
os gatunos lhe despiram para a amarrarem melhor.
(Dado 399 Lisboa - VARPORT, 01 jan 1971)
Nos exemplos acima, “apresentando” e “ficando <<o chefe>> a vigiar” poderiam ser
interpretados, respectivamente, como o modo como o réu foi apresentado e o modo como o
chefe ficou, mas, ao mesmo tempo, também podem ser compreendidos como uma
informação adicional, ou seja, “o réu vestia farda de 1º tenente E apresentava bom aspecto”
e “saíram primeiro da casa E ficou <<o chefe>> a vigiar”.
Casos desse tipo nos levaram, já desde nosso trabalho anterior, a buscar em outras
obras, não tradicionais, alguma classificação que pudesse melhor descrevê-los. Azeredo
(2001) afirma sobre a distinção entre coordenação e subordinação:
Procurou-se formular a distinção subordinação / coordenação em seu aspecto básico
e em função de exemplos suficientemente claros e simples. Como muitas distinções
172
feitas a propósito dos fatos das línguas, porém, subordinação e coordenação não
correspondem sempre a conceitos claros e inconfundíveis. Tradicionalmente, é
comum identificar unidades coordenadas com unidades independentes e unidades
subordinadas com unidades dependentes. Esta identificação nada esclarece até que
se defina a natureza dessa dependência, que para uns é puramente sintática, mas para
outros deve dizer respeito antes ao sentido. (AZEREDO, 2001, p. 50-51)
O fragmento acima reflete que, para o autor, em alguns casos de língua em uso (e não
de língua hipotética e ideal das quais costumam lançar mão as gramáticas tradicionais), a
diferenciação entre coordenação e subordinação é, de fato, dúbia e depende do tipo de
critérios utilizados para a classificação. Não é o objetivo deste trabalho discutir
profundamente teorias acerca desses critérios. Procuramos, então, desde Mothé (2007),
analisar a proposta de Azeredo e verificar a possibilidade de aplicá-la aos dados de nosso
corpus.
Na obra Iniciação à sintaxe do português, na seção que trata da sintaxe das
construções gerundiais, Azeredo (2001) afirma que os sintagmas adverbiais cuja base é um
gerúndio podem ocorrer como “circunstancializadores”, modificando orações ou predicados.
Assim, para o autor, há os que costumam anteceder a oração que modificam, denotando as
ideias de tempo, causa, concessão, condição ou meio; e há os que costumam suceder o verbo
da oração principal, exprimindo as ideias de oposição, adição, consequência e modo.
Prosseguindo a análise, ao observarmos os exemplos fornecidos pelo autor para os
“circunstancializadores” que indicam adição, percebemos que estávamos diante de casos
muito semelhantes aos que nos causavam dúvida em nosso corpus de análise. Logo, em
“Os demais conjurados desfilavam, agrilhoados, desaparecendo pela saída dos fundos.”
(SABINO, 1979, p. 72 apud AZEREDO, 2001, p. 108)
também fica implícita uma ideia de adição, nesse caso, confundida com as noções
circunstanciais de resultado, consequência, ou seja, “os demais conjurados desfilavam ATÉ
QUE desapareciam pela saída dos fundos”.
E, a respeito da possibilidade de dupla interpretação das orações, o autor afirma:
É natural que às vezes não se distingam com toda a clareza as noções de causa e
condição, causa e tempo, adição e consequência, meio e modo. Na expressão da
anterioridade de um fato a outro, o contexto ou o conhecimento da realidade pode
‘recomendar’ uma interpretação causal, condicional ou temporal; da mesma forma,
a concomitância dos fatos pode privilegiar uma interpretação modal ou de meio, e a
173
subsequência de um fato a outro permite que nessa relação se perceba uma simples
adição ou uma consequência. (AZEREDO, 2001, p. 108)
Portanto, como Azeredo apresentou essa possibilidade de interpretação para os dados
que mencionamos, optamos por adotar sua classificação chamando as orações desse tipo de
subordinadas aditivas, para não corrermos o risco de rotulá-las como coordenadas
juntamente com as “coordenadas clássicas” e nem como algum dos tipos “clássicos” de
orações adverbiais.
Para terminar a descrição deste grupo de fatores que diz respeito à sintaxe, convém
mostrar dois dados que nos chamaram a atenção em nosso corpus. São eles:
123)INCÊNDIO NUMA FÁBRICA. A hora de entrar na machina o
nosso jornal de hontem tivemos noticia de estar ardendo uma fabrica
na rua de Santa Martha e ampliando esta noticia da <<ultima
hora>> temos a accrescentar o seguinte: [...]
(Dado 38 Lisboa, 05 jan 1902)
124)EM LISBOA. FURTO. [...] Antonia Dianhas, natural da Galliza,
freguezia de Granada, de 27 annos, solteira, moradora na rua de
Santa Martha, 26, 1º, foi presa pelo guarda 1.393, Antonio Bernardes,
na rua de S. Francisco de Paula, a pedido de Francisco Carlos,
morador na barraca nº 13 do becco da Galheia, que a acusa de,
aproveitando a ocasião de estar em sua casa e elle a dormir, lhe
furtou de uma caixa de madeira a quantia de 3$000 réis e 1$135 réis
da algibeira do collete.
(Dado 044 Lisboa, 10 abr 1904)
Os dados acima não nos pareceram se enquadrar adequadamente em nenhuma das
classificações sintáticas disponíveis. Ambas pareceram-nos desempenhar uma função
semelhante ao que, na análise do período simples, chamamos de adjuntos adnominais,
acompanhando e modificando um nome. No exemplo 123), acima, a oração “de estar ardendo
uma fabrica na rua de Santa Martha” parece referir-se à palavra “notícia”, assim como, no
exemplo 124), a oração “de estar em sua casa e elle a dormir” parece modificar o nome
“ocasião”.
Sabemos, entretanto, não haver na proposta de classificação sintática tradicional um
tipo de oração equivalente ao que poderia ser chamado de “orações adjuntivas adnominais”.
No período composto, as orações que desempenham função equivalente à de um adjunto
adnominal costumam ser rotuladas como relativas / adjetivas. Diferentemente, porém, das
174
adverbiais modais e das “subordinadas aditivas”, em que fomos buscar classificações
“alternativas”, fora da NGB, para dar conta de um grande número de dados, essas orações
desempenhando função semelhante à de adjuntos adnominais foram muito pouco produtivas
no corpus. Na verdade, essas foram as duas únicas ocorrências do tipo. Assim, julgamos que
não se justificaria criar um novo rótulo ou buscar outros autores que porventura possam dar
conta de casos semelhantes. Ao contrário, optamos por destacá-los dos demais dados,
mostrando-os aqui, para que qualitativamente não sejam perdidos. Mas, de forma quantitativa,
codificamos sintaticamente tais dados como orações relativas restritivas, por ser a
classificação tradicional mais próxima da função que desempenham: modificadores de nomes.
É importante, ainda, destacar que deixamos de fora de nossa análise, ocorrências de
gerúndio/infinitivo gerundivo em que ficasse configurado um marcador discursivo ou uma
expressão fixa, ou seja, uma “não oração”. Entendemos que casos desse tipo não são
variáveis, por representarem estruturas cristalizadas da forma nominal. São casos como
“tendo em vista”, “tendo em conta”, “sendo que”. Ao todo, foram dez ocorrências desses
casos no corpus, mas que não foram considerados como dados para a análise quantitativa.
3.2.11. Tipo semântico de oração
No texto “Sobre a semântica das orações gerundivas adverbiais” (MÓIA & VIOTTI,
2004b), os autores defendem a hipótese de que as orações gerundivas adverbiais exercem a
função de operadores gramaticais que devem ser investigadas essencialmente no âmbito da
semântica do discurso. Eles questionam a hipótese assumida – direta ou indiretamente – pela
maioria das gramáticas tradicionais, segundo a qual “o gerúndio é um operador
semanticamente polivalente, podendo veicular valores interproposicionais de diferentes
tipos.” (MÓIA & VIOTTI, 2004b, p. 716). Segundo os autores, tal hipótese é dificilmente
sustentável devido a, pelo menos, três argumentos que apresentam em seu texto:
Em primeiro lugar, verifica-se que o gerúndio pode surgir em orações com valores
contrários, como anterioridade e posterioridade, causa e efeito, ou meio e resultado.
Assim, se os valores em causa fossem directamente marcados pelo morfema de
gerúndio, estaríamos perante um caso – inédito e, no mínimo, bastante exótico – de
homonímia antonímica, isto é, uma situação em que a mesma forma gramatical
representa valores opostos. [...]
Em segundo lugar, os valores interproposicionais em causa podem ser não
morfologicamente marcados, emergindo de igual modo em sequências de frases
175
simplesmente justapostas, por processos discursivos bem conhecidos da literatura
sobre “relações discursivas”. Por outras palavras, os valores semânticos relevantes
estão presentes, mesmo quando o gerúndio está ausente. [...]
Em terceiro lugar, certos valores semânticos podem ser marcados com operadores
explícitos (em posição adverbial na gerundiva), sem que se gere qualquer sensação
de redundância: “A Ana assomou-se à janela, gritando {em seguida / depois} lá para
fora: ‘Venham!’ [...]” (MÓIA & VIOTTI, 2004b, p. 718)
A partir dessas considerações, os autores concluem que o gerúndio é semanticamente
nulo, neutro, não possuindo em si nenhum valor intrínseco, dependendo, sempre, do discurso,
do contexto para que seu sentido seja inferido. Segundo eles, “o morfema do gerúndio é um
marcador meramente sintáctico de conexão proposicional, isto é, um morfema
semanticamente nulo (como são, por exemplo, as conjunções integrantes)” (MÓIA &
VIOTTI, 2004b, p. 719)
Com efeito, desde nossos trabalhos anteriores com orações gerundivas, percebemos
frequentemente ser muito difícil – às vezes impossível mesmo – determinar com exatidão, por
exemplo, a classificação sintática das orações. Por serem, na maioria das vezes, orações
reduzidas, sem conectivos, torna-se complexa a tarefa de identificar o valor semântico dessas
orações e, portanto, também seu valor sintático. Isso porque, como se sabe, muitas vezes a
classificação sintática das orações baseia-se exclusivamente no tipo de conectivo empregado
e, por estarmos diante de orações sem conectivos (as chamadas reduzidas de gerúndio), a
classificação sintática acaba sendo respaldada por um critério semântico. Consequentemente,
é exigido muito mais dos elementos contextuais, discursivos da oração na tentativa de acertar
qual teria sido a intenção do produtor do texto, o que muitas vezes é impossível, mesmo nas
orações amplamente contextualizadas e muito mais naquelas com poucos elementos externos
a ela. Verifiquemos alguns exemplos dessa dificuldade de classificação retirados de nosso
corpus:
125)Tem passado bastante incommodado, estando retido em casa, o
sr. Manuel Joaquim Ferreira de Almeida, digno agente do Banco de
Portugal n'esta cidade.
(Dado 004 Algarve, 29 mar 1908)
No exemplo acima, temos uma adverbial CAUSAL ou uma adverbial
CONSECUTIVA? Ou ainda uma subordinada ADITIVA? O sr. Manuel Joaquim está
incomodado porque está em casa ou tem ficado em casa porque está incomodado? Ou ainda
tem estado incomodado E fica em casa?
176
126)NAS RUAS. O povo, aproveitando a belleza do dia, concorreu em
grande numero, formando alas nas ruas do transito, para dar maior
luzimento a esta festa nacional.
(Dado 016 Lisboa, 03 jan 1902)
O dado supracitado trata-se de uma adverbial FINAL (o povo foi para as ruas para
aproveitar a beleza do dia)? Ou teríamos uma adverbial TEMPORAL (Ao aproveitar a beleza
do dia o povo saiu)? Ou seria, ainda, o caso de uma oração RELATIVA EXPLICATIVA (O
povo, que aproveitou a beleza do dia, concorreu em grande número...).
127)Sentindo um violento estampido no mar, perto do farol, saíu, e
munindo-se de uma lanterna, porque a noite estava muito escura,
tratou de prestar os socorros que podia, até á chegada dos barcos
referidos e do material dos bombeiros.
(Dado 104 Lisboa – VARPOT, 1917)
O exemplo acima configura uma adverbial CAUSAL ou uma adverbial TEMPORAL?
Saiu porque sentiu ou saiu assim que / ao sentir"?
Como se pode observar, apenas a partir da análise do período em si, nem sempre é
possível precisar o valor dessas orações. Baseávamo-nos no contexto e, algumas vezes, nem
assim era possível afirmar com certeza a classificação das orações adverbiais. Por isso,
julgamos pertinente acrescentar em nossa pesquisa os critérios propostos por Móia & Viotti
(2004 e 2004b) para uma classificação semântica das orações adverbiais gerundivas. Os
autores deixam claro que se trata de um trabalho de caráter preliminar, que visa estabelecer
um ponto de partida para análises futuras de maior amplitude. Desse modo, sempre que
julgarmos pertinente, faremos algumas observações acerca dessa proposta.
Antes da exposição dos fatores do grupo, nominalmente, cada um dos 14 rótulos
semânticos usados pelos autores, convém fazer uma primeira ressalva. Como a classificação
se propõe semântica – e não sintática – acreditamos que seria interessante se a mesma pudesse
ser atribuída a outros tipos de oração além das adverbiais. Isso porque existem muitas orações
com valores semânticos semelhantes que se diferenciam apenas pelo tipo de encaixamento
(coordenação x subordinação) e respectivas conjunções. Assim, é comum haver confusão
entre adverbiais causais e coordenadas explicativas, por exemplo. Observemos os exemplos
abaixo.
177
128)Sobre a ordem falou o sr. Firmo Rocha que leu á assembleia a
correspondencia trocada entre a comissão de estudo e defesa dos
revendedores de tabacos e o sr. dr. Eduardo Burnay e o resultado das
conferencias realizadas, donde se conclue que nada foi possivel fazer
em prol das classes interessadas, ficando pois interrompidas todas as
negociações.
(Dado 222 Lisboa, 05 nov 1924)
A coordenada sindética conclusiva tem claramente um sentido resultativo, que é um
dos valores semânticos previstos por Móia & Viotti (2004b).
129)O filho do casal, que acorrera em auxilio da mãe e que ficou
gravemente ferido, continua em estado melindroso, havendo, porém,
esperanças de que se salve.
(Dado 239 Lisboa – VARPORT, 1935)
Da mesma forma, a coordenada sindética adversativa tem claramente um sentido
concessivo aqui, outro tipo semântico proposto pelos autores.
Inicialmente, víamos a proposta de classificação semântica como uma solução para
esse problema. Seria perfeito poder unir em um só grupo orações que sintaticamente se
organizam de formas diferentes (codificadas como tal no grupo tipo sintático de oração), mas
que veiculam valores semânticos próximos. A proposta dos autores, porém, não prevê a
classificação de orações coordenadas. Contemplam-se somente as orações subordinadas
adverbiais. Respeitamos esse critério neste trabalho, embora discordemos do mesmo devido a
ocorrências como as citadas acima. Optamos por seguir exatamente a proposta dos autores
apesar de discordarmos dela em alguns aspectos, pois, como este é, aparentemente, o primeiro
trabalho em Sociolinguística a usar a classificação semântica de orações gerundiais de Móia
& Viotti, pretendemos observar o comportamento dos dados segundo tal proposta conforme a
mesma foi concebida por eles. De acordo com os resultados obtidos, porém, pretendemos, em
trabalhos posteriores a este, propor sugestões para seu aperfeiçoamento.
A seguir, veremos cada uma das 14 classificações semânticas propostas em Móia &
Viotti (2004 e 2004b), explicitando a definição fornecida pelos autores e oferecendo exemplos
das mesmas a partir dos exemplos dos textos-base e/ou de nosso corpus.
178
Gerúndio (narrativo) de posterioridade
Nesse tipo de oração gerundiva, a situação expressa por ela ocorre depois da situação
explícita pela oração principal. “Estabelece-se uma Relação Discursiva de Narração” em que
a oração gerundiva marca a situação posterior.
130)POR FÓRA. EVORA, 6. [...] Exausta a creança, já sem roupa, com o corpo queimado, cahiu no chão, revolvendo-se em uma poça
d’agua suja, sendo afinal conduzida ao hospital civil, onde faleceu.
(Dado 041 Alentejo, 09 ago 1902)
131)CHAMA-SE MONICA A PRIMEIRA CRIANÇA NASCIDA ESTE
ANO EM COIMBRA. [...] Para já a Maria Helena, aguarda com
paciência a saída da maternidade e, depois, ficará durante um ano,
aproximadamente, a residir em Coimbra (no Chão do Bispo), para
com aqueles carinhos próprios de mãe envolver, neste período de
tempo, a Mónica Alexandra.
(Dado 377 Centro, 03 jan 1981)
Gerúndio (narrativo) de anterioridade
Ao contrário do tipo acima, aqui, a oração gerundiva indica uma situação que ocorre
antes da situação exposta na oração principal. Existe também uma Relação Discursiva de
Narração, mas, dessa vez, a oração gerundiva marca a situação anterior. Também é chamada
de relação de Retronarração.
132)POLICIAL. MÁQUINAS E RELÓGIOS FURTADOS DE
ESTABELECIMENTO EM LISBOA. [...] Remexendo nas gavetas dos
móveis, os assaltantes apanharam todos os objetos de ouro.
(Dado 491 Lisboa, 10 jul 1981)
133)NOTÍCIAS DIVERSAS. LUGARES VAGOS E A CONCURSO.
Acha-se aberto concurso, por 30 dias, a contar de 6, para o
provimento de lugares de secretários e finanças de 2ª classe do
quadro da Direcção Geral de Contribuições e Impostos.
(Dado 254 Centro, 10 jan 1951)
179
Gerúndio de sobreposição (ou paralelismo) temporal
O gerúndio de sobreposição, como o nome indica, sugere uma situação concomitante
com a situação expressa na oração principal. A Relação Discursiva é de Paralelismo
temporal.
134)NA CURIA AS GRANDES FESTAS DAS VINDIMAS. [...] Durante algumas horas as senhoras vindimaram encantadas da vida,
saboreando os belos cachos, enquanto os afamados gaiteiros de
Lameira de S. Pedro e de Sepins, punham uma nota de alegria e
regionalismo no ambiente.
(Dado 227 Algarve, 26 set 1954)
135)DOIS GRUPOS DE RAPAZOLAS, A JOGAR A BOLA ÁS SETE
HORAS DA TARDE, EM PONTO CENTRAL DA CIDADE, FERIRAM
UMA SENHORA QUE PASSAVA. [...] E daí resultou que um dos
grupos, no momento em que desaustinado, como é próprio do jogo,
corria a aparar um <<passe>> doutro companheiro, foi de encontro
à senhora, atirando-a, pesadamente, ao chão.
(Dado 446 Norte, 22 abr 1955)
Gerúndio de sobre-enquadramento
No gerúndio de sobre-enquadramento, a oração gerundiva – tipicamente atélica,
segundo os autores – serve como “cenário” para a situação expressa pela oração principal.
Estabelece-se uma “Relação Discursiva de Enquadramento” (Background).
136)OS ACONTECIMENTOS DA MADRUGADA DE 20 DE JULHO.
O ASSASSINO DA SENTINELA DO MUSEU DAS JANELAS
VERDES. [...] Estando um dia de serviço ao banco do hospital de S.
José, foi procurado por um agente da judiciária que lhe disse que
sabia que ele, medico, estava tratando dum ferido com arma de fogo,
e que a policia sabia toda a historia, mas desejava o agente que o
medico o informasse do local onde era o ferimento, ao que ele se
negou declarar.
(Dado 145 Lisboa, 03 ago 1913)
137)DO CONCELHO. CANELAS. Quando no dia 23 andavam uns
homens a cortar uns pinheiros na mata da Ribeira, limite desta
180
freguesia, um caiu sobre uma junta de bois, matando um dos animais
e ferindo outro.
(Dado 120 Centro, 28 jan 1923)
Gerúndio de subenquadramento
Trata da situação inversa ao gerúndio de sobre-enquadramento. Aqui, a oração
principal é que faz o papel de “cenário” da situação expressa pela oração gerundiva. A
Relação Discursiva também é a de Enquadramento.
138)No observatório Astronomico de Lisboa, na Tapada da Ajuda, o
sr. dr. Manuel Peres, seu ilustre director, observou atentamente todas
as fases do eclipse, anotando a hora rigorosa do seu inicio e termo,
este verificado ás 14 e 29.
(Dado 333, 02 set 1951)
Não encontramos, em nosso corpus, dados de orações gerundivas de
subenquadramento com infinitivo gerundivo. Dessa forma, unimos este fator às orações
gerundivas de sobre-enquadramento no cálculo de pesos relativos, uma vez que ambas se
referem à mesma relação discursiva, a de enquadramento.
Cabe aqui uma observação sobre as orações gerundivas de subenquadramento.
Segundo os autores, estas se apresentam tipicamente sob a forma de gerúndio composto
(tendo + particípio do verbo principal). O exemplo que eles fornecem para esse tipo
semântico é:
A Ana esteve deitada na praia toda a tarde, tendo visto vários iates de luxo.
Entretanto, dados como o exemplo 138), acima, nos levam a crer ser possível a
ocorrência de gerúndio de subenquadramento com outras estruturas de gerúndio.
Classificamos tais casos como tal, embora em desacordo com a descrição de Móia & Viotti
(2004b).
181
Gerúndio de elaboração (ou mereológico)
Segundo o dicionário Novo Aurélio Século XXI, mereologia é “A lógica da relação
entre as partes do todo” (FERREIRA, 1999, p. 1320). Assim, a oração gerundiva de
elaboração (ou mereológica) identifica uma subsituação, uma parte do evento expresso pela
oração principal. A Relação Discursiva é de Elaboração. Da mesma forma que para o
gerúndio de subenquadramento, as gerundivas de elaboração, de acordo com os autores,
também assumem tipicamente a forma de gerúndio composto. Os exemplos fornecidos por
eles são:
O Pedro renovou o jardim, tendo colocado cercas de madeira em todos os canteiros.
A câmara construiu a ponte, tendo um arquiteto francês desenhado os planos.
Semelhante a esses, encontramos em nosso corpus dados como:
139)O CASO DO ROUBO DE 30 CONTOS. [...] Acontece que, sendo
o caso confiado á policia judiciária, esta não acreditou muito na
veracidade da queixa e dirigiu as primeiras diligencias n’esse sentido,
vindo a saber que o snr. Marques se encontrava há dias no Porto,
tendo-se hospedado em mais de que um hotel, e que por vezes
recomendava aos porteiros que, se alguém o procurasse, lhe
respondessem que já se havia ausentado.
(Dado 81 Norte, 01 abr 1915)
Não encontramos dados de gerúndio de elaboração com infinitivo gerundivo no
corpus. Há apenas nove dados ao todo desse tipo semântico de oração gerundiva. Todos com
gerúndio, sendo que, destes, três foram eliminados do quantitativo de dados por serem do tipo
“auxiliar no gerúndio” (gerúndio + particípio), assim como os autores preveem. Os seis que
restaram no corpus são em estruturas sintéticas, como o dado abaixo:
140)O FISCO E A POLICIA CIVIL. MORTE DO GUARDA CIVIL –
INVESTIGAÇÕES POLICIAIS. [...] A polícia judiciária,
prosseguindo nas suas investigações, conseguiu tomar algumas
declarações ante-hontem ao pobre guarda, apesar do gravíssimo
estado em que então se encontrava.
(Dado 126 Norte, 24 abr 1915)
182
Como se vê, “ter conseguido tomar algumas declarações” (informação expressa pela
oração principal) é, no nosso entendimento, parte do evento de “ter prosseguido nas
investigações” (informação da oração gerundiva), configurando, portanto, o chamado
gerúndio de elaboração.
Gerúndio de modo
Tais quais as orações classificadas sintaticamente como adverbiais modais, as orações
desse tipo semântico indicam a maneira como a ação expressa pela oração principal é feita.
141)PELAS BEIRAS. DE CONDEIXA. MARCO DO CORREIO.
Porque não se substituir a inestética caixa, pendurada numa das
colunas da entrada do majestoso edifício do Hospital, colocando em
seu lugar o marco a que aludimos?
(Dado 208 Centro, 07 fev 1941)
142)PORTO / METRÓPOLE. MILÍCIAS DE S. TOMÉ INSISTEM EM
LIMPAR A <<PODRIDÃO>> DO BAIRRO. HOMENS DE NOITE...
MULHERES DE DIA....[...] A revolta vai <<direitinha>> para os
traficantes: <<Nós temos que andar uma vida a trabalhar para
ganhar 50 contos por mês e eles num dia ganham isso e muito mais. É
só carros bons a estacionar e a passar e elas andam carregadas de
jóias!>>.
(Dado 638 Norte, 11 jun 1995)
Gerúndio instrumental (ou de meio)
O gerúndio instrumental diz respeito ao “meio ou instrumento mediante o qual se
chega à situação expressa na oração principal”.
143)ASSALTO A RESIDÊNCIA NA NOITE DE FIM-DE-ANO. [...]
Usando uma chave falsa, os larápios aproveitaram o sono dos
proprietários da casa para roubarem 80 contos em dinheiro e dois
relógios no valor de 45 contos, informou a PSP.
(Dado 411 Centro, 03 jan 1991)
183
Não há dados de infinitivo gerundivo. Houve apenas 11 dados, todos com a forma
nominal gerúndio. Assim, no cálculo de pesos relativos, amalgamamos este fator com o das
gerundivas de modo, por entendermos apresentarem certa semelhança semântica, apesar de os
autores considerarem-na mais próximas das causais, que descreveremos abaixo.
Gerúndio causal
As orações gerundivas causais também têm uma relação quase unívoca com as orações
sintaticamente classificadas como adverbiais causais. A Relação Discursiva é de Explicação.
144)DO CONCELHO. SALREU. [...] Os cabos, confiando no
<<gajo>>, deixaram-no ir para de traz d'um muro e ficaram na
estrada. Esperaram, esperaram, e vendo que o figurão se demorava,
foram vêr ao sitio para onde elle tinha ido e... quem te viu?...
(Dados 075 e 076 Centro, 27 jul 1912)
145)PORTO / METRÓPOLE. MILÍCIAS DE S. TOMÉ INSISTEM EM
LIMPAR A <<PODRIDÃO>> DO BAIRRO. HOMENS DE NOITE...
MULHERES DE DIA....[...] É que é preciso manter afastados <<os
que são maus exemplos para as crianças>>, uma vez que – apesar da
presença de agentes do Corpo de Intervenção da PSP – os
<<negócios continuam a fazer-se à vista de todos>>.
(Dado 635 Norte, 11 jun 1995)
Gerúndio resultativo
Como podemos inferir a partir de seu nome, as orações com gerúndio resultativo
identificam uma situação que é consequência ou resultado do que é expresso na oração
principal. A Relação Discursiva é de Resultado.
146)PELO DISTRICTO. [...] Quando, há dias, se dirigiam do Braçal
para a Foz, n’um wagonete, este, a certo ponto, sem se saber porquê,
descarrilou, arremessando os sympathicos empregados a uma grande
distancia, com o que ficaram muito feridos.
(Dado 024 Centro, 21 abr 1904)
184
147)O ESPETÁCULO DO ORFEÃO DE TAVIRA FOI UM ÊXITO.
[...] Pela disciplina, escolha e afinação de vozes e naipes, pela
regência, vibrante e subtil, todos os números saíram certos, a
despertar os mais insensiveis e a provocar um derretimento
memorável (p. 04) do gelo que é normalmente a plateia de Faro.
(Dado 238 Algarve, 05 jun 1955)
Gerúndio condicional
Eis mais uma classificação semântica que possui pontos de contato com a classificação
sintática tradicional das orações adverbiais gerundiais. Conforme a nomenclatura sugere, é
concernente às orações com valor condicional em relação à oração principal.
148)ADÃO E EVA. [...] Temos essa esperança, pois que só dando-se
esse caso conseguiremos andar á moda.
(Dado 232 Alentejo, 05 abr 1933)
149)PELA EGREJA. [...] E se s. ex.a continuar a verberar o mal,
como o fez na noite de domingo, creia que conquistará adeptos e
prestará um bom serviço á sociedade, transviada do caminho da
honra e do dever.
(Dado 171 Alentejo, 12 jul 1922)
Gerúndio concessivo ou adversativo
O gerúndio concessivo (ou adversativo) estabelece uma “Relação Discursiva de
Contraste (com ‘violação de expectativa’)”, de acordo com Asher e Lascarides (2003)75
apud
Móia & Viotti (2004b).
150) EMPREGADO INFIEL. [...] Interrogado pelo agente captor o
Teixeira negou a principio que tivesse commettido o furto, mas como
entre os colchões da cama em que dormia tivessem sido encontradas
varias quantias, conessou ter effectivamente defraudado a seu patrão
por diferentes vezes, não podendo precisar em quanto, avaliando,
todavia, os furtos em quantia que varia entre nove ou dez mil reis.
75
ASHER, Nicholas; LACARIDES, Alex. Logics of Conversation. Cambridge: Cambridge University Press,
2003.
185
(Dado 062 Lisboa, 12 abr 1904)
151)ÚLTIMAS NOTÍCIAS. O DESTINO DOS PASSAGEIROS E
TRIPULANTES DO "SANTA MARIA" À MERCÊ DO BANDO
INTERNACIONAL DE MERCENÁRIOS PREOCUPA TODO O
MUNDO CIVILIZADO. Embora as informações continuem a ser
confusas sobre o verdadeiro destino do <<Santa Maria>>, sabe-se
que o paquete se mantém relativamente próximo das águas
territoriais brasileiras e do porto do Recife.
(Dado 126 Açores, 28 jan 1961)
Deve-se registrar que, nos dados de Portugal Continental, não houve nenhuma
ocorrência de gerúndio concessivo com infinitivo gerundivo, ou seja, todos os 26 dados desse
fator foram com a forma nominal gerúndio. Sendo assim, nas rodadas estatísticas envolvendo
unicamente dados de Portugal Continental, amalgamávamos esses dados com o fator gerúndio
opositivo, que será descrito abaixo e apresenta a mesma relação discursiva que o gerúndio
concessivo.
Gerúndio opositivo
Diferentemente do gerúndio concessivo, o gerúndio opositivo apresenta na oração
adverbial gerundiva uma situação que meramente contrasta com a situação presente na oração
principal. A Relação Discursiva, nesse caso, também é de Contraste, mas “sem violação de
expectativa” segundo Asher e Lascarides (2003) apud Móia & Viotti (2004b).
152)GUIMARÃES. SANTA CATARINA DA SERRA. CAÇADORES
VIMARANENSES FESTEJARAM A PADROEIRA. [...] Augusto
Monteiro referir-se-ia depois ao momentoso problema da lei da caça:
<<Querem uma lei da caça feita nas costas dos caçadores e contra os
nossos interesses, pois vem prejudicar 90 por cento dos caçadores das
classes pobre e média, beneficiando apenas meia-dúzia de ricos>>.
(Dado 603 Norte, 24 junho 1983)
153)VIOLENTO INCENDIO. [...] Ignoram-se, por enquanto, as
causas que originaram o incêndio, que ficou extinto cerca das 10
horas e meia da manhã, hora a que as corporações de bombeiros
retiraram, ficando, ainda, a trabalhar no rescaldo um piquete dos
Municipais, que retirou ao meio-dia.
(Dado 275 Norte, 04 abr 1935)
186
Gerúndio neutro
O último tipo semântico proposto pelos autores parece não ter uma definição clara. De
fato, pelo caráter preliminar do trabalho em questão, Móia & Viotti (2004b) afirmam que,
provisoriamente, adotaram a definição do chamado gerúndio neutro “pela negativa”:
[...] a oração gerundiva identifica uma situação que nem se relaciona temporalmente
de modo definido com a situação expressa na oração principal nem envolve
implicação ou contraste. [...] – e.g. a gerundiva constitui um comentário, um aparte,
uma informação suplementar sobre um tópico comum, etc. (MÓIA & VIOTTI,
2004b, p. 724)
O exemplo fornecido pelos autores é:
A Índia está dividida em 28 estados e 7 territórios, possuindo mais de mil milhões de
habitantes.
Ou seja, o fato de a Índia possuir mais de um bilhão de habitantes é uma informação
adicional, suplementar que não se relaciona – nem temporalmente, nem com nenhum outro
tipo de relação discursiva dentre as citadas – com o fato de o país estar dividido em 28 estados
e 7 territórios. Dessa forma, sempre que a oração gerundiva adverbial não parecia se
enquadrar em algum dos tipos semânticos acima, era o código deste fator que ela recebia.
Seguem exemplos do corpus:
154)Dando esta agradável noticia aos nossos leitores, fazemos votos
para que outros melhoramentos se não façam demorar,
especializando a construção da rede urbana, que se impõe como
urgente necessidade ao progresso e bom nome da Cidade.
(Dado 194 Alentejo, 03 jun 1932)
155)NA HERDADE DOS ALPENDRES. DECORREU MUITO
ANIMADA A <<TENTA>>, DE NOVILHAS DO LAVRADOS SR.
CABRAL D’ASCENÇÃO. [...] É justo que se ponha desde já, em
devido relevo a grande <<aficion>> perseverança e inteligência do
lavrador sr. Cabral d’Ascenção, pois iniciando somente há cerca de
quatro anos a sua ganadaria, esta conta presentemente com mais de
duas centenas de cabeças, sendo a maior parte cuidadosamente
selecionadas e das quais, mais de uma centena são vacas de ventre.
187
(Dado 286 Alentejo, 06 jun 1953)
156)O trabalho é suspenso a partir de 1 de Maio, com pagamento de
dois terços dos ordenados a cerca de 400 trabalhadores, ficando a
trabalhar cerca de 10 por cento do total.
(Dado 450 Alentejo, 16 a 22 abr 1993)
Para terminar, é pertinente comentar que, algumas vezes, julgamos limitada a proposta
de classificação semântica dos autores. O caso mais frequente de que sentimos falta na
proposta é referente às orações classificadas sintaticamente como adverbiais finais, ou seja,
com sentido de finalidade, que não encontram paralelo na classificação deles, como se pode
ver nos dados abaixo:
157)MONUMENTO A JOÃO DE DEUS. [...] O sr. governador civil
vae oficiar ao sr. ministro da instrucção pedindo que a comissão seja
oficialmente reconhecida.
(Dado 119 Algarve, 15 fev 1925)
158)ECOS DA SEMANA. NOSSA SENHORA DO CARMO. [...] Do
espaçoso e dominante terraço da Egreja de Nossa Senhora do Carmo
vê-se todo esse mar imenso que umas vezes reflete como uma
esperança o azul dos céos e outras vezes ostenta como uma ameaça o
esverdeado tom de misteriosas iras; esse mar sobre o qual um povo
rude, mas cheio de confiança nos seus destinos, partiu há
quatrocentos anos iluminado pela Fé e tendo como insígnia a Cruz, a
escrever a maior epopeia do mundo!
(Dado 101 Algarve, 03 jul 1921)
Casos como esses foram sintaticamente classificados como adverbiais finais. Mas,
para a classificação semântica, de fato, conforme a proposta dos autores, foi preciso analisá-
los segundo um contexto mais abrangente. Por carecermos de uma classificação semântica
final, orações assim ora foram classificadas como resultativas, ora como causais, na maioria
das vezes.
Lembramos, ainda, que a todos os dados de orações não adverbiais foi atribuído um
código indicando “não se aplica”, uma vez que a proposta de classificação semântica de
orações de Móia & Viotti (2004) e Móia & Viotti (2004b) diz respeito apenas às orações
subordinadas adverbiais.
188
3.2.12. Posição da oração gerundial no período (em relação à oração principal)
Este grupo de fatores surgiu, assim como o anterior, a partir da leitura do artigo “Sobre
a semântica das orações gerundivas adverbiais” (MÓIA & VIOTTI, 2004b, p. 715-729), em
que os autores relacionam alguns valores semânticos das orações gerundiais a outros fatores,
na tentativa de descrever sistematicamente algumas restrições de natureza sintático-
semânticas que influenciam no uso dessas orações. Segundo os autores: “[...] há múltiplos
factores linguísticos que condicionam a ocorrência de algumas gerundivas [...]” (MÓIA &
VIOTTI, 2004b, p. 715) e se propõem, no artigo, a tratar seis dos tais “factores linguísticos”
que julgam relevantes para a ocorrência das orações gerundivas. Um desses fatores é o que
eles analisam na seção 4, “Perspectivando uma análise semântica mais fina”, subdividindo a
seção em mais seis partes (A - F). Uma delas, o item D, trata da “Posição da gerundiva
(relativamente à frase matriz)”. Aqui, o que os autores denominam como “frase matriz” é o
que chamamos de oração principal.
Este grupo de fatores está, na verdade, diretamente ligado ao grupo de fatores que
vimos acima, no item 3.2.11, que trata do tipo semântico das orações gerundivas adverbiais,
também criado, como foi visto, com base no mesmo artigo dos autores. Embora eles não
detalhem pormenorizadamente as implicações semânticas da mudança de posição das orações
gerundivas em relação à sua respectiva oração principal, afirmam, por exemplo, que “As
gerundivas que marcam Meio (e bem assim as que marcam Causa) podem surgir quer em
posição inicial quer em posição final; mas as que marcam Resultado surgem sistematicamente
em posição final.” (MÓIA & VIOTTI, 2004b, p. 727). Ou seja, segundo os autores, algumas
orações que veiculam um determinado valor semântico se restringem a certas posições dentro
do período em relação à sua respectiva “oração matriz” (ou principal).
Assim, almejamos verificar se isso de fato ocorre em nossos dados de língua real,
contrapondo os fatores deste grupo aos fatores do grupo Tipo semântico de oração, descrito
acima, em análises do tipo crosstab no programa Goldvarb.
Vale ressaltar que foram classificadas para este fim somente as orações gerundivas
subordinadas, por serem as únicas que possuem, evidentemente, uma respectiva oração
principal correspondente. Sendo assim, os dados de orações gerundivas em período simples
(absolutas), bem como as orações coordenadas e até mesmo as principais foram codificadas à
parte, sem indicativo de posição no período. Vejamos os exemplos:
189
Inicial
159)Respondendo e agradecendo novamente todos os actos da
carinhosa recepção que lhe faziam, o Sr. Bispo teve phrases de terno
reconhecimento que a todos captivou, seguindo se a distribuição do
bôdo.
(Dado 012 Algarve, 05 abr 1908)
160)PELA CIDADE. UMA COOPERATIVA QUE FOI
CONSIDERADA ESTABELECIMENTO COMERCIAL E COMO TAL
AUTUADA. A responder pela transgressão que consistiu no facto de
ter à venda carne de porco sem a vistoria dos serviços competentes da
Camara do Porto, compareceu, ontem, no Tribunal de Policia, o sr.
José da Silva Costa, na qualidade de sócio-gerente da Cooperativa
dos Funcionários Publicos.
(Dado 438 Norte, 22 abr 1955)
Medial
161)NECKAR. [...] Já hontem tambem passaram por aqui,
percorrendo a cidade, cerca de 300 delegados americanos que
seguiam com o mesmo fim.
(Dado 041 Açores, 04 mai 1907)
162)DOIS GRUPOS DE RAPAZOLAS, A JOGAR A BOLA ÁS SETE
HORAS DA TARDE, EM PONTO CENTRAL DA CIDADE, FERIRAM
UMA SENHORA QUE PASSAVA. [...]
(Dado 446 Norte, 22 abr 1955)
Final
163)II CONGRESSO NACIONAL DE RELIGIOSOS [...] Em seguida,
e depois da exposição do Santíssimo entoou-se o cântico <<Vem
Creator>>, terminando a expressiva cerimónia com a antífona
<<Regina Coeli Laetare>>.
(Dado 380 Lisboa, 01 abr 1964)
190
164)REGIONAL. 8ª SEMANA INFANTIL. CRIANÇAS DÃO “COR” A
PONTA DELGADA. [...] Ali, foram visitados os ateliers de exposição
e espaços de animação, e estavam previstas actuações das escolas,
com um mini-concerto pela Banda Juvenil Lira da Saúde, um
espectáculo do Palhaço Pézinho, espaço de marionetas, e o coro
infantil do Colégio de S. Francisco Xavier, a terminar estas
cerimônias de encerramento.
(Dado 193 Açores, 06 jun 1997)
A oração gerundial é a oração principal do período
165)ASSAMBARCADORES E ESPECULADORES. As brigadas da
fiscalização contra assambarcadores e especuladores, que percorrem
a província, estão processando os talhos e salsicharias que vendem
carne por preços superiores aos tabelados.
(Dado 187 Algarve, 04 mai 1941)
166)DUAS RAPOSAS CAPTURADAS VIVAS. No lugar da Carregosa
andavam a arrancar cepos, numa propriedade, os trabalhadores
António Simão e Manuel Augusto Justino, ambos do concelho de
Cantanhede, quando viram entrar, numa toca próximo do local onde
trabalhavam, duas raposas.
(Dado 267 Centro, 06 jan 1961)
Oração absoluta ou coordenada (não se aplica)
167)CÃO DERRAMADO. No sábado á noite um rafeiro, derramado,
atacou para aí os animais da mesma espécie e originando por isso
uma larga mortalidade, a tiros de espingarda, das victimas do
perigoso ataque de raiva.
(Dado 157 Alentejo, 05 jul 1922)
168)MANTÊM-SE AS TEMPERATURAS NEGATIVAS NA REGIÃO
DA COVILHÃ. [...] As nevadas continuadas e as geadas
endurecedoras estão a causar graves prejuízos na vida agrícola,
nomeadamente na pecuária.
(Dado 360 Centro, 05 jan 1971)
191
3.2.13. Tipo semântico do verbo
Esse grupo de fatores, que também envolve traços semânticos, diferentemente do
grupo de fatores descrito no item 3.2.11, Tipo semântico de oração, já estava presente desde
nossa pesquisa anterior, em Mothé (2007). Aqui, em vez de analisarmos a semântica de toda
a oração, visamos a classificar os tipos semânticos dos verbos plenos presentes tanto nas
estruturas sintéticas como nos verbos principais das estruturas perifrásticas de gerúndio ou de
“a + infinitivo”, para verificar se algum grupo semântico possa ter favorecido o uso de um ou
outro tipo de construção gerundial em nossos dados.
O presente grupo de fatores se baseia em algumas pesquisas de Brenda Laca (em
especial, LACA, 2002), que apontam o tipo semântico dos verbos como relevante para o uso
de uma determinada variante de perífrase aspectual em italiano. Assim como ela, Squartini
(1998) também menciona pesquisas segundo as quais o critério semântico seria relevante para
o uso de gerúndio ou de infinitivo em construções gerundivas, como podemos observar no
trecho:
Dietrich (1984)76
propôs que, também em português, a distinção entre as formas
com gerúndio e com infinitivo esteja no âmbito semântico e que não meramente
estilístico, geográfico ou diacrônico, conforme defendido por Böckle (1980)77
, entre
outros. De acordo com Dietrich, a forma com gerúndio expressa “partialisierende
Winckelschau” (algo semelhante à progressividade, veja 3.7) enquanto a forma com
infinitivo, menos gramaticalizada, expressa uma relação entre duas situações
diferentes, uma denotada pelo verbo estar e outra pelo verbo no infinitivo (Dietrich,
1984, p. 143), que apenas contextualmente pode admitir o mesmo valor de
“partialisierende Winckelschau”. (SQUARTINI, 1998, p. 133, tradução nossa)78
Apesar da menção ao trabalho de Dietrich, para Squartini (1998), tal distinção baseada
na semântica das construções com gerúndio e com infinitivo no Português só se aplicaria ao
76
DIETRICH, Wolf. Zum Typ estar cantando und estar a cantar im Portugiesischen. In HOLTUS, Günter;
RADTKE, Edgar (eds.). Umgangssprache in der Iberoromania. Festschrift für Heinz Kröll. Tübigen: Narr,
1984. p. 137-145.
77
BÖCKLE, Klaus. Zum Diasystem der portugiesischen Verbalperiphrasen mit dem <<gerundialen Infinitiv>>.
In: POLZIN-HAUMANN, Claudia; SCHWEICKARD, Wolfgang. Zeitschrift für romanische Philologie 96.
Saarbrücken: Saarbrücken University, 1980. p. 333-354.
78
Dietrich (1984) has proposed that in Portuguese too the distinction between the gerundial and the infinitival
form is based on semantic grounds and it is not merely a stylistic, geographical or diachronic difference, as
maintained among others by Böckle (1980). According to Dietrich the gerundial form expresses “partialisierende
Winckelschau” (something similar to progressivity, see 3.7) while the infinitival form is still less
grammaticalized expressing a relationship between two different situations, one denoted by the verb estar and
one by the infinitival form (Dietrich, 1984, p. 143) which can only contextually assume the same semantic value
of “partialisierende Winckelschau”. (SQUARTINI, 1998, p. 133)
192
PB e não ao PE, visto que, segundo o autor, em Portugal a estrutura com infinitivo é muito
mais comum em contextos que expressam o aspecto “progressivo puro” e o aspecto durativo
não progressivo. Sendo assim, no PE, a construção estar + a + infinitivo não pode ser
considerada menos gramaticalizada do que a construção com gerúndio. Nesse sentido,
segundo o autor, a hipótese de Dietrich provavelmente faça sentido apenas para o PB, onde,
de fato, o emprego da construção infinitiva é menos frequente, parecendo menos
gramaticalizada.
De qualquer forma, percebemos que alguns autores levantam a hipótese de diferentes
contextos semânticos influenciarem no uso de uma ou de outra construção nas línguas
românicas. Assim, por também ser uma língua românica, entendemos que existe a
possibilidade de o português apresentar padrão semelhante em contextos similares, isto é, em
nossas perífrases aspectuais. O que influencia uma determinada língua também pode
influenciar outra(s) língua(s) da mesma família, como ocorre em diversos fenômenos
linguísticos estudados nos últimos anos e como mencionamos brevemente no capítulo 2, na
seção que tratou da questão do aspecto nas línguas românicas. Com efeito, a configuração das
línguas românicas apresenta convergências e divergências funcionais para estruturas
semelhantes, ou seja, pode ser que o português se comporte de maneira parecida com o
italiano, verificado por Laca (2002), ou não. Para constatar isso, é válido realizar, nesta
pesquisa, o controle desses fatores. Além disso, através deste grupo, também poderemos
analisar se houve aumento no quantitativo de ocorrências de perífrases gerundivas nos
diferentes contextos semânticos em diacronia.
Existem muitos autores que ressaltam o fato de os verbos poderem ser agrupados não
apenas quanto às suas diferentes estruturas argumentais, ou ao seu caráter de verbo principal
ou auxiliar ou ainda à sua morfologia regular ou irregular, como a maioria das gramáticas
tradicionais costuma fazer. Esses autores defendem que o verbo, além de ser classificado
quanto a esses parâmetros, também deve ser agrupado de acordo com seu significado. Em
Mothé (2007, p. 109-123), apresentamos quatro propostas de classificação: Neves (2000),
Mateus et alii. (2003), Halliday (1994) e Oiticica (1945) e optamos por utilizar na codificação
dos dados uma delas.
Seguiremos, aqui, a mesma proposta daquele trabalho. Constatamos naquela pesquisa
que, dentre essas quatro abordagens semânticas, Mateus et alii (2003) e Oiticica (1945)
propunham classificações demasiadamente detalhistas e Neves (2000) apresentava uma
193
proposta bastante reducionista. Ora havia tipos semânticos demais (o que, além de gerar um
grupo de fatores com um número muito grande de variáveis, ainda, possivelmente, haveria
células com um número muito pequeno – ou nulo – de dados, o que dificultaria a leitura a ser
feita pelo programa estatístico, gerando provavelmente muitos “knockouts”, como são
chamadas pelo programa as células sem variação, categóricas); ora havia tipos semânticos de
menos, o que provavelmente não nos ajudaria a chegar a algum tipo de conclusão sobre a
semântica desses verbos, agrupando sob o mesmo rótulo verbos que possivelmente poderiam
ser bastante diferentes. A escolha entre as propostas, porém, foi mais prática que teórica, na
medida em que, a exceção de Oiticica, que se afasta muito das demais propostas, as outras
apresentam vários pontos de contato.
Dessa forma, acabamos por escolher a classificação semântica proposta por Halliday
(1994), que não é nem tão detalhista nem tão abrangente, dividida no que o autor chama de
processos verbais. Para rotular um verbo como representante de um ou outro dos processos a
seguir, o autor destaca que é necessário analisar o processo em si, os participantes dos
processos e, quando há, as circunstâncias associadas ao processo. Isso significa que a
classificação está estreitamente ligada à teoria dos papéis temáticos, a qual não detalharemos
por não considerarmos relevante para esta pesquisa.
Iremos nos ater a explicitar, abaixo (cf. Mothé 2007, p. 114-116), os tipos semânticos
propostos por Halliday (1994) – os mesmos que aplicamos em nossa codificação de dados –
seguidos de exemplos do nosso corpus.
Inicialmente, o autor apresenta os três principais grupos de processos verbais, que são:
Processos materiais (processos de fazer)
São aqueles relacionados ao mundo físico. Expressam a ideia de que “algo/alguém”
(ator) “faz” alguma coisa para “algo/alguém” (alvo). Exemplos: matar, pegar, acariciar.
169)EXERCITO E MARINHA [...] O sr. comandante Magalhães
Correia está trabalhando no sentido de obter os fundos, necessarios
para adquirir alguns navios. Tambem encarregou aquele organismo
de escolher o tipo de uma ou duas canhoeiras para substituir a
canhoeira «Patria», em Macau, em consequencia daquele navio ter
de ser abatido ao efectivo da marinha, visto o seu estado não permitir
novos e dispendiosos fabricos.
(Dado 177 Lisboa – VARPORT, 1930)
194
170)CAIU DUM 6º ANDAR E NÃO MORREU. Ontem, quando
andava a trabalhar num edifício em construção na Rua João de Deus,
em Vila Nova de Gaia, desequilibrou-se e caiu da altura do 6º andar
para a rua, o operário sr. Armando de Oliveira Santos, de 25 anos,
solteiro, residente em Suzão, Valongo.
(Dado 546 Norte, 11 abr 1975)
Processos mentais (processos de sentir)
Estão relacionados à experiência interior do indivíduo, a seus sentimentos (affection),
pensamentos (cognition) e percepções (perception). Segundo nomenclatura de Halliday, os
envolvidos nesse tipo de processo são o “experienciador” (senser), aquele que “sente”,
“pensa”, “percebe” e o fenômeno (phenomenon), aquilo que é “sentido”, “pensado”,
“percebido”. Exemplos: gostar, contentar-se, considerar.
171)MOVIMENTO DE SOLIDARIEDADE NACIONAL. [...] Estas
instituições começaram a recolher, de toda a parte, importantes
donativos, lembranças para todos os portugueses que nas terras do
Malabar, lutando e sofrendo, defendem a honra e a integridade da
Nação Portuguesa.
(Dado 220 Algarve, 19 set 1954)
172)MANTÊM-SE AS TEMPERATURAS NEGATIVAS NA REGIÃO
DA COVILHÃ.TRINTA CENTÍMETROS DE ESPESSURA NA
REGIÃO DO CARAMULO. [...] Os trabalhadores agrícolas estão
paralisados há mais de dez dias e os rebanhos estão a sofrer com a
falta de alimentos, o que preocupa as populações da região.
(Dado 363 Centro, 05 jan 1971)
Processos relacionais (processos de ser)
Dizem respeito ao mundo das abstrações. São processos que estabelecem relação entre
duas entidades distintas, podendo ser essa relação de atribuição de algo de uma à outra ou de
identificação de uma pela outra. Segundo o autor, para o inglês, por exemplo, as construções
possíveis nesse tipo de processo são:
195
Intensiva (equativa): x é/está y.
Circunstancial: x está em/com/sobre/dentro... y.
Possessiva: x tem/possui y.
173)A C. P. INAUGUROU UM NOVO APEADEIRO EM VILA R. S.TO
ANTÓNIO. Este apeadeiro, que fica sendo o terminus da linha do Sul,
passou desde quinta-feira a ser utilizado pela C. P., que ali faz chegar
todos os comboios de passageiros.
(Dado 215 Algarve, 27 jan 1952)
174)A CONSTRUÇÃO DO HOTEL DA EVA EM FARO. [...] Assim, a
EVA vai adjudicar desde já a sua construção, e Faro será dotada de
um magnífico estabelecimento hoteleiro com 131 quartos, ficando a
ser o melhor Hotel do sul do País.
(Dado 256 Algarve, 03 jul 1962)
Em seguida, para além desses três tipos primordiais de processos, Halliday cita, ainda,
outros tipos secundários de processo:
Processos comportamentais
São concernentes aos processos acerca dos estados fisiológicos e de consciência de um
indivíduo (geralmente humano). Encontram-se “na fronteira” entre os processos materiais e os
processos mentais. Exemplos: sorrir, sonhar, respirar, tossir.
175)CRIME HORROROSO. DOIS ASSASSINATOS. [...] Mas os maus
instinctos não ficaram por alli; como no alto da escada houvesse um
pau, servindo de travessa, tentou enlaçar a corda no pau e
dependurar a pobre velha, fazendo assim crêr que ella própria se
matou por meio de enforcamento, mas o pau que não pôde com o
peso, quebrou a tempo e a pobre velha ficou cahida, entalada quasi
sentada entre trez pernas d'um banco, como que dormindo.
(Dado 195 Norte, 21 abr 1925)
176)A CIDADE. DOIS ATREVIDOS GATUNOS CAPTURADOS
QUANDO ASSISTIAM A UMA SESSÃO DE CINEMA. [...] Os dois
arguidos não negam o facto, mas afirmam que a carteira em causa
havia momentos antes sido furtada pelo próprio denunciante a um
196
desconhecido, que estava a dormir num banco da Avenida da
Liberdade.
(Dado 410 Lisboa, 01 dez 1971)
Processos verbais
Referem-se aos processos de “dizer”. Indicam ações constituídas através da
linguagem. Halliday denomina o participante desse processo de “sayer” (aquele que diz),
sendo humano, ou não. Outros possíveis participantes são: “receiver” (para o que/quem se diz
algo), “verbiage” (o que é dito) e “target” (sobre o que/quem se diz algo). Exemplos: dizer,
elogiar, declarar.
177)PARTIDO REPUBLICANO. AS ELEIÇÕES. [...] Fechou o
comício o sr. Albino Pimenta de Aguiar, que agradeceu aos seus
patrícios e correligionários a apresentação da sua candidatura,
dizendo que no parlamento havia de pugnar pelo bem do Paiz e de
Montemor.
(Dado 075 Alentejo, 24 mai 1911)
178)SEMANA DE ESTUDOS... AULAS DE PORTUGUÊS
BANHADAS DE ÁGUA. [...] <<Na preia-mar... (sic) ouve-se o mar a
dizer: - Bom dia!... navego sem rumo, eu abraço a minha ilha..., com
a preia-mar (sic) respiro a aventura o amor não pára de me rodear...,
o mundo fica alegre... da Preia-Mar (sic) recebo ondas de
esplendor>>.
(Dado 161 Açores, 21 abr 1997)
Processos existenciais
Estão relacionados à existência ou ao acontecimento de algo. O elemento que se diz
“existir” é chamado “existent” e pode ser qualquer tipo de fenômeno, coisa, pessoa, abstração
etc. Exemplos: haver, existir, surgir, aparecer.
179)CRUZ VERMELHA. A FESTA DA FLOR. [...] Nas ruas, nos
electricos, nos estabelecimentos commerciaes, nos jardins - por toda
a parte a flor era distribuida e por toda a parte essas senhoras eram
recebidas meigamente pelos portugueses e forasteiros, apparecendo
197
aqui e alli senhoras e cavalheiros e até creanças por assim, dizer,
cobertas de flores que obtiveram generosamente para contribuir para
a Cruz Vermelha e Maternidade.
(Dado 211 Norte, 24 jun 1925)
180)EM MARTIM LONGO. ESTUDOS ATÉ O 9º ANO. A Aldeia de
Martim Longo, no Concelho de Alcoutim, poderá vir a chispar em
breve de uma Escola 1+2+3, o que, de acordo com a lei de bases do
sistema educativo, permitirá a frequência desde a 1ª Classe até ao 9º
ano, para isso, estão bem encaminhadas as negociações que estão a
decorrer entre a Câmara e o Ministério da Educação, através da
Direcção Regional de Educação do Algarve.
(Dado 320 Algarve, 18 jul 1991)
O autor menciona, ainda, o que seria um “sétimo” tipo de processo (embora não o
enumere como tal). São os processos meteorológicos, que, segundo ele, estariam no limite
entre os processos existenciais e os materiais. Halliday não os considera como mais uma das
categorias por afirmar que eles podem ser construídos de diversas maneiras dentre as já
citadas. Assim, por exemplo, em O vento está soprando, existe um processo material; já em
Houve uma tempestade, um processo existencial; e em Está frio, um relacional. Também pode
haver processos meteorológicos constituídos apenas pelo processo, sem participantes (Está
chovendo.). A princípio, tínhamos criado um código para os processos meteorológicos, mas,
no total de nossos dados, só houve duas ocorrências, que expomos abaixo. Sendo assim,
optamos por excluir o fator e amalgamar esses dados com os de processos materiais.
181)INÚMEROS ACIDENTES NAS ESTRADAS DE CASTELO
BRANCO. [...] Pela manhã, caíram alguns flocos de neve que depois
gelando as vias rodoviárias, deram ensejo a que o trânsito começasse
a fazer-se com muita dificuldade.
(Dado 353 Centro, 05 jan 1971)
182)QUASE DEZ HORAS A NEVAR EM SEIA.
(Dado 370 Centro, 05 jan 1971)
Os processos verbais de Halliday citados acima são ilustrados no seguinte esquema:
198
Figura 3: Esquema de classificação semântica dos verbos, segundo Halliday (1994)
Em Mothé (2007), o grupo de fatores que controlava o tipo semântico dos verbos não
foi selecionado em muitas rodadas como relevante para a variação entre gerúndio e infinitivo
gerundivo. Nas rodadas com Português Europeu escrito, com as quais podemos estabelecer
um paralelo com nossos resultados, o grupo foi selecionado no cálculo de pesos relativos, de
maneira geral, mostrando os verbos que indicavam processos existenciais, materiais, verbais
e mentais e como moderadamente favorecedores do uso de infinitivo gerundivo; os processos
comportamentais como neutros para a variação; e os verbos que indicavam processos
relacionais como desfavorecedores do uso dessa variante. Verificaremos se esses resultados
irão se confirmar ou não com o novo corpus.
3.2.14. Cambialidade
Assim como em Mothé (2007), mantivemos este “grupo de fatores” na presente
pesquisa mesmo não sendo um “grupo de fatores” propriamente dito, uma vez que não
participará do cálculo de pesos relativos no programa Goldvarb. Isto é, diferentemente dos
demais grupos, este não será observado como possível “condicionador” do uso de uma ou de
outra variante. Apesar disso, consideramos pertinente incluir aqui a discussão acerca da
199
cambialidade, ou seja, da possibilidade de alternância com gerúndio, dos dados de infinitivo
gerundivo.
Da mesma forma que em nossa pesquisa anterior, alguns dados de infinitivo gerundivo
pareciam permitir uma leitura ambígua, ora permitindo uma interpretação gerundial para a
estrutura a + infinitivo, ora mantendo resquícios semânticos da preposição a, que poderia ser
interpretada como finalidade, por exemplo. Além disso, ainda tínhamos de lidar com as
ocorrências – já citadas – em que a preposição a poderia, sim, ser parte da estrutura chamada
de infinitivo gerundivo, indicando aspecto progressivo, mas também poderia ser meramente a
preposição exigida pela regência de um determinado verbo, como continuar, por exemplo.
Julgamos adequado, então, separar as ocorrências em três diferentes tipos de dados no
que tangia à possibilidade de comutação entre gerúndio e a + infinitivo. A isto demos o nome
de “cambialidade”. Essa classificação foi gerada a partir da própria disposição em que os
dados que continham gerúndio ou “a + infinitivo” apareceram em nosso corpus. Seguem
exemplos dos três “fatores” deste “grupo”:
Cambiável, unicamente com valor de aspecto progressivo
Todos os dados da forma nominal gerúndio do corpus foram incluídos neste fator. Já
que defendemos a hipótese de que o infinitivo gerundivo em Portugal possa estar avançando
em uma proporção capaz de possivelmente ocupar contextos antes considerados redutos da
forma nominal gerúndio, entendemos que todo gerúndio pode ser considerado um “infinitivo
gerundivo em potencial”. Assim, excetuando-se as ocorrências que verificamos se
apresentarem categóricas quanto ao uso de gerúndio no corpus – e que, portanto, já foram
excluídas de nossa análise por, de fato, não parecerem ser variáveis, tais como, gerúndio no
auxiliar, expressões fixas, marcadores discursivos etc. – todas as demais ocorrências de
gerúndio foram consideradas “cambiáveis” por infinitivo gerundivo.
Quanto às formas de infinitivo gerundivo, apenas aquelas que sem sombras de dúvidas
pudessem ser alternáveis por gerúndio receberam o código referente a este fator, como os
exemplos abaixo.
183)MULHER QUEIMADA COM ÁGUA FERVENTE. A sra. Maria
Emília Ferreira, casada, residente no lugar de Santa Cristina, desta
freguesia, quando se encontrava á lareira, foi atingida por uma
panela de água a ferver, que se voltou e lhe produziu graves
queimaduras.
200
(Dado 256 Centro, 10 jan 1951)
184)DOIS INCÊNDIOS. [...] Na serra do Carregal, entre Monforte da
Beira e Malpica do Teja, as chamas estão a lavrar numa zona densa
de oliveiras, pinheiros e mato, onde o acesso é difícil.
(Dado 470 Lisboa – VARPORT, 1987)
Cambiável, mas com leitura ambígua: aspecto progressivo x regência?
As ocorrências que compõem este fator são, basicamente, aquelas constituídas pelos
verbos semiauxiliares já mencionadas na seção 3.2.5, ao tratarmos sobre o grupo de fatores
estrutura verbal, ou seja, aquelas cujo verbo semiauxiliar também é regido pela preposição a,
deixando, portanto, uma dúvida sobre se, na estrutura “semiauxiliar + a + infinitivo”, a
preposição está associada ao semiauxiliar ou ao infinitivo, formando o infinitivo gerundivo. A
existência de dados com os mesmos verbos semiauxiliares – isto é, no mesmo contexto –
com gerúndio no lugar de “a + infinitivo” nos permite considerar tais estruturas cambiáveis.
Mas, por rigor metodológico, decidimos codificá-los diferentemente dos demais. Voltamos a
mostrar, abaixo, o dado 26), já mencionado, que parece apresentar o verbo continuar como
semiauxiliar de duas orações paralelas, tendo a primeira o verbo principal no gerúndio e a
segunda, com a + infinitivo, o que deixa clara a possibilidade de alternância entre as duas
formas gerundiais.
026) SENADO MONTEMORENSE. Na segunda feira e hontem
continuou reunindo o nosso Senado, e a tratar de assumptos que se
dizem – de interesse para Montemór.
(Dado 128 Alentejo, 21 jan 1914)
E, a seguir, mais dois exemplos do corpus tendo o verbo continuar como auxiliar do
mesmo verbo principal (chegar), também reforçando a possibilidade de tanto uma quanto
outra forma nominal ser utilizada em estruturas como essa.
185)NAS OBRAS da barragem do Cabril. (Zezere). TRABALHAM JÁ
CERCA DE 400 PESSOAS@b. PEDROGÃO GRANDE, 28 –[...] A
esta vila, onde vêm fixar residencia, continuam a chegar engenheiros
e outro pessoal superior para dirigir esta importante obra que
contribuirá para o engrandecimento da Nação.
(Dado 314 Lisboa - VARPORT, 1951)
201
186)ARMAÇÃO DE PERA. Continuam chegando a esta encantadora
praia, bastantes banhistas.
(Dado 205 Algarve, 06 ago 1944)
Cambiável, mas com leitura ambígua: aspecto progressivo x preposição não
esvaziada semanticamente?
Por fim, separamos, ainda, em outro fator, as ocorrências com infinitivo gerundivo em
que a estrutura, apesar de também permitir a leitura de aspecto progressivo, parecia apresentar
uma segunda interpretação possível na qual a preposição a, diferentemente do que ocorre na
estrutura de infinitivo gerundivo, não está semanticamente esvaziada. Antes, ela pode possuir
outro sentido, na maioria das vezes indicando finalidade. Eis os exemplos:
187)DE VILA DO CONDE. BARCOS EM PERIGO, UMA LONGA
HORA DE EMOÇÃO E ANSIEDADE. [...] E ao largo, já em frente a
Cachina, com o mar cada vez mais em fúria e alteroso, que ameaça
despedaçar aquele ousado barco e engulir toda a sua heroica
tripulação, que intemerata e sem medo, vai prescutando ao longe a
ver se há barco em perigo, sempre ousado e sem receio, ora
cavalgando sobre o enorme dorso de indomáveis vagalhões, que, por
vezes, traiçoeiros, procuram falsear, despedaçando-se e envolvendo o
intemerato barco e seus tripulantes.
(Dado 251 Norte, 13 mar 1935)
188)VIOLENTO INCÊNDIO. [...] Ignoram-se, por enquanto, as
causas que originaram o incêndio, que ficou extinto cerca das 10
horas e meia da manhã, hora a que as corporações de bombeiros
retiraram, ficando, ainda, a trabalhar no rescaldo um piquete dos
Municipais, que retirou ao meio-dia.
(Dado 275 Norte, 04 abr 1935)
Os dois exemplos acima permitem, como se pode ver, a alternância com gerúndio, em
uma leitura durativa ou então uma leitura de finalidade da ação descrita pelo verbo. Em 187),
o contexto permite perfeitamente inferir que a ação do verbo “ver” está sendo feita com certa
continuidade. O agente “... vai perscrutando ao longe vendo se há barco em perigo...”, ou
seja, VENDO indica um ato com duração não pontual, progressiva, pois o agente tem o
objetivo de examinar, verificar com cuidado, se há, ao redor, barcos em perigo. Entretanto,
202
também é possível fazer uma leitura como “... vai perscrutando ao longe PARA VER se há
barco em perigo...”, segundo a qual, a ver estaria apenas indicando a finalidade da ação de
perscrutar. Da mesma forma, no exemplo 188), pode-se fazer a leitura gerundial “...os
bombeiros ficaram trabalhando...”, ou a leitura de finalidade “...os bombeiros ficaram para
trabalhar...”. Dados como esses acima foram os que motivaram a criação deste grupo de
fatores.
Como se pode perceber, todos os dados considerados “ambíguos” quanto à
cambialidade são com a variante infinitivo gerundivo, pois, conforme já mencionamos, todas
as ocorrências com a forma nominal gerúndio foram consideradas perfeitamente cambiáveis,
sem possibilidade de leitura ambígua. Sendo assim, o programa de cálculo de pesos relativos
não permitiria a leitura deste grupo de fatores, sinalizando “knockout” (ocorrências sem
possibilidade de variação, categóricas) para os dois fatores de cambialidade ambígua. Por
isso, fizemos a leitura dos resultados deste grupo na fase quantitativa de cálculo dos valores
percentuais e absolutos, excluindo o grupo da fase “Varbrul”, que calcula os pesos relativos
de cada grupo para a variação.
Convém ressaltar que, apesar de o nome do grupo ser “cambialidade”, fazendo parecer
que nem todos os dados permitem alternância entre gerúndio e a + infinitivo com o mesmo
valor de verdade, o que não condiria com os princípios da Sociolinguística laboviana, como
mostramos acima, todos os dados recolhidos para compor o corpus, mesmo os de
“cambialidade ambígua”, permitem – ao menos em uma das possibilidades de leitura – a
interpretação como aspecto progressivo / durativo, o que justifica sua permanência no corpus.
Apenas tomamos o cuidado de codificá-los de maneira diferente para que não houvesse
mistura de dados de naturezas distintas, o que poderia levar à má interpretação dos resultados
e para que essas observações de teor qualitativo pudessem ser feitas.
No próximo capítulo, faremos a descrição mais pormenorizada dos jornais que
compõem o corpus desta pesquisa e, depois, veremos os resultados quantitativos das rodadas
estatísticas.
4. OS PERIÓDICOS PORTUGUESES QUE COMPÕEM O CORPUS
Neste capítulo, conforme já mencionamos anteriormente, o objetivo é descrever as
principais características dos periódicos usados para a constituição do corpus desta pesquisa,
somando-se a isso mencionar algumas informações sobre o contexto sociocultural em torno
da imprensa lusa ao longo do século XX. Além disso, mostraremos alguns contrastes entre a
imprensa de abrangência nacional versus a imprensa de abrangência regional em Portugal.
Nossa fonte de dados da língua em uso são periódicos portugueses do século XX. O
maior nome da historiografia da imprensa em Portugal é José Tengarrinha, que publicou, em
1965 (com reimpressão em 1989), a principal obra de referência acerca da história dessas
publicações. O mesmo autor recém-lançou, em 2013, uma Nova História da Imprensa
Portuguesa. É dele a definição do termo imprensa abaixo:
Originariamente, imprensa dizia respeito à “máquina de imprimir caracteres
tipográficos em papel, ou em qualquer outra matéria”. Passou a designar, depois, o
estabelecimento onde trabalham essas máquinas e outras com elas relacionadas, isto
é, a tipografia. Por extensão, o instrumento acabou por confundir-se com o produto e
passou a designar, também, os próprios impressos. (TENGARRINHA, 2013)
Já em uma publicação da ERC (Entidade Reguladora para a Comunicação Social),
responsável pela regulamentação da atividade de Comunicação em Portugal, vemos a
definição de Imprensa segundo a chamada Lei de Imprensa (Lei nº 2/99, de 13 de janeiro,
artigos 9º e 12º), em vigor em Portugal desde 1999:
[...] todas as reproduções impressas de textos ou imagens, disponíveis ao público,
quaisquer que sejam os processos de impressão e reprodução e o modo de
distribuição utilizado, sendo consideradas publicações periódicas as editadas em
série contínua, sem limite definido de duração, sob o mesmo título e abrangendo
períodos determinados de tempo. (MARTINS & GONÇALVES, 2010, p. 31, grifos
dos autores)
É desses impressos que muitas pesquisas de sociolinguística histórica se valem para
colher dados de língua em uso, conforme já mencionamos no capítulo anterior. A partir do
século XIX, os jornais passam a desempenhar uma importante função influenciando (e
também sendo influenciado por) diferentes aspectos da sociedade portuguesa, constituindo
uma rica fonte para conhecimento de seu tempo. Através dos jornais que circulam em uma
sociedade, conhecemos a evolução de suas ideias políticas, da ciência, da tecnologia, da vida
204
social e cultural e, consequentemente, por também fazer parte da sociedade, conhecemos sua
língua ou, ao menos, algumas faces dela. Essa “influência recíproca” entre os jornais e a
sociedade, citada por Tengarrinha (2013, p. 13), fica clara no trecho do livro Norma e
Variação, de Mateus & Cardeira (2007):
[...] Embora a literatura sirva a fixação da norma e a encontremos nos livros
escolares como modelo, ela é apenas uma das utilizações da língua. Aliás, a
literatura parece pesar cada vez menos na elaboração da norma do Português,
cedendo lugar a meios de comunicação mais imediatos e acessíveis.
[...]
Contudo, a língua tendencialmente uniforme desse pequeno círculo [dos meios de
comunicação] não é independente da totalidade e, expostas às influências externas,
vai sendo gradualmente transformada. [...]
Na elaboração da norma escrita, o processo é semelhante: um círculo estreito de
textos [...] é reconhecido como modelo a seguir. Se bem que a norma escrita seja
mais definida, mais rígida e mais conservadora, não está, ainda assim, imune às
transformações gerais da língua. (2007, p. 22-23, grifos nossos)
Assim, percebemos que a língua utilizada nos meios de comunicação influencia a
sociedade ao mesmo tempo em que é influenciada por ela. Esse tipo de amostra de língua foi
nossa fonte de dados. É esse material que descreveremos a seguir.
Ademais, em contato direto com fontes inéditas (enquanto objeto de pesquisa) de
jornais lusos, entendemos ser bastante relevante descrever esse material, já que alguns desses
jornais já foram extintos e merecem ser registrados como parte da história de suas épocas.
Mesmo porque, apesar de alguns serem de abrangência apenas regional, sendo pouco
conhecidos e/ou estudados, podem vir a servir de fonte de informações a outras pesquisas,
sejam elas da área de linguística ou não. Tengarrinha defende a relevância dos jornais para o
bom entendimento de uma sociedade, sinalizando quão ricos podem ser os periódicos para
conhecê-la:
Foi um longo percurso até se considerar que o estudo da imprensa periódica é um
dos meios mais valiosos para o conhecimento de uma sociedade nos seus múltiplos
aspectos, devendo ser focado tendo em conta a sua especificidade, mas não a sua
marginalidade, isto é, numa visão socialmente integrada.
Nunca será de mais encarecer o seu valor como instrumento e meio de cultura. Não
subalternizada em relação à literatura e a qualquer forma de expressão artística, a
imprensa periódica (particularmente a partir do seu grande surto na época liberal) é
um poderoso veículo de transmissão de informações, de difusão de ideias, um amplo
repositório dos conhecimentos e das sensibilidades do seu tempo, daí, um dos mais
expressivos avaliadores das atitudes mentais e das correntes de ideias na sociedade,
para além dos círculos restritos. O que nos conduz à necessidade de avaliação da
esfera e grau de influência dos jornais na consciência pública e nos acontecimentos
políticos, económicos e culturais. [...] Mais recentemente, veio a admitir-se que o
jornalismo é uma das mais ricas fontes históricas de que se pode dispor não só para
o estudo de acontecimentos relevantes, mas igualmente para o conhecimento de
factos menores, que no seu conjunto constituem o tecido da vida quotidiana das
205
sociedades, contribuindo, desta maneira, para caracterizar um período histórico na
sua espessura social. (TENGARRINHA, 2013, p. 17-18)
O autor admite que várias são as possibilidades de periodização da história da
imprensa. As divisões sempre dependerão dos critérios adotados (ora acontecimentos
políticos, ora correntes culturais importantes, ora forma e conteúdo dos jornais, ora pelo tipo
de técnica jornalística etc.). Segundo ele, sua periodização segue o seguinte critério:
A nosso ver, a demarcação dos períodos e subperíodos da história da imprensa
inserida na evolução histórica geral deverá ter como um dos pontos de partida a
identificação dos diferentes sistemas de comunicação. Neste caso, a análise estará
em estreita articulação com a história política, na medida em que os períodos ou
subperíodos normalmente correspondem a situações históricas fraturantes que têm
tradução na legislação da imprensa, isto é, na relação entre a natureza sistémica da
comunicação e o poder político. (TENGARRINHA, 2013, p. 18)
Após essas considerações, percebemos que, para Tengarrinha, a periodização da
imprensa está totalmente relacionada aos movimentos políticos em Portugal que
influenciaram – direta ou indiretamente – no funcionamento da imprensa. Na História da
Imprensa Periódica Portuguesa (1989), o autor delimita três diferentes fases nesse processo.
Já em sua obra mais recente, Nova História da Imprensa Portuguesa (2013), existem quatro
fases, que são:
1) “Os Primórdios” da imprensa periódica em Portugal (da Gazeta de 1641 até a
Revolução de 1820);
2) A imprensa romântica ou “de Opinião” (da Revolução de 1820 até o
estabelecimento definitivo da monarquia constitucional, em 1834);
3) A fase que Tengarrinha chama “Liberais contra Liberais” (que vai do fim da
guerra civil até a Regeneração);
4) A fase da “Regeneração Pacificadora”, que começa em 1851 até a
organização industrial da imprensa, iniciada, basicamente, em 1865, com a
fundação do jornal Diário de Notícias e que se estende até os dias de hoje.
A fase 1 é idêntica nas duas obras do autor. A fase 2, entretanto, em Tengarrinha
(1989) englobava as fases 2 e 3 citadas acima, indo desde a Revolução de 1820 até a fundação
do jornal Diário de Notícias (DN), já na segunda metade do século XIX. Naquela obra, a fase
3 iniciava-se justamente com a organização industrial da Imprensa, estendendo-se até os dias
de hoje.
206
Seja como for, nosso trabalho concentra-se nessa última fase da periodização de
Tengarrinha (1989), visto que todos os periódicos que constituem nosso corpus pertencem ao
século XX, quando estes já eram produzidos em caráter industrial. Apesar de existir imprensa
em Portugal desde 1640, segundo Tengarrinha, até 1822 não havia publicação de jornais em
nenhuma outra localidade do país além de Lisboa, Coimbra e Porto. O primeiro periódico do
Porto, o Zodíaco Lusitânico, data de 1749, mas durou apenas três meses. Depois dele e até
1808, os periódicos existentes eram exclusivamente publicados em Lisboa. Nesse ano,
Coimbra inaugura seu primeiro periódico (Minerva Lusitana) e, depois disso, outros surgiram,
mas, ainda assim, em número muito menor que em Lisboa. De 1808 até 1875, Coimbra teve
130 jornais (uma média de dois por ano), enquanto em Lisboa abriam, em média, 30
periódicos por ano no mesmo período. É mesmo somente no último quartel do século XIX,
justamente já na última fase da história cronológica da Imprensa, segundo Tengarrinha, que
passam a existir, de maneira expressiva, publicações de periódicos fora da capital Lisboa.
Já no século XIX é que começa a haver, segundo ele, uma diferença considerável entre
“estilo literário” x “estilo jornalístico” de escrita.
O que começa a caracterizar o estilo jornalístico é a sua maior agilidade e vibração,
a construção fácil, permitindo uma leitura corrente, por vezes o intencional
desequilíbrio e imperfeições formais, visando um maior poder de comunicabilidade,
o sentido agudo da oportunidade que, não raro, sacrifica a perfeição à rapidez, um
pendor mais emocional [...]. (TENGARRINHA, 1989, p. 192, grifos do autor).
Essas afirmações reforçam nossa hipótese de que, nos jornais, podemos encontrar
amostras de língua escrita mais próximas do uso corrente (ainda que culto) do que as
encontradas nos textos literários, que serviram de corpus a Maler (1972) e Menon (2004) para
o estudo da variação do fenômeno a que visamos analisar. Ao estudarmos uma língua,
especialmente um fenômeno variável, é importante, conforme já mencionamos, que vários
gêneros textuais, de diferentes fontes e registros sejam pesquisados. Assim, é fundamental a
contribuição de trabalhos anteriores com fontes literárias. Entretanto, considerando apenas os
textos escritos que resistiram ao tempo e estão disponíveis aos linguistas para realização de
suas pesquisas, certamente, um texto jornalístico, que pretende, pela sua natureza, comunicar
ao maior número possível de leitores sem a extrema preocupação com a “perfeição” e com a
correção, típicas dos textos literários em geral (ao menos dos anteriores ao século XX,
anteriores ao Modernismo), apresentará uma linguagem mais próxima da língua “em uso” que
desejamos analisar.
207
Em 01 de janeiro de 1865, foi lançado o Diário de Notícias, “jornal popular, de preço
(10 réis) e estilo parisiense, essencialmente noticioso e sem filiação partidária.”
(TENGARRINHA, 1989, p. 215). O jornal era considerado popular não só por sua linguagem
acessível, mas especialmente por seu preço, pois enquanto ele era vendido por 10 réis, a
maioria dos jornais da época custava, em média, 40 réis. O próprio DN anunciava em sua
edição de pré-lançamento, segundo Tengarrinha (1989) que: “[o jornal pretende] interessar a
todas as classes, ser acessível a todas as bolsas e compreensível a todas as inteligências.”.
Assim, em 1865, com a fundação do Diário de Notícias, a Imprensa passava a ser
predominantemente NOTICIOSA, em vez de predominantemente DE OPINIÃO, como vinha
sendo até então. São essas ainda as bases do jornalismo contemporâneo: a INFORMAÇÃO (e
não a opinião) como principal objetivo. Por isso, para Tengarrinha, a última fase da história
da Imprensa tem início quando nasce o Diário de Notícias e dura até os dias de hoje, pois, na
essência, o objetivo dos periódicos hoje ainda é o mesmo.
Até a segunda metade do século XIX, a notícia era um elemento secundário nos
jornais de maneira geral, não só em Portugal, mas no mundo. Isso devido ao tempo que
demorava para a transmissão das notícias, o que fazia com que sempre soassem
“desatualizadas”, conforme comentado no fragmento abaixo:
[...] concluímos que o noticiário internacional, que então era exclusivamente
recolhido nos periódicos estrangeiros, demorava, em média, os seguintes dias (desde
a inserção nas folhas estrangeiras até a publicação nas portuguesas): Espanha, 6;
França, 13; Inglaterra, 13; Itália, 27; Prússia, 26; Estados Unidos da América, 35. As
notícias nacionais oriundas de locais afastados do País (Vila Real de Santo António,
Guimarães etc.) eram publicadas em Lisboa com atrasos que variavam entre 10 e 15
dias. [...] Essa falta de actualidade do noticiário era, de resto característica de toda a
Imprensa mundial e só a partir de 28 de Maio de 1856, com o aparecimento do
Figaro, o cuidado da actualidade e da informação completa se tornou a lei suprema
do jornalismo moderno. (TENGARRINHA, 1989, p. 216)
Até então, as fontes das notícias eram, basicamente:
1) Correspondentes na província (quase sempre restritos às capitais de distrito);
2) Leitores que escreviam para o jornal para contar qualquer fato interessante,
em geral, de natureza política;
3) Edições de jornais de outros centros nacionais e estrangeiros.
Mas, a partir da segunda metade do século XIX, com os avanços dos meios de
comunicação e de transporte, os jornais passaram a utilizar processos cada vez mais rápidos e
seguros para obter notícias e, então, as principais fontes dos jornais passaram a ser:
208
1) O telégrafo (para o noticiário do exterior);
2) O repórter (para o noticiário local).
É, ainda, nesse mesmo período que surgem as agências de notícias, sobre as quais
Tengarrinha afirma:
Desenvolvem-se então as grandes agências noticiosas que, mediante um contrato, se
encarregam de fornecer aos jornais notícias de várias partes do mundo; a primeira
nasceu em França: Havas, que saíra da Correspondance Garnier, criada em Paris por
volta de 1832, e que adoptou logo o telégrafo eléctrico; na Alemanha fundaram-se
depois as duas outras grandes agências europeias: a Reuter e a Wolff.79
(1989, p.
217)
Vale lembrar que, conforme já mencionamos no capítulo anterior, um dos critérios
metodológicos que utilizamos para a seleção dos textos que compõem nosso corpus foi
justamente não usar notícias cuja fonte era uma agência. Isso porque, apesar de confiáveis no
quesito “veracidade da informação”, procurávamos minimizar as chances de ter no corpus
textos que não tenham sido originariamente escritos por um redator local. Assim, notícias que
configurassem traduções ou que fossem explicitamente oriundas de agências não foram
incluídas no corpus.
Nesse contexto de expansão dos jornais com foco noticioso, o público começa a
despertar um interesse cada vez maior pelas notícias e menor pelos editoriais e artigos de
opinião:
Prefere-se cada vez mais a informação objectiva à discussão e à opinião, as notícias
sensacionais aos editoriais reflectidos. Na necessidade de encontrar em público mais
largo, o jornal procura manter uma atitude imparcialmente objectiva, dirigindo-se
assim a todos, e não a um grupo de leitores ideologicamente afins, necessariamente
muito mais restrito. (TENGARRINHA, 1989, p. 219)
O processo de “popularização” dos jornais teve como consequência uma certa
descaracterização ideológica dos periódicos, que passaram, então, a tentar “agradar” ao maior
número possível de leitores visando aumentar as vendas. Tengarrinha define, em um
parágrafo, o que parece resumir a Imprensa de massa até os dias de hoje:
79
A agência HAVAS pertencia a Charles-Louis Havas. Ainda no séc XIX, a Havas se tornou a Agence France-
Presse (AFP), em atividade até hoje.
Em 1851, um sócio da Havas se desligou dela e fundou sua própria agência, a Reuters, que existe até hoje e é
uma das mais importantes fontes de notícias do mundo.
A Wolff foi fundada em 1849 e deu origem à atual Deutsche Presse-Agentur (DPA).
Já no século XX, foram fundadas as americanas Associated Press e United Press, que, em uma fusão,
posteriormente formaram United Press International (UPI), ainda em funcionamento.
209
Agora, é o jornal que tem de procurar o público, descer ao seu nível, adivinhar-lhe
os gostos e apetites, mesmo os mais baixos, ir ao encontro da sua mentalidade.
Perde, assim, quase completamente o seu valor formativo. Com efeito, na medida
em que os jornais deixavam de apoiar-se em facções políticas, para serem,
sobretudo, mantidos por grupos financeiros, a Imprensa transformou-se numa
indústria como a de sapatos ou mobílias. O que lhe interessava era vender, vender o
mais possível, sacrificando tudo a isso. O jornal passa a ser, portanto, uma
mercadoria: embora mercadoria essencialmente transitória, apenas com valor
durante algumas horas. (1989, p. 220, grifo do autor).
Todas essas características que passaram a configurar o ambiente jornalístico
colaboraram para que se instaurasse verdadeiramente uma indústria do gênero em Portugal,
com avanço do movimento jornalístico para as províncias. Depois do lançamento do DN,
muitos jornais foram criados em todo o país tomando-o como modelo tanto no estilo quanto
no preço e até no título. Em 1880, Eduardo Coelho, fundador do Diário de Notícias, avaliou
em 200 o número de periódicos em circulação em Portugal e colônias, com uma tiragem
média total de 100.000 exemplares por dia. Em 1894, quatorze anos mais tarde, o jornalista,
escritor e bibliógrafo Brito Aranha, que assumira a função de redator principal do DN em
1889, após a morte de Eduardo Coelho, calculou que o número de periódicos fosse de 389 no
continente e nas províncias, com elevação também na tiragem média.
Com isso, no último decênio do século XIX, já havia periódicos em todo o país, o que
foi favorecido tanto pela redução das taxas de analfabetismo das populações rurais quanto
pela melhoria das vias de comunicação e de transporte (as relações postais). Tengarrinha
mostra, então, um gráfico onde podemos verificar a quantidade de jornais em circulação nos
distritos de Portugal entre 1894 e 1900:
DISTRITO Nº DISTRITO Nº DISTRITO Nº
Aveiro 21 Faro 10 Viana do Castelo 21
Beja 07 Guarda 10 Vila Real 17
Braga 46 Leiria 13 Viseu 23
Bragança 06 Lisboa 188 Angra do Heroísmo 16
Castelo Branco 08 Portalegre 12 Funchal 07
Coimbra 32 Porto 91 Horta 14
Évora 12 Santarém 14 Ponta Delgada 23
Quadro 14: Jornais em circulação em Portugal entre 1894 e 1900, segundo Tengarrinha (1989, p. 232)
210
Em 1900, Brito Aranha publicou um estudo80
em que expôs a média de títulos de
periódicos por número de habitantes de vários países desenvolvidos do mundo. Os resultados
são:
PAÍS Nº DE HABITANTES POR
TÍTULO DE PERIÓDICO PAÍS
Nº DE HABITANTES POR
TÍTULO DE PERIÓDICO
EUA 7.000 Itália 44.000
Suiça 8.000 Áustria 105.000
Bélgica 15.000 Turquia 300.000
Holanda 16.000 Rússia 350.000
França e Inglaterra 23.000 Portugal 6.500
Alemanha 26.000 - -
Quadro 15: Periódicos por nº de habitantes na última déc. do século XIX, segundo Brito Aranha (1900)
Ou seja, segundo sua conclusão, proporcionalmente ao número de habitantes, havia
em Portugal, no fim do século XIX, mais publicações periódicas do que em qualquer um dos
principais países desenvolvidos do mundo, com um jornal para cada 6.500 habitantes apenas;
enquanto, na França e na Inglaterra, por exemplo, havia um jornal para cada 23.000
habitantes. É evidente que o número de títulos não significa, necessariamente, que a
população esteja em contato direto com os periódicos. A comparação com outros países seria
mais próxima do real “índice de leitura” se fosse baseada na tiragem das publicações e não na
quantidade de títulos. Mas, de qualquer forma, não deixam de ser dados relevantes,
especialmente nesse período em que, conforme vimos, os jornais passaram a praticamente
depender das vendas. Assim, se havia tantos títulos, é porque havia público para eles ou, de
outra sorte, os periódicos teriam falido.
Os anos de 1889 até 1908 foram o mais duro período quanto às liberdades públicas e,
portanto, também para a Imprensa em Portugal. Isso se deveu à instabilidade política vivida
no país naquele período de fortes críticas à monarquia e fortalecimento dos movimentos
republicanos.
A reorganização do Partido Republicano e o impulso revolucionário que este tomou
mais alertaram a atenção das autoridades. Na madrugada de 11 de Abril de 1904
foram assaltadas pela polícia as tipografias de O Século, O Mundo, A Vanguarda e
O Progresso. Estabelece-se violentamente a censura prévia, ficando toda a imprensa
coacta. Em Fevereiro de 1906 são apreendidos os jornais adversos do governo e as
80
ARANHA, Pedro Venceslau de Brito. Mouvement de la Presse Périodique em Portugal de 1894 a 1899.
Lisboa: Lisbonne Impremiere Nationale, 1900.
211
tipografias dos periódicos oposicionistas são vigiadas dia e noite pela polícia.
(TENGARRINHA, 1989, p. 255)
Até a queda da Monarquia e a instauração da República em Portugal, em 05 de
outubro de 1910, inúmeros jornais foram suspensos, com “multas” de 30 ou 60 dias. O Diário
de Notícias foi um dos poucos que não foram suspensos. Depois de instaurada a República,
porém, restituiu-se o direito de livre expressão do pensamento através do jornalismo, o que
era considerado um dos mais sólidos alicerces do novo regime. A censura prévia, entretanto,
voltaria a ser legalmente instituída no país pelo Decreto nº 22.469, de 11 de abril de 1933,
quando – por meio da nova Constituição – teve início o Estado Novo em Portugal, sob
governo ditatorial de Salazar. A ditadura – e, com ela, a censura – permaneceu em vigor em
Portugal até 25 de abril de 1974, quando a chamada Revolução dos Cravos pôs fim ao regime
ditatorial. Tal foi o contexto histórico-social em Portugal, tal foi o clima de tensão em que se
encontravam os jornais lusitanos durante a maior parte (cerca de seis dentre as dez décadas)
do século XX, período que nos propusemos a investigar.
Além da divisão cronológica que já mencionamos acima, outra possibilidade de
classificação dos periódicos, segundo Tengarrinha, leva em consideração outros aspectos, tais
como:
ASPECTO CARACTERIZAÇÃO
Geográfico Jornais nacionais versus jornais regionais, rurais, urbanos. As
relações entre a imprensa lisboeta e a imprensa da província.
Relações com os
poderes públicos e
religiosos
Imprensa legal e clandestina; imprensa oficial ou de instituições
oficiosamente reconhecidas e imprensa particular; órgãos de
poderes religiosos.
Orientação
Jornais independentes ou que pretendem apresentar-se como tal;
jornais orientados: políticos (representantes de partidos, de facções
ou até apenas de personalidades), religiosos ou anticlericais.
Matéria
Jornais políticos; predominantemente noticiosos; divulgadores de
conhecimentos úteis, bem como das conquistas das ciências e das
técnicas; de letras, artes, filosofia; enciclopédicos; biográficos etc.;
de legislação e jurisprudência; militares; históricos; comerciais,
agrícolas, industriais ou sobre assuntos económicos de uma maneira
geral; humorísticos, de diversão e variedades; sobre modas;
musicais e teatrais; ilustrados; só de anúncios.
Periodicidade e
gênero
Diários, bi ou trissemanais, semanários, mensários, anuários etc.;
revistas, boletins, arquivos, anais ou efemérides; os casos dos
números únicos (ou, mais propriamente, das publicações avulsas ou
comemorativas) ou suplementares.
Quadro 16: Possibilidades de classificação dos periódicos, segundo Tengarrinha (1989)
212
Além desses, também devem ser levados em consideração para a análise de periódicos
outros aspectos, concernentes à estrutura interna da elaboração dos jornais, de sua redação e
redatores que a compõem. São aspectos como:
ASPECTO CARACTERIZAÇÃO
Redação
Constituição da redação; hierarquias e divisão do trabalho; redatores;
informadores e correspondentes; o repórter; folhetinistas e críticos de
espetáculos; informação do estrangeiro; evolução da importância
relativa do noticiário nacional e internacional; evolução da técnica da
reportagem e da notícia; títulos; revisão; a participação do leitor na
seção de “cartas ao redator”; o anonimato e a assinatura dos artigos; as
relações entre o jornalista e o leitor. A informação do jornalista. Fontes
de informação: nacionais; do estrangeiro. As agências noticiosas; A
evolução das técnicas de transmissão de notícias.
Direção Influência na vida do jornal; relações com a redação; o diretor; o editor
e o redator-principal, redator-responsável e chefe da redação.
Administração
Constituição e influência no jornal; relações com a direção e a redação;
ligações com os grupos políticos ou financeiros que sustentam o jornal.
Custos de produção, preço de venda ao público. A vida econômica e
financeira da empresa jornalística.
Publicidade A influência dos anúncios na vida financeira dos jornais; o problema
da sujeição dos jornais aos anúncios; tipo e evolução dos anúncios.
Distribuição
Venda ambulante e pontos de venda; sistema de transportes;
assinaturas; distribuição domiciliária e por correio. Os problemas das
relações postais, entre as quais, os portes de correio.
Apetrechamento
tipográfico
Tipos e composição; estampa e gravura; paginação e evolução do
aspecto gráfico ou apresentação; máquinas de impressão e tintas.
Pessoal da tipografia; associacionismo e movimentos reivindicativos
dos tipógrafos.
Papel Qualidade e preço do papel, formato etc.
Quadro 17: Aspectos da elaboração dos jornais a serem considerados em análises de periódicos, segundo
Tengarrinha (1989)
Cabe aqui, ainda, mencionar uma lista dos jornais mais importantes da virada do
século XIX para o XX, com suas características físicas, segundo Tengarrinha:
Ao dobrar o século, os jornais mais antigos e de maior prestígio eram: em Lisboa, o
Jornal do Comércio (com 47 anos), o Diário de Notícias (com 36 anos) e O Século
(com 19 anos); no Porto, o Comércio do Porto (fundado em 1854) e O Primeiro de
Janeiro (em 1869); O Conimbricense, de Coimbra, e O Instituto, da mesma cidade,
213
que tinham, respectivamente, 47 e 53 anos de existência; mas o mais velho era O
Açoriano Oriental, da ilha de São Miguel, fundado em 1835, ainda hoje existente.
Os jornais políticos noticiosos, tanto em Lisboa como na província, têm em
geral os seguintes formatos: 48 cm de altura por 34 cm de largura; 51 cm por
35 cm; ou 58 cm por 42 cm. A esta última categoria pertencem, designadamente, O
Popular, A Nação e A Vanguarda. A folha de maior formato impressa então na
capital era o Jornal do Comércio, que tinha 74 cm de altura por 56 cm de largura. O
formato do Diário do Governo (jornal oficial) era de 47 cm de altura por 33 cm de
largura. O Diário de Notícias, com um quadro elástico, utilizava folhas maiores
ou menores, tanto num como no outro sentido, de acordo com a importância e a
extensão dos documentos ou das notícias e o afluxo de publicidade. No Porto, o
jornal de maior formato, bem como impresso e como a bom papel, era então O
Comércio do Porto, com as medidas de 72 cm de altura por 51 cm de largura.
No resto da província, o jornal de maior formato era O Campeão das Províncias, de
Aveiro. Os jornais literários e as revistas ou magazines especiais, boletins etc.,
utilizavam formatos e paginações muito variados: quer o in octavo, quer o in quarto
ou o in folio81
, grande ou pequeno, sendo o número de páginas também muito
irregular, mesmo de cada publicação. (TENGARRINHA, 1989, p. 234, grifos em
itálico do autor; em negrito, nossos).
Destacamos do excerto acima as referências a jornais que constituem parte de nosso
corpus. Não por acaso, constam nessa lista dos “jornais mais importantes” da virada do século
somente os dois únicos periódicos não regionais de nosso corpus: o Diário de Notícias e O
Comércio do Porto. O DN está em plena atividade e é um dos jornais mais influentes no país
ainda hoje; já O Comércio do Porto deixou de ser publicado em 30 de julho de 2005, mas,
durante todo o século XX, foi uma das mais importantes publicações de Portugal, enfrentando
declínio somente a partir da década de 1990. Os demais periódicos de nosso corpus são todos
de abrangência regional, sobre os quais daremos mais informações adiante.
Com relação às características expostas nos quadros acima, referentes à forma, ao
conteúdo, à composição da redação, à orientação política, à periodicidade etc., procuraremos
explicitá-las, sempre que possível, no que tange aos periódicos que nos serviram para
constituição do corpus desta pesquisa.
Tengarrinha afirma que essas são algumas das coordenadas que poderiam orientar um
estudo mais aprofundado sobre os jornais e suas características. Ele acredita que um estudo
com esse nível de detalhamento seria riquíssimo para servir de base para inúmeras pesquisas
nas mais variadas áreas. E sobre as possíveis pesquisas que podem surgir a partir dos jornais,
o autor destaca dois diferentes tipos de trabalho a fazer:
1) Fazer a história da Imprensa;
2) Utilizar a Imprensa como fonte histórica e instrumento;
81
O in-fólio (ou bifólio), do latim in folium (“na folha”), é o tipo de impressão na qual uma folha é dobrada uma
vez, ao meio, obtendo-se cadernos com quatro páginas (duas de cada lado); o in-quarto é aquele em que a folha
impressa é dobrada duas vezes, resultando em um caderno de oito páginas (ou quatro folhas); e o in-octavo é a
impressão em que a folha é dobrada três vezes, resultando em um caderno com 16 páginas (ou oito folhas).
214
O trabalho de Tengarrinha corresponde ao tipo 1). Já o foco de nossa presente
pesquisa enquadra-se melhor no tipo 2).
Embora obras como as de Tengarrinha nos forneçam muitos dados acerca dos
periódicos portugueses, muitas informações não se encontram explícitas em textos sobre a
história da imprensa e podem ser observadas somente a partir da leitura dos próprios
periódicos coevos. São tais observações que tivemos a partir do trabalho direto com essas
fontes que pretendemos noticiar neste capítulo.
Antes de nos voltarmos para a descrição dos periódicos em si, cabem, aqui, ainda,
algumas notas sobre a atividade da Imprensa hoje no país, especialmente a Imprensa
Regional.
Conforme mencionamos acima, atualmente, a atividade da Imprensa em Portugal é
regulamentada e supervisionada pela ERC (Entidade Reguladora para a Comunicação Social),
em funcionamento desde 17 de fevereiro de 2006, criada a partir da Lei 53/2005, de 08 de
novembro de 2005.
Dentre os periódicos que compõem nosso corpus, apenas dois, como citamos acima,
são classificados como “publicações de âmbito nacional”: O Comércio do Porto, fonte das
notícias da região Norte, e o Diário de Notícias, fonte dos dados da região de Lisboa. Todos
os demais periódicos que constituem o corpus são classificados pela Lei de Imprensa como
“publicações de âmbito regional”, ou seja, aquelas “que, pelo seu conteúdo e distribuição, se
destinem predominantemente às comunidades regionais e locais.”82
.
Em um extenso estudo intitulado A Imprensa Local e Regional em Portugal, publicado
em 2010 pela ERC, J. A. Azeredo Lopes, presidente do Conselho Regulador, define o status
da Imprensa Regional na primeira década do século XXI:
Com efeito, desde o início do mandato do Conselho Regulador verifiquei como era
frequente a referência genérica à Imprensa (nacional, regional e local), como um
todo. Mas também acontecia a sua apresentação em compartimentação rígida, tendo,
de uma banda, a Imprensa de expansão nacional e, de outra (quantas vezes sob a
forma de amálgama), a Imprensa regional e local. Não foi também incomum, ao
longo destes anos de mandato, ouvir menções à Imprensa regional e local como
“típica” (uma espécie de folclore ultrapassado da página impressa), anacrónica,
subsídio-dependente (vindo sempre à liça a questão do porte pago), nada
preparadas para a evolução, sujeita às mais variadas influências e alegados
caciquismos – e, até, destinadas a uma extinção certa, sem poder resistir às
82
Cf. Artigo 14º da Lei da Imprensa.
215
maravilhas tecnológicas e às novas plataformas, como dinossauro comunicacional
que apenas ficaria na memória dos menos novos. (p. 15)
[...]
Antes de concluir. A imprensa regional, pude comprová-lo se dúvidas tivesse,
desempenha um papel notável de reforço de um conceito rico de cidadania. Cultiva
a proximidade, é útil para quem a lê, estimula ou, pelo menos, conserva, laços
identitários, culturais e históricos da maior importância – e muitos concretos
conheci. Acarinha o particular, numa altura em que só se prega o global.
Cultiva a língua portuguesa, num plano cada vez mais raro na Imprensa em
geral. É por isso e não só por isso, fascinante, e justifica, plenamente, que, sempre
que possível, os poderes públicos – na ponderação de decisões – tenham estes
aspectos presentes, a pesar favoravelmente num dos pratos da balança. (MARTINS
& GONÇALVES, 2010, p. 15 e 18, grifos nossos)
Como se vê, mesmo em pleno século XXI, a Imprensa Regional e Local em Portugal é
vista como “típica” e busca se identificar com seus leitores por meio de uma série de
características peculiares à região de onde provém, marcando sua diferença em relação à
Imprensa de âmbito nacional, inclusive por meio do uso da língua, conforme afirma o autor.
O estudo citado toma por base os dados da Unidade de Registro da ERC entre os anos
de 2006 a 2008 nos 18 distritos de Portugal Continental e nas regiões Autônomas. Nesse
período, segundo tal fonte, havia 2.942 publicações periódicas com registro ativo em
Portugal. Dessas, 728 se enquadram na classificação de “publicação de âmbito local e
regional”. Apenas 18 (2,5%) desses periódicos regionais são diários. A maioria das
publicações regionais possui periodicidade mensal (273 títulos, ou 37,5%), como se pode ver
no quadro abaixo:
PERIODICIDADE QUANTIDADE DE PUBLICAÇÕES
Diários 18 títulos (2,5%)
Semanários 214 títulos (29,4%)
Mensários 273 títulos (37,5%)
Quinzenários / Bimensais 174 títulos (23,9%)
Bissemanal / trissemanal / ou trimensal 18 títulos (2,5%)
Apenas on-line 31 títulos (4,3%)
Quadro 18: Periodicidade das publicações regionais em Portugal em 2009, segundo Martins & Gonçalves
(2010)
Dentre os seis jornais regionais que nos serviram de fontes de dados, quatro estão em
atividade ainda hoje. Desses quatro, três são diários (Diário de Coimbra, Diário do Alentejo e
Diário dos Açores) e um é semanal (Jornal d’ Estarreja). O jornal O Algarve encerrou suas
atividades em abril de 2013 e era de periodicidade semanal até então.
216
Outra característica da Imprensa Regional, que a nós é particularmente interessante,
diz respeito aos recursos humanos desses periódicos. A parte II do estudo publicado pela ERC
descreve os encontros realizados pela instituição com os representantes dos jornais de cada
distrito. Sobre o encontro no distrito de Évora, por exemplo, destacam o seguinte:
O vice-diretor de um quinzenário da região começou por afirmar que não é
jornalista profissional, nem o é o próprio diretor. É professor e está há cerca de
20 anos na direção do jornal. A publicação conta com 4 profissionais e um leque
de 3 a 4 colaboradores a título gracioso. (MARTINS & GONÇALVES, 2010, p.
68, grifos nossos)
Relatos semelhantes aparecem ao longo do texto. Isso mostra que a imprensa regional
em Portugal, mesmo já no século XXI, possui um alto índice de não profissionalização,
contando muitas vezes com a colaboração voluntária de moradores locais para a redação do
periódico. É o que fica evidente no seguinte resumo estatístico dos recursos humanos do
estudo:
A vastidão e profundidade dos dados obtidos tornam difícil qualquer tentativa de
síntese. Contudo, alguns elementos podem ser destacados, entre os quais os relativos
aos recursos humanos que mostram que mais de metade das publicações da
amostra conta com menos de 5 trabalhadores (52,1%) ou entre 5 a 8 (18,5%)
trabalhadores afectos a produção do título. Uma percentagem mais residual de
inquiridos declara ter mais de 8 trabalhadores (12,4%) e 14,4% não tem qualquer
trabalhador afecto a produção da publicação. Quanto a jornalistas, quase metade
das publicações da amostra conta com menos de 3 jornalistas (49,1%) ou entre 3
a 5 (22,9%) afectos a produção do titulo. Uma percentagem mais residual de
inquiridos declara ter mais do que 5 jornalistas e 18,5% dos inquiridos não têm
qualquer jornalista afecto à produção da publicação. (MARTINS &
GONÇALVES, 2010, p. 25, grifos nossos)
Se mesmo no século XXI essa é a realidade dos jornais regionais, embora não
tenhamos encontrado dados concretos em relação a essa informação para os jornais do século
XX, supomos que o cenário não tenha sido muito diferente naquele tempo. Talvez fosse até
mais precário. Sobre o próprio senhor diretor do jornal de Évora citado acima, se em 2009 já
era diretor do jornal em questão há 20 anos, significa que, ao menos na última década do
século XX (período englobado por nosso corpus), tal publicação estava sob comando de um
“não jornalista”. O que representa um problema para as publicações regionais é, por outro
lado, bom para a constituição de nosso corpus, pois aumenta as chances de encontrarmos nos
jornais que nos serviram de fonte de dados textos escritos por pessoas nascidas e criadas
naquela determinada região, que têm uma forte relação com sua terra a ponto de quererem
contribuir para o jornal local e que, além de tudo, não são jornalistas profissionais. Quanto
217
menos “profissionais” forem nossos redatores, melhor. Os jornalistas formados, além de, em
geral, a fim de estudar, terem de se deslocar para os grandes centros urbanos (e acadêmicos)
de Portugal – Lisboa, Coimbra e Porto – acabam não somente recebendo influência de outros
falares, mas também instruções acerca do uso de uma linguagem padrão nos textos
jornalísticos que vierem a produzir na carreira. Por isso, poder contar com a possibilidade de
termos redatores com o mínimo de influência possível de outras variantes linguísticas é
bastante positivo para uma pesquisa como a nossa, em que se pretende observar a variação
diatópica em Portugal.
Com relação aos textos que compõem os periódicos regionais, também verificamos na
publicação que, em 2009, sua constituição era basicamente a seguinte:
Informação: domina mais da metade da área impressa de três quartos das
publicações (75,5%);
Opinião: ocupa cerca de 20% da área impressa em 75% dos jornais;
Entretenimento / lazer: ocupa menos de 10% da superfície impressa em
58,4% das publicações e estava ausente em 37% dos títulos analisados;
Publicidade (comercial e “institucional”): cerca de dois terços apresentam
entre 10% e 30% de sua área impressa preenchida por publicidade: em 32,1%
a publicidade ocupa entre 10% e 20% e em 31,8% dos casos, preenche 20% a
30% da área. Um total de 5,5% sequer apresenta conteúdo publicitário.
Não é feita menção à nomenclatura gênero textual, mas, a partir dos dados acima,
podemos inferir que, ao mencionarem “informação”, referem-se, basicamente, às notícias,
indicando que mais da metade da área impressa na maioria dos jornais regionais é composta
por esse gênero textual.
O estudo aponta, ainda, uma série de problemas vividos pela Imprensa Regional em
Portugal hoje. A maior parte dos problemas está relacionada a questões financeiras, tais como
a escassez de investimento publicitário, a diminuição do porte pago, os critérios da
publicidade institucional, a concorrência com outras publicações locais e regionais ou com
publicações nacionais ou ainda com rádios regionais ou com a TV.
Tais dificuldades fazem com que o setor seja extremamente instável, com centenas de
publicações sendo inauguradas e extintas a cada ano no país. Em 2009, por exemplo, houve o
registro de 230 novas publicações e o encerramento das atividades de 430 delas. O Porto é o
distrito que, àquela altura, contava com o maior número de publicações regionais, com 85
218
títulos (11,7% do total); ao passo que Beja era o distrito com menos publicações regionais –
apenas 09, ao todo (1,2% do total). Uma dessas nove publicações regionais em atividade
ainda hoje no distrito de Beja foi nossa principal fonte de dados para a região do Alentejo: o
Diário do Alentejo, fundado em 1932, cujo diretor, gentilmente nos recebeu no arquivo
privado do jornal para levantamento de nossos dados.
Em consequência desses inúmeros fatores que dificultam o funcionamento da
Imprensa Regional em Portugal, raros são os títulos em atividade até o ano de 2009 (quando
foi realizada a pesquisa) que sejam longevos. Dentre os 411 periódicos avaliados no estudo,
apenas 20% deles tinham sido fundados antes de 1970. Destes, apenas sete títulos foram
fundados ainda no século XIX. Todos os demais iniciaram suas atividades após a década de
1980, muitos deles já no século XXI.
Apesar dessas dificuldades, a pesquisa realizada pelo ERC mostra que, fora dos
grandes centros urbanos de Lisboa, Porto e Faro, o público português tem preferência pela
leitura de jornais regionais, conforme se pode verificar na tabela abaixo, publicada em
Martins & Gonçalves (2010):
DISTRITO ÂMBITO
REGIONAL (%) NACIONAL (%)
Aveiro 64,2 60,1
Beja 52,9 53,1
Braga 63,6 62,8
Bragança 44,2 43,6
Castelo branco 71,3 55,4
Coimbra 68,8 58,4
Évora 61,1 59,2
Faro 48,9 70,1
Guarda 63,2 58,8
Leiria 69,2 62,1
Lisboa 31,8 72,1
Portalegre 64,1 62,5
Porto 36,7 75,1
Santarém 64,8 61,3
Setúbal 52,4 71,2
Viana do Castelo 57,2 61,6
Vila Real 50,9 50,8
Viseu 50,4 46,0
Quadro 19: Hábitos de leitura por distrito, segundo Martins & Gonçalves (2010)
219
Como se pode observar, na maioria dos distritos, leem-se mais ou menos na mesma
proporção os jornais de âmbito regional e os de âmbito nacional. Em Lisboa, Porto, Faro e
Setúbal (que, em certa medida, se pode dizer que faz parte da “Grande Lisboa”), porém,
privilegia-se a leitura de jornais de âmbito nacional. Isso mostra que, embora enfrente muitas
dificuldades, o jornal regional ainda ocupa um lugar de destaque nos hábitos de leitura da
população do país, de maneira geral.
A partir das informações mencionadas, cremos ter proporcionado um panorama geral
dos jornais em Portugal. Isto feito, iremos nos concentrar, agora, nos títulos que compuseram
as fontes de onde extraímos os dados de nosso corpus, distribuídos por região.
Ao fim deste trabalho, o leitor poderá encontrar um apêndice onde constam todas as
edições dos jornais levantados como fonte para esta pesquisa.
4.1 Região Norte
Conforme mencionamos no capítulo anterior, todo o corpus da região Norte foi
composto a partir do jornal O Comércio do Porto, proveniente da cidade do Porto, a segunda
maior cidade do país. O jornal foi publicado pela primeira vez em 02 de junho de 1854, tendo
sido, até encerrar suas atividades, em 30 de julho de 2005, o segundo jornal mais antigo de
Portugal83
.
Foi fundado por Manuel Sousa Carqueja e Henrique Carlos Miranda e seu último
diretor foi Rogério Gomes. António Matos, na época de seu fechamento, era o representante
do grupo empresarial espanhol Prensa Ibérica (ao qual o jornal pertencia desde 2001). Foi ele
que determinou o encerramento, ao mesmo tempo, de dois de seus jornais alegando problemas
financeiros: A Capital e O Comércio do Porto. De acordo com a APCT, em 2004 (ano que
antecedeu seu fechamento), O Comércio do Porto teve queda de 3,7% nas vendas, com
tiragem média de 3.800 exemplares diários. Na ocasião de seu fechamento, o jornal contava
com cerca de 80 funcionários. O fato gerou bastante repercussão e várias empresas cogitaram
comprar o jornal e impedir seu encerramento, mas as negociações não avançaram e o
83
O mais antigo jornal português (e um dos dez mais antigos do mundo) chama-se Açoriano Oriental, cuja
primeira edição data de 18 de abril de 1835. Trata-se de um jornal diário proveniente da ilha de São Miguel em
atividade ainda hoje, com tiragem aproximada de 2.500 exemplares por mês em 2013, segundo a APCT
(ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA PARA CONTROLO DE TIRAGEM E CIRCULAÇÃO, 2014).
220
periódico não voltou a ser publicado. O espólio do jornal atualmente pertence ao Arquivo da
Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, cidade vizinha ao Porto.
O Comércio do Porto foi um jornal de abrangência nacional, mas que procurava
concentrar seus textos nos assuntos relativos à região Norte do país. Conforme vimos,
segundo Tengarrinha (1989), foi uma das publicações mais influentes no país durante o século
XX. À época de sua fundação, ainda no século XIX, havia onze jornais vinculados a partidos
políticos na cidade do Porto. O jornal, porém, anunciava na primeira página de seu número
inaugural que seria um periódico “alternativo, livre e inovador”.
Após o falecimento de Manuel Carqueja, em 1884, a direção do jornal passou para seu
sobrinho, Bento de Sousa Carqueja, tendo este permanecido nessa função até seu falecimento,
em 1935. Na edição de aniversário de 80 anos do jornal, Bento Carqueja publicou um texto
em que narrou as principais etapas da história do periódico e expôs os ideais e objetivos que
nortearam sua atividade à frente do jornal:
Por um conjunto de circunstâncias, O Comércio do Porto representa hoje uma
instituição intimamente ligada à tradição da cidade do Porto, em quase metade do
século XIX e em mais do que o primeiro quartel do século XX. Tem procurado
servir a causa da Pátria, com bastante dedicação e suficiente desejo de lhe ser
prestimoso.
Tenho acompanhado a vida do jornal, nos últimos cinquenta anos. Recebi dos seus
fundadores informação oral sobre os esforços que empregaram e os sacrifícios
heroicos que se impuseram para fazer vingar a sua iniciativa. Com a minha morte
desaparecerá, pois, a única fonte directa de tradição oral, relativa aos primeiros anos
do jornal.
[...]
Tem querido mantê-lo paladino da Liberdade, começando por adoptar o lema de
Chateaubriand: “Não se conhece governo representativo sem liberdade de
imprensa”. Tem-se esforçado por o manter independente de pressões e sugestões de
qualquer ordem, venham elas de onde vierem. Tem diligenciado fazer intervir o
jornal na solução dos grandes problemas nacionais, sem preocupação de política
partidária; apenas dessa política resumida na mais pura noção do Bem e da
Pátria. Tem procurado que O Comércio do Porto, actualizado, dia a dia, e
constantemente vivificado com novos elementos intelectuais e morais, seja um valor
na Imprensa portuguesa.
Morrerei contente, se conseguir deixar a grande obra jornalística, por mim herdada,
tão pura nos seus processos, tão alevantada nas suas aspirações, tão vinculada ao
Bem da minha Pátria, como a recebi dos seus fundadores e como tenho procurado
conservá-la – QUERIDA JOIA DE FAMÍLIA!" (CARQUEJA, 1934, grifos nossos)
O jornal contou com a colaboração de ilustres escritores, tendo publicado, em primeira
mão, por exemplo, folhetins de Camilo Castelo Branco. Seguem, abaixo, alguns dados acerca
do jornal durante os anos que nos serviram de fonte de dados do corpus:
221
ANO PROPRIETÁRIO DIRETOR EDITOR TIPOGRAFIA PREÇO
1905 Bento Sousa
Carqueja F. S. Carqueja
84 -
Fábrica do
Caima $20
85
1915 Bento Sousa
Carqueja
Bento Sousa
Carqueja
Bento Sousa
Carqueja
Fábrica do
Caima $20
1925 Bento Sousa
Carqueja
Bento Sousa
Carqueja
Bento Sousa
Carqueja Própria $200
1935 Bento Sousa
Carqueja86
Bento Sousa
Carqueja
Bento Sousa
Carqueja Própria $0,30
1945 Fortunato Seara
Cardoso87
Fortunato Seara
Cardoso
Fortunato
Seara Cardoso Própria $0,50
1955 Fortunato Seara
Cardoso
Fortunato Seara
Cardoso
Fortunato
Seara Cardoso Própria $0,80
1965 -88
Fortunato Seara
Cardoso
Fortunato
Seara Cardoso Própria 1$00
1975 - José Miguel
Seara Cardoso89
- Própria 4$00
1985 - Manuel Teixeira - Própria 40$00
1995 - Luís de Carvalho - Própria 120$00
Quadro 20: Informações acerca de O Comércio do Porto nas edições do corpus
84
Todas as edições de que dispomos trazem no cabeçalho, logo abaixo dos nomes dos fundadores do jornal, a
informação: ADMINISTRADOR: F. S. CARQUEJA. Não conseguimos identificar quem seria esse
“administrador”, visto que suas iniciais não coincidem nem com a de um dos fundadores (Manuel de Sousa
Carqueja) nem com a de seu sobrinho que herdou o jornal (Bento Sousa Carqueja). Sabemos, pelo sobrenome,
ser algum membro da mesma família, mas não sabemos quem exatamente. Nas edições da década de 1910, esse
nome passou a aparecer ao lado dos nomes dos outros dois fundadores, da seguinte forma: “FUNDADORES: H.
C. DE MIRANDA – M. S. CARQUEJA – F. S. CARQUEJA”.
85
As capas das edições das décadas de 1900 e 1910 trazem a seguinte informação acerca do preço avulso dos
exemplares: “20 réis no próprio dia e 40 réis depois”.
86
Conforme mencionamos, Bento de Sousa Carqueja faleceu em agosto de 1935 e se manteve como diretor,
editor e proprietário do jornal até sua morte. As edições de 1935 do nosso corpus são dos meses de abril e maio;
sendo assim, a essa altura o jornalista ainda era vivo e se mantinha como o responsável pela publicação.
87
Nas edições das décadas de 1940 e 1950, consta no cabeçalho a informação de que Fortunato Seara Cardoso é
o proprietário, o diretor e o editor do jornal, sendo Hugo Rocha o chefe da Redação. Fortunato Seara Cardoso era
genro de Bento de Sousa Carqueja, casado com a filha deste, Sra. Maria Paulina Carqueja, indicando que a
empresa continuava a ser, a essa altura, um negócio da mesma família de seus fundadores.
88
Nas edições da década de 1960, o cabeçalho informa que F. Seara Cardoso é o diretor e editor do jornal, não
trazendo mais qualquer informação acerca da propriedade do periódico.
89
Nas edições da década de 1970, o nome de José Miguel [Carqueja] Seara Cardoso, filho de Fortunato Seara
Cardoso, aparece como diretor interino do jornal. Não há qualquer referência a quem é o proprietário e o editor
do periódico nem nessa década nem nas seguintes (1980 e 1990), durante as quais os diretores aparentemente
não pertencem mais à família Carqueja / Seara.
222
No quadro abaixo, pode-se ter uma ideia da evolução gráfica do jornal ao longo do
século XX:
1900 1910 1920
1930 1940 1950
1960 1970 1980
223
1990 2005 -
-
Quadro 21: Capas de O Comércio do Porto por década
Como se pode observar, nas três primeiras décadas, a publicação possuía muito texto
escrito na capa com pouquíssima ou nenhuma imagem (conforme era comum na época,
devido aos altos custos de impressão). Tal tendência começou a mudar a partir da década de
1930. A partir da década de 1970, a capa passou a ser composta predominantemente com
imagens e pouco texto escrito, restringindo-os, quase que exclusivamente, às manchetes.
Também é notável a manutenção do mesmo logotipo e tipo de letra (fonte) do título do
jornal, em padrão “gótico”, em seu cabeçalho ao longo de todo o século XX. De fato, o
periódico manteve sua imagem – especialmente no que tange seu nome, mas também no
conteúdo do periódico como um todo – durante o século XX, motivo pelo qual o público
estranhou a mudança sofrida pelo jornal no ano de 2004, quando o grupo Prensa Ibérica
reformulou a imagem do mesmo (podemos ter uma ideia dessa reformulação a partir da capa
de 2005, exposta acima, apesar de não fazer parte de nosso corpus).
Conforme já constatamos pelos relatos de Tengarrinha (1989) acerca da constituição
morfológica dos periódicos da virada do século XIX para o XX, a folha de O Comércio do
Porto no início do século XX era uma das maiores (em dimensões) entre os periódicos do
país. De fato, tratava-se de um jornal de grande tamanho de folha, com fonte extremamente
pequena e densos textos distribuídos pelas oito colunas da página.
As edições das décadas de 1900, 1910 e 1920 do corpus apresentavam forma e
conteúdo muito semelhantes. Em 1905, as edições possuíam entre três e cinco páginas (sendo
quatro a quantidade mais frequente). Em 1915, todas as edições do corpus possuíam seis
páginas. Em 1925, a maioria das edições também apresentava seis páginas, embora haja uma
224
edição com duas e outra com oito. A diferença básica entre as edições com quatro e com seis
ou oito páginas era o número de notícias. As páginas “a mais” traziam mais notícias. Mas a
estrutura básica e as seções eram praticamente as mesmas.
Quase sempre havia um folhetim90
no rodapé da capa, como é possível verificar nas
respectivas imagens do quadro acima. As duas (ou quatro) primeiras páginas apresentavam
notícias variadas a respeito de temas diversos, além de um artigo de opinião, frequentemente
assinado, ocupando a primeira (e às vezes também a segunda) coluna da capa do jornal. As
seções mais frequentes que constavam nessas páginas eram: Noticiário, Pelo Paiz, Interior,
Arredores, Mundanismo, Sport, Estrangeiro, Bibliographia, Espectáculo, Ensino,
Aphorismos. As duas últimas páginas eram – na maioria das vezes – integralmente reservadas
aos anúncios, comunicados oficiais / institucionais, propagandas, obituários e afins. O jornal
também frequentemente apresentava informações acerca de leilões, assim como tabelas de
preços e índices econômicos diversos, geralmente associados à economia típica da região
Norte, ou seja, agricultura, comércio e indústria, assuntos priorizados pelo periódico desde a
sua inauguração.
Em 1935, o jornal passa a ter entre oito e 12 páginas. Passam a existir mais fotografias
pelo jornal, sobretudo na capa. O folhetim ainda existe, mas passa a ocupar a página 2 ou 3 da
publicação. Também aumenta o número de anúncios, propagandas e avisos, que passam a
ocupar as três últimas páginas no jornal. Entre as páginas 2 e 5 (ou entre 2 e 9, no caso das
edições com 12 páginas), há notícias variadas com seções específicas para cada região de
onde provém a notícia, tais como Pelo País, Pela Cidade, Pela Província, além de subseções
voltadas para localidades da região norte, como De Vila do Conde, De Bragança, De Vila
Nova de Gaia. Ademais, também é possível verificar nessas páginas partes de publicações de
outros distritos, sob o título de Diário de Braga, Diário de Viana, Diário de Lisboa, por
exemplo. Nossos dados eram colhidos, preferencialmente, da seção Pela Cidade, que ainda
permaneceu no periódico nas décadas seguintes.
Todas as edições de 1945 do nosso corpus possuem oito páginas. A maioria das de
1955 também, embora algumas dessa fase também apresentassem 10 ou 12 páginas. Já as de
1965 possuem 14 ou 16 páginas. Mas as seções das edições dessas três décadas continuam
sendo praticamente as mesmas das citadas acima. A diferença é um maior destaque ao Diário
90
Os folhetins aos quais nos referimos aqui, embora estejam literalmente situados no rodapé da página
(conforme seu sentido original, segundo o jornalista Émile Girardin, que cunhou o termo feuilleton, na década de
1830), correspondem não somente à localização espacial do texto no jornal, mas ao gênero textual que se
convencionou chamar folhetim, muito comum nos jornais do fim do século XIX e início do século XX, que diz
respeito aos romances publicados “em partes”, “em capítulos” nos jornais desse período. (LIMA, 2010, p. 67-68)
225
de Lisboa, que agora ocupa boa parte de uma das páginas centrais do periódico. Além disso,
também se tornam maiores as seções dedicadas aos desportos que, agora, costumam ocupar
toda a última página do jornal. O Noticiário Estrangeiro passa a ser constante e aparece em
destaque em mais de uma página das edições. É bastante comum que uma das últimas páginas
(em geral, a página antes da antepenúltima, ou seja, a página 5 ou 9, dependendo do número
total de páginas) concentre diversas “sobras de notícias”. Notícias que provavelmente “não
couberam” por inteiro na capa ou em outras páginas de destaque e que tiveram de ser
concluídas em outro local. Os anúncios e propagandas agora se espalham por todo o jornal,
embora estejam concentrados, majoritariamente, na antepenúltima e na penúltima páginas.
As edições da década de 1970 têm, todas, 14 ou 16 páginas. Ainda encontram-se
folhetins mesmo nessa década já avançada do século XX. Até as edições de 1965, os textos
ainda possuem fonte muito pequena e as letras são muito unidas umas às outras. Já nas
edições de 1975, o layout do jornal muda um pouco, ganhando mais “espaços em branco”
entre os textos, além de fonte um pouco maior. A capa passa a apresentar bem menos texto
escrito e mais imagens seguidas das manchetes. Nessa década, saem da capa os textos
opinativos que, agora, costumam aparecer na página 02. Além disso, é também nessa década
que as páginas internas do jornal ganham um cabeçalho diferente, passando a conter o título
da principal seção da página (antes eram apresentados somente o título do jornal e a data). As
seções direcionadas a notícias da região Norte continuam a existir, mas mais bem divididas,
com títulos mais evidentes. Passa a existir uma página exclusiva para Espectáculos, onde são
anunciadas as programações do rádio, da TV e dos teatros e cinemas. Nas edições do corpus,
publicadas originalmente no mês de abril, havia também uma página dedicada à campanha
eleitoral do país. A última página continua a ser voltada para os desportos.
As edições das décadas de 1980 e 1990 já possuem, em sua maioria, 48 páginas. Há
inúmeras seções. Ainda há folhetins, usando esse mesmo rótulo, inclusive nas edições de
1995. A diferença é que, agora, eles não estão mais nos rodapés, mas em páginas
especificamente voltadas para o entretenimento, contendo, além das narrativas, variedades
como passatempos, palavras cruzadas, tirinhas, horóscopo etc.
As seções do jornal nas edições dessas décadas são, basicamente: Capa, Ideias e
Comentários, Nacional (no lugar de Pelo País), Economia / Trabalho, Educação, Porto /
Metrópole (que substituiu Pela Cidade e ocupa, em média, três páginas), Especial (com
reportagens, entrevistas e afins), Regiões (em vez de Pela Província, mas ainda é uma grande
seção, ocupando cerca de seis páginas, com as subseções referentes a cada uma das
localidades ou distritos, em geral, da região Norte), Estrangeiro (em vez de Noticiário
226
Estrangeiro), Sufrágios / Diversos (onde encontram-se, em sua maioria, os obituários),
Motivações (seção de aproximadamente oito páginas onde há os classificados / anúncios),
Publicações / Avisos / Editais (ocupando cerca de três páginas), Espectáculos / Muito Útil (é a
referida seção de entretenimento) e, finalizando, Desporto (com cerca de seis páginas).
Foi na década de 1990 que, como mencionamos, o jornal começou a ver sua receita ser
reduzida, culminando com sua venda ao grupo espanhol Prensa Ibérica, em 2001 e, por fim,
com o encerramento de suas atividades em 2005, conforme podemos observar na última capa
do quadro acima, de sua edição de despedida.
4.2 Região Central
Na região central, o corpus foi composto por dois jornais de maneira complementar: O
Jornal d’Estarreja (nas décadas de 1900 a 1920) e o Diário de Coimbra (nas décadas de 1930
a 1900), oriundos das cidades respectivamente homônimas.
Vejamos, a seguir, a descrição de cada um deles:
4.2.1. O Jornal d’Estarreja
O Jornal d’ Estarreja (ou Jornal de Estarreja, como seu título costuma ser publicado
atualmente) é um dos jornais regionais mais antigos em atividade ainda hoje em Portugal. Na
verdade, o próprio jornal chega a se intitular, em seu perfil em uma rede social, “o segundo
mais antigo do país”. Já citamos que, segundo estudo da ERC, em 2009, havia apenas sete
jornais regionais em atividade cuja fundação datava do século XIX. O Jornal de Estarreja é
um deles. Trata-se de um semanário fundado por José Mortágoa em 12 de abril de 1883.
Estarreja situa-se no distrito de Aveiro (que faz fronteira, ao sul, com o distrito de
Coimbra), região central de Portugal e só foi elevada a cidade em dezembro de 2004.
Embora seja publicado até hoje, nosso corpus da região central do país não é
composto integralmente por esse periódico porque, de início, já dispúnhamos das edições do
Diário de Coimbra, que foi fundado na década de 1930. Sendo assim, buscávamos uma
publicação que pudesse complementar o corpus já existente com edições das três primeiras
décadas do século XX.
Seguem abaixo as informações básicas acerca do jornal no período em que nos serviu
de fonte de dados:
227
ANO PROPRIETÁRIO DIRETOR EDITOR TIPOGRAFIA PREÇO91
1902
-
1905
José Mortágoa - José Mortágoa Própria92
-93
1911
-
1913
Carlos Alberto
da Costa94
Carlos
Alberto da
Costa
José Rodrigues da
Costa (1911) / Annibal
d’Almeida Gouveia
(1912) / Francisco da
Silva Miranda (1913)
Própria -
1922
-
1926
Carlos Alberto
da Costa
Carlos
Alberto da
Costa
Antonio Baptista
Pinheiro Própria $0,60
Quadro 22: Informações acerca de O Jornal d’Estarreja nas edições do corpus
Vejamos, abaixo, amostras das capas do periódico em cada uma das décadas que
compuseram nosso corpus:
1900 1910 1920
Quadro 23: Capas do Jornal d’ Estarreja por década
91
A edição avulsa do Jornal de Estarreja custa, hoje, €0,60.
92
Na capa de todas as edições consta a informação “Redação, administração e tipografia: Praça do Peixe”,
indicando o endereço do jornal, que, como se vê, é o responsável pela impressão dos exemplares.
93
Não encontramos na capa nem no interior do jornal informações acerca de seu preço nas edições das décadas
de 1900 e 1910.
94
Não encontramos maiores informações sobre o fundador do jornal, José Mortágoa. Já a respeito de Carlos
Alberto da Costa, há nos registros das Bibliotecas Municipais do Porto a informação de que ele e seu filho,
Eduardo Alberto da Costa, foram diretores e proprietários de outro semanário regionalista, o Jornal de Cambra,
também publicado em Estarreja, entre os anos de 1931 e 1987. Carlos Alberto da Costa nasceu em 1878 e
morreu em 1956.
228
Percebemos, a partir das imagens acima, que o logotipo (tipo, tamanho e posição) do
título do jornal em seu cabeçalho de capa mudou em todas as três décadas do corpus (e
também é bem diferente atualmente, embora não tenhamos mostrado a capa atual, por não
fazer parte do corpus). Todas as edições do semanário no nosso material, nas três décadas
estudadas, possuem apenas quatro páginas (com uma única exceção: a edição do dia 14 de
janeiro de 1923, que apresenta oito páginas). As folhas apresentam pequenas dimensões, em
especial se compararmos às de O Comércio do Porto, sobre o qual acabamos de comentar. As
edições da década de 1900 apresentam, em geral, apenas quatro colunas por página e as
edições das décadas de 1910 e 1920 apresentam cinco colunas em cada página. As folhas
parecem, na maioria das vezes, páginas de livros e não de jornal. Não há muita preocupação
com diagramação, com espaços em branco e nem mesmo com títulos de seções com fonte em
destaque.
Além disso, quase todas as edições de todas as três décadas do nosso material do
jornal carecem de fotos. Há uma ou outra – raríssima – ilustração, desenhada, em preto-e-
branco em poucas capas da primeira década do século. Fora isso, a ÚNICA exceção em todo
o corpus de que dispomos do jornal são duas fotos, também em preto-e-branco, publicadas na
capa da edição do dia 01 de agosto de 1926. A capa é totalmente dedicada a Dom Manoel
Corrêa de Bastos Pina, o Bispo-Conde de Coimbra, já falecido desde 1913. Além da
fotografia do bispo, a capa traz uma fotografia do Santuário de Nossa Senhora de Lourdes,
por ocasião da romaria feita ao templo, instituída anos antes pelo mesmo bispo.
A composição básica das páginas do jornal é: na página 1 (capa), a edição geralmente
é iniciada por um texto (de uma ou duas colunas) assinado pelo jornal ou simplesmente “R.”
(seria de “Redação”?), direcionado ao leitor, com frequência comentando algum fato da
sociedade. Também se encontram nela notícias variadas (Noticiário). A página 2 costuma
apresentar alguns anúncios e mais notícias. Na página 3, constam: obituário, informações
sobre o câmbio / ágio, propagandas e outras notícias. A página 4 costuma abrigar uma seção
chamada Reclamos e, ainda, outras notícias. Todas essas notícias distribuídas pelo jornal
costumam aparecer agrupadas por rótulos discretos em que se lê: Pelo Concelho, Pelo
Distrito, Pelo Paiz, Pela Agricultura, Pelo Estrangeiro etc.
Outras duas seções constantes no periódico chamam-se Instrução e Carteira. A
primeira parece um tipo de “recomendação”, uma espécie de resenha a respeito de algum
produto, serviço ou espetáculo que o jornal recomenda aos leitores. A segunda diz respeito a
chegadas e partidas de moradores locais de e para lugares distantes.
229
Há, igualmente, bastantes cartas no periódico. Cartas de e para outras localidades.
Tais “cartas”, apesar do rótulo dado pelo jornal à seção, ora aparentam ser, na verdade,
notícias enviadas por correspondentes de fora de Estarreja, ora parecem ser, de fato,
correspondências de leitores endereçadas para o jornal comentando assuntos variados ou,
ainda, cartas pessoais de um indivíduo para outro que “resolveu” usar o jornal como meio de
comunicação para suas questões pessoais. Os destinos e origens mais frequentes das cartas
são justamente as freguesias de Estarreja: Avanca, Veiros (hoje chamada “Beduído e
Veiros”), Canellas (hoje chamada “Canelas e Fermelã”), Pardilhó e Salréu, além de Cácia
(que igualmente pertence ao distrito de Aveiro). Além disso, também verificamos cartas
assinadas pelo próprio jornal, endereçadas a devedores, pessoas que eventualmente fizeram
algum anúncio nas edições do jornal e não saldaram suas dívidas junto ao periódico.
Quase sempre há folhetins nas edições da década de 1900. A princípio, na capa;
depois, na última página. Já nas edições da década de 1910, eles se tornam mais escassos e,
quando aparecem, não estão em sua “posição original”, no rodapé. Ao contrário, são
encontrados no topo da página. As edições da década de 1920 não apresentam folhetim
algum. Na edição do dia 12 de junho de 1902, lê-se no canto inferior da capa: “FOLHETIM –
Por falta d’espaço não publicamos hoje folhetim, da qual falta involuntária pedimos desculpa
ao nosso intelligente e generoso collaborador <<Salero>>.”. Nessa mesma edição, há, porém,
na primeira coluna da página 2, dois poemas, marcando a presença de um texto de caráter
mais “literário” apesar da ausência do folhetim.
Ainda nessa edição, ocorre um dado curioso: na última página do jornal, há uma seção
chamada “PROSAS” e com subtítulo “PÁGINAS ÍNTIMAS”. Nela, há uma carta
aparentemente pessoal, com o título “Cartas ao meu amigo primo Eleutherio Valente
d’Almeida” e assinada “Saudades do teu A. C.”. Em seguida, há outros dois textos (“O Dia da
Primeira Communhão” e “Perfis XXXV”) também assinados por A. C. Três edições depois,
no dia 03 de julho, A. C. volta a assinar dois textos com os mesmos títulos, sendo agora as
“cartas” seguidas do numeral II e os perfis XXXVII, como se fossem sequências dos textos
publicados três semanas antes. Essa característica assemelharia tais textos a folhetins, não em
seu sentido original, como “texto para entretenimento publicado no rodapé da folha do
periódico”, mas em uma de suas outras acepções, segundo a qual esses textos voltados para o
entretenimento deveriam ser publicados “aos pedaços”, “em capítulos”, conforme já
mencionamos (LIMA, 2010, p. 67 e 68). Diferentemente da maioria dos textos desse tipo,
porém, não temos, nesse caso, romances, mas sim textos que simulam cartas pessoais
230
A seção Prosas volta a aparecer em outras edições do hebdomadário, mesmo quando
há folhetins, sempre com algum texto que aparenta ser ficcional e / ou para entretenimento.
Na edição de 19 de junho de 1902, há, igualmente, uma carta que parece ser pessoal, assinada
por outra pessoa. O título da carta é “INDELÉVEIS RECORDAÇÕES (Ao meu amigo J. N.
Nunes)” e é assinada por O. M.
Essas características básicas são, de certa forma, mais ou menos constantes em todas
as edições das três décadas de que dispomos em nosso material.
Em um artigo intitulado “O Cerco ideológico do Estado Novo à Imprensa” (2005), a
pesquisadora Júlia Barros faz um levantamento, por distrito, dos jornais regionalistas que se
posicionaram contra, a favor ou neutros em relação ao novo regime instituído pela
constituição de 1933. Segundo sua pesquisa, o Jornal de Estarreja foi listado como um
periódico politicamente neutro nos anos de 1933 e 1934.
O Jornal de Estarreja é publicado ainda hoje com periodicidade semanal e tiragem
aproximada de 4.000 exemplares por mês (ou 12.000 por trimestre) em 2013, segundo o site
do próprio periódico. Seu diretor é Artur Castro Tavares. O jornal é de propriedade da Ediesta
– Editorial Estarrejense, LTDA., empresa com vários sócios. Segundo o estudo Marktest,
divulgado no site do periódico, a publicação é o jornal regional mais lido do concelho de
Estarreja e o 12º mais lido no distrito de Aveiro.
4.2.2. O Diário de Coimbra
O Diário de Coimbra foi fundado em 24 de maio de 1930 por Adriano Viegas da
Cunha Lucas e continua pertencendo a e sob administração da mesma família ainda hoje95
. É
o mais antigo jornal de Portugal a ainda pertencer à família de seu fundador e um dos mais
antigos da Europa nessa condição, visto que muitos jornais que constituíam “negócios de
família” não resistiram às dificuldades econômicas da II Guerra Mundial. O jornal foi alvo de
muitas pressões políticas desde sua fundação. Já no fim da década de 1980, em 1989, partidos
95
Adriano Viegas da Cunha Lucas (1883-1950) foi o fundador do jornal Diário de Coimbra (1930). Faleceu em
1951 e seu filho, Adriano Lucas Filho (1925 – 2011), assumiu a direção do jornal em seu lugar, permanecendo
na função praticamente até sua morte, em 2011. Adriano Lucas Filho também fundou o Diário de Leiria (1985),
distrito que faz fronteira com Coimbra ao sul, o Diário de Aveiro (1987), que faz divisa com Coimbra ao norte, e
o Diário de Viseu (1997), distrito também vizinho de Coimbra, todos eles da região Central do país. Atualmente,
os quatro jornais ainda são publicados e todos são dirigidos por Adriano Callé Lucas (1954-.***), filho de
Adriano Lucas Filho e, portanto, neto do fundador do jornal. Há links nos sites dos quatro jornais direcionando
uns aos outros como “diários parceiros”. A rua onde hoje se encontra a redação do Diário de Coimbra se chama
Rua Adriano Lucas.
231
políticos chegaram a tentar comprá-lo para controlá-lo, mas Adriano Lucas recusou a
proposta. O diretor atual, Adriano Callé Lucas, é neto do fundador.
Segundo o Estatuto Editorial do jornal, disponível em sua página na internet, o Diário
de Coimbra pode ser definido como:
O Diário de Coimbra, fundado em 24 de Maio de 1930 por Adriano Viegas da
Cunha Lucas (1883-1950), é um jornal diário generalista que tem como missão
principal levar ao leitor a informação do que de mais relevante se passa em Coimbra,
na Região das Beiras, em Portugal, na Europa e no Mundo, com verdade, seriedade
e rigor.
O Diário de Coimbra é, desde a sua fundação, um “Jornal Republicano” e
“Órgão Regionalista das Beiras”, como ostenta na primeira página. É um
diário independente, de orientação liberal, defensor da democracia pluralista, da
Liberdade de Imprensa, da total independência da imprensa e dos órgãos de
comunicação social face aos poderes políticos e aos poderes económicos
monopolistas. O Diário de Coimbra defende a Liberdade individual, a Fraternidade e
a Solidariedade e opõe-se a quaisquer ideologias colectivistas, totalitárias, fascistas,
comunistas ou outras, que alienam os seres humanos, bem como ao centralismo do
Estado, às práticas monopolistas e a todos os abusos do poder. O Diário de Coimbra
pauta a sua acção pela defesa do cidadão e das minorias, da valorização de Coimbra,
da Região das Beiras e das suas gentes, da livre iniciativa privada, da economia de
mercado e da sã concorrência, bem como da plena integração europeia, de uma
Europa dos Cidadãos e das Regiões. Como “Órgão Regionalista das Beiras”, o
Diário de Coimbra defende a criação da Região das Beiras e a regionalização do
país, enquanto processo de efectiva descentralização e transferência de poderes e
competências para as várias regiões, para que cada comunidade local e regional
possa decidir sobre o que mais directamente lhe diz respeito.
O Diário de Coimbra respeita os princípios deontológicos da imprensa e do
jornalismo, a ética profissional dos jornalistas, assim como a boa fé dos leitores, a
quem o jornal se destina e que são a sua razão de ser. (DIÁRIO DE COIMBRA,
2013)
Nas edições da década de 1930, era possível ler junto ao título do jornal: “O diário
mais antigo de Coimbra, o de maior circulação nas Beiras, o de maior e melhor informação”.
Em seu subtítulo lia-se “Jornal regionalista da manhã, defensor dos interesses das Beiras”. A
orientação republicana mencionada no estatuto editorial do jornal podia ser explicitamente
constatada a partir das edições da década de 1940, nas quais se podia ler no cabeçalho: “Jornal
republicano, órgão do movimento regionalista das Beiras”. Esse subtítulo encontra-se em
todas as edições do jornal até os dias de hoje.
Além disso, de 1941 até 1961 também se lia: “O único quotidiano (em 1941) / diário
(de 1951 a 1961) que se publica no Centro do país”, o que nos indica que, durante esse
período, era o único jornal proveniente da região central, uma das maiores do país, composta
pelos distritos de Aveiro, Castelo Branco, Coimbra, Guarda, Leiria, Santarém e Viseu,
conforme podemos verificar no Mapa 3.
232
Nas edições de 1931 até 1971 o jornal passava por censura e isto vinha explícito no
cabeçalho do jornal ou em alguma outra observação ao longo das páginas do mesmo (às vezes
no rodapé), que dizia “VISADO PELA COMISSÃO DE CENSURA”. O Diário de Coimbra
chegou a ficar suspenso durante todo o ano de 1945 devido à publicação de um texto sobre
um artista de circo que a Censura julgou fazer referência ao então reitor da Universidade de
Coimbra. A Censura exigiu a substituição do diretor do jornal e recusou sucessivas vezes os
novos nomes propostos pelo proprietário, Adriano Lucas, mantendo, então o jornal fechado
por um período de 1 ano. Com isso, o Diário de Coimbra tornou-se o jornal português a
sofrer mais grave sanção imposta pela Censura (AVEIRO, 2013).
Na tabela abaixo, podemos verificar a relação de proprietários, diretor, editor,
tipografia e preço do periódico ao longo do século XX:
ANO PROPRIETÁRIO DIRETOR EDITOR TIPOGRAFIA PREÇO96
1931 Empresa Diário
de Coimbra97
José de Souza Varela
José de Souza
Varela - $0,30
1941 Adriano Lucas98
Dr. Vergílio Correia Joaquim Lopes
Morgado
A Tipográfica
de Coimbra $0,40
1951 Tipografia das
Beiras LDA
Alvaro dos Santos
Madeira
Adriano Lucas,
Filho
Tipográfica
das Beiras $0,60
1961 Tipografia das
Beiras LDA
Alvaro dos Santos
Madeira Adriano Lucas
Tipográfica
das Beiras $0,80
1971 A Tipográfica
das Beiras LDA
Alvaro dos Santos
Madeira Adriano Lucas
Tipográfica
das Beiras $1,50
1981 A Tipográfica
das Beiras LDA
Adriano Lucas
(Dir. adj.: Lino Vinhal) -
Tipográfica
das Beiras $15,00
1991 A Tipográfica
das Beiras LDA
Adriano Lucas
(Diretor adj.: Lino
Vinhal)
- FIG99
$75,00
Quadro 24: Informações acerca do Diário de Coimbra nas edições do corpus
96
A título de curiosidade, hoje a edição avulsa do Diário de Coimbra custa €0,80.
97
Conforme consta no cabeçalho das edições do jornal no ano em questão.
98
Nas edições dos dias 09 e 10 de janeiro de 1951, são publicadas na p. 02, na seção “Revista da Imprensa das
Beiras”, notícias, de outros jornais, citando o falecimento de Adriano Lucas, aos 67 anos. As notícias, dentre
outras coisas, qualificam Adriano Viegas da Cunha Lucas como “um republicano idealista, de fé ardente,
militando sempre no partido conservador da República.”. Citam ainda que ele foi vereador da Câmara Municipa l
por várias vezes e também fez parte do Senado, da Associação Comercial e outras agremiações, delegado da
Casa das Beiras e proprietário do Diário de Coimbra. Seu filho, Adriano Lucas, assumiu a direção do jornal em
seu lugar, aos 25 anos de idade.
99
A gráfica FIG (Fotocomposição e Indústrias Gráficas) também foi fundada pela e pertence à família Lucas,
proprietária do jornal.
233
Pelo que pudemos perceber a partir de suas edições, aparentemente, o jornal possuía
alguma relação / parceria com o Diário de Notícias, de Lisboa. Na 2ª página da edição de 01
de janeiro de 1931, há um relato sobre uma festa promovida pelo DN em sua filial de Castelo
Branco. Na notícia, enaltecem bastante o periódico da capital. Posteriormente, o jornal O
Século, também de Lisboa, é igualmente enaltecido pelo Diário de Coimbra. Isso ocorre mais
de uma vez no material do corpus. Frequentemente são citadas, nas notícias e nos editoriais
do Diário de Coimbra, matérias, notícias, reportagens, iniciativas etc. do Diário de Notícias.
Sempre de forma elogiosa, como se fossem “jornais amigos / parceiros”.
Outros jornais mencionados nas páginas do Diário de Coimbra, referenciados como
jornais “das Beiras”, são: Jornal do Fundão (de Castelo Branco), Notícias da Figueira, Eco
de Pombal, Gazeta de Cantanhede, O Figueirense (de Figueira da Foz), a Voz da Figueira.
O jornal aparentemente utiliza e cita textos provenientes de agências de notícias
internacionais. As mais comuns são a Reuters (R.), A. N. I. e a F. P.100
. Em geral, essas
notícias aparecem na última página do jornal, dedicada às notícias internacionais. Já na seção
Vida Regional, várias notícias são assinadas simplesmente por “C.”, indicando,
aparentemente, terem sido produzidas pelo próprio (Diário de) Coimbra.
Abaixo, podemos verificar a evolução gráfica da capa do periódico ao longo das
décadas usadas como fontes de dados e, apenas para servir de comparação, incluímos,
também, a capa de um exemplar da presente década:
1930 1940 1950
100
Não encontramos referências à agência “F.P.”, mas é possível que esta seja a AFP (Agence France-Press).
234
1960 1970 1980
1990 2010
-
Quadro 25: Capas do Diário de Coimbra por década
Como se pode verificar, o logotipo do jornal passou por algumas alterações ao longo
das décadas. Uma grande mudança ocorreu na década de 1950 e o mesmo modelo
permaneceu pela década de 1960. Depois, voltou a mudar na década de 1980 e continuou com
o mesmo padrão na década de 1990. A partir da década de 1960, também observamos a maior
presença de fotografias na capa do jornal.
No início de sua publicação, o periódico apresentava um volume muito grande de
textos escritos desde a capa, como era comum nesse período. Em suas duas primeiras décadas
de existência, as edições do jornal continham, majoritariamente, quatro páginas. A capa
(página 01) possuía artigos de opinião e notícias diversas, frequentemente ligadas à política.
Nenhum editorial encontrado é “canônico”, do tipo redigido e assinado pelo editor do jornal
ou contendo rótulo próprio. Por vezes eles vinham sem assinatura (o que parece sinalizar
maior indício de ser “A” opinião do jornal), por vezes eles traziam a assinatura de alguém
identificado como “amigo” do jornal. A página 2 era composta, em geral, por notícias
235
regionais e locais, muitas vezes sob o título Pelas Beiras ou De Várias Terras ou ainda Notas
Da Sociedade. Sempre havia um folhetim no rodapé dessa página 02 (embora, muito
raramente, aparecesse na página 03). A página 3 possuía somente anúncios e avisos. Vez ou
outra uma única empresa publicava um grande anúncio que ocupava uma página inteira.
Ainda assim, era possível encontrar pequenos anúncios avulsos por todo o jornal. A última
página sempre vinha com o título Últimas Notícias, sendo a maioria delas breves notícias
variadas, geralmente assim agrupadas: Pela Cidade, De Lisboa, Do Pôrto e Estrangeiro.
Já na década de 1950, as edições do jornal passam a ter oito páginas. Na capa, há
pequenas notícias, geralmente com o texto fragmentado, que continua em alguma das páginas
seguintes. A página 02 geralmente traz o título de Vida Regional, com pequenas notícias de
várias cidades da região central do país. Ainda na página 02, há sempre um box intitulado
Revista da Imprensa das Beiras, em que expõem um texto de algum outro jornal das Beiras.
Entre as páginas 03 a 05 encontram-se notícias variadas. Geralmente, há notícias ligadas a
esportes na página 3 (seção Desportos) e, na página 04, há uma seção intitulada Notícias
Diversas. A página 05 costuma trazer continuação de textos da capa. A página 06 traz
anúncios, agora já mais elaborados. Passa a haver uma seção de Compra, Venda e Aluguel
(como nos atuais “classificados”) e, abaixo, anúncios de produtos e serviços em geral
(propagandas). Na página 07, ora há mais anúncios, ora há mais notícias esparsas e / ou outras
continuações de textos da capa. A página 08 também traz notícias variadas, com o título de
Notícias do País e do Estrangeiro, a maioria delas parece ser traduções de notícias da agência
Reuters, pois estas sempre vêm assinadas com um (R.).
Todas as edições do corpus de 1950 carecem de cartas de leitores. Não há uma sequer.
Também não há editoriais “explícitos”. Os textos de opinião são assinados por autores
variados, que não indicam representar, necessariamente, o posicionamento do jornal acerca de
um assunto ou notícia em voga à época da publicação.
Na década de 1960, o jornal varia o número de páginas de cada edição. Habitualmente
dez, mas algumas das edições do corpus possuem oito e a de domingo, 12 páginas. A
configuração básica da década de 1950 é mantida quando o jornal possui oito páginas,
entretanto, há algumas variações de seções que aparentemente só são publicadas em
determinados dias da semana. A capa ainda traz notícias variadas. A página 02 ainda
apresenta a seção Vida Regional (embora não apareça em todos os dias da semana), em que
são agrupadas notícias de diferentes cidades vizinhas, das Beiras, geralmente diagramadas na
página de acordo com a cidade de origem. Desaparece a seção Revista da Imprensa das
Beiras. A página 03 ainda traz a seção Desportos, além de outras notícias variadas. A página
236
04 ainda abriga a seção Notícias Diversas, além de uma seção chamada A Cidade, com
notícias locais. A página 05 ainda traz continuação de textos da capa e mais notícias
pequenas. A página 06 continua reservada aos anúncios (classificados e propagandas), bem
como parte da página 07, que, além disso, agora também apresenta o Boletim do Dia, com a
programação do rádio e da televisão. A página 08 possui em seu cabeçalho o título Notícias
do País e do Estrangeiro, com pequenas notícias, quase todas assinadas por “F. P.”.
Na edição do dia 09 de janeiro de 1961, aparece, pela primeira vez no jornal, a seção
Diga O Que Pensa, voltada para carta de leitores e onde se lê o seguinte convite do jornal:
“Reclame e sugira – Esta secção é de todos os leitores – Diário de Coimbra será o porta-voz
das suas aspirações”.
Nas edições de 10 páginas, a página 05 dá lugar a uma seção de Horóscopo, além de
algumas notícias. A página 06, que, em geral, abriga anúncios (tanto classificados quanto
propagandas), aparece nessas edições com dois grandes textos (informes oficiais) ocupando
mais da metade da página. O espaço restante é ocupado por poucos anúncios em tamanho
grande. O conteúdo de anúncios, que costumam estar na página 06, passa a aparecer na página
08. A página 09 traz o Boletim do Dia e mais alguns textos variados (notícia, anúncios etc.).
Nas edições de 12 páginas, há, no meio do jornal, duas páginas (06 e 07) que exibem o
seguinte cabeçalho: “Ciência e curiosidades para todos – páginas centrais de Diário de
Coimbra – Assuntos coligidos para os nossos leitores”. Nelas, há anúncios e artigos de teor
basicamente científico, sobre pesquisas, descobertas etc. Há nessas edições mais anúncios que
o habitual (04 páginas praticamente inteiras: 03, 05, 08 e 10).
Nas edições da década de 1970, o Diário de Coimbra oscila, em geral, entre 10 e 12
páginas. A edição de domingo presente no corpus é a única que possui 14 páginas. Quanto à
configuração do jornal, a capa continua apresentando notícias variadas. A página 02 ainda é
dedicada às notícias da região das Beiras, agora numa seção chamada Vida e Aspectos
Regionais. Na página 04, estão as seções A Cidade e Notícias Diversas. As páginas 05 e 06
trazem uma seção chamada Vida Agrícola, que não existia até então e apresenta um conteúdo
relacionado a conselhos para o homem do campo. Os anúncios – agora mais do que nunca –
são muitos e, normalmente, dispersos por todo o jornal, embora haja sempre uma página
(geralmente a antepenúltima – 08 ou 10) reservada integralmente a eles. O Boletim do Dia,
com a programação do rádio, TV e teatros do dia, costuma vir na penúltima página (09 ou 11)
e compartilha espaço com as informações sobre o câmbio das moedas e alguns anúncios,
assim como na década anterior. A última página (10 ou 12) costuma ser destinada à seção
Notícias do País e do Estrangeiro.
237
Na edição de domingo do corpus (03 de janeiro) há, pela primeira vez, um suplemento
em página diferente das demais do jornal, que chamam de 2º Caderno, com o título de
Ciência e Curiosidade para Todos, que já aparecia nas edições de 1961, porém não como um
caderno especial. Há, ainda, outro suplemento chamado O Mundo e Seus Problemas, com
matérias variadas de teor internacional.
Todas as edições do jornal que compõem o corpus da década de 1980 possuem 12
páginas. Sua configuração básica é a seguinte: a capa continua com notícias variadas. A
página 02, agora, além das notícias regionais, das cidades das Beiras (como habitual desde sua
fundação), traz também o expediente do jornal em um box no canto inferior à esquerda. A
página 03 parece uma continuação de notícias das cidades vizinhas. As páginas 04 e 05 têm
conteúdos variados, como notícias, crônicas, uma carta aberta... Na página 06, há um grande
box intitulado Opinião e, nele, vemos artigos assinados por diferentes autores, que não têm,
necessariamente, um vínculo com o jornal.
Na capa da edição de 01 de janeiro de 1981, o jornal informa que seu preço aumentou
para 15$00 “a semelhança dos restantes jornais diários do País”. Eles justificam dizendo que
“Este aumento é determinado pela constante subida dos custos de produção que há muito vêm
afligindo a imprensa portuguesa em geral e os jornais regionais em particular, os quais (apesar
das repetidas afirmações da importância que desempenham) continuam a ser preteridos pelas
entidades responsáveis no contexto da imprensa portuguesa”. Esse anúncio demonstra que: 1-
o jornal se vê explicitamente como um jornal regionalista; 2- a imprensa portuguesa – como
um todo – parece enfrentar problemas econômicos; 3- parece haver algum tipo de
“preconceito” com relação aos periódicos regionalistas.
Os exemplares do corpus da década de 1990 apresentam-se em edições de 16 ou 20
páginas. Há agora um 2º Caderno com quatro páginas, onde se acham os classificados
(anúncios), algumas notícias e jogos (passatempos).
Não existe mais a seção Vida e Aspectos Regionais. Em vez disso, por volta das
páginas 07 e 08, vê-se Região das Beiras no cabeçalho da folha onde se leem notícias sobre as
cidades no entorno de Coimbra ou então, no mesmo lugar, lê-se Diário da Cidade X (Viseu,
Figueira da Foz etc...).
Há um anúncio curioso na p. I do 2º caderno da edição do dia 04 de janeiro de 1991
convidando anunciantes para publicarem anúncios nos “jornais regionais”, que são: Diário de
Aveiro, Diário de Coimbra, Domingo, Diário de Leiria, Diário do Minho, Diário do Sul,
Correio do Minho, Notícias d’Évora, Comércio e Anúncios, O Desporto das Beiras. Não fica
claro se seriam todos sócios economicamente falando ou se resolveram formar um grupo de
238
jornais regionais de diferentes partes do país com o objetivo de se ajudarem mutuamente
convocando anunciantes uns para os outros.
Conforme já informamos, o Diário de Coimbra se publica ainda hoje, com tiragem
média, em 2013, de 4.500 exemplares por mês de acordo com os dados da APCT.
(ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA PARA CONTROLO DE TIRAGEM E CIRCULAÇÃO,
2014).
4.3 Lisboa
Conforme já mencionamos antes, o corpus concernente à região de Lisboa foi
levantado de modo a complementar o que já havia no corpus do Projeto VARPORT. Cerca de
25% do corpus de Lisboa é proveniente de diversos periódicos que circularam na região ao
longo do século XX (alguns deles ainda em circulação). Esses títulos, que compõem o corpus
do Projeto VARPORT, tiveram suas características básicas brevemente citadas no capítulo 3.
Os demais 75% do corpus foram por nós levantados nos arquivos da Biblioteca
Nacional de Portugal a partir de exemplares do tradicional jornal de abrangência nacional
Diário de Notícias (DN), um dos mais lidos no país há mais de um século.
Acerca da fundação do Diário de Notícias, Tengarrinha afirma que este foi concebido
segundo a nova lógica do mercado periodístico:
[...] se a tiragem aumentar, as despesas gerais conservam-se sensivelmente as
mesmas e, portanto, o preço de custo de cada exemplar será menos elevado; com
maior tiragem haverá mais anúncios e podem ser pagos mais caros; de modo que,
para auferir maiores lucros, bastaria baixar o preço e dirigi-lo a uma mais vasta
camada de leitores, não como um jornal de opinião, mas meramente noticioso.
(TENGARRINHA, 1989, p. 214-215)
Ou seja, em um tempo em que os jornais buscavam obter seu lucro a partir das vendas
/ assinaturas, os fundadores do DN entenderam que o lucro deveria ser obtido a partir dos
anúncios. Baratearam o preço do exemplar avulso, impulsionando as vendas. Com mais
leitores, haveria mais argumentos para “fisgar” anunciantes e, assim, o jornal garantiria sua
receita.
Além disso, desde sua fundação, o Diário de Notícias contava com vendas feitas por
ambulantes, que fizeram aumentar exponencialmente as vendas. Com apenas dois meses de
publicação, havia 30 ambulantes vendendo DN por 10 réis o exemplar, obtendo um lucro de
239
200, 300 e até 400 réis por dia. Ao fim de seis meses, eles já eram 100. Em 1887, já havia
uma associação da classe de ambulantes.
Os ambulantes e a baixa dos preços representaram para o DN um valioso incremento
nas vendas de jornais. Durante muitos anos, O Comércio do Porto, por exemplo, só era
vendido diretamente em seus escritórios, por 40 réis. Em 1887, o jornal baixou o preço para
30 réis e adquiriu um aparelho automático para venda ao público. Somente mais tarde
“aderiu” aos ambulantes.
O Diário de Notícias foi fundado em 1864 pelo jornalista e escritor Eduardo Coelho e
pelo industrial tipográfico Tomás Quintino Antunes. Em 1886, Eduardo Coelho afastou-se da
direção do jornal por motivo de doença e, em 1889, após seu falecimento, o periódico passou
a ser dirigido por seu genro, Alfredo da Cunha. O novo diretor foi alvo de sucessivas questões
políticas, tendo sofrido, inclusive, censura. Devido a essas pressões, a partir de 1907, Alfredo
Cunha retira seu nome do cabeçalho do jornal. Em 1919, o DN deixa de pertencer à família
que o fundou, tendo sido vendido a uma empresa portuguesa ligada ao ramo de moinhos, a
Companhia Industrial de Portugal e Colónias. A partir de então, o periódico passa a ser uma
sociedade anônima, chamada Empresa do Diário de Notícias. O novo diretor, Augusto de
Castro, amigo pessoal de Alfredo da Cunha, traçou um perfil mais voltado aos assuntos
políticos no jornal por ser, ele mesmo, bastante ligado à política.
Após a instauração do Estado Novo, Augusto de Castro foi enviado a Londres como
embaixador de Portugal. Por isso, entre 1924 e 1939, o DN esteve sob direção de Eduardo
Schwalbach. Augusto de Castro voltou a assumir a direção do jornal em 1939 e permaneceu
no cargo até 1971, sendo todo esse tempo caracterizado pelo regime ditatorial de Salazar em
Portugal. Devido a suas ligações políticas e econômicas, o Diário de Notícias muitas vezes é
apontado como o jornal que, durante esse período, menos confrontou o regime ditatorial.
Com a Revolução dos Cravos, que, em 25 de abril de 1974, pôs fim ao Estado Novo, o
DN foi estatizado, tendo continuado a ser uma empresa pública até 1991, quando foi
novamente privatizado. O grupo empresarial que adquiriu o periódico, Grupo Lusomundo,
promoveu, em 1992, um novo projeto gráfico para o jornal, com profundas reformulações em
sua imagem. É esse o grupo que detém o jornal até o fim do século XX, nosso recorte
temporal de dados.
Em 2005, porém, o Grupo Lusomundo foi comprado pelo Grupo Controlinvest, que é
proprietário do jornal até hoje. Há de se mencionar que, além do Diário de Notícias, o Grupo
Controlinvest também é dono de outros periódicos do país, tais como o Jornal de Notícias
(fundado em 1888, no Porto), o esportivo O Jogo, o semanário regionalista Jornal do Fundão,
240
o Diário de Notícias da Madeira e o Açoriano Oriental, jornal que, conforme já
mencionamos aqui, é o mais antigo de Portugal.
Vejamos, abaixo, os dados referentes à propriedade, direção etc. do DN ao longo do
século XX:
ANO PROPRIETÁRIO DIRETOR EDITOR TIPOGRAFIA PREÇO101
1902
e
1904
Alfredo da
Cunha
Alfredo da
Cunha
(1902 e 1904)
João Baptista
Borges (1902) /
Joaquim L. de
S. Fraga Pery
(1904)
Própria 10$
1911
e
1913
Alfredo da
Cunha
Alfredo da
Cunha
(1911 e 1913)
Joaquim L. de
S. Fraga Pery
(1911 e 1913)
Typographia
Universal 10$
1921
e
1924
-
Augusto de
Castro (1921) /
Ed. Schwalbach
(1925)
Acúrcio Pereira
(1921) / A.
Saturnino
(1924)
Própria 300$
1931
e
1933
Empresa
Nacional de
Publicidade
Eduardo
Schwalbach
(1931 e 1933)
Ariosto
Saturnino
(1933)
Própria 30$
1941
e
1944
Empresa
Nacional de
Publicidade
Augusto de
Castro
(1941 e 1944)
Ariosto
Saturnino
(1944)
Própria
40$
(1941) /
50$
(1944)
1951
e
1954
Empresa
Nacional de
Publicidade
Augusto de
Castro
(1951 e 1954)
Ariosto
Saturnino (1951
e 1954)
Própria 80$
1961
e
1964
Empresa
Nacional de
Publicidade
Augusto de
Castro
(1961 e 1964)
Alberto
Ramires dos
Reis
(1961 e 1964)
Própria 1$00
1971
e
1974
Empresa
Nacional de
Publicidade
Fernando
Fragoso (1971) /
José Ribeiro dos
Santos (1974)
Fernando
Fragoso (1971)
/ 102
Própria
1$50
(1971) /
2$50
(1974)
1981
e
1983
- Mário Mesquita
(1981 e 1983) - Própria
15$00
(1981) /
20$00
(1983)
101
A edição avulsa do Diário de Notícias custa, hoje, €1,50.
102
Não consta informação sobre o editor responsável nas edições de 1974.
241
1991
e
1996
Diário de
Notícias S.A.
(Grupo
Lusomundo)
Dinis Abreu
(1991) / Mário
Bettencourt
Resende (1996)
Fernando Pires
(1991) /
Ricardo de
Saavedra
(1996)
Interpress
(1991) /
Lisgráfica
(Lisboa) e
Naveprinter
(Porto) (1996)
75$
(1991) /
120$
(1996)
Quadro 26: Informações acerca do Diário de Notícias nas edições do corpus
Vejamos, abaixo, algumas capas das edições desse periódico que compõem nosso
corpus de jornais lusos do século XX e uma do século XXI apenas para comparação:
1900 1910 1920
1930 1940 1950
242
1960 1970 1980
1990 2010
-
Quadro 27: Capas do Diário de Notícias por década
Não faremos a descrição morfológica detalhada do DN nos moldes que temos feito dos
demais jornais até então, pois, além de haver em nosso corpus um número muito maior de
edições e de páginas do DN em relação aos outros periódicos que compõem nosso material103
,
entendemos que o Diário de Notícias é um dos jornais com maior número de publicações a
seu respeito em Portugal. Sua história, sua estrutura, sua influência, seu legado têm sido
amplamente estudados por diversos pesquisadores ligados, sobretudo, à Comunicação Social
103
Contamos com 206 edições do DN ao longo do século XX em nosso corpus, totalizando 2.262 imagens /
páginas do jornal.
243
no país104
. Ademais, diferentemente dos outros títulos que compõem nosso corpus, o DN é o
único que conta com todo o seu acervo já digitalizado e / ou microfilmado pela Biblioteca
Nacional de Portugal, estando, portanto, mais acessível a eventuais estudos posteriores.
Dentre os jornais diários de informação geral (chamados generalistas) não gratuitos, o
Diário de Notícias encontra-se como o 4º mais vendido em Portugal, quase empatado com o
Público. Segundo a Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação, no ano
de 2013, o ranking de vendas desses jornais em Portugal era:
# JORNAL ANO DE
FUNDAÇÃO
TIRAGEM MÉDIA EM
2013 / TRIMESTRE
PREÇO ATUAL DE
CAPA
Semana Domingo
1 Correio da Manhã 1979 150.000 exemplares105
€1,25 €1,35
2 Jornal de Notícias 1888 90.000 exemplares €1,30 €1,40
3 Público 1990 42.000 exemplares €1,60 €1,60
4 Diário de Notícias 1864 37.000 exemplares €1,50 €1,50
5 Jornal i 2009 14.000 exemplares €1,00 €1,00106
Quadro 28: Ranking de vendas de jornais generalistas não gratuitos de âmbito nacional em Portugal em
2013, segundo a APCT
Conforme podemos constatar, o Diário de Notícias foi o 4º mais vendido em Portugal
no ano de 2013, com pouca diferença no quantitativo de vendas em relação a seu concorrente
direto, o jornal Público.
104
É possível citar, dentre outros, algumas dessas obras, tais como:
Os Saneamentos Políticos no Diário de Notícias no Verão Quente de 1975, por Pedro Marques Gomes (2013).
Meus 50 anos no Diário de Notícias, por Fernando Pires (2012).
Diário de Notícias: Primeira Página, 1864-1994, publicado pela Editorial Notícias (1994)
A História do Diário de Notícias em Banda Desenhada, de José Ruy (1984).
O “Diário de Notícias” e o século XIX, por Luís Teixeira (1940)
O Diário de Notícias: da sua fundação às suas bodas de Diamante: escôrco da sua história e das suas
efemérides, de João Paulo Freire (1939)
O Diário de Notícias: a sua fundação e os seus fundadores: alguns factos para a história do jornalismo
português, por Alfredo da Cunha (1914).
105
Convém ressaltar que, apesar de ser o campeão de vendas dentre os jornais diários não gratuitos, o Correio da
Manhã não é concorrente direto do jornal Diário de Notícias. Antes, é voltado para um público-alvo mais
popular, equivalente às classes C e D. O concorrente direto do DN, voltado para o mesmo perfil de leitor, no
contexto atual, seria o jornal Público.
106
O Jornal i não é publicado aos domingos, mas publica uma edição de “fim de semana” no sábado,
comercializada pelo mesmo preço de durante a semana: €1,00.
244
Embora não seja líder de vendas hoje, o Diário de Notícias ainda é um jornal de alto
conceito e influência em Portugal, sendo o periódico voltado para as classes A e B mais
antigo em circulação atualmente.
4.4 Alentejo
Do mesmo modo como aconteceu em relação à região Centro, o corpus da região do
Alentejo também foi constituído a partir de exemplares de dois jornais, ambos de abrangência
regional. A princípio, visitamos o arquivo particular do jornal Diário do Alentejo, cuja
redação fica na cidade de Beja. A primeira edição desse periódico é de 1932; portanto, foi
preciso buscar outra publicação para complementar o material da região nas três primeiras
décadas do século XX. Na Biblioteca Nacional de Portugal, encontramos as edições do
semanário regional A Folha do Sul, publicado na pequena cidade de Montemór-o-Novo, de
1897 até 1946. O corpus levantado desse jornal compreendeu o período entre 1901 e 1930.
4.4.1. A Folha do Sul
Quase nada é encontrado nos arquivos acerca do periódico A Folha do Sul. Na
verdade, sabemos que existiram alguns jornais homônimos a ele, pois encontramos algumas
referências nesse sentido. Em uma seção da página on-line da Hemeroteca de Évora, por
exemplo, há a menção a A Folha do Sul como um dos periódicos que entrou mais vezes em
conflito com outra publicação coeva chamada Distrito de Évora (1867), na qual Eça de
Queirós iniciou sua carreira jornalística como diretor e redator. Acredita-se que o autor tenha
usado pseudônimos para escrever textos sarcásticos sobre a vida provinciana nesse periódico,
criando debates entre diversas publicações regionais da época, sobretudo com A Folha do Sul.
Contudo, sabemos não se tratar da mesma A Folha do Sul porque tais discussões teriam
ocorrido durante o ano de 1867 e o jornal de nosso corpus surgiu em 1897.
Devido à escassez de fontes a respeito dessa publicação, a maior parte das informações
mencionada aqui sobre o periódico foi o que pudemos depreender a partir do próprio
manuseio das edições levantadas para o corpus. De acordo com o catálogo da Biblioteca
Nacional de Portugal e com os respectivos arquivos encontrados no local, a “nossa” A Folha
do Sul foi um semanário publicado entre os anos de 1897 e 1946, fundado em 07 de agosto de
245
1897 por Pedro José dos Santos, que, conforme observamos, permaneceu na direção e edição
do jornal, pelo menos, até 1923, último ano de que dispomos no material levantado.
Nas edições de 1901 até 1904, o jornal é publicado como semanário e traz tal
informação no cabeçalho, logo abaixo do título. A partir de 1911, porém, e até 1923 (de
quando data a última edição que possuímos), o periódico passa a ser bissemanário, sendo
publicado às quartas-feiras e aos sábados.
Acerca do posicionamento político do periódico, em Barros (2005), em relação ao
distrito de Évora, onde fica Montemór-o-Novo, verificamos que:
É desolador o estado da imprensa na província no referente à propaganda da
Situação. Em Évora, cidade importante, não existe imprensa da Situação
absolutamente nenhuma. A maior parte dos jornais do concelho são neutrais. O
único jornal no distrito de Évora que se pode considerar simpatizante com a
Situação é a Folha do Sul de Montemór-o-Novo. E mesmo esse não defende os
princípios políticos e sociais do Estado Novo, limitando-se a relatar os factos.
(BARROS, 2005, p. 284, grifos nossos)
Não possuímos edições da década de 1930 dessa publicação, mas, pelo exposto,
podemos inferir que o jornal deva ter seguido uma linha editorial de posicionamento político
moderado, sem se manifestar fervorosamente contra ou a favor a respeito de questões
relativas ao assunto.
Segue, abaixo, o quadro com o resumo das informações básicas da publicação durante
os anos que usamos para constituir parte de nosso corpus:
ANO PROPRIETÁRIO DIRETOR EDITOR TIPOGRAFIA PREÇO
1901,
1902 e
1904
-107
- Pedro José
dos Santos Própria
108 60 réis
1911 e
1914
Pedro José dos
Santos
Pedro José dos
Santos109
Pedro José
dos Santos
Typographia
Santos110
1$440 /
ano111
107
Nas edições da primeira década do século XX de que dispomos, não consta informação acerca da propriedade
e da direção do jornal. Há apenas o nome de Pedro José dos Santos, como editor, e os nomes de António
Romeiras (administrador) e José Bento Rosado (secretário).
108
Em todas as capas das edições da década de 1900 que possuímos, existe a informação: REDAÇÃO,
ADMINISTRAÇÃO E TYPOGRAPHYA – Rua das Continhas, 1, indicando que o jornal é redigido,
administrado e impresso em suas próprias dependências.
109
Pedro José dos Santos aparece como proprietário, diretor e editor nas edições de 1911. Já nas edições de
1914, ele aparece somente como proprietário e editor, e constam as informações de que o redator principal é
Armando Ribeiro e o administrador é António Romeiras. Tais informações permanecem as mesmas em todas as
edições que possuímos da década de 1920.
246
1921 a
1923
Pedro José dos
Santos -
Pedro José
dos Santos Própria -
Quadro 29: Informações acerca de A Folha do Sul nas edições do corpus
A seguir, vemos algumas das capas das edições que compõem nosso corpus:
1900 1910 1920
Quadro 30: Capas de A Folha do Sul por década
Durante as duas primeiras décadas de nosso corpus, 1900 e 1910, o jornal era
publicado em edições de quatro paginas. Já na década de 1920, suas edições possuíam apenas
duas páginas e frequentemente encontramos nos textos a menção à escassez de papel.
Associado a isso ou não, esse foi justamente um período em que o jornal se mostrava mais
confrontador em relação ao governo.
O jornal possuía folhas de dimensões medianas, cerca de 45 centímetros de altura,
com cinco colunas na capa. A única edição da década de 1900 que possui uma fotografia é o
número 345, de 03 de setembro de 1904, por ocasião a uma homenagem ao toureiro Manuel
Augusto d’Azevedo “pelos muitos triunfos que obteve”. Nas edições de 1910, também
constatamos apenas uma edição com fotografias, a de número 868, de 27 de maio de 1911,
110
No cabeçalhos das capas das edições de 1911, consta um endereço para a redação e a administração do jornal
e outro para a tipografia Santos, responsável pela impressão. Já nas edições de 1914, voltamos a ver, a exemplo
do que ocorreu em todas as edições da década de 1900, a informação: REDAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E
TYPOGRAFIA – Rua Parreira, 9 e 11, sinalizando que a impressão teria voltado a ser realizada nas próprias
dependências do jornal, embora fosse em endereço diferente do indicado nas edições da década de 1900 (cf.
citado na nota acima).
111
Não há dados acerca do preço avulso das edições em nossos exemplares de 1914 em diante.
247
com três pequenas imagens na capa. As edições da década de 1920 não contêm uma
fotografia ou ilustração sequer, muito provavelmente devido à referida escassez de papel que
mencionamos acima.
A configuração básica da estrutura do jornal não muda muito no decorrer das edições
das três décadas do corpus. Em todas as edições, a primeira coluna continha um texto – não
assinado – através do qual o jornal se direcionava ao público. Com frequência, esse texto
comentava algum acontecimento social, prestava homenagens a personalidades etc. Poucas
são as seções do jornal com títulos específicos. As notícias espalham-se pelas páginas do
periódico identificadas, quase sempre, a partir de seu próprio título e não por estarem
agrupadas em um local próprio para elas. Em geral, há folhetins, sempre no rodapé das
páginas, com o título da seção Folhetins da Folha do Sul. Nas edições das décadas de 1900 e
1910, eles aparecem na página 2 e/ou na página 3. Nas edições de 1920, que, como dissemos,
possuíam apenas duas páginas, o folhetim aparece no rodapé das duas ou três primeiras
colunas da capa.
Outras seções constantes eram Por Fóra, onde eram publicadas notícias dos arredores
de Montemór-o-Novo (os locais mais comuns eram Évora e Vendas Novas), geralmente
assinadas por “correspondente”. Havia também uma seção de Communicados, onde
eventualmente era possível ver alguma carta direcionada ao redator do jornal. Alguns poemas
eram encontrados muitas vezes nas páginas do jornal. Nas edições com quatro páginas, a
última – e quase metade da penúltima – sempre era dedicada aos anúncios e propagandas. Nas
edições com apenas duas páginas, os anúncios igualmente se concentravam na última página.
4.4.2. O Diário do Alentejo.
O periódico que compõe a maior parte de nossos dados da região do Alentejo chama-
se Diário do Alentejo e foi fundado em 01 de junho de 1932 (edição que possuímos em nosso
corpus) e se publica até hoje. Desde sua fundação, o jornal, também chamado de DA, se
intitulava um “porta-voz regionalista”.
Recém-lançado à altura da instauração do Estado Novo em Portugal, em 1933,
segundo Barros (2005), entre os anos de 1933 e 1934, o Diário do Alentejo se apresentava
politicamente como um jornal antissituacionista. Durante as décadas de 1930 até 1960, logo
abaixo do título do jornal aparecia apenas a inscrição “Porta-voz regionalista”. A partir das
edições da década de 1970, contudo, aparecia “Jornal regionalista independente”, indicando
248
seu posicionamento (ou falta dele, na verdade) a essa altura. A publicação manteve esse
“subtítulo” de “Jornal regionalista independente” até as edições da década de 2000.
O jornal foi fundado em 01 de junho de 1932 por Carlos Augusto das Dores Marques e
Manuel António Engana. Constava no cabeçalho do periódico apenas que o jornal pertencia a
Carlos Marques e Cª Lda
. e que seu administrador e editor era J. J. Corôa. Já nas edições da
década de 1940, a publicação continua a constar como de propriedade da mesma empresa,
mas com direção e administração de M. A. Engana. É somente nas edições de 1957 que
passam a figurar no cabeçalho da capa os nomes de Carlos Augusto das Dôres Marques e
Manuel António Engana como fundadores do jornal.
Na primeira coluna de sua edição inaugural, lê-se:
REPAROS
DIÁRIO DO ALENTEJO
Um grupo de alentejanos, devotadamente amigos da terra que lhes foi berço, vinham desde
longa data, acalentando a ideia de lançarem um jornal dotado dos meios de acção
necessários para atingir um ideal que os tentava: animar e pôr em marcha um movimento
consciente, com o supremo objetivo de promover o progresso, o prestígio e a fortuna da
Província onde nasceram.
[...]
Os homens que conceberam e agora realizam o plano da criação de um órgão que se propõe
ser o porta-voz, na Imprensa, das justas aspirações, coletivas, que, debalde, algumas boas
vontades, dispersas não têm logrado, até hoje, efectivar, não trazem para êste campo nem
intenções reservadas, nem ambições pessoais.
E’ uma obra de intuitos generosos que pretende juntar á volta de si todas as boas vontades
dos que se orgulham de ser alentejanos castiços, sem desdenhar o concurso dos que vivem e
labutam nesta hospitaleira terra à qual, voluntariamente, ligaram os seus destinos.
(Diário do Alentejo, Ano I, nº 1, 01 de junho de 1932)
Não fica claro a partir de quando houve (se é que houve) algum tipo de cisão entre as
famílias de Carlos Marques e de Manuel António Engana. O fato é que, como dissemos, nas
duas primeiras décadas do jornal, constava que este pertencia à empresa Carlos Marques Cª.
Lda.
, mas era dirigido por M. A. Engana. A partir de 1972, consta que o jornal pertence aos
herdeiros de Manuel António Engana e a editora seria uma das herdeiras, Bárbara [Amélia
Magalhães] Serra Engana. Mas, ainda na década de 1970, nas edições de 1974, o nome da
Sra. Bárbara Engana já não aparece nas páginas do periódico e é informado que este é de
249
propriedade da empresa Carlos Marques – Indústrias Gráficas, S. A. R. L, visivelmente ligada
à família do outro fundador do jornal.
Em 23 de janeiro de 1981, foi constituída a Associação de Municípios do Distrito de
Beja (AMDB), que adquiriu o patrimônio da empresa Carlos Marques – Indústrias Gráficas,
incluindo, entre outros bens, o jornal Diário do Alentejo. A AMDB é a associação de
municípios mais antiga de Portugal e, em 2005, passou a ser chamada AMBAAL (Associação
de Municípios do Beixo Alentejo e Alentejo Litoral), que congrega um total de 18 municípios
(14 do distrito de Beja e quatro do Distrito de Setúbal) (ASSOCIAÇÃO DOS MUNICÍPIOS
DO BAIXO ALENTEJO E ALENTEJO LITORAL, 2014).
Atualmente, o diretor é o jornalista Paulo Barriga, eleito para o cargo em novembro de
2010, por unanimidade, por possuir o melhor projeto para jornal a longo prazo. A votação foi
promovida pela AMBAAL, proprietária do periódico até hoje. Foi ele quem gentilmente abriu
os arquivos privados do jornal para que pudéssemos fazer o levantamento de nosso corpus.
Além da publicação impressa e do site do jornal, o Diário do Alentejo também possui,
hoje, uma página de vídeos, à qual chama Diário do Alentejo TV.
Seguem abaixo, as informações básicas acerca do jornal:
ANO PROPRIETÁRIO DIRETOR EDITOR TIPOGRAFIA PREÇO112
1932
–
1933
Carlos Marques &
Cª Lda
. - J. J. Corôa
Minerva
Comercial113
$30
1943
e
1948
Carlos Marques &
Cª Lda
.
Manuel António
Engana
Manuel
António
Engana
Minerva
Comercial
7$50
(1943) /
10$00
(1948) /
mês
1952
–
1958
Manuel António
Engana
Manuel António
Engana
Manuel
António
Engana
Minerva
Comercial $80
1962,
1963
e
1967
Manuel António
Engana
Manuel António
Engana
Manuel
António
Engana
Minerva
Comercial
$80
(1962) /
1$00
(1967)
112
A edição avulsa do Diário do Alentejo custa atualmente €0,90.
113
A Minerva Comercial – Beja, “livraria, papelaria, tipografia e encadernação”, pertencia, na verdade, à mesma
empresa proprietária do jornal (Carlos Marques & Cª. Lda
.), que sempre fazia anúncios da tipografia nas páginas
do periódico.
250
1972
–
1974
Herdeiros de
Manuel António
Engana (1972) /
Carlos Marques
Indústrias Gráficas,
S. A. R. L (1974)
Melo Garrido114
Bárbara
Serra
Engana
(1972)
Alengrafa 1$50
1983,
1984
e
1987
Associação de
Municípios do
Distrito de Beja
(AMDB)
Jorge Guedes
Campos (1983) /
João Paulo Velez
(1987)
-
Beja Codex
(Tipografia
da AMDB)
12$50
(1983) /
25$00
(1987)
1992
-
1998
Associação de
Municípios do
Distrito de Beja
(AMDB)
António
Alexandre
Raposo (1992 e
1993) / Carlos
Pereira115
(1997)
- Beja Codex
110$00
(1993) /
130$00
(1997)
Quadro 31: Informações acerca do Diário do Alentejo por década
Em seguida, podemos verificar algumas das capas do Diário do Alentejo ao longo do
século XX e, para comparação, também expomos, ao fim do quadro, a capa de uma edição já
do século XXI:
1930 1940 1950
114
Manuel Inácio Lopes de Melo Garrido (1916-1989) foi um notável jornalista e escritor do distrito de Beja,
especialmente ligado ao jornalismo desportivo. Além de ter dirigido o Diário do Alentejo durante os anos de
1961 e 1975, também esteve à frente do Alentejo Ilustrado e, de 1975 a 1976, do Jornal da Costa do Sol.
Escreveu Catarina Eufémia – A Grande Dúvida de um Drama, O Assalto ao Quartel de Beja e a História do
Desporto no Distrito de Beja, em que registra os feitos esportivos do distrito entre os anos de 1904 e 1956.
Também foi colaborador do famoso periódico esportivo lusitano A Bola.
115
Carlos [Lopes] Pereira aparece em nosso corpus pela primeira vez como diretor do DA na edição de 13-19 de
fevereiro de 1998, mas, desde a edição de 12 a 22 de abril de 1993, seu nome já constava como chefe de redação
do jornal. Nessa mesma edição de 1993 foi também a primeira vez em que o nome de Paulo Barriga – atual
diretor do Diário do Alentejo – aparece entre os redatores do jornal.
251
1960 1970 1980
1990 2010 -
-
Quadro 32: Capas do Diário do Alentejo por década
Conforme podemos observar, a fonte usada para grafar o nome do jornal é a mesma
desde sua fundação, sendo a única modificação mais relevante a que deu cores ao título a
partir da década de 1990.
As edições das décadas de 1930 até 1960 que compõem nosso corpus possuem, todas,
quatro páginas. A única exceção ao longo dessas quatro décadas foi a edição do dia 24 de
junho de 1958, em comemoração aos 26 anos do periódico, em que havia um tipo de
homenagem a diversas cidades de Portugal, tais como Lisboa, Coimbra, Porto, Caldas da
Rainha, Portimão, Faro etc. mostrando as melhores qualidades de cada uma delas. Com isso,
tal edição perfez um total de 30 páginas nesse dia. Durante a década de 1970, o jornal
apresentava oito páginas. Já nas edições da década de 1980, a quantidade de páginas oscilava
entre 16 e 28. Por fim, as edições da década de 1990 de nosso corpus apresentam entre 24 e
32 páginas.
252
Na década de 1930, as edições são iniciadas por uma seção intitulada Reparos, onde,
em geral, encontramos um texto opinativo do jornal, não assinado, direcionado aos leitores.
Outro texto opinativo também frequente na capa costumava aparecer na seção Ideias e
Factos. Já na página 2, encontrava-se a seção Merenda, com algum texto literário, na maioria
das vezes. Além disso, também encontrávamos nessa página informações sobre cinema, às
vezes sobre esportes e, no rodapé, um folhetim. A seção Pelo Distrito era flutuante nas
edições, bem como algumas cartas. Na página 3, sempre se encontravam os anúncios e
propagandas. E, na 4ª e última página, viam-se notícias diversas, e as seções Chronica de
Lisboa, Última Hora e Últimas Notícias.
Já nas edições da década de 1940 vimos surgirem várias seções que perdurariam no
jornal pelas próximas décadas, tais como: Beja Dia-a-dia, com noticiário local, Notícias
pessoais (informando, basicamente, chegadas e partidas de pessoas ilustres), Ecos, Nota do
Dia (em geral, no início da capa das edições) e Informação Desportiva. Os folhetins
continuam nos rodapés na página 2; os anúncios, ocupando toda a página 3. Algumas seções
aparecem eventualmente, tais como Lutuosa e Curiosidades. Uma inovação dessa década é a
presença constante de uma página especificamente dedicada ao público feminino, chamada
Página da Mulher, única do gênero dentre todos os periódicos que compõem nosso corpus,
em uma época quando a mulher ainda não tinha a maioria dos direitos que possui hoje.
Tal é também a configuração básica das edições das décadas de 1950 e 1960. A única
inovação que surgiu na década de 1950 – e que permaneceu na de 1960 – foi a seção Teatros
e Cinemas, onde se encontravam notícias, programação e resenhas de peças e filmes da época.
Nas edições da década de 1970 vemos algumas mudanças significativas em relação às
décadas anteriores. A capa passa a ser composta essencialmente por notícias, muitas com
fotografias. Além disso, essas notícias, agora, costumam ser diagramadas em boxes cujas
bordas, em geral, são coloridas. A página 2 é intitulada Opinião e, nela, há subseções de
acordo com a abrangência do assunto do texto opinativo: Regional, Nacional, Internacional.
Na parte inferior dessa página sempre há um box com a ficha técnica do jornal. A página 3 é
denominada Alentejo Dia-a-dia e, nela, veem-se notícias de diferentes localidades da região:
Évora, Campo Maior, Elvas, Portalegre, Beja, Cuba etc. As páginas 4 e 5 costumam trazer
reportagens mais aprofundadas acerca de algum assunto, muitas vezes ocupando
horizontalmente as duas páginas, como se fossem uma só. A página 6, em geral, apresenta
continuações de notícias da capa e a 7, a agenda do dia e a necrologia. Na 8ª e última página,
há a seção Notícias em poucas linhas e algumas notícias pequenas, dispersas. As propagandas
espalham-se por toda a edição, sem uma seção fixa e específica para elas.
253
As edições das décadas de 1980 e de 1990 apresentam uma peculiaridade que merece
ser comentada: embora seja, desde o próprio título, efetivamente uma publicação diária, o
Diário do Alentejo passa a fazer apenas edições semanais ao longo dessas décadas,
provavelmente por dificuldades financeiras e / ou de recursos humanos. As edições do DA só
voltariam a ser diárias a partir da primeira década do século XXI e assim permanecem até
hoje. Apesar de serem edições com um número muito maior de páginas – na maioria das
vezes, acima de 20 páginas (ainda que o tamanho das folhas em si tenha diminuído
consideravelmente dado seu novo projeto gráfico) –, mesmo assim verificamos nas décadas
de 1980 e 1990 uma descaracterização de sua intenção em ser um periódico diário. De
qualquer forma, é nessa fase que as páginas se tornam coloridas, bem diagramadas, mais
agradáveis aos olhos do leitor.
Nas edições da década de 1980, as seções são identificadas por títulos no cabeçalho
das páginas. A capa passa a ter ainda menos textos escritos, apresentando grandes fotografias
e resumos de poucas notícias de maior destaque na semana. As páginas 2 e 3 apresentam uma
seção chamada Local, com notícias de Beja, além de um box contendo a ficha técnica do
periódico. Na página 4, há a seção Opinião, onde encontramos, dentre outros textos
opinativos, o editorial do jornal, assinado. Por volta das páginas 5 e 10, encontram-se notícias
regionais de todo o Alentejo, na seção nomeada Região. Entre as páginas 11 e 13 (e, às vezes,
ainda, sob forma de um suplemento à parte), há a seção dedicada à cultura, com notícias
relacionadas a entretenimento e, esporadicamente, com alguns passatempos e tirinhas. As
páginas 14 e 15 costumam apresentar a seção Desporto, que, vez ou outra, também aparece
como um caderno à parte. Na última página, encontramos algumas últimas notícias variadas.
Existem, ainda, duas seções que apareceram em algumas das edições desse período:
Publicidade e Geral, que costumam conter avisos, anúncios, editais, propagandas etc.
Na maior parte das edições da década de 1990, verificamos, grosso modo, as mesmas
seções que havia nas da década de 1980, apenas com algumas alterações de ordem das seções
dentro do jornal e de quantidade de páginas das mesmas. Nas edições de 1998, porém, o
layout do jornal mudou de forma considerável, bem como os títulos de algumas seções. O
texto opinativo de autoria do jornal passa a aparecer na página 2 encabeçado pelo título A
Abrir. Surgem também novas seções, tais como Vida, Política, Actual, Em Foco, Agenda e
Utilidades, Televisão, Entrevista e Reportagem. Algumas páginas também apresentam como
título nomes de cidades do Alentejo, apontando haver, ali, notícias relativas a essas
localidades, tais como Beja, Évora e Portalegre. Além disso, passa a haver, com maior
254
frequência, cadernos e suplementos à parte relativos à cultura e esportes. Quanto ao mais,
mantêm-se os assuntos básicos das seções das edições da década de 1980.
É do Diário do Alentejo que tiramos um mero exemplo – dentre vários que poderiam
ser citados – sobre o modo como a imprensa regional da época conseguia muitas de suas
notícias:
ALDEIA NOVA DE SÃO BENTO. Pessoa que nos merece todo
crédito informa-nos que, na pitoresca Aldeia Nova de São Bento,
grassa há bastante tempo uma epidemia de sarampo, que degenerou
em tuberculose infantil, atacando perto de oitenta creanças, algumas
das quais já faleceram.
(Dado 183, 03 jun 1932)
No texto acima, vemos um exemplar do tipo de notícia mais frequente em nosso
corpus: um fato ocorrido em uma aldeia do interior do Alentejo, comunicado ao jornal por
uma “pessoa comum”, não repórter, não jornalista, apenas uma “pessoa de confiança”.
Acontecimentos quotidianos, pequenas tragédias e alegrias do dia-a-dia provinciano, festas e
celebrações locais. Tal é o principal conteúdo das notícias de nosso corpus, sempre, conforme
já mencionamos, buscando selecionar as notícias o mais locais possível no sentido de
minimizar a possibilidade de recolher um texto que seja tradução de algum jornal
internacional ou reprodução de notícia de algum jornal de âmbito nacional.
4.5 Algarve
No Algarve, os dados foram integralmente levantados a partir do semanário
independente de abrangência regional O Algarve. O jornal é oriundo da capital do distrito,
Faro, e foi fundado em 29 de março de 1908 por Artur Águedo de Miranda, Luís Sepúlveda
Pimentel Mascarenhas e José Ferreira da Silva. A edição inaugural faz parte de nosso corpus.
Nas primeiras colunas do número de abertura do periódico, os fundadores se dirigem
ao público através de um texto intitulado NÓS, no qual afirmam:
255
Mais um humilde combatente n’este pelejar do interesse publico, em que se debatem
tantos campeões, assenta hoje inscripção a denominação <<O Algarve>>, perante os nossos
comprovincianos, a quem dedicamos, e só a eles, o trabalho que vamos empreender.
O nosso título, simples e modesto, vae como símbolo da missão, que tomamos sobre
nossos hombros!
Para a nossa querida província, tão linda, tão ubérrima na pujança dos valores
materiaes e Moraes que, contem, tão digna de incentivos e auxílios, trabalhadora, honesta e
gloriosa na historia do paiz, nunca póde haver desperdícios d’esforços dos seus filhos, para
que venha como uma invalidade a nossa collaboração na sua aspiração de progresso!
Nenhuns enraizamentos trazemos de nossas antigas origens partidarias e despegámo-
nos por completo d’essas ligações pelo reconhecimento da vetutez dos partidos e por nos
havermos convencido que as suas bandeiras já não se desfraldam sôbre o sopro quente e
fervoroso do sentimento patriótico [...]
[...]
Pelo Algarve e seus interesses principaes é a nossa divisa!
[...]
E assim julgamos que havemos de merecer a consideração dos nossos
comprovincianos a quem vai dedicado o nosso semanário O ALGARVE.
E assim nascia o autodenominado semanário independente da região algarvia, fazendo
questão de ressaltar ser absolutamente livre de quaisquer amarras políticas de seu tempo.
Tempo este que, lembramos, fervilhava em agitações republicanas, apenas dois anos antes da
instauração da República no país. Além disso, o jornal inaugurou a 29 de março de 1908, dois
meses depois do assassinato do rei D. Carlos e de seu príncipe herdeiro, Luís Filipe, a 1 de
fevereiro. Nesse contexto, raros eram os jornais realmente apartidários. Mas assim O Algarve
procurou manter-se, ao menos explicitamente, durante a maior parte de seus longos anos. A
esse respeito, comentou em um artigo intitulado a “Imprensa Republicana no Algarve” o
Professor José Carlos Vilhena Mesquita, da Universidade do Algarve e autor de História da
Imprensa do Algarve:
Relativamente a <<O Algarve>> - actual decano da imprensa algarvia, fundado em
29-3-1908, que teve em Artur Águedo de Miranda e Luís Mascarenhas, os principais
obreiros do republicanismo na capital algarvia – importa dizer que apareceu a
público como semanário independente, cuja única bandeira eram os interesses e
anseios da região. Foi, por conseguinte, um fervoroso regionalista na vertente
propagandista das diversas potencialidades do Algarve, lutando contra a existência
dos privilégios e das prepotências que o regime monárquico persistia em manter,
apontando como principais pecadilhos do regime a corrupção, o nepotismo e a
partidarite, isto é, a exclusão dos seus adversários políticos. Aderiu à República,
logo após o 5 de Outubro de 1910, mas em 1914 retornou à sua posição inicial
de independente, que aliás não mais largaria até hoje. Creio que o segredo da
sua longevidade terá residido precisamente na sua isenção política [...].
(MESQUITA, 2010, p. 132, grifos nossos).
256
Segundo o autor, portanto, os fundadores do jornal não eram exatamente
“apartidários”. Artur Águedo de Miranda e Luís Sepúlveda Pimentel Mascarenhas eram
republicanos. Já José Ferreira da Silva, era politicamente conservador e parecia simpático às
ideias monárquicas, embora nunca tenha se pronunciado publicamente contrário ao novo
regime que veio a se instaurar a partir de 05 de outubro de 1910. A esse propósito, Mesquita
(1989) também destaca que, embora tenha sido lançado como um “Semanário Independente”,
O Algarve mudou seu subtítulo logo após o início da República, em 16 de outubro de 1910,
para “Semanário Republicano”. Quatro anos depois, porém, em 06 de dezembro de 1914, o
jornal voltou a denominar-se “Semanário Indepentente” e tal informação permaneceu em seu
cabeçalho, logo abaixo do título, até o século XXI.
O jornal se manteve praticamente ao longo de todo o século XX nas mãos da mesma
família de um de seus fundadores. José Ferreira da Silva, nascido em Loulé, em 1870, dedicou
mais de quatro décadas de sua vida ao jornal, desde sua fundação, em 1908, passando pelo
momento em que efetivamente assumiu a administração do hebdomadário, em fevereiro de
1920, e até sua morte, em janeiro de 1949. Ao morrer, deixou o jornal como herança a seu
filho Artur Serrão e Silva, que, a exemplo de seu pai, dedicou praticamente toda a sua vida a
O Algarve. Pai e filho não mediram esforços para que o periódico nunca deixasse de ir às
ruas, chegando a vender bens pessoais para custear as despesas da publicação. Artur Serrão e
Silva faleceu em dezembro de 1980 e quem herdou, então, o jornal foi sua irmã, Sra. Basilisa
Conceição Serrão e Silva. Esta, logo em seguida, “vendeu a propriedade do jornal a José do
Carmo Lopes Martins com a promessa de nunca suspender a publicação do jornal”, segundo
Mesquita (2010).
Por uma infeliz coincidência, o semanário encerrou suas atividades em 12 de abril de
2013, enquanto estávamos justamente construindo o corpus desta pesquisa. Testemunhamos,
assim, um caso concreto das dificuldades por que tem passado a imprensa regional em
Portugal, conforme mencionamos no início deste capítulo.
O periódico, então centenário, anunciou seu término por meio de suas próprias
páginas, em uma edição de encerramento, e também em sua página na internet, como
podemos ver na capa da edição do dia 12 de abril de 2013:
257
Figura 4: Edição de despedida do semanário O Algarve
Toda a edição foi repleta de um tom de despedida, apesar do “Volto já” anunciado na
capa. Em uma das páginas, encontramos um texto intitulado “A Imprensa Regional e Local”,
do deputado Mendes Bota, do PSD, em defesa do patrimônio cultural que a imprensa regional
representa para o país. Nele, afirma:
“Poucos saberão que existem neste rectângulo vinte e um jornais regionais com mais de cem
anos de existência ininterrupta, um recorde mundial, património imaterial do povo
português. Ver a imprensa regional cair a pique em passo acelerado corta o coração de
quem nela publicou primeiro poema de amor, croniquetas de política caseira, ou nela deu
passos na escadaria da evidência pública. No Algarve, tem sido grande a razia, que promete
não ficar por aí. [...] Problemas mil, neste mês de abril, clamam por um plano de emergência
que acuda a quem já só tem como objetivo manter as páginas abertas por um mês, três meses,
que um ano já está longe e o olhar já não enxerga.”
Também havia um texto de despedida do diretor de O Algarve, Mário Lino, intitulado
“Até já ou até logo”, onde se lia:
258
“Quando em 2012 assumi as funções de director do semanário O Algarve sabia que a
tarefa não ia ser fácil. Senão, vejamos: assim que entrei, no primeiro dia de fecho, cortaram
a electricidade por falta de pagamento. Mesmo assim, sem luz, conseguimos fazer a edição,
com recurso a uma bateria (UPS) e um computador portátil. [...] No passado recente,
parecia haver sinais de retoma e confiança de um novo elemento na administração, António
Vazquez. Ainda assim, a entrada de novos “players” para a direcção da ACRAL acabou por
precipitar algo que tinha vindo a ser adiado: a suspensão (ou fecho, caso não se encontre
investidores [sic]) do título mais antigo do Algarve. São 105 anos de história que agora ficam
congelados, à espera de alguém que acredite que é possível construir um projecto isento,
importante e irreverente no Algarve. [...].”.
Por fim, também há um comunicado oficial da ACRAL, Associação do Comércio e
Serviços da Região do Algarve, que, pouco antes, tinha comprado o título:
COMUNICADO: SUSPENSÃO DO JORNAL O ALGARVE.
A nova Direcção da ACRAL deparou-se com dívidas acumuladas na empresa
proprietária do jornal O Algarve que ascendem a 103.640,98, apesar do investimento de
261.731,86 que a Associação fez no jornal nos últimos dois anos.
Em face da ausência de rentabilidade do jornal O ALGARVE revelada por esta
situação, particularmente agravada pela actual conjunctura de crise do mercado
publicitário, a nova Direcção da ACRAL entendeu suspender a publicação do jornal como
forma de não agravar os prejuízos até que seja encontrada solução que viabilize a
publicação.
A ACRAL, enquanto proprietária da empresa responsável pelo jornal, encontra-se a
estudar a melhor forma de a Canalalgarve, Lda liquidar todos os seus compromissos perante
terceiros.
Faro, 11 de abril de 2013.
A Direcção.
Tal é a situação da imprensa regional no país, que, conforme já tínhamos mencionado
no início deste capítulo, tem se mostrado bastante instável já há alguns anos, segundo estudo
da ERC, publicado em 2010.
De qualquer forma, iremos nos ater a comentários acerca das edições que compõem
nosso corpus, ou seja, as do século XX. Seguem as informações básicas do jornal:
259
ANO PROPRIETÁRIO DIRETOR EDITOR TIPOGRAFIA PREÇO116
1908 e
1909
“Propriedade da
empresa O
Algarve”
Arthur
Águedo117
-118
Própria -119
1914 –
1916
“Propriedade da
empresa O
Algarve”
Arthur
Águedo
Luiz
Mascarenhas120
Própria -
1921 e
1925
“Propriedade da
empresa O
Algarve”
Ferreira da
Silva
Ferreira da
Silva Própria $20
1931,
1933 e
1938
Ferreira da Silva121
Ferreira da
Silva
Ferreira da
Silva Própria $30
1941,
1943 e
1944
Ferreira da Silva Ferreira da
Silva
Ferreira da
Silva Própria
30$
(1941) /
40$
(1943)
1952,
1954 e
1955
“Herdeiros de
Ferreira da Silva”122
Arthur
Serrão e
Silva
(interino)
Arthur Serrão e
Silva (interino) Própria $80
116
Na ocasião de seu encerramento, em abril de 2013, a edição avulsa de O Algarve custava €1,00.
117
Segundo Mesquita, Artur Águedo de Miranda (Albufeira, 15-07-1867 – Faro, 23-08-1936), advogado
formado pela Universidade de Coimbra, se manteve na direção de O Algarve até março de 1917, quando
precisou deixar o país para ser magistrado na África. Mesmo após deixar o jornal, continuou contribuindo como
colaborador esporadicamente. Faleceu aos 69 anos em 23 de agosto de 1936.
118
Nas edições da década de 1900, não há menção explícita a um editor, mas o nome de Luiz Mascarenhas
aparece no cabeçalho como REDACTOR CHEFE, cargo que só existiu explicitamente no jornal durante seus
dois primeiros anos (1908-1910). A primeira vez que o cargo EDITOR foi mencionado no periódico foi na
edição de 06 de novembro de 1910 (nº 137), ocupado inicialmente por Artur Águedo e, em seguida, a partir de
08 de abril de 1917, por Luís Mascarenhas.
119
Não é mencionado no jornal o preço da edição avulsa, mas existe a informação de que a assinatura trimestral
custa 400 réis. Segundo Mesquita (1988, p. 111), o preço do jornal avulso era 10$.
120
Embora antes aparecesse como redator chefe e, agora, figure no cabeçalho das edições do jornal “apenas”
como editor, de acordo com o artigo “A Imprensa Republicana no Algarve”, Luís Mascarenhas teria sido, na
verdade, cofundador de O Algarve, juntamente com o Dr. Artur Águedo de Miranda e o Sr. José Ferreira da
Silva, conforme citamos acima. Antes de fundar o jornal, teria sido ferrenho militante do Partido Progressista e
um dos principais envolvidos com os jornais abertamente republicanos Progresso do Algarve (1880-1889) e
Progresso do Sul (1889-1906). Faleceu aos 73 anos, em 29 de janeiro de 1920.
121
José Ferreira da Silva assumiu a propriedade de O Algarve a partir da edição de nº 953, de 11 de julho de
1926, e permaneceu como dono da empresa até sua morte, em 22 de janeiro de 1949.
122
No cabeçalho do jornal, consta o nome de Arthur Serrão e Silva como diretor-editor interino, e existe a
informação de que o jornal é de propriedade dos herdeiros do Sr. Ferreira da Silva. Arthur Serrão e Silva, filho
de José Ferreira da Silva, assumiu o periódico logo após o falecimento do pai, em 22 de janeiro de 1949, e
continuou em seu comando até a morte, em 31 de dezembro de 1981.
260
1961,
1962 e
1963
“Herdeiros de
Ferreira da Silva”
Arthur
Serrão e
Silva
(interino)
Arthur Serrão e
Silva (interino) Própria 1$00
1972 e
1973
“Herdeiros de
Ferreira da Silva”
Arthur
Serrão e
Silva
(interino)
Arthur Serrão e
Silva (interino) Própria 1$50
1981
Propriedade da
herdeira de Artur
Serrão e Silva123
Joaquim
Magalhães124
Lopes Martins
Gráfica
Almondina125
7$50
1991 e
1993
José do Carmo
Lopes Martins
J. C. Lopes
Martins -
Gráfica
Almondina 75$00
Quadro 33: Informações acerca de O Algarve nas edições do corpus
Abaixo, podemos conferir algumas amostras de capas das edições que constituem
nosso corpus desse periódico:
1900 1910 1920
123
Na última edição de 1981, em vez de “propriedade da herdeira de Artur Serrão e Silva”, consta que o jornal é
de propriedade de Basilisa da Conceição Serrão e Silva, que, conforme vimos, era sua irmã e veio a vender o
jornal logo depois de tê-lo herdado.
124
Joaquim [da Rocha Peixoto] Magalhães recebeu a direção do jornal de Basilisa ConceiçãoSerrão e Silva em
14 de janeiro de 1981, logo após ter herdado O Algarve devido ao falecimento de seu irmão, Artur Serrão e
Silva, em 31 de dezembro de 1981.
125
A tipografia responsável pela impressão de O Algarve deixou de ser própria em 08 de abril de 1981.
261
1930 1940 1950
1960 1970 1980
1990
- -
Quadro 34: Capas de O Algarve por década
262
Como podemos perceber a partir da visualização das capas acima, o jornal, fundado na
primeira década do século XX, manteve seu nome grafado, basicamente, da mesma forma ao
longo de todo o período analisado. Apenas no século XXI é que veio a mudança no layout do
jornal, que fez com que sua aparência fosse fortemente alterada, conforme pudemos constatar
através da figura 4, acima, onde vimos a capa da edição de encerramento do jornal, em abril
de 2013, bastante diferente das capas do quadro acima.
Entre as décadas de 1900 e 1960, a publicação apresentava, predominantemente,
quatro páginas nas edições de nosso corpus. Dentre as 79 edições desse período, apenas 21
não possuíam quatro páginas e, dessas 21, 16 concentram-se na década de 1920, período em
que o jornal apresentava-se quase sempre com apenas duas páginas. Ou seja, à exceção da
década de 1920, entre as décadas de 1900 até 1960, podemos dizer que houve apenas cinco
edições que não possuíam quatro páginas.
Nas edições da década de 1970, os exemplares continham entre seis e oito páginas, ao
passo que, nas edições de 1980, havia, em sua maioria, 10 páginas. As seis edições da década
de 1990 apresentavam quantidade de páginas variável: 20, 16, 17, 10, 12 e 12.
Nas edições de 1900 e de 1920, não há qualquer tipo de ilustração. Já dentre as 11
edições de 1910, verificamos três edições com uma fotografia em preto-e-branco, em duas
delas, na capa. Nas edições das décadas seguintes, 1930, 1940 e 1950, as ilustrações
permanecem raras, geralmente restritas a uma fotografia de capa (quando há) ou a alguma
figura em forma de desenho, com frequência associada a uma propaganda. É apenas na
década de 1960 que elas passam a ser um pouco mais presentes no periódico. Mas é na década
de 1970 que elas são realmente abundantes e é também quando constatamos um projeto
gráfico diferenciado no jornal. A capa passa a ser quase integralmente constituída por
fotografias e pequenos textos escritos. Nas décadas de 1980 e 1990, porém, curiosamente as
imagens voltam a ser escassas, mas ainda predomina o padrão mais “limpo” das páginas do
jornal, com menos textos escritos, mais áreas em branco, com espaçamento maior entre os
textos, melhor diagramação etc.
A composição básica das edições das décadas de 1900 até 1960 – tempo em que a
publicação apresentava quatro páginas – era bem semelhante. Na capa, as duas primeiras
colunas apresentavam algum texto do próprio jornal direcionado aos leitores, como era hábito
nos jornais da época, conforme temos observado. Havia notícias variadas por todo o jornal,
além de poemas, avisos e editais. Quase não havia seções fixas e com um título próprio. Uma
das poucas seções, sempre presente, chamava-se Correspondências, a qual era essencialmente
usada para comunicados, cobranças comerciais de dívidas etc. Outra era Ecos da Semana,
263
onde se publicava um resumo dos principais acontecimentos da semana, em geral,
acompanhado de alguma nota crítica acerca dos mesmos. As propagandas concentravam-se na
última página, embora também aparecessem vez ou outra na penúltima. O jornal também era
usado, com frequência, para publicação de avisos e editais.
Na década de 1930, em especial, surgem algumas seções, um pouco mais fixas, como
Mundanismo (que viria a permanecer na publicação pelas décadas seguintes). Além disso,
também era publicada quinzenalmente uma página de Finanças, Comércio, Indústria e
Agricultura. Já na década de 1960, as principais inovações dizem respeito à criação ou ao
maior destaque dado a algumas seções, tais como O Algarve Desportivo, Os 7 Dias da
Semana (em substituição à seção Ecos da Semana) e a denominação específica da seção de
Anúncios.
Nas edições da década de 1970, já com seis ou oito páginas e um projeto gráfico
diferenciado, três seções passam a ser constantes no periódico: Vida Desportiva, Notas
Citadinas, especificamente voltada para as notícias de Faro, e a Necrologia, que,
curiosamente, ganha um grande destaque na publicação.
As dez edições da década de 1980 têm entre oito e doze páginas, possuindo,
majoritariamente, oito. Os textos opinativos têm imenso destaque no jornal. Uma seção
intitulada Editorial, assinada pelo diretor ou pelo subdiretor, passa a aparecer sempre na capa,
ocupando cerca de 60% da área impressa desta. Além do editorial, também encontramos a
ficha técnica do jornal em um box na capa. Outro texto de caráter opinativo, sempre presente
nas edições de 1980, aparece em um box em uma das páginas do interior do jornal, em uma
seção chamada Ponto Um, na qual o editor Lopes Martins costuma se pronunciar acerca dos
assuntos em voga na ocasião.
Com relação às edições da década de 1990, que possuem entre 12 e 20 páginas, vemos
o estabelecimento de outras seções fixas: Notícias ao correr da pena (que ocupa uma página
inteira) e O Algarve Desportivo. A página 2 sempre apresenta a agenda semanal da TV, além
da ficha técnica do periódico em um box. A página 3 costuma apresentar diversos textos de
opinião. Nessas edições, há muitas publicações oficiais de avisos e editais, além de vários
textos relacionados ao Rotary Club, agrupados em uma seção chamada Vida Rotária.
4.6 Açores
264
Os dados de português insular – que, aqui, também consideramos como um dos
dialetos do português europeu, tal qual costuma ser tratado nas pesquisas lusas de
dialectologia, por ser um território autônomo de Portugal e fazer parte da União Europeia na
qualidade de região ultraperiférica – foram levantados no também centenário Diário dos
Açores, publicado em Ponta Delgada, capital da ilha de São Miguel, a mais desenvolvida
dentre as nove ilhas que compõem o arquipélago dos Açores. O corpus açoriano é o menor
deste trabalho, visto que colhemos amostras de gerúndio e de infinitivo gerundivo de apenas
quatro das dez décadas do século XX nesse material (embora tenhamos edições de
praticamente todas as décadas do século XX do periódico, exceto da década de 1940). O
Diário dos Açores foi fundado em 05 de fevereiro de 1870 e continua em circulação até hoje.
De acordo com a história do jornal, disponível em sua página na internet, seu
fundador, Manuel Augusto Tavares de Resende, dirigiu o jornal até a morte, em 1892. M. A.
Tavares Resende teria se inspirado no lançamento do Diário de Notícias, em 1864, e almejou
proporcionar aos micaelenses informação oriunda de toda a parte. Ainda hoje, o arquipélago
dos Açores é um ambiente essencialmente rural, cuja economia subsiste, sobretudo, da
pecuária, da pesca e, nos últimos anos, do turismo. Se assim é hoje, já na segunda década do
século XXI, é possível imaginar o contexto sociocultural enfrentado por Tavares Resende
ainda no século XIX. O arquipélago possuía àquela época altos índices de analfabetismo e
carecia de maquinário gráfico para a impressão de periódicos em larga escala, além de ainda
contar com um concorrente já em atividade naquele tempo: o Açoriano Oriental, fundado em
1835, também da ilha de São Miguel.
Mesmo com essas dificuldades de ordem técnica e cultural, Tavares Resende manteve
seu projeto, ainda que lançando mão de promoções e ofertas para angariar assinantes. Por seu
empenho, o Diário dos Açores se estabeleceu no mercado periodístico da época e se destacou
por ser considerado inovador no seu tempo tanto pelo estilo quanto pelo formato, não
buscando tratar exclusivamente de assuntos relativos à terra açoriana.
Após o falecimento de Tavares Resende, em 1892, seu sobrinho, Manuel Resende
Carreiro, assume o comando do jornal, posição que manteve durante 47 anos, até morrer. É
dele, portanto, a direção do jornal nas primeiras décadas do século XX, já parte do nosso
corpus. Depois de sua morte, o periódico continua como um negócio da família, tendo-o
herdado seus dois filhos: Manuel e Carlos Carreiro.
Os irmãos Carreiro foram os responsáveis pela maioria dos avanços técnicos
alcançados pelo jornal em meados do século XX. Nos nossos exemplares da década de 1970,
265
após o falecimento dos irmãos Carlos e Manuel Carreiro, passa a constar como diretor do
jornal o nome de Carlos da Silva Resende Carreiro. Já nas edições das décadas de 1980 e
1990, a diretora era Maria Isabel Carreiro M. Costa, também membro da família. Embora a
família Resende-Carreiro tenha estado à frente do Diário dos Açores desde sua fundação,
como podemos observar, o periódico sempre trouxe em seu cabeçalho a informação
“Propriedade da Empresa Diário dos Açores Lta.”. Atualmente, o jornal continua pertencendo
à mesma empresa, mas esta, por sua vez, aparentemente não é mais propriedade da família.
Seguem, abaixo, algumas das informações básicas da publicação constantes nos
exemplares que compõem nosso corpus:
ANO PROPRIETÁRIO DIRETOR EDITOR TIPOGRAFIA PREÇO126
1907 Empresa Diário
dos Açores Lda.
M. Pereira de
Lacerda127
M. Pereira de
Lacerda Própria
25$ (no
dia) / 50$
(depois)
1937
e
1938
Empresa Diário
dos Açores Lda.
Manuel Rezende
Carreiro
Manuel
Rezende
Carreiro
Própria 7$50128
1961
e
1965
Empresa Diário
dos Açores Lda.
Carlos e Manuel
Carreiro
Carlos
Carreiro Própria 15$00
129
1997 Empresa Diário
dos Açores Lda.
Maria Isabel
Carreiro M.
Costa
- Própria 100$00
Quadro 35: Informações acerca de o Diário dos Açores nas edições do corpus
Além dessas informações, também podemos observar algumas das capas das edições
do nosso corpus, abaixo:
126
A edição avulsa do Diário dos Açores custa, hoje, €0,55 durante a semana e €0,60 aos fins de semana.
127
No cabeçalho dos jornais desse período, encontramos os seguintes nomes: Fundador: Tavares de Rezende /
Redactor-principal: M. Victor Cabral / Secretário-gerente: M. Rezende Carreiro / Diretor e editor: Manuel
Pereira de Lacerda.
128
O valor de 7$50 diz respeito à assinatura mensal. Não consta nas páginas do jornal informação sobre seu
preço avulso.
129
O valor de 15$00 diz respeito à assinatura mensal. Não consta nas páginas do jornal informação sobre seu
preço avulso.
266
1900 1930
1960 1990
Quadro 36: Capas do Diário dos Açores por década
As quatro edições que possuímos da década de 1900 do Diário dos Açores apresentam
quatro páginas. Na década de 1930, elas têm entre três e cinco páginas. Na década de 1960, as
edições são formadas por duas a cinco páginas e, por fim, as três edições da década de 1990
têm 16 páginas.
Embora pequenas, as edições de 1900 apresentavam, todas, seções constantes. A
localização das mesmas nem sempre era fixa, mas, na maioria das vezes, sim. Na capa, as
duas primeiras colunas eram dedicadas a um texto opinativo não assinado. Além disso,
também havia a seção Pelo Mundo – Pequenas Notícias – Extrangeiro, Casos e Notas (com
notícias variadas), a Revista Militar e o Dia-a-dia. Sempre havia um folhetim no rodapé da
página 2 e, também nessa página, encontrávamos Annuncios, uma Seção Metereológica,
Secção Telegraphica (com algum recado emitido pela agência Havas) e Pelos Archipelagos,
267
com notícias a respeito das outras ilhas que constituem os Açores. As páginas 3 (de forma
predominante) e 4 (integralmente) eram dedicadas aos avisos e propagandas.
Nas edições da década de 1930, encontramos uma capa mais “livre” de seções, com
notícias variadas, muitas vezes associadas a fotografias. Na página 2, sempre havia três seções
específicas: Rádios do Continente (com notícias de Portugal Continental), à esquerda, Rádios
do Estranjeiro, à direita, e Diário Desportivo, no centro. Algumas propagandas e/ou notícias
pequenas também apareciam nessa página eventualmente. Nas páginas 3 e 4 havia, em sua
maioria, anúncios e propagandas. Em uma das edições, encontrava-se um folhetim no rodapé
da página 4. Em outra, ainda, a última página constituía praticamente um caderno à parte, com
um grande cabeçalho onde se lia Diário Desportivo.
Com relação às edições da década de 1960, vemos sempre, na capa, algum texto
opinativo apontando a posição do jornal acerca de variados assuntos da sociedade, além de
diversas notícias esparsas. A única seção sempre presente nas capas dessas edições chama-se
Últimas Notícias, geralmente ocupando as duas últimas colunas da mesma. Nas páginas que
seguem não há muita sistematicidade, mas as seções mais habituais são: Diário dos Açores de
Século, relembrando notícias publicadas no jornal 25, 50 e 75 anos antes, naqueles mesmos
dia e mês, Pela Polícia, Dia-a-dia, anúncios, propagandas, falecimentos e o Diário
Desportivo, que ora aparecia como seção, ora como um tipo de caderno, em uma página
exclusiva à parte. Além disso, uma das edições apresenta um folhetim no rodapé da penúltima
página.
As edições da década de 1990, já com 16 páginas cada e organização gráfica bastante
diferenciada, apresentam uma capa com poucas notícias, fotografias grandes e pouco texto
escrito. Além disso, na página 2 das edições, existe um tipo de sumário, onde constam todas
as seções disponíveis na edição e suas respectivas páginas. As seções costumam, nessa fase,
ocupar páginas inteiras e são as seguintes: Regional, Nacional, Internacional, Opinião,
Desporto, Religião, Saúde, Sociedade, Publicidade, Entrevista, Dia-a-dia e Televisões, com a
programação da TV. Essas seções são, basicamente, as mesmas que costumam constituir os
jornais modernos, inclusive no Brasil.
Atualmente, o diretor do Diário dos Açores é Paulo Hugo Viveiros e sua tiragem
média por edição é de 3.600 exemplares, de acordo com seu próprio site.
Este capítulo não teve a pretensão de esgotar a história de cada um dos periódicos
citados. Pelo contrário. Muito há ainda que se pesquisar e narrar a respeito desses valiosos
instrumentos de comunicação que, para muito além de seu objetivo primeiro: informar com o
268
máximo de atualidade possível, também contribuem para – através de suas páginas –
entendermos a própria sociedade em que circularam. Parte dessa sociedade é sua língua;
língua esta a qual buscamos investigar neste trabalho. No próximo capítulo, veremos os
resultados da análise quantitativa dos dados de nosso corpus.
Lembramos que, ao fim do trabalho, se encontra um apêndice com as edições dos
jornais que levantamos dos arquivos portugueses. Nesse apêndice, os jornais estão
distribuídos em uma tabela, divididos por região, com respectivo título de cada publicação,
período inicial e final em que circulou no país, período de quando extraímos amostras para o
corpus, edições (por data) e quantidade de imagens / arquivos por edição.
Algumas edições estão disponíveis em arquivos no formato PDF, outras, em JPG. De
uma forma ou de outra, cada página da referida edição constitui uma “imagem” do arquivo.
Assim, uma edição de uma data x possui 04 “imagens”, conforme informação da tabela no
apêndice, porque possui originariamente 04 páginas. Tal apêndice pode servir a pesquisadores
interessados em um período específico de um determinado jornal que, eventualmente, possa já
ter sido digitalizado por nós a partir dos arquivos de bibliotecas e redações de jornais lusos.
Encerramos este capítulo com uma citação que deve ser a aspiração dessas publicações
– os jornais – que nos proporcionaram os preciosos dados de língua em uso ao longo de todo
o século XX para investigação do fenômeno em foco nesta pesquisa:
A vida dum jornal não segue a evolução fatal da vida humana.
Caminha até num sentido precisamente oposto. O tempo não a
desgasta, não lhe rouba energias, não a aproxima do fim. Um dia a
mais não é um dia a menos, mas, antes, um novo estímulo que se
recebeu, uma nova força criadora que se constituiu, a caminho duma
meta que se deseja nunca mais tenha termo.
(Diário do Alentejo, Ano XXVII, nº 7971, 24 de junho de 1958).
5. ANÁLISE DOS DADOS QUANTITATIVOS E RESULTADOS
Neste capítulo, apresentaremos os resultados quantitativos das rodadas estatísticas
realizadas mediante o uso do pacote de programas Goldvarb, conforme explicitado no
capítulo 3, em que expusemos a metodologia deste trabalho.
Foram realizadas 21 rodadas, com diferentes combinações dos 2.225 dados do
corpus, com objetivos diversos, de acordo as hipóteses gerais e específicas desta pesquisa.
A seguir, apresentaremos os resultados, partindo das rodadas mais abrangentes para as
mais restritas a certos recortes de dados. Detalharemos as características e hipóteses que
nortearam cada uma das rodadas à medida que apresentarmos seus respectivos resultados
no capítulo.
5.1 Dados de Portugal Continental
Nas rodadas de dados que veremos nesta seção, o objetivo era ter uma ideia geral da
distribuição das formas nominais em análise por todos os 2.045 dados do nosso corpus de
Portugal Continental (Norte, Centro, Lisboa, Alentejo e Algarve) em diacronia, ao longo
do século XX e em sincronia, vendo o século XX como um todo, como um recorte no
tempo. Além de querer observar os fatores que possivelmente influenciaram no avanço do
uso do infinitivo gerundivo – nosso valor de aplicação no programa Goldvarb, a partir do
qual os pesos relativos de cada fator serão calculados –, almejamos, ainda, constatar se em
alguma dessas rodadas o grupo região é selecionado como relevante para a variação. O
objetivo é, então, verificar se, com os dados de nosso corpus, ou seja, notícias de
periódicos portugueses do século XX, o programa estatístico aponta algum tipo de
tendência a maior ou menor uso de infinitivo gerundivo nas regiões de Portugal
Continental consideradas conservadoras quanto ao uso de gerúndio, isto é, no Alentejo
e/ou no Algarve. De acordo com nossa hipótese inicial, tal grupo não deve ser selecionado,
uma vez que acreditamos que as regiões antes apontadas como conservadoras também têm
apresentado padrão inovador quanto ao uso de infinitivo gerundivo.
270
5.1.1. TODOS os dados do corpus de Portugal Continental
Nessa primeira rodada estatística, dispusemos do total de dados, 2.045, para a
visualização de sua distribuição. Os números absolutos e percentuais de uso de gerúndio e
de infinitivo gerundivo no nosso corpus nas cinco regiões de Portugal Continental ao longo
do século XX estão expostos na tabela abaixo:
REGIÕES ► NORTE CENTRO LISBOA ALENTEJO ALGARVE TOTAL
FASES
▼
Nº
de
oco
rrên
cia
s
de
inf.
ger
. /
tota
l
Per
cen
tua
l (%
)
Nº
de
oco
rrên
cia
s
de
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ger
. /
tota
l
Per
cen
tua
l (%
)
Nº
de
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s
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. /
tota
l
Per
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l (%
)
Nº
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s
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tota
l
Per
cen
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l (%
)
Nº
de
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ger
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tota
l
Per
cen
tua
l (%
)
Nº
de
oco
rrên
cia
s
de
inf.
ger
. /
tota
l
Per
cen
tua
l (%
)
1901 - 1910 02/64 3 05/35 14 04/72 6 04/53 8 03/33 9 18/257 7
1911 - 1920 01/56 2 03/37 8 03/62 5 07/50 14 01/54 2 15/259 6
1921 - 1930 01/77 1 01/49 2 01/55 2 05/38 13 03/35 9 11/254 4
1931 – 1940 04/61 7 07/43 16 05/38 13 06/45 13 06/44 14 28/231 12
1941 - 1950 10/78 17 03/20 15 05/32 16 05/28 18 06/33 18 29/172 17
1951 – 1960 10/59 14 04/32 12 08/30 27 06/49 12 08/25 32 32/179 18
1961 - 1970 06/43 16 08/48 15 11/43 26 09/30 30 08/23 35 42/189 22
1971 – 1980 07/45 37 16/51 31 14/52 27 04/26 15 06/20 30 57/195 29
1981 - 1990 17/46 36 06/19 32 12/41 29 08/31 26 06/16 38 48/152 32
1991 - 2000 10/27 37 07/32 22 14/35 40 09/34 26 07/29 24 47/157 30
TOTAL 74/523 14 60/366 16 77/460 17 63/384 16 54/312 17 328/
2045 16
Tabela 7: Distribuição de infinitivo gerundivo ao longo do séc. XX nas cinco regiões de Portugal
Continental
Como se pode observar, os números percentuais de uso de infinitivo gerundivo
foram mais ou menos equivalentes em todas as cinco regiões analisadas tanto quando
analisamos os dados diacrônica quanto sincronicamente. Isto é, observando o avanço
diacrônico do infinitivo gerundivo em CADA região separadamente, verificamos que o
padrão de aumento do uso dessa construção é semelhante em todas elas. Da mesma forma,
esse padrão se confirma sincronicamente, ao analisarmos a última linha da tabela e
271
constatarmos que os percentuais totais das localidades são muito próximos. Ao lermos essa
última linha da tabela, que oferece os valores totais no TEMPO, é como se estivéssemos
analisando o século XX sincronicamente, ou seja, ao vermos o TOTAL de dados de cada
região desse corpus nesse “ponto” no tempo (o século XX), chegamos à conclusão de que
as taxas de uso de infinitivo gerundivo nas diferentes regiões de Portugal Continental são
muito parecidas, oscilando entre 14 e 17%.
Os resultados da última linha da tabela, em que vemos as taxas percentuais totais de
uso de infinitivo gerundivo por região sincronicamente, no século XX, gerariam o seguinte
gráfico:
Gráfico 1: Percentual de uso de infinitivo gerundivo no séc. XX (em sincronia) nas cinco regiões de
Portugal Continental
Isso significa que – ao menos para o nosso corpus, de notícias de jornais
portugueses –, aparentemente, a variação entre gerúndio e infinitivo gerundivo é
equivalente nas cinco regiões pesquisadas nas diferentes fases do século XX. Convém
destacar que a semelhança no padrão de uso de infinitivo gerundivo nas cinco regiões de
Portugal Continental é perceptível desde o início do século. Ora, se nossa hipótese para
este trabalho é de que o infinitivo gerundivo iria avançar nas regiões consideradas
conservadores ao longo do século XX, pressupõe-se que, em algum momento no início
desse século, o Alentejo e o Algarve, considerados conservadores, mantinham taxas de uso
de infinitivo gerundivo menores do que as demais regiões, consideradas inovadoras. Isso,
0
5
10
15
20
Norte Centro Lisboa Alentejo Algarve
14 16 17 16 17
Infinitivo Gerundivo nas cinco regiões de
Portugal Continental no Século XX
Infinitivo Gerundivo em Portugal Continental no Século XX
272
porém, não é o que se observa na tabela acima, na qual vemos taxas de uso de a +
infinitivo bastante semelhantes nas cinco regiões de Portugal Continental desde o início do
século.
Curiosamente, inclusive, a menor taxa de uso de infinitivo gerundivo – embora com
uma diferença bem pequena em relação às demais regiões – é justamente na região Norte,
que costuma ser apontada como inovadora, ou seja, onde se esperava ver maior taxa de uso
de infinitivo gerundivo. Na verdade, já em Mothé (2007), em que também investigamos
esse fenômeno em textos jornalísticos, o infinitivo gerundivo mostrou avanço mais
significativo a partir do segundo quartel do século XX, por volta de 1925. Ou seja, é
possível que, também aqui, nesses dados da atual pesquisa, os percentuais de uso de a +
infinitivo sejam tão parecidos no início do século nas diferentes regiões porque, a essa
altura, a variante inovadora pode ainda não ter despontado como preferencial nem mesmo
nas regiões consideradas inovadoras, como o Norte e o Centro.
Uma outra explicação para tais resultados seria a de que a variação diatópica entre
gerúndio e infinitivo gerundivo pode não ser perceptível em um corpus constituído por
notícias de jornais de diferentes regiões de Portugal. Ao analisarmos os percentuais de usos
e infinitivo gerundivo nas cinco regiões ao longo do tempo, percebemos variação. As
oscilações nos valores da tabela nas diferentes regiões podem, porém, tornar difusa a
interpretação da evolução diacrônica do fenômeno ao longo do século XX e, nesse sentido,
será interessante realizar algumas rodadas estatísticas com foco no fator tempo, dividindo
os dados, por exemplo, em apenas duas ou três fases no século.
Assim, além da aparente “ausência de diferenças” diatópicas, convém destacar a
diacronia. Outra informação interessante que podemos extrair a partir da análise da tabela
acima diz respeito ao avanço diacrônico da variante inovadora. Ao analisarmos a última
coluna da tabela, vemos os resultados gerais da soma de todas as regiões analisadas, ou
seja, a última coluna reflete o status do avanço do infinitivo gerundivo nas notícias do
Português Europeu ao longo do século XX, vendo a variação não diatopicamente, mas as
regiões somadas como um todo. Ao observarmos tal coluna, desconsiderando as diferentes
regiões, percebemos um claro aumento do uso de infinitivo gerundivo (nosso valor de
aplicação) ao longo do século XX, com valores que se dividem, basicamente em três fases:
1901 – 1930: com o uso de infinitivo gerundivo entre 4 e 7%;
1931 – 1960: com o uso de infinitivo gerundivo entre 12 e 18%;
1961 – 2000: com o uso de infinitivo gerundivo entre 22 e 30%;
273
Outro fator que também pode colaborar para que a visualização da variação
diatópica não esteja tão clara nessa rodada diz respeito ao tipo de dados. Aqui, como
mencionamos no início desta seção, temos TODOS os dados, analíticos e sintéticos. Em
rodadas posteriores, porém, em que separamos estes daqueles, verificaremos que o avanço
da construção a + infinitivo foi bem mais sensível nas construções perifrásticas, o típico
ambiente chamado de progressivo na literatura. Continuaremos a observar o
comportamento diatópico do fenômeno, especialmente nas rodadas em que analisarmos os
dados analíticos.
De qualquer forma, com os resultados da presente rodada, é bastante provável que o
grupo região não seja selecionado como relevante para a variação em nosso corpus,
embora a ponderação entre os fatores – procedimento feito pelo programa de cálculo de
pesos relativos, Ivarb – possa revelar algo que não consigamos visualizar apenas com os
números absolutos e percentuais. Posteriormente, voltaremos a mencionar o grupo de
fatores região nas rodadas que faremos, analisando seu comportamento.
Após a rodada estatística com demonstração dos números absolutos e percentuais
dos dados, procedeu-se ao cálculo de pesos relativos, fase denominada de Ivarb (ou
Varbrul) pelo programa Goldvarb. Sete grupos de fatores foram selecionados como
relevantes para a variação entre as formas nominais analisadas nessa rodada. São eles, em
ordem de seleção:
GRUPOS DE FATORES SELECIONADOS
NA RODADA COM TODOS OS DADOS DO CORPUS DE PORTUGAL CONTINENTAL
1 Estrutura verbal
2 Tempo
3 Tipo sintático de oração
4 Tipo semântico de verbo
5 Referência adverbial
6 Posição do clítico
7 Tipo semântico de oração
Input = 0.044 / p = 0,035
Tabela 8: Grupos de fatores selecionados na rodada com TODOS os dados de Portugal Continental
274
Conforme esperávamos, constatamos que o grupo região não foi selecionado como
relevante para a variação. Apesar disso, entendemos ser interessante mostrar os números
concernentes à variação nesse grupo, uma vez que esses resultados – ainda que restritos ao
âmbito do nosso corpus – estão diretamente ligados a uma das hipóteses centrais deste
trabalho, segundo a qual o infinitivo gerundivo provavelmente esteja avançando
indistintamente no território português, não sendo mais, como se costuma pensar, as
regiões do Alentejo e do Algarve conservadoras em relação à forma nominal gerúndio.
Para isso, utilizamos os pesos relativos do chamado stepping-up nível 1, que aponta
o peso relativo dos grupos de fatores em análise isoladamente, sem a ponderação com
outros grupos. Nem sempre se costumam apresentar resultados de nível 1 em pesquisas
sociolinguísticas, mas fazemos isso agora visto que o grupo região não foi selecionado em
ponderação com os demais na melhor combinação de grupos considerados relevantes.
REGIÃO Nº DE OCORRÊNCIAS
DE INF. GER. / TOTAL PERCENTUAL PESO RELATIVO
Norte 74 / 523 14% .46
Centro 59 / 366 16% .50
Lisboa 77 / 460 16% .51
Alentejo 63 / 384 16% .50
Algarve 54 / 312 17% .52
TOTAL 327 / 2045 15% -
Tabela 9: Distribuição de infinitivo gerundivo no séc. XX (em sincronia) nas cinco regiões de Portugal
Continental
De acordo com os pesos relativos verificados na tabela acima, percebemos que o
avanço da variante inovadora foi equilibrado em nosso corpus, ou seja, nas notícias dos
jornais portugueses das cinco regiões em análise. Assim como já mencionamos em outras
seções deste trabalho, não podemos generalizar os resultados para todo o Português
Europeu, nem mesmo para todo o Português Europeu escrito. Esses resultados, entretanto,
podem indicar que tal padrão possivelmente confirme uma tendência geral dos jornais de
resistir a certos fenômenos linguísticos, ou seja, uma possível tendência de conservação
como atitude geral dos textos impressos. É inegável, porém, o fato de que o fenômeno
avança ao longo do tempo, como pudemos ver na Tabela 7, acima, e como veremos mais
claramente no Gráfico 2, abaixo. Mas, apesar do avanço, aparentemente o aumento de
275
infinitivo gerundivo tem sido equilibrado no gênero textual notícia das diferentes regiões
de Portugal Continental. Esse, provavelmente, foi o motivo pelo qual o grupo região, em
ponderação com outros grupos, não se revelou significativo para a variação, com todos os
pesos relativos bastante próximos da neutralidade (.50) e variação de apenas 6 pontos entre
o fator com menor peso relativo (Norte, .46) e o fator com maior peso relativo (Algarve,
.52). O fato de o programa não o ter selecionado como relevante e também de os pesos
relativos das regiões serem tão próximos uns dos outros reforçam a ideia de que o uso de
infinitivo gerundivo esteja crescendo indiscriminadamente por todo o território luso e,
portanto, não se pode dizer que – aos menos nas notícias do nosso corpus – Alentejo e
Algarve sejam conservadores.
Além do mais, embora seja uma diferença pequena, também há de se ressaltar o
fato de que o menor peso relativo dentre todas as regiões da tabela acima é justamente o
referente à região Norte, considerada inovadora quanto ao emprego de infinitivo
gerundivo. Ou seja, a região que esperávamos figurar entre as mais favorecedoras ao uso
de a + infinitivo mostrou comportamento oposto ao esperado.
Veremos a seguir, mais detalhadamente, cada um desses grupos selecionados, bem
como tomaremos essa seleção como base de comparação com as demais rodadas realizadas
depois.
Acerca do grupo de fatores estrutura verbal, primeiro a ser selecionado nessa
rodada de dados, pode-se perceber, pela tabela abaixo, que os pesos relativos mais altos
são os das estruturas perifrásticas com verbos auxiliares e semiauxiliares.
ESTRUTURA VERBAL Nº DE OCORRÊNCIAS
DE INF. GER. / TOTAL PERCENTUAL
PESO
RELATIVO
Estrutura sintética 117 / 1611 07% .40
Auxiliar ESTAR 98 / 173 56% .85
Auxiliar ANDAR 15 / 25 60% .90
Auxiliar FICAR 14 / 26 53% .89
Semiauxiliar CONTINUAR 49 / 57 85% .97
Outros semiauxiliares 30 / 37 81% .97
Construções com Verbos leves 01 / 77 1% .11
Construções com Verbos modais 03 / 39 07% .49
TOTAL GERAL 327 / 2045 13% -
Tabela 10: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Estrutura Verbal
276
Corroborando nossa metodologia de separar as estruturas com verbos leves das
demais, vemos que essas se mostram bastante desfavorecedoras para o uso de infinitivo
gerundivo, com peso relativo .11. Além disso, conforme já mencionamos no item 3.2.5, no
capítulo 3, existe apenas um dado com infinitivo gerundivo em construções com verbos
leves. Trata-se de um dado do Alentejo, do ano de 1992, identificado nesta tese como o
exemplo de número 32) reproduzido novamente a seguir:
32) COMBATE À DROGA PASSA PELA FORMAÇÃO. Formação
específica para pais e professores, a ter início em Março próximo,
foi a resolução acordada na reunião efectuada ontem à tarde nas
instalações da Junta de Freguesia de Sines, pelas entidades ligadas
à Comissão de Combate à Droga.
(Dado 435 Alentejo, 31 jan 1992)
Embora os verbos leves componham uma estrutura perifrástica, segundo
comentamos anteriormente, esta não é formada por verbo auxiliar + verbo principal, mas
sim por um só verbo seguido de um nome. Talvez por isso o peso relativo dessa estrutura
tenha aparecido tão diferenciado do das demais estruturas perifrásticas.
As estruturas sintéticas, com peso relativo de .40, como se pode observar, se
apresentam como levemente desfavorecedoras para o uso de infinitivo gerundivo. Já as
estruturas com verbos modais, com .49, revelam-se neutras para a variação, com peso
relativo bastante próximo de .50. As grandes favorecedoras do uso de infinitivo gerundivo
em Portugal Continental, de acordo com nosso corpus, são as estruturas perifrásticas, com
pesos relativos acima de .85, como é o caso do auxiliar estar, assim como as estruturas
com verbos auxiliares andar e ficar (respectivamente com .90 e .89 de pesos relativos,
favorecendo o uso de a + infinitivo) e ainda mais próximo do uso categórico de a +
infinitivo em estruturas com semiauxiliares de maneira geral, com .97 de relevância.
Como se pode observar na tabela acima, as construções com o semiauxiliar
continuar são aquelas que apresentam o maior índice de uso de infinitivo gerundivo dentre
todos os demais tipos de construção (85%). Isso significa que em apenas 15% dos dados
com o semiauxiliar continuar se usa a forma nominal gerúndio. Esse resultado ratifica
nossa hipótese de que, provavelmente, a regência do verbo continuar, que exige a
preposição a no seu complemento, favoreça sobremaneira o emprego de a + infinitivo.
277
Ademais, esse resultado também põe em xeque a afirmação de Móia & Viotti (2004),
segundo a qual, em construções perifrásticas com o verbo continuar, a variação entre
infinitivo gerundivo e gerúndio no PE seria “livre” (conforme mostramos no Quadro 9, do
item 2.5 do capítulo 2 desta tese). O grande predomínio de uso de a + infinitivo em
estruturas com continuar em relação às demais também parece responder parcialmente ao
questionamento que levantamos no item 3.2.5, no capítulo 3, sobre o mesm assunto.
Para confirmar, porém, se o emprego de a + infinitivo em estruturas perifrásticas
com o verbo continuar é, de fato, relacionado ao grande avanço do infinitivo gerundivo no
século XX no PE ou se é, basicamente, devido à regência do verbo, convém contrastar
esses resultados com outros em que o mesmo fenômeno seja analisado, por exemplo, no
PB, variedade do português em que o uso da construção infinitivo gerundivo é bastante
menor que o uso de gerúndio na maioria dos contextos. Em Mothé (2007), parte de nosso
corpus era formado por jornais do PB conforme já mencionamos anteriormente. Na rodada
estatística que realizamos, naquela pesquisa, apenas com dados do PB escrito, encontramos
80% de emprego de a + infinitivo em estruturas com o semiauxiliar continuar, enquanto,
depois desses casos, a estrutura com maior percentual de uso de a + infinitivo era a com
auxiliar ser: 12%. A taxa percentual total de emprego de a + infinitivo na referida rodada
estatística de dados do PB daquela pesquisa foi de apenas 05% (MOTHÉ, 2007, p. 147 e
148).
Assim, podemos perceber nitidamente que o uso de a + infinitivo em estruturas
perifrásticas com o verbo semiauxiliar continuar, diferentemente do que afirmaram Móia e
Viotti (2004), não apresenta “livre variação” entre gerúndio e a + infinitivo. Ao contrário,
aparentemente se emprega mais a estrutura a + infinitivo nesses casos devido à regência do
verbo continuar exigir a preposição a, conforme suspeitávamos.
De qualquer forma, para tornar esses resultados ainda mais claros, nas rodadas
posteriores, conforme veremos, eliminaremos os dados com estruturas formadas por verbos
semiauxiliares bem como faremos rodadas também sem as estruturas sintéticas
(constituídas somente por verbos plenos), e/ou as estruturas com verbos leves e modais.
Cada rodada possui um fim específico, que veremos adiante.
O percentual de uso de infinitivo gerundivo ao longo do tempo já parecia um
indício de que o grupo seria selecionado como relevante para a variação (embora nem
sempre os valores percentuais reflitam os pesos relativos de um grupo quando combinado
278
com os demais grupos da análise). Observemos a tabela abaixo, que reproduz as duas
últimas colunas da Tabela 7, acima, e acrescenta as informações referentes ao cálculo do
peso relativo de cada década do século XX. Convém lembrar que os valores referentes às
taxas de uso de infinitivo gerundivo dizem respeito aos valores TOTAIS das cinco regiões
em análise, ou seja, nos resultados abaixo, vemos a distribuição da construção a +
infinitivo de uma maneira geral, sem considerar a variação diatópica, nos dados de notícias
de todo o território de Portugal Continental.
TEMPO Nº DE OCORRÊNCIAS
DE INF. GER. / TOTAL PERCENTUAL PESO RELATIVO
Fase 0 (1901 – 1910) 18 / 257 7% .24
Fase 1 (1911 – 1920) 15 / 259 5% .25
Fase 2 (1921 – 1930) 11 / 254 4% .22
Fase 3 (1931 – 1940) 28 / 231 12% .44
Fase 4 (1941 – 1950) 29 / 172 16% .51
Fase 5 (1951 – 1960) 32 / 179 17% .67
Fase 6 (1961 – 1970) 42 / 189 22% .71
Fase 7 (1971 – 1980) 57 / 195 29% .75
Fase 8 (1981 – 1990) 48 / 152 31% .78
Fase 9 (1991 – 2000) 47 / 157 30% .80
TOTAL 327 / 2045 16% -
Tabela 11: Distribuição de infinitivo gerundivo ao longo do séc. XX em Portugal Continental
De acordo com a tabela acima, tanto nos valores percentuais quanto nos pesos
relativos, o avanço do infinitivo gerundivo nos dados parece se dividir, claramente, em três
fases distintas: uma que vai do início do século até a década de 1920; outra que engloba o
período entre a década de 1930 e a década de 1960; e, por fim, outra fase a partir da década
de 1960. É nos limites dessas fases que existe um aumento mais acentuado no uso do
infinitivo gerundivo. Além disso, o padrão ascendente referente ao aumento do uso de
infinitivo gerundivo (nosso valor de aplicação) em nossos dados é perceptível tanto nos
valores percentuais quanto nos pesos relativos. Observando os números percentuais em um
gráfico, podemos perceber de forma ainda mais evidente o padrão ascendente do mesmo:
279
Gráfico 2: Percentual de uso de infinitivo gerundivo ao longo do século XX em Portugal Continental
Como essa foi a primeira rodada de dados realizada, é pertinente termos feito essa
observação sobre o padrão de avanço no tempo da forma infinitivo gerundivo para
verificarmos se o padrão se ratifica nas demais rodadas, com diferentes recortes de dados
do corpus.
Outro grupo de fatores selecionado como relevante para a variação que analisamos
diz respeito ao tipo sintático de oração.
Antes da análise dos resultados, expostos na tabela abaixo, convém lembrar que
buscávamos contrastar os resultados a serem obtidos aqui com os resultados de Barbosa
(1999), que trabalhou com um corpus constituído por cartas de comércio do século XVIII,
e com os resultados de Mothé (2007), que analisou a distribuição de orações gerundivas
em anúncios, editoriais e notícias dos séculos XIX e XX, ou seja, textos jornalísticos assim
como os de nosso corpus atual. Segundo Barbosa (1999), as orações adverbiais temporais,
as condicionais e as modais se revelaram favorecedoras ao uso de infinitivo gerundivo. Já
no corpus de Mothé (2007), as temporais e as modais não se mostraram favorecedoras do
uso de infinitivo gerundivo. Para esse fim, a análise das orações adverbiais reduzidas de
gerúndio é a que mais nos interessa e, sendo assim, os padrões de conservação x inovação
do fenômeno nessas orações poderão ser mais bem verificados na rodada em que
analisarmos apenas os dados de construções sintéticas, que são justamente aqueles onde se
0
5
10
15
20
25
30
35
1900 1910 1920 1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990
7 5 4
12
16 17
22
29 31 30
Infinitivo Gerundivo em
Portugal Continental ao longo do Século XX
Infinitivo Gerundivo em Portugal Continental ao longo do séc. XX
280
concentram as orações reduzidas. Mas, ainda assim, observaremos nessa rodada preliminar
a distribuição de todos os dados gerundiais pelos diferentes tipos sintáticos controlados no
corpus.
Vejamos a tabela abaixo:
TIPO SINTÁTICO DE ORAÇÃO Nº DE OCORRÊNCIAS
DE INF. GER. / TOTAL PERCENTUAL
PESO
RELATIVO
Absoluta 26 / 39 66% .79
Coordenada SINDÉTICA 22 / 177 12% .49
Coordenada ASSINDÉTICA 03 / 52 5% .24
Oração principal 81 / 106 76% .74
Relativa RESTRITIVA (geral) 36 / 144 25% .74
Relativa EXPLICATIVA (geral) 31 / 143 21% .57
Relativa do tipo: ACUSATIVO +
FORMA NOMINAL - - -
Relativa na COMPARAÇÃO - - -
Relativa do tipo: COM +
SUBSTANTIVO + FORMA
NOMINAL
- - -
Substantivas 28 / 56 50% .67
Adverbial CAUSAL - - -
Adverbial COMPARATIVA - - -
Adverbial CONCESSIVA - - -
Adverbial CONDICIONAL 04 / 28 14% .73
Adverbial CONFORMATIVA - - -
Adverbial CONSECUTIVA - - -
Adverbial FINAL - - -
Adverbial MODAL 18 / 274 6% .61
Adverbial PROPORCIONAL - - -
Adverbial TEMPORAL 26 / 131 19% .68
OUTRAS adverbiais 448 / 336 13% .73
“Subordinada aditiva” 8 / 559 1% .15
TOTAL GERAL 327 / 2045 15% -
Tabela 12: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Tipo Sintático de Oração
Na rodada em questão nesta seção da pesquisa, podemos dizer que os nossos
resultados se aproximam parcialmente tanto dos de Barbosa (1999) quanto dos de Mothé
(2007). Aproximam-se dos de Barbosa (1999) na medida em que as orações temporais e
281
bem como as modais aparecem aqui como favorecedoras ao uso de infinitivo gerundivo,
respectivamente com .67 e .61 de pesos relativos. Em Mothé (2007), ao contrário, essas
orações não tinham se revelado como favorecedoras ao aparecimento de infinitivo
gerundivo. Já com relação às orações condicionais, tanto aqui quanto em Barbosa (1999) e
também em Mothé (2007), verificamos que se apresentam igualmente como favorecedoras
ao emprego de a + infinitivo, com peso relativo de .73. De qualquer forma, voltaremos a
observar se esse padrão se confirma na rodada de dados sintéticos.
As demais orações adverbiais precisaram ser amalgamadas com outras orações
adverbiais para o cálculo de pesos relativos, visto que seus respectivos números de
ocorrências eram, em geral, bastante reduzidos. Para ilustrar esse fato, vejamos, na tabela
abaixo, as ocorrências das orações adverbiais do corpus antes do processo de recodificação
/ amalgamação de fatores para o Ivarb:
TIPO SINTÁTICO DE ORAÇÃO =
ADVERBIAIS
Nº DE OCORRÊNCIAS
DE INF. GER. / TOTAL PERCENTUAL
Adverbial CAUSAL 04 / 72 5%
Adverbial COMPARATIVA 00 / 03 0%
Adverbial CONCESSIVA 00 / 24 0%
Adverbial CONDICIONAL 04 / 28 14%
Adverbial CONFORMATIVA 00 / 03 0%
Adverbial CONSECUTIVA 01 / 150 0%
Adverbial FINAL 37 / 82 45%
Adverbial MODAL 18 / 280 6%
Adverbial PROPORCIONAL 02 / 02 100%
Adverbial TEMPORAL 26 / 131 19%
TOTAL de orações adverbiais no corpus 92 / 775 12%
Tabela 13: Distribuição de infinitivo gerundivo nos diferentes tipos de Orações Adverbiais
Conforme se pode ver na tabela acima, o quantitativo de ocorrências dos subtipos
de orações adverbiais foi muito baixo, especialmente das que destacamos em vermelho.
Dentre os dez tipos de orações adverbiais, três deles chegaram a apresentar resultados
categóricos, ou seja, com 100% das ocorrências em uma das duas variantes; logo, eles
sequer seriam aceitos pelo programa de cálculo de pesos relativos, que os consideraria
invariáveis. Entendemos, porém, que as orações em questão são, sim, passíveis de variação
quanto ao uso gerundivo, mas, por serem mais “raras” em relação aos demais tipos
282
sintáticos de oração, simplesmente não apareceram em nosso corpus. Assim, em vez de
eliminá-las da análise, resolvemos reuni-las em um só fator, desconsiderando os subtipos e
enxergando-as meramente como “adverbiais”.
Outros tipos de oração, embora não categóricos, apresentaram um número muito
pequeno de ocorrências, mesmo nessa rodada com todos os dados do corpus de Portugal
Continental, ou seja, nosso maior recorte de dados. Significa, então, que, em outras
rodadas posteriores, com menos dados, a probabilidade de haver mais “knockouts” (fatores
categóricos) seria ainda maior. Sendo assim, optamos por manter separados os fatores
referentes às orações adverbiais condicionais, às adverbiais modais e às adverbiais
temporais e por amalgamar todas as demais orações adverbiais em um só fator. É por isso
que os resultados da tabela 12, acima, não mostram os números referentes a diversos tipos
de orações adverbiais.
Nas tabelas referentes ao grupo tipo sintático de oração, verificamos os resultados
relativos à reunião de todas as demais orações adverbiais amalgamadas na linha onde se lê
OUTRAS Adverbiais. Na tabela acima, constatamos que esse fator revelou-se favorecedor
ao uso de infinitivo gerundivo, com peso relativo de .73. Ou seja, podemos dizer que, de
certa forma, em nosso corpus, as orações adverbiais, como um todo, independentemente de
seus subtipos, são ambientes favorecedores ao emprego de infinitivo gerundivo, visto que,
em todos os fatores referentes a orações adverbiais, os pesos relativos foram superiores a
.61.
Da mesma forma, por também apresentarem poucas ocorrências, reunimos todas as
orações substantivas em um fator, bem como as relativas em apenas dois. Apresentamos,
abaixo, os números absolutos e os percentuais dessas orações antes das amalgamações e
seus respectivos resultados após terem sido reunidas em único fator.
TIPO SINTÁTICO DE ORAÇÃO =
SUBSTANTIVAS
Nº DE OCORRÊNCIAS
DE INF. GER. / TOTAL PERCENTUAL
Substantiva Apositiva 02 / 07 28%
Substantiva Completiva Nominal 03 / 08 37%
Substantivas Objetivas (Direta e Indireta) 20 / 35 57%
Substantiva Predicativa 02 / 03 66%
Substantiva Subjetiva 01 / 03 33%
Tabela 14: Distribuição de infinitivo gerundivo nos diferentes tipos de Orações Substantivas
283
Após terem sido agrupadas em um só fator, as orações substantivas mostraram-se
favorecedoras ao uso de infinitivo gerundivo, com peso relativo de .68, conforme
verificado na tabela 12, acima.
A respeito das orações relativas, conforme já mencionado, estas foram
subdivididas em fatores referentes a mais três categorias, que não existem na classificação
de orações relativas das gramáticas tradicionais. Isso porque Maler (1972) encontrou em
seu corpus de textos literários brasileiros e portugueses dos séculos XVI, XVII e XVIII um
tipo de oração relativa muito produtivo para ocorrências de infinitivo gerundivo naquele
material, a saber, as relativas do tipo ACUSATIVO + FORMA NOMINAL. Em Barbosa
(1999) e em Mothé (2007), as relativas do tipo COM + SUBSTANTIVO + FORMA
NOMINAL também se apresentaram como favorecedoras ao uso dessa variante. Assim,
inicialmente optamos por codificá-las separadamente das demais. Os números foram os
que seguem:
TIPO SINTÁTICO DE ORAÇÃO =
RELATIVAS
Nº DE OCORRÊNCIAS
DE INF. GER. / TOTAL PERCENTUAL
Relativa RESTRITIVA (geral) 34 / 140 24%
Relativa EXPLICATIVA (geral) 31 / 143 21%
Relativa do tipo: ACUSATIVO + FORMA
NOMINAL 00 / 01 0%
Relativa na COMPARAÇÃO 00 / 01 0%
Relativa do tipo: COM + SUBSTANTIVO +
FORMA NOMINAL 02 / 02 100%
Tabela 15: Distribuição de infinitivo gerundivo nos diferentes tipos de Orações Relativas
Todos esses subtipos de orações relativas, porém, como se pode observar, tiveram
ocorrências categóricas no corpus da presente pesquisa. Assim, unimos tais dados às
ocorrências de orações relativas restritivas, que se revelaram favorecedoras ao uso da
variante a + infinitivo, com .74 de peso relativo. Já as orações relativas explicativas
apareceram como moderadamente favorecedoras, com .57 de peso relativo, como
constatamos na tabela 12.
Para além das orações adverbiais, substantivas e relativas, já citadas acima, vale
mencionar também que as orações absolutas e as orações principais se mostraram
284
favorecedoras ao uso da variante gerundial inovadora, ou seja, o infinitivo gerundivo,
tendo respectivos pesos relativos de .79 e .74.
As orações coordenadas assindéticas e as subordinadas aditivas, por sua vez, nessa
rodada, se apresentaram desfavorecedoras ao uso de a + infinitivo, com pesos relativos .25
e .14, respectivamente. Já as coordenadas sindéticas parecem indiferentes para a variação,
com peso relativo de .49. Verificaremos nas demais rodadas se esses resultados
concernentes aos tipos sintáticos de oração se confirmam. Conforme mencionamos no
início dos comentários acerca do grupo tipo sintático de oração nesta seção, na presente
rodada, com todos os dados, o objetivo era apenas mapear a distribuição das construções
gerundiais nos diferentes ambientes sintáticos. A análise desse grupo de fatores se fará
mais pertinente na rodada que reúne somente dados sintéticos, em geral mais
conservadores quanto ao uso de gerúndio (como se pôde constatar na tabela 10, acima) e
onde pretendemos verificar se o infinitivo gerundivo tem encontrado maior espaço para
avanço em determinado tipo de construção sintáica.
O grupo de fatores tipo semântico de verbo já tinha sido sinalizado como relevante
para a variação em análise em Mothé (2007).
Naquela pesquisa, nas rodadas com Português Europeu escrito, conforme já
mencionamos, os processos existenciais, materiais, verbais e mentais foram apontados
como moderadamente favorecedores do uso de infinitivo gerundivo; os processos
comportamentais como neutros; e os processos relacionais como desfavorecedores do uso
dessa variante inovadora. Vejamos a tabela abaixo com os resultados da rodada estatística
aqui relatada:
TIPO SEMÂNTICO DO VERBO Nº DE OCORRÊNCIAS
DE INF. GER. / TOTAL PERCENTUAL
PESO
RELATIVO
Processos materiais 223 / 1109 20% .57
Processos mentais 15 / 177 8% .21
Processos relacionais 28 / 293 9% .32
Processos comportamentais 17 / 102 16% .50
Processos verbais 38 / 304 12% .56
Processos existenciais 06 / 60 10% .54
TOTAL GERAL 327 / 2045 15% -
Tabela 16: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Tipo Semântico de Verbo
285
Como se pode verificar, nessa rodada, os verbos que expressam processos verbais,
materiais e existenciais, assim como em Mothé (2007), também apareceram como
favorecedores ao emprego de infinitivo gerundivo, com pesos relativos medianos: .56, .57
e .54, respectivamente. Os processos comportamentais, tanto em Mothé (2007) como aqui,
aparecem como neutros para a variação em análise, com exatamente .50 de peso relativo.
Da mesma forma, os processos relacionais, lá apontados como desfavorecedores, aqui
também assim se revelaram, com .32 de peso relativo.
A única diferença registrada por essa rodada entre nossos atuais resultados e os
resultados de Mothé (2007) para seu corpus de Português Europeu escrito diz respeito aos
processos mentais, lá apontados como favorecedores (.60) e aqui como desfavorecedores
(.21). Vejamos, na tabela abaixo, a comparação entre os pesos relativos alcançados nas
duas pesquisas:
TIPO SEMÂNTICO DO VERBO MOTHÉ
(2007)
MOTHÉ
(S.D)130
Processos materiais .67 .57
Processos mentais .60 .21
Processos relacionais .10 .32
Processos comportamentais .55 .50
Processos verbais .64 .56
Processos existenciais .75 .54
Tabela 17: Mothé (2007) x Mothé (s. d.) quanto aos resultados do grupo de fatores Tipo Semântico dos
Verbos
Conforme se pode observar, exceto pelos verbos que indicam processos mentais, os
demais tipos semânticos de verbo apresentaram, nas duas pesquisas, padrões de
comportamento semelhantes, o que verificaremos se permanecerá a ocorrer nas próximas
rodadas estatísticas de dados que descreveremos a seguir.
Outro grupo selecionado como relevante para a variação aqui analisada foi o que
marcava a presença de referência adverbial em torno da forma gerundiva.
130
Os dados da coluna Mothé (s.d.) dizem respeito aos dados da presente pesquisa, ainda inédita.
286
Como se pode ver na tabela a seguir, o fato de não haver referência adverbial de
tempo nem de modo ou de lugar na oração gerundial (fator não se aplica) é indiferente
para a variação em foco, com .48 de peso relativo. Os fatores que marcavam a presença de
alguma referência temporal em outra oração (não a gerundiva) do mesmo período também
se mostraram neutros (.50 para referência adverbial em outra oração ANTES) ou
desfavorecedores (.36 para referência adverbial em outra oração DEPOIS).
Com relação aos fatores que marcavam a presença de referências adverbiais
DEPOIS da forma gerundial, na mesma oração, esses também se apresentaram pouco
relevantes para a variação, sendo o peso relativo das referências adverbiais de TEMPO na
mesma oração depois da forma gerundial de .58 e o das referências adverbiais de MODO e
LUGAR no mesmo contexto, ou seja, depois da forma gerundial, na mesma oração, .45.
Isto é, uma foi ligeiramente favorecedora e a outra, ligeiramente desfavorecedora, o que
julgamos melhor considerar como influência neutra sobre a variação estudada.
Já as referências adverbiais ANTES (seja de tempo ou de modo e lugar), na mesma
oração da estrutura gerundial, revelaram-se como favorecedoras do uso de infinitivo
gerundivo, tendo pesos relativos de .80 (tempo) e .71 (modo e lugar).
Finalmente, devemos ressaltar as altas taxas de peso relativo das ocorrências de
referência adverbial no MEIO da perífrase verbal, ou seja, entre o verbo auxiliar e o verbo
principal. Os dois fatores que marcam essa posição de referências adverbiais tiveram
valores altos de pesos relativos, mostrando-se ambos favorecedores ao aparecimento de
infinitivo gerundivo nesse corpus: .71 para referências adverbiais de MODO e LUGAR e
.89 para referências de TEMPO. Observemos a tabela abaixo:
REFERÊNCIA ADVERBIAL Nº DE OCORRÊNCIAS
DE INF. GER. / TOTAL PERCENTUAL
PESO
RELATIVO
Referência TEMPORAL ANTES da
forma nominal (na mesma oração) 28 / 48 58% .80
Referência TEMPORAL DEPOIS da
forma nominal (na mesma oração) 17 / 158 10% .58
Referência TEMPORAL NO MEIO da
perífrase verbal (entre o verbo
auxiliar e o verbo principal na forma
nominal)
14 / 23 60% .89
Referência TEMPORAL ANTES da
forma nominal (em outra oração) 61 / 537 11% .50
287
Referência TEMPORAL DEPOIS da
forma nominal (em outra oração) 21 / 144 14% .36
Referência adverbial de MODO ou
LUGAR NO MEIO da locução (entre
o verbo auxiliar e o verbo principal)
07 / 11 63% .71
Referência adverbial de MODO ou
LUGAR ANTES da forma nominal
(na mesma oração)
15 / 28 53% .71
Referência adverbial de MODO ou
LUGAR DEPOIS da forma nominal
(na mesma oração)
48 / 288 16% .45
Não se aplica (não há ref. adverbial) 116 / 808 14% .48
TOTAL GERAL 327 / 2045 15% -
Tabela 18: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Referência Adverbial
O grupo posição do clítico, embora tenha sido selecionado nesta rodada, apresentou
pesos relativos bastante próximos da neutralidade (.50) em dois de seus quatro fatores. Os
fatores próclise e clítico entre o auxiliar e o verbo principal se mostraram bastante
desfavorecedores ao uso de infinitivo gerundivo, com pesos relativos .15 e .09,
respectivamente, como pode ser observado na tabela abaixo:
POSIÇÃO DO CLÍTICO Nº DE OCORRÊNCIAS
DE INF. GER. / TOTAL PERCENTUAL
PESO
RELATIVO
Próclise 06 / 40 15% .14
Ênclise 36 / 382 9% .49
Clítico entre o auxiliar e o verbo
principal 02 / 15 13% .09
Não se aplica / Não há clítico 283 / 1608 17% .51
TOTAL GERAL 327 / 2045 15% -
Tabela 19: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Posição do Clítico
Conforme mencionamos no item 3.2.7, do capítulo 3, o grupo posição do clítico,
assim como o grupo analisado acima, referencia adverbial, tinha como objetivo primordial
verificar a possibilidade ou não de haver, nas estruturas perifrásticas, intercalação de
elementos entre o verbo auxiliar e o verbo principal nas construções gerundiais. A nossa
hipótese é que, se a preposição a estiver em processo de gramaticalização, fixando-se cada
vez mais na estrutura a + infinitivo a ponto de formar o que Duarte (1992) chama de
288
“morfema descontínuo a –r”, esperamos que haja cada vez menos elementos entre a
preposição e o verbo principal ou mesmo entre o verbo auxiliar e o verbo principal, se
considerarmos que toda a construção perifrástica, usualmente chamada de progressivo,
quando formada pelos auxiliares estar, andar e ficar, pode estar sofrendo gramaticalização.
Segundo mostramos no capítulo 3, não houve nenhum caso em nosso corpus com clíticos
entre a preposição e o verbo principal. Já entre o verbo auxiliar e o verbo principal, houve
17 ocorrências de clíticos. Duas delas, com a variante inovadora. Um deles já foi mostrado
neste trabalho, no capítulo 3, na seção 3.2.7, relativa à descrição do grupo de fatores.
Trata-se do exemplo de número 52, reproduzido novamente abaixo. O outro dado segue
adiante:
52) De acordo com fonte hospitalar, António Lage encontrava-se a
receber tratamento na Urgência, enquanto José Sousa ficou
internado em Cirurgia 3.
(Dado 634 Norte, 11 jun 1995)
189)Nela tomaram também parte os alunos do Seminário de Évora
que, encontrando-se a veranear na quinta de Marim, quiseram
demonstrar desta forma a sua muita devoção por Nossa Senhora, e
as autoridades civis, além de muitas outras pessoas de todas as
categorias sociais.
(Dado 179 Algarve, 24 jul 1938)
Como se pode verificar acima, tanto o exemplo 52) quanto o exemplo 189)
apresentam a construção a + infinitivo como complemento da forma pronominal do verbo
encontrar, que, em contextos como esses, assume o significado de “estar em determinado
lugar, situação ou estado; achar-se, localizar-se” (HOUAISS; VILLAR, 2009). Não
controlamos em nenhum grupo de fatores a associação das variantes gerundivas a itens
lexicais específicos, como seria o caso do verbo encontrar-se. Mas o fato de haver somente
dois dados de clítico entre o verbo e a estrutura a + infinitivo nos fez buscar novas
ocorrências desse verbo com a forma gerundial. O que verificamos em nossos dados é que
a maioria das vezes em que o verbo encontrar-se aparece é como verbo pleno e tendo uma
circunstância locativa como complemento, tal como em:
190)Pelo contrário, declara, na noite de 3 de Julho,
ENCONTRAVA-SE no largo das Lages, nos Olivais,
289
acompanhado de um tio, de nome Manuel Barbosa, quando
apareceu o Matos a provocar este, com quem andava de rixa.
(Dado 342 Lisboa, 02 set 1951)
Já quanto às ocorrências do verbo especificamente acompanhado de construções
gerundivas, as quais consideramos construções com um verbo “auxiliar acidental”
(encontrar-se + [a + inf / ger]), nos deparamos tanto com outros casos com infinitivo
gerundivo (com ou sem palavra atratora do pronome se), como em:
191)CABELEIREIRO DE SENHORAS. Luís Monteiro, participa a
toda a sua Ex.ma
clientela, que já SE ENCONTRA a funcionar o
novo aparelho de ondulação permanente <<Eugéne>>.
(Dado 160 Centro, 04 jan 1931)
192)Seguidamente, falou o padre Armando Monteiro, da Comissão
Executiva do Congresso, que começou por saudar as entidades
oficiais presentes, congratulando-se por SE ENCONTRAR a
presidir àquela sessão o Cardeal-Patriarca de Lisboa após tão
prolongada doença.
(Dado 386 Lisboa, 01 abr 1964)
Bem como com casos seguidos de gerúndio, tal qual em:
193)MILITAR MORTO NA GUINÉ. Faleceu, vítima de doença, o
soldado César dos Santos Rebelo, que SE ENCONTRAVA
prestando serviço na Guiné.
(Dado 361 Alentejo, 10/11 abr 1965)
E, ainda, também verificamos ocorrências do verbo com o gerúndio no próprio item
lexical encontrar-se, como em:
194)Entretanto, no final de Outubro estavam a receber subsídio de
desemprego 2 883 trabalhadores desempregados, valor que é de
cerca de 30,6% do volume dos que procuram novo emprego,
ENCONTRANDO-SE entre os subsidiados 903 desalojados das
ex-colónias.
(Dado 313 Algarve, 30 dez 1981)
Portanto, embora não tenhamos quantificado essas ocorrências, percebemos que
existem dados do verbo encontrar-se apresentando o pronome se em diferentes posições,
tanto de infinitivo gerundivo quanto de gerúndio. Sendo assim, apesar da aparente
290
coincidência de as duas únicas ocorrências em nosso corpus de colocação pronominal entre
o verbo auxiliar e a estrutura gerundiva serem justamente com esse verbo, nada indica que
sua ocorrência favoreça o uso de infinitivo gerundivo.
De qualquer forma, observaremos se o grupo continuará a ser selecionado em
outras rodadas, especialmente nas rodadas que opuserem somente os dados analíticos.
Com relação ao grupo tipo semântico de oração, selecionado nessa rodada, embora
seja um grupo com 15 fatores, apenas um deles apresentou peso relativo superior a .70,
mostrando-se mais favorecedor ao uso de infinitivo gerundivo. Trata-se do chamado
gerúndio de sobreposição, com peso relativo de .75, como pode ser observado na tabela
abaixo.
Além desse, mais três tipos semânticos de oração parecem favorecer a variante
inovadora, embora com pesos relativos menos expressivos: gerúndio narrativo de
posterioridade (.59), gerúndio de sobre-enquadramento (.57) e o gerúndio causal (.67).
Convém ressaltar que os tipos gerúndio de subenquadramento e gerúndio de
elaboração mostraram-se categóricos, sendo todas as suas ocorrências com a forma
nominal gerúndio (respectivamente 45 e seis casos). Por isso, amalgamamos esses fatores
ao tipo semântico gerúndio de sobre-enquadramento, uma vez que refletem relações
discursivas semelhantes (Enquadramento). Logo, o fator gerúndio de sobre-
enquadramento, citado acima como favorecedor ao uso de infinitivo gerundivo,
corresponde, na verdade, aos três fatores amalgamados.
Para mais detalhes sobre o grupo tipo semântico de oração, observemos a Tabela
20, abaixo:
TIPO SEMÂNTICO DE ORAÇÃO Nº DE OCORRÊNCIAS
DE INF. GER. / TOTAL PERCENTUAL
PESO
RELATIVO
Gerúndio narrativo de
posterioridade 06 / 214 2% .59
Gerúndio narrativo de
anterioridade (ou retro narração) 02 / 48 4% .25
Gerúndio de sobreposição
(ou paralelismo temporal) 08 / 40 20% .75
291
Gerúndio de sobre-
enquadramento131
19 / 127 14% .57
Gerúndio de subenquadramento - - -
Gerúndio de elaboração - - -
Gerúndio de modo 15 / 255 5% .42
Gerúndio instrumental (ou de
meio) - - -
Gerúndio causal 34 / 138 24% .67
Gerúndio resultativo 05 / 221 2% .14
Gerúndio condicional 04 / 28 14% .50
Gerúndio concessivo / adversativo - - -
Gerúndio opositivo 03 / 38 7% .37
Gerúndio neutro 04 / 223 1% .46
Não se aplica
(a or. gerundiva não é adverbial) 227 / 713 31% .60
TOTAL GERAL 327 / 2045 15% -
Tabela 20: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Tipo Semântico de Oração
De acordo com os resultados expostos, podemos observar que o fator
correspondente a não se aplica mostrou-se favorecedor ao uso de a + infinitivo. Conforme
já mencionamos antes, sabemos que apenas as orações adverbiais foram classificadas
semanticamente. Todos os demais tipos sintáticos de oração receberam o código do fator
não se aplica. Como já vimos na Tabela 12, acima, embora os ambientes sintáticos mais
favorecedores ao uso da variante inovadora sejam as orações adverbiais, alguns tipos
sintáticos não adverbiais foram apontados pelo programa Goldvarb como favorecedores ao
uso de infinitivo gerundivo: as orações absolutas, as orações principais, as orações relativas
e até mesmo as orações substantivas, observadas como um todo. No grupo de fatores aqui
analisado, porém, esses dados compuseram um único fator, juntamente com estruturas
sintáticas desfavorecedoras ao uso de infinitivo gerundivo, tais como as orações
coordenadas. Assim, é possível que, por reunir todos esses tipos sintáticos, o fator não se
aplica esteja aparecendo como moderadamente favorecedor ao uso dessa variante, com
peso relativo .60.
131
O fator gerúndio de sobre-enquadramento, aqui apontado como favorecedor ao uso de infinitivo
gerundivo, reúne, na verdade, três fatores desse grupo: além do próprio gerúndio de sobre-enquadramento,
também se encontram nesse fator os dados de gerúndio de subenquadramento e de gerúndio de elaboração,
todos relacionados à Relação Discursiva de Enquadramento, conforme citado anteriormente.
292
Quatro fatores foram apontados como desfavorecedores ao uso da variante
inovadora: gerúndio resultativo (.14), gerúndio narrativo de anterioridade (.25), gerúndio
opositivo (.37) e gerúndio de modo (.42). É pertinente citarmos que o gerúndio opositivo e
o gerúndio de instrumento / meio estão amalgamados, respectivamente, com os fatores
gerúndio concessivo e gerúndio de modo, visto que seus resultados, em números absolutos
e percentuais, foram categóricos, conforme podemos verificar nos itens em vermelho da
tabela abaixo:
TIPO SEMÂNTICO DE ORAÇÃO Nº DE OCORRÊNCIAS
DE INF. GER. / TOTAL PERCENTUAL
Gerúndio narrativo de posterioridade 06 / 214 2%
Gerúndio narrativo de anterioridade 02 / 48 4%
Gerúndio de sobreposição 08 / 40 20%
Gerúndio de sobre-enquadramento 19 / 76 25%
Gerúndio de subenquadramento 00 / 45 0%
Gerúndio de elaboração 00 / 06 0%
Gerúndio de modo 15 / 245 6%
Gerúndio instrumental (ou de meio) 00 / 10 0%
Gerúndio causal 34 / 138 24%
Gerúndio resultativo 05 / 221 2%
Gerúndio condicional 04 / 28 14%
Gerúndio concessivo / adversativo 00 / 23 0%
Gerúndio opositivo 03 / 15 20%
Gerúndio neutro 04 / 223 1%
Não se aplica
(a or. gerundiva não é adverbial) 227 / 713 31%
Tabela 21: Distribuição de infinitivo gerundivo nos diferentes Tipos Semânticos de Oração
Sendo assim, optamos por uni-los aos tipos semânticos que mais se assemelhassem
com esses quanto às relações discursivas retratadas.
Outra observação que é possível fazermos a partir da Tabela 20 e da Tabela 21,
acima, diz respeito ao baixo quantitativo de infinitivo gerundivo nas orações adverbiais do
corpus. Se todos os tipos semânticos acima correspondem a orações adverbiais,
verificamos que, em todos os casos, o índice de uso de infinitivo gerundivo é inferior a
25%. Em mais da metade dos tipos semânticos de oração (dez dentre 14), as ocorrências de
a + infinitivo foram, inclusive, inferiores a 7%, sendo que em quatro deles não houve
293
sequer um dado de infinitivo gerundivo, o que nos levou a amalgamá-los com outros
fatores dentro do grupo. Do nosso total de 2.045 dados, menos da metade deles (713) não
são orações adverbais (o que, aqui, se constata no fator não se aplica). Dentre essas, o uso
de infinitivo gerundivo é de 31%. Observaremos com maior detalhe essa diferença de
comportamento dos dados nas rodadas exclusivas com dados sintéticos ou com dados
analíticos.
Ainda comentando os resultados referentes ao grupo tipo semântico de oração, dois
fatores apresentaram-se quase irrelevantes para a variação em foco. São os tipos gerúndio
condicional e gerúndio neutro, com pesos relativos .50 e .46, respectivamente. O gerúndio
condicional apresentou peso relativo exato em .50 e o gerúndio neutro mostrou-se
levemente desfavorecedor ao uso de a + infinitivo, porém com valor também próximo do
.50.
Por fim, antes de passarmos a outras rodadas estatísticas realizadas, é importante
relatar aqui as ocorrências referentes ao grupo cambialidade. Trata-se de um grupo de
fatores que – conforme já mencionamos no capítulo de metodologia – foi excluído do
cálculo de pesos relativos. O registro de seus resultados absolutos e percentuais, porém,
faz-se indispensável – ao menos nessa rodada mais geral – de modo que possamos
observar se a distribuição de infinitivo gerundivo mudou ao longo do tempo em relação a
dados indiscutivelmente alternáveis entre gerúndio e a + infinitivo ou se teve maior avanço
com dados com cambialidade ambígua. Seguem os números:
CAMBIALIDADE Nº DE OCORRÊNCIAS
DE INF. GER. / TOTAL PERCENTUAL
Unicamente com valor de aspecto progressivo 153 / 1871 8%
Ambíguo: aspecto progressivo x regência? 75 / 75 100%
Ambíguo: aspecto progressivo x preposição
não esvaziada semanticamente? 99 / 99 100%
TOTAL GERAL 327 / 2045 15%
Tabela 22: Distribuição de infinitivo gerundivo nos fatores relativos à Cambialidade
Como sabemos, todas as ocorrências denominadas “ambíguas” dizem respeito a
dados com a + infinitivo, justamente porque a ambiguidade se dá relacionada à
interpretação da construção a + infinitivo e não aos dados com a forma nominal gerúndio.
294
Por isso, o percentual dessas ocorrências aparece como 100% dos casos desses respectivos
fatores. É conveniente, então, destacarmos o percentual desses fatores considerando o total
de dados. O fator relativo à ambiguidade inerente à interpretação da preposição a como
regência ou como parte do infinitivo gerundivo corresponde a 3% do total de dados,
enquanto os dados em que a mesma preposição pode não estar esvaziada semanticamente
abrangem 4% do total de dados.
Vejamos, a seguir, a distribuição desses dados ao longo do tempo em nosso corpus:
CAMBIALIDADE
Unicamente com
valor de aspecto
progressivo
Ambíguo:
aspecto progressivo
x regência?
Ambíguo: aspecto
progressivo x
preposição não
esvaziada
semanticamente?
TEMPO
▼
Nº
de o
corrên
cias
de i
nf.
ger. /
tota
l
Perce
ntu
al
Nº
de o
corrên
cias
de i
nf.
ger. /
tota
l
Perce
ntu
al
Nº
de o
corrên
cias
de i
nf.
ger. /
tota
l
Perce
ntu
al
1901 - 1910 07/246 3% 05/05 100% 06/06 100%
1911 - 1920 02/246 1% 03/03 100% 10/10 100%
1921 - 1930 02/245 1% 03/03 100% 06/06 100%
1931 - 1940 06/209 3% 10/10 100% 12/12 100%
1941 - 1950 13/156 8% 08/08 100% 08/08 100%
1951 - 1960 14/161 9% 08/08 100% 10/10 100%
1961 - 1970 22/169 13% 10/10 100% 10/10 100%
1971 -1980 33/171 19% 06/06 100% 18/18 100%
1981 - 1990 27/131 21% 10/10 100% 12/12 100%
1991 - 2000 27/137 20% 11/11 100% 08/08 100%
TOTAL 153/1871 8% 75/75 100% 99/99 100%
Tabela 23: Distribuição de infinitivo gerundivo nos quanto à Cambialidade ao longo do séc. XX
O que pretendemos chamar à atenção na tabela acima é o fato de o número absoluto
de ocorrências de interpretação unicamente cambiável estar aumentando ao longo do
tempo, diferentemente dos demais tipos de dados – de cambialidade ambígua – cujo
número absoluto de ocorrências parece consideravelmente estável ao longo das décadas. O
aumento no número de dados de a + infinitivo indubitavelmente cambiáveis por gerúndio
295
sinaliza, de certa forma, que o avanço dessa construção tem crescido – ao menos nos dados
de nosso corpus – justamente nos casos em que, sem dúvida, há aspecto progressivo. Além
dessa observação, outro fato que convém ser mencionado é que, se aumentam as
ocorrências de dados inegavelmente cambiáveis, consequentemente, diminuem as chances
de ocorrências de cambialidade ambígua estarem enviesando a leitura dos dados pelo
programa Goldvarb. Tais resultados serão ratificados – ou não – quando fizermos rodadas
excluindo os dados relativos a estruturas analíticas com semiauxiliares e modais (que, em
sua grande maioria, são de natureza ambígua, por exigirem a preposição a em sua
regência). Caso essa tendência se confirme, será mais um indício de que a forma infinitivo
gerundivo – perfeitamente cambiável pela forma nominal gerúndio – esteja avançando
cada vez mais ao longo do tempo em Portugal.
Vejamos, a seguir, se esses mesmos grupos também serão selecionados nas demais
rodadas e se se comportam da mesma maneira com diferentes recortes de dados do corpus.
5.1.2. Estruturas Sintéticas x Estruturas Analíticas
Nessa rodada, amalgamamos os dados com verbos leves aos dados de estrutura
sintética, inicialmente composta somente por verbos plenos. Como já mencionamos,
embora os dados com verbos leves constituam – de certa forma – um tipo de estrutura
perifrástica, entendemos que eles não sejam exatamente da mesma natureza que as demais
estruturas perifrásticas do trabalho, que são formadas por verbo auxiliar + verbo principal.
As estruturas com verbos leves apresentam um só verbo, mas aparentemente com menos
carga semântica, carecendo de um nome para que veiculem plenamente sua informação.
Assim, por não ser formado por verbo auxiliar + verbo principal, mas sim por apenas um
verbo, cogitamos a possibilidade de fazer uma rodada estatística unindo esses dados às
ocorrências de estrutura sintética, que apresentam, também, apenas um verbo, pleno. O
objetivo era verificar se essa união geraria algum tipo de mudança nos resultados de pesos
relativos. Nesta rodada, oito grupos foram selecionados como relevantes para a variação.
São eles, na seguinte ordem:
296
GRUPOS DE FATORES SELECIONADOS NA RODADA QUE OPÕE
ESTRUTURAS SINTÉTICAS X ESTRUTURAS PERIFRÁSTICAS (TODAS)
DO CORPUS DE PORTUGAL CONTINENTAL
1 Estrutura verbal
2 Tempo
3 Tipo sintático de oração
4 Tipo semântico de verbo
5 Referência adverbial
6 Posição do clítico
7 Tipo semântico de oração
8 Interpolação de item lexical entre o verbo auxiliar e o verbo principal
Input = 0.044 / p = 0,05
Tabela 24: Grupos de fatores selecionados na rodada que opõe ESTRUTURAS SINTÉTICAS (verbos
plenos + leves) x ESTRUTURAS ANALÍTICAS (todas) em Portugal Continental
Conforme podemos observar na Tabela 24, acima, e contrastando-a com a Tabela 8,
verificamos que os grupos de fatores selecionados como relevantes foram, basicamente, os
mesmos – inclusive na mesma ordem. A única diferença foi que, aqui, houve um grupo
selecionado a mais, em relação à rodada anterior: Interpolação de item lexical entre o
verbo auxiliar e o verbo principal. Vejamos os valores referentes a esse grupo de fatores
na rodada:
INTERPOLAÇÃO DE ITEM LEXICAL Nº DE OCORRÊNCIAS
DE INF. GER. / TOTAL PERCENTUAL
PESO
RELATIVO
HÁ interpolação de itens lexicais 14 / 28 50% .79
NÃO há interpolação de itens
lexicais 313 / 2017 15% .49
TOTAL GERAL 327 / 2045 15% -
Tabela 25: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Interpolação de item lexical
De acordo com a tabela acima, a existência de itens lexicais entre o verbo auxiliar e
o verbo principal parece favorecer o uso de infinitivo gerundivo, com .79 de peso relativo.
Segundo já expusemos no capítulo de metodologia e reiteramos na seção anterior relativa à
outra rodada estatística de dados, informamos que há, neste trabalho, três grupos de fatores
cujo objetivo primordial é verificar a relevância da interpolação de elementos entre o verbo
auxiliar e o verbo principal de uma perífrase verbal para a ocorrência de infinitivo
297
gerundivo em detrimento do gerúndio. Esses três grupos são: posição do clítico, referência
adverbial, interpolação de itens lexicais. Embora controlem palavras de naturezas
diferentes, a intenção é observar a tendência – ou não – ao uso de vocábulos entre o verbo
auxiliar e a construção a + infinitivo nas perífrases verbais. Dois desses grupos (posição do
clítico e referência adverbial) já tinham sido selecionados na rodada anterior, conforme já
comentamos. Além desses, agora também o grupo Interpolação de item lexical entre o
verbo auxiliar e o verbo principal foi selecionado como relevante. Como dissemos, na
rodada anterior, as construções com verbos leves eram analisadas separadamente. Agora,
ao juntarmos essas ocorrências às estruturas sintéticas compostas por verbos plenos, é
possível que o programa computacional tenha “enxergado” com maior clareza a diferença
entre estruturas sintéticas como um todo x estruturas analíticas como um todo, apontando
como relevante para o uso de infinitivo gerundivo a existência de interpolação de
elementos entre o verbo auxiliar e o verbo principal, quando ela é possível, evidentemente
(ou seja, somente em estruturas analíticas).
Trata-se de uma seleção que precisa continuar sendo observada nas demais rodadas,
mesmo porque, comparando o presente resultado com os resultados dos grupos Referência
Adverbial e Posição do Clítico, também selecionados tanto na rodada anterior quanto
nesta, percebemos que nem toda ocorrência de vocábulos entre o verbo auxiliar e o verbo
principal parece favorecer o emprego de infinitivo gerundivo. Enquanto por um lado a
presença de referências adverbiais de tempo (.90) e de modo ou lugar (.71) entre o verbo
auxiliar e o verbo principal favorece o uso de a + infinitivo (assim como ocorre com os
demais tipos de itens lexicais nessa posição, conforme vimos na Tabela 25, acima, com .79
de peso relativo); por outro lado, a presença de clíticos no mesmo contexto, ou seja, no
meio da locução verbal, é apontada como extremamente desfavorecedora ao uso da
variante inovadora, com .09 de peso relativo.
Todos os demais grupos de fatores selecionados na rodada anterior também foram
selecionados aqui e também apresentaram valores percentuais e relativos praticamente
idênticos. Sendo assim, não julgamos pertinente praticamente repetir as tabelas e gráficos
dos resultados da rodada precedente a esta. Passemos às demais rodadas realizadas.
298
5.1.3.Estrutura Sintética x Estruturas Analíticas com “auxiliares clássicos”
Nessa rodada, opusemos somente os dados com verbos plenos (as estruturas
sintéticas “clássicas”, sem as construções com verbos leves) às estruturas analíticas
igualmente “clássicas”, ou seja, com os auxiliares estar, andar e ficar. Chamamos aqui
esses verbos de “auxiliares clássicos” por serem tradicionalmente associados, como vimos
no capítulo 2, ao infinitivo gerundivo no Português Europeu, à construção chamada de
progressivo por vários autores. Isso significa que excluímos dessa rodada todos os dados
com verbos leves, verbos modais e estruturas com semiauxiliares. O princípio que regeu
esse procedimento foi o questionamento que se faz – justificável, a propósito – a respeito
da pertinência de manter no corpus dados de cambialidade “ambígua”, a saber: os dados
em que o a da construção a + infinitivo pode ser meramente a preposição exigida pela
regência do verbo semiauxiliar da perífrase.
Como vimos nas rodadas anteriores, que incluíam os verbos semiauxiliares, esses
apresentaram .97 de peso relativo, mostrando-se extremamente favorecedores ao uso de
infinitivo gerundivo nesse corpus. Mas é possível questionarmos tal resultado imaginando
que, embora até possam ser cambiáveis por gerúndio, esses dados podem aparecer tão
frequentemente realizados com a estrutura a + infinitivo devido à sua regência, conforme
já explanamos na seção 3.2.5 do capítulo de metodologia, especialmente nos exemplos 26)
a 30) e 185) e 186). Da mesma forma, também já citamos que os dados com construções
com verbos modais somente apresentaram a + infinitivo com verbos semiauxiliares na
perífrase, como no exemplo 34), visto anteriormente, o que também poderia gerar dúvidas
quanto à possibilidade de alternância entre as duas formas gerundivas em foco nas
estruturas com verbos modais.
Assim, optamos por realizar algumas rodadas estatísticas opondo somente aqueles
dados indubitavelmente “cambiáveis”, excluindo da análise os dados com verbos
semiauxiliares, verbos modais e verbos leves. Mantivemos, portanto, as construções
sintéticas com verbos plenos e as opusemos às construções analíticas do chamado
progressivo (BORGES NETO e FOLTRAN, 2001), ou seja, as estruturas perifrásticas
constituídas pelos verbos auxiliares estar, andar ou ficar, usualmente apontados como os
contextos de maior avanço do infinitivo gerundivo em terras lusas.
Nessa rodada, oito grupos de fatores foram selecionados como relevantes para a
variação. São eles, na seguinte ordem:
299
GRUPOS DE FATORES SELECIONADOS NA RODADA QUE OPÕE
ESTRUTURA SINTÉTICA X
ESTRUTURAS ANALÍTICAS COM AUXILIARES ESTAR, ANDAR E FICAR
DO CORPUS DE PORTUGAL CONTINENTAL
1 Estrutura verbal
2 Tempo
3 Tipo semântico de verbo
4 Tipo sintático de oração
5 Referência adverbial
6 Posição do clítico
7 Interpolação de item lexical entre o verbo auxiliar e o verbo principal
8 Tipo semântico de oração
Input = 0,037 / p = 0.037
Tabela 26: Grupos de fatores selecionados na rodada que opõe ESTRUTURA SINTÉTICA x
ESTRUTURAS ANALÍTICAS com auxiliares ESTAR, ANDAR e FICAR em Portugal Continental
Como se pode verificar, os grupos selecionados aqui foram exatamente os mesmos
– e com pouca variação na ordem de seleção – dos grupos de fatores selecionados na
rodada anterior, que opunha verbos plenos a todas as construções perifrásticas (inclusive
com modais e semiauxiliares). Os valores dos pesos relativos nos grupos selecionados
também foram bastante parecidos nas três rodadas já mencionadas até aqui.
Apesar da semelhança, porém, visto que o objetivo dessa rodada era verificar o
comportamento dos dados com verbos plenos em contraste com as estruturas analíticas
com os verbos auxiliares “clássicos” (estar, andar e ficar), exporemos, abaixo, a tabela
com os resultados obtidos para o grupo estrutura verbal:
ESTRUTURA VERBAL Nº DE OCORRÊNCIAS
DE INF. GER. / TOTAL PERCENTUAL
PESO
RELATIVO
Estrutura sintética 117 / 1611 7% .43
Auxiliar ESTAR 98 / 173 56% .86
Auxiliar ANDAR 15 / 25 60% .89
Auxiliar FICAR 14 / 26 53% .89
TOTAL GERAL 244 / 1835 13% -
Tabela 27: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Estrutura Verbal
300
Mais uma vez, fica explícita a grande diferença entre dados sintéticos e dados
analíticos, mostrando que, nestes, a taxa de uso de infinitivo gerundivo é cerca de oito
vezes maior do que naqueles. Esses padrões tão diferentes justificam que sejam realizadas
rodadas estatísticas separadas para dados sintéticos e para dados analíticos, conforme
faremos a seguir.
Ao compararmos esses resultados aos das rodadas anteriores, podemos constatar
que o peso relativo não sofre alteração significativa. Vejamos:
ESTRUTURA VERBAL
PESO
RELATIVO
TODOS OS
DADOS
PESO RELATIVO
PLENOS + LEVES
X
AUXILIARES
(TODOS)
PESO RELATIVO
PLENOS
“CLÁSSICOS”
X
AUXILIARES
“CLÁSSICOS”
Estrutura sintética .40 .39 .43
Auxiliar ESTAR .85 .85 .86
Auxiliar ANDAR .90 .89 .89
Auxiliar FICAR .90 .88 .89
Semiauxiliar CONTINUAR .97 .97 -
Outros semiauxiliares .97 .97 -
Construções com Verbos leves .09 - -
Construções com Verbos modais .48 .45 -
Tabela 28: Pesos relativos do uso de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Estrutura Verbal em
diferentes rodadas
Observando a tabela acima, constatamos que, de fato, ter eliminado da análise os
dados com verbos semiauxiliares, leves e modais não influenciou de maneira significativa
o peso relativo de cada uma das demais construções em relação ao uso de infinitivo
gerundivo. Apesar disso, mais adiante, faremos mais algumas observações acerca dos
resultados referentes ao tipo de estrutura verbal na rodada em questão, detalhando-os em
uma tabela e um gráfico.
O mesmo padrão de equivalência foi constatado nos pesos relativos dos demais
grupos selecionados. Não houve diferenças significativas entre as rodadas. Ainda assim,
convém ressaltar alguns resultados que se acentuaram nessa última rodada de dados em
relação às demais:
301
Enquanto na rodada anterior o peso relativo do fator referente à presença de
interpolação no grupo Interpolação de item lexical entre o verbo auxiliar e o verbo
principal foi de .79 (cf. Tabela 25), agora, foi ainda maior: .94, aparecendo, portanto,
como muito mais favorecedor ao uso de infinitivo gerundivo nos dados com os auxiliares
“clássicos”.
No grupo tipo sintático de oração, as orações substantivas e as coordenadas
assindéticas também tiveram grande aumento de seus pesos relativos. Nas duas rodadas
anteriores a esta, na rodada com todos os dados do corpus e na rodada que unia dados com
verbos plenos a dados com verbos leves, o peso relativo das coordenadas assindéticas foi
de .24; e, agora, na rodada opondo dados com verbos plenos a estruturas perifrásticas com
“auxiliares clássicos”, apresentou peso relativo de .40, mostrando-se menos desfavorecedor
que antes ao uso do infinitivo gerundivo. Por outro lado, as orações substantivas, que na
primeira rodada tiveram peso relativo .67, passaram a .69 na rodada seguinte e, agora, têm
.79, tendo aumentado sua relevância na variação, nesses contextos.
Os demais resultados apresentaram-se semelhantes nas três rodadas até agora
analisadas, com pequenas variações de .01 ou .02 para cima ou para baixo no peso relativo
dos fatores.
Antes de analisarmos outras rodadas, porém, cabe aqui uma observação a respeito
do padrão do avanço do infinitivo gerundivo nas cinco regiões que compõem o corpus
dessa rodada, que é a que mais claramente deveria mostrar a existência de tendências à
inovação ou à conservação em regiões diferentes, visto que é a rodada que opõe apenas
dados indubitavelmente cambiáveis. Voltamos a lembrar que nossa hipótese geral prevê
que o infinitivo gerundivo esteja, de fato, crescendo (ao menos quase) indistintamente por
todo o território nacional português. Acreditamos, como já dissemos, que o padrão
conservador do Alentejo e do Algarve não se mantenha, ao menos nos recortes de tempo
mais recentes, mesmo em materiais mais resistentes às variações linguísticas, como é o
caso do nosso corpus composto por notícias.
Assim, mostraremos, no gráfico abaixo, que o avanço da variante inovadora nesse
recorte de dados ocorreu de maneira razoavelmente equivalente nas cinco regiões
analisadas aqui.
302
Gráfico 3: O avanço do infinitivo gerundivo ao longo do séc. XX nas cinco regiões de Portugal
Continental
A partir do gráfico acima, pode-se perceber que, embora com valores percentuais
diferentes, o padrão do avanço foi semelhante na maior parte do tempo, na maior parte das
cinco regiões em questão, motivo pelo qual, muito provavelmente, o grupo região não
tenha sido, ao menos até então, selecionado como relevante para a variação em nosso
corpus de notícias do século XX de periódicos lusos.
0 5 10 15 20 25 30 35 40
1990
1980
1970
1960
1950
1940
1930
1920
1910
1900
33
33
37
12
10
16
7
1
2
2
14
25
33
14
11
7
17
2
6
7
33
26
26
15
22
16
12
2
4
5
13
15
15
26
12
17
5
9
14
6
24
25
22
25
26
10
3
6
2
10
Avanço do Infinitivo Gerundivo
ao longo do século XX
nas cinco regiões de Portugal Continental
Algarve Alentejo Lisboa Centro Norte
303
Existem, porém, alguns fatos interessantes nesses resultados que precisam ser
comentados. Assim como, na primeira rodada de dados aqui analisada (a rodada com todos
os dados de Portugal Continental), a região Norte, tida como inovadora, apresentou-se
como um pouco mais conservadora do que as demais regiões, o que contrariou nossas
expectativas, aqui, outros fatos nos chamaram a atenção:
1) Nas primeiras três décadas do século XX, enquanto as regiões consideradas
mais inovadoras para o fenômeno que estudamos registram percentuais de uso de infinitivo
gerundivo variando entre 1 e 7% (o Norte, inclusive, oscila apenas entre 1 e 2%), o
Algarve e o Alentejo – apontados como mais conservadores – apresentam as mais altas
taxas de uso de infinitivo gerundivo, chegando o Algarve a registrar 10% na primeira
década do século e o Alentejo, 14% na terceira década, o dobro do máximo percentual
apresentado nas demais regiões, frequentemente consideradas mais inovadoras.
2) Nas décadas de 1920 e de 1960, os valores percentuais apontam justamente o
Algarve e o Alentejo com índices mais altos de uso de infinitivo gerundivo do que todas as
demais regiões de Portugal, o inverso do que afirmam alguns autores sobre o padrão
conservador para o uso de gerúndio desses dialetos centro-meridionais do país.
3) A partir da década de 1950, o Algarve apresenta índices de uso de infinitivo
gerundivo sempre superiores a 22%, sendo seus valores percentuais de uso da variante
inovadora, em algumas décadas, superiores aos percentuais vistos em regiões como o
Centro, o Norte e Lisboa. É apenas a partir da década de 1970 que as taxas de uso de
infinitivo gerundivo em Lisboa e no Norte passam a se apresentar sempre superiores aos
percentuais do Algarve.
4) Apesar dos resultados das três primeiras décadas e do resultado isolado de alto
índice de uso de infinitivo gerundivo na década de 1960, pelo que percebemos, a partir da
década de 1940, as taxas de emprego de infinitivo gerundivo na região do Alentejo
estabilizam-se, apresentando uma variação pequena, entre os 12 e os 17%, ao passo que,
nas demais regiões do país, as taxas de uso da variante inovadora começam a subir
sensivelmente.
304
5) Além disso, apesar de nas três primeiras décadas do século Lisboa e Norte
apresentarem percentuais de uso da variante inovadora inferiores aos percentuais do
Alentejo e do Algarve, após esse período, as taxas de emprego de a + infinitivo nas duas
regiões só crescem, chegando à faixa dos 30% nas três últimas décadas do século,
enquanto o Alentejo mantém-se na faixa dos 15%, ou seja, cerca da metade dos valores do
Norte e de Lisboa.
Segundo esses resultados, portanto, podemos vislumbrar uma tendência
conservadora nas notícias da região do Alentejo. Verificaremos se esse padrão se mantém
nas rodadas apenas com dados da forma chamada de progressivo (estruturas perifrásticas
com os auxiliares estar, andar e ficar) e também na rodada somente com estrutura
sintética, para observar se, talvez, a junção de dados de estruturas diferentes não esteja
gerando um maior avanço no Norte e em Lisboa em relação ao Alentejo.
Para análise mais detalhada dos números dessa rodada de dados, segue a tabela
abaixo:
REGIÃO ► NORTE CENTRO LISBOA ALENTEJO ALGARVE
TEMPO ▼
Nº
de
oco
rrên
cia
s d
e
inf.
ger
. /
tota
l
Per
cen
tua
l
Nº
de
oco
rrên
cia
s d
e
inf.
ger
. /
tota
l
Per
cen
tua
l
Nº
de
oco
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cia
s d
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inf.
ger
. /
tota
l
Per
cen
tua
l
Nº
de
oco
rrên
cia
s d
e
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ger
. /
tota
l
Per
cen
tua
l
Nº
de
oco
rrên
cia
s d
e
inf.
ger
. /
tota
l
Per
cen
tua
l
1901 - 1910 01 / 59 2% 02 / 30 7% 03 / 65 5% 03 / 48 6% 03 / 31 10%
1911 - 1920 01 / 46 2% 02 / 35 6% 02 / 57 4% 06 / 43 14% 01 / 49 2%
1921 - 1930 01 / 71 1% 01 / 46 2% 01 / 54 2% 03 / 32 9% 02 / 31 6%
1931 - 1940 04 / 60 7% 06 / 35 17% 04 / 34 12% 02 / 39 5% 01 / 34 3%
1941 - 1950 09 / 56 16% 01 / 15 7% 05 / 31 16% 04 / 24 17% 03 / 29 10%
1951 - 1960 04 / 39 10% 03 / 28 11% 06 / 27 22% 05 / 41 12% 06 / 23 26%
1961 - 1970 05 / 41 12% 06 / 44 14% 06 / 39 15% 07 / 27 26% 05 / 20 25%
1971 -1980 15 / 41 37% 15 / 46 33% 13 / 50 26% 04 / 26 15% 04 / 18 22%
1981 - 1990 14 / 42 33% 04 / 16 25% 10 / 38 26% 04 / 27 15% 03 / 12 25%
1991 - 2000 08 / 24 33% 04 / 28 14% 10 / 30 33% 04 / 30 13% 07 / 29 24%
TOTAL 62 /
479 13%
44 /
323 14%
60 /
425 14%
42 /
337 12%
35 /
276 13%
Tabela 29: Distribuição de infinitivo gerundivo por região ao longo do séc. XX em Portugal
Continental
305
Como se vê, ao observarmos os valores totais, na última linha da tabela, temos a
impressão de que a taxa de uso de infinitivo gerundivo é praticamente igual em todas as
regiões, variando entre 12 a 14% apenas. Esta seria, portanto, a taxa de uso de infinitivo
gerundivo em um corpus de notícias do século XX do Português Europeu Continental
como um todo. Entretanto, ao olharmos para as colunas de percentuais individualmente, de
cada região, verificamos que os valores apresentam bastante variação tanto no tempo
quanto no espaço.
Outra análise que podemos fazer tendo como base os resultados dessa rodada que
opunha estrutura sintética a estruturas analíticas com auxiliares estar, andar e ficar diz
respeito justamente ao avanço do infinitivo gerundivo nesses diferentes tipos de estrutura,
segundo já mencionamos. Na tabela abaixo, poderemos observar a distribuição do
infinitivo gerundivo nesses contextos ao longo do tempo:
ESTRUTURA
VERBAL ►
ESTRUTURA
SINTÉTICA
ESTRUTURA
ANALÍTICA
COM AUX.
ESTAR
ESTRUTURA
ANALÍTICA
COM AUX.
ANDAR
ESTRUTURA
ANALÍTICA
COM AUX.
FICAR
TEMPO ▼ N
º d
e
ocorrên
cias
de
inf.
ger. /
tota
l
Perce
ntu
al
Nº
de
ocorrên
cias
de
inf.
ger. /
tota
l
Perce
ntu
al
Nº
de
ocorrên
cias
de
inf.
ger. /
tota
l
Perce
ntu
al
Nº
de
ocorrên
cias
de
inf.
ger. /
tota
l
Perce
ntu
al
1901 - 1910 07/210 3 02/18 11 03/05 60 00/00 -
1911 - 1920 10/202 5 00/19 0 01/05 20 01/04 25
1921 - 1930 05/216 2 01/13 8 01/02 50 01/02 50
1931 – 1940 11/183 6 03/11 27 01/03 33 02/04 50
1941 - 1950 10/131 8 09/20 45 02/03 67 01/01 100
1951 – 1960 16/144 11 07/09 78 00/00 - 01/05 20
1961 - 1970 13/152 9 12/14 86 04/04 100 01/01 100
1971 – 1980 17/141 12 28/33 85 02/02 100 04/05 80
1981 - 1990 15/113 13 18/18 100 00/00 - 02/03 67
1991 - 2000 13/119 11 18/18 100 01/01 100 01/01 100
TOTAL 117/1611 7 98/173 57 15/25 60 14/26 54
Tabela 30: Distribuição de infinitivo gerundivo por Estrutura Verbal ao longo do séc. XX
306
É bem verdade, como podemos observar na tabela acima, que o número de dados
em estruturas sintéticas (1611) é muito superior ao número de dados com estruturas
analíticas (224), correspondendo aquelas a cerca de 88% dos dados. Entretanto, embora
sejam em menor quantidade – havendo, inclusive, células “vazias”, sem qualquer dado –, o
percentual de uso de infinitivo gerundivo em relação ao uso de gerúndio é
proporcionalmente muito maior nas estruturas analíticas do que na sintética. Analisando o
século XX sincronicamente, por exemplo, percebemos que as estruturas analíticas
apresentam um percentual de uso de infinitivo gerundivo em torno de 54 a 60%, enquanto
a estrutura sintética tem taxa de uso dessa variante de apenas 7%. O padrão do avanço do
infinitivo gerundivo nessas estruturas pode ser mais claramente observado no gráfico
abaixo:
Gráfico 4: Percentuais de uso de infinitivo gerundivo nos diferentes tipos de Estrutura Verbal ao longo
do séc. XX em Portugal Continental
Conforme se pode observar, o percentual de uso de infinitivo gerundivo nas
estruturas sintéticas se mantém relativamente estável ao longo do tempo no nosso corpus,
ao passo que as estruturas analíticas, além de possuírem números percentuais muito
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
1900 1910 1920 1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990
3 5 2 6 8 11 9 12 13 11 11
0 8
27
45
78 86 85
100 100
60
20
50
33
67
0
100 100
0
100
0
25
50 50
100
20
100
80
67
100
Infinitivo Gerundivo ao longo do Século XX -
Estrutura Sintética x Estruturas Analíticas
Plenos Auxiliar ESTAR Auxiliar ANDAR Auxiliar FICAR
307
maiores, ainda apresentam uma tendência ascendente em relação ao emprego da variante
inovadora. Esses resultados apontam as estruturas analíticas como um contexto mais
favorável ao avanço dessa variante, mesmo no corpus de textos jornalísticos, em especial
de notícias, em geral menos “permeáveis” às variações linguísticas – mesmo com um
fenômeno que não sofre, necessariamente, avaliação negativa dos falantes. Considerando
que o grupo estrutura verbal tem sido constantemente selecionado como relevante para a
variação, apontando justamente as estruturas perifrásticas como mais propícias ao uso de a
+ infinitivo, faremos novas rodadas estatísticas de dados, somente com essas ocorrências.
5.1.4. Estruturas Analíticas (todas)
Com o objetivo de analisar as estruturas perifrásticas em maior detalhe, nesta
rodada excluímos os dados com verbos plenos e os dados com verbos leves. Com efeito, as
rodadas feitas somente com dados de gerúndio x infinitivo gerundivo somente em
estruturas perifrásticas são aquelas cujo objetivo primordial é verificar o avanço da
variante inovadora em seu ambiente mais típico: o chamado progressivo. Mantivemos,
portanto, todas as estruturas perifrásticas com verbos auxiliares e semiauxiliares, bem
como as estruturas com verbos modais. Quatro grupos foram selecionados como relevantes
para a variação aqui estudada. São eles, na seguinte ordem:
GRUPOS DE FATORES SELECIONADOS NA RODADA QUE OPÕE AS DIFERENTES
ESTRUTURAS ANALÍTICAS (TODAS) NO CORPUS DE PORTUGAL CONTINENTAL
1 Tempo
2 Estrutura verbal
3 Posição do clítico
4 Tipo de Texto / Sequência Textual
Input da rodada: 0,644 / p = 0,042
Tabela 31: Grupos de fatores selecionados na rodada que opõe as diferentes ESTRUTURAS
ANALÍTICAS (TODAS) em Portugal Continental
Na rodada analisada nesta seção, verificamos que os três primeiros grupos de
fatores selecionados em todas as rodadas anteriores voltaram a ser selecionados. As
novidades ficam por conta do número de grupos selecionados (somente quatro, cerca da
308
metade das demais rodadas) e também pela presença do grupo tipo de texto / sequência
textual, que não tinha sido selecionado até então. Os valores dos pesos relativos também se
revelaram, em geral, mais acentuados. Comparando esta rodada com a rodada que
analisava todos os dados, os fatores que, antes, se mostraram desfavorecedores ao uso de
infinitivo gerundivo, estão, agora, ainda mais desfavorecedores. O mesmo vale para os
fatores favorecedores, que, agora, são mais favorecedores ao emprego de a + infinitivo,
conforme verificamos na tabela abaixo:
TEMPO
Nº DE
OCORRÊNCIAS
DE INF. GER. /
TOTAL
PERCENTUAL
PESO RELATIVO
(RODADA COM
ESTRUTURAS
ANALÍTICAS)
PESO
RELATIVO
(RODADA COM
TODOS)
Fase 0 (1901-1910) 11 / 38 28% .09 .24
Fase 1 (1911-1920) 05 / 43 11% .05 .24
Fase 2 (1921-1930) 06 / 25 24% .09 .22
Fase 3 (1931-1940) 17 / 37 45% .31 .44
Fase 4 (1941-1950) 19 / 33 57% .38 .51
Fase 5 (1951-1960) 16 / 25 64% .52 .65
Fase 6 (1961-1970) 29 / 33 87% .83 .71
Fase 7 (1971-1980) 40 / 52 76% .72 .75
Fase 8 (1981-1990) 33 / 36 91% .89 .78
Fase 9 (1991-2000) 33 / 35 94% .97 .80
TOTAL 209 / 357 58% - -
Tabela 32: Distribuição de infinitivo gerundivo ao longo do séc. XX
Mediante observação da tabela acima, verificamos que o padrão referente aos três
diferentes períodos já identificados nas rodadas anteriores se mantém. As taxas de uso de
infinitivo gerundivo têm avanços mais bruscos no início da década de 1930 e, depois, no
início da de 1960, dividindo o século em três fases claras em nosso corpus.
Os pesos relativos da primeira parte do século XX, porém, se mostram como muito
mais desfavorecedores ao uso de infinitivo gerundivo nas estruturas analíticas do que
quando considerávamos o total de dados, nas rodadas anteriores, tendo pesos relativos
iguais a .09, .05 e .09, respectivamente a cada uma das três primeiras décadas do século.
Da mesma maneira, os pesos relativos no final do século também são mais
expressivos nessa rodada, mostrando-se maiores aqui em relação às anteriores, com pesos
309
relativos de .72, .89 e .97 nas três últimas décadas do século, sinalizando haver ainda mais
tendência ao uso de infinitivo gerundivo nessas estruturas do que nas demais. Tais
resultados, em se tratando de um grupo de fatores relacionado à passagem do tempo,
indicam que o uso de infinitivo gerundivo nessas estruturas, analíticas, se torna cada vez
mais contundente conforme avançamos no tempo.
Em seguida, analisaremos o grupo estrutura verbal, que também foi selecionado
como relevante nessa rodada de dados.
ESTRUTURA VERBAL Nº DE OCORRÊNCIAS
DE INF. GER. / TOTAL PERCENTUAL
PESO
RELATIVO
Estrutura sintética - - -
Auxiliar ESTAR 98 / 173 56% .45
Auxiliar ANDAR 15 / 25 60% .72
Auxiliar FICAR 14 / 26 53% .38
Semiauxiliar CONTINUAR 49 / 57 85% .89
Outros semiauxiliares 30 / 37 81% .85
Construções com Verbos leves - - -
Construções com Verbos modais 03 / 39 7% .01
TOTAL GERAL 209 / 357 58% -
Tabela 33: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Estrutura Verbal
Como se pode observar na tabela acima, os resultados de pesos relativos dessa
rodada também indicam as construções analíticas com verbos semiauxiliares como as
maiores favorecedoras ao uso de a + infinitivo. A presença de tais dados nesse recorte do
corpus pode ter provocado uma queda no peso relativo dos “auxiliares clássicos”, que
costumam compor o chamado “progressivo”, sempre apontado como principal contexto de
avanço do infinitivo gerundivo no Português Europeu. Isso provavelmente tenha ocorrido
porque, de maneira geral, a presença de a + infinitivo nas construções com semiauxiliares é
muito mais frequente do que a de gerúndio, talvez devido à regência de esses
semiauxiliares exigir a preposição a, conforme já cogitamos antes. Portanto, em relação às
construções com semiauxiliares, as construções com “auxiliares clássicos” acabaram por
parecer ambientes menos favoráveis ao uso de a + infinitivo que aquelas.
A diminuição do peso relativo dos “auxiliares clássicos” foi tal que as construções
com os verbos auxiliares estar e ficar – tão característicos do emprego do infinitivo
310
gerundivo – chegaram a aparecer como desfavorecedoras ao uso de infinitivo gerundivo
nessa rodada, com pesos relativos de .45 e .38, respectivamente. A possibilidade de essa
ser a razão de termos tido pesos relativos tão baixos para esses fatores é grande, visto que,
conforme já observamos nas rodadas com estruturas sintéticas, as construções analíticas
com os auxiliares estar, andar e ficar sempre têm aparecido como bastante favorecedoras
ao emprego de infinitivo gerundivo. Para verificar se, de fato, foi esse o caso, na rodada
que apresentaremos a seguir, também analisaremos os resultados com um recorte no
corpus formado exclusivamente pelas construções perifrásticas, mas, dessa vez,
compreendendo apenas as constituídas pelos “auxiliares clássicos”.
Já o grupo posição do clítico, também selecionado em todas as rodadas anteriores a
esta, se apresentou, de maneira geral, semelhante às demais rodadas, mas com uma
diferença. Observemos a tabela abaixo:
POSIÇÃO DO CLÍTICO
Nº DE
OCORRÊNCIAS
DE INF. GER. /
TOTAL
PERCENTUAL
PESO
RELATIVO
(RODADA
COM EST.
ANALÍTICAS)
PESO
RELATIVO
(RODADA
COM
TODOS)
Próclise 06 / 24 25% .21 .15
Ênclise 21 / 28 75% .89 .49
Clítico entre o verbo
aux. e o principal 02 / 11 18% .04 .09
Não se aplica / Não há
clítico 180 / 294 61% .50 .51
TOTAL GERAL 209 / 357 58% - -
Tabela 34: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Posição do Clítico
Ao analisarmos as duas últimas colunas da tabela acima, podemos perceber que os
pesos relativos se mantiveram parecidos nas duas rodadas, na maioria dos casos, exceto
para as ocorrências de ênclise, que, antes, se revelaram favorecedoras ao uso de a +
infinitivo, com .89 de peso relativo e, agora, apareceram como “neutras”, praticamente
irrelevantes para a variação, com .49 de peso relativo.
Quanto ao fator clítico entre o verbo auxiliar e o principal, que desejávamos
observar nas rodadas exclusivamente realizadas com dados analíticos, constatamos que o
311
padrão desfavorecedor ao emprego de infinitivo gerundivo se manteve nesse contexto
semelhante ao resultado apresentado na rodada geral inicial.
Por fim, o último grupo de fatores selecionado nessa rodada foi o grupo tipo de
texto, que ainda não tinha sido selecionado em nenhuma das rodadas anteriores. Os
resultados foram:
TIPO DE TEXTO Nº DE OCORRÊNCIAS
DE INF. GER. / TOTAL PERCENTUAL
PESO
RELATIVO
Narrativo 111 / 172 64% .60
Dissertativo-argumentativo 96 / 179 53% .39
Descritivo 02 / 06 33% .69
TOTAL GERAL 209 / 357 58% -
Tabela 35: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Tipo de Texto
De acordo com a tabela acima, o tipo de texto dissertativo-argumentativo revelou-
se desfavorecedor ao uso da variante inovadora (.39), ao passo que os tipos narrativo e
descritivo mostraram-se favorecedores, com pesos relativos de .60 e .69, respectivamente.
Conforme já mencionado no capítulo de metodologia, em Mothé (2007), o tipo descritivo
também foi apontado como favorecedor ao uso de infinitivo gerundivo, com peso relativo
.66, semelhante ao presente resultado. Já o tipo narrativo apareceu como desfavorecedor
naquela pesquisa, com peso relativo .31, enquanto, aqui, aparece como favorecedor, com
.60. O tipo dissertativo-argumentativo aqui se revelou desfavorecedor, com peso relativo
.39. Em Mothé (2007), esse tipo era subdividido em dois: dissertativo, com .65 e
argumentativo, com .28. Lembramos que, em nossa pesquisa anterior, o grupo foi
selecionado na rodada com todos os dados de língua escrita do Português Europeu, ao
passo que aqui foi selecionado, por enquanto, somente na rodada apenas com estruturas
analíticas. Vejamos se nas próximas rodadas o grupo voltará a ser selecionado.
5.1.5. Estruturas Analíticas (somente com “auxiliares clássicos”)
De acordo com o que mencionamos na seção anterior, decidimos verificar a
variação entre gerúndio e infinitivo gerundivo analisando somente os dados com estruturas
312
perifrásticas formadas pelos verbos estar, andar e ficar. Isso significa que a diferença entre
esta e a rodada anterior é o fato de, aqui, terem sido excluídos todos os dados com
perífrases formadas por semiauxiliares e/ou verbos modais. Dessa vez, também apenas
quatro grupos foram selecionados como relevantes para a variação, mas um dos grupos foi
diferente em relação à rodada anterior. Os quatro grupos selecionados se encontram na
tabela abaixo, na seguinte ordem:
GRUPOS DE FATORES SELECIONADOS NA RODADA QUE OPÕE AS DIFERENTES
ESTRUTURAS ANALÍTICAS COM “AUXILIARES CLÁSSICOS”
NO CORPUS DE PORTUGAL CONTINENTAL
1 Tempo
2 Tipo de Texto / Sequência Textual
3 Interpolação de item lexical entre o verbo auxiliar e o verbo principal
4 Posição do clítico
Input da rodada: 0,655 / p = 0,001
Tabela 36: Grupos de fatores selecionados na rodada que opõe SOMENTE as diferentes
ESTRUTURAS ANALÍTICAS com auxiliares ESTAR, ANDAR e FICAR em Portugal Continental
Como se pode verificar, a diferença entre esta rodada e a anterior diz respeito ao
grupo estrutura verbal, que não foi selecionado aqui, e ao grupo interpolação de item
lexical entre o verbo auxiliar e o verbo principal, selecionado nesta e não naquela rodada.
O grupo tempo foi o primeiro a ser selecionado no cálculo de pesos relativos e com
números bastante significativos na diacronia do século XX. Essa rodada manteve o mesmo
padrão de avanço que as outras, com maior destaque para o aumento nas três diferentes
fases já mencionadas ao longo do período pesquisado.
Além do cálculo de pesos relativos, nessa rodada que contrasta a variação entre
gerúndio e infinitivo gerundivo no contexto mais típico de avanço da variante inovadora,
consideramos também pertinente analisarmos os números referentes à distribuição desta
nas diferentes regiões aqui estudadas, apesar de o grupo de fatores região não ter sido
selecionado como relevante para a variação nesse recorte de dados (da mesma forma como
nos demais até então). Assim, expomos abaixo uma tabela análoga à Tabela 7, com a
distribuição do infinitivo gerundivo em cada uma das regiões ao longo do século XX, mas,
agora, restringindo os resultados aos dados de estruturas perifrásticas constituídas por
verbos auxiliares estar, andar e ficar.
313
REGIÕES ► NORTE CENTRO LISBOA ALENTEJO ALGARVE TOTAL
FASES
▼
Nº
de
oco
rrên
cia
s
de
inf.
ger
. /
tota
l
Per
cen
tua
l (%
)
Nº
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oco
rrên
cia
s
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inf.
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tota
l
Per
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Nº
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l
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oco
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l
Per
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l (%
)
Nº
de
oco
rrên
cia
s
de
inf.
ger
. /
tota
l
Per
cen
tua
l (%
)
1901 - 1910 01/06 17 00/02 0 01/05 20 00/04 0 03/06 50 05/23 22
1911 - 1920 00/03 0 00/05 0 01/07 14 00/00 - 01/13 8 02/28 7
1921 - 1930 00/04 0 01/03 33 01/08 12 01/01 100 00/01 0 03/17 18
1931 - 1940 01/01 100 01/05 20 02/04 50 01/03 33 01/05 20 06/18 33
1941 - 1950 06/06 100 00/04 0 01/04 25 03/05 60 02/05 40 12/24 50
1951 - 1960 01/01 100 00/00 - 01/04 25 03/04 75 03/05 60 08/14 57
1961 - 1970 03/03 100 07/07 100 04/05 80 02/02 100 02/02 100 18/19 95
1971 -1980 11/11 100 11/11 100 08/08 100 04/04 100 00/06 0 34/40 85
1981 - 1990 09/09 100 02/02 100 07/07 100 00/01 0 02/02 100 20/21 95
1991 - 2000 04/04 100 04/04 100 05/05 100 03/03 100 04/04 100 20/20 100
TOTAL 36/48 75 26/43 60 31/57 54 17/27 63 18/49 37 127 /
224 57
Tabela 37: Distribuição de infinitivo gerundivo em estruturas perifrásticas por região ao longo do séc.
XX
A análise da tabela acima deixa explícito o claro aumento no uso do infinitivo
gerundivo em estruturas perifrásticas com os verbos auxiliares estar, andar e ficar em
nosso corpus, tanto analisando os dados do PE como um todo, quanto analisando as
regiões separadamente. Apesar da pouca quantidade de dados em números absolutos, é
importante ressaltar que, a partir da década de 1960, 17 dentre as 20 células de dados de
todas as regiões apresentam 100% dos dados com a variante inovadora. Ademais, nesse
recorte de dados, a região Norte surge com a maior taxa percentual de uso de infinitivo
gerundivo, 75%, ao passo que o Algarve apresenta a menor taxa, 37%, aparentemente
confirmando, para esse tipo de construção, em nosso corpus, um padrão inovador no Norte
e conservador no sul quanto ao uso de infinitivo gerundivo. As outras três regiões do país,
Centro, Lisboa e Alentejo, apresentam percentuais próximos uns dos outros, oscilando
entre 54% e 63%. Convém, porém, destacar que, dentre esses, o maior índice de uso de a +
infinitivo, 63%, é no Alentejo.
314
Também é pertinente destacar que, nas três últimas décadas do século (1971 a
2000), de um total de 71 dados (40 na década de 1970; 21 na década de 1980; e 20 na
década de 1990), conforme se pode verificar na última coluna da tabela, houve apenas sete
dados com gerúndio, todos eles nas duas regiões apontadas como conservadoras: Alentejo
(um dado na década de 1980) e Algarve (seis dados na década de 1970). Todos os outros
64 dados desse período foram com infinitivo gerundivo, em todas as regiões. A evidente
predominância do uso de infinitivo gerundivo nas construções perifrásticas em nossos
dados nessas últimas quatro décadas do século XX é tão grande, que posteriormente
faremos rodadas estatísticas unindo determinadas fases do século para verificar a variação
nesses períodos de tempo nos quais houve maiores avanços de a + infinitivo.
A partir da última coluna de resultados, onde se verifica a taxa de emprego de
infinitivo gerundivo somando os dados de todas as regiões, ou seja, desconsiderando as
diferenças diatópicas, podemos chegar ao seguinte gráfico, que nos permite ver com maior
clareza o avanço do uso de infinitivo gerundivo nas notícias de nosso corpus ao longo do
século nas construções com auxiliares clássicos:
Gráfico 5: Percentual de uso de infinitivo gerundivo em estruturas analíticas com auxiliares ESTAR,
ANDAR e FICAR ao longo do séc. XX em Portugal Continental
0
20
40
60
80
100
1900 1910 1920 1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990
22
7
18
33
50 57
95
85
95 100
Infinitivo Gerundivo em
Portugal Continental no Século XX Estruturas Analíticas com auxiliares ESTAR, ANDAR e FICAR
Infinitivo Gerundivo
315
Os resultados mostram que 100% dos dados de estruturas analíticas com os
auxiliares estar, andar e ficar ocorreram com infinitivo gerundivo na década de 1990 em
nosso corpus. Embora sejam poucos dados em números absolutos, o resultado não deixa de
ser bastante significativo, uma vez que indica que, na última década do século XX, em
TODAS as regiões de Portugal Continental houve emprego categórico da variante
inovadora em nossos dados, oriundos de notícias. Tal resultado extraído a partir dos dados
de notícias do século XX confirma a hipótese desta tese, segundo a qual a estrutura de
infinitivo gerundivo, especialmente nos dados de progressivo, com estruturas analíticas,
estaria avançando indistintamente por todas as regiões de Portugal, ou seja, mesmo
naquelas consideradas conservadoras, como o Alentejo e o Algarve.
Além disso, esses resultados também são semelhantes aos de Móia & Viotti (2004),
que encontraram, em uma amostra de 6,3 milhões de palavras de jornais recentes do PE (o
corpus Natura-Público, constituído por jornais da década de 1990), apenas 1% de dados de
gerúndio em construções com o auxiliar estar (somente 27 dados versus 4.231 com
infinitivo gerundivo, conforme já tínhamos comentado no item 2.5 do capítulo 2 desta
tese). Com base no mesmo corpus, os autores também afirmam que o PE prefere o uso de
a + infinitivo (em relação ao gerúndio) em construções formadas pelos auxiliares andar e
ficar (conforme explicitamos no Quadro 9: Gerúndio perifrástico no PB e no PE, segundo
Móia & Viotti (2004), no mesmo item do capítulo 2 deste trabalho), o que igualmente é
endossado pelos nossos resultados mostrados acima.
O grupo tipo de texto, embora também tenha sido selecionado na rodada anterior,
apresentou, aqui, resultados diferentes dos de lá. Vejamos:
TIPO DE TEXTO
Nº DE
OCORRÊNCIAS
DE INF. GER. /
TOTAL
PERCENTUAL
PESO
RELATIVO
(RODADA
COM AUX.
CLÁSSICOS)
PESO
RELATIVO
(RODADA
COM
TODOS)
Narrativo 80 / 112 71% .69 .60
Dissertativo-argumentativo 47 / 108 43% .30 .39
Descritivo 01 / 04 25% .30 .69
TOTAL GERAL 127 / 224 56% - -
Tabela 38: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Tipo de Texto
316
De acordo com a tabela, o tipo narrativo mostrou-se ainda mais favorecedor ao uso
do infinitivo gerundivo do que na rodada anterior, passando de .60 a .68. O tipo
dissertativo-argumentativo por sua vez, foi ainda mais desfavorecedor (de .39 para .30). O
tipo descritivo, entretanto, demonstrou comportamento oposto à rodada anterior, passando
de um peso relativo interpretado como favorecedor à ocorrência de infinitivo gerundivo
(.60) a um peso relativo desfavorecedor, de .30.
O grupo posição do clítico também foi selecionado na rodada que ora comentamos.
POSIÇÃO DO
CLÍTICO
Nº DE
OCORRÊNCIAS
DE INF. GER. /
TOTAL
PERCENTUAL
PESO
RELATIVO
(RODADA C/
ANALÍTICOS
“CLÁSSICOS”)
PESO
RELATIVO
(RODADA C/
AS TODAS
ANALÍTICAS)
PESO
RELATIVO
(RODADA
COM
TODOS)
Próclise 02 / 19 10% .08 .21 .15
Ênclise 10 / 15 66% .76 .89 .49
Clítico entre
o verbo aux.
e o principal
- - - .04 .09
Não se
aplica / Não
há clítico
116 / 190 61% .53 .50 .51
TOTAL
GERAL 128 / 224 57% - - -
Tabela 39: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Posição do clítico
De acordo com a tabela acima, é possível perceber que os mesmos padrões das
rodadas anteriores se mantiveram: a variação entre gerúndio x a + infinitivo é praticamente
neutra nos dados em que não há clíticos (não se aplica); os dados em próclise
desfavorecem o emprego de infinitivo gerundivo (.08); e os dados em ênclise favorecem o
emprego da variante inovadora (.76).
Convém mencionar que, nessa rodada, o fator relativo à presença do clítico entre o
verbo auxiliar e o principal apresentou apenas cinco dados, todos eles com a forma
nominal gerúndio. Da mesma forma, houve dentre o total de 224 dados dessa rodada, dez
ocorrências de ênclise, todas elas com infinitivo gerundivo. Ou seja, dois dos fatores
317
apresentaram-se categóricos: um com gerúndio e o outro com infinitivo. Sendo assim,
amalgamamos esses dois fatores na fase de Ivarb.
O fato de não haver qualquer dado de clítico entre o verbo auxiliar e o verbo
principal com infinitivo gerundivo reforça nossa intuição já mencionada, segundo a qual a
estrutura verbo auxiliar + a + infinitivo estaria sofrendo processo de gramaticalização para
indicar aspecto progressivo no PE. Por isso, ao menos nas notícias dos jornais lusos do
século XX que constituem nosso corpus, estaríamos vendo pouca possibilidade de
interpolação de elementos entre o verbo auxiliar e o verbo principal, pois a construção
possivelmente esteja se fixando cada vez mais como estrutura de aspecto progressivo.
Vale ressaltar que, dentre todas as rodadas realizadas até então, esta foi a única que
não selecionou como relevante para a variação o grupo estrutura verbal. Os pesos relativos
dos três fatores apresentaram-se próximos da neutralidade no nível 1 do stepping up do
cálculo de pesos relativos (estar = .50, andar = .52 e ficar = .46). Esse resultado era
esperado, pois demonstra que todas as estruturas analíticas com auxiliares “clássicos” se
comportam de maneira semelhante umas em relação às outras na evolução da variante
inovadora em nosso corpus. Isso quer dizer que não há diferenças significativas quanto ao
padrão de avanço do infinitivo gerundivo em estruturas com os auxiliares estar, andar e
ficar nas notícias de jornais lusitanos.
5.1.6. Estruturas Analíticas (somente com “auxiliares clássicos”) em três fases do
século XX
Observando as rodadas realizadas até então, é possível perceber, conforme já
comentamos, que o avanço do infinitivo gerundivo foi mais significativo em dois
momentos do século XX: na virada da década de 1920 para a década de 1930; e na virada
da década de 1960 para a de 1970. Com isso, é como se, para esse fenômeno linguístico,
nas notícias dos jornais lusos que constituem o corpus, a variação estivesse dividida em
três fases: 1- 1901 a 1930; 2- 1931 a 1960; e 3- 1961 até o fim do século. Sendo assim,
optamos por realizar algumas rodadas estatísticas nas quais pudéssemos analisar a variação
nesses recortes temporais e não somente por década, como temos feito até então.
318
Como a rodada em que mais se pode observar o avanço da construção chamada de
progressivo é aquela que contrasta exclusivamente os dados perifrásticos, fizemos com tais
estrututras a análise estatística com esse novo recorte temporal. Os grupos selecionados
como relevantes para a variação foram:
GRUPOS DE FATORES SELECIONADOS NA RODADA QUE OPÕE AS DIFERENTES
ESTRUTURAS ANALÍTICAS COM “AUXILIARES CLÁSSICOS”
EM TRÊS FASES CRONOLÓGICAS DO CORPUS DE PORTUGAL CONTINENTAL
1 Tempo
2 Tipo de Texto / Sequência Textual
3 Posição do clítico
4 Interpolação de item lexical entre o verbo auxiliar e o verbo principal
Input da rodada: 0,630 / p = 0,014
Tabela 40: Grupos de fatores selecionados na rodada que opõe SOMENTE as diferentes
ESTRUTURAS ANALÍTICAS com auxiliares ESTAR, ANDAR e FICAR em Portugal Continental em
três fases do séc. XX
Como se pode verificar, os grupos selecionados são exatamente os mesmos da
rodada anterior (que continha o mesmo recorte de dados). A diferença é observarmos,
agora, a distribuição dos dados ao longo do tempo em outros recortes cronológicos. A
distribuição dos dados, agora, passa a ser a seguinte:
REGIÕES
► NORTE CENTRO LISBOA ALENTEJO ALGARVE TOTAL
FASES
▼
Nº
de
oco
rrên
cia
s
de
inf.
ger
. /
tota
l
Per
cen
tua
l (%
)
Nº
de
oco
rrên
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s
de
inf.
ger
. /
tota
l
Per
cen
tua
l (%
)
Nº
de
oco
rrên
cia
s
de
inf.
ger
. /
tota
l
Per
cen
tua
l (%
)
Nº
de
oco
rrên
cia
s
de
inf.
ger
. /
tota
l
Per
cen
tua
l (%
)
Nº
de
oco
rrên
cia
s
de
inf.
ger
. /
tota
l
Per
cen
tua
l (%
)
Nº
de
oco
rrên
cia
s
de
inf.
ger
. /
tota
l
Per
cen
tua
l (%
)
1901 - 1930 01/13 08 01/10 10 03/20 15 01/05 20 04/20 20 10/68 15
1931 -1960 08/08 100 01/09 11 04/12 33 07/12 58 06/15 40 26/56 46
1961 - 2000 27/27 100 24/24 100 24/25 96 09/10 90 08/14 57 92/100 92
TOTAL 36/48 75 26/43 60 31/57 54 17/27 63 18/49 37 127 /
224 57
Tabela 41: Distribuição de infinitivo gerundivo em estruturas perifrásticas “clássicas” por região em
três fases do séc. XX
319
A tabela acima nos deixa claro o avanço do infinitivo gerundivo nas três fases que
analisamos nessa rodada. Enquanto, na fase A (1901 a 1930), a taxa de uso de infinitivo
gerundivo não passou de 20%, na última fase, ela se mostra quase categórica em quatro
dentre as cinco regiões do corpus de análise. A única região com taxa de uso de infinitivo
gerundivo abaixo dos 90% é o Algarve, que apresentou 57% de uso da variante inovadora,
o que confirmaria seu padrão mais conservador geralmente apontado pelos autores. Apesar
de ser a mais conservadora das cinco regiões no corpus que analisamos, ainda assim o
infinitivo gerundivo tem aumentado no Algarve ao longo das três fases, com percentuais de
20, 40 e 57%. Já o Alentejo, ao contrário do que se costuma afirmar, apresentou taxa de
90% de uso de a + infinitivo, mostrando-se inovador para o fenômeno, com percentuais
bastante semelhantes às taxas de uso de a + infinitivo nas demais regiões usualmente
apontadas como inovadoras.
Na fase B (1931 a 1960), a variação mostrou-se bastante instável diatopicamente. A
região Norte, a mais inovadora delas segundo a literatura, já apresentou desde então uso
categórico de infinitivo gerundivo. Já as demais regiões oscilaram entre 11 e 58% de uso
da construção gerundiva com infinitivo.
Como se pode observar, na penúltima coluna da tabela acima, existem apenas dez
dados de infinitivo gerundivo na fase A desse recorte de dados. Dentre esses dez dados,
cinco são com o auxiliar andar, três com ao auxiliar estar e dois com o auxiliar ficar. Por
serem poucos, voltamos aos nossos arquivos de dados para analisar se havia alguma
peculiaridade acerca desses dados de infinitivo gerundivo despontando nas notícias lusas
do início do século XX de nosso corpus. Ao fazer isso, constatamos que, dentre esses dez
dados, cinco correspondem a dados cujo tipo de estrutura também pode ser interpretado
como sintético. Trata-se de casos em que os verbos estar, andar ou ficar ainda estão num
meio termo entre verbo pleno ou verbo auxiliar. Alguns desses dados já tinham aparecido
neste trabalho. Para esses dados mantivemos a mesma numeração anterior dos exemplos e
acrescentamos numeração sequencial dos exemplos àqueles que aparecem nesta tese pela
primeira vez. São os seguintes dados:
037) O PREÇO DO CAFÉ. PROVOCOU ONTEM Á NOITE, NA
BRASILEIRA, DO ROSSIO, UM GRANDE MOTIM. [...] Por esse
motivo foi requisitada a intervenção da policia que evacuou o
320
estabelecimento que, em seguida, foi encerrado, ficando a guardá-
lo alguns civicos.
(Dado 190 Lisboa, 02 nov 1924)
137) DO CONCELHO. CANELAS. Quando no dia 23 andavam uns
homens a cortar uns pinheiros na mata da Ribeira, limite desta
freguesia, um caiu sobre uma junta de bois, matando um dos
animais e ferindo outro.
(Dado 120 Centro, 28 jan 1923)
195)DESASTRE NO TRABALHO. COM UMA MÃO ESMAGADA.
[...] Ontem, tendo saído o encarregado da fabrica, ficou ele a
substitui-lo, a fim de dar o sinal para largar o trabalho.
(Dado 126 Lisboa, 02 ago 1913)
196)COMÍCIOS REPUBLICANOS. [...] Ali estivemos a ouvil-o e
colher as impressões, que nos deixam estes bemaventurados da
palavra, que sabem envolvel-a de brilhos rutilantes nas formas
mais caprichosas da arte.
(Dado 019 Algarve, 05 abr 1908)
197)Estiveram em Faro, na segunda feira, a cumprimentar o novo
Prelado, o reverendo Marreiros Netto, prior em Alte e seu irmão
dr. Diogo Marreiros Netto, distincto advogado em Loulé.
(Dado 026 Algarve, 26 abr 1908)
A partir dos exemplos expostos acima, podemos perceber que, a depender da
interpretação dada aos verbos estar, andar e ficar, tais construções poderiam ter sido
consideradas como sintéticas, não constituindo exemplos do chamado progressivo, que
pressupõe o emprego de gerúndio ou de infinitivo gerundivo tendo um desses verbos como
verbo auxiliar. Foram casos como esses que discutimos na seção 3.2.5. deste trabalho, na
qual enunciamos os critérios de codificação dos dados para o grupo estrutura verbal. Na
referida seção, apresentamos os questionamentos de Bosque & Demonte (1999) e de
Squartini (1999) acerca da classificação de um verbo como auxiliar ou pleno. Através dos
exemplos 12), 13) e 14), admitimos haver dados limítrofes nos quais paira a dúvida sobre o
status auxiliar ou pleno dos verbos. Verificamos haver a possibilidade de dupla
interpretação de verbos desse tipo e, naquele momento, indicamos que iríamos codificar
tais dados como perífrásticos justamente para não os “perdermos de vista”, para não
“corrermos o risco” de ignorar sua natureza ambígua, em processo de gramaticalização,
como ocorreria se os tivéssemos rotulado apenas como “plenos”.
321
No dado 037), acima, por exemplo, o verbo ficar pode representar um verbo
auxiliar de guardar, bem como pode ser visto com seu conteúdo semântico primordial,
segundo o qual os “cívicos” “ficaram”, “permaneceram” no estabelecimento. O mesmo
vale para o exemplo 137), no qual podemos interpretar o verbo andar como auxiliar de
cortar, com sentido de “hábito”, “costume”, mas também podemos ver nele, ainda, seu
conteúdo semântico original, com sentido de caminhar. Essa dupla possibilidade de
interpretação também ocorre nos demais exemplos acima, nos quais verbos foram
classificados como auxiliares apesar de permitirem uma leitura como verbos plenos, o que
se intensifica nos casos do verbo estar (exemplos 197) e 198)), em que estes aparecem
acompanhados por adjuntos adverbiais de lugar, reforçando a possibilidade de
interpretação desses verbos com o sentido de ficar, permanecer, estar em um determinado
lugar.
Caso esses dados constituam exemplos de estruturas sintéticas (e não perifrásticas),
em vez de dez, teríamos apenas cinco dados de progressivo com infinitivo gerundivo nos
dados de jornais portugueses do início do século XX que constituem nosso corpus. Se
assim for, menor ainda seria a taxa de uso de infinitivo gerundivo no PE de nossa amostra
de dados no início do século, confirmando que o avanço da variante inovadora seria um
fenômeno típico do século XX, nos dados escritos desses jornais lusos, confirmando nossa
hipótese diacrônica para este trabalho.
Com relação à última fase dessa rodada, a situação se inverte: dentre 100
ocorrências de estruturas gerundiais perifrásticas, apenas oito dados são com gerúndio, ao
passo que 92 são com infinitivo gerundivo. Do mesmo modo que fizemos em relação à
fase A, buscamos investigar que dados seriam esses oito que ainda conservam o uso de
gerúndio apesar da elevadíssima taxa de emprego de a + infinitivo nesse período de nosso
corpus. Vale destacar, conforme se verifica na tabela acima, que, dentre esses oito dados,
nenhum deles é nas regiões Norte e Centro, o que ratifica seu reconhecido padrão inovador
para esse fenômeno linguístico. Um dado é na região de Lisboa; um dado, no Alentejo; e
os demais seis dados são todos no Algarve, região considerada conservadora quanto ao
emprego de gerúndio.
Na fase que, aqui, chamamos de C, correspondente ao período de 1961 a 2000,
existem, ao todo, 14 dados de progressivo na região do Algarve: seis com gerúndio e oito
com infinitivo gerundivo. É interessante notar que, todos os seis dados com gerúndio
322
pertencem à década de 1970, ao passo que, nas décadas de 1980 e 1990, todas as
ocorrências gerundiais são com inifitivo gerundivo: duas na década de 1980 e quatro na
década de 1990. Isso poderia sinalizar um avanço da construção inovadora mesmo nessa
região, se analisarmos as décadas separadamente.
Dentre os oito dados com gerúndio nessa última fase da rodada estatística que
comentamos aqui, seis são com o auxiliar estar (cinco na região do Algarve e um em
Lisboa) e dois com o auxiliar ficar (no Alentejo). Nenhum dos dados possui o verbo andar
como auxiliar. Dentre eles, o único que nos chamou a atenção, podendo não ser
perifrástico de acordo com a interpretação dada, foi o do Alentejo, com o auxiliar ficar:
70) VIATURAS NO IMPONENTE DESFILE ATÉ O
CRUZAMENTO PARA A BASE. [...] Quem não conseguiu meio de
transporte, ficou pela berma da estrada saudando os que, em
automóveis, camionetas, atrelados a tractores e motorizadas, se
empolgavam com as palavras de ordem pela Paz e contra a guerra.
(Dado 408 Alentejo, 17/23 jun 1983)
O dado acima, que já tinha sido citado na seção 3.2.8 desta tese, quando
exemplificávamos o fator referência adverbial de modo ou lugar no meio da locução
verbal, permite uma interpretação ambígua do verbo ficar, que pode ser considerado
auxiliar do verbo principal saudar ou pode ser considerado verbo pleno, com sentido de
“permanecer em algum lugar” (interpretação esta que, no caso, é favorecida pela presença
da locução locativa “pela berma da estrada”). Se assim for, a região do Alentejo passa a ser
mais uma sem um dado sequer de gerúndio na construção chamada de progressivo nas
últimas quatro décadas do século XX na amostra de dados que analisamos nesta pesquisa,
o que reforçaria nossa hipótese de que o infinitivo gerundivo estaria avançando mesmo nas
regiões geográficas consideradas conservadoras, tal qual o Alentejo.
Os demais dados com gerúndio nessa última fase do século são, de fato, dados
“clássicos” de progressivo, indubitavelmente constituídos por auxiliar estar + gerúndio (e
um dado com auxiliar ficar). São casos como:
198)II CONGRESSO NACIONAL DE RELIGIOSOS [...] Mais
adiante, disse que foi por ocasião do I Congresso Internacional
das Vocações Reliigiosas efectuado em Roma em 1961, que nasceu
e amadureceu a ideia que naquele momento se estava
concretizando.
(Dado 389 Lisboa, 01 abr 1964)
323
199)NOTAS CITADINAS [...] A Praça Ferreira de Almeida está
passando por algumas modificações, embora, ao que supomos,
provisórias, com a colocação de uma placa no local onde
recentemente foram demolidos alguns prédios.
(Dado 287 Algarve, 30 jan 1972)
200)Ficamos aguardando, ansiosamente, as soluções definitivas.
(Dado 289 Algarve, 30 jan 1972)
201)NOTAS CITADINAS. A lenda das amendoeiras, que ficou por
contar no apreciado e educativo programa da televisão do dr.
Hermano Saraiva, está ressurgindo, mais uma vez, no Algarve, que
se cobre de <<neve>> mercê das belas e pequenas flores brancas
que estão aparecendo por toda a parte (não obstante o mau tempo
que tem feito) e lhe dão aspecto diferente, mais acolhedor – de
infinita beleza espectacular.
(Dados 290 e 291 Algarve, 06 fev 1972)
Nenhum dos exemplos acima já tinha sido citado neste trabalho e, como se vê, são
exemplos de que, mesmo no Português Europeu do final do século XX, ainda se encontram
dados de progressivo com verbo auxiliar estar + gerúndio, por mais avançado que esteja o
emprego do infinitivo gerundivo nessa variedade do português, o que contraria algumas
afirmações que mencionamos no capítulo 1 deste trabalho, tais como a de Bagno (2005) e a
de Vasconcelos & Segatto (1999), na matéria da Revista Época.
Se desconsiderarmos a variação diatópica, observando apenas a última coluna da
Tabela 41, na qual verificamos os valores totais da variação em todo o corpus, poderíamos
formar o gráfico abaixo:
324
Gráfico 6: Percentual de uso de infinitivo gerundivo em estruturas analíticas com auxiliares ESTAR,
ANDAR e FICAR três fases do séc. XX em Portugal Continental
O gráfico mostra claro avanço da variante inovadora no corpus nas três fases
analisadas nessa rodada de dados. A grande relevância do tempo para o fenômeno estudado
fica também bastante evidente ao analisarmos os pesos relativos dos fatores nessa rodada:
TEMPO Nº DE OCORRÊNCIAS
DE INF. GER. / TOTAL PERCENTUAL PESO RELATIVO
Fase A (1901 – 1930) 10 / 68 14% .06
Fase B (1931 – 1960) 26 / 56 46% .32
Fase C (1961 – 1930) 92 / 100 92% .89
TOTAL 128 / 224 57% -
Tabela 42: Distribuição de infinitivo gerundivo em três fases do séc. XX em Portugal Continental
Tais resultados confirmam a hipótese segundo a qual a variante inovadora esteja
avançando ao longo do século XX no PE, o que fica evidente, inclusive, no nosso corpus,
constituído por notícias dos jornais que nos serviram de fontes de dados. Um corpus
jornalístico, em geral, seria considerado menos suscetível à maioria das variações
linguísticas, mas, para o fenômeno que estudamos, tem apresentado clara variação.
Já acerca da distribuição dos dados nessas três fases em relação aos verbos
auxiliares de cada construção, podemos observar o seguinte gráfico:
0
20
40
60
80
100
1901 - 1930 1931 - 1960 1961 - 2000
15
46
92
Infinitivo Gerundivo em
Portugal Continental em três fases do Século XX Estruturas Analíticas com auxiliares ESTAR, ANDAR e FICAR
Infinitivo Gerundivo
325
Gráfico 7: Percentuais de uso de infinitivo gerundivo nos diferentes tipos de Estrutura Analítica em três
fases do séc. XX em Portugal Continental
Como se vê, o aumento do uso de infinitivo gerundivo com cada verbo auxiliar foi
relativamente equilibrado ao longo das três fases do século. A única grande discrepância
diz respeito às construções com verbo auxiliar estar nas primeiras três décadas do século,
que apresentou taxa de uso de infinitivo gerundivo bastante menor (06%) que as
construções com os auxiliares andar e ficar (respectivamente, 42% e 33%).
Quanto aos outros três grupos de fatores selecionados (todos também selecionados
na rodada estatística da seção anterior), os números absolutos e percentuais foram
exatamente os mesmos da rodada anterior (afinal, trata-se dos mesmos dados). Além disso,
com relação aos pesos relativos do uso de infinitivo gerundivo nos grupos tipo de texto /
sequência textual, posição do clítico e interpolação de item lexical entre o verbo auxiliar e
o verbo principal, os valores foram bastante próximos nas duas rodadas, variando, em
geral, em apenas um ou dois pontos para cima ou para baixo. Esse resultado era esperado,
visto que a única diferença entre esta rodada e aquela diz respeito à divisão cronológica
dos dados.
Sendo assim, passemos a outro tipo de análise dos dados gerundiais de nosso
corpus: as estruturas sintéticas.
0
20
40
60
80
100
1901 - 1929 1930 - 1959 1960 - 2000
6
48
93
42 50
100
33 40
80
Infinitivo Gerundivo em três fases do Século XX -
Estruturas Analíticas com auxiliares
ESTAR, ANDAR e FICAR
Auxiliar ESTAR Auxiliar ANDAR Auxiliar FICAR
326
5.1.7. Estrutura Sintética (somente com verbos plenos)
A rodada feita somente com os dados de estruturas sintéticas tinha como objetivo
principal comparar os resultados de pesquisas anteriores (especialmente a de Barbosa
(1999) e a de Mothé (2007)) com os resultados desse novo corpus de análise quanto ao
emprego das duas variantes nas chamadas orações reduzidas de gerúndio (em especial, as
adverbiais). Sabemos que construções sintéticas como essas constituem ambientes, em
geral, apontados como mais conservadores em relação a diversos fenômenos linguísticos.
Sendo assim, o avanço da variante inovadora nesses contextos teria sido bem mais modesto
do que nas construções perifrásticas, o que já constatamos nas primeiras rodadas
estatísticas realizadas, nas quais pudemos observar o quão menos acentuado é o avanço de
infinitivo gerundivo em estruturas sintéticas (conforme vimos no Gráfico 4, apresentado
anteriormente).
Os dados gerundiais sintéticos representam, em sua maioria, orações adverbiais
reduzidas de gerúndio, ou seja, são dados de natureza diferente da natureza dos dados
perifrásticos, que, em geral, se encontram em orações desenvolvidas, com nexos
conjuncionais. Isso significa que, grosso modo, é como se estivéssemos tratando, nesta
pesquisa, de dois fenômenos diferentes: em um deles, avaliamos a variação gerúndio
versus infinitivo gerundivo nas referidas construções sintéticas; no outro, investigamos a
mesma variação, mas em construções perifrásticas, aquelas frequentemente constituídas
pelos auxiliares estar, andar ou ficar + gerúndio / a + infinitivo e a qual costuma ser
identificada como típica do PE (a construção chamada de progressivo, à qual já nos
referimos neste trabalho). O progressivo costuma ser usado para expressar o aspecto
progressivo na língua portuguesa e, sendo assim, os ambientes sintáticos em que ocorre são
os mais variados, visto que, conforme afirmamos acima, tais construções aparecem
acompanhadas de conjuções responsáveis pela ligação sintático-semântica entre as orações
do período. Por outro lado, os dados de estrutura gerundial sintética, na grande maioria dos
casos, conforme mencionamos, correspondem a orações gerundiais reduzidas, sem
conjunções. Isso significa que, nesses dados, a interpretação semântica da oração gerundial
carece quase sempre do contexto linguístico e mesmo extralinguístico para sua
compreensão.
Além disso, com frequência, os fenômenos linguísticos encontram ambiente mais
propício à variação e à consequente mudança em estruturas perifrásticas (que, por sua vez,
327
também são mais características da fala, contextos em que também existe mais
probabilidade de variação e mudança). Sendo assim, para fenômenos em que há
possibilidade de alternância de uso entre estruturas perifrásticas versus estruturas
sintéticas, em geral, as estruturas sintéticas são apontadas como mais conservadoras.
Assim, em relação aos dados sintéticos de nosso corpus, estamos cientes de que,
além de não estarmos diante de dados de progressivo propriamente dizendo (construção
que viu avançar sensivelmente o uso de infinitivo gerundivo ao longo do século XX,
conforme temos mostrado até aqui), também sabemos que, pelo simples fato de serem
sintéticos, esses casos são considerados redutos da forma nominal gerúndio, mesmo no
Português Europeu. Desse modo, almejamos verificar em que medida a variante inovadora
tem avançado nesse tipo de construção em um corpus escrito, pois, se mesmo nesse
contexto o infinitivo gerundivo mostrar aumento significativo, isso pode sinalizar quão
difundida já estaria a variante inovadora em outros contextos da língua considerados
menos conservadores do que os textos escritos (em especial em jornais).
Vejamos, abaixo, a tabela que mostra os números referentes a tal distribuição:
REGIÕES ► NORTE CENTRO LISBOA ALENTEJO ALGARVE TOTAL
FASES
▼
Nº
de
oco
rrên
cia
s
de
inf.
ger
. /
tota
l
Per
cen
tua
l (%
)
Nº
de
oco
rrên
cia
s
de
inf.
ger
. /
tota
l
Per
cen
tua
l (%
)
Nº
de
oco
rrên
cia
s
de
inf.
ger
. /
tota
l
Per
cen
tua
l (%
)
Nº
de
oco
rrên
cia
s
de
inf.
ger
. /
tota
l
Per
cen
tua
l (%
)
Nº
de
oco
rrên
cia
s
de
inf.
ger
. /
tota
l
Per
cen
tua
l (%
)
Nº
de
oco
rrên
cia
s
de
inf.
ger
. /
tota
l
Per
cen
tua
l (%
)
1901 - 1910 00/53 0 02/28 7 02/60 3 03/44 7 00/25 0 07/210 3
1911 - 1920 01/43 2 02/30 7 01/50 2 06/43 14 00/36 0 10/202 4
1921 - 1930 01/67 1 00/43 0 00/45 0 02/31 6 02/30 7 05/216 2
1931 – 1940 03/58 5 05/30 17 02/30 7 01/36 3 00/29 0 11/183 6
1941 - 1950 03/50 6 01/11 9 04/27 15 01/19 5 01/24 4 10/131 7
1951 – 1960 03/38 8 03/28 11 05/23 22 02/37 5 03/18 17 16/144 11
1961 - 1970 02/38 5 00/37 0 03/34 9 05/25 20 03/18 17 13/152 8
1971 – 1980 04/30 13 04/35 11 05/42 12 00/22 0 04/12 33 17/141 12
1981 - 1990 05/33 15 02/14 14 03/31 10 04/25 16 01/10 10 15/113 13
1991 - 2000 04/20 20 00/23 0 05/25 20 01/26 4 03/25 12 13/119 10
TOTAL 26/430 6 19/279 6 30/367 8 25/308 8 17/227 7 117/1611 7
Tabela 43: Distribuição de infinitivo gerundivo em estruturas sintéticas por região ao longo do séc. XX
328
Conforme esperávamos e de acordo com a observação da tabela acima, as
estruturas sintéticas aparentemente são mais resistentes ao avanço de infinitivo gerundivo
do que as estruturas perifrásticas, ao menos nesse corpus constituído por notícias, assim
como já tinha ficado claro no Gráfico 4, no item 5.1.3, acima. Enquanto a variação entre
gerúndio e infinitivo gerundivo nas estruturas analíticas ficou em torno de 55 a 60%, nas
estruturas sintéticas, a média percentual foi de 7%.
Para fazermos um paralelo com dados de língua falada, menos conservadora, vale
mencionar os resultados de Mothé (2007), que avaliou a variação gerúndio x infinitivo
gerundivo no corpus oral do PE do Projeto VARPORT, constituído por textos das décadas
de 1970 e 1990. Naquela pesquisa, a taxa de uso de infinitivo gerundivo nas estruturas
sintéticas de língua falada foi de 59%, considerando essas duas décadas somadas. Esse
valor, como se vê, é bem abaixo do percentual de uso de infinitivo gerundivo de estruturas
perifrásticas do nosso corpus, escrito, que apresenta 85% de uso de a + infinitivo na
década de 1970 e 100% de uso dessa variante na década de 1990 (cf. Tabela 37 e Gráfico
5). Entretanto, mesmo sendo bem menor que o emprego de infinitivo gerundivo nas
estruturas perifrásticas de textos escritos (85%), ainda assim o percentual de uso de
infinitivo gerundivo nas estruturas sintéticas na língua falada daquele corpus (59%) é bem
maior (cerca de cinco vezes maior) do que o percentual de emprego de infinitvo gerundivo
nas estruturas sintéticas do nosso corpus, escrito (7%). Isso mostra que, apesar de mais
conservadoras, as estruturas sintéticas também apresentam sinais de inovação, ainda que
em menores proporções.
Se construirmos um gráfico a partir da evolução do infinitivo gerundivo nos dados
de tipo sintático sintético do corpus de Portugal Continental de nossa presente pesquisa
como um todo, desconsiderando as diferentes regiões (ou seja, a partir da última coluna da
tabela acima), contrastando tais dados àqueles que foram fornecidos no Gráfico 5 acerca
das estruturas analíticas “clássicas”, teremos a seguinte imagem:
329
Gráfico 8: Percentual de uso de infinitivo gerundivo em estruturas analíticas com auxiliares ESTAR,
ANDAR e FICAR x estruturas sintéticas ao longo do séc. XX em Portugal Continental
Conforme se pode verificar, as taxas de uso de infinitivo gerundivo com estruturas
perifrásticas são bastante maiores que as taxas com estruturas sintéticas, mostrando que
estas são mais conservadoras que aquelas em nosso corpus de notícias. Contudo, apesar
dessa diferença, o padrão ascendente também pode ser constatado nas estruturas sintéticas
que, no início do século XX, apresentavam cerca de 3% de uso de infinitivo gerundivo e,
ao fim, em torno de 11%. Ou seja, ainda que com avanço mais discreto, o infinitivo
gerundivo também avança nas construções sintéticas, em geral vistas como conservadoras.
Para tentar tornar mais clara a variação no tempo quanto ao uso de a + infinitivo
nas estruturas sintéticas, calculamos as taxas de emprego da variante inovadora em três
fases do século XX, a semelhança do que fizemos, acima, na rodada descrita na seção 5.1.6
deste trabalho. Para isso, unimos as décadas de 1900, 1910 e 1920 em uma fase que
chamamos de A; as décadas de 1930, 1940 e 1950 em uma fase B; e as décadas de 1960,
1970, 1980 e 1990 em uma fase que denominamos C. O resultado foi o seguinte:
0
20
40
60
80
100
1900 1910 1920 1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990
22
7
18
33
50 57
89 85
95 100
3 4 2 6 7
11 8 12 13 10
Infinitivo Gerundivo em
Portugal Continental no Século XX Estruturas Analíticas "Clássicas" x Estruturas Sintéticas
Estruturas Analíticas "Clássicas" Estruturas Sintéticas
330
Gráfico 9: Percentual de uso de infinitivo gerundivo em estruturas analíticas com auxiliares ESTAR,
ANDAR e FICAR x estruturas sintéticas em três fases do séc. XX em Portugal Continental
O Gráfico 9 ratifica o que temos mostrado: apesar de menos impactante, a variante
inovadora também avança nas construções sintéticas ao longo do século XX.
Procedemos à fase de cálculo de pesos relativos para identificar os fatores que
eventualmente favoreçam o uso de infinitivo gerundivo nas construções sintéticas das
notícias de nosso corpus e os resultados que obtivemos foram os seguintes:
GRUPOS DE FATORES SELECIONADOS NA RODADA QUE OPÕE DADOS DE
ESTRUTURA SINTÉTICA “CLÁSSICA” DO CORPUS DE PORTUGAL CONTINENTAL
1 Tipo semântico de oração
2 Tipo semântico de verbo
3 Tipo sintático de oracao
4 Tempo
5 Referência adverbial
Input da rodada: 0,012 / p = 0,019
Tabela 44: Grupos de fatores selecionados na rodada que opõe SOMENTE as ESTRUTURAS
SINTÉTICAS “CLÁSSICAS” em Portugal Continental ao longo do séc. XX
Como se pode perceber, mesmo nessa rodada de dados considerados mais
conservadores quanto ao uso de gerúndio, o grupo tempo foi selecionado como relevante
0
50
100
1901 - 1930 1931 - 1960 1961 - 2000
15
46
92
3 8 11
Infinitivo Gerundivo em
Portugal Continental em três fases do Século XX Estruturas Analíticas x Estruturas Sintéticas
Estruturas Analíticas Estrutura Sintética
331
para a variação. Na verdade, os grupos selecionados como relevantes para a variação nessa
rodada são bastante semelhantes aos grupos selecionados na rodada com todos os dados de
Portugal, como se pode verificar na tabela abaixo:
PORTUGAL CONTINENTAL
SOMENTE ESTRUTURA SINTÉTICA
PORTUGAL CONTINENTAL
TODOS OS DADOS
1 Tipo semântico de oração Estrutura verbal
2 Tipo semântico de verbo Tempo
3 Tipo sintático de oracao Tipo sintático de oração
4 Tempo Referência adverbial
5 Referência adverbial Tipo semântico de verbo
6 - Posição do clítico
7 - Tipo semântico de oração
Input = 0,012 / p = 0,019 Input = 0,044 / p = 0,035
Tabela 45: Grupos de fatores selecionados nas rodadas com TODOS os dados x dados sintéticos do
corpus de Portugal Continental
Dentre os sete grupos selecionados como relevantes para a variação na rodada com
todos os dados, apenas dois não foram também selecionados nesta rodada: o grupo
estrutura verbal (que sequer existia na presente rodada, já que só havia nela dados
sintéticos) e o grupo posição do clítico. Tal semelhança nos resultados parece apontar para
o fato de que, mesmo mais conservadores, os dados sintéticos também apresentam
aumento da variante inovadora. Seguem, abaixo, os valores referentes ao grupo tempo:
TEMPO Nº DE OCORRÊNCIAS
DE INF. GER. / TOTAL PERCENTUAL PESO RELATIVO
Fase 0 (1901 – 1910) 07 / 210 3 % .27
Fase 1 (1911 – 1920) 10 / 202 4 % .43
Fase 2 (1921 – 1930) 05 / 216 2 % .23
Fase 3 (1931 – 1940) 11 / 183 6 % .47
Fase 4 (1941 – 1950) 10 / 131 7 % .53
Fase 5 (1951 – 1960) 16 / 144 11 % .72
Fase 6 (1961 – 1970) 13 / 152 8 % .60
Fase 7 (1971 – 1980) 17 / 141 12 % .70
Fase 8 (1981 – 1990) 15 / 113 13 % .72
Fase 9 (1991 – 2000) 13 / 119 10 % .65
TOTAL 117 / 1611 7 % -
332
Tabela 46: Distribuição de infinitivo gerundivo ao longo do séc. XX nas estruturas sintéticas de
Portugal Continental
Embora os padrões de favorecimento e desforecimento da variante inovadora nesta
rodada sejam semelhantes aos da rodada com todos os dados (analíticos e sintéticos), por
se tratar de um grupo de grande relevância para os dados sintéticos, majoritariamente
constituídos por orações gerundiais reduzidas, optamos por explicitar os resultados
referentes ao tipo sintático de oração:
TIPO SINTÁTICO DE ORAÇÃO Nº DE OCORRÊNCIAS
DE INF. GER. / TOTAL PERCENTUAL
PESO
RELATIVO
Absoluta 07 / 09 77 % .79
Coordenada SINDÉTICA 08 / 145 05 % .74
Coordenada ASSINDÉTICA 01 / 43 02 % .61
Oração principal 02 / 03 66 % .99
Relativa RESTRITIVA (geral) 20 / 103 19 % .94
Relativa EXPLICATIVA (geral) 09 / 94 09 % .86
Substantivas 04 / 10 40 % .97
Adverbial CONDICIONAL 03 / 26 11 % .93
Adverbial MODAL 14 / 260 05 % .70
Adverbial TEMPORAL 14 / 112 12 % .70
OUTRAS adverbiais 34 / 305 11 % .85
“Subordinada aditiva” 01 / 501 0 % .03
TOTAL GERAL 117 / 1611 07 % -
Tabela 47: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Tipo Sintático de Oração nas
estruturas sintéticas
Como se pode observar, com exceção das chamadas “subordinadas aditivas”, todos
os demais contextos sintáticos parecem favorecer o uso de a + infinitivo nas estruturas
sintéticas, inclusive as orações adverbiais modais, as temporais e as condicionais, já
apontadas por Barbosa (1999) como favorecedoras da variante inovadora nesse tipo de
estrutura. Quatro delas, entretanto, se mostraram ainda mais favorecedoras que as outras,
apresentando pesos relativos acima de .90 de relevância para a variação. Trata-se das
orações principais, das substantivas, das relativas restritivas e das adverbiais
condicionais, com os seguintes respectivos pesos relativos: .99, .97, .94 e .93. Esses
resultados mostram que, de fato, a sintaxe das orações em que existe a possibilidade de
333
variação entre gerúndio e infinitivo gerundivo realmente influencia no uso de uma das
variantes, favorecendo, na grande maioria dos casos, a construção a + infinitivo na nossa
amostra de dados de PE.
Há de se comentar o único tipo sintático apontado como desfavorecedor ao
emprego de infinitivo gerundivo: as chamadas subordinadas aditivas. Como se pode
verificar, nesse recorte do corpus, em um total de 501 orações desse tipo, apenas uma delas
é com a variante inovadora. Também é interessante perceber que, na rodada com todos os
dados (analíticos e sintéticos), havia 559 dados de orações subordinadas aditivas. Dentre
esses, 08 dados eram com infinitivo gerundivo (cf. Tabela 12, no item 5.1.1, acima). Ou
seja, se antes de excluirmos os dados analíticos havia 559 dados desse fator, significa que
apenas 58 dados eram com estruturas analíticas, ou seja, cerca de 10% do total de
ocorrências de subordinadas aditivas. Isso mostra que, na grande maioria das vezes em
que esse tipo sintático ocorreu, foi justamente com dados sintéticos, sem verbos auxiliares.
Voltando à presente rodada, o único dado de infinitivo gerundivo em estrutura
sintática sintética codificado como oração subordinada aditiva foi o seguinte:
202)NOTAS CITADINAS. Motivo, mais um, de atração turística,
este bem antigo, do tempo em que o Algarve (então região distante
e pouco acessível e que muitos supunham paredes-meias com
Marrocos...) apenas era conhecido pelas suas amendoeiras
floridas, ele aí está, a preparar-se para atingir a plenitude dentro
de poucos dias – e a chamar, desde já, a atenção dos turistas,
nacionais e estrangeiros, que se extasiam ante o tradicional e
incomparável espetáculo da <<neve vegetal>>, que cobre a
<<terra morena>> desde a planície ribeirinha às encostas da
serra, de Vila Real de Santo António ao Promontório Sacro.
(Dado 292 Algarve, 06 fev 1972)
O dado acima, como se pode observar, encontra-se em um período composto por
subordinação e coordenação. Consideramos a oração em destaque como subordinada
aditiva em relação à principal “[...] ele aí está”, mas coordenada assindética em relação à
coordenada sindética (com o conectivo e) “[...] e a chamar, desde já, a atenção dos
turistas nacionais e estrangeiros”. Em relação à oração que consideramos principal “[...]
ele está aí”, a oração gerundial “[...] a preparar-se [...]” parece ser um dos casos do que
Barbosa (1999) chama de gerúndio narrativo, que já comentamos neste trabalho, ou seja,
“uma ou mais orações iniciadas por gerúndio, sem qualquer valor circunstancial ou
334
relativo, mas sim em uma estrutura em coordenação funcionando como um encadeador
discursivo” (BARBOSA, 1999, p. 216). Foi essa ideia de narração, como que adicionando
fatos ao que estava sendo narrado, sem um valor circunstancial ou relativo, que nos fez
classificar tal dado como subordinada aditiva.
Todavia, uma outra possibilidade de classificação seria rotulá-la como coordenada
assindética em relação à oração posterior a ela, conforme mencionamos acima. Se assim
tivéssemos procedido, por exemplo, o fator subordinada aditiva teria se apresentado
categoricamente com a forma normal gerúndio. Talvez a dupla possibilidade de
classificação sintática do único dado de a + infintivo desse fator seja a razão pela qual ele
se apresente tão desfavorecedor ao emprego de a + infinitivo.
Os demais grupos selecionados nesta rodada (tipo semântico de oração, tipo
semântico de verbo e referência adverbial) apresentaram os mesmos padrões de
favorecimento e desfavorecimento já observados nas rodadas anteriores, especialmente na
rodada com todos os dados, já citada acima.
A seguir, analisaremos praticamente as mesmas combinações de dados realizadas
acima, mas com o acréscimo do corpus de notícias proveniente do arquipélago dos Açores.
5.2 Dados de Portugal Continental + Açores
Nesse novo recorte de dados, os princípios que nortearam as rodadas foram os
mesmos dos das rodadas com o corpus exclusivo de Portugal Continental. A diferença é
que, aqui, acrescentamos ao corpus os dados oriundos da região autônoma dos Açores,
também considerada conservadora quanto ao uso do gerúndio. O corpus da região dos
Açores não é constituído por dados de todas as décadas do século XX como são os corpora
das cinco regiões de Portugal Continental. Em vez disso, possuímos apenas amostras de
quatro recortes no tempo: década de 1900, década de 1930, década de 1960 e década de
1990, totalizando 1.014 dados considerando essas quatro décadas das seis regiões somadas.
Trata-se, portanto, exatamente das fases em que observamos maiores saltos nas taxas de
uso de infinitivo gerundivo no corpus das regiões de Portugal Continental, servindo, assim,
para compararmos os resultados obtidos até agora nas rodadas estatísticas já realizadas.
335
5.2.1. TODOS os dados do corpus de Portugal Continental + Açores
Nessa rodada de dados, vemos o comportamento dos dados ao acrescentarmos o
fator referente à região autônoma dos Açores, também usualmente apontada como
conservadora quanto ao uso do gerúndio. Vejamos, abaixo, a tabela com a distribuição dos
1.014 dados desse recorte do corpus.
REGIÕES
► NORTE CENTRO LISBOA ALENTEJO ALGARVE AÇORES
FASES
▼
Nº
de
oco
rrên
cia
s
de
inf.
ger
. /
tota
l
Per
cen
tua
l (%
)
Nº
de
oco
rrên
cia
s
de
inf.
ger
. /
tota
l
Per
cen
tua
l (%
)
Nº
de
oco
rrên
cia
s
de
inf.
ger
. /
tota
l
Per
cen
tua
l (%
)
Nº
de
oco
rrên
cia
s
de
inf.
ger
. /
tota
l
Per
cen
tua
l (%
)
Nº
de
oco
rrên
cia
s
de
inf.
ger
. /
tota
l
Per
cen
tua
l (%
)
Nº
de
oco
rrên
cia
s
de
inf.
ger
. /
tota
l
Per
cen
tua
l (%
)
1901-1910 02/64 3 05/35 14 04/72 6 04/53 8 03/33 9 01/70 1
1931-1940 04/61 7 07/43 16 05/38 13 06/45 13 06/45 14 03/32 9
1961-1970 07/45 16 07/48 15 10/43 23 09/30 30 09/30 35 07/38 18
1991-2000 10/27 37 07/32 22 14/35 40 09/34 26 09/34 24 08/40 20
TOTAL 23/197 12 26/158 16 33/188 18 28/162 17 24/129 19 19/180 11
Tabela 48: Distribuição de infinitivo gerundivo ao longo do séc. XX em Portugal Continental + Açores
Assim como fizemos na rodada exclusivamente com os dados de Portugal
Continental, nos propusemos, agora, com o acréscimo dos dados de Portugal Insular dos
Açores, a representar por meio de um gráfico os resultados referentes à última linha da
tabela acima, indicando os percentuais totais do uso de infinitivo gerundivo em cada uma
das regiões em análise. A linha de TOTAL, conforme explicitado na descrição da Tabela 7,
demonstra as taxas de uso de infinitivo gerundivo ao considerarmos o século XX
sincronicamente, isto é, como um ponto na história. Ou seja, trata-se das taxas de uso do
infinitivo gerundivo NO século XX e NÃO AO LONGO dele. Dessa forma, temos o
seguinte gráfico:
336
Gráfico 10: Percentual de uso de infinitivo gerundivo no séc. XX (em sincronia) em Portugal
Continental + Açores
Como podemos verificar, se compararmos o gráfico acima – que compreende os
dados das décadas de 1900, 1930, 1960 e 1990 – com o Gráfico 1, observamos que ocorre
uma pequena variação nos percentuais de uso de infinitivo gerundivo de cada região.
Afirmamos ser pequena, visto que, naquela rodada, os valores oscilaram entre 14% e 17%
e, aqui, entre 11% e 19%, ou seja, mesmo que a distância entre os dois extremos tenha
aumentado, ainda assim, entendemos que esses valores não indicam, necessariamente, que
alguma das regiões em questão seja mais ou menos conservadora em relação às demais no
nosso corpus constituído por notícias de jornais portugueses do século XX. As diferenças
nos valores percentuais na observação sincrônica desses dados não são tão significativas a
ponto de nos permitir tirar esse tipo de conclusão. Da mesma forma como fizemos nas
rodadas anteriores, observaremos esses resultados em outras combinações de dados do
corpus.
Vale mencionar, também, que a região Norte, a exemplo do que ocorreu na rodada
de dados exclusivamente do continente, mostrou percentual de uso de infinitivo gerundivo
menor que as demais regiões de Portugal Continental. Somente a região dos Açores
apresentou percentual menor que o Norte, com 11% de uso de infinitivo gerundivo. O
Algarve, por sua vez, tido como mais conservador, novamente aparece com o maior índice
de uso de a + infinitivo: 19%.
A cada uma das próximas subseções deste trabalho referentes a novas rodadas de
dados com esse recorte no corpus, apresentaremos os grupos de fatores selecionados aqui
0
10
20
Norte Centro Lisboa Alentejo Algarve Açores
12 16
18 17 19
11
Infinitivo Gerundivo em
Portugal Continental + Açores no Século XX
Infinitivo Gerundivo em Portugal Continental + Açores no Século XX
337
comparados aos grupos selecionados nas rodadas análogas no recorte anterior de dados,
procurando opor os resultados do corpus de Portugal Continental aos resultados destes
dados somados aos de Portugal Insular.
A primeira rodada com os dados dos Açores selecionou quatro grupos de fatores
como relevantes para a variação. Os grupos selecionados nessa rodada, comparada à
anterior, foram os seguintes:
PORTUGAL CONTINENTAL + AÇORES
TODOS OS DADOS
PORTUGAL CONTINENTAL
TODOS OS DADOS
1 Estrutura verbal Estrutura verbal
2 Tempo Tempo
3 Tipo sintático de oração Tipo sintático de oração
4 Referência adverbial Referência adverbial
5 - Tipo semântico de verbo
6 - Posição do clítico
7 - Tipo semântico de oração
Input = 0,035 / p = 0,027 Input = 0,044 / p = 0,035
Tabela 49: Grupos de fatores selecionados nas rodadas com TODOS os dados dos corpora de Portugal
Continental + Açores x Portugal Continental
De acordo com a tabela acima, constatamos que a rodada aqui em foco selecionou
apenas quatro grupos de fatores como relevantes para a variação, diferentemente da rodada
anterior, que selecionou sete. Apesar dessa diferença, é notável o fato de que esses quatro
grupos selecionados são exatamente os mesmos primeiros quatro grupos selecionados na
rodada anterior (na mesma ordem de seleção, inclusive).
Os valores de peso relativo se mostraram bastante semelhantes nos quatro grupos
de fatores selecionados nas duas rodadas. Os fatores antes apontados como favorecedores
ou como desfavorecedores se mantiveram da mesma forma aqui.
Explicitaremos, a seguir, os dados relativos ao grupo de fatores tempo para
observarmos a evolução diacrônica dos dados de infinitivo gerundivo nesse recorte de
dados:
338
TEMPO
Nº DE
OCORRÊNCIAS
DE INF. GER. /
TOTAL
PERCENTUAL
PESO
RELATIVO
CONTINENTE +
AÇORES
PESO
RELATIVO
CONTINENTE
1901 – 1910 19 / 327 5% .22 .24
1931 – 1940 31 / 263 11% .40 .44
1961 – 1970 48 / 227 21% .70 .71
1991 – 2000 55 / 197 27% .82 .80
TOTAL 153 / 1014 15% - -
Tabela 50: Distribuição de infinitivo gerundivo ao longo do séc. XX em Portugal Continental + Açores
Fica patente na tabela acima a semelhança entre os pesos relativos nas rodadas com
ou sem os dados dos Açores, confirmando os resultados anteriores. Os valores percentuais
da tabela acima gerariam o seguinte gráfico de distribuição dos dados ao longo do tempo:
Gráfico 11: Percentual de uso de infinitivo gerundivo ao longo do séc. XX em Portugal Continental +
Açores
O gráfico acima ratifica o padrão ascendente nos percentuais de uso de infinitivo
gerundivo, conforme já mostrado no Gráfico 2, referente ao corpus somente de Portugal
Continental. O mesmo ocorre com todos os demais grupos de fatores selecionados nessa
rodada, que apresentaram percentuais e pesos relativos bastante próximos aos da rodada
anterior. Semelhantemente, o grupo de fatores região, não selecionado como relevante para
0
10
20
30
1900 1930 1960 1990
5 11
21 27
Infinitivo Gerundivo em
Portugal Continental + Açores
ao longo do Século XX
Infinitivo Gerundivo em Portugal Continental + Açores no Século XX
339
a variação nessa rodada, também teve valores equivalentes aos da rodada do corpus
anterior, sem os dados dos Açores.
Abaixo, explicitaremos os valores referentes ao peso relativo na fase de stepping-up
nível 1, somente para mostrar, assim como fizemos com o corpus anterior, o quão
equivalentes quanto ao uso de infinitivo gerundivo parecem ser as seis regiões contrastadas
aqui no que tange aos textos que compõem nosso corpus:
LUGAR Nº DE OCORRÊNCIAS
DE INF. GER. / TOTAL PERCENTUAL
PESO
RELATIVO
CONTINENTE +
AÇORES
PESO
RELATIVO
CONTINENTE
Norte 23 / 197 11% .43 .46
Centro 26 / 158 16% .53 .50
Lisboa 33 / 188 17% .55 .51
Alentejo 28 / 162 17% .54 .50
Algarve 24 / 129 18% .56 .52
Açores 19 /180 10% .40 -
TOTAL 153 / 1014 15% -
Tabela 51: Percentual de uso de infinitivo gerundivo no séc. XX (em sincronia)
Podemos ver, na tabela acima, que as regiões analisadas apresentam pesos relativos
semelhantes, o que indica um comportamento análogo entre elas nas duas rodadas que
estão sendo aqui comparadas. Provavelmente, por isso, também aqui o grupo região não
foi selecionado relevante nessa rodada, demonstrando mais uma vez que, para os dados
desse gênero textual jornalístico – notícias – o uso do infinitivo gerundivo parece ter
avançado indistintamente pelo território português.
Como os padrões se mantêm nas duas rodadas para todos os demais dados,
julgamos desnecessária a representação visual em gráficos ou em tabelas dos demais
resultados e passaremos à análise das demais rodadas realizadas com o corpus dos Açores
como objetivo de compará-las às rodadas feitas somente com o corpus de Portugal
Continental.
340
5.2.2. Estrutura Sintética x Estruturas Analíticas com “auxiliares clássicos”
Essa rodada é análoga à explicitada no item 5.1.3 deste capítulo. O objetivo é
contrastar os resultados de rodadas com e sem os dados dos Açores. Os grupos de fatores
selecionados nas duas rodadas são expostos na tabela abaixo:
PORTUGAL CONTINENTAL + AÇORES
SINTÉTICAS X
ANALÍTICAS CLÁSSICAS
PORTUGAL CONTINENTAL
SINTÉTICAS X
ANALÍTICAS CLÁSSICAS
1 Tipo semântico de oração Estrutura verbal
2 Estrutura verbal Tempo
3 Tempo Tipo semântico de verbo
4 Referência adverbial Tipo sintático de oração
5 Tipo sintático de oração Referência adverbial
6 - Posição do clítico
7 -
Interpolação de item lexical entre o
verbo auxiliar e o verbo principal
8 - Tipo semântico de oração
Input = 0,005 / p = 0,017 Input = 0,044 / p = 0,037
Tabela 52: Grupos de fatores selecionados nas rodadas que opõem dados com ESTRUTURA
SINTÉTICA x ESTRUTURAS ANALÍTICAS com auxiliares ESTAR, ANDAR e FICAR – Portugal
Continental + Açores x Portugal Continental
De acordo com a tabela acima, verificamos que, dentre os oito grupos selecionados
na rodada com dados somente de Portugal Continental, apenas cinco foram selecionados
na rodada com o acréscimo dos dados de Português Insular. Os grupos tipo semântico do
verbo e posição do clítico não foram selecionados na rodada aqui analisada. O grupo
interpolação de item lexical entre o verbo auxiliar e o verbo principal não poderia ter
sido selecionado nessa rodada, pois o mesmo foi excluído dessa análise, uma vez que se
apresentou categórico no fator que indicava haver interpolação. Havia apenas dois dados
nesse fator e ambos com infinitivo gerundivo. Ao pedirmos para que o programa “não
lesse” esses dados, o grupo se tornaria um grupo de apenas um fator, “NÃO HÁ
interpolação” (o que o programa chama de singletone group, não permitido na fase de
cálculo de pesos relativos). Assim, excluímos o grupo referente à interpolação desta
rodada.
341
Nesta rodada, cujo foco está na diferença de comportamento entre estruturas
sintéticas e estruturas analíticas, convém demonstrar os valores referentes ao grupo
estrutura verbal, comparando-os aos da rodada anterior com dados de Portugal
Continental.
ESTRUTURA
VERBAL
OCORRÊNCIAS
DE INF. GER. /
TOTAL
PERCENTUAL
PESO RELATIVO
CONTINENTE +
AÇORES
PESO
RELATIVO
CONTINENTE
Estrutura
sintética 51 / 820 6% .44 .43
Auxiliar ESTAR 40 / 67 59% .87 .86
Auxiliar ANDAR 10 / 14 71% .96 .89
Auxiliar FICAR 04 / 07 57% .85 .89
TOTAL 105 / 908 11% - -
Tabela 53: Percentual de uso de infinitivo gerundivo ao longo do séc. XX
A tabela acima mostra que, efetivamente, o grupo estrutura verbal comportou-se de
forma semelhante nas duas rodadas, mantendo taxas de peso relativo bastante próximas em
ambas. Ainda acerca desse grupo de fatores, mostraremos a seguir a distribuição dos dados
de infinitivo gerundivo ao longo do tempo e nas diferentes regiões do corpus – as duas
variáveis extralinguísticas em maior foco nesta pesquisa.
REGIÕES ► NORTE CENTRO LISBOA ALENTEJO ALGARVE AÇORES
ESTRUTURA
VERBAL
▼ Nº
de
oco
rrên
cia
s d
e
inf.
ger
. /
tota
l
Per
cen
tua
l (%
)
Nº
de
oco
rrên
cia
s d
e
inf.
ger
. /
tota
l
Per
cen
tua
l (%
)
Nº
de
oco
rrên
cia
s d
e
inf.
ger
. /
tota
l
Per
cen
tua
l (%
)
Nº
de
oco
rrên
cia
s d
e
inf.
ger
. /
tota
l
Per
cen
tua
l (%
)
Nº
de
oco
rrên
cia
s d
e
inf.
ger
. /
tota
l
Per
cen
tua
l (%
)
Nº
de
oco
rrên
cia
s d
e
inf.
ger
. /
tota
l
Per
cen
tua
l (%
)
Estrutura
sintética 09/
169 5
07/
118 6
11
/149 7
10/
131 8
06 /
97 6
08/
156 5
Auxiliar
ESTAR 04/08 50 08/14 57 11/17 65 05/09 56 07/13 54 05/06 83
Auxiliar
ANDAR 04/05 80 03/03 100 01/02 50 00/02 0 01/01 100 01/01 100
Auxiliar
FICAR 01/01 100 00/01 0 - - 01/01 100 02/03 67 00/01 0
TOTAL 18 /
183 10
18 /
136 13
23 /
168 14
16 /
143 11
16 /
114 14
14 /
164 9
Tabela 54: Distribuição de infinitivo gerundivo no grupo de fatores Estrutura Verbal
342
Como se pode observar, por serem poucos os dados com estruturas analíticas com
auxiliares clássicos por região, a interpretação dos resultados não se faz de maneira muito
clara, pois parece um pouco contraditório que uma dada estrutura – como é o caso da
estrutura com o verbo auxiliar ficar, por exemplo, apresente 100% de ocorrências com a +
infinitivo no Norte e no Alentejo, e 0% de ocorrências no Centro e nos Açores, ao passo
que não apresenta nem sequer um dado em Lisboa. Sendo assim, vejamos a distribuição da
construção a + infinitivo nesses dados ao longo do tempo:
ESTRUTURA
VERBAL ►
ESTRUTURA
SINTÉTICA
ESTRUTURA
ANALÍTICA
COM AUX.
ESTAR
ESTRUTURA
ANALÍTICA
COM AUX.
ANDAR
ESTRUTURA
ANALÍTICA
COM AUX.
FICAR
TEMPO ▼ N
º d
e
ocorrên
cias
de
inf.
ger. /
tota
l
Perce
ntu
al
Nº
de
ocorrên
cias
de
inf.
ger. /
tota
l
Perce
ntu
al
Nº
de
ocorrên
cias
de
inf.
ger. /
tota
l
Perce
ntu
al
Nº
de
ocorrên
cia
s d
e
inf.
ger. /
tota
l
Perce
ntu
al
1901 - 1910 07/273 3 02/18 11 03/05 60 - -
1931 – 1940 11/209 5 04/12 33 02/04 50 02/05 40
1961 - 1970 13/181 7 15/18 83 04/04 100 01/01 100
1991 - 2000 20/157 13 19/19 100 01/01 100 01/01 100
TOTAL 51/820 6 40/67 60 10/14 71 04/07 57
Tabela 55: Distribuição de infinitivo gerundivo por Estrutura Verbal ao longo do séc. XX
Já na tabela acima, apesar da pouca quantidade de dados, podemos perceber que,
em praticamente todas as fases e para todos os tipos de estrutura verbal, as taxas de uso de
infinitivo gerundivo sempre sobem. Os resultados podem ser mais bem visualizados no
gráfico abaixo:
343
Gráfico 12: Percentuais de uso de infinitivo gerundivo nos diferentes tipos de Estrutura Verbal ao longo
do séc. XX
À semelhança do que ocorre no Gráfico 4, o gráfico acima demonstra que os
percentuais de uso de infinitivo gerundivo sempre foram – ao longo do século XX, em
nosso corpus – superiores nas estruturas analíticas em relação à estrutura sintética. Além
disso, também percebemos que, apesar de ter tido aumento maior – proporcionalmente –
nas estruturas analíticas, a variante inovadora avançou ao longo do tempo em todos os
tipos de estrutura, inclusive nas sintéticas. Assim, concluímos que, para o gênero textual
notícias, tanto considerando apenas Portugal Continental quanto também o arquipélago de
Açores, o infinitivo gerundivo demonstrou avanço nítido ao longo do século XX nos
diferentes tipos de estrutura verbal.
Cabem também, aqui, algumas observações acerca do grupo tipo semântico de
oração. É curioso perceber a inversão de sua seleção, pois, na rodada anterior, esse grupo
foi o último a ser selecionado e, nesta, foi o primeiro. O grupo também apresentou um tipo
semântico de oração com tendência inversa à rodada anterior. O gerúndio de modo antes se
mostrou levemente desfavorecedor ao uso de infinitivo gerundivo, com .42 de peso
relativo, ao passo que, agora, apareceu como favorecedor ao emprego da variante
inovadora, com .67 de peso relativo. Além disso, um tipo semântico não teve seu peso
registrado aqui, pois apresentou todas as ocorrências com a forma nominal gerúndio, tendo
sido, portanto, amalgamado a outro fator para o cálculo de pesos relativos. Trata-se do
0
50
100
1900 1930 1960 1990
3 5 7 13 11
33
83
100
60 50
100 100
0
40
100 100
Infinitivo Gerundivo
Estrutura Sintética x Estruturas Analíticas no
corpus Portugal Continental + Açores
Plenos Auxiliar ESTAR Auxiliar ANDAR Auxiliar FICAR
344
fator gerúndio narrativo de anterioridade, que amalgamamos ao gerúndio narrativo de
posterioridade, uma vez que ambos dizem respeito à Relação Discursiva de Narração.
Com relação aos grupos referência adverbial e tipo sintático de oração, também
selecionados como relevantes nessa rodada, não se registrou nenhuma alteração quanto aos
pesos relativos. Os valores mudaram, evidentemente, mas sempre confirmando as
tendências da rodada anterior. Os fatores favorecedores ao uso de infinitivo gerundivo
permaneceram favorecedores nessa nova rodada, bem como os fatores desfavorecedores
permaneceram como tal, pelo que dispensaremos o detalhamento desses grupos nesta seção
e passaremos adiante.
5.2.3. Estruturas Analíticas (todas)
Nesta rodada de dados, analisamos, assim como na rodada descrita em 5.1.4,
somente os dados de estruturas analíticas (todas elas). A diferença é que, aqui, temos
também os dados dos Açores, como nas demais rodadas desta seção. Compararemos os
resultados obtidos em ambas. Os grupos de fatores selecionados nas duas rodadas foram:
PORTUGAL CONTINENTAL + AÇORES
ESTRUTURAS ANALÍTICAS
PORTUGAL CONTINENTAL
ESTRUTURAS ANALÍTICAS
1 Tempo Tempo
2 Estrutura verbal Estrutura verbal
3 Posição da oração gerundial no período Posição do clítico
4 Posição do clítico Tipo de texto
Input = 0,769 / p = 0,039 Input = 0,644 / p = 0,042
Tabela 56: Grupos de fatores selecionados nas rodadas que opõem dados com ESTRUTURAS
ANALÍTICAS (TODAS) em Portugal Continental + Açores x Portugal Continental
De acordo com a tabela acima, podemos constatar que, nas duas rodadas, houve
quatro grupos de fatores selecionados. Três deles foram os mesmos nas duas rodadas:
tempo, estrutura verbal e posição do clítico. Os pesos relativos de cada um dos fatores
desses três grupos foram bastante parecidos nas duas rodadas. Houve diferenças nos
valores em si, mas as tendências ao favorecimento ou ao desfavorecimento nas duas
345
rodadas foram mantidas, pelo que optamos por não detalharmos esses resultados com o
intuito de evitarmos sermos repetitivos na apreciação dos resultados.
O grupo tipo de texto, antes selecionado, não apareceu como relevante para a
variação aqui. É importante mencionar que um dos fatores desse grupo, na rodada que
reunia os dados do Português Insular comentada nesta seção, teve de ser ignorado pelo
programa de cálculo de pesos relativos, pois apresentou apenas um dado (sendo esse único
dado com a variante gerúndio). Trata-se do fator tipo de texto descritivo, que, na rodada
anterior, tinha se mostrado favorecedor ao uso de infinitivo gerundivo, com peso relativo
.69. Tivemos na presente rodada, portanto, somente dois fatores desse grupo: tipo de texto
narrativo x tipo de texto dissertativo-argumentativo, com pesos relativos .53 e .46,
respectivamente, no nível 1 do stepping up da rodada.
Finalmente, faz-se necessário comentarmos a seleção do grupo posição da oração
gerundial no período na rodada aqui analisada. Esse grupo não tinha sido selecionado em
nenhuma das rodadas até então realizadas. Seguem os resultados:
POSIÇÃO DA ORAÇÃO GERUNDIAL
Nº DE OCORRÊNCIAS
DE INF. GER. /
TOTAL
PERCENTUAL PESO
RELATIVO
Inicial 06 / 07 85% .85
Medial 08 / 13 61% .71
Final 35 / 72 48% .22
Oração principal do período 36 / 43 83% .73
Oração absoluta ou coordenada
(não se aplica) 16 / 28 57% .68
TOTAL GERAL 101 / 163 61% -
Tabela 57: Distribuição de infinitivo gerundivo por grupo de fatores Posição Da Oração Gerundial no
Período
Podemos perceber que todos os fatores do grupo acima se apresentaram como
favorecedores ao uso de infinitivo gerundivo, exceto o fator referente ao aparecimento da
oração gerundiva na posição final do período, que se mostrou desfavorecedor dessa
variante, com .22 de peso relativo. Já que esse resultado é único até então, preferiremos
observar se o mesmo se repete nas rodadas posteriores para verificarmos se alguma
346
característica específica desse recorte de dados possa ter gerado a seleção do grupo como
relevante para a variação em foco.
5.2.4. Estruturas Analíticas (somente com “auxiliares clássicos”)
Para concluir as rodadas realizadas com o todo o corpus de Portugal Continental
somado a todo o corpus dos Açores, analisamos, aqui, somente os dados com as estruturas
analíticas constituídas pelos auxiliares estar, andar e ficar, ou seja, os que temos chamado
de “auxiliares clássicos”, que formam a construção chamada de progressivo. A tabela
abaixo compara os grupos selecionados nas rodadas com esse recorte de dados com e sem
os dados dos Açores.
PORTUGAL CONTINENTAL + AÇORES
“ANALÍTICAS CLÁSSICAS”
PORTUGAL CONTINENTAL
“ANALÍTICAS CLÁSSICAS”
1 Tempo Tempo
2 Voz verbal Tipo de texto
3 -
Interpolação de item lexical entre o
verbo auxiliar e o verbo principal
Input = 0,717 / p = 0,012 Input = 0,649 / p = 0,001
Tabela 58: Grupos de fatores selecionados nas rodadas que opõem dados com ESTRUTURAS
ANALÍTICAS com auxiliares ESTAR, ANDAR e FICAR – Portugal Continental + Açores versus
Portugal Continental
Ao observarmos a tabela acima, constatamos que o grupo tempo é o único dos
grupos de fatores a ser apontado como relevante para a variação em absolutamente todas as
rodadas realizadas até então. Tal resultado indica que o uso da variante inovadora
aumentou efetivamente nas notícias dos jornais portugueses ao longo dos anos do século
XX. Nesta rodada específica, cabe ressaltar que – assim como ocorreu na rodada apenas
com dados do Continente – na última fase do século XX, o uso de infinitivo gerundivo foi
categórico em estruturas perifrásticas com os auxiliares estar, andar e ficar, isto é, todos os
21 dados da década de 1990 apresentaram a + infinitivo, de modo que amalgamamos essa
última fase à anterior a ela. Os pesos relativos de cada fase foram: .08 na década de 1900,
.19 na década de 1930 e .87 na última fase, que compreendia as décadas de 1960 e 1990.
347
Ao contrário do grupo tempo, o gupo voz verbal foi selecionado como relevante
para a variação pela primeira vez dentre as rodadas já realizadas. Os resultados estatísticos
foram os seguintes, conforme se vê na tabela abaixo:
VOZ VERBAL Nº DE OCORRÊNCIAS
DE INF. GER. / TOTAL PERCENTUAL
PESO
RELATIVO
Voz Ativa 48 / 70 68% .61
Voz Passiva 03 / 13 23% .09
Voz Reflexiva 03 / 05 60% .32
TOTAL GERAL 54 / 88 61% -
Tabela 59: Distribuição de infinitivo gerundivo por Voz Verbal
O grupo voz verbal era inicialmente dividido em quatro fatores: voz ativa, voz
passiva analítica, voz passiva sintética e voz reflexiva. O fator voz passiva sintética,
entretanto, revelou-se categórico, com todos os cinco dados do corpus ocorrendo com a
forma nominal gerúndio. Sendo assim, optamos por amalgamá-lo ao fator voz passiva
analítica, uma vez que ambos configuram voz passiva. Os resultados são os que podem ser
vistos acima, isto é, as construções com voz passiva e com voz reflexiva revelaram-se
desfavorecedoras ao emprego de infinitivo gerundivo nas estruturas analíticas com verbos
auxiliares estar, andar e ficar em notícias de periódicos do século XX em Portugal, tendo
pesos relativos respectivamente iguais a .09 e .32.
Pelo que pudemos observar em todas as rodadas realizadas até aqui, constatamos
que – salvo em algumas poucas exceções – de uma maneira geral, os resultados não
mostraram grandes diferenças entre as rodadas com ou sem o corpus da região autônoma
dos Açores. Em todas elas, o grupo tempo foi selecionado; em quase todas elas (exceto nas
duas rodadas envolvendo somente os dados com os auxiliares estar, andar e ficar), o grupo
estrutura verbal também foi apontado como relevante para a variação em análise,
indicando as estruturas perifrásticas como grandes favorecedoras do emprego da forma a +
infinitivo. Alguns outros grupos de fatores mostraram-se favorecedores ao uso da variante
inovadora em um ou outro recorte de dados. E, além disso, um outro fato precisa ser
destacado: em nenhuma das rodadas o grupo região apresentou-se relevante para a
variação entre gerúndio e infinitivo gerundivo. Nas rodadas de que daremos notícias a
348
seguir, buscaremos alguns diferentes recortes de dados para verificar se o grupo região
será selecionado em alguma delas.
5.3 Dados provenientes de jornais regionais
Nas rodadas que descreveremos a seguir, procuramos opor somente os dados recolhidos
dos jornais de circulação regional. Conforme mencionamos no capítulo anterior, sabemos
que, dentre as seis regiões que constituem o corpus desta pesquisa, quatro delas tiveram
como fontes de dados jornais de abrangência regional: Centro, Alentejo, Algarve e Açores.
Dessas quatro regiões, três são comumente consideradas conservadoras quanto ao uso do
gerúndio (Alentejo, Algarve e Açores) e uma costuma ser apontada como inovadora,
privilegiando o uso de infinitivo gerundivo (Centro).
Nossa hipótese, ao fazermos rodadas somente com dados de jornais regionais – de
acordo com o que vimos no capítulo 4, onde descrevemos as características dos periódicos
do nosso corpus –, é de que, justamente por serem de caráter local, estes apresentem um
modelo de língua menos “preocupado” em seguir os padrões da capital, Lisboa e – quem
sabe – talvez até almejem marcar diferença em relação à língua de Lisboa ressaltando
determinados traços regionais de seus dialetos locais. Assim, é possível que o uso do
gerúndio, marca tida como típica da região do Alentejo e a qual alguns alentejanos chegam
a ter orgulho de usar, venha a aparecer mais claramente ao contrastarmos somente dados
de jornais de abrangência regional. Se até agora as rodadas realizadas não sinalizaram o
grupo de fatores região como relevante para a variação, esperamos que, se de fato ainda há
(como se costuma supor) um padrão conservador quanto ao uso de gerúndio no Alentejo,
no Algarve e nos Açores, tal padrão se revele nas rodadas a seguir. Se assim for,
esperamos ver, por exemplo, o fator região Centro sendo apontado como favorecedor ao
uso de infinitivo gerundivo, em detrimento das demais regiões, supostamente mais
conservadoras.
Com esse fim, portanto, realizaremos seis rodadas de dados: três somente com
dados de Portugal Continental (Centro, Alentejo e Algarve) e três com Portugal
Continental + Açores (Centro, Alentejo, Algarve e Açores). As três rodadas de cada recorte
de dados do corpus oporão: 1- todos os dados; 2- dados de estruturas sintéticas x dados de
estruturas analíticas com auxiliares estar, andar e ficar; 3- somente dados com estruturas
349
analíticas com auxiliares estar, andar e ficar. Por já termos descrito várias rodadas
anteriores pormenorizadamente, nas rodadas que se seguirão, faremos comentários mais
breves, basicamente nos restringindo aos resultados que se mostrarem muito diferenciados
das rodadas anteriores e, principalmente, se o grupo região for selecionado em alguma
delas como relevante para a variação.
5.3.1. TODOS os dados de jornais regionais de Portugal Continental
Nesta rodada, os grupos selecionados como relevantes para a variação foram
praticamente os mesmos dos selecionados nas rodadas com todos os dados (ou seja,
incluindo os corpora do Norte e de Lisboa). O único grupo selecionado lá e não aqui foi o
grupo referência adverbial. Vejamos a tabela abaixo comparando os grupos selecionados
nas duas rodadas:
PORTUGAL CONTINENTAL
JORNAIS REGIONAIS
PORTUGAL CONTINENTAL
TODO O CORPUS
1 Estrutura verbal Estrutura verbal
2 Tipo semântico de oração Tempo
3 Tempo Tipo sintático de oração
4 Posição do clítico Tipo semântico de verbo
5 Tipo semântico de verbo Referência Adverbial
6 Tipo sintático de oração Posição do clítico
7 - Tipo semântico de oração
Input = 0,048 / p = 0,040 Input = / p = 0,035
Tabela 60: Grupos de fatores selecionados na rodada que opõe TODOS os dados de JORNAIS
REGIONAIS de Portugal Continental
Não houve diferença significativa nos valores de pesos relativos de cinco dentre os
seis grupos aqui selecionados em relação à rodada com todos os dados. A única diferença
entre essas duas rodadas diz respeito a um único fator do grupo tipo semântico de oração.
O fator referente ao gerúndio narrativo de anterioridade que, aqui, mostrou-se favorecedor
ao emprego de infinitivo gerundivo, com .79 de peso relativo e, lá, foi apontado como
desfavorecedor, com .25.
350
O grupo região continuou não sendo selecionado como relevante para a variação.
5.3.2. Estrutura Sintética x Estruturas Analíticas com “auxiliares clássicos”
Assim como na rodada anterior, todos os grupos selecionados nessa rodada somente
com dados de jornais regionais também já tinham sido selecionados na rodada com todo o
corpus de Portugal Continental.
PORTUGAL CONTINENTAL
JORNAIS REGIONAIS
PORTUGAL CONTINENTAL
TODO O CORPUS
1 Tipo semântico de oração Estrutura verbal
2 Tipo sintático de oração Tempo
3 Estrutura verbal Tipo semântico de verbo
4 Tempo Tipo sintático de oração
5 Tipo semântico de verbo Referência adverbial
6 - Posição do clítico
7 -
Interpolação de item lexical entre o
verbo auxiliar e o verbo principal
8 - Tipo semântico de oração
Input = 0,041 / p = 0,020 Input = 0,044 / p = 0,037
Tabela 61: Grupos de fatores selecionados nas rodadas que opõem ESTRUTURA SINTÉTICA x
ESTRUTURAS ANALÍTICAS com auxiliares ESTAR, ANDAR e FICAR – TODO o corpus de
JORNAIS REGIONAIS de Portugal Continental x TODO o corpus de Portugal Continental
Os três grupos selecionados na rodada com todo o corpus e que não foram
considerados relevantes para o fenômeno nesse recorte de dados foram: referência
adverbial, posição do clítico e interpolação de item lexical entre o verbo auxiliar e o verbo
principal, ou seja, exatamente os três grupos que dizem respeito ao controle de
interpolação de vocábulos entre o verbo auxiliar e o verbo principal. Nos cinco grupos
selecionados em ambas as rodadas, porém, os valores de pesos relativos foram basicamente
próximos uns dos outros.
Novamente, a diferença mais brusca ficou ao encargo do fator gerúndio narrativo
de anterioridade, do grupo tipo semântico de oração. Assim como na rodada anterior, com
todos os dados dos jornais regionais, aqui o fator também se apresentou como favorecedor
ao emprego de infinitivo gerundivo, com .79 de peso relativo, ao passo que na rodada que
351
incluía os dados do Norte e de Lisboa ele foi apontado como desfavorecedor, com .25.
Como o resultado permaneceu equivalente nas duas rodadas analisadas nesta seção, é
provável que os elementos que faziam com que o fator fosse apontado como
desfavorecedor estejam justamente nos dados dos corpora do Norte e/ou Lisboa.
Mais uma vez, registramos que o grupo região não foi selecionado como relevante
para a variação.
5.3.3. Estruturas Analíticas (somente com “auxiliares clássicos”)
Nesta última rodada restrita ao corpus de jornais regionais de Portugal Continental,
opusemos somente as estruturas analíticas com os auxiliares estar, andar e ficar. O número
de dados foi bastante reduzido, somando apenas 119 dados. Mas foi possível chegar à fase
de Ivarb, que selecionou os seguintes grupos de fatores como relevantes para a variação
entre gerúndio e infinitivo gerundivo:
PORTUGAL CONTINENTAL
JORNAIS REGIONAIS
PORTUGAL CONTINENTAL
TODO O CORPUS
1 Tempo Tempo
2 Estrutura verbal Tipo de Texto
3 -
Interpolação de item lexical entre o
verbo auxiliar e o verbo principal
Input = 0,500 / p = 0,017 Input = 0,649 / p = 0,001
Tabela 62: Grupos de fatores selecionados na rodada que opõe as diferentes ESTRUTURAS
ANALÍTICAS com auxiliares ESTAR, ANDAR e FICAR no corpus de JORNAIS REGIONAIS de
Portugal Continental
Nesta rodada, apenas dois grupos de fatores foram selecionados, justamente os
grupos tempo e estrutura verbal, que, conforme temos visto ao longo deste trabalho, têm
sido apontados como significativos para a variação em praticamente todas as rodadas
estatísticas até então. Há apenas uma observação a ser feita: a presente rodada foi a única
somente com dados de estruturas analíticas com auxiliares clássicos a ter o grupo estrutura
verbal selecionado. Em geral, o programa aparentemente tem “visto” nesse tipo de recorte
de dados uma semelhança grande no emprego de infinitivo gerundivo com os auxiliares
estar, andar e ficar e, por isso, o grupo acaba não sendo selecionado. Aqui, entretanto, o
352
grupo foi selecionado, pois possivelmente o programa entendeu que, neste recorte de
dados, um auxiliar revelou-se mais propício ao uso de a + infinitivo que os outros dois. O
auxiliar estar apareceu com .43 de peso relativo, ao passo que o auxiliar andar registrou
.83 e o auxiliar ficar .19, ou seja, segundo o Varbrul, neste recorte do corpus, o auxiliar
andar mostrou-se mais favorecedor ao uso da variante inovadora que os demais “verbos
auxiliares clássicos”.
5.3.4. TODOS os dados de jornais regionais de Portugal Continental + Açores
Agora, somando ao recorte anterior de dados as ocorrências do corpus dos Açores –
e excluindo os dados das décadas de 1910, 1920, 1940, 1950, 1970 e 1990, chegamos a um
total de 745 dados. Os grupos selecionados nesta rodada, comparados aos grupos
selecionados no corpus como um todo (incluindo Norte e Lisboa) foram:
PORTUGAL CONTINENTAL + AÇORES
JORNAIS REGIONAIS
PORTUGAL CONTINENTAL + AÇORES
TODOS OS DADOS
1 Estrutura verbal Estrutura verbal
2 Tempo Tempo
3 Tipo semântico de oração Tipo sintático de oração
4 Tipo sintático de oração Referência adverbial
5 Referência adverbial -
Input = 0,019 / p = 0,009 Input = 0,035 / p = 0,027
Tabela 63: Grupos de fatores selecionados na rodada que opõe TODOS os dados do corpus de
JORNAIS REGIONAIS de Portugal Continental + Açores
A tabela indica que os grupos selecionados foram praticamente os mesmos. A única
diferença foi que, agora, também foi selecionado o grupo tipo semântico de oração, que
apresentou os tipos semânticos de gerúndio neutro (.85) e gerúndio modal (.83) como
favorecedores ao emprego de a + infinitivo e os tipos gerúndio resultativo (.01), gerúndio
concessivo/opositivo (.01), gerúndio condicional (.09) e gerúndio causal (.22), como
desfavorecedores do aparecimento da forma gerundiva com infinitivo. Nos demais grupos
os pesos relativos dos fatores foram similares. O grupo região permanece não tendo sido
considerado relevante para a variação.
353
5.3.5. Estrutura Sintética x Estruturas Analíticas com “auxiliares clássicos”
Nesta rodada, contrastamos novamente as estruturas sintéticas e as estruturas
analíticas com os auxiliares estar, andar e ficar, mas, dessa vez, somente com dados dos
corpora provenientes de jornais regionais de Portugal Continental e dos Açores.
PORTUGAL CONTINENTAL + AÇORES
JORNAIS REGIONAIS
PORTUGAL CONTINENTAL + AÇORES
TODOS OS DADOS
1 Tipo semântico de oração Tipo semântico de oração
2 Estrutura verbal Estrutura verbal
3 Tempo Tempo
4 Referência adverbial Referência adverbial
5 Tipo sintático de oração Tipo sintático de oração
Input = 0,017 / p = 0,023 Input = 0,005 / p = 0,017
Tabela 64: Grupos de fatores selecionados na rodada que opõe ESTRUTURAS SINTÉTICAS x
ESTRUTURAS ANALÍTICAS com auxiliares ESTAR, ANDAR e FICAR em JORNAIS REGIONAIS
de Portugal Continental + Açores
A partir da observação da tabela acima, percebemos que os grupos selecionados
agora foram exatamente os mesmos – na mesma ordem de seleção – dos grupos
selecionados na rodada com o recorte nos dados que incluía as regiões Norte e Lisboa.
Houve, contudo, algumas poucas diferenças nos valores dos pesos relativos indicando
comportamentos contrários nas duas rodadas em análise.
No grupo tipo sintático de oração, as adverbiais modais, antes favorecedoras ao
emprego de a + infinitivo, com .79, agora apareceram como desfavorecedoras, com .17.
Semelhantemente, as coordenadas assindéticas, antes com .77, agora se revelaram
irrelevantes para a variação, com .51 de peso relativo.
Já no grupo tipo semântico de oração, os tipos semânticos gerúndio neutro, antes
extremamente desfavorecedor, com .01 de peso relativo e gerúndio de enquadramento,
com .43, agora apresentam-se como muito favorecedores à ocorrência de a + infinitivo,
com pesos relativos de .86 e .87, respectivamente.
É fato que a mudança no recorte do corpus gerou essa alteração de leitura do grau
de relevância desses fatores por parte do programa estatístico. Não temos, porém, a essa
354
altura da pesquisa, hipóteses que deem conta de explicar esses resultados contraditórios.
Seria preciso mais investigações acerca da natureza semântica das orações gerundiais,
trabalho ainda em fase inicial, segundo seus próprios formuladores (MÓIA & VIOTTI,
2004b).
5.3.6. Estruturas Analíticas (somente com “auxiliares clássicos”)
Por fim, analisaremos, aqui, somente as estruturas analíticas com auxiliares estar,
andar e ficar entre si, nos corpora de jornais regionais de Portugal Continental e Insular.
PORTUGAL CONTINENTAL + AÇORES
JORNAIS REGIONAIS
PORTUGAL CONTINENTAL + AÇORES
TODOS OS DADOS
1 Tempo Tempo
2 - Voz verbal
Input = 0,683 / p = 0,000 Input = 0,717 / p = 0,012
Tabela 65: Grupos de fatores selecionados na rodada que opõe as diferentes ESTRUTURAS
ANALÍTICAS com AUXILIARES ESTAR, ANDAR e FICAR em JORNAIS REGIONAIS de Portugal
Continental + Açores
Os resultados acima mostram que essa rodada selecionou somente o grupo de
fatores tempo como relevante para o fenômeno em análise. Devido ao recorte no corpus
para essa rodada ser muito específico, havia apenas 55 dados no total, o que certamente
restringe bastante as possibilidades de leitura estatística. Em todo caso, é interessante
observar que, mesmo com tão poucos dados, o grupo tempo ainda surgiu como relevante,
mostrando que até com poucos dados é possível para o programa computacional
“perceber” o avanço do infinitivo gerundivo ao longo do tempo.
Como constatamos, o grupo região também não foi selecionado como relevante em
nenhuma das seis rodadas estatísticas com dados de jornais regionais.
355
5.4 Contrastes regionais
Para terminar os recortes diferenciados de dados que temos proposto em nosso
corpus, concluímos por testar a possível seleção do grupo região contrastando os dados
somente da região do Alentejo (a que costuma ser apontada como a mais conservadora de
todas as regiões de Portugal quanto ao uso de gerúndio) com dados de Lisboa e do Norte,
regiões que usualmente são apontadas como inovadoras e cujos corpora, além disso, são
constituídos por jornais de âmbito nacional. Primeiramente oporemos Lisboa x Alentejo e,
em seguida, Norte x Alentejo.
5.4.1. Lisboa x Alentejo
Nas rodadas aqui em foco, opusemos amostras de língua de um jornal regional do
Alentejo – região que geralmente é vista como principal reduto da forma nominal gerúndio
no território português, conforme mostramos no capítulo 1 deste trabalho – a amostras de
língua de Lisboa, capital do país, região notadamente inovadora quanto ao uso de infinitivo
gerundivo. Os dados da região de Lisboa provêm essencialmente do Diário de Notícias,
periódico de grande circulação nacional há mais de um século e que costuma ser apontado
como exemplar da norma culta padrão do Português Europeu escrito. Ao opor diretamente
apenas duas regiões, esperamos “facilitar” a interpretação dos dados com possíveis
diferentes comportamentos em termos diatópicos feita pelo Goldvarb.
Duas rodadas de dados foram feitas com esse recorte no corpus: uma com todos os
dados de gerúndio e infinitivo gerundivo de Lisboa e do Alentejo e outra opondo somente
os dados de estruturas sintéticas (com verbos plenos) e estruturas analíticas com os
auxiliares estar, andar e ficar. Nessa segunda rodada, excluímos, portanto, todos os dados
com semiauxiliares, construções com verbos modais e construções com verbos leves.
356
LISBOA X ALENTEJO
TODOS OS DADOS
LISBOA X ALENTEJO
PLENOS X AUX. CLÁSSICOS
1 Estrutura verbal Estrutura verbal
2 Tipo semântico de oração Tipo semântico de oração
3 Tempo Tempo
4 Tipo semântico de verbo Tipo semântico de verbo
Input = 0,061 / p = 0,000 Input = 0,058 / p = 0,000
Tabela 66: Grupos de fatores selecionados nas rodadas que opõem os corpora de Lisboa x Alentejo
Como podemos perceber, as duas rodadas apresentaram exatamente os mesmos
grupos de fatores selecionados como relevantes para a variação, inclusive com a mesma
ordem de seleção. Os valores dos pesos relativos de cada um dos fatores dos grupos
selecionados também foi equivalente nas duas rodadas.
Os grupos tempo e estrutura verbal mantiveram o mesmo padrão que têm tido em
praticamente todas as rodadas de dados, nada apresentando de diferente. O grupo tempo
demonstrou pesos relativos cada vez maiores ao longo do século e o grupo estrutura verbal
registra, novamente, as estruturas perifrásticas com auxiliares estar, andar e ficar como
grandes favorecedores ao emprego de infinitivo gerundivo.
O grupo tipo semântico de verbo, além de apresentar verbos que indicam processos
mentais e relacionais como desfavorecedores ao uso de infinitivo gerundivo – como
ocorreu nas demais rodadas em que foi selecionado –, apresentou uma alteração em relação
às demais rodadas: os processos existenciais se mostraram favorecedores ao uso da forma
a + infinitivo.
5.4.2. Norte x Alentejo
Na rodada que opõe dados do Norte e dados do Alentejo, procuramos contrastar
duas regiões com comportamento geralmente considerado oposto quanto ao uso de
gerúndio, sendo, respectivamente, uma inovadora e a outra conservadora. Além dessa
diferença, os dados dessas duas regiões são provenientes de periódicos de naturezas
distintas: o do Norte, de abrangência nacional; o do Alentejo, regional. Trata-se de mais
um fator que possivelmente marque oposição entre os dois corpora em questão.
Verificaremos, pois, se tais diferenças se fazem presentes no uso das variantes de aspecto
progressivo em competição.
357
NORTE X ALENTEJO
TODOS OS DADOS
NORTE X ALENTEJO
PLENOS X AUX. CLÁSSICOS
1 Estrutura verbal Estrutura verbal
2 Tempo Tipo semântico de oração
3 Tipo semântico de oração Tempo
4 Tipo semântico de verbo Tipo semântico de verbo
Input = 0,037 / p = 0,000 Input = 0,031 / p = 0,000
Tabela 67: Grupos de fatores selecionados nas rodadas que opõem os corpora de Norte x Alentejo
Assim como nas duas rodadas que opuseram Lisboa x Alentejo, aqui também essas
duas rodadas selecionaram os mesmos grupos de fatores. Ou seja, nas quatro rodadas de
dados: Lisboa x Alentejo (todos os dados e plenos x auxiliares clássicos) e Norte x Alentejo
(todos os dados e plenos x auxiliares clássicos), exatamente os mesmos grupos foram
considerados pelo programa estatístico como relevantes para a variação entre gerúndio e
infinitivo gerundivo.
Basicamente, não há novidades sobre os grupos tempo e estrutura verbal. O grupo
tipo semântico de oração, entretanto, revelou uma peculiaridade nessas quatro rodadas.
Em todas as rodadas anteriores, o tipo semântico relativo a gerúndio narrativo de
posterioridade mostrou-se bastante favorecedor ao emprego de a + infinitivo. Mas, nessas
quatro últimas rodadas, ao contrário, o fator foi apontado como desfavorecedor à
ocorrência da variante nova, sempre com pesos relativos abaixo de .30.
Finalmente, podemos afirmar que, apesar dos vários recortes de dados, o grupo
região realmente não foi considerado relevante para a variação gerúndio x infinitivo
gerundivo quando combinado a todos os demais grupos de fatores controlados em nosso
corpus composto por notícias de jornais portugueses do século XX.
Depois de 21 rodadas realizadas e comentadas individualmente, ainda que em
comparação com rodadas análogas por semelhanças no recorte de dados, torna-se um
pouco complexo perceber quais grupos de fatores se revelaram efetivamente relevantes
para a variação entre gerúndio e infinitivo gerundivo em nosso corpus. Assim, com o
objetivo de sistematizar os resultados das rodadas feitas, apresentamos a seguir um quadro
indicando todas as 21 rodadas e os respectivos grupos de fatores selecionados como
relevantes em cada uma delas.
358
RODADAS DE
DADOS R
EG
IÃO
TE
MP
O
TIP
O D
E T
EX
TO
ES
TR
UT
UR
A V
ER
BA
L
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DO
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TIP
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TIC
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OR
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SIÇ
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DA
OR
AÇ
ÃO
GE
RU
ND
IAL
TIP
O S
EM
ÂN
TIC
O D
O
VE
RB
O
Portugal
Continental - - - - - - - - - - - -
TODOS os
dados
132 133
Estruturas
sintéticas x
analíticas
(todas)
Estruturas
sintéticas x
Perífrases
“com
auxiliares
clássicos”
Somente
Estruturas
Analíticas
(todas)
Somente
Estruturas
Analíticas
com “Aux.
Clássicos”
Somente
Estruturas
Analíticas
com “Aux.
Clássicos”em
três fases do
séc. XX
Estruturas
sintéticas
132
Grupo não selecionado nesta rodada de dados.
133
Grupo selecionado nesta rodada de dados.
359
Portugal
Continental
+ Açores
- - - - - - - - - - - -
TODOS os
dados
Estruturas
sintéticas x
Perífrases
“com
auxiliares
clássicos”
Somente
Estruturas
Analíticas
(todas)
Somente
Estruturas
Analíticas
com “Aux.
Clássicos”
Jornais
Regionais –
Portugal
Continental
- - - - - - - - - - - -
TODOS os
dados
Estruturas
sintéticas x
Perífrases
“com
auxiliares
clássicos”
Somente
Estruturas
Analíticas
com “Aux.
Clássicos”
Jornais
Regionais –
Port.
Continental
+ Açores
- - - - - - - - - - - -
TODOS os
dados
Estruturas
sintéticas x
360
Perífrases
“com
auxiliares
clássicos”
Somente
Estruturas
Analíticas
com “Aux.
Clássicos”
Lisboa x
Alentejo - - - - - - - - - - - -
TODOS os
dados
Estruturas
sintéticas x
Perífrases
“com
auxiliares
clássicos”
Norte x
Alentejo - - - - - - - - - - - -
TODOS os
dados
Estruturas
sintéticas x
Perífrases
“com
auxiliares
clássicos”
TOTAL de
vezes
selecionado
00/
21
21/
21
03/
21
16/
21
01/
21
08/
21
08/
21
04/
21
10/
21
13/
21
01/
21
10/
21
Quadro 37: Quadro comparativo de grupos selecionados como relevantes para a variação entre
gerúndio x infinitivo gerundivo nas diferentes rodadas realizadas
A partir da análise do quadro acima, podemos perceber que, dentre os 12 grupos de
fatores que serviram de controle das variáveis dependentes nesta pesquisa, um deles foi
selecionado como relevante para a variação em todas as 21 rodadas estatísticas com o
programa Goldvarb: o grupo tempo. O avanço da construção de infinitivo gerundivo nas
notícias de diferentes periódicos portugueses, oriundos de diferentes regiões do país, ao
longo do século XX, ficou bastante evidente em todos os resultados aqui obtidos. É nítido
o aumento das taxas de uso da variante inovadora em dois momentos do século XX: a
virada da década de 1930 e a virada para a década de 1960. Assim, a variação gerúndio x
361
infinitivo gerundivo, nos dados das notícias dos jornais portugueses de nosso corpus,
apresenta-se, basicamente, em três fases distintas do século: a primeira de 1900 a 1930, a
segunda de 1931 a 1960 e a terceira de 1961 em diante. O grupo foi selecionado como
relevante em todos os recortes de dados realizados, inclusive na rodada que continha
apenas dados sintéticos, que, em geral, são mais resistentes à varição. Esse é um resultado
a ser pontuado como marcante em nossa pesquisa.
Além do grupo tempo, outro grupo que se mostrou bastante relevante para a
variação em foco foi o grupo estrutura verbal, tendo sido selecionado em 16 das 21
rodadas estatísticas, o que equivale a cerca de 84% do total de rodadas realizadas. Em
todas essas 16 rodadas, o resultado era o mesmo: o aumento de infinitivo gerundivo foi
privilegiado pelas construções analíticas. Nas rodadas onde havia os dados de construções
com semiauxiliares, estes se mostravam bastante favorecedores ao uso de a + infinitivo;
em todas elas, os chamados “auxiliares clássicos” (estar, andar e ficar) também apareciam
como favorecedores ao emprego de infinitivo gerundivo. As construções sintéticas,
embora também registrem percentualmente aumento nas taxas de uso de infinitivo
gerundivo, conforme vimos nos gráficos, ainda são, em geral, mais conservadoras quanto
ao uso de gerúndio, apresentando pesos relativos abaixo de .50 para o uso da variante
inovadora. As construções com verbos modais e com verbos leves, nas rodadas em que
estiveram presentes, se revelaram desfavorecedoras ao emprego de a + infinitivo. O grupo
estrutura verbal só não foi selecionado como relevante em cinco rodadas estatísticas: na
rodada que possuía justamente apenas dados sintéticos (na qual, inclusive, o grupo
estrutura verbal foi inteiramente excluído da análise) e nas rodadas que abrangiam apenas
dados de estruturas analíticas com os verbos auxiliares estar, andar e ficar, o que
demonstra que, considerando somente essas estruturas, o avanço do infinitivo gerundivo
foi equivalente.
Quatro dentre os 12 grupos de fatores foram selecionados apenas de uma a quatro
vezes. São eles:
Tipo de texto, selecionado em três das 21 rodadas (apresentando, em todas, as
sequências dissertativo-argumentativas como desfavorecedoras e as sequências
narrativas como favorecedoras ao uso de infinitivo gerundivo);
362
Voz verbal, selecionado em apenas uma das 21 rodadas (mostrando as construções
em voz passiva e em voz reflexiva como desfavorecedoras ao emprego de a +
infinitivo);
Posição da oração gerundial no período, selecionado em apenas uma das 21
rodadas (revelando a posição final da oração gerundial como desfavorecedora ao
uso de infinitivo gerundivo);
Interpolação de item lexical entre o verbo auxiliar e o verbo principal,
selecionado em quatro das 21 rodadas (sendo em todas elas a presença de elemento
lexical entre o verbo auxiliar e o verbo principal considerada favorecedora ao
emprego de infinitivo gerundivo e a “não presença” considerada irrelevante para a
variação).
Devido à pouca quantidade de vezes que foram selecionados, julgamos não ser
pertinente fazer qualquer tipo de generalização acerca do comportamento das variantes em
nosso corpus em relação a esses grupos de fatores. Ficam registrados, porém, esses
resultados, uma vez que controlamos os grupos em nossa análise quantitativa.
Além desses resultados quase categóricos, entre os grupos que foram quase sempre
selecionados e aqueles que quase nunca o foram, existem aqueles que foram selecionados
como relevantes para a variação em uma quantidade mediana de rodadas estatísticas.
Foram seis os grupos de fatores nessa situação:
Posição do clítico, selecionado em oito das 21 rodadas;
Referência adverbial, selecionado em oito das 21 rodadas;
Tipo sintático de oração, selecionado em dez das 21 rodadas;
Tipo semântico de oração, selecionado em 13 das 21 rodadas;
363
Tipo semântico de verbo, selecionado em dez das 21 rodadas.
A seguir, observaremos alguns quadros com um resumo dos resultados desses
grupos.
POSIÇÃO DO CLÍTICO
FATORES ►
RODADAS
▼
Próclise Ênclise
Clítico entre o
Verbo Aux. e
o Verbo
Principal
Não se aplica
(Não há
clítico)
Portugal Continental –
TODOS os dados .15 .49 .09 .51
Portugal Continental -
Estruturas sintéticas x
analíticas (todas)
.15 .49 .10 .51
Portugal Continental -
Estruturas sintéticas x
Perífrases “com auxiliares
clássicos”
.07 .47 - .52
Portugal Continental - Somente
Estruturas Analíticas (todas) .21 .89 .04 .50
Portugal Continental - Somente
Estruturas analíticas
“clássicas”
.08 .76 - .53
Portugal Continental - Somente
Estruturas analíticas
“clássicas” em três fases do
século XX
.10 .74 - .53
Portugal Continental + Açores -
TODOS os dados .28 .91 .03 .50
Jornais Regionais de Portugal
Continental - TODOS os dados .08 .54 .03 .51
Tabela 68: Resumo dos pesos relativos - por rodada em que foi selecionado - do grupo Posição do
Clítico
Observando a tabela acima, percebemos que, considerando o grupo posição do
clítico, os contextos em que o clítico aparece em próclise ou entre o verbo auxiliar e o
verbo principal mostraram-se sempre desfavorecedores ao emprego de infinitivo
gerundivo, ao passo que os contextos sem qualquer clítico revelaram-se neutros para a
364
ocorrência de a + infinitivo. Já o fator ênclise apresentou pesos relativos ora neutros (em
quatro rodadas), ora elevados (nas outras quatro rodadas em que o grupo foi selecionado,
aparentando favorecer o uso de infinitivo gerundivo nas notícias do corpus. Como foram
apenas duas rodadas em que esse resultado apareceu, consideramos prudente não afirmar
que esse seja um padrão nos contextos de ênclise.
Vejamos o comportamento do grupo referência adverbial na tabela a seguir:
REFERÊNCIA ADVERBIAL
FATORES ►
RODADAS
▼
TE
MP
O a
nte
s
(na
mes
ma
ora
ção
)
TE
MP
O d
epo
is
(na
mes
ma
ora
ção
)
TE
MP
O n
o m
eio
TE
MP
O a
nte
s
(em
ou
tra
ora
ção
)
TE
MP
O d
epo
is
(em
ou
tra
ora
ção
)
MO
DO
ou
LU
GA
R
no
mei
o d
a l
ocu
ção
MO
DO
ou
LU
GA
R
an
tes
MO
DO
ou
LU
GA
R
dep
ois
Nã
o s
e a
pli
ca
Portugal Continental
– TODOS os dados .79 .57 .90 .49 .36 .71 .71 .44 .48
Portugal Continental -
Estruturas sintéticas x
analíticas (todas)
.79 .56 .86 .50 .37 .61 .71 .45 .48
Portugal Continental -
Estruturas sintéticas x
Perífrases “com
auxiliares clássicos”
.81 .56 .54 .50 .36 .49 .79 .47 .48
Portugal Continental -
Somente Estruturas
sintéticas “clássicas”
.85 .59 -134
.46 .45 -134
.86 .49 .49
Portugal Continental .75 .56 .96135
.41 .40 -135
.78 .36 .55
134
As referências adverbiais no meio, entre o verbo auxiliar e o verbo principal, tanto de tempo quanto de
modo e lugar apresentaram-se categoricamente sob forma de infinitivo gerundivo, tendo sido excluídas do
cálculo de pesos relativos nesta rodada.
135
Os fatores que indicam referência adverbial de modo ou lugar no meio, entre o verbo auxiliar e o verbo
principal apresentaram-se categoricamente sob forma de infinitivo gerundivo nessas rodadas. Mas,
diferentemente do que fizemos nas rodadas assinaladas pela nota de rodapé anterior a esta (134), não
excluímos esses dados da rodada estatística. Como, nessas rodadas indicadas pela nota 135, houve alguns
dados de referência adverbial de tempo no meio da locução adverbial, entre o verbo auxiliar e o verbo
principal, em vez de excluirmos os dados categóricos de referências de modo e lugar, optamos por
amalgamá-los no fator relacionado ao tempo no meio da locução adverbial. Assim, nessas rodadas, o fator
assinalado pela nota 135 representa qualquer referência adverbial no meio da locução verbal, seja de tempo,
de modo ou de lugar.
365
+ Açores –
TODOS os dados
Portugal Continental
+ Açores - Estruturas
sintéticas x Perífrases
“com aux. clássicos”
.73 .54 1.0135
.40 .32 -135
.76 .34 .53
Jornais Regionais de
Portugal Continental
+ Açores –
TODOS os dados
.88 .72 .83135
.49 .14 -135
.69 .31 .54
Jornais Regionais de
Portugal Continental
+ Açores –
Estruturas sintéticas x
Perífrases “com aux.
clássicos”
.89 .67 -134
.48 .14 -134
.70 .36 .56
Tabela 69: Resumo dos pesos relativos - por rodada em que foi selecionado - do grupo Referência
Adverbial
A partir da análise da tabela, verificamos que, de maneira geral, o fator que parece
favorecer o uso de infinitivo gerundivo é a presença de referência adverbial – seja ela de
tempo ou de modo ou lugar – ANTES da forma gerundial, sendo na mesma oração desta,
ou NO MEIO da locução verbal, aparecendo entre o verbo auxiliar e o verbo principal. As
demais possibilidades de aparecimento (ou mesmo a não existência) de referência
adverbial em torno da forma gerundial apresentam-se, em sua maioria, indiferentes para a
variação ou, em alguns poucos casos, levemente favorecedoras ou desfavorecedoras da
variante inovadora, dependendo do recorte de dados da rodada estatística.
O próximo grupo de fatores a analisarmos é o referente ao tipo sintático de oração.
366
TIPO SINTÁTICO DE ORAÇÃO
FATORES ►
RODADAS
▼
Ab
solu
tas
Coord
en
ad
as
Ass
ind
éti
cas
Coord
en
ad
as
Sin
déti
cas
Prin
cip
ais
Rela
tivas
Rest
rit
ivas
Rela
tivas
Exp
licati
vas
Su
bst
an
tivas
Ad
verb
iais
Tem
porais
Ad
verb
iais
Mod
ais
Ad
verb
iais
Con
dic
ion
ais
Ad
verb
iais
(ou
tras)
Su
bord
ina
das
Ad
itiv
as
Portugal Continental
–
TODOS os dados
.79 .24 .49 .74 .74 .57 .67 .67 .61 .73 .73 .14
Portugal Continental
- Estruturas
sintéticas x analíticas
(todas)
.80 .24 .52 .76 .76 .60 .69 .66 .53 - .80 .13
Portugal Continental
- Estruturas
sintéticas x
Perífrases “com
auxiliares clássicos”
.84 .40 .54 .77 .80 .65 .79 .68 .54 - .80 .10
Portugal Continental
+ Açores –
TODOS os dados
.93 .58 .59 .87 .86 .73 .79 .76 .58 - .75 .06
Portugal Continental
+ Açores - Estruturas
sintéticas x
Perífrases “com aux.
clássicos”
.96 .65 .77 .93 .94 .84 .95 .76 .79 - .97 .00
Jornais Regionais de
Portugal Continental
–
TODOS os dados
.94 .12 .66 .89 .81 .78 .76 .66 .53 - .76 .06
Jornais Regionais de
Portugal Continental
–
Estruturas sintéticas
x Perífrases “com
aux. clássicos”
.97 .52 .67 .91 .84 .81 .81 .64 .51 - .73 .06
Portugal Continental
- Somente Estruturas
sintéticas “clássicas”
.99 .61 .74 .99 .94 .86 .97 .70 .70 .93 .85 .03
Jornais Regionais de
Portugal Continental
+ Açores –
TODOS os dados
.96 .54 .40 .93 .90 .82 .88 .66 .16 - .66 .02
367
Jornais Regionais de
Portugal Continental
+ Açores –
Estruturas sintéticas
x Perífrases “com
aux. clássicos”
.97 .62 .51 .93 .94 .84 .97 .53 .17 - .97 .03
Tabela 70: Resumo dos pesos relativos - por rodada em que foi selecionado - do grupo Tipo Sintático de
Oração
Conforme se pode observar, o grupo tipo sintático de oração mostrou-se relevante
para a variação somente em rodadas onde havia os dados com estruturas sintéticas, não
tendo sido selecionado em nenhuma das rodadas em que havia somente estruturas
perifrásticas. Analisando os resultados, vemos que as orações absolutas, as orações
principais, as relativas (tanto as restritivas quanto as explicativas), as substantivas, as
adverbiais temporais e o fator que reunia a maior parte das outras orações adverbiais
parecem ser contextos propícios ao aparecimento de infinitivo gerundivo. Por outro lado,
as subordinadas aditivas parecem desfavorecer a ocorrência da variante gerundiva
inovadora. Os demais tipos sintáticos de oração, a saber, as coordenadas (assindéticas e
sindéticas) e as orações adverbiais modais, apresentaram-se relativamente neutras para a
variação na maioria das rodadas, embora em alguns casos isolados também tenham se
revelado ora moderadamente favorecedoras, ora desfavorecedoras ao emprego de a +
infinitivo.
Outro grupo de fatores que foi selecionado em várias rodadas foi o grupo tipo
semântico de oração. Vejamos a tabela abaixo:
368
TIPO SEMÂNTICO DE ORAÇÃO
FATORES ►
RODADAS
▼
Post
erio
rid
ad
e
An
terio
rid
ad
e
Sob
rep
osi
ção
En
qu
ad
ram
en
to1
36
Mod
o /
Inst
ru
men
to1
37
Cau
sal
Resu
ltati
vo
Con
dic
ion
al
Con
cess
ivo /
Op
osi
tivo
13
8
Gerú
nd
io N
eu
tro
Não s
e a
pli
ca
Portugal Continental – TODOS os dados
.59 .25 .75 .57 .42 .67 .14 .50 .37 .46 .60
Portugal Continental -
Estruturas sintéticas x
analíticas (todas)
.60 .27 .75 .58 .43 .67 .13 .50 .35 .46 .60
Portugal Continental -
Estruturas sintéticas x
Perífrases “com
auxiliares clássicos”
.66 .25 .76 .56 .41 .67 .13 .49 .34 .58 .56
Portugal Continental +
Açores - Estruturas
sintéticas x Perífrases
“com aux. clássicos”
.88 - .78 .87 .67 .51 .06 .27 .15 .01 .74
Jornais Regionais de
Portugal Continental –
TODOS os dados
.77 .79 .64 .48 .21 .74 .25 .49 -139
.58 .49
Jornais Regionais de
Portugal Continental –
Estruturas sintéticas x
Perífrases “com aux.
clássicos”
.80 .79 .69 .48 .21 .77 .28 .56 -139
.67 .43
136
Lembramos que, na fase de cálculo de pesos relativos, os fatores gerúndio de sobreenquadramento,
gerúndio de subenquadramento e gerúndio de elaboração eram amalgamados em um só fator, a que
chamamos aqui de enquadramento, por ser a relação discursiva presente basicamente em todos esses três
tipos semânticos de gerúndio.
137
Os fatores gerúndio de modo e gerúndio de instrumento/meio foram amalgamados em um só para o
cálculo de pesos relativos, visto que todas as 11 ocorrências de gerúndio de instrumento eram na forma de
gerúndio, sendo este, portanto, categórico, o que não é aceito pelo programa Goldvarb.
138
Os fatores gerúndio concessivo / adversativo e gerúndio opositivo foram amalgamados em um só para o
cálculo de pesos relativos, visto que, devido ao seu reduzido quantitativo absoluto de dados, frequentemente
um deles apresentava ocorrências categóricas de uma das duas variantes.
139
Os tipos semânticos referentes ao gerúndio concessivo/adversativo e ao gerúndio opositivo foram
eliminados do cálculo de pesos relativos nesta rodada, pois, mesmo amalgamados, se apresentaram
categoricamente na forma nominal gerúndio. Como eram poucos dados (respectivamente, 08 e 07) e por
aparentemente não se assemelharem a nenhum outro tipo semântico, em vez de amalgamarmos esses tipos a
outro(s), optamos por excluir sua leitura nessa rodada.
369
Portugal Continental -
Somente Estruturas
sintéticas “clássicas”
.82 .36 .62 .73 .42 .74 .13 .45 -139
- .46
Jornais Regionais de
Portugal Continental +
Açores –
TODOS os dados
.65 -140
-140
.47 .83 .22 .01 .09 .01 .85 .52
Jornais Regionais de
Portugal Continental +
Açores –
Estruturas sintéticas x
Perífrases “com aux.
clássicos”
.76 -140
-140
.43 .81 .28 .02 .15 -143
.86 .40
Lisboa x Alentejo –
TODOS os dados .27 -
141 .85 .62 .42 .89 .21 .62 .36 .28 .64
Lisboa x Alentejo –
Estruturas sintéticas x
Perífrases “com aux.
clássicos”
.28 -141
.83 .60 .42 .88 .22 .57 .34 .33 .65
Norte x Alentejo –
TODOS os dados .24 -
141 .96 .66 .44 .91 .23 .71 .48 .08 .69
Norte x Alentejo –
Estruturas sintéticas x
Perífrases “com aux.
clássicos”
.24 -141
.97 .64 .44 .91 .24 .72 .49 .08 .70
Tabela 71: Resumo dos pesos relativos - por rodada em que foi selecionado - do grupo Tipo Semântico
de Oração
Como podemos verificar, o grupo tipo semântico de oração apresentou resultados
muitas vezes, de certa maneira, conflitantes, dificultando a interpretação do padrão de
comportamento dos diferentes tipos semânticos em questão. Os poucos tipos semânticos de
oração que mantiveram pesos relativos com o mesmo padrão nas várias rodadas em que foi
140
Nesta rodada de dados, tanto o tipo semântico gerúndio de anterioridade quanto o tipo semântico
gerúndio de sobreposição apresentaram “knockouts”. O gerúndio de anterioridade apresentou 10 dados com
gerúndio e nenhum com infinitivo gerundivo e o gerúndio de sobreposição apresentou 12 dados na mesma
situação. Por ambas fazerem referência à Relação Discursiva de Narração (com a semântica envolvendo
tempo), juntamos esses fatores ao fator gerúndio de posterioridade, que também expressa o mesmo tipo de
relação discursiva. Como provável consequência, esse fator viu seu peso relativo sofrer uma leve baixa
devido a isso (Embora não tão baixa quanto nas rodadas seguintes, com dados de Lisboa x Alentejo e Norte x
Alentejo. A maior queda nessas rodadas seguintes possivelmente ocorreu porque apenas o gerúndio de
anterioridade foi amalgamado ao de posterioridade – não o de sobreposição).
141
O tipo semântico oracional referente a gerúndio de anterioridade foi amalgamado ao gerúndio de
posterioridade tanto nas rodadas de dados opondo Lisboa ao Alentejo quanto nas rodadas opondo o Norte ao
Alentejo. Embora tenham aparentemente sentidos opostos, ambos veiculam a Relação Discursiva de
Narração e, por isso, foram reunidos em um só fator.
370
selecionado foram os que indicam gerúndio resultativo e gerúndio concessivo /
adversativo / opositivo. De acordo com os resultados, esses são tipos semânticos
desfavorecedores à ocorrência de a + infinitivo, com pesos relativos bastante baixos.
O fator que chamamos de gerúndio de enquadramento, que reunia os tipos
semânticos gerúndio de sobre-enquadramento, gerúndio de subenquadramento e gerúndio
de elaboração, apresentou-se, na maioria das rodadas, como indiferente para a variação,
assim como o gerúndio de modo e o fator referente ao “não se aplica”, que englobava
todas as orações não adverbiais (já que classificamos semanticamente apenas as orações
adverbiais, segundo proposta de Móia & Viotti (2004)).
Além desses, os demais tipos semânticos oracionais apresentaram-se ora como
favorecedores, ora como desfavorecedores ao uso de infinitivo gerundivo, a depender do
recorte de dados e/ou das amalgamações realizadas, como foi o caso dos tipos semânticos
envolvendo a Relação Discursiva de Narração: gerúndio de posterioridade, geralmente
favorecedor ao emprego de a + infinitivo nas rodadas em que apareceu sem ser
amalgamado a outros fatores; gerúndio de anterioridade, em geral desfavorecedor ao uso
de infinitivo gerundivo quando analisado como um fator independente; e o gerúndio de
sobreposição, que, na maioria das vezes, se apresentou como favorecedor ao uso de
infinitivo gerundivo, quando não teve de ser reunido a outro fator.
Além do tipo semântico de oração, o grupo que controlava a variação nos
diferentes tipos semânticos de verbo também foi diversas vezes selecionado, como pode
ser verificado na tabela abaixo:
371
TIPO SEMÂNTICO DE VERBO
FATORES ►
RODADAS
▼
Process
os
Mate
ria
is
Process
os
Men
tais
Process
os
Rela
cio
nais
Process
os
Co
mp
ort
am
enta
is
Process
os
Verb
ais
Process
os
Exis
ten
cia
is
Portugal Continental –
TODOS os dados .57 .21 .31 .50 .58 .55
Portugal Continental -
Estruturas sintéticas x analíticas
(todas)
.57 .21 .32 .50 .58 .52
Portugal Continental -
Estruturas sintéticas x
Perífrases “com auxiliares
clássicos”
.59 .19 .28 .41 .60 .47
Portugal Continental - Somente
Estruturas sintéticas “clássicas” .66 .13 .09 .56 .65 .69
Jornais Regionais de Portugal
Continental - TODOS os dados .55 .30 .28 .57 .57 .63
Jornais Regionais de Portugal
Continental - Estruturas
sintéticas x Perífrases “com
auxiliares clássicos”
.57 .30 .22 .49 .57 .56
Lisboa x Alentejo –
TODOS os dados .60 .04 .40 .47 .47 .76
Lisboa x Alentejo –
Estruturas sintéticas x
Perífrases “com aux. clássicos”
.60 -142
.35 .14 .60 .66
Norte x Alentejo –
TODOS os dados .60 .11 .19 .66 .56 .86
Norte x Alentejo –
Estruturas sintéticas x
Perífrases “com aux. clássicos”
.64 .09 .11 .68 .60 .81
Tabela 72: Resumo dos pesos relativos - por rodada em que foi selecionado - do grupo Tipo Semântico
de Verbo
142
O fator referente aos verbos que indicam processos mentais, nesta rodada, apresentou-se categoricamente
na forma de gerúndio. Por isso, amalgamamos esse fator ao que indica processos comportamentais, por
serem estes, segundo Halliday (1994) uma fronteira entre os processos mentais e os materiais. É provável que
tal medida tenha feito o peso relativo dos processos comportamentais (geralmente mais altos) baixar, por
terem recebido os dados de um fator que frequentemente apresentava baixos pesos relativos.
372
Percebe-se, a partir da tabela acima, que o grupo tipo semântico do verbo, assim
como os grupos tipo sintático de oração e tipo semântico de oração, só foi selecionado em
rodadas que incluíam os dados de estruturas sintéticas. Ademais, esse grupo também só foi
selecionado em rodadas com dados de Portugal Continental, ou seja, aquelas que não
incluíram os dados do português insular, do arquipélago dos Açores. Ainda observando a
tabela, constatamos que os tipos semânticos de verbos que indicam processos mentais e
processos relacionais se revelaram, em todas as rodadas, como contextos não propícios à
ocorrência de infinitivo gerundivo, desfavorecedores da variante inovadora. Os demais
tipos semânticos de verbo apresentaram taxas de peso relativo moderadas, próximas de .50,
parecendo ser indiferentes para a variação em foco. A exceção a esse padrão diz respeito
ao tipo semântico que indica processos existenciais, que, em todas as quatro rodadas de
contraste regional (Lisboa x Alentejo e Norte x Alentejo), se apresentou como favorecedor
ao emprego de a + infinitivo.
Os pesos relativos referentes à rodada que incluía apenas dados sintéticos
“clássicos” foram um pouco mais significativos, apontando os processos materiais, os
verbais e os existenciais como favorecedores ao emprego de infinitivo gerundivo, com,
respectivamente, .66, .65 e .69 de pesos relativos em relação aos demais fatores do grupo.
Talvez esse seja um grupo que tenha influência mais preponderante sobre os dados
sintéticos e o fato de essa rodada ser exclusivamente constituída por dados desse tipo, pode
ter “ajudado” o programa computacional a “enxergar melhor” os fatores relevantes para a
variação em foco.
Por fim, o grupo região foi o único a não ser selecionado em nenhuma das rodadas
realizadas. Assim como é importante registrar o fato de um grupo ter sido selecionado
como relevante para a variação em todas as rodadas de dados, como foi o caso do grupo
tempo, também é de extrema importância destacar um grupo que não foi selecionado em
nenhuma das rodadas, como o que aconteceu com o grupo região, especialmente porque
este diz respeito a uma das hipóteses centrais do presente trabalho.
O fato de o grupo região não ter sido selecionado em nenhuma das 21 rodadas
estatísticas de dados desta pesquisa pode sinalizar algumas tendências: pode indicar que o
avanço do infinitivo gerundivo tenha sido equilibrado nas notícias dos periódicos
portugueses independentemente da região de onde provêm as ocorrências – o que pode ou
não ter ocorrido em outros gêneros textuais; pode apontar para uma tendência geral dos
373
impressos, sejam eles de abrangência nacional ou regional, buscando seguir o padrão
modelar da capital, inovadora ao apagar eventuais marcas linguísticas regionais, como é o
caso do gerúndio; ou pode, ainda, indicar justamente o contrário: que, de uma maneira
geral, os textos jornalísticos, em especial as notícias, que aqui nos serviram de corpus,
resistem aos avanços de um fenômeno que aparentemente não sofre avaliação negativa dos
falantes, registrando taxas de uso de infinitivo gerundivo mais baixas do que possa ter
ocorrido em outros gêneros textuais.
CONCLUSÕES
Alguns objetivos e hipóteses nortearam nossa pesquisa. Ao fim deste trabalho,
vemos respondidas as principais questões sobre as quais nos debruçamos nesse percurso. É
evidente que a pesquisa em Sociolinguística Histórica nunca se dá por concluída. Um
mesmo fenômeno pode apresentar comportamentos diferentes a depender de inúmeros
fatores, tais como o recorte de dados, o tempo, o gênero textual etc. Apesar disso, a partir
de nossos resultados confrontados com nossas hipóteses e objetivos, podemos afirmar, ao
alcance dos nossos dados extraídos de notícias de jornais portugueses do século XX, que:
a. O infinitivo gerundivo, de acordo com nosso corpus, teve avanço mais
significativo no Português Europeu em dois momentos do século XX: na virada da
década de 1920 para a de 1930; e, depois, na virada da década de 1950 para a de
1960. Com isso, pode-se dizer que o padrão da variação gerúndio x infinitivo
gerundivo nas notícias de jornais portugueses do século XX apresenta três fases: de
1901 a 1930; de 1931 a 1960; e de 1961 a 2000. Nessa última fase do século XX, chega
a haver uso categórico de infinitivo gerundivo em alguns recortes de dados realizados.
Esse resultado confirma nossa hipótese diacrônica, segundo a qual o avanço do
infinitivo gerundivo no PE teria sido gradual ao longo do século XX.
b. Semelhantemente, ratificamos, com esse novo corpus, alguns resultados de
Mothé (2007): as construções perifrásticas (verbo auxiliar + verbo principal),
especialmente as constituídas pelos auxiliares estar, andar, ficar (que formam o
chamado progressivo) e continuar, são as que mais favorecem o uso de infinitivo
gerundivo. Os resultados mostram, contudo, que o infinitivo gerundivo tem avançado
inclusive nas estruturas sintéticas, mas de maneira bem menos proeminente que nas
estruturas analíticas.
c. Ainda de acordo com os resultados obtidos a partir de nossos dados,
verificamos que a existência de referências adverbiais de tempo, modo ou lugar antes
da estrutura gerundiva ou no meio da perífrase verbal (entre o verbo auxiliar e o
verbo principal) configura um contexto bastante favorecedor ao emprego de infinitvo
gerundivo.
375
d. Outro resultado que podemos mencionar diz respeito ao emprego de
infinitivo gerundivo em contextos em que havia clíticos. Em nosso corpus, a próclise
ou a presença de clítico entre o verbo auxiliar e o verbo principal nas perífrases
mostraram ser ambientes desfavorecedores ao uso de a + infinitivo.
e. Quanto aos tipos sintáticos de oração, verificamos que, dentre as orações não
adverbiais, as que favorecem o uso da variante inovadora, o infinitivo gerundivo, são:
as absolutas, as principais, as relativas e as substantivas. Entre as orações adverbiais,
as condicionais, as modais e as temporais se mostraram favorecedoras ao emprego de
a + infinitivo, assim como os resultados obtidos por Barbosa (1999). As demais
orações adverbiais foram amalgamadas em um só fator, que se mostrou favorecedor
ao emprego de infinitivo gerundivo. Além dos tipos sintáticos citados, convém
mencionar que as chamadas subordinadas aditivas se revelaram desfavorecedoras ao
uso da variante inovadora em nossos dados e as orações coordenadas apareceram
como irrelevantes para o fenômeno analisado em nosso corpus.
f. Relativamente aos tipos semânticos de oração, observamos apenas que dois
fatores se mostraram desfavorecedores ao emprego de a + infinitivo: o das orações
com gerúndio resultativo e o fator no qual constavam amalgamados os dados de
gerúndio concessivo, adversativo e opositivo. Pesquisas posteriores deverão, porém,
propor ajustes nessa classificação semântica das orações ou, ainda, elaborar uma
nova classificação, visto que, em nosso entendimento, outros tipos sintáticos de oração
além das adverbiais podem igualmente ser analisadas quanto à sua semântica, em
oposição ao que propõem Móia & Viotti (2004).
g. Com relação ao tipo semântico do verbo, registramos somente que os
processos mentais e os relacionais – este último, assim como em Mothé (2007) – se
mostraram desfavorecedores ao uso de a + infinitivo. De qualquer forma, o fato de os
grupos de fatores concernentes à semântica (oracional ou verbal) terem sido
selecionados como relevantes para a variação entre gerúndio e infinitivo gerundivo em
nosso corpus indica que os contextos semânticos aparentemente estão bastante ligados
ao fenômeno, merecendo maior atenção e outras estratégias de tratamento de dados
376
nas próximas pesquisas. Um possível caminho, por exemplo, pode vir a ser uma
classificação semântica com base em valores aspectuais, conforme algumas das
propostas que vimos no capítulo 2 desta obra.
h. Alguns grupos de fatores não foram considerados relevantes para esse
fenômeno em nosso corpus, fato que também necessita ficar registrado para pesquisas
posteriores. São eles: o tipo de texto (ou sequência textual), a voz verbal, a posição da
oração gerundial no período e a interpolação de itens lexicais entre o verbo auxiliar e
o verbo principal. Dentre esses grupos, porém, convém destacar um dado importante
acerca do tipo de texto / sequência textual. Embora esse grupo tenha sido selecionado
em apenas três rodadas estatísticas de dados, todas elas incluíam na amostra somente
dados de construções perifrásticas. Nelas, os textos narrativos foram apontados como
favorecedores ao emprego de a + infinitivo, ao passo que os textos dissertativos-
argumentativos se revelaram desfavorecedores ao uso da variante inovadora. Isso
pode indicar que, para esse tipo de construção, o tipo de texto ou a sequência textual
seja um elemento relevante para a variação entre gerúndio e infinitivo gerundivo.
i. Por fim, confirmando uma de nossas principais hipóteses, nossos resultados
mostraram que, de acordo com nossos dados, no gênero textual notícias, o infinitivo
gerundivo aparentemente tem avançado ao longo do tempo de forma indistinta em
todo o território luso, contrariando alguns autores e o senso comum, que costumam
afirmar que o Alentejo e o Algarve seriam redutos conservadores da forma nominal
gerúndio.
De maneira geral, nossos resultados revelam que o fenômeno avança no tempo
independentemente da região, inclusive nas notícias, gêneros jornalísticos escritos, em
geral, mais conservadores linguisticamente. Algumas rodadas chegaram a apontar a região
Norte como mais conservadora que as demais, mesmo sendo ela vista com frequência
como inovadora. É possível que tal resultado esteja associado a um padrão mais
conservador dos jornais de maneira geral, sobretudo por sabermos que nossos dados do
Norte provêm de O Comércio do Porto, um periódico de âmbito nacional, bastante
tradicional e respeitado ao longo do século XX.
377
Apesar disso, só será possível avaliar se o infinitivo gerundivo avança nas notícias
em maior ou menor grau do que acontece em outros gêneros textuais, em pesquisas
ulteriores que incluam outros gêneros jornalísticos e, eventualmente, outros gêneros
textuais não jornalísticos ao longo do tempo, como cartas pessoais ou peças teatrais, por
exemplo. O fato é que, se realmente o avanço do infinitivo gerundivo tem ocorrido em
todo o território luso indistintamente, conforme temos por hipótese, isso foi confirmado em
nosso corpus de notícias do século XX. Apesar disso, como já mencionamos, não podemos
de maneira alguma generalizar esses resultados para a língua como um todo. Afirmações
cada vez mais abrangentes poderão ser feitas à medida que outros contextos, outros
gêneros textuais sejam analisados em pesquisas futuras.
Além disso, cabe ressaltar, conforme fizemos em Mothé (2007) que, apesar do
claro avanço do infinitivo gerundivo, nossos dados confirmaram haver ainda determinados
contextos em que o gerúndio é usado em Portugal tanto na forma sintética quanto na forma
analítica (como é o caso das construções perifrásticas com auxiliares ir e vir, por exemplo).
Isso mostra quão infundadas são afirmações como as que vimos, do tipo “não existe
gerúndio em Portugal”. Os dados de língua em uso mostram o contrário disso.
Concluindo, ainda é pertinente mencionar que, para além dos resultados
quantitativos, nossa pesquisa deixa a outros pesquisadores, da área de Linguística ou não,
considerações acerca da história e do perfil de alguns periódicos portugueses em circulação
ao longo do século XX. Um grande volume de material jornalístico da imprensa lusitana de
âmbito nacional e regional foi levantado junto aos arquivos portugueses e estará à
disposição de futuras pesquisas que desejem editá-los, estudá-los, esmiuçá-los, com os
mais variados fins.
BIBLIOGRAFIA
ASSOCIAÇÃO DE MUNICÍPIOS DO BAIXO ALENTEJO E ALENTEJO LITORAL
(AMBAAL). Disponível em: <<http://www.ambaal.pt/>>. Acesso em: 13 de janeiro de
2014.
ARRUDA, Lígia. Gramática de Português Língua Não Materna. Porto: Porto Editora,
2008.
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for historical linguistics. Austin: University of Texas Press. p. 97-195. 1968.
__________. Fundamentos empíricos para uma teoria da mudança linguística. Trad.
Marcos Bagno. Coleção Lingua[gem] 18. 2ª ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2006.
389
APÊNDICE
LISTA DE EDIÇÕES DE JORNAIS
QUE FORAM LEVANTADAS PARA O CORPUS DA PESQUISA
390
JORNAIS
REGIÃO JORNAL PUBLICAÇÃO FASE EDIÇÕES N
O DE
IMAGENS
Norte
O Commércio
do Porto
(Período de
coleta de
dados:
1905 – 2000)
TOTAL DE
43 EDIÇÕES
E 528
IMAGENS.
Desde 02 de
junho de 1854
até 30 de julho
de 2005
0 - 1901 –
1910
(07 edições)
04 jan 1905 03
05 jan 1905 04
15 jan 1905 05
17 jan 1905 04
26 jan 1905 04
27 jan 1905 04
28 jan 1905 03
1 - 1911 –
1920
(07 edições)
01 abr 1915 06
06 abr 1915 06
07 abr 1915 06
10 abr 1915 06
24 abr 1915 06
18 mai 1915 06
26 jun 1915 06
2 - 1921 –
1930
(06 edições)
20 abr 1925 02
21 abr 1925 08
22 abr 1925 06
15 mai 1925 06
16 jun 1925 06
24 abr 1925 06
3 - 1931 –
1940
(04 edições)
13 mai 1935 10
04 abr 1935 12
05 abr 1935 12
06 abr 1935 08
4 - 1941 –
1950
(04 edições)
03 jul 1945 08
04 jul 1945 08
05 jul 1945 08
06 jul 1945 08
5 - 1951 –
1960
(04 edições)
01 mar 1955 08
02 mar 1955 08
21 abr 1955 12
22 abr 1955 10
6 - 1961 –
1970
(03 edições)
10 abr 1965 14
11 abr 1965 16
12 abr 1965 16
7 - 1971 –
1980
10 abr 1975 14
11 abr 1975 14
391
(03 edições) 12 abr 1975 16
8 - 1981 –
1990
(02 edições)
22 jun 1985 48
24 jun 1985 39
9 - 1991 –
2000
(03 edições)
10 jun 1995 48
11 jun 1995 40
24 jun 2000 48
Centro
O Jornal
d’Estarreja
(Período de
coleta de
dados:
1902 – 1925)
TOTAL DE 31
EDIÇÕES
E 128
IMAGENS.
Desde 12 de
abril de 1883
até HOJE
0 - 1901 –
1910
(11 edições)
05 jun 1902 04
12 jun 1902 04
19 jun 1902 04
26 jun 1902 04
03 jul 1902 04
14 abr 1904 04
21 abr 1904 04
28 abr 1904 04
05 mai 1904 04
23 nov 1905 04
30 nov 1905 04
1 - 1911 –
1920
(10 edições)
13 abr 1911 04
22 abr 1911 04
29 abr 1911 04
06 mai 1911 04
13 jul 1912 04
27 jul 1912 04
05 ago 1912 04
16 nov 1913 04
25 nov 1913 04
30 nov 1913 04
2 - 1921 –
1930
(10 edições)
17 jun 1922 04
25 jun 1922 04
02 jul 1922 04
31 dez 1922 04
14 jan 1923 08
21 jan 1923 04
28 jan 1923 04
01 ago 1926 04
08 ago 1926 04
15 ago 1926 04
Diário de
Coimbra
Desde 24 de
maio de 1930
até HOJE
3 - 1931 –
1940
(10 edições)
01 jan 1931 08
03 jan 1931 04
04 jan 1931 04
392
(Período de
coleta de
dados:
1931 – 1991)
TOTAL DE 55
EDIÇÕES
E 491
IMAGENS.
05 jan 1931 04
06 jan 1931 04
07 jan 1931 04
08 jan 1931 04
09 jan 1931 04
10 jan 1931 04
11 jan 1931 04
4 - 1941 –
1950
(09 edições)
07 fev 1941 04
08 fev 1941 04
09 fev 1941 04
10 fev 1941 04
11 fev 1941 04
12 fev 1941 04
13 fev 1941 04
14 fev 1941 04
15 fev 1941 04
5 - 1951 –
1960
(08 edições)
06 jan 1951 08
07 jan 1951 08
08 jan 1951 08
09 jan 1951 08
10 jan 1951 08
11 jan 1951 08
12 jan 1951 08
13 jan 1951 08
6 - 1961 –
1970
(08 edições)
06 jan 1961 08
07 jan 1961 10
08 jan 1961 12
09 jan 1961 10
10 jan 1961 10
11 jan 1961 08
12 jan 1961 10
13 jan 1961 08
7 - 1971 –
1980
(08 edições)
01 jan 1971 12
03 jan 1971 16
04 jan 1971 09
05 jan 1971 12
06 jan 1971 10
07 jan 1971 12
08 jan 1971 10
09 jan 1971 10
393
8 - 1981 –
1990
(06 edições)
01 jan 1981 12
03 jan 1981 12
05 jan 1981 12
06 jan 1981 12
07 jan 1981 12
08 jan 1981 12
9 - 1991 –
2000
(06 edições)
01 jan 1991 16
03 jan 1991 20
04 jan 1991 16
05 jan 1991 16
07 jan 1991 20
08 jan 1991 20
Lisboa
Diário de
Notícias
(Período de
coleta de
dados:
1902 – 1996)
TOTAL DE
206 EDIÇÕES
E 2262
IMAGENS.
De 29 de
dezembro de
1864 até HOJE
0 - 1901 –
1910
(50 edições)
03 jan 1902 04
04 jan 1902 04
05 jan 1902 04
06 jan 1902 04
07 jan 1902 04
08 jan 1902 04
09 jan 1902 04
10 jan 1902 04
11 jan 1902 04
12 jan 1902 04
13 jan 1902 04
14 jan 1902 04
15 jan 1902 04
16 jan 1902 04
17 jan 1902 04
18 jan 1902 04
19 jan 1902 04
20 jan 1902 04
21 jan 1902 04
22 jan 1902 04
23 jan 1902 04
24 jan 1902 04
25 jan 1902 04
26 jan 1902 04
27 jan 1902 04
28 jan 1902 04
03 abr 1904 08
04 abr 1904 04
394
05 abr 1904 06
06 abr 1904 06
07 abr 1904 06
08 abr 1904 06
09 abr 1904 06
10 abr 1904 08
11 abr 1904 04
12 abr 1904 06
13 abr 1904 06
14 abr 1904 06
15 abr 1904 06
16 abr 1904 06
17 abr 1904 08
18 abr 1904 06
26 abr 1904 06
1 - 1911 –
1920
(31 edições)
03 jan 1911 08
04 jan 1911 06
05 jan 1911 08
06 jan 1911 06
07 jan 1911 06
08 jan 1911 08
09 jan 1911 06
10 jan 1911 08
11 jan 1911 06
12 jan 1911 06
13 jan 1911 06
14 jan 1911 06
15 jan 1911 08
16 jan 1911 06
17 jan 1911 06
18 jan 1911 06
01 ago 1913 06
02 ago 1913 08
03 ago 1913 08
04 ago 1913 06
05 ago 1913 07
06 ago 1913 06
07 ago 1913 08
08 ago 1913 06
09 ago 1913 06
395
10 ago 1913 08
11 ago 1913 06
12 ago 1913 08
13 ago 1913 06
14 ago 1913 08
15 ago 1913 06
2 - 1921 –
1930
(30 edições)
15 jun 1921 06
16 jun 1921 08
17 jun 1921 06
18 jun 1921 06
19 jun 1921 08
20 jun 1921 06
21 jun 1921 06
22 jun 1921 06
23 jun 1921 08
24 jun 1921 06
25 jun 1921 06
26 jun 1921 08
27 jun 1921 06
28 jun 1921 06
29 jun 1921 06
30 jun 1921 08
02 nov 1924 10
03 nov 1924 06
04 nov 1924 08
05 nov 1924 06
06 nov 1924 08
07 nov 1924 08
08 nov 1924 08
09 nov 1924 08
10 nov 1924 06
11 nov 1924 08
12 nov 1924 08
13 nov 1924 08
14 nov 1924 08
15 nov 1924 08
3 - 1931 –
1940
(20 edições)
10 fev 1931 12
11 fev 1931 10
12 fev 1931 12
13 fev 1931 10
396
14 fev 1931 12
15 fev 1931 12
16 fev 1931 06
17 fev 1931 10
19 fev 1931 14
02 out 1933 08
03 out 1933 08
04 out 1933 08
05 out 1933 12
07 out 1933 12
08 out 1933 16
09 out 1933 08
10 out 1933 08
11 out 1933 08
12 out 1933 12
13 out 1933 08
4 - 1941 –
1950
(29 edições)
10 mai 1941 06
11 mai 1941 10
12 mai 1941 08
13 mai 1941 06
14 mai 1941 08
15 mai 1941 08
16 mai 1941 06
17 mai 1941 06
18 mai 1941 10
19 mai 1941 08
20 mai 1941 06
21 mai 1941 08
22 mai 1941 08
23 mai 1941 06
12 jun 1944 06
13 jun 1944 06
14 jun 1944 06
15 jun 1944 08
16 jun 1944 06
17 jun 1944 08
18 jun 1944 10
19 jun 1944 06
20 jun 1944 06
21 jun 1944 06
397
22 jun 1944 08
23 jun 1944 06
24 jun 1944 06
25 jun 1944 10
26 jun 1944 06
5 - 1951 –
1960
(21 edições)
01 set 1951 08
02 set 1951 12
03 set 1951 10
04 set 1951 08
05 set 1951 08
06 set 1951 10
07 set 1951 08
08 set 1951 08
09 set 1951 10
10 set 1951 08
11 set 1951 08
12 set 1951 10
04 mar 1954 14
05 mar 1954 10
06 mar 1954 12
07 mar 1954 14
08 mar 1954 12
09 mar 1954 12
10 mar 1954 10
11 mar 1954 12
12 mar 1954 10
6 - 1961 –
1970
(13 edições)
01 ago 1961 14
02 ago 1961 14
03 ago 1961 16
04 ago 1961 14
05 ago 1961 14
06 ago 1961 18
07 ago 1961 14
01 abr 1964 18
02 abr 1964 20
03 abr 1964 18
04 abr 1964 18
05 abr 1964 26
06 abr 1964 18
7 - 1971 – 01 dez 1971 30
398
1980
(09 edições)
03 dez 1971 32
04 dez 1971 32
05 dez 1971 32
01 nov 1974 24
02 nov 1974 28
04 nov 1974 25
05 nov 1974 24
06 nov 1974 24
8 - 1981 –
1990
(07 edições)
08 jul 1981 24
09 jul 1981 28
10 jul 1981 28
11 jul 1981 40
22 jun 1983 38
23 jun1983 44
24 jun 1983 44
9 - 1991 –
2000
(03 edições)
11 fev 1991 96
12 fev 1991 60
15 abr 1996 128
Alentejo
A Folha do
Sul
(Período de
coleta de
dados:
1901 – 1923)
TOTAL DE 37
EDIÇÕES E
110
IMAGENS.
Desde 07 de
agosto de 1897
até 14 de
dezembro de
1946
0 - 1901 –
1910
(10 edições)
19 jan 1901 04
26 jan 1901 04
02 fev 1901 04
09 ago 1902 04
15 ago 1902 04
23 ago 1902 04
13 ago 1904 04
20 ago 1904 04
27 ago 1904 04
03 set 1904 04
1 - 1911 –
1920
(07 edições)
24 mai 1911 04
27 mai 1911 04
31 mai 1911 04
03 jun 1911 04
14 jan 1914 04
17 jan 1914 04
21 jan 1914 06
2 - 1921 –
1930
(20 edições)
22 jan 1921 02
26 jan 1921 02
29 jan 1921 02
02 fev 1921 02
05 fev 1921 02
399
12 fev 1921 02
05 jul 1922 02
08 jul 1922 02
12 jul 1922 02
15 jul 1922 02
19 jul 1922 02
22 jul 1922 02
07 mar 1923 02
10 mar 1923 02
14 mar 1923 02
17 mar 1923 02
13 out 1923 02
17 out 1923 02
20 out 1923 02
24 out 1923 02
Diário do
Alentejo
(Período de
coleta de
dados:
1932 – 1998)
TOTAL DE 68
EDIÇÕES E
663
IMAGENS.
De 01 de junho
de 1932 até
HOJE
3 - 1931 –
1940
(10 edições)
01 jun 1932 04
02 jun 1932 04
03 jun 1932 04
04 jun 1932 04
06 jun 1932 04
24 jun 1932 04
04 abr 1933 04
05 abr 1933 04
06 abr 1933 04
07 abr 1933 04
4 - 1941 –
1950
(11 edições)
12 jun 1943 04
14 jun 1943 04
15 jun 1943 04
16 jun 1943 04
17 jun 1943 04
23 set 1947 04
31 mar 1948 04
20 abr 1948 04
21 abr 1948 04
23 abr 1948 04
10 jul 1950 04
5 - 1951 –
1960
(11 edições)
09 jun 1952 04
11 jun 1952 04
06 jun 1953 04
08 jun 1953 04
400
09 jun 1953 04
21 abr 1955 04
06 jun 1957 04
07 jun 1957 04
24 jun 1958 30
25 jun 1958 04
26 jun 1958 04
6 - 1961 –
1970
(11 edições)
02 jun 1962 04
04 jun 1962 04
04 jun 1963 04
05 jun 1963 04
06 jun 1963 04
10/11 jun
1963
04
16 fev 1967 04
17 fev 1967 03
18/19 fev
1967
04
20 fev 1967 04
21 fev 1967 04
7 - 1971 –
1980
(09 edições)
06 jan 1972 08
07 jan 1972 08
11 jan 1972 08
12 jan 1972 08
13 jan 1972 08
29 nov 1973 08
30 nov 1973 08
17 dez 1974 08
18 dez 1974 08
8 - 1981 –
1990
(08 edições)
17-23 jun
1983
16
24-30 jun
1983
28
01-07 jul 1983 18
08-14 jul 1983 16
03-09 abr
1987
20
05-11 jun
1987
24
11-17 mar
1988
20
401
18-24 mar
1988
24
9 - 1991 –
2000
(08 edições)
31jan-05fev
1992
24
07-13 fev
1992
24
16-22 abr
1993
28
23-29 abr
1993
28
28fev-06mar
1997
28
07-13 mar
1997
32
13-19 fev
1998
32
20-26 fev
1998
32
Algarve
O Algarve
(Período de
coleta de
dados:
1908 - 1993)
TOTAL DE
105 EDIÇÕES
E 549
IMAGENS.
De 29 de março
de 1908 até
abril de 2013
0 - 1901 –
1910
(11 edições)
29 mar 1908 04
05 abr 1908 04
12 abr 1908 04
26 abr 1908 04
10 mai 1908 04
17 mai 1908 06
24 mai 1908 04
16 mai 1909 06
23 mai 1909 06
30 mai 1909 06
06 jun 1909 04
1 - 1911 –
1920
(10 edições)
04 jan 1914 04
11 jan 1914 04
18 jan 1914 04
28 jan 1915 04
07 fev 1915 04
14 mar 1915 04
21 mar 1915 04
24 set 1916 04
01 out 1916 04
08 out 1916 04
2 - 1921 –
1930
(18 edições)
05 jun 1921 04
12 jun 1921 02
03 jul 1921 02
402
10 jul 1921 02
17 jul 1921 02
24 jul 1921 02
08 fev 1925 02
15 fev 1925 02
22 fev 1925 02
01 mar 1925 02
08 mar 1925 02
15 mar 1925 02
22 mar 1925 02
29 mar 1925 04
05 abr 1925 02
12 abr 1925 02
19 abr 1925 02
26 abr 1925 02
3 - 1931 –
1940
(10 edições)
30 ago 1931 04
06 set 1931 04
13 set 1931 04
19 mar 1933 04
26 mar 1933 04
02 abr 1933 06
09 abr 1933 04
10 jul 1938 04
17 jul 1938 04
24 jul 1938 04
4 - 1941 –
1950
(10 edições)
27 abr 1941 04
04 mai 1941 04
`11 mai 1941 04
17 out 1943 04
24 out 1943 04
31 out 1943 04
07 nov 1943 04
05 mar 1944 04
06 ago 1944 04
13 ago 1944 04
5 - 1951 –
1960
(10 edições)
27 jan 1952 04
03 fev 1952 04
10 fev 1952 04
10 jan 1954 04
17 jan 1954 04
403
19 set 1954 04
26 set 1954 04
05 jun 1955 04
12 jun 1955 04
26 jun 1955 04
6 - 1961 –
1970
(10 edições)
14 mai 1961 04
21 mai 1961 04
28 mai 1961 04
03 jun 1962 04
10 jun 1962 04
17 jun 1962 04
24 mar 1963 04
31 mar 1963 04
07 abr 1963 04
14 abr 1963 04
7 - 1971 –
1980
(10 edições)
16 jan 1972 06
23 jan 1972 06
30 jan 1972 06
06 fev 1972 06
13 fev 1972 06
01 abr 1973 08
08 abr 1973 08
15 abr 1973 08
14 out 1973 06
21 out 1973 08
8 - 1981 –
1990
(10 edições)
08 abr 1981 12
15 abr 1981 10
22 abr 1981 10
29 abr 1981 10
23 set 1981 10
30 set 1981 10
07 out 1981 08
09 dez 1981 10
23 dez 1981 10
30 dez 1981 10
9 - 1991 –
2000
(06 edições)
11 jul 1991 20
18 jul 1991 16
25 jul 1991 17
11 mar 1993 10
18 mar 1993 12
404
25 mar 1993 12
Açores
Diário dos
Açores
(Período de
coleta de
dados:
1907 – 1997)
TOTAL DE 40
EDIÇÕES E
181
IMAGENS
De 05 de
fevereiro de
1870 até HOJE
0 - 1901 –
1910
(04 edições)
03 mai 1907 04
04 mai 1907 04
11 mai 1907 04
13 mai 1907 04
1 - 1911 –
1920
(04 edições)
12 jan 1918 02
28 jan 1918 02
07 fev 1918 02
10 abr 1918 02
2 - 1921 –
1930
(05 edições)
02 jan 1928 10
28 jan 1928 02
30 jan 1928 02
30 mar 1928 02
10 abr 1928 02
3 - 1931 –
1940
(04 edições)
11 nov 1937 03
12 nov 1937 04
28 jan 1938 05
29 jan 1938 05
4 - 1941 –
1950
(não há)
(Não há.) -
5 - 1951 –
1960
(04 edições)
04 abr 1950 04
08 jul 1950 04
10 jul 1950 04
11 jul 1950 04
6 - 1961 –
1970
(06 edições)
26 mar 1960 05
28 mar 1960 02
13 jan 1961 02
28 jan 1961 04
07 abr 1965 02
15 abr 1965 04
7 - 1971 –
1980
(04 edições)
07 abr 1975 04
10 arb 1975 04
21 abr 1975 04
24 jun 1975 04
8 - 1981 –
1990
(03 edições)
07 abr 1987 08
10 abr 1987 07
06 jun 1987 08
9 - 1991 –
2000
(06 edições)
21 abr 1997 16
06 jun 1997 16
24 jun 1997 16
405
LOCALIDADE NÚMERO DE EDIÇÓES NÚMERO DE PÁGINAS /
IMAGENS
NORTE 43 528
CENTRO 86 619
LISBOA 206 2262
ALENTEJO 105 773
ALGARVE 105 549
AÇORES 40 181
TOTAL GERAL 585 4912
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