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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CINCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
CURSO DE PS-GRADUAO EM FILOSOFIA
CONHECIMENTO DE SI E UNIDADE: CONSIDERAES SOBRE A ALMA
EM PLOTINO
RUAN FERNANDES DA SILVA
DISSERTAO APRESENTADA AO
PROGRAMA DE PS-GRAUDAO EM
FILOSOFIA PPGFIL, DA
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO
GRANDE DO NORTE, NA REA DE
CONCENTRAO HISTRIA DA
METAFSICA, COMO REQUISITO
PARCIAL OBTENO DO TTULO
DE MESTRE EM FILOSOFIA.
ORIENTAO: PROF. DR. CICERO
CUNHA BEZERRA
NATAL
2014
RUAN FERNANDES DA SILVA
CONHECIMENTO DE SI E UNIDADE: CONSIDERAES SOBRE A ALMA
EM PLOTINO
NATAL
2014
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CINCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
CURSO DE PS-GRADUAO EM FILOSOFIA
CONHECIMENTO DE SI E UNIDADE: CONSIDERAES SOBRE A ALMA
EM PLOTINO
RUAN FERNANDES DA SILVA
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________
________________________________________________
________________________________________________
NATAL
2014
AGRADECIMENTOS
Deus primeiramente, por iluminar meu caminho me concedendo humildade, fora e
sabedoria nesta jornada de conhecimentos;
Aos mestres e amigos de toda ordem, incansveis no auxlio, no amparo e nas
orientaes cruciais deste trabalho;
Aos meus pais, Rui Incio da Silva e Ana Maria Fernandes da Silva por uma vida de
amor e carinho que sempre me permitiram oportunidades de realizao dos sonhos e
conquistas, alm da dedicao incansvel em muitas horas de audio e reflexo sobre
os meus pensamentos;
Ao meu orientador, Prof. Dr. Ccero Cunha Bezerra, meus sinceros agradecimentos,
por sua dedicao, pacincia, sensibilidade e apoio ao longo de todo este processo de
desenvolvimento filosfico;
Ao meu tio, irmo e amigo Rafael pelo apoio e pelo incentivo nos momentos de
companheirismo e amizade, bem como a amizade e o carinho de sua esposa, tia Simone;
minha av Maria Jos Miller (vov Zez) pelo amor e apoio incondicional que
mesmo a distncia no pde separar, sempre torcendo e incentivando os trabalhos do
neto;
minha tia Ione Maciel da Silva que se tornou um porto seguro para dilogos,
comentrios e audies para todas as instncias do pensar;
Ao meu grande amigo e irmo Miguel Pereira Neto, que como um verdadeiro guia dos
navegantes, orientou os primeiros pensamentos e direcionamentos nesta odisseia
filosfica;
Para toda famlia do lado carioca que com muito amor acreditaram no trabalho,
rogando por sucesso o desenvolvimento da rdua construo deste pensamento;
toda famlia do lado potiguar que com muito carinho incentivaram e apoiaram este
trabalho, principalmente Vov Luisa de Arajo Silva e in memoriam de Vov Romo
Incio da Silva;
Aos meus bisavs in memoriam Rafael Arajo e Elita Arajo
Ao ns, representando toda a comunidade de amigos e colegas que acreditaram e
apoiaram este trabalho desde o incio;
Por fim, gostaria de lembrar algumas instituies que foram fundamentais nessa
pesquisa: o Departamento de Filosofia da UFRN, pelo Curso de Mestrado e a CAPES,
pela bolsa que me permitiu a dedicao pesquisa.
A Plotino.
Muitas vezes, despertando do meu sonho
corpreo e ficando estranho a qualquer
outra coisa, contemplei no meu ntimo
uma beleza maravilhosa e acreditava,
sobretudo agora, pertencer a um destino
mais alto; realizando uma vida melhor,
unificado com o Divino e fundando sobre
este, cheguei a exercitar uma atividade
que me ala acima de qualquer outro ser
espiritual. Mas, depois deste repouso no
seio do Divino, descido do Esprito
reflexo, eu me perguntei como
possvel, ento, esta descida e de que
modo alma conseguiu entrar no corpo,
sendo o que ela em si mesmo, como me
mostrou, mesmo estando num corpo.
Plotino, Enada IV, 8 (6), 1, 1-12
RESUMO
O objetivo desta dissertao desenvolver uma anlise sobre a ideia da
imortalidade da alma a partir das Enadas de Plotino pela compreenso do discurso da
alma como eterna, una-mltipla e em busca da simplicidade com o Uno diante da
temporalidade do corpo mltiplo. Para tanto, iniciamos tentando analisar suscintamente
as hipstases plotinianas (O Uno, o Esprito e a Alma) para melhor estabelecer as bases
do pensamento de Plotino ao abordar o tema da ideia da alma e sua imortalidade.
Procuramos examinar a epistme do pensamento de Plotino e sua dialtica no intuito de
desenvolvermos uma compreenso das relaes existentes entre as matrias sensvel e
inteligvel e as formas. Assim, desenvolve-se nas Enadas de Plotino o papel
fundamental do Logos e dos Lgoi na formao da alma. Analisamos tambm na
processo (prodos) e no retorno (epstroph) as implicaes dos aspectos da eternidade
sobre a purificao da alma na temporalidade do corpo. Procuramos, por fim, na ideia
da imortalidade da alma pelo conhecimento de si mesma a imortalidade na simplicidade
do Uno, isto , o momento ltimo da busca do autoconhecimento pelo esquecimento de
si para est s com o Uno: o despoja-te de tudo (Aphele pnta).
Palavras-chave: Alma; Imortalidade; Autoconhecimento; Simplicidade; Plotino.
RIASSUNTO
L'obiettivo di questa tesi quello di sviluppare una analisi dell'idea
dell'immortalit dell'anima dalle Enneadi di Plotino attraverso la comprensione del
discorso dell'anima come eterno, e unit-pluralit ricerca di semplicit con la Uno sulla
temporalit del corpo multiple. Per fare ci, abbiamo iniziato cercando di analizzare
brevemente le plotinianas ipostasi (l'Uno, lo spirito e l'anima) per stabilire meglio le
basi del pensiero di Plotino quando si discute l'idea dell'anima e la sua immortalit.
Cerchiamo di esaminare il pensiero epistme di Plotino e la sua dialettica, al fine di
sviluppare una comprensione del rapporto tra materia e forma sensibile e intelligibile. In
questo modo, si sviluppa nelle Enneadi di Plotino il ruolo fondamentale del Logos e il
Logoi nella formazione dell'anima. Analizziamo anche la processione (Prodos) e
ritorno (Epistroph) le implicazioni degli aspetti dell'eternit sulla purificazione
dell'anima nella temporalit del corpo. Cerchiamo in ultima analisi, l'idea
dell'immortalit dell'anima dalla conoscenza stessa immortalit sulla semplicit di
Colui, cio, l'ultima volta che la ricerca della conoscenza di s dalla dimenticanza di s
per solo con l'Uno: il "Elimina ogni cosa" (Aphele pnta).
Parole chiave: Anima; Immortalit; Conoscenza di s; Semplicit; Plotino.
SUMRIO
Introduo .................................................................................................................... 09
1. Captulo I - A HENOLOGIA PLOTINIANA: DO UNO ALMA ..................... 13
1.1. Uno (Hn) ........................................................................................................ 14
1.2. ESPRITO (Nos) ............................................................................................... 21
1.3. ALMA (Psuch) .................................................................................................. 31
1.3.1. A UNIDADE DA ALMA E A MULTIPLICIDADE ..................................... 41
2. Captulo II - DA EPISTME AO MTODO DIALTICO NA MATRIA
SENSVEL E INTELIGVEL E NAS FORMAS ................................................... 49
2.1. EPISTEME PLOTINIANA ................................................................................. 49
2.2. DIALTICA PLOTINIANA .............................................................................. 55
2.3. MATRIA SENSVEL E MATRIA INTELIGVEL ...................................... 58
2.4. FORMAS ............................................................................................................ 67
2.5. LOGOS EM PLOTINO ..................................................................................... 71
2.6. DIFERENA LGICA ..................................................................................... 74
3. Captulo III - DA IMORTALIDADE DA ALMA .................................................. 77
3.1. O CONHECIMENTO DA ALMA COMO SUBSTNCIA REAL,
TRANSCENDENTE E ETERNA PARA ALMA DO HOMEM. ......................... 77
3.2. DA ETERNIDADE E DA DURAO NA IMORTALIDADE E O VALOR DO
TEMPO. ..................................... ........................................................................... 85
3.3. O Nos e o AUTOCONHECIMENTO EM PLOTINO. ........................................... 96
3.4. A ALMA COM O CONHECIMENTO DE SI MESMA E DA IMORTALIDADE NA
NA SIMPLICIDADE DO UNO. ........................................................................... 118
4. CONCLUSO ........................................................................................................... 125
5. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ................................................................... 132
5.1. Fontes Primrias .............................................................................................. 132
5.2. Bibliografia Sobre Plotino consultada ......................................................... 132
5.3. Bibliografia Secundria ................................................................................... 135
9
INTRODUO
A questo do autoconhecimento ou conhecimento de si um objeto de investigao
epistemolgica e a finalidade de uma busca de natureza tica. Quando visto como objeto da
investigao epistemolgica, o que se busca a explicao do como e o que conhecido.
Quando visto como projeto tico, o que se busca a realizao de algo que leve
o indivduo a ser mestre de si mesmo e, consequentemente, um ser humano melhor, ou uma
alma, na compreenso da unidade, segundo a Filosofia de Plotino1. Filsofos como Scrates,
Plato e Plotino fazem parte de uma tradio que compreendem o autoconhecimento como
uma conquista ou realizao que traz sade e liberdade para o indivduo, mais precisamente
para sua alma. Esse projeto tico tem suas razes no dito do orculo de Delfos que tanto
influenciou Scrates: Conhece-te a ti mesmo2; ou pelas palavras de Plotino:
obedeceramos quela recomendao do deus que nos exorta a conhecermos a ns
mesmos (1985, p.84-85). De acordo com essa tradio, o autoconhecimento
uma realizao, ao invs de algo dado ou prontamente disponvel ao indivduo. Para
conhecer-se a si mesmo, o indivduo precisa refletir e interpretar a si mesmo. O conhecimento
de si distingue-se do conhecimento de outras coisas (as coisas exteriores para o indivduo) por
ser imediato, no sentido de no depender de evidncias. Pode-se dizer que o
autoconhecimento fruto da introspeco.
A imortalidade da Alma como resultado de autoconhecimento uma compreenso
feita pelo exerccio da contemplao que repercute em um conhecimento de sua condio
1 - Pautado em a Vida de Plotino por Porfrio, pode-se apresentar o seguinte quadro: Nascido na cidade de
Licpolis, Egito, em 204 d.C., Plotino segue para a grande cidade de Alexandria onde permaneceu por 11 anos e
estudou com seu mestre Amnio Sacas (175 240/242 d.C). A busca por conhecimentos filosficos em outros
povos instigou Plotino, e aos 38 anos deixa Alexandria e se junta ao exrcito de Gordiano III na direo da
Prsia. A campanha militar fracassou aps o assassinato de Gordiano e Plotino agora estava em terras estranhas e
hostis, mas apesar das dificuldades encontrou um caminho para Antiquia. Na idade de 40 anos, segundo
Porfrio, Plotino segue para Roma e l inicia as bases de sua escola filosfica, mas s comear a escrever aos 50
anos e depois pede a Porfrio a ordenao de seus escritos. Seu crculo mais ntimo inclua Porfrio, Amlio da
Toscana, e o senador Castro Firmo. Plotino tinha alunos de vrias partes do mundo, bem como do prprio senado
romano. Conta Eunpio que Porfrio, aps haver estudado com Plotino, tomou horror ao prprio corpo e velejou
para a Siclia, seguindo a rota de Odisseu, e ficou em um promontrio da ilha, sem se alimentar e evitando o
caminho do homem; Plotino, que ou o estava seguindo ou recebeu informaes sobre o jovem discpulo, foi at
ele e o convenceu com suas palavras, de modo que Porfrio voltou a reforar seu corpo para sustentar sua alma.
Para Eustquio de Alexandria, o mdico e discpulo que dedicou-se ao aprendizado de Plotino e o assistiu at sua
morte, aos 66 anos em 270 d.C. no segundo reinado do imperador Cludio II, Plotino deixou para ele, como
legado de seu pensamento, as ltimas palavras: Esfora-te para elevar o que de divino existe em ns em
direo ao que divino no universo. 2 - Conhece-te a ti mesmo quer dizer conhece a tua prpria alma Plato em Alcibadis I 129 a-130 e sobre
tudo 130 e 8-9.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Plat%C3%A3ohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Sa%C3%BAdehttp://pt.wikipedia.org/wiki/Liberdadehttp://pt.wikipedia.org/wiki/Or%C3%A1culo_de_Delfoshttp://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%B3crateshttp://pt.wikipedia.org/wiki/Evid%C3%AAnciahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Introspec%C3%A7%C3%A3ohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Porf%C3%ADriohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Am%C3%A9lio_da_Toscanahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Am%C3%A9lio_da_Toscanahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Senado_romanohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Senado_romanohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Eun%C3%A1piohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Sic%C3%ADliahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Odisseu10
imortal na temporalidade, e que esta uma imagem (eidolon) de sua ideia original, ou seja,
da eternidade do ser nos.
Contudo, o pensamento de Plotino no comea pelo autoconhecimento, ou pela
contemplao e muito menos pelos nveis de contemplao e tambm no se inicia pelo
retorno (epistroph) e nem a processo (prodos), mas por uma resposta para entender o
ponto central de onde todas as coisas partem ou se iniciam. O pensamento filosfico de
Plotino possui um frontispcio, um prtico, pelo qual tudo comea e a entrada para sua
filosofia o Uno. Tudo advm, procede e gerado a partir dele num transbordar contnuo e
infinito. E como tudo advm dele, uma filosofia que possui seus conhecimentos a partir da
referncia do Uno s poderia ter um sistema de pensamento pautado pela unidade3.
O pensamento plotiniano se revela em dois sentidos de movimentos em sua
henologia filosfica da unidade no decorrer da jornada de conhecimento da alma: no primeiro
movimento h a processo (Prodos) e no segundo o retorno (Epistroph) e apesar de
parecerem movimentos lineares para a unidade, eles no possuem nenhuma linearidade, muito
pelo contrrio, pois para cada processo e retorno h um exerccio de contemplao.
A unidade se revela pelo conhecimento da unidade em todas as coisas, mas,
mantendo-se a diferena que distingue o Uno das outras coisas. H na filosofia de Plotino
uma estrutura tridica Uno, Esprito e Alma (Hn, nos, psuch), mas estas trs hipstases,
na verdade, formam uma unidade (Enada V 1, 6.40-45), pois as duas ltimas se voltam e se
compreendem com a primeira.
Essa pesquisa tem como objetivo desenvolver uma anlise sobre a ideia da
imortalidade da Alma a partir das Enadas de Plotino e toma como ponto de partida o
discurso sobre o aspecto da alma como eterna, una/mltipla e simples diante da temporalidade
do corpo mltiplo. Em um primeiro momento feita uma anlise das Hipstases4 plotinianas
e o papel fundamental do Logos no que concerne alma humana. Em especial uma anlise da
alma em Plotino, sua unidade e sua individuao. Em um segundo momento feita uma
anlise da epistme e do logos na alma individualizada e suas implicaes no que tange ao
nos e o autoconhecimento. E por fim pensamos, a partir dos movimentos de processo e
converso, as implicaes da eternidade da Alma, bem como as suas implicaes temporais.
3 - Segundo Maria Simone (1999, p.12): o termo correto utilizado por Plotino ents. Porm, este termo
quase nunca aparece no texto das Enadas, j que Plotino acaba atribuindo para a unidade o mesmo termo
utilizado para o Uno (Hn).
4 -Trata-se dos conhecimentos compreendidos por Plotino sobre as trs formas das quais hierarquicamente
proveniente as processes, primeiro movimento e a converso ou retorno, o segundo movimento: as trs
hipstases so o Uno (Hn), o esprito (nos) e a alma (psuch).
11
Expor a ideia da imortalidade da alma em Plotino na eternidade, na unidade e na simplicidade
diante da transcendncia do corpo mltiplo no tempo.
Para tanto a organizao e estruturao da ordem a ser seguida de fundamental
importncia para que os objetivos propostos sejam alcanados. Assim, a pesquisa teve uma
diviso de captulos apresentada em trs partes: numa prima parte com o captulo que
desenvolve as Hipstases plotinias, como j mencionado, em que iniciamos pelo caminho
processional a partir do Uno, primeira Hipstase. Do Uno seguimos o movimento da
processo para o esprito e a alma hipstases derivadas do Uno. Em seguida, ainda no captulo
primeiro, o aprofundamento da alma em Plotino na anlise de sua unidade e aps a sua
individuao. O segundo captulo inicia-se com a compreenso da epistme abordando a
unidade e multiplicidade e como a alma reconhece-se individualizada. Em seguida, busca-se
por compreender a substncia de matria e de forma em ambos os mundos, o sensvel e o
inteligvel pela matria sensvel e inteligvel e a eidos da alma e do corpo. O logos o
diferenciador lgico para a individualizao da alma e apresentado, em seguida, para revelar
o caminho do autoconhecimento no nos, primeira estada no reconhecimento da
individualidade da alma gerada a partir da alma do mundo. No captulo 3, abordamos o nos
como ser de autoconhecimento e a alma do mundo como aquela que concede alma
individualizada a ideia para a introspeco, ou seja, a busca pela contemplao. Os nveis da
contemplao so propostos para a alma individualizada que busca a converso, o retorno
para o Uno, mas no sem muito esforo pelo exerccio do autoconhecimento, da fuga do s
para o s (phyg mnon prs mnon Enadas VI.9[9],11,50-51). Logo, a ideia da
imortalidade da alma em Plotino, na eternidade, na unidade e na simplicidade tendo a
transcendncia do corpo mltiplo (poll), pesa como um desafio para a parte da alma dos
indivduos que caram nos corpos e precisam compreender a si mesmos, ou seja, precisam
do autoconhecimento para saberem quem so enquanto alma, enquanto Uno-muitos.
De fato o caminho que conduz para o Uno, a hipstase plotiniana na qual
transcorrem todas as Enadas, o caminho pela apropriao conceitual do mundo inteligvel.
O caminho pelo qual no concede alma individual filosofante a solido como um
afastamento dos outros indivduos, mas muito pelo contrrio, como orienta Peter Szlezk
(2010, p.12): Plotino usa o termo t hemeis (ns) quando distingue a sua prpria posio
filosfica da posio dos outros [filsofos]. Esse termo poderia apenas raramente ser
substitudo pelo eu: pois parece que Plotino sempre fala em nome do conjunto dos que
12
filosofam de modo platnico, pelo menos em nome daqueles que se encontram numa synousa
filosfica.
Diante de todo o arcabouo de conhecimentos que influenciaram o pensamento de
Plotino sobre a temtica da alma, a imortalidade um tema central no conhecimento da alma
e, por isso, uma questo mais restrita a determinados tratados, contudo os aspectos que
envolvem a temtica da imortalidade e que repercutem diretamente no seu conhecimento,
permeiam grande parte das Enadas e, por si s, tornam a anlise no menos desafiadora do
seu ponto de vista estrutural. Logo, alguns dos tratados das Enadas foram selecionados como
base para o estudo, por considera-los ligados mais diretamente ao objetivo do trabalho. Os
outros tratados sero utilizados sempre que se fizer necessrio, complementando os
selecionados. Deste modo, os tratados selecionados foram os seguintes: a Enada IV Sobre
a Alma, e mais especificamente IV.7; II, 4 [12] - A matria; III, 6 [26] A impassibilidade dos
seres incorpreos; III, 7 [45] A eternidade e o tempo; V, 3 [49] A hipstase que conhece e
o que est para alm, dentre outros que esto sendo sempre buscados para complementar e
auxiliar os primeiros5.
Diante disso, observamos que as Enadas plotinianas oferecem todo um abrangente
sistema de filosofia e que demanda de todos que se aventuram em seu estudo uma
aprofundada investigao de seu pensamento. Porfrio esforou-se por organizar as Enadas
no por uma base cronolgica, mas por afinidade de temas e assim, os cinquenta e quatro
tratados foram divididos em seis volumes, cada qual contendo nove tratados, chamados
Enadas. A primeira Enada trata da tica e da moral; a segunda e a terceira Enadas tratam
do mundo sensvel, ou seja, da fsica e da cosmologia; a quarta Enada trata da alma; a quinta
Enada do nos e a sexta Enada do Um ou do Bem. Uma anlise mais cuidadosa da
diversidade dos temas discutidos por Plotino nas Enadas, apresenta como um fator de
convergncia, a unidade, neste todo heterogneo. Segundo Maria Simone (1999, p.18)
podemos ento afirmar que: [...] a nostalgia da unidade perpassa serenamente todos os
tratados e descansa na superabundncia do Uno que gera, sem exaurir-se, e que de nada
necessita para gerar. Ainda segundo a autora, na compreenso da imagem da unidade
indivisa temos, segundo Plotino, sua realizao na phyg mnon prs mnon ([a] fuga [do] s
para o s), que requer, para o seu devido entendimento o autoconhecimento de cada alma.
5 - Para a devida anlise da documentao textual, procuramos trabalhar com duas tradues das Enadas. Uma
traduo bilngue grego-italiano de Giussepe Faragin utilizada como principal referncia para o estudo das
Enadas e uma traduo espanhola organizada por Jess Igal que reconhecida pela particularidade de seus
comentrios e anlises ao longo da traduo. As citaes retiradas do texto das Enadas traduzido para o italiano
e para o espanhol so apresentadas neste trabalho traduzidas para o portugus, procurando uma padronizao das
mesmas. Assim, como tambm as citaes que fazem referncia as anotaes e aos comentrios de Jess Igal em
relao ao texto das Enadas. As referncias da documentao textual encontram-se completas nas referncias
bibliogrficas no final deste trabalho dissertativo.
13
Logo, podemos perceber que, o conhecimento de si mesmo revela a unidade de cada um como
uma totalidade de todos os seres, de todas as almas.
CAPTULO I A HENOLOGIA PLOTINIANA: DO UNO ALMA
A filosofia de Plotino caracterizada pelo seguinte princpio fundamental: a
realidade existe em uma estrutura tridica. A base do seu pensamento est fundada em dois
eixos: as trs Hipstases: o Uno (Hn), o esprito (nos) e a alma (psuch) estruturadas por
dois movimentos descritos como Processo (prodos) e Retorno (epistroph). Enquanto que
as hipstases tem sua origem, em parte, na distino ontolgica de Plato entre o ser e o devir,
mundo inteligvel e perceptvel, este ltimo deriva de uma inter-relao dinmica aristotlica
entre ato e potncia, a prioridade e o posterior.
Plotino demonstra o esboo de sua metafsica na Enada V.1. De acordo com este
tratado, qualquer hipstase superior participa de um grau de perfeio, unidade e inteleco
pura e qualquer hipstase menor gerada pelo contemplar da maior hipstase anterior a esta
ltima.
No nvel mais alto de pureza da unidade e simplicidade, reside o Uno, o princpio
primrio de toda a existncia. O Uno plotiniano absolutamente inefvel e transcendente; o
Uno o princpio anterior mais simples e, por isso, no-composto. A partir de seu estado
unificado, gera todos os compostos e mltiplos posteriores a ele. Uma vez que a existncia do
Uno mais simples e unificada, cada posterior depende e refere-se ao Uno.
O esprito, a segunda hipstase, uma sntese do mundo de Plato, das formas e da
autorreflexo do intelecto de Aristteles, deriva do Uno por uma autocontemplao
intemporal. O esprito , para Plotino, a dade indefinida, o nvel em que ser e pensar se unem
e onde todas as formas platnicas so auto includas na condio mais perfeita e mais
verdadeira. O esprito possui o autoconhecimento perfeito e a vida eterna infinita.
A alma, a terceira hipstase, um derivado do esprito. A alma inquieta produz,
anima, formula e governa o mundo perceptvel, derramando sua luz inteligvel sobre a
impassibilidade insubstancial da matria. A perfeio e pureza dos trs nveis do ser so
designadas pela iluminao eterna do Uno. A iluminao por processo de cada hipstase
acompanhada, quase que simultaneamente, por uma presena contemplativa ascendente sua
maior hipstase.
14
Esta ordem orgnica fundamenta o conceito das hipstases de Plotino e significa sua
originalidade filosfica. Seu esquema de hierarquias ontolgicas sustenta o princpio
fundamental do neoplatonismo: que a realidade consiste em uma hierarquia de graus de
unidade. No entanto, a ideia da unidade no exclusiva de Plotino. Como Svetla Slaveva-
Griffin observa, o esquema uma sistematizao de identificao da tradio pitagrica-
platnica da bondade e da ordem com a forma, medida e limite, que por sua vez implica
nmero e proporo matemtica e, portanto, em ltima anlise, a presena de uma unidade de
organizao (2009, p.24).
Nesse sentido, referente metafsica de Plotino para a tradio filosfica grega,
Heinrich Drrie (apud Slaveva-Griffin, 2009, p.24) caracteriza Plotino tanto como
"tradicionalista" e "inovador". Cada inovao no sistema de Plotino tem suas razes na
tradio, e nas teorias tradicionais, podendo claramente serem observadas nas Enadas.
Os critrios que Plotino usa para criticar ou avaliar as teorias antigas eram tambm
os critrios de sua originalidade. Na verdade, o objetivo fundamental de Plotino era
harmonizar, sistematizar e, principalmente, subsumir seu pensamento metafsico, no contexto
da tradio filosfica grega.
necessrio, num primeiro momento, ressaltar que buscamos provir uma completa
abordagem sobre o tema da alma em Plotino, pela qual se justifica a necessidade de atender a
demanda principal deste trabalho que a imortalidade da alma prescrita na Enada IV.7 [2] 8.
Contudo, importante acrescentar que dada magnitude do trabalho deste grande pensador
praticamente impossvel responder por todo o seu contedo, mesmo que especificando a
temtica da alma, pois no s o tema se encontra adstrito a um s de seus tratados, a Enada
IV (que por si s j possui uma complexa dificuldade de anlise em toda a sua dimenso de
conhecimentos), como tambm Plotino recebe de seus antecessores socrticos e pr-socrticos
muitas contribuies e por diversos pensadores em variados campos do conhecimento6.
Logo, ser importante analisar em um, primeiro momento, a henologia de Plotino
(hn, nos e psuch). A alma por se tratar da hipstase de maior interesse para este trabalho
ser analisada de forma mais detida em toda a sua multiplicidade e dimenso cosmolgica e
metafsica para que seja possvel ensejar os aspectos que compreendero sua caracterstica
psicolgica proveniente do nos.
6 - Para um estudo das influncias pr-socrticas e socrticas no pensamento de Plotino consultar Giannis
Stamatellos Plotinus and the presocratics: a philosophical study of presocratic influences in Plotinus
Enneads.
http://www.amazon.co.uk/Heinrich-Dorrie/e/B00J3E5RZW/ref=ntt_dp_epwbk_015
1.1. O Uno (Hn)
Existe, sim, alguma coisa que poderia chamar-se um
centro: em torno a esse um crculo irradiando o
esplendor que emana daquele centro; em torno a esses
(centro e primeiro crculo), um segundo crculo: luz da
luz! Enadas, IV, 3, 17 O pensamento da unidade representa o motivo pelo qual Plotino ficar imortalizado
na histria da filosofia. O Uno a primeira das trs hipstases que compem todo o sistema
tridico plotiniano e que, por sua vez, perpassa toda a obra do pensador atravs das relaes
pensadas entre o Uno e o mltiplo.
O Uno a primeira hipstase plotiniana e Plotino, pelo tratado VI 9 [9], mostrar por
intermdio de um roteiro de mtodos, a demonstrao do que se aproximaria de uma resposta
a pergunta O que o Uno?
Segundo Saffrey (1990, p.45) o tratado que melhor expressa a transcendncia Uno-
Bem platnico como um dos temas da filosofia neoplatnica e que trata-o, como Princpio
Primeiro de uma realidade primeira de todas coisas, ao mesmo tempo em que est para alm
de toda essncia e que, neste ponto, encontra-se para alm de toda possibilidade discursiva o
tratado VI 9 [9]7. Segundo a ordem temtica de Porfrio, o tratado possui o privilgio de ser o
primeiro texto de Plotino, e alm disso na histria da filosofia, o primeiro pensamento e
abordagem textual em que se coloca decisivamente essa problemtica, ainda segundo Porfrio.
O tratado VI 9 [9] possui uma estrutura muito prxima dinmica cosmolgica, ou
seja, compreende-se de forma geral de que tudo por meio do Uno. Na continuidade do
pensamento desenvolvido pelo tratado percebe-se uma argumentao ascensional que inicia-
se no corpo at a alma, da alma para o esprito, e do esprito para estar com o Uno. Esta
argumentao representa toda uma tradio teolgica e filosfica, reconhecida como teologia
7 - Francisco Razzo em comentando sobre o tratado VI 9 [9] nos orienta para o sentido de que ele: [...] ocupa,
na organizao sistemtica, um lugar no mnimo curioso, sobretudo problemtico, uma vez que se compreende o
sentido filosfico proposto artificialmente pela sua compilao. Na edio de Porfrio, este tratado no foi
simplesmente e inadvertidamente colocado em ltimo lugar na ordem dos escritos. H uma inteno filosfica
muito precisa que teria motivado Porfrio a optar por colocar este tratado ao final, sob o ttulo de Sobre o Bem ou
o Uno. conhecida a compilao da obra de Aristteles, por Andrnico de Rodes, a partir de um critrio
temtico; Porfrio, alm de adotar um critrio anlogo, deixou-se guiar por uma inspirao numrica pitagrica
cujo sentido metafsico da combinao do nmero seis e nove corresponde a uma ideia de perfeio cosmolgica
(2012, p.86).
O autor ainda aduz que (2012, p.86): O termo Enadas, utilizado como ttulo das obras de
Plotino, literalmente, significa seis conjuntos de nove. Cada conjunto trata de uma temtica especfica
relacionada ao todo do sistema filosfico, que parte das questes mais simples, por exemplo, do mundo sensvel,
do aqui (entatha), e segue uma escala de ascenso at ao mundo inteligvel, o l, (ekei), tal como a
(Psuch), o (Nos), at chegar ao Primeiro Princpio supremo ou Uno-Bem. Umas das perguntas que a crtica
moderna tem feito a respeito dessa problemtica em relao ao sentido de Porfrio ter colocado o tratado 9 no
fim da compilao. Segundo Pierre Hadot, essa escolha deixava entender que esse escrito era o cume da
teologia plotiniana. Nesse sentido, o tratado Sobre o Bem ou o Uno seria uma espcie de coroamento dessa
filosofia cujos pontos de partida e de chegada o Uno-Bem.
16
negativa ou teologia apoftica, que surge de uma construo sistemtica que se inicia pelas
obras de Plotino. Para Pierre Hadot (1989, p.15) no obstante o contedo do texto seja
propriamente o problema da unidade absoluta, fundamento ontolgico de todas as coisas, e,
sobretudo, o procedimento de apreend-la, tambm h uma srie de perguntas que so
formuladas a respeito das razes que motivaram Porfrio a optar colocar o texto ao fim da
compilao8.
Ainda segundo o interprete, Pierre Hadot, um outro problema que deve aparecer e ser
levado em considerao ao se pretender estudar o Tratado VI 9 [9] em relao ao ttulo.
Hadot compreende que como no era comum para aquele perodo um pensador nomear os
ttulos dos textos escritos, percebe-se que o prprio Porfrio os tenha nomeado (HADOT,
1989, p. 17). O tratado VI 9 [9] o nico que possui a conjuno ou; uma problemtica
para os questionamentos modernos, isto , qual o sentido deste ttulo?
Ou pela pergunta, contundente de Pierre Hadot, num certo sentido o nomeador dos textos
manifestou a vontade de direcionar o ttulo para o objeto do tratado 9 como demonstrao da
equivalncia entre o Uno e o Bem? (1989, p.21).
De forma clara, podemos dizer que o ttulo do tratado Sobre o Bem ou o Uno est
diretamente ligado tradio filosfica platnica, e que, segundo Hadot (1989, p.21),
revelado pelo princpio interpretativo que combina o Parmnides e a Repblica de Plato,
desenvolvendo-os pela concepo do Uno-Bem, no seentido para alm da essncia, (epkeina
ts ousas)9. Hadot (1989, p.32) ainda orienta para o fato de que, o problema da equivalncia
metafsica entre o Uno e o Bem em Plotino deve ser compreendido como a chave da
8 - Francisco Razzo de forma elegante coloca que, Porfrio escolheu essa ordem por que encontrou no ltimo
captulo uma ideia que lhe era cara: a unio com o Divino poderia ser atingida graas a uma vida filosfica e no
pela prtica tergica? Ou julgava que esse tratado poderia ser considerado no somente como um excelente
resumo de todo pensamento de Plotino, mas como uma exortao entusiasta e ardente a se elevar at o fim
supremo: a experincia unitiva? Ou ainda, Porfrio gostaria que as quatro ltimas palavras do tratado fugir s
para o S aparecessem como a concluso de todo o corpus, como a quintessncia da mensagem plotiniana?
(2012, p.87)
Ainda segundo o autor, felizmente, Porfrio, ao publicar as Enadas, publicou, junto, uma biografia em
homenagem vida filosfica de Plotino e nela apresentou uma suposta ordem cronolgica de todos os escritos,
bem como um critrio de agrupamento dos textos e um pequeno resumo de cada grupo. O tratado Sobre o Bem
ou o Uno aparece em nono lugar e o primeiro, segundo essa ordenao cronolgica, a expor a problemtica a
respeito do Uno, bem como sua equivalncia metafsica em relao ao Bem. No entanto, a crtica moderna
levanta uma srie de questes a respeito da possibilidade de Porfrio realmente ter encontrado uma ordem
cronolgica, sobretudo, em relao aos vinte e um tratados que j estavam redigidos antes da sua chegada em
Roma. Diz Hadot, possvel que Porfrio jamais pudesse reconstituir a cronologia exata desses textos, pode-se
ter dvidas a respeito da ordem desses escritos e mesmo sobre o tamanho exato de tal e tal tratado dessa poca.
No cabe aqui uma anlise minuciosa sobre essa problemtica: nosso objetivo foi apenas destacar o quanto ela
motivo de discusso e ponto fundamental para se compreender como foram organizados os textos de Plotino.
9 - Maurcio Marsola (apud Razzo, 2012, p.89) em Epekeina ts ousia. Estudo sobre a exegese plotiniana
da Repblica 509b9, cita Pierre Hadot, que comenta a respeito desse problema na obra de Numnio (em seis
volumes), Sobre o Bem, que no sculo II j teria feito uma aluso identidade entre o Bem e o Uno em Plato
(2005, p. 17).
17
interpretao e da apropriao de sua filosofia das teses platnicas desenvolvidas nos
respectivos dilogos (Parmnides e a Repblica), bem como no Timeu, no Fdon e
no Banquete.
O tratado VI 9 [9], um escrito de suma importncia na filosofia de Plotino. O
interprete mile Brhier, no seu estudo e traduo das Enadas, mais especificamente na
introduo, assevera sobre o tratado VI 9 [9]: tambm o mais claro, o mais clssico, e nele
frequentemente os comentadores tiram suas afirmaes sobre a doutrina do Primeiro
Princpio. (1936, p.7). De fato, Plotino neste tratado nos conduz a uma reflexo mpar de seu
estudo filosfico, seja pela tica de uma ordem sistemtica, seja pela tica de um sentido de
ordem cronolgica. Este o profcuo estudo em que Plotino exercita as diretrizes
especulativas centrais no que diz respeito ao Primeiro Princpio como Princpio Inefvel10.
Dito isso, o tratado VI 9 [9], portanto, o texto que nos conduz gradualmente pelo
pensamento de Plotino acerca da primeira hipstase. Este sentido gradativo altamente rico, e
s possvel perceber a extrema riqueza deste caminho entendendo cada uma das vias,
mtodos e definies exortadas por Plotino ao longo de todo o seu esforo por mostrar desde
as explicaes comparativas de cada uma das hipstases posteriores em relao ao Uno, as
vias para entender o Uno e por fim o prprio distanciamento da questo ontolgica do ser
na filosofia de Plotino que no se confunde com o Uno. Assim, que se inicia e se procede o
desenrolar da metafsica da unidade, ou aquilo que ser compreendido atualmente como a
Henologia11 plotiniana.
O Uno plotiniano possui como base de seu fundamento as ideias de Plato, mais
precisamente, os que aparecem nos dilogos do Parmnides e da Repblica. O Uno e o Bem,
respectivamente, analisados nestes dilogos so utilizados por Plotino de uma forma
hermenutica e de reinterpretao para as suas teses, dando ao pensamento de Plotino uma
posio de originalidade que lhe permitiu um sistema filosfico definido pela organizao de
temas e teses que perpassam toda a sua obra de forma conjunta.
Plotino apresenta o retorno da ideia de infinitude ao seu conceito original e ainda o
emprega como caracterstica do Uno, quando diz:
10 -Como explica bem Hadot, na sua Introduction, (1994, p.18), o problema central desse tratado representa ao
mesmo tempo a demonstrao, na obra de Plotino, da existncia necessria de um alm do Intelecto e a primeira
descrio desenvolvida da experincia supra-intelectiva graas a qual pode-se entrar em contato com esse para
alm. 11 - A ideia de uma metafsica da unidade (henologia) defendida por Franois Bousquet no seu livro Lespirit
de Plotin lintinraire de lme vers Dieu, onde o autor defende tal ideia, expondo, para isto, razes de ordem
histrica e de ordem metafsica segundo Maria Simone (1999, p.23).
18
O Uno [...] nem se encontra em outro nem se encontra em meio ao divisvel,
e tambm no indivisvel como o termo mnimo matemtico; antes, entre
todas as coisas, ele mximo no por extenso dela, mas por potncia, de
sorte a estar privado de grandeza justamente pela sua potncia; tanto
verdade que os seres que vm logo depois dele so indivisveis e sem partes
por potncia e no por volume ou massa. Deve-se, pois, conceb-lo infinito
no porque no tenha limite seja em grandeza seja em nmero, mas pela
ilimitao de sua potncia (Enada. VI, 9-6)
Para G. Reale (2008, p.46) o infinito plotiniano compreendido no o infinito do
espao nem da quantidade (ligada espacialidade), o infinito entendido como ilimitado,
inexaurvel e imaterial potncia produtora12. Plotino esclarece estes aspectos da no
espacialidade quando aduz:
Mas, se algum insiste em procurar o modo, lembre-se de que a potncia no
determinada quantidade, mas mesmo dividindo-a ao infinito com o
pensamento sempre se obtm a mesma potncia abissalmente infinita; j que
ela no tem matria, de sorte a que com a grandeza da massa possa diminuir
tornando-se menor. (Enada, VI, 5, 12)
Plotino se preocupou em colocar o Uno para alm de qualquer ontologia, bem como
tambm para alm do pensamento, tendo em vista que, esta posio e condio plotiniana se
repete em todo o corpo de seu trabalho e uma clara concepo de transcendncia. O
princpio supremo no somente transcende o mundo fsico, mas transcende tambm toda
forma de finitude.
Da primeira hiptese do dilogo do Parmnides de Plato, Plotino resgata a
caracterizao das negaes, observadas em 138 a-b, que no existe o Uno: [...] em nenhuma
parte, nem em si, nem em outro [...]. Em Plotino j podemos vislumbrar a transcendncia ao
que segue em V 5, 9, 1-26: [...] o Uno est em todas as coisas porque as contm, ao mesmo
tempo que no est em nenhuma porque no contido por nenhuma das coisas.
O uso que o filsofo licopolitano faz de analogias negativas como por exemplo:
enquanto o Uno infinito, no lhe convm nenhuma das determinaes do finito, que so a
ele posteriores ou quando, Plotino, o declara inefvel.
Daqui que, entre outras coisas, ele inefvel no verdadeiro sentido da
palavra. Visto que com qualquer palavra que venhas a pronunciar, sempre
exprimirs alguma coisa. No entanto, a expresso alm do todo ou essa
outra alm do esprito sumamente venervel so as nicas que, entre todas
as outras, correspondem verdade porque, definitivamente, no so
denominaes que sejam alguma coisa de diferente daquilo que Ele , e nem
uma coisa em meio s outras: e Ele inominado exatamente porque no
sabemos dizer nada a seu respeito, mas somente tentamos, como melhor nos
12 - Nesse contexto, a palavra potncia (dunamis) assume no a significao de potencialidade, por que essa
significao aristotlica estava estruturalmente ligada matria e ao ser corporal, mas de (atividade) como j
acontecia em Flon de Alexandria.
19
suceda, dar alguma indicao acerca Dele, entre ns e para nosso uso.
(Enada, V, 3, 13)
J quando faz uso de analogias positivas Plotino no se contradiz, ele apenas tenta
esclarecer aspectos que poderiam parecer contraditrios, como quando percebe o Uno no
como uma unidade particular ou determinada, mas sim, como Ele por si mesmo, ou seja, o
Uno Uno-em-si, a causa e a razo de ser da unidade de todas as outras coisas. O Uno
significa, na concepo de Plotino, o absolutamente simples que razo de ser do complexo e
do mltiplo. Nesta passagem Plotino faz um pequeno exerccio de anlise sobre as questes
apresentadas.
Com efeito, se no fosse simples, livre de toda a causalidade e composio e
verdadeiramente e propriamente Uno, ele no seria princpio; s pelo fato de
ser simples ele possui independncia soberana e primazia sobre todas as
coisas; pois que o no-primeiro tem necessidade do que o precede e o
no-simples tem necessidade dos elementos simples nele contidos para
que seja constitudo por eles. (Enada, V, 4, 1)
Em seguida, Plotino expe quatro aspectos em relao ao Uno quando diz que:
necessrio que o princpio seja simples, anterior a todas as coisas e diverso
de tudo o que vem depois dele, existe em si mesmo, no se mistura com os
seres que derivam dele e no entanto, capaz de estar presente, sua maneira,
nas outras coisas, Uno que realmente Uno e no um uno que primeiro seja
um outro ser e depois seja Uno; falso dizer que ele Uno, porque ele no
se v conceito nem tampouco cincia. (Enada, V, 4, 1, 5-10)
So exatamente questes como essas que poderiam gerar contradies em uma
leitura desatenciosa em Plotino, pois sua explicao sobre a simplicidade do Uno no
representa uma pobreza, mas muito pelo contrrio, representa a potncia infinita, pois uma
infinita riqueza. J que o Uno, no sentido da simplicidade, potncia primeira de todas as
coisas e no se confunde ou deturpa ou se mistura, mas puro, simples, no sentido de que,
por si mesmo, ele leva a potncia ao ser e no ser as mantm (Enada, V,3,15). Alm deste
aspecto da simplicidade, o Uno tambm anterior a tudo que lhe posterior, ou seja,
autoprodutor, transcende a sua produo e , ao mesmo tempo, onipresente, porque est
presente nos outros seres. Orienta Plotino sobre o aspecto da onipresena: O Uno veio como
algum que no veio, ou seja, o uno apresenta-se como algo j sempre presente13.
13- Sobre o aspecto da onipresena em Plotino comenta Lloyd P. Gerson (2005, p. 292): A singularidade do Uno
juntamente com a recusa do monismo parece tambm eliminar o pantesmo como uma descrio do sistema de
Plotino. O pantesmo seguiria a partir de premissas de que o Uno est em todos os lugares e que existe uma
pluralidade de entidades realmente distintas, se a onipresena do Uno for tomada literalmente. Mas, em Plotino a
presena do Uno no a presena da causa; a presena dos efeitos da causa. Tudo aquilo que existe tem como
complemento sua natureza o que o Uno por natureza, ou seja, a essncia do Uno. Mas no se deve
compreender o Uno como um indivduo ou espcie que possui uma natureza genrica, por que o Uno no
assim. O Uno possui a si mesmo de acordo com sua prpria natureza, e isso sempre algo que o distingue de
tudo onde ele se faz presente. Assim, o Uno to intimamente presente a algo como a sua prpria existncia,
mas a sua presena um efeito da de sua atividade, e no o prprio Uno.
20
Plotino compreende ainda que o Uno o agathon, isto , o Bem. Em suas palavras na
Enada II, 9, 1:
Pois que a essncia simples do Bem se nos revelou como primeira j que
tudo o que no primeiro no simples e como no tendo nada em si alm
de ser algo Uno; e se o assim chamado Uno idntico a essa essncia e,
na verdade, tal essncia no primeiro outra coisa e somente depois Uno;
nem o Uno outra coisa e somente depois Bem ento, quando dizemos
o Uno e quando dizemos o Bem devemos julgar que se trate desse Ser; e
o termo Uno no lhe atribudo como predicado mas somente o indica a
ns na medida do possvel.
possvel entender que o sentido de Bem compreendido por Plotino, no o de um
bem particular, mas do Bem em si ou, se assim o quisermos, no de algo que tem o bem, mas
que o prprio Bem (Enada, V, 5, 13). Por isso, Plotino acaba tornando o Uno e o Bem
como sinnimos ao longo de suas Enadas, utilizando-se, portanto, da ideia de Bem como
fundamento do ser de Plato, o aspecto de transcendncia superior do Bem aparece
isoladamente destacado em passagem da Repblica (508e-509d), onde podemos ver o quanto
o Uno est muito acima ou alm de todas as coisas: [...] perguntar por sua causa, lhe
procurar um outro princpio; ora, o princpio universal no tem princpio[...].
Saindo da via da negao possvel apreender de Plotino uma outra via, a analogia.
Em VI 9 [9], 5, 30-45, quando diz:
Ele (o Uno) no entidade, caso contrrio, seria predicado de outro ser,
no lhe convm nome algum, mas j que inevitvel dar-lhe um nome,
podemos dizer vulgarmente, com uma certa convenincia, Uno, no entanto,
no no sentido de que ele seja primeiro uma coisa e seja Uno em um
segundo momento. difcil conhec-lo por esta via (da analogia), mas ele
conhecido mais por intermdio de sua criatura, o ser; e a inteligncia que
porta os seres.
E sabendo-se que necessrio chama-lo por um nome, Plotino no pargrafo 6,
linhas 42 a 45 o denomina de Uno, porm salienta que [...] no convm, pois, pensar nessas
coisas seno como analogias do simples (analogais ti hapli) e do que carece de toda
multiplicidade e divisibilidade (VI.9). A via analgica, portanto, o mtodo que examina o
sentido da simplicidade e o primado da unidade do Uno. A anlise do Uno pela via da
analogia se estende ainda por outros textos das Enadas como no tratado III 8, em que Plotino
busca pela analogia potica, retirada das imagens do mundo sensvel, entender a natureza do
Uno e ainda quais as possibilidades das relaes analgicas de um pensamento da unidade.
A via mais utilizada como mtodo de anlise do Uno a da transcendncia, e para
Plotino, da natureza do Uno estar mais alm de todas as coisas, e esse aspecto
corroborado, pelo prprio Plotino em VI 9 [9], 6, 10-15:
21
Na verdade, se voc o pensa assim como a inteligncia ou a Deus, ele
ainda maior; se voc o compreende como unidade com o seu pensamento,
ento Ele ainda mais do que possa representar seus pensamentos, pois Ele
em si mesmo, sem qualquer acidente (sem qualquer efeito que possa
interferir na substncia ou essncia).
Segundo Maria Simone (1999, p.32): Na analogia, podemos dizer que Plotino
confirma, de certa maneira, que o Uno todas as coisas. E na a via da transcendncia o
filsofo licopolitano aponta positivamente a ideia de que o Uno est para alm de todas as
coisas. possvel ento apreender que o caminho seguido pelo mtodo das trs vias no
exame da natureza do Uno, no se trata de raciocnios isolados, mas, muito pelo contrrio,
pois so compreenses que estabelecem uma complementaridade entre si, ou seja, elas
formam um todo de um raciocnio. Neste mesmo sentido corrobora Jess Igal (1985, p.42-43)
quando diz:
Se impe, pois o uso conjunto das trs vias, como se diz, complementares,
[e] no autnomas. E assim como se usam nas Enadas, em meio a tenses
de expresso e de pensamento as trs ideias de negao, transcendncia e
analogia se entrecruzam potencializando-se mutuamente em um esforo para
pr ao alcance da mente uma realidade inaprecivel.
No tocante a entender e pensar a natureza do Uno, Plotino na segunda parte do
captulo 11 do Tratado 3 da V Enada dir que o caminho seria pelas trs vias
correspondentes a inefabilidade, a simplicidade e a anterioridade do princpio. Maria Simone
(1999, p.23) de forma suscinta coloca o caminho de entendimento da natureza do Uno pelas
trs vias quando coloca que: O Uno ento princpio, simples e inefvel. Princpio,
porque tudo o que existe por ele, deriva dele e, mesmo havendo princpio de unidades em
vrios nveis, todos eles pressupem uma unidade absoluta de onde provm. Logo, no h
como limitar o Uno pelo pensamento, mas apenas pela contemplao seria possvel alcana-
lo. Como veremos nos captulos seguintes deveremos estar distantes de ns para o puro
contemplar em atualidade. Mas, antes ser examinado a segunda hipstase plotiniana: o
Esprito ou nos, a primeira gerao do Uno.
1.2. Esprito14 (nos)
14 - Para Plotino o termo nos representa o ser originalmente emanado. simultaneamente ser e pensamento,
idia e mundo ideal, e trata-se do mais prximo do Uno em perfeio, mas como derivado totalmente
diferente. No pensamento de Plotino o nos a representao da mais elevada esfera acessvel a mente do
homem ainda no corpo, alm claro do nous ser o prprio intelecto em si. A dificuldade para interpretar o termo
nos no pensamento de Plotino levou muito estudiosos a difersas posies de traduo Segundo Maria Simone
(1999, p.34), Brhier comenta sobre a diversidade de aspectos que envolvem o conceito da natureza para uma
responsvel traduo do termo. Assim, como Bouillet traduz por inteligncia na verso de suas Enadas, na
percepo de Brhier. Segundo Brhier, os comentadores do incio do sculo passado, como Arnou, Inge e
Heinemann, adotaram a traduo spirit ou geist apesar do inconveniente de no representar em toda a sua
22
Comumente traduzido como "mente" ou "intelecto", a palavra grega nos um
termo-chave para as filosofias de Plato, Aristteles e Plotino. O que d ao nos um
significado especial no principalmente o seu significado de dicionrio (outros
substantivos em grego tambm podem significar a mente), mas o valor atribudo sua
atividade e para o estado metafsico de coisas que so "noticas" (inteligvel e incorpreo)
como distintas de ser perceptvel e corporal. Em dilogos posteriores de Plato, e de forma
mais sistemtica em Aristteles e Plotino, nos no apenas a maior atividade da alma
humana, mas tambm o princpio divino e transcendente da ordem csmica.
Em seu uso pr-filosfico nos apenas um entre uma srie de termos para a
mente. principalmente distinto das palavras mencionadas anteriormente, pois a sua
tendncia para significar atividade "inteligente" - percepo, compreenso, planejamento,
visualizao - ao invs de processos mentais mais gerais, incluindo as emoes. Os primeiros
filsofos gregos tinham vrios usos para este termo. No fragmento 4015 de Herclito, por
exemplo, o filsofo reclama que: muito aprendizado no ensina o nos.
Em Parmnides, o verbo cognato noein e outras palavras relacionadas (noma,
"pensamento" e notos, pensvel) so cruciais para o seu argumento. Desenhar uma
distino absoluta entre a opinio (doxa) com base em percepo sensorial e verdade
(altheia), Parmnides argumenta que a atividade "notica", propriamente falando, est
indissoluvelmente ligada ao discurso verdadeiro, o raciocnio vlido e a cognio da
realidade. O que no verdade no pode ser dito ou pensado, uma regra que se aplica no
s ao nada, mas tambm para os dados ilusrios da percepo sensorial. A realidade que o
nos de Parmnides deduz e apreende o inqualificvel "ser", homogneo e invariante no
tempo e lugar.
Anaxgoras ( 4), com uma cosmologia fortemente influenciada por Parmnides,
adotava o nos como o princpio controlador do universo. Fazendo do nos bastante isolado
de tudo o mais, ele caracterizou como "a melhor e mais pura de todas as coisas, que tem todo
o conhecimento sobre tudo e o maior poder". O nos faz com que a mistura primordial de
outras coisas girem e separem-se em seres distintos.
clareza o conceito de nos em Plotino, ao menos no possui a limitao da compreenso equivocada do termo
inteligncia quando atribui um sentido de pensamento discursivo ao termo nos e no intuitivo que o correto
no pensamento plotiniano, segundo Brhier (1928, p.110). Portanto, ser utilizado em todo este trabalho o termo
esprito para a traduo do nos plotiniano exatamente devido aos motivos apresentados pelos comentadores
atuais.
15 - Para o filsofo de feso, segundo Flaksman (2001, p.48), a polimathia no ensina sabedoria, logo no se
poderia alcanar o conhecimento apenas por meio de uma ampla experincia.
http://www.muslimphilosophy.com/ip/rep/A055.htmhttp://www.muslimphilosophy.com/ip/rep/A079.htmhttp://www.muslimphilosophy.com/ip/rep/A008.htm#A008SECT423
Nos dilogos de Plato o tratamento de nos foi fortemente influenciado por essas
concepes antecedentes. No Fdon, 100d-78c (no nos no sentido de que participa da ideia)
Scrates favorece a ideia de que o nos organizou o universo da melhor maneira possvel
(uma ideia, que ele sugestiona, que Anaxgoras no conseguiu realizar). Essa concepo
de nos foi totalmente desenvolvida em outros dilogos platnicos, incluindo o Timeu, 28ss
(imita a ideia) e 47e onde figurativamente expressa no pensamento teleolgico do produtor
divino do mundo (demiurgo).
Na Repblica, a principal discusso pode ser encontrada nos livros VI e VII, em que
as trs grandes imagens do sol, a linha dividida e a caverna so formas de nveis distintivos da
realidade e assim, modos de cognio. Comuns a todas as trs imagens uma distino entre
o mundo visvel dos fenmenos 'desconhecidos' e do mundo "notica" de formas estveis e
inteligveis. Nosis - a maior atividade do componente racional da alma - tem conhecimento
das Formas como seu objetivo, que prossegue buscando entendimento de que absolutamente
seguro.
Os variados usos do termo nos feitos por Plato deixaram a sua marca em
Aristteles, este ltimo chegou a ideias sistemticas sobre nos como a faculdade distinta da
alma humana16. Na concepo geral da psuch em Aristteles, suas funes psquicas so
aes realizadas como potncias do corpo. E ainda num sentido amplo de anlise o exerccio
das faculdades do nos no pensamento de Aristteles podem ser percebidos de forma clara em
suas concepes gerais, contudo, no que tange a sua estrita aplicabilidade pelos princpios das
potncias e do ato carregam uma sria de obscuridades. Isto devido ao reconhecimento das
16 - Aristteles argumenta que a crena requer razo e inferncia, que os animais no-humanos no tm sua
opinio, eles no tm qualquer compreenso de um universal, e tm apenas as aparncias e a memria de dados
(tica a Nicmaco 1147b4-5). As operaes dos sentidos, da memria e a experincia so necessrias, mas no
suficientes, para a compreenso de um universal que se expressa em conceitos e crenas (Posterior Analytics II
19; Metafsica I 1). Conceitos e crenas requerem intelecto (nous) atualizado em "compreenso" ou "pensar"
(noein; Sobre a Alma III 4). Pensar difere da percepo na medida em que agarra essncias universais - por
exemplo, o que a carne , em oposio prpria carne. A percepo no inclui compreenso do universal como
tal, na compreenso do universal, reconhecemos alguma caracterstica da nossa experincia como fundamento
para a atribuio do universal a um particular que ns experimentamos. Para explicar como a mente capaz de
apreender os universais quando interagimos causalmente com objetos particulares perceptveis, Aristteles
distingue dois aspectos do intelecto o passivo e os 'produtivos' (ou 'ativo' ou 'agentes') -, alegando que estes
dois aspectos devem combinar a produzir o pensamento dos universais (Sobre a Alma III 5). Ele no diz como o
intelecto produtivo contribui para a nossa compreenso dos universais. Intrpretes posteriores sugerem que o
intelecto produtivo abstrai os aspectos relevantes para o universal das outras caractersticas de elementos que so
combinados com eles na percepo. Aristteles leva a presena deste intelecto produtivo, ser necessrio para
qualquer pensar. Alm disso, ele acredita que o intelecto produtivo capaz de existir sem um corpo. Ele ainda
mantm sua crena na inseparabilidade da alma do corpo, pois o intelecto produtivo no um tipo de alma, a sua
existncia separada no a existncia separada de uma alma.
http://www.muslimphilosophy.com/ip/rep/A088.htmhttp://www.muslimphilosophy.com/ip/rep/a075.htm#A075BIBENT4http://www.muslimphilosophy.com/ip/rep/a075.htm#A075BIBENT6http://www.muslimphilosophy.com/ip/rep/a075.htm#A075BIBENT5http://www.muslimphilosophy.com/ip/rep/a022.htm#A022WKENT24http://www.muslimphilosophy.com/ip/rep/a022.htm#A022WKENT10http://www.muslimphilosophy.com/ip/rep/a022.htm#A022WKENT21http://www.muslimphilosophy.com/ip/rep/a022.htm#A022WKENT22http://www.muslimphilosophy.com/ip/rep/a022.htm#A022WKENT2224
distines no interior das concepes das faculdades da alma. Por exemplo: o sentido dado
para o intelecto prescinde ser potencialmente qualquer coisa que a alma atualmente conhece.
Todavia, a transio da potncia ao ato exige um princpio atualmente em ato (esta a mesma
idia concebida para o sentido que conduzir ao Primeiro Motor). Em contrapartida
Aristteles desenvolve em seu pensamento outra concepo de intelecto que faz todas as
coisas. O reconhecimento das distines (diaphorai) que se apresentam na alma e ainda mais
as duas representaes do intelecto postuladas por Aristteles esto um em relao ao outro
como se pode perceber tambm com a matria para com a forma (De anima III, 430a). No De
Anima possvel perceber que o intelecto passivo (pathetikos nos), que ulteriormente ser
chamado de hlico (hylikos), perecvel. E que o outro intelecto postulado como uma
espcie de estado (hexis) semelhante ao sol, concebido de forma separada (khoristos), no
se encontra afetado, ou seja, no se afeta (apathes), bem como tambm no se mistura
(amiges), e ainda compreendido necessariamente como enrgeia. Esta concepo de
intelecto em Aristteles se apresenta sempre em separado, sua natureza imortal e eterna
(aidion).
Esta anlise toda balizada pela leitura feita em uma passagem no texto do De
Anima, III, 5 e ainda por uma leitura de outro trecho que se encontra em De Anima, II, 736b,
onde se apreende a concepo do intelecto (nos) como divino em sua essncia e que no
possui qualquer contato com a enrgeia fsica, pois este nos exterior (thyrathen) as coisas.
Em uma passagem da Metafsica 1049b Aristteles nos diz que podemos perceber de foram
clara que o fato de conhecermos algo devido as nos pathetikos que se apresenta atuando,
ou seja, ele se revela como a forma inteligvel daquilo pelo qual pensamos, o objeto
conhecido em decorrncia de uma outra diviso ou parte deste mesmo nous que j
atuante.
J para Plotino, o nos compreende a realidade primria, o domnio da inteligncia
e dos seres inteligveis. Ele interpreta este domnio como uma "progresso" do Uno inefvel,
o princpio supremo de tudo. Tomado universalmente, o nos corresponde mais ou menos a
um sincretismo das Formas de Plato com o Motor Imvel de Aristteles. Brhier (1953, 82)
traduz o nos por inteligncia, assim eternamente contemplando o Uno, o nos interpretado
como uma equivalncia entre o pensamento pensando em si e os seres inteligveis como os
nicos verdadeiros possveis.
A atividade do nos um transbordar para a alma. Como um menor nvel de
realidade, a alma s pode pensar sobre as coisas, tratando-as de forma sucessiva e
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separadamente. Os seres humanos vivem principalmente ao nvel da "alma", isto , sua alma
inferior imortal, mas tambm, em virtude de sua imortal e no descensional alma, que tm
acesso a uma identificao com o nos e, assim, para um modo de ser no qual ser e
pensamento so completamente unificados. Nesta condio transcendente, a mente a prpria
realidade.
No cabe fazer um estudo aprofundado sobre o nos em Plotino, que apesar de ser
um tema de grande fascnio para os estudiosos, no o ponto central de discusso para este
trabalho. Contudo, mesmo o nos em toda sua complexidade no pensamento de Plotino,
levando em conta todos os aspectos que envolvem suas caractersticas elementais
heterogneas em sua composio (como por exemplo, a da cosmologia e metafsica platnica:
pelas ideias; na metafsica aristotlica: pelas formas; e na cosmologia estoica: pelo deus
estoico), bem como, pela anlise que estes elementos suscitam, devemos abordar esta temtica
ao menos no intuito de esclarecer a continuidade da navegao plotiniana pela progresso
saindo do nos para a alma.
De que forma possvel compreender a possibilidade da idia do retorno est
presente no mago da idia da processo? Apenas pela possibilidade do entendimento
construdo na imagem da intuio intelectual17, que nos remete ao sentido da apreenso das
idias. Numa passagem Plotino ajuda a compreender melhor esta questo:
Ele [o Uno] perfeito porque nada procura, nada possui e no tem
necessidade de nada; porque, dizemos isto, ele transborda, e este
transbordamento gera uma outra coisa. Mas sendo a coisa assim gerada se
volta a ele [o Uno], e logo est preechida, e uma vez carregada, volta para si
mesmo e se v como esprito. (V 2, 1, 6-13)
Mas, porque, o esprito para comtemplar-se deve persistir em si mesmo,
tornar-se- tanto esprito e ser ao mesmo tempo. (V 2, 1, 13-14)
Alm de sua rica elucidao sobre o Uno e a processo, Plotino revela a necessidade
de compreender a atividade que est para todo o percurso da processo, a atividade do
voltar-se para o princpio do qual cada uma das hipstases deriva, para olh-lo e para
contempl-lo. Esta particularidade da metafsica plotiniana condio essencial para o
entendimento do indeterminado ou informe gerado antes da prpria processo do Uno
para a gerao do nos e do nos para a gerao da alma. Assim, este indeterminado se
determina e torna-se mundo das formas voltando-se para o Uno, olhando e contemplando o
17 - As ideias possuem um verdadeiro ser, no so imagens, nem cpias, nem abstrao de uma realidade, elas
so a prpria realidade e, desse modo, pode-se afirmar que as ideias constituem a essncia do esprito e que, para
apreend-las, precisa-se, no de uma inteleco discursiva, e sim, de uma inteleco intuitiva ou uma intuio
intelectual. E ainda interessante notar que esta intuio intelectual nos permite chegar at o esprito, mas no
suficiente, segundo Plotino, para se atingir o Uno que s pode ser alcanado por uma presena superior cincia
(all kat parousan epistmes krettona).
26
Uno, e sendo fecundado e plenificado por Ele justamente por meio de tal contemplao (e
depois contemplando-se a si mesmo, ao ser fecundado pela contemplao do Uno).
Na observao e entendimento de Maria Simone (1999, p.36) Plotino identifica o
nos como uma alteridade inteligvel (alteridade de l - hetertes h ekei ae)18. Esta
alteridade inteligvel ou matria inteligvel tambm chamada por Plotino de primeiro
movimento, ou seja, movimento inteligvel (movimento do plano do esprito). E aqui cabe
uma pergunta muito importante, como no plano inteligvel pode existir movimento,
alteridade, se deveria existir apenas repouso? Plotino esclarece com uma passagem:
Na verdade, a alteridade de l (do inteligvel) que cria a matria eterna;
j que ela o princpio da matria, ela com o primeiro movimento; por isso
este tambm era chamado alteridade, pois o movimento e a alteridade
nasceram juntos; e so indeterminados tanto o movimento como a
alteridade, que derivam do primeiro e tm necessidade Dele para serem
determinados: alcanam a determinao todas as vezes que se voltam
para Ele; antes, porm, tambm a matria algo indeterminado e
puramente o outro, no ainda o bem, mas est privada do seu esplendor.
Vale dizer que, se a luz se difunde a partir Dele, o que receptculo da luz
antes de receb-la no tem por si eternamente luz, mas tem a luz como algo
distinto de si, uma vez que a luz derivada de um Outro. (Enadas, II, 4,
5, 29-39.) (grifo nosso)
Para Plotino, a eternidade no constitui sinnimo com o repouso, no sentido de estar
plenificada somente por este princpio. Para Plotino, a eternidade conhece tambm o
movimento que, no tendo lugar no tempo, absolutamente distinta do movimento sensvel.
Reale (2008, p.62) elucida esta questo de forma simplificada quando diz: Esta linguagem
esotrica de Plotino sobre a matria e movimento inteligvel no seno o pensamento
indefinido (ou, como ainda se poderia dizer, o ser indefinido) que se determina exatamente
voltando-se para o Uno. Assim, o nos uma substncia singular embora intrinsecamente
complexa e mltipla na sua atividade de pensamento e movimento, seu objeto fornece o limite
a sua natureza: [...] porque o movimento no comea a partir de ou termina em movimento.
E mais uma vez a forma em repouso o limite que define o esprito, e o esprito
movimento (Enada, VI, 2, 8, 22-24).
Segundo Maria Simone (1999, p.37): A ideia do movimento responde justamente
questo de se saber como a primeira produo do Uno a alteridade torna-se Esprito.
Retomando a passagem citada das Enadas (VI, 2, 8, 22-24), nota-se que a coisa engendrada
se volta para o Uno, sendo fecundada por Ele e, voltando o seu olhar para Ele, ela torna-se
18 - Segundo Jess Igal deve-se observar que esta alteridade de l referente ao Uno-Bem e no deve ser
confundida com outro tipo de alteridade sobre tudo a que gnero do ser, ou seja, alteridade dos inteligveis
entre si. A alteridade constitutiva da matria inteligvel no outra que a da Dada indefinida. Portanto, deve-
se ter cuidado com as muitas classes de alteridade em Plotino. (IGAL, 1982, p. 414)
27
Esprito. No entanto e esse tambm um ponto muito importante -, mesmo esse voltar-
se para o Uno no ainda o esprito e sim a causa e a condio que o faz ser. Assim,
enquanto a causa do esprito o Uno em si, a existncia do esprito delimitada e formulada
pelas Formas e a primeira manifestao mltipla do Uno e objeto substancial do Intelecto de
inteleco. Nesta base, a dade Indefinida novamente descrita como "viso indefinida"
(aoristos hpsis - Enada, V.4.2.6) por tempo indeterminado at que seja definida e
delimitada pela contemplao para o Uno (VI.7.16-17; V.3.11.1-12), e em seguida torna-se
vista na realidade (V.1.5.19). Como Jonh M. Rist observa dois textos, em Plotino, a dade
Indefinida pode ser entendida a partir de dois pontos de vista complementares: por um lado, a
primeira gerao do Uno, o processo da "alteridade" e, em seguida, retornar para a unidade e
"semelhana" da sua origem, por outro lado, a base para o mundo das formas construdas como um
complexo de formas e matria inteligvel (Rist, 1962, p.101 e 1967, p.25)19.
Mark J. Nyvlt (2012, p.152) em um importante estudo sobre as relaes entre o nos
em Aristteles e em Plotino, esclarece que: O plano inteligvel um organismo vivo e
eterno, uma substncia unificada, ainda que diversa, ativa, que ao mesmo tempo indefinida e
definida, devido ao poder do Uno, em que so estabelecidos os dois aspectos. O infinito,
argumenta Plotino:
[...] est presente no intelecto no como uma massa uniforme' ou como
uma srie de unidades ou momentos, mas sim como uma face com todas as
suas relaes orgnicas j includas ou como um logos que ,
simultaneamente, uno-muitos, de modo que no se pode entender uma
caracterstica sem o outra. (Enada, VI 7,14, 1-3.)
Plotino ainda esclarece que as potncias advindas do Uno se diversificam na
multiplicidade no intuito de melhor sustentar a atividade que est definida e indefinida ao
mesmo tempo. Esta atividade determina-se pela multiplicidade:
Da sua inteligncia traz [o esprito] o poder de gerar e de manter-se grvido
de sua prpria prole, porque o Bem [o Uno] oferece a ele [o esprito] o que
ele mesmo no possui. Do Uno deriva para o esprito, a multiplicidade:
incapaz de conter a potncia que carrega dentro de si, o esprito a quebra e
reduz a unidade e multiplicidade de modo a suportar parte por parte. (VI 7,
15, 18-24) Segundo Maria Simone (1999, p.37): A multiplicidade, dessa forma, no se
encontra no interior do Uno (neste h apenas unidade), e sim, nasce juntamente com o
19 - Reale tambm esclarece a mesma questo observando a metfora do espelho: a) o voltar-se da potncia
ao Uno, o qual fecunda, enche e plenifica a potncia, e b) o refletir-se dessa potncia sobre si mesma j
fecundada. Esta diviso esclarece Reale, seria lgica e no cronolgica e espelham as duas faces do esprito. No
primeiro momento, nasce a substncia (ousia), a essncia, o ser (ou seja o contedo do pensamento); no segundo
momento, nasce o pensamento propriamente dito. Essa a duplicidade de momentos que explica igualmente o
nascimento do mltiplo: no somente a dualidade pensamento-pensado, mas tambm a prpria multiplicidade do
contedo (a multiplicidade das ideias - 2008, p.62).
28
esprito, na sua incapacidade de conteno da infinita potncia do Uno. A autora ainda
elucida o fato de que: Apesar dessa incapacidade, o esprito no v o Uno como mltiplo,
mas a si mesmo como tal, j que ao mesmo tempo contemplante e contemplado, pensamento
e pensado e, nesse sentido, multiplicidade ou sntese de todas as ideias (1999, p.37).
O esprito exerce a inteleco, a fim de conceber a perfeio infinita do Uno. Mas
como esprito no pode apreender uma viso completa do Uno e foi incapaz de manter a
potncia recebida pelo Uno, o esprito fragmentou este poder e transformou o poder recebido
do Uno para "muitos (Enadas,VI.7.15.1024; V.3.11; V.7.15.). Desta forma, tornou-se o
esprito uma unidade na pluralidade, um organismo vivo mltiplo, contendo em unidade a
pluralidade dos inteligveis (t nota). Como tal, os inteligveis so os subprodutos da sua
atividade de auto-reflexo (Enada, VI.2.22.26-7):
Em efeito, ainda quando contempla o Uno, no o contempla como Uno;
seno, no se faz esprito. No, seno que o esprito, ainda que tenha iniciado
como algo do Uno, no perseverou como comeou, seno sem dar-se conta,
se fez mltiplo, como quem est sobrecarregado, e se desenvolveu assim
mesmo desejando possuir todas as coisas [...], pois, como um crculo que,
ao desenvolver-se por si mesmo convertido em figura, superfcie,
circunferncia, centro, raios, parte superior e inferior. (Enada,III.8.8.32
39.)
O esprito, em Plotino, portanto, no o nos de um nos inteligvel, mas um esprito
universal de muitos inteligveis (Enada, III.8.8.41-2). O esprito universal o um20
inteligvel universal, um conjunto dos "muitos" inteligveis individuais. Enquanto, por um
lado, o esprito potencialmente auto-inclui todos os inteligveis, como um "grande animal
vivo", por outro lado, os inteligveis efetivam uma potencialidade que o Intelecto universal
inclui (Enada, IV.8.3.6-16).
Neste sentido, o esprito a primeira imagem do Uno, "um" e "muitos"
simultaneamente, isto , muitos devido aos muitos inteligveis, e um por causa de sua
perfeita identidade interna entre o intelecto e os inteligveis em um unificado e todo inteligvel
indivisvel.
Cada inteligvel perfeito e contempla todos os inteligveis em todos os outros
inteligveis. Todos os inteligveis esto por toda parte na esfera inteligvel e, portanto, cada
um abraa a todos os outros inteligveis simultaneamente: Todos os inteligveis so
transparentes para os outros inteligveis como a luz transparente luz (Enada, V.8.4.1-
11).
20 - O um em minsculo est representando o sentido de unidade das formas para multiplicidade e no do
Um platnico.
29
Em outras palavras, todos os inteligveis dentro da esfera do Esprito esto na
verdade em si mesmo, mas "potencialmente em todos os outros", como os teoremas
euclidianos, contendo em cada um, no s a sua prpria verdade matemtica, mas tambm por
implicao a verdade da geometria (Enada, III.9.2).
Devido perfeita auto-identidade do esprito, Plotino frequentemente atribui ao
esprito o prefixo auto (auto-), de modo que o esprito descrito como ser determinado
(auteksousion - Enada, VI.8.4.2), como a vida em seu prprio direito, ou seja, absoluto e
incondicional (autozn - Enada, III.8.813); como auto-esprito (autonos - Enada,
V.9.13.3), e como absoluto autoconhecimento (auto epistme - Enada, V.8.4.40). Apenas
a autointeleco e o autoconhecimento so capazes de manifestar a perfeio absoluta e
unidade da realidade inteligvel.
A verdade s pode ser alcanada quando o pensamento autorreflexivo, conseguindo
uma coerncia autorreferencial entre o objeto inteligvel e o sujeito inteligvel. J que para
Plotino o objeto inteligvel no o esprito exterior e o objeto do esprito so as formas, o
eterno "verdadeiro ser" em si, ento a infalibilidade do esprito est firmemente estabelecida,
e com ela a perfeio absoluta da vida eterna inteligvel.
Ao trabalhar a partir dessa concluso, Plotino prossegue com a tese metafsica crucial
das Enadas, que "[...] cada vida inteligncia." ([...] pasa ze noesis - Enada, III.8.8.17).
Dentro do sistema das trs hipstases, o princpio da "vida" (ze) significa a natureza tanto do
Esprito quanto da alma. No nvel da segunda hipstase, ze significa a eternidade da esfera
inteligvel.
No autointeleco discursiva do esprito em direo ao Ser (Enada, III.7.3), ao
nvel da alma, ze significa tempo: pensamento discursivo da alma em direo ao esprito
(Enada, III.7.11).
O princpio da vida (ze), no entanto, no tem uma posio clara dentro do sistema,
mas pode ser o obscuro e o sujeito de controvrsia. Considerando que, em alguns casos, ele
aparece como o terceiro princpio inferior do mundo inteligvel aps o ser e o esprito
(Enada,VI.6.8 e 17), em outros casos, a vida equiparada tanto com a fase de processo,
onde o esprito recebe a vida do Uno, e a fase de retorno, quando o esprito autoformulado
(Enada, VI.7.17.14-26, e 21,2-6).
O ltimo caso parece estar intimamente relacionado com a interpretao
neoplatnica depois de ze como um princpio intermedirio entre o Ser e o esprito, mas isso
no explicitado nas Enadas. Podemos observar que, no contexto das trs hipstases, ze
30
para Plotino torna-se um princpio metafsico subjacente a todos os nveis ontolgicos do ser,
incluindo a vida humana e perceptvel. Todas as formas de ze, mesmo nos nveis inferiores
do ser, so logoi, e, assim, exercem em seu prprio caminho inteligncia (nesis). Com base
nisso, temos a inteligncia do crescimento21 (phutiken noesis), a inteligncia da percepo
(aisthetik noesis) e a inteligncia da alma (psuchik nesis - Enada, III.8.8.14-16).
Mas essas formas de vida so menos brilhantes do que a vida inteligvel real do
esprito e por isso tm menos clareza e fora. A eternidade do Ser mais manifestada no nvel
do esprito, onde a identidade entre sujeito e objeto inteligvel substancial e infalvel. Uma
vez que o esprito a "primeira forma de inteligncia" (protos nos), e "cada vida
inteligncia" (pasa ze noesis), ento a vida do esprito a "primeira e mais perfeita forma de
vida" (Nesis oun h prte ze kai ze [...]).
Neste relato da vida como inteligncia, Plotino distingue duas formas de pensamento
cognitivo correspondentes a diferentes nveis ontolgicos: a de pensamento discursivo da
Alma (diania), movendo-se progressivamente a partir de um conceito para outro, e a no
discursiva como atividade de pensamento autocontemplativa do esprito (noesis).
Considerando que a atividade autocontemplativa do esprito uma inteleco contemplativa
no-discursiva, a atividade de pensamento da Alma um pensamento discursivo transitrio
para ambos os inteligveis em nvel superior ou os perceptveis em um nvel mais baixo.
Plotino associa o pensamento discursivo com dois modos de alteridade: alteridade
conceitual (transio de um conceito para outro), e alteridade ontolgica (distino entre o
sujeito pensante e o objeto pensado). O pensamento discursivo realmente exercido somente
pela alma, e exatamente esta forma transitria da atividade de pensar que constitui o
"tempo" (Enada,III.7.11.44). Mas esta uma discusso para o captulo 3, que analisar a
eternidade. Retomando, o pensamento discursivo da alma absolutamente externo,
combinando e dividindo em duas direes, por um lado as imagens mentais derivadas dos
sentidos (Enada,V.3.2.7-8), e por outro as brilhantes imagens impressas do Intelecto
(Enada,V.3.2.9-10).
Por outro lado, no que diz respeito ao pensamento discursivo do esprito, o intelecto
no est sujeito a qualquer modo de alteridade ou a qualquer forma de pensar transitrio. O
21 - A inteligncia do crescimento no sentido orientado por Pierre Hadot em Les niveaux de conscience dans
les tats mystiques selon Plotin, onde o comentador orienta, segundo uma tradio platnica, qual Plotino se
liga, que a alma possui diferentes partes que tendem a ser como que almas superpostas e constituem, por seu
agrupamento, a realidade humana. E que a parte inferior desta alma exerce as atividades da alma animal, ou seja,
a sensao e o movimento, e da alma vegetativa, para qual direcionamos a explicao, compreende e est
relacionada ao crescimento (1980, p.246-247).
31
pensamento do esprito "atemporal" (akronos), "inextenso" (oud dixodos), "no-transitrio"
(oud metabasis), "indivisvel" (ouk diresis), no envolvendo a memria de qualquer tipo
(adunatn mnemn Enadas, IV.4.1 0,12-15). O esprito engloba todos os seres imortais e
inteligveis em uma condio estvel e perfeita.
Segundo Plotino:O esprito no tem nada que no pense, mas pensa no como um
que procura, mas como um que possui (Enada,V.1.4.16). Ao nvel da Segunda Hipstase, O
esprito e o Ser so apenas dois aspectos da mesma natureza (Enada,V.9.8.15-16). Logo,
quando o esprito pensa, ele realmente pensa em si, quando o esprito sabe, ele realmente
conhece a si mesmo (Enadas,V.3.5.45-6; V.9.5.14-6).
A atividade de autorreflexo do intelecto interna. A autointeleco e o
autoconhecimento so subjacentes da verdadeira natureza do pensamento contemplativo no
discursivo do esprito, onde objeto inteligvel e o sujeito inteligvel so idnticos.
Como Plotino afirma claramente em V.5.1, os inteligveis so completos, com
inteligncia e vida, inteligveis primrios, que certamente no so "proposies" (protaseis),
ou "axiomas" (axiomata), ou "expresses" (lekta), para ento eles apenas dizerem alguma
coisa sobre outras coisas e no seria as prprias coisas (Enada,V.5.1.32-39).
Por estas razes, a atividade de autorreflexo do esprito deve ser considerada no
como discursiva ou proposicional, mas mais apropriadamente como contemplativa. A
contemplao uma forma especial de pensamento que traz os muitos inteligveis em uma
atualizao inteligvel unificada.
No captulo 3, a ltima parte deste trabalho, ser mostrado como o autoconhecimento
o caminho para a alma, isto , para o verdadeiro ser, buscar a sua autoconscincia de suas
prprias caractersticas enquanto ser-imortal uno-muitos na temporalidade do corpo,
revelando numa primeira instncia a conscincia sobre a atemporalidade do ser-alma eterno
diante do corpo no-ser temporal.
1.3. A alma
O tema da Alma como j foi mencionado no prembulo deste captulo por si s
muito complexo no pensamento de Plotino. Muitos so os questionamentos e outros mais
aparecem com os novos comentadores. O prprio Porfrio, um dos mais proeminentes
discpulos de Plotino, reservou uma Enada inteira (a Enada IV) para este tema. Esta
temtica terica da alma, se remonta em anlises e investigaes, h tempos e pensamentos
32
ainda mais antigos que Plato e Aristteles, ao tempo dos pr-socrticos, estes que esto
presentes em toda a Enada IV.8. a nica ocasio em que Plotino faz referncia pelo nome
a vrios pensadores, apenas em um nico tratado. Duas vezes, para Herclito (IV 8, 1.11,
5.6), trs vezes para Empedcles (IV 8, 1.17, 1.33, 5.5), e uma vez para Pitgoras e seus
seguidores (1,21). Ao longo destas passagens, Plotino se refere aos fragmentos de Herclito
em 60, 84a, 84b, 90 e 101; Fragmentos de Empdocles em 115 e 120 e a doutrina pitagrica
da alma, sem qualquer referncia especial a um fragmento existente.
O esprito, como foi visto, potncia infinita (peire dname), ou seja, inexaurvel,
justamente porque tal, transborda, por assim dizer, e gera outra realidade,
hierarquicamente inferior, que justamente a alma.
A alma (psuch), como a terceira hipstase uma expresso do nos (o esprito),
assim como o nos do Uno (t Hn), e, como o intelecto ilumina a alma contemplando o
Uno, a alma ilumina o cosmos contemplando o intelecto. medida que contempla o intelecto
em si, a alma jorra (derrama) sua inteligvel luz viva, a beleza e a perfeio na matria e
formula o cosmos.
O que chamamos natureza uma alma, produto de uma alma anterior de
vida mais poderosa, possuidora em si mesma de uma contemplao serena
que no se dirige nem para cima nem para baixo e, estabelecida no que, em
sua prpria estabilidade e em um tipo de conscincia de si (synasthesis), e
v com essa inteligncia (snesis) e autoconscincia (synasthesis), o que lhe
posterior, conforme lhe possvel, e no mais procura, porque concluiu um
esplndido (aglan) e amvel (kharen) sujeito de contemplao. (Enada,
III.8.4.15-20)
Logo, o cosmos uma unidade orgnica originalmente dirigida pela vitalidade
inteligvel da alma, a imagem expressa de um arqutipo inteligvel na multiplicidade
perceptvel. Como tal, o mundo perceptvel uma obra de beleza, luz e esplendor, gerado a
partir de um ato de contemplao, a autocontemplao da alma para a excelncia do Intelecto.
Para tanto a natureza e os homens no podem enfraquecer sua contemplao, no intuito de
manter ou buscar este esplendor e beleza e, por isso, Plotino na Enada III.8 explica por que
deve-se manter a contemplao:
Um homem, quando est dbil no contemplar, produz uma ao, que
sombra da contemplao e da razo (skan theoras kai lgou). E sendo
incapaz, pela debilidade de sua alma, de elevar-se contemplao, e por isso
no sendo preenchidos pela viso, nem se quer podero alcanar e saciar as
suas vises (idosin), mas continuam ansiosos por v-la, e assim recorrem
ao de ver com os olhos, o que no puderam ver com o intelecto.
(III.8.4.35)
33
Esta ao de ver com os olhos, tendo por efeito a causa de se negar a buscar pelo
intelecto e pela contemplao a produo das coisas, analisada por Plotino no exemplo da
criana menos estudiosa:
[...] a criana menos estudiosa, que sendo incapaz de dedicar-se ao
conhecimento intelectivo (mathseis) e a contemplao (theoras), reduzidos
s artes (tkhnas) e ao trabalho manual (ts ergasas kataphrontai).
(III.8.4.45-48)
Assim, a mente humana deve estar aberta atravs da esfera perceptvel para conhecer
a esfera inteligvel. Quando a mente humana contempla as imagens perceptveis, ela se lembra
de seus arqutipos inteligveis, e atravs deste processo ela capaz de reconhecer a
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