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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE ARTES
CURSO DE LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS
JÉSSICA MENDONÇA DE MOURA GONDIM
ARCANA
UMA EXPLORAÇÃO ARTÍSTICA DO OCULTO
NATAL
2017
JÉSSICA MENDONÇA DE MOURA GONDIM
ARCANA
UMA EXPLORAÇÃO ARTÍSTICA DO OCULTO
Trabalho apresentado à Universidade
Federal do Rio Grande do Norte como
requisito para obtenção do título de
Licenciada em Artes Visuais.
Orientador: Prof. Dr. Rogerio Junior
Correia Tavares
NATAL
2017
JÉSSICA MENDONÇA DE MOURA GONDIM
ARCANA
UMA EXPLORAÇÃO ARTÍSTICA DO OCULTO
Trabalho apresentado à Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, como
parte das exigências para a obtenção
do título de Licenciada em Artes
Visuais.
Natal, 29 de Junho de 2017.
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________________
PROF. DR. ROGERIO JUNIOR CORREIA TAVARES (ORIENTADOR)
_________________________________________________________
PROF. MS. ARTUR DE SOUZA MACIEL
_________________________________________________________
PROF. FERNANDO DE PAIVA FERREIRA JUNIOR
“A grande fascinação da magia está no tipo de pensamento
em que é baseada. Pensamento mágico não é randômico,
possui suas próprias regras e lógica, mas é mais poética do
que racional. Ela salta para conclusões que são
normalmente sem comprovação cientifica, mas que
frequentemente parecem poeticamente corretas.“
Richard Cavendish
RESUMO
Este memorial descritivo apresenta o processo criativo e técnico do
artbook artbook Arcana, que explora artisticamente elementos do oculto. O
ocultismo exerce fascínio por seu caráter misterioso, estando presente no
imaginário coletivo e fazendo parte de nossa história. Vários artistas ao redor
do mundo já se dedicaram ao tema, que é anterior aos primórdios do
cristianismo. E é procurando resgatar a complexidade desse tema, por meio de
ilustrações, que este projeto nasceu. Buscando as raízes de símbolos e
imagens de forma a não banalizar a área e procurando compreender suas
raízes e significados, Arcana é uma proposta de exploração visual destes
elementos, como máscaras, ramo de giesta e círculos mágicos, ao mesmo
tempo repaginando-os para o momento no qual nos encontramos.
PALAVRAS-CHAVE: Oculto, Magia, Ilustração, Concept, simbologia,
iconografia
LISTA DE FIGURAS
Fig. 1 - Estudos iniciais para a Giesta........................................................................................... 16
Fig. 2 - Tatuagem esquemática definida ..................................................................................... 17
Fig. 4 - Rascunho de personagem com máscara ......................................................................... 20
Fig. 3 - As cinco bruxas baseadas em pessoas reais .................................................................... 20
Fig. 5 - estudos da máscara ......................................................................................................... 22
Fig. 6 - Thumbnails ...................................................................................................................... 27
Fig. 7 - Presente ........................................................................................................................... 29
Fig. 8 – Futuro e seu corvo .......................................................................................................... 30
Fig. 9 - Acima, o conceito do passado. Abaixo e à esq. estudos de indumentária. À dir., estudo
comparativo de concept (Cabelo e roupa) .................................................................................. 33
Fig. 10 -James Jean, Sons of Empire, 2007, grafite, acrílica e digital, 20x30”. ............................ 52
Fig. 11 -James Jean, Legends in Exile, 2001, Óleo sobre painel de madeira 18x24”. .................. 52
Fig. 12 – BROM, Morgan Le Faye, 2011, Oleo sobre tela. ........................................................... 53
Fig. 13 – BROM, Witch Fire, p1997, Oleo sobre tela. .................................................................. 53
Fig. 14 - rascunhos ....................................................................................................................... 73
Fig. 15 - Começo da obra digital .................................................................................................. 74
Fig. 16 - rascunho final em papel ................................................................................................ 74
Fig. 17 - etapas de renderização ................................................................................................. 74
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ......................................................................................... 7
1.1 OBJETIVOS ............................................................................................. 8
1.1.1 OBJETIVO GERAL .................................................................................. 8
1.1.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ................................................................... 8
1.2. JUSTIFICATIVA ....................................................................................... 8
1.3 METODOLOGIA .................................................................................... 10
2. CRIAÇÃO E RECRIAÇÃO DE ELEMENTOS ........................................ 12
2.1 Giesta, ou a vassoura da Bruxa .......................................................... 15
2.2 Bruxas, Corujas e a realização da Máscara Social ............................ 17
2.3 A Lua e o mistério da noite .................................................................. 23
3. PERSONAGENS .................................................................................... 26
3.1 O presente ............................................................................................. 28
3.2 O Futuro ................................................................................................ 30
3.2.1 O Corvo (familiar) ................................................................................... 31
3.3 O Passado ............................................................................................. 32
4. SÍMBOLOS APLICADOS ...................................................................... 35
4.1 O TRONO ............................................................................................... 35
4.2 O CETRO ............................................................................................... 36
4.3 A COROA............................................................................................... 38
4.4 O CAMINHO ........................................................................................... 39
4.5 SOLO FÉRTIL ........................................................................................ 41
4.6 TRINITATIS ............................................................................................ 43
4.7 REFLEXOS 1 E 2: O CORPO E A MENTE; O CORPO E O MUNDO ... 44
4.8 ARCANA OBSCURA ............................................................................. 45
4.9 CORRENTEZA ....................................................................................... 47
5. PROCESSO DE PRODUÇÃO ............................................................... 49
6. INFLUÊNCIAS ....................................................................................... 51
6.1 James Jean ........................................................................................... 51
6.2 Brom ...................................................................................................... 53
6.3 Neil Gaiman ........................................................................................... 54
6.4 Outros Artistas ..................................................................................... 56
7. CONCLUSÃO ........................................................................................ 57
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ................................................................ 58
ANEXO 1 – PLANO DE AÇÃO PEDAGÓGICA .............................................. 61
ANEXO 2 – RELATÓRIO DAS ATIVIDADES DA AÇÃO PEDAGÓGICA ...... 63
ANEXO 3 MATERIAL DE APOIO DA AÇÃO – TRANSCRIÇÃO DE
FLORITOGRAFIA ............................................................................................ 68
ANEXO 4 POSTER DE DIVULGAÇÃO DA AÇÃO PEDAGÓGICA ................ 72
ANEXO 5 PASSO A PASSO DA PRODUÇÃO DE O TRONO ....................... 73
7
1. INTRODUÇÃO
Ocultismo vem do latim, occulere, que significa “disfarçar, esconder,
descobrir”, isto é, tudo aquilo que é considerado secreto. No uso comum, oculto
refere-se a todo conhecimento do que é sobrenatural1, abrangendo áreas como
magia, alquimia e cabala, e permeia o imaginário coletivo desde tempos
primórdios. Seja através da curiosidade gerada pelo mistério ou pela própria
pesquisa — como a alquimia, que era comumente utilizada por cientistas de
grande importância, como Isaac Newton, conhecido adepto de alquimia e da
cronologia bíblica —, podendo ter períodos de maior ou menor procura, porém
sempre tido como algo certo: não importa o quanto avancemos cientificamente:
o mistério sempre existe, no canto dos olhos.
Na Arte, não poderia ser diferente. O oculto se fez presente nas artes
através da utilização de símbolos, ícones, estética ou mesmo como a própria
temática da obra. Artistas como Waterhouse, Falero e Goya2. Assim, o
interesse sempre se manteve firme, revitalizando-se durante o séc. XVI em
diante, e, em tempos modernos, através da renovação da imagem da bruxa
durante o séc. XX (HUTTON, 1993).
A popularização, no entanto, termina transformando-a em algo
superficial: o mistério ainda está lá, mas parece ser lugar comum, clichê.
Diversos tipos de mídia já apresentaram obras de todos os estilos —
especialmente agora na nossa era da informação, em que a internet parece ser
a epítome de todo o conhecimento, aonde tudo se encontra sobre o oculto:
filmes, séries, jogos, desenhos. Todos contendo bruxas, magos, magia, cruzes
invertidas, iluminatis; mistério.
1 “OCULTAR” (adj) – 1530, "secreto, não divulgado", do Francês Medieval occulte e
diretamente do Latim occultus "escondido, selado, secreto", particípio passado de occulete "esconder, encobrir". O significado "esconder, significando "não compreendido pela mente, para além do alcance da compreensão" data de 1540. A associação com as ciências sobrenaturais (magia, alquimia, astrologia etc) data de 1630. SHOUKHANOV, Anne H. The American Heritage Dictionary of the English Language, 2016. Pg. 5027, tradução nossa. 2 Waterhouse em obras como Circe Invidiosa, The Magic Circle e The Crystal Ball; Falero com
obras como The Witches Sabbath e Vision of Faust, mas cuja maior parte da obra se dedica ao tema de magia; e Goya com Witches flight, The Bewitched Man e duas obras pelo nome Witches Sabbath.
8
Parece estar em todo lugar e ser (quase) de conhecimento geral. No
entanto, o que todas essas coisas significam? Vemos com frequência a
presença de bruxas com vassouras e gatos, mas nunca de onde surgiram
essas coisas. Qual seu significado? Se existe um, ele tem algum impacto no
que estamos vendo? Estamos saturados deste tema, mas não sabemos muito
sobre ele.
Esses questionamentos geraram este trabalho, em que se busca, por
meio das artes visuais, explorar elementos do conhecimento oculto e
transcrevê-los através de ilustrações.
1.1 OBJETIVOS
1.1.1 OBJETIVO GERAL
Explorar visualmente elementos do ocultismo através de ilustrações que
se utilizem de simbologia mágica em sua composição de forma a resgatar o
aspecto de mistério.
1.1.2 OBJETIVO ESPECÍFICO
a) Representar visualmente elementos e personagens do
ocultismo, atualizando-os e ressignificando-os em uma linguagem
contemporânea;
1.2. JUSTIFICATIVA
Em busca de compreensão sobre o que é o Oculto, aos poucos a
pesquisa foi se formando aos poucos, a princípio tímida, consumindo materiais
9
que mostrassem o Oculto no imaginário contemporâneo acerca destes
assuntos e que está ao nosso redor o tempo todo: filmes, seriados, desenhos,
quadrinhos, mas logo passando para outros. Isso gerou uma grande
inquietação ao perceber que pouquíssimas vezes a informação vinha completa:
sempre se picotava figuras já carimbadas e colocavam-nas parcialmente nos
produtos, sempre com a mesma cara, a mesma finalidade e os mesmos
elementos — mas raramente além disso.
Varinhas, chapéus pontudos, círculos mágicos, vassouras voadoras,
gatos pretos e poções, todas tornam de fácil reconhecimento uma bruxa ou um
mago, ou minimamente um ser mágico. Mas são sempre os mesmos
elementos postos de forma a tornar fácil o reconhecimento. São figuras para
serem apreciadas e reconhecidas, mas cuja intenção não é refletir a respeito
do que se observa. Algum dia a vassoura foi usada pra algo além de voar? O
que são esses círculos mágicos além de enfeites no chão ou nas páginas dos
livros?
Apesar das práticas mágicas fazerem parte do dia a dia e lançar feitiços
fosse lugar comum (GUILEY, 2008), o forte estigma associado às práticas
mágicas, deixado pela inquisição, ainda permeia até hoje o imaginário coletivo,
em que bruxas e religiões pagãs são quase automaticamente associadas a
práticas demoníacas, e isso é facilmente observável nos materiais produzidos
até hoje que contêm essa temática; dificilmente se encontra uma bruxa que
não tenha pelo menos uma mensagem subliminar (quando não é mostrado de
forma óbvia) de relação de qualquer tipo com as forças das trevas.
A partir disso, senti a necessidade de fazer algo que amenizasse essa
inquietação através da linguagem na qual me expresso melhor: a ilustração.
Para o trabalho artístico que resolvi realizar uma série de ilustrações
compactada em um artbook busco evocar um mundo de fantasia em que o
mistério é um dos elementos principais, trabalhando um concept3 que seja um
pouco mais robusto e que possa ser visualmente apreciado, mas também dê
3 Desenvolvimento visual ou design de conceito.
10
ao observador elementos que possam ser analisados e compreendidos além
do espectro estético, trazendo uma reflexão acerca daquilo que vê.
1.3 METODOLOGIA
A metodologia utilizada foi qualitativa. Todas as formas de pesquisa aqui
utilizadas não foram feitas com intenção de quantificar dados, mas, sim, de
aprofundar conhecimentos e obter o melhor resultado possível. Para isso, os
seguintes métodos foram utilizados:
a) Pesquisa teórica e levantamento de referências
Este tipo de pesquisa foi necessário em virtude da multiplicidade
do tema: uma vez que há várias interpretações possíveis para cada
elemento, era necessário procurar diferentes pontos de vista antes de
escolher qual seria abordado no tema, e, também, para poder
compreender os símbolos e saber de suas origens. Sem a pesquisa
bibliográfica, não haveria uma base sólida suficiente para a execução
das ilustrações.
b) Pesquisa Experimental
A pesquisa experimental foi de grande importância no trabalho,
uma vez que há criação envolvida. Para poder determinar como seriam
alguns elementos e até mesmo os próprios personagens, se fez
necessário experimentar diferentes técnicas de criação ao longo dos
estudos. Escolhas como a técnica a ser utilizada na ilustração, que cores
a serem utilizadas em determinados elementos ou ferramentas foram
todas escolhidas desta forma.
c) Criação de personagens
11
Como parte da pesquisa em artes, a aplicação dos
conhecimentos toma forma através da aplicação na forma de
personagens cuja função é representar o oculto, personificando-o e
tornando-o mais próximo do observador.
d) Criação de ilustrações
Como um desdobramento natural da criação de personagens e
ponto central do trabalho, a elaboração de ilustrações que expressem
visualmente os elementos “ocultos”, através das personagens e dos
elementos estudados, é o meio pelo qual se obtém as execuções mais
conclusivas sobre tudo o que foi estudado. Essa é uma metodologia de
execução um pouco mais lenta e que anda lado a lado com a pesquisa
teórica, uma vez que depende dela para ser executada.
12
2. CRIAÇÃO E RECRIAÇÃO DE ELEMENTOS
Se fala no mistério inerente às coisas mágicas, mas, afinal, o que é
magia? Está não é uma pergunta nova e sua resposta é imprecisa. Mesmo
durante o período da Inquisição durante a Idade Média, não havia uma
definição muito clara do que era magia ou o que configurava exatamente uma
prática mágica, de forma que, por vezes, uma prática que era considerava
comum em um local, podia ser considerada mágica em outro, como por
exemplo o estudo das ervas e suas propriedades (NIETO, 2016).
É possível explicar a magia como um construto social que ajudava a
sociedade em sua formação, ou ainda uma resposta de culturas do passado
para fenômenos sem explicação, numa espécie de “ciência primitiva”. Também
é possível caracterizar a magia como qualquer tipo de procedimento fantástico,
ou tentativa de criar resultados não naturais através de algum tipo de
intervenção, humana ou não.
Há muitas definições para o que é a magia, variando de acordo com a
cultura e o período em que se encontra, e, em virtude dessa multiplicidade, por
vezes é dividida entre magia “boa” ou “ruim”, sendo a boa aquela que busca
fazer o bem ao próximo, e, a ruim, a que visa o mal ou possui práticas
consideradas hediondas, como sacrifícios de sangue etc.
Trabalhos como “Aradia: o Gospel das Bruxas” de Charles Godfrey
Leland, e “O Livro das Sombras” de Gerald Gardner (o criador do que se
conhece por Wicca4 hoje em dia) exerceram uma influência tão grande que é
possível dizer que foram catalizadores para a visão contemporânea de que
magia é não somente o resultado da prática mágica, como também uma
filosofia de vida.
A partir disso, é possível definir que um praticante de magia (seja mago
ou bruxa) é aquele que crê e pratica estes procedimentos considerados
4 Religião neopagã influenciada por crenças pré-cristãs e práticas sobrenaturais provenientes
da Europa.
13
mágicos, sejam eles rituais, preces ou mesmo o simples ato de vestir roupas
específicas durante algum período.
Richard Cavendish (1983, tradução nossa), historiador especializado em
ocultismo, diz que “ninguém é um mago negro em seus próprios olhos, e
cultistas modernos, quaisquer que sejam suas crenças e práticas, se veem
como elevados magos brancos, não como sinistros irmãos que tomaram o
caminho errado”.
Sua definição sugere que os praticantes da magia, na realidade, buscam
conhecimento acima de tudo para se tornarem o que chama de “homem
completo”, alguém que já vivenciou e dominou tudo que há neste mundo,
mesmo que estas experiências não sejam muito ortodoxas. Cita exemplos de
diferentes praticantes da magia que foram erroneamente considerados “das
trevas” e até mesmo Aleister Crowley, influente ocultista britânico e famoso por
seu livro “Book of Thoth Tarot”, que continha 78 ilustrações executadas pela
artista Frieda Harris e dirigidas por Crowley, e anteciparam a cultura
psicodélica dos anos 60, que, apesar de ser um mago brilhante, muitos de seus
rituais “[...] são saturados com sexo e sangue de tal forma que, para dizer o
mínimo, dificilmente se encaixaria na concepção normal de magia branca.”
(CAVENDISH, 1983, tradução nossa).
Já Jeffrey Burton Russel (1984), também historiador medievalista, faz
uma diferenciação entre feitiçaria e bruxaria: a primeira seria relacionada a
crendices, superstições e “magia boa” (curandeiras etc), personas que buscam
fazer o bem. Enquanto a segunda seria o resultado da feiticeira popular, isto é,
da feitiçaria com componentes heréticos criados dentro da própria igreja
durante a idade média em diante, assim a bruxa agiria sob influência do
demônio com a finalidade de desvirtuar todos os bons cristãos.
A definição de Russel, portanto, adentra o campo um pouco mais
subjetivo, uma vez que os dois tipos de praticantes de magia teriam,
essencialmente, algum tipo de relação com crendices, fossem cristãs ou não.
Embora seja possível dividir os dois autores sob um ponto de vista
histórico-analítico, o objeto de maior importância para a execução do trabalho
14
prático não se encontra no julgamento de valor do que um praticante da magia
é (se é bom ou ruim), mas, sim, procurar compreender esteticamente alguns de
seus seus símbolos.
Pensar nestas personas que representassem tantas coisas ao mesmo
tempo não foi uma tarefa simples. O Paganismo Contemporâneo é um guarda-
chuva para diversas religiões com seus próprios rituais e particularidades.
Desde a Bruxaria tradicional ao Odinismo5, passando por Wicca, Wicca
Eclética6, Ásatrú7, entre outros, todas religiões pagãs que se utilizam, por
vezes, dos mesmos símbolos. Então como criar personagens que pudessem
fazer parte de um cerne comum a todos eles? E que cerne seria esse?
Particularmente porque, grosso modo, tudo que sabemos sobre oculto tem
fortíssimas influências europeias, e no Brasil houve uma quantidade
praticamente irrisória de casos de bruxaria, não havendo sequer qualquer
incidência de sabá8. (DUARTE, 2003)
Apesar dos mais sinceros esforços da inquisição no Brasil Colônia, os
habitantes locais hostilizavam os inquisidores a tal ponto que:
“[...]muitas vezes hostilizados e necessitando proteção armada dos
soldados da Coroa para exercerem sua função. [...] No Brasil não houve
bruxas, enquanto na Europa elas eram caçadas e dizimadas pelas
mesmas práticas de suas contemporâneas brasileiras: um misto de
sabedoria popular, sobrevivências de crenças pagãs e revolta pura e
simples contra a autoridade estabelecida e as condições de vida das
classes menos favorecidas.”
(DUARTE, 2005, p. 117)
Ao invés de pensar em personagens puramente humanos, então,
procurei personas em locais inesperados. Com isso, passei a pensar em
termos de símbolos e objetos também, em busca de cosias que englobassem o
5 Remete ao século XIX, com diversos ocultistas ligados à Rosacruz e à Maçonaria afeiçoados
pelas práticas tradicionais germânicas. 6 uma nova forma de wicca que tem se desenvolvido desde a década de 70, que é mais flexível
em termos de estrutura e prática do que a wicca tradicional. 7 Religião fundada em 72 por Sveinbjörn Beinteinson, deptos centram seu culto em um
panteão de divindades fragmentado em dois clãs de deuses, Aesir e Vanir. Sendo Aesir deuses mais conhecidos, como Odin, Frigga e Thor, e o Vanir deuses associados à terra, fertilidade e agricultura. como Freya e Njord. 8 assembleia noturna de feiticeiros e feiticeiras, que, segundo uma superstição popular, se
reunia no sábado à meia-noite
15
sentimento de mistério e que poderiam ser a porta para as minhas
personagens neste projeto.
Desta forma é possível partir de um princípio comum associado ao
mistério e então construir, ao redor disso, meus personagens, isto é, procurar
em fontes mais abstratas algo que me desse uma luz para a criação das
personagens, ou mesmo as próprias personagens, se o processo me levasse a
isso.
Assim, os dois primeiros elementos visuais a serem definidos me
ocorreram praticamente ao mesmo tempo: a vassoura e a bruxa, por sua óbvia
popularidade e fácil reconhecimento, e são possivelmente os elementos visuais
mais comuns e mais simples a ser associados às práticas mágicas graças à
sua presença recorrente em materiais com este tema, além de se
complementarem: a bruxa é praticamente a figura de expressão máxima do
Paganismo, seja através do forte estigma negativo deixado pela inquisição ou
não, e, não raro, é vista em suas representações voando pelo céu ou
praticando magia com sua vassoura.
2.1 Giesta, ou a vassoura da Bruxa
Seguindo o raciocínio anteriormente apresentado, de procurar
reconstruir também elementos inanimados para criar algo novo, o primeiro
objeto a ser estudado foi a vassoura.
Embora haja diferentes origens para a associação da vassoura à bruxa,
indo desde antigos ritos de fertilidade pagãos em que cavalgavam em
vassouras e forquilhas nos campos, dançando como se fossem cavalos de
pau, até instrumentos presenteados pessoalmente pelo Demônio (GUILEY,
2008), um lore9 em particular foi o que mais chamou atenção: era utilizado o
ramo da Giesta — um tipo de arbusto — seca, sendo eventualmente
substituído pela vassoura, para purificação.
9 Conhecimento transmitido entre gerações, podendo ser histórias, crenças, tradições etc.
16
O próprio ato de varrer era uma tarefa sagrada em templos, já que para
poder limpar alguma coisa apropriadamente, a pessoa fazendo a limpeza
deveria ser igualmente pura e limpa.
[...] Na Roma Antiga, vassouras especiais eram usadas por “parteiras”
sagradas ou mulheres sábias para simbolicamente varrer quaisquer
influências negativas de uma casa em que tivesse nascido bebê
recentemente. Essas parteiras que usavam vassouras são as
precursoras da bruxa que popularmente voa em uma vassoura.
(NOZEDAR, 2010, p. 43, tradução nossa)
É possível inferir algumas coisas a partir destas informações: quando
falamos sobre limpeza ou purificação, não é normalmente a vassoura da bruxa
que nos vem à mente. Ao invés disso, pensamos em coisas que remetem à
nossa própria vivência e conhecimento. Coisas que vemos no dia a dia ou
descobrimos como curiosidade em revistas, sites, livros ou no próprio boca a
boca — e essas coisas podem ser variadas; um monge se purificando numa
cachoeira, incensos etc.
A vassoura da velha sábia como objeto purificador não é comumente um
destes elementos, no entanto. O estigma de objeto mágico dado a ela passa
longe do que se destina a ser uma versão modificada do ramo da Giesta (um
item que empurra o mal para longe e purifica).
Ao mesmo tempo, não se pode esperar que um símbolo permanecesse
absolutamente intacto ao longo de séculos. Nozedar (2010) comenta que, pode
ser frequentemente visto como símbolo fálico, e Guiley (2008) comenta que na
Índia, vassouras são presas às velas dos navios para afastar tempestades, e,
na China, a Deusa das vassouras é uma divindade do bom tempo.
Fig. 1 - Estudos iniciais para a Giesta
17
Tendo esses significados em mente, procurei desenvolver a giesta, mas
não para o seu habitual formato de ramo ou vassoura. Ao invés disso, busquei
uma forma de mostrar essa pureza e proteção, mas os ramos limpos da planta
não eram o suficiente, pois representariam um elemento extra para a
composição e que nem sempre poderia funcionar, mesmo sendo algo que eu
queria colocar ao longo de todas as ilustrações.
O ramo então se transformou em um desenho esquemático da planta, e
o desenho esquemático virou uma tatuagem: gravado permanentemente nas
mãos (os membros que mais utilizamos para realizar ações quaisquer) estaria
sempre presente, ainda que sutil, e não seria um elemento a mais no qual
pensar durante a execução das ilustrações, mas estaria visível o suficiente
para ser notado. Dessa forma, minhas personagens teriam um forte elemento
de poder permanentemente representado.
2.2 Bruxas, Corujas e a realização da Máscara Social
Uma vez definida a forma que a vassoura (ou, mais precisamente, a
Giesta) iria tomar, era hora de voltar à bruxa. Aqui, havia um dilema: embora eu
quisesse essa figura de poder, o que fazer para afastá-la do clichê?
Fig. 2 - Tatuagem esquemática definida
18
Não por acaso as mulheres são fortemente associadas à magia,
enquanto os homens não costumam se fazer tão presentes. É seguro dizer que
a esmagadora maioria do que compreendemos como prática de magia e
bruxaria, especialmente no ocidente, veio dos registros medievais.
Foi nos primeiros anos do cristianismo que a igreja delimitou o que era
ou não perigoso em termos de práticas mágicas. Todavia, muitos escritores
tendiam a crer que absolutamente todas as formas de magia eram
relacionadas ao demônio, e viam nestas práticas uma ameaça à fé cristã
(informação em vídeo, ver rodapé)10. O que muitos deles possuíam em comum
também, no entanto, era a visão que tinham de quem praticava essa magia:
Mulheres.
Por exemplo, John Chrysostom pregava contra mulheres que recorriam à
magia quando suas crianças estavam doentes ao invés de usar meios
Cristão. Na verdade, escritores Pagãos e Cristãos atribuíam magia
especialmente a mulheres. O famoso Tertullian afirmou que mulheres
eram geralmente mais inclinadas para esse tipo de prática, e que
demônios as ensinavam os segredos das ervas porque elas eram mais
suscetíveis à enganação de espíritos malignos do que homens.
(informação em vídeo, ver rodapé)11
Apesar de homens serem os praticantes de necromancia (que era
considerada uma prática de magia complexa), todas as outras formas eram
geralmente associadas às mulheres.
Manuais da inquisição também foram de extrema importância na
perpetuação da imagem das mulheres relacionadas à magia, como por
exemplo o Malleus Maleficarum (ou Martelo das Bruxas), um dos muitos
manuais da inquisição, escrito por dois inquisidores Dominicanos, Heinrich
Kramer e James Sprenger, e publicado em 1486 na Alemanha e cuja
10
Informação fornecida por Delfi I. Nieto-Isabel no Curso Online Aberto “Magic in the Middle Ages”, da Universidade de Barcelona, em novembro de 2016. Semana 2. Church versus Magic: The Early Middle Ages (mins 2:30-3:47) 11
Id., 2016.
19
popularidade, na época, perdia somente para a Bíblia, e que influenciou
fortemente os julgamentos de bruxas por pelo menos 200 anos12.
Kramer em particular exibia um ódio virulento em relação às mulheres
bruxas e defendia seu extermínio. O Malleus devota um capítulo inteiro À
fraqueza pecaminosa das mulheres, sua natureza lascívia, inferioridade
moral e intelectual e credulidade para a orientação de espíritos
enganadores. Na visão de Kramer, as bruxas procuravam prejudicar toda
a Cristandade.
Estudiosos debatem as razões para a misoginia de Kramer; ele poderia
ter tido medo do poder das mulheres místicas de seu tempo, como
Catherine de Siena, que gozava da atenção da realeza bem como da
igreja.
(GUILEY, 2008, p. 223, tradução nossa)
Desta forma, é seguro afirmar que embora a imagem da bruxa como a
conhecemos já viesse se formando aos poucos desde os primórdios do
cristianismo, foi com a chegada do livro de Kramer e Sprenger que se
perpetuou. Com um esforço extremamente bem sucedido, as mulheres foram
marcadas por uma perseguição que durou séculos e cuja associação continua
firme e forte até os dias de hoje (quem nunca viu uma mulher sendo
pejorativamente chamada de “bruxa”?).
Pareceu ser leviano representar algo tão intrinsecamente feminino sem
mulheres, e, por estas razões, e por eu mesma me identificar mais com o
objeto de estudo desta forma, as personagens deveriam ser mulheres.
Porém, pelo simples fato de ser uma personagem tão comum hoje em
dia, não é possível simplesmente retirar da figura da bruxa toda a bagagem
cultural a ela associada. É possível, no entanto, torna-la mais relacionável, isto
é, torna-la mais próxima do observador e não daquela figura inalcançável de
ser mágico de um conto, sempre por trás de um véu invisível de mistério, ou
como um monstro adorador do demônio.
12
“[...]Malleus Maleficarum proliferated into dozens of editions throughout Europe and England and had a profound impact on European witch trials for about 200 years. Montague Summers
called it “among the most important, wisest, and weightiest books in the world.” It was second only to the Bible in sales until John Bunyan’s Pilgrim’s Progress was published in 1678." - GUILEY, Rosemary. The Encyclopedia of Witches, Witchcraft & Wicca, 2008. Pg 223.
20
Depois de experimentar transformar pessoas conhecidas em bruxas,
num total de cinco bruxas diferentes, todas baseadas em pessoas reais (Fig.
03) percebi que ainda havia algo errado: os resultados eram mecânicos
demais, pois não pareciam conversar comigo de forma alguma; não causavam
curiosidade ou vontade de conhecê-las melhor, saber de suas histórias.
Fig. 4 - As cinco bruxas baseadas em pessoas reais
Fig. 3 - Rascunho de personagem com máscara
21
Em busca de respostas, procurei fazer um levantamento iconográfico
com os trabalhos de alguns artistas atuais— cuja obra e como influenciaram
este trabalho serão tratadas no capítulo 6 —, suas representações de
personagens ligados à magia e este problema.
Foi a partir deste levantamento iconográfico que surgiu o primeiro
rascunho que me agradou (Fig. 04) e me fez perceber um aspecto importante
do trabalho: uma bruxa não resolveria meu problema de personagens distantes
do observador, mecânicos, mesmo sendo uma personagem tão marcante, por
duas razões:
A primeira (e que considero mais importante) é que embora seja
possível reconhecer a personagem, ela é algo absolutamente externo; dá-se a
ela um rosto com características marcantes e peculiares, algo distinguível e
único, isto é, dá-se a ela uma identidade, e isso a torna um elemento alienado
do observador. Embora seja sim possível se relacionar com um personagem de
identidade definida, não era essa a forma que procurava para o trabalho, que é
poder colocar-se no lugar dela, torna-la a si mesmo.
A segunda razão é que a figura da bruxa, a praticante de magia, não se
destaca somente por suas particularidades, muito embora a visão caricaturada
seja das mais famosas, mas pela possibilidade de ser qualquer um: uma
vizinha, uma amiga, a velha sentada na praça. Então definir um rosto para a
personagem seria essencialmente podar sua representação.
O que me fez chegar a estas conclusões foi um único elemento presente
no rascunho: a máscara. Um objeto simples, porém cheio de significado. As
máscaras no teatro grego clássico davam vida aos personagens sendo
representados pelos atores, e é daí que tiramos a palavra persona13, sendo
também a mesma palavra utilizada para definir a personalidade que um
indivíduo apresenta à sociedade — mas que nem sempre é reflexo da face
verdadeira, e pode ser maleável a depender da situação social na qual o
indivíduo se encontra (JUNG, 1976).
13
Grego, Prósopon, que significa “rosto” ou “máscara”, e do Etrusco, Phersu, “mascara teatral” (retirado de http://origemdapalavra.com.br/site/palavras/persona/, acesso em 12/10/2016)
22
Nesse sentido, a máscara então se torna a própria persona. Sem ter um
rosto definido, é possível mover a máscara, e, com ela, seu significado.
Resolvido este problema, então, surge o próximo: E como será essa máscara?
A resposta mais simples veio junto com o próprio rascunho: tinha que ser um
pássaro, pois sempre os associei à liberdade, e a máscara social nos permite
ser o que queremos (ou devemos) ser.
A coruja possui conexão com diversos elementos ao mesmo tempo, e,
portanto, a escolha de coloca-la no trabalho veio de forma quase natural. A
máscara precisava representar o mistério, e a coruja, mesmo na cultura
popular local (quem nunca ouviu falar da rasga-mortalha, sinal de que alguém
próximo vai morrer?), sempre é associada ao sobrenatural.
A palavra italiana para coruja, strix ou strega, também significa “bruxa”, e
isso já dá uma grande dica sobre um dos aspectos do significado
simbólico do pássaro. Porque a coruja é noturna, significa que possui
acesso a informações confidenciais, conhecimento oculto e segredos.
(NOZEDAR, 2010, p 276, tradução nossa)
Por estas mesmas razões que a coruja é conhecida como símbolo de
Atena, deusa grega da guerra e do conhecimento — do aspecto da guerra, a
coruja se destaca graças à sua capacidade de virar a cabeça em 270 graus; a
coruja pode literalmente ver atrás da sua própria cabeça, lhe garantindo
vantagem estratégica. Além disso, por ter hábitos noturnos, a coruja também é
Fig. 5 - estudos da máscara
23
associada à Lua, carregando, como outros animais noturnos, todo o seu
simbolismo, e, doravante, tornando esta ave a escolha perfeita para a máscara.
Porém, tanto quanto a Giesta, a busca era mais pelo que representava e
não pela forma da coruja propriamente, e, depois de alguns estudos (fig. 05), a
forma escolhida foi uma bem próxima do conceito original no rascunho, mas
que, mesmo sendo uma máscara, se moldasse ao rosto em que se encontra,
como se fosse parte dela. Esse "encaixe perfeito”, como se a máscara fosse o
próprio rosto, representa aspectos controversos em sua própria essência
(como o próprio espírito humano): o conhecimento é uma via dupla, podendo
ser utilizado tanto para o bem quanto para o mal, e a morte, além de
representar o fim de um ciclo, representa também um novo começo: a
metamorfose, o passo dado no escuro e a descoberta do que está para além
dele.
Desta forma, a máscara de coruja é um dos elementos centrais e mais
importantes das personagens; tanto quanto o pássaro, a essência do ser não é
inerentemente branca ou negra, mas cinza, dual; controversa. A partir da
definição desse elemento, o conceito pareceu se solidificar um pouco mais,
pois esse seria também o cerne dos personagens.
2.3 A Lua e o mistério da noite
A coruja, como animal noturno, evoca para si também todo o simbolismo
que vem com a noite, e a Lua é um destes elementos. O número 18 na carta
de tarô, a Lua reflete a luz do Sol e mostra que a orientação vem do céu. Fora
do tarô, a lua traz consigo todo o simbolismo da noite, que é associada à morte
por ser um espelho do Sol: se o Sol representa vida, a Lua é seu oposto.
O período menstrual (salvo efeitos de luzes artificiais, ambientes e
condições gerados pelo homem, como o ato de tomar remédios regularmente
etc) das mulheres costuma coincidir com a Lua Nova. A própria palavra
“menstruação” vem do grego, “mene”, que significa Lua, e também “mês”,
embora o Sol seja utilizado para determinar o calendário (NOZEDAR, 2010),
24
tornando então a Lua num símbolo fortemente feminino, bem como atribuindo-
lhe propriedades temporais e, também, de transição — uma vez que o Sol é
vida e a Lua é morte, o momento de passagem entre um e outro torna-se o pôr
do Sol e consequente ascensão da Lua.
A chegada da noite não representa somente o pós vida, mas também o
despertar de todas as criaturas de hábitos noturnos. Os gregos personificavam
a noite na figura de Nyx, que governava tudo que era noturno: desde animais e
morte a sonhos, passando pelo sono, e, como esperado, o oculto.
Nozedar (2010, p. 210) diz ainda que “de acordo com César, os Celtas e
Gauleses reconheciam o tempo através das noites e não dias, provavelmente
porque a noite tem a sensação de completude, enquanto o dia pertence a
novos começos”.
As cores associadas à Lua e à noite são, respectivamente, cinza e preto.
O cinza é a cor do satélite, mas também é o meio do caminho entre preto e
branco, a área de ambiguidade do espectro; um momento neutro em que não
há luz absoluta, mas também não há ausência absoluta de luz (GURALNIK,
1984).
É associada à sabedoria, bem como ao equilíbrio e sobriedade, e cinza
é a cor utilizada em fotografia para balancear todas as outras, bem como
associada à sabedoria por ser a cor que o cabelo toma com o passar da idade
(NOZEDAR, 2010).
Já o preto possui todo um estigma negativo exatamente por ser a
ausência de luz, e não é preciso pensar muito para pular da comparação luz e
escuridão para bem e mal. Essa comparação, a despeito da cor (ou falta dela)
ser completamente natural, resultou em acontecimentos por vezes até mesmo
catastróficos para a humanidade — Nozedar cita exemplos aos quais não é
difícil chegar, como fanatismo, intolerância e racismo, com o qual convivemos
amargamente até os dias de hoje.
Além disso, elementos como a “ovelha negra” representam o miserável
ou persona non grata da família, o cão negro (ou sinistro) pode ser
25
representação de depressão, mau agouro ou presságio de morte. Apesar
disso, paradoxalmente, o preto não é somente associado a coisas ruins, sendo
também símbolo de (dentre outros) sensualidade, sobriedade, poder,
praticidade e até mesmo sorte — a despeito da má fama no continente
Americano, gatos pretos são considerados grandes fontes de boa sorte em
várias partes do mundo:
No Japão, preto é a cor da sabedoria, experiência e maturidade. Nesse
caso, preto é a cor da perfeição, uma ideia compartilhada pelos adeptos
de Catarismo que viam o preto como um símbolo de completude e
pureza.
Preto é uma cor secretiva e misteriosa e é utilizada como tal em rito e
ritual. Um espelho negro polido provém uma superfície brilhante perfeita
para vidência ou ver o futuro.
(NOZEDAR, 2010. p.56, tradução nossa)
Embora não possamos tocá-la, a Lua e consequentemente a chegada
da noite invariavelmente influencia em nossas vidas pois traz consigo a
expectativa de descanso, fim e um novo começo, tornando-se, portanto,
também elemento chave para as personagens ou para as narrativas.
26
3. PERSONAGENS
Paralelamente à criação da máscara, as personagens estavam sendo
desenvolvidas. Uma vez percebido que uma única personagem não seria o
suficiente, resolvi então fazer três; como diz o ditado de sabedoria popular, “a
terceira vez é a da sorte”.
O número três tem uma presença importante em praticamente todos os
tipos de folclore, mitos, misticismos e tradições mágicas e religiosas ao redor
do mundo, e é seguro dizer que todas as grandes religiões reconhecem suas
divindades maiores através de trindades — para os cristãos o Pai, o Filho e o
Espírito Santo; para os hindus, Brahman, Shiva e Vishnu; Osiris, Isis e Horus
para os antigos egípcios; os três pilares da árvore da vida do judaísmo; as três
bases do budismo e assim por diante (GUILEY, 2008). Para a Bruxaria
contemporânea, a divindade maior é a Grande Deusa, representada através da
trindade Filha, Mãe e Avó (ou Virgem, Mãe e Velha).
Três é a ascensão da consciência, representada pelo triângulo
apontando pra cima e a face da pirâmide. Representa a unificação do
corpo-mente-espírito e coração-determinação-intelecto e olhos-orelhas-
boca (o que vemos, ouvimos e falamos como produtos da nossa
consciência espiritual).[...]
O filósofo grego Anatolius observou que três, “o primeiro número
estranho, é chamado de perfeito por alguns, porque é o primeiro número
a significar a totalidade — começo, meio e fim”. Portanto, encontramos
na mitologia, folclore e contos de fadas o tema recorrente da tríade: três
desejos, três irmãs, três irmãos, três chances, bênçãos dadas em terços,
e magias e encantos feitos em três.
(GUILEY 2008, p. 344, tradução nossa)
Meu foco para as personagens com relação à tríade era o tempo. Para
mim, o tempo sempre foi um grande objeto de questionamento: como lidamos
com ele, como ele exerce influência sobre nossa vida e como lidamos com o
fato de que nosso tempo é limitado.
27
Tudo isso sempre foi de grande interesse para mim e colocar as fases
da máscara personificadas no passado, presente e futuro pareceu correto pois
o tempo é algo para além do nosso controle. Vivemos eternamente atrelados a
ele (nem sempre de forma saudável) mas não possuímos o menor domínio
sobre esse elemento, sendo, portanto uma representação apropriada para o
mistério.
Assim, continuei a produção de rascunhos e thumbnails14 em busca de
representações que considerasse apropriadas, me desvencilhando das
personagens baseadas em pessoas reais e procurando mais a essência visual
do trabalho (fig. 06).
Ao longo do processo, também percebi que, se limitasse minhas
personagens a uma única aparência física estaria me afastando da proposta. O
14
Termo para designar miniaturas, versões reduzidas de imagens, utilizadas para tornar mais fácil o processo de produção de uma obra, uma vez que torna mais claros seus elementos, como composição e valor.
Fig. 6 - Thumbnails
28
mistério se encontra ao redor do mundo inteiro, e, portanto, qualquer tipo de
pessoa pode vir a se identificar com ele. Desta forma, ainda utilizando as
mulheres, com quem mais me identifico, e procurei dar diferentes
características para cada personagem, mas ainda mantendo-as visualmente
agradáveis e em seu próprio tempo.
3.1 O presente
As palavras de Cavendish15 na introdução deste trabalho não servem
somente para a magia, pois uma parte importante do design (e, afinal, da
própria arte) na hora de criar é, além do estudo de objeto, o feeling. Foi
atrelado a esse feeling que o design das personagens foi criado.
A primeira da tríade a ser concluída foi a representante do presente. O
sentimento que tinha para ela era de que deveria ser a mulher na sua “era de
ouro”. Suas características físicas inicialmente seriam aquelas de uma pessoa
asiática, mas por razões estéticas e conceituais, terminaram sendo
modificadas. Possui pele de tom médio, cabelo ondulado, cheio, personalidade
forte, porém, apresenta momentos de descontração.
A cor da sua roupa é preta e simples, sem adornos, e seu cabelo tem
um tom entre o castanho claro e o laranja característico de ruivos.
O presente não possui, no entanto, o aspecto visual de mãe que
costuma ser associado a esta fase. A escolha da roupa se deu de forma
simples. As três personagens usam um vestido negro, mais simples ou mais
complexo a depender do momento: a personagem do presente utiliza um
vestido aberto nas laterais que evidenciam suas pernas: estando no auge dos
três tempos, a personagem pode ir aonde quiser enquanto desbrava seu
constante estado de metamorfose, com um pé eternamente no presente e o
outro no passado, os dois alternando-se para sustentar o presente.
Tanto quanto suas mãos que realizam suas obras, suas pernas lhe
sustentam pelos caminhos que escolhe trilhar. Não usa sapatos (muito embora
15
“conclusões que são normalmente sem comprovação cientifica, mas que frequentemente parecem poeticamente corretas.” — CAVENDISH, Richard. The Black Arts pg. 2, tradução nossa.
29
a possibilidade não esteja fora de cogitação, a depender do local em que está
representada), pois, em sua plenitude, procura ligar-se com a natureza o
máximo possível.
Em relação aos adornos, não muito chamativos, porém o suficiente para
demonstrar que a personagem também procura beleza para si mesma de
alguma forma. Em especial, o formato do colar é peculiar, pois foi feito
pensando no formato do útero — que cri ser pertinente a essa fase porque,
diferente dos homens que não sofrem tanta pressão social em torno das suas
capacidades reprodutivas, a mulher também lida com o as durezas do tempo
enquanto ser humano fértil. Não pode se reproduzir ao longo de toda a vida, e,
mesmo enquanto ainda pode, quanto mais avançada a idade, maior o risco que
Fig. 7 - Presente
30
uma gravidez pode causar à saúde. Seus quadris também são mais largos
pensando nesta proposta.
Das três esta também é a persona mais turbulenta, pois é no presente
que encaramos todas as consequências do passado, angústias do presente e
prospecções do futuro, e para esta questão ficaram seus cabelos
desgrenhados e mãos sujas, pois está sempre em busca de compreender as
questões ao seu redor e a si mesma, bem como produzir algo que possa vir a
ser palpável no futuro.
3.2 O Futuro
A Segunda personagem cuja aparência foi definida foi a criança, ou, o
futuro. Esta personagem é a mais complexa das três por lidar com “terrenos
desconhecidos”.
O máximo que se pode inferir acerca do que nos aguarda no amanhã é
uma suposição baseada em eventos presentes, e, diferente do passado, não
Fig. 8 – Futuro e seu corvo
31
podemos aprender nada com ele. Desta forma, o futuro é o tempo
completamente fora do nosso controle, sempre paciente e tomando um
segundo por vez.
Suas características (fig. 08) são o cabelo e roupa pretos, sem detalhes,
pele clara (tons amarelados) e braços e pernas à mostra — uma vez que a este
tempo está reservada a realização do que está por vir, a intenção de deixar
estes membros à mostra veio da observação das ações das crianças: sem as
amarras já fixas dos adultos, crianças tendem a experimentar tudo ao seu redor
de todas as formas possíveis, assim, uma roupa simples e que não lhe
restringisse era a ideal.
3.2.1 O Corvo (familiar)
Por ter um caráter tão difícil e flutuante, senti a necessidade de atrelar à
presença do futuro um segundo elemento de comunicação quando necessário,
e, para tal, lhe dei um familiar (uma entidade sobrenatural que ajuda bruxas ou
praticantes da magia) na forma do corvo. Os corvos são pássaros
extremamente inteligentes, e suas habilidades fonéticas são impressionantes,
sendo capazes de reproduzir com espantosa semelhança palavras ou mesmo
frases inteiras em linguagens humanas e com tons fonéticos bem próximos dos
humanos.
Esse tipo de habilidade rendeu ao corvo uma associação com o
conhecimento oculto ou secreto, como é o caso de Hugin e Munin, os corvos
de Odin que murmuravam em seus ouvidos tudo o que era feito pela
humanidade, ou da divinação, como no caso dos gregos, em que o corvo era
um animal solar relacionado à Atena e Apolo, Deuses (dentre outras coisas) do
conhecimento e divinação, respectivamente, ou mesmo para os índios nativo-
americanos, em que o corvo é o símbolo do Criador (NOZEDAR, 2010).
Além disso, sua natureza curiosa e por vezes brincalhona também lhe
rende associação com trapaceiros, bem como sua presença em campos de
batalha ou mesmo sua aparência tenha lhe rendido também a alcunha de
anunciador da morte, sendo uma das formas favoritas de Morrigan (uma
32
divindade da mitologia Celta), que aparecia em forma de corvo para comer os
corpos mortos dos inimigos no campo de batalha (GUILEY, 2008).
Desta forma, o corvo se encaixava perfeitamente com o momento do
tempo em questão: no futuro estão todos os conhecimentos e ações ainda por
serem revelados ou criados, ambos podendo ser bons ou ruins.
3.3 O Passado
O passado, ou tudo aquilo que já passou, lida com uma questão
filosófica primordial: de onde viemos? Esta é uma questão antiga e que ainda é
pauta de debate filosófico, e, mesmo se levarmos em conta a história da
humanidade, ainda há muito a ser descoberto.
O nosso passado, de certo modo, molda o nosso presente e nos dá, por
vezes, informações pertinentes para que possamos prospectar o futuro. Ao
mesmo tempo, vivemos em um mundo em que é possível visitar locais e
apreciar objetos de séculos atrás, como se nada disso tivesse passado
completamente. Assim, há uma espécie de perpetuação do passado na
memória do presente, em que o revisitamos sempre que queremos ou
precisamos em busca de coisas diversas, como nostalgia, aprendizado ou
simples curiosidade.
Se é necessário criar conhecimento, voltamos a pensadores do passado
para aprender com suas pesquisas, e, em concept art, uma prática muito
comum é observar estruturas e elementos do passado para criar, ironicamente,
projeções para o futuro em ficção científica, por exemplo.
Desta forma, o passado se torna uma espécie de cortina translúcida de
mistério, exercendo por vezes fascínio e despertando questionamentos mesmo
quando podemos observar o que já se passou. Quem eram aquelas pessoas?
O que faziam? Como viviam? O que deixaram para nós? Qual é o seu legado?
A personagem do passado é a representante do conhecimento consolidado
mas nem sempre compartilhado; seu mistério vem de sua sabedoria
acumulada.
33
Fig. 9 - Acima, o conceito do passado. Abaixo e à esq. estudos de indumentária. À dir., estudo comparativo de concept (Cabelo e roupa)
34
Sua aparência é a de uma mulher já envelhecida, negra, que usa um
vestido ricamente adornado e acessórios, representando o acúmulo de tudo
aquilo que conquistou.
35
4. SÍMBOLOS APLICADOS
A intenção para esta etapa do projeto era produzir imagens que trouxessem
o mistério e se comunicassem através dos três tempos (passado, presente e
futuro), trazendo à tona nos expectores perguntas sobre si: o que
representam? O que são? Para onde vão?
Como resultado, foram executadas dez ilustrações para o trabalho final.
Com tempo de produção variado, as peças foram produzidas visando mais a
qualidade que a quantidade, e refletem sobre diferentes temas. Sua
interpretação última é (como todas as obras de arte) livre para o observador,
mas seus elementos e detalhes específicos são justificados a seguir, na ordem
em que foram finalizadas.
4.1 O TRONO
Tema: o que é o futuro
Elementos notórios: quebra de realidade
A primeira das obras a ser concluída foi O Trono, em que busco apresentar
o presente e suas possibilidades. Nesta ilustração a personagem está sentada
de frente para o espectador, uma perna próxima ao corpo e outra relaxada
tocando o chão.
Um forte elemento é o tecido de realidade (os troncos, a grama, a pedra, a
roupa) por vezes se fundindo ao universo, em especial nas áreas de sombra,
como um reflexo do tempo em questão: quanto mais próximos os troncos
(torcidos, um elemento aqui representando tudo que é consolidado) se
aproximam da personagem, mais vão abrindo portas para o desconhecido,
para as possibilidades, até o ponto em que se desfazem completamente (na
copa, uma parte da árvore que se renova com frequência), e a grama, que, ao
crescer, também começa a desaparecer no universo.
36
Assim mesmo, os galhos, a copa e mesmo as nuvens se movimentam de
forma a criar uma espécie de ciclo, em que hora se tem o desconhecido, as
possibilidades, e hora se tem a consolidação do que podem ser essas coisas,
mostrando que o presente é quase como uma gangorra: hora prospecta, hora
consolidada.
Para as cores, o roxo vem representando o poder, uma vez que é no
presente que temos o poder de decisão, e o laranja, alternando com o roxo,
representa o equilíbrio entre as partes. Nozedar (2010, p. 58) diz que “O laranja
tem dois aspectos que vemos de novo e de novo, alternando entre o mundo
material e o espiritual, o que não é surpresa, considerando que a própria cor é
um equilíbrio entre amarelo e vermelho” (tradução nossa).
4.2 O CETRO
Tema: O que é o passado
Elementos notórios: água, espelho, reflexo, floresta
Embora os três tempos estejam ao longo de toda a série, O Cetro é a
peça de apresentação do passado. A ilustração consiste na personagem de pé
à beira de um lago, cuja água está calma e clara como um espelho. O reflexo
no espelho do lago consiste em várias personagens, todas com a máscara que
lhes oculta a identidade, e, ao redor do lago, uma floresta de acácias.
A intenção da peça é refletir sobre o que é o passado e como nos afeta
ou não. As árvores ao redor da personagem, inspiradas em acácia, refletem a
natureza rígida e inflexível do passado, uma vez que não se pode mudar o que
já foi feito. Porém, as acácias também simbolizam a alma imortal, bem como
sua madeira é utilizada para fins místicos (NOZEDAR, 2010).
Embora comumente encontradas retas na natureza, aqui as acácias se
encontram por vezes tortas para representar as voltas da vida, e sua ausência
de folhas é utilizada de forma a criar uma dualidade: estarão mortas, ou
37
esperando as novas folhas da primavera? O chão de folhagens indistintas
corrobora para manter a reflexão, uma vez que não indica com clareza se a
vegetação rasteira é ou não das árvores. Sendo assim, as floresta representa
também o próprio passado, sendo suas árvores as incontáveis vidas que o
formaram.
A roupa da personagem se desfaz nas sombras locais para representar
sua natureza enraizada. A superfície calma e reflexiva da água transforma-se
em um espelho e a água, por si só, possui poderes sobrenaturais.
A água possui associações muito antigas com o divino, bem como com a
Lua. Os Celtas eram particularmente fascinados por seus poderes de dar vida,
curar, regenerar ou destruir, e, em virtude disso, cultivaram numerosas
deidades aquáticas. (GUILEY, 2008) Além disso, como já dito anteriormente
neste trabalho, a Lua tem forte aspecto feminino e ligações com as artes
ocultas.
Em O Cetro, a Lua (representada por uma suave luz de tonalidade
esverdeada, que ilumina o ambiente gentilmente pelas costas da personagem
principal) exerce sua importância ao iluminar o lago espelhado e completar o
cenário de divinação: O passado contempla no espelho da noite tudo aquilo
que é ou que virá a ser graças a sua presença.
Para as cores, verde é uma cor dominante na peça, e a razão disto é a
forte flexibilidade que representa: embora seja o sinal de “permitido” no trânsito
e também uma cor comumente associada com a natureza, imaturidade16 e
negatividade.
Nozedar (2010) diz que na Idade Média, verde era a cor do Demônio (há
uma representação na catedral de Chartres com o demônio de pele e olhos
verdes), e em Otelo Shakespeare associou pela primeira vez o verde à inveja,
ao descrevê-la como um monstro de olhos verdes17, e provavelmente a mesma
origem que nos dá a expressão “verde de inveja”. Também informa que verde é
16
Quando diz-se que alguém ainda está muito verde para fazer ou compreender alguma coisa. 17
“Acautelai-vos senhor, do ciúme; é um monstro de olhos verdes, que zomba do alimento de que vive” – Otelo, Cena III, Ato III (retirado de http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/otelo.pdf, acesso em 03/05/2017)
38
a cor das fadas, e por isso mudava de significado de acordo com as intenções
das fadas para com o indivíduo.
Azul, marrom e preto também têm forte presença, não só para criar a
ambiência noturna da peça, mas porque estas cores representam a
espiritualidade, verdade, contemplação e eternidade (azul), a humildade e
pobreza (marrom) e, claro, a noite, maturidade, luto, sabedoria e sobriedade
(preto). Desta forma, a paleta também concorda com tudo aquilo que pode ser
encontrado no passado, bom, ou ruim. (NOZEDAR, 2010)
4.3 A COROA
Tema: O que é o futuro?
Elementos notórios: Nascer do Sol, floritografia
A terceira peça, A Coroa, apresenta a personagem do futuro que se
aproxima num bosque ricamente iluminado, seu caminho impossível de
decifrar. Pousando em um braço desprotegido está o corvo, seu familiar e
representante do desconhecido; no outro, traz um buquê de flores como
presente
O plano americano18 foi escolhido posto que não é possível notar a
chegada do futuro, sendo portanto impossível de observá-lo de longe. Sua
fragilidade se encontra nas flores e braço desprotegido: o corvo, detentor dos
mistérios, pode vir a trazer uma realidade que fere, e as flores, cortadas de
seus galhos, podem vir a murchar se não cultivadas.
Pimpernel (Anagallis arvensis no Brasil, em que não tem nome vulgar)
significa mudança, e suas variações em roxo e vermelho na ilustração implicam
na riqueza e vitalidade. A Rosa coral significa o desejo, e a hamamélia significa
feitiço (NOZEDAR, 2010. Assim, seu buquê traz a mensagem de mudança em
diferentes áreas, seja a mudança natural (por meio do desejo de mudança ou
18
Tipo de enquadramento que contempla a personagem acima do nível dos joelhos.
39
avanço temporal) ou não natural — o feitiço aqui simbolizando uma alteração
artificial.
As demais cores todas conversam sobre as possibilidades. O amarelo e
branco do nascer do Sol e que ilumina a cena traz para a peça o mais
proeminente símbolo natural, o Sol, e seu simbolismo: poder, divinação,
autoridade e intuição, mas também cautela, covardia e traição. (NOZEDAR,
2010).
As folhas verdes indicam algo que ainda está a maturar, mas também é
rico em vida, e as folhas vermelhas em primeiro plano indicam a mudança de
estação do presente para o futuro sem que se perceba essa mudança — por
isso não há árvores visivelmente sem folhas.
Portanto, A Coroa é a peça final de apresentação dos três tempos, em
que se recebe o futuro e as mudanças que com ele se apresentam.
4.4 O CAMINHO
Tema: Os viajantes e seus sinais
Elementos notórios: aviso de viajantes, obstáculos,
alfabeto Tebano, chuva, hora dúbia
Nesta ilustração, vemos a personagem do futuro de corpo inteiro, de pé
em um local sujo, segurando um brinquedo e contemplando transeuntes
alheios à sua presença. Uma forte chuva cai, e, ao fundo, a cidade se ergue
diante de uma luz confusa: será o nascer ou o pôr do Sol? O único que sabe é
o corvo, que observa atentamente o que acontece.
O Caminho é uma peça sobre a trilha seguida por cada um. Embora seja
possível refletir sobre o futuro puro, esta não é a única forma em que se
apresenta. Por vezes o viajante faz planos, prospecta com cuidado sua trilha e
o futuro lhe parece facilmente observável, e é por isso que a personagem se
apresenta de corpo inteiro.
40
Tal qual o caminho para a magia e a espiritualidade é colorido, cheio de
segredos e reviravoltas, a reflexão acerca destes caminhos individuais e o
sentimento de desolação que pode acompanha-los é a inspiração dessa
ilustração.
A cerca alta simboliza os obstáculos que separam o viajante de seu
destino, os prédios ao fundo tudo aquilo que pode vir a ser. Nesta peça, o
observador é o ponto focal, muito embora esteja oculto da obra. Os
personagens observam aquele que os observa, atentamente esperando o
próximo passo.
Sobre a água, tem-se que:
A natureza da água é a de que é moldada pelos objetos sólidos que lhe
rodeiam, mas não tem formato próprio. [...] Porque as águas profundas
de oceanos e lagos simbolizam reinos desconhecidos, percebemos que
contos de fadas e mitos frequentemente utilizam a água como lugares
onde espíritos de outro mundo habitam. Lugares nebulosos, enevoados
— lugares entre o mundo dos vivos e dos mortos — são ambientes
liminares para os espíritos, onde mundos se emendam uns nos outros.
(NOZEDAR, 2010, p. 194, tradução nossa)
Assim, a chuva encarna uma força motora, como a própria magia,
abrindo o caminho. Na cerca, estão dois sinais de viajantes e um complemento,
em alfabeto Tebano, entre os dois.
O primeiro dos símbolos são dois círculos entrelaçados, cujo significado
é “não desista”, e o segundo é uma linha na horizontal cujo significado é
“duvida” ou “duvidoso”. Entre eles, o complemento even when, “even when”
em Tebano, formando a frase “não desista mesmo quando em dúvida”; Acima
o símbolo de “continue”, um círculo cortado por uma flecha que aponta o
caminho, apontando para uma pequena brecha que poderia vir a passar
despercebida.
A bola que a personagem segura traz o sentimento de ludicidade e
inocência da brincadeira. Uma vez que os símbolos e trilhas de viajantes
podem muitas vezes ser simples de compreender, algumas vezes são
ocultados quando a necessidade dita, de forma que mesmo três pequenas
41
pedras empilhadas num caminho pouco utilizado podem sugerir uma
mensagem.
Um dos mais básicos destes sinais é uma pequena lasca tirada de uma
árvore, que marca o caminho. A ideia é fazê-los do menor tamanho possível,
porém grande o suficiente para aqueles que sabem o que procuram”
(NOZEDAR, 2010, p.415, tradução nossa ). Assim, os círculos da obra podem
ser também relacionados, ainda que mais vagamente, à roda da fortuna,
tornando esta possivelmente uma das obras mais abstratas e subjetivas da
série, posto que, como observador, cada um possui seu próprio caminho, sua
própria cerca e seus próprios sonhos.19
4.5 SOLO FÉRTIL
Tema: Vida e nascimento
Elementos notórios: crânio, gazela, floritografia,
manto, mãe
Solo Fértil foi uma das duas ilustrações dos estágios iniciais da
pesquisa, feitas em aquarela, que passaram para o trabalho final. Nesta, um
crânio de gazela — adornado com flores de papoula, aquilegias, anêmonas e
um girassol — está entre as duas mãos da figura materna, coberta por um
manto cuja estampa é o universo.
A ideia por trás desta ilustração evoluiu com o passar do tempo, embora,
em essência, pouco tenha mudado de sua primeira versão finalizada em
aquarela. Sobre o crânio, tem-se que:
O crânio é o osso mais importante do corpo, instantaneamente
reconhecível pelo que é (diferente de outros ossos), e acredita-se que
contém a força vital tanto do corpo quanto do espírito. [...] Há também
uma tradição antiga de que crânios contêm poderes oraculares. O crânio
de Orpheu, por exemplo, mantido na ilha grega de Lesbos, tinha a
reputação de possuir estes poderes.
(NOZEDAR, 2010, p. 461, tradução nossa)
19
A roda da fortuna é uma força imparcial da natureza e um lembrete de que o livre arbítrio também significa liberdade de enfrentar desafios, tudo uma parte do rico leque de experiências que a vida tem a oferecer (NOZEDAR, 2010, p.151, tradução nossa.
42
A Gazela é um animal que possui diferentes significados relacionados
às magias ocultas. Para os gregos e romanos, sua visão apurada lhe tornava
um animal sagrado da Deusa da Sabedoria (Atena ou Minerva); para os
egípcios, mensageira do alagamento periódico do Nilo; para os hindus, trazia
os ventos nas costas no Rig Veda20, por poder atingir altas velocidades de
corrida, e, para os nativo-americanos, professora da humanidade (NOZEDAR,
2010).
Assim, todas estas qualidades tornam a gazela um símbolo de sabedoria
e aqui seu crânio, aliado ao corpo nu, fala sobre o começo sem malícia, livre e
sem juízo de valor.
Além destes, os seios grandes da figura feminina indicam fartura, e seu
manto escorrega por cima dos ombros com graciosidade. O manto é aqui não
um peso nem esconde a figura, mas, sim, envolve-a com todo seu poder e
brilho. As cores do manto são vermelho e azul, simbolizando respectivamente o
sangue, símbolo de vitalidade naturalmente presente no ato do nascimento, e o
azul simbolizando a espiritualidade.
Já para a floritografia — nome dado à linguagem das flores — seus
significados individuais formam, juntos, a mensagem de transformação e
dualidade da vida:
A Aquilegia, uma flor incomum, é associada a poderes mágicos, e,
carrega seus segredos dentro de suas pétalas elaboradas. Não somente isso,
por possuir cinco grandes pétalas, é um pentagrama de ocorrência natural e
também um exemplo de proporção áurea na natureza, sendo, portanto,
fortemente associada às bruxas. (NOZEDAR, 2010)
As flores de papoula, que possuem qualidades narcóticas em algumas
de suas variantes, são a flor dos sonhos e esquecimento. Estas mesmas
qualidades, porém, também lhe rendem sua má fama: podendo curar ou matar,
20
O primeiro veda (escritura sagrada), o Livro dos Hinos, e tem como conteúdo hinos, rituais e oferendas às divindades hindus.
43
as flores de papoula podem ser facilmente consideradas uma má influência ou
símbolo do mau, e, por fim, também pode ser lida como símbolo de fertilidade,
graças às suas numerosas sementes.
O Acônito, diferente das demais, é uma flor de cautela. Sua aparência
frágil e acolhedora, praticamente mimicando uma borboleta quando vista de
lado, guarda um grande segredo: todas as suas partes são venenosas. Tanto
que mesmo o simples ato de tocá-la com mãos nuas pode ser fatal.
Embora possua qualidades medicinais, 4g de acônito constitui uma dose
letal21, e alguns dos sintomas de envenenamento por acônito são euforia e
alucinações, de forma que, tanto as flores de papoula quanto o acônito são
consideradas ingredientes essenciais nos óleos que faziam as bruxas “voarem”
(NOZEDAR, 2010).
Por fim, mas não menos importante, o Girassol, símbolo de luz,
esperança e inocência. É de conhecimento geral que uma das razões pelas
quais existe vida na terra é o Sol, a estrela de quinta grandeza que ilumina
nosso planeta ao redor do qual orbitam os planeta da Via Láctea. Na obra, o
Girassol representa a busca por conhecimento, ao mesmo tempo em que
implica na natureza inocente do nascimento.
4.6 TRINITATIS
Tema: Trindade
Elementos notórios: triquetra
A segunda e última das ilustrações iniciais, que começou como uma
aquarela e passou para o trabalho final, Trinitatis (que em latim significa
“trindade”) tem um significado simples, não representando somente aquilo que
é oculto, mas sim um conceito universalmente conhecido, que é o dos três
poderes, já discutido anteriormente neste trabalho.
21
“A dose letal é de 1 a 3mgl de aconitina (equivalente a 2 a 4g de tubérculo fresco).” (retirado de http://www.plantamed.com.br/plantaservas/especies/Aconitum_napellus.htm, acesso em 10/02/2017)
44
A forma inspirada na triquetra22 representa cada um dos tempos através
de uma das mãos, e o azul retorna em mais uma obra como símbolo de
eternidade: “acima de tudo, o azul é a cor do céu. Como o céu, azul é
infinitamente espaçoso. Contem tudo, e ao mesmo tempo não contém nada. A
cor é portanto associada com ideias de eternidade” (NOZEDAR, 2010, p.56,
tradução nossa).
Trinitatis é sobre algo que, de tão enraizado no nosso cotidiano, pode
passar despercebido como sendo um dos elementos principais do ocultismo.
4.7 REFLEXOS 1 E 2: O CORPO E A
MENTE; O CORPO E O MUNDO
Tema: internalização e externalização
Elementos notórios: quimerismo,
geometria, reflexão
Reflexo é uma dupla de ilustrações. Cada uma apresenta um momento
da meditação e sua intenção é refletir acerca das relações do ser com o
mundo. Em ambas as imagens, é notória a presença de uma geometria que
começa na figura central e sangra para fora da imagem, conectando-a a um
universo maior do que só aquilo que se vê.
Nos dois reflexos, as três personagens se tornam uma só, uma quimera
sobre como lidamos com o mundo — os pés, nossas raízes, os braços, a força
de mudança que temos sobre o mundo e a cabeça, uma das (se não a maior)
maiores ferramentas de trabalho que possuímos, posto que é com ela que
raciocinamos e racionalizamos nossos passos e ações.
O primeiro momento (Corpo e a mente) tem a intenção de refletir sobre a
internalização. A internalização é uma introjeção, uma incorporação
inconsciente de valores, práticas ou ideias. É intenção desta peça sobre como
22
“Um símbolo muito antigo que em Latim significa ‘de três pontas’, a triquetra (ou triqueta) é composta por três vesica piscis” (NOZEDAR, 2010, p.161, tradução nossa). Vesica piscis sendo a forma geométrica formada pela interseção de dois círculos com o mesmo raio.
45
agimos ou no que acreditamos e por quê acreditamos naquilo que nos é
proposto. Escolher o caminho da magia ou ser levado a ele por influência? De
toda forma, haverá inevitavelmente uma internalização e, eventualmente, um
questionamento sobre o mundo.
O segundo momento (Corpo e o mundo), reflete sobre o que nos
tornamos ao compreender aquilo que nos rodeia e passar a agir sobre e/ou
com o mundo, ao invés de somente segui-lo. Diferente da primeira ilustração
em que o corpo se encontra encolhido, voltado para si mesmo, neste o corpo
se abre como uma lótus, expandindo-se para fora de seu confinamento e
buscando novas experiências e verdades além daquelas que sempre foi levado
a crer serem únicas.
4.8 ARCANA OBSCURA
Tema: iniciação, Coven e descoberta
Elementos notórios: coven, círculo mágico, alfabeto
Tebano, iniciação
A palavra Arcana vem do latim arcanus, “secreto, escondido”, de arcere
“fechar, conter” e de arca, “caixa, baú”23.
Em Arcana Obscura observamos os personagens através de suas mãos:
uma persona, guiada gentilmente por outra, recebe do coven24 o conhecimento
da magia, que lhe adentra, marcando sua presença por meio da tatuagem da
giesta25.
É a iniciação no coven: o que antes estava obscuro começa a ser
revelado. As cores são todas em tons terrosos para representar a ligação
inerente com a natureza e seus elementos.
23
Significa “o que é muito misterioso, secreto, conjunto de enigmas de alguma doutrina” (retirado de http://origemdapalavra.com.br/site/palavras/arcano/, acesso em 10/05/2017) 24
Nome dado a grupos de bruxos(as) que se une em um elo mágico, físico e emocional intransponível com intenção de louvar os Deuses. (GUILEY, 2008) 25
Ver cap. 2
46
O círculo mágico, por sua vez, é um forte símbolo de união, força e
proteção, significados apropriados para o coven, e sua presença geralmente
indica aonde a atividade mágica ocorrerá, sendo sua execução de grande
importância, uma vez que é um espaço sagrado (NOZEDAR, 2010).
O círculo mágico de Arcana Obscuro foi criado especialmente para
representar o coven, não tendo, portanto, nenhuma aplicação mágica per se.
Dentro do círculo, o centro absoluto é o Sol, representado por um círculo com
um ponto, dentro do pentagrama como símbolo do poder. Ao seu redor estão
os quatro elementos (em seus símbolos alquímicos) e o espírito.
Em seguida se encontram palavras de poder e definição do coven,
protegidos pela cruz e os símbolos dos três princípios alquímicos, sulfúrio, sal e
mercúrio, “os três minerais vitais da natureza” (NOZEDAR, 2010, p. 365,
tradução nossa). Tudo isto envolto por um hexagrama de uma única linha
(indicando uma proteção poderosa) e pelos dias da semana — aqui
representados por seus símbolos.
O último detalhe do círculo mágico é uma parte do gospel de Aradia,
uma importante figura para a bruxaria contemporânea, que teria sido enviada à
terra por sua mãe, a deusa Diana, para que ensinasse a magia aos homens e
reflorescesse a antiga religião pagã, sendo, portanto, considerada uma espécie
de avatar da Deusa26.
O trecho retirado do conto é do momento em que Aradia termina de
aprender toda a magia e chama suas irmãs para o encontro, uma vez por mês,
durante a lua cheia:
Aquela que deseja aprender toda a magia
ainda não ganhou os seus segredos mais profundos,
Então minha mãe a ensinará, em verdade
todas as coisas ainda desconhecidas
E vós serão todos livres da escravidão
E vós serão todos livres em tudo
E como sinal de que sois todos verdadeiramente livres
26
“Aradia, o Gospel das Bruxas” é um livro do folclorista Charles Godfrey Leland, e foi publicado originalmente em 1899, e narra o conto e história de um grupo pagão da Toscana. Dentre os contos, encontra-se o de Aradia, que seria uma filha da deusa Diana enviada à terra.
47
O que quer que seja pedido do espírito de Aradia,
Será garantido para aqueles que ganharam seu favor
(LELAND, Charles G., 1899, p10)
4.9 CORRENTEZA
Tema: Morte
Elementos notórios: floritografia, água, máscara
quebrada, transformação, Ajna
A última peça a ser executada, Correnteza mostra a figura do presente
interrompido, cujo corpo submerso na água transforma-se imediatamente em
passado. Segura gentilmente no peito um galho com duas crisálidas e
snapdragons (uma flor que no Brasil não possui nome vulgar, sendo, portanto,
conhecida apenas como Antirrhinum). Sua máscara se encontra partida no
centro, oferecendo um vislumbre do que pode estar por baixo da máscara: um
Ajna, ou, terceiro olho.
Esta é uma peça particularmente delicada, uma vez que discorre sobre a
morte, uma experiência de descolamento abrupta e sobre a qual é impossível
ter qualquer tipo de controle.
É possível encontrar diferentes tipos ritos funerários ao redor do globo, e
cada um deles tem, geralmente, intenções de respeito ao corpo e memória do
indivíduo, cada um com suas particularidades, sejam elas culturais ou
religiosas ou as duas coisas ao mesmo tempo.
Como dito anteriormente, a água é a representação de uma força
motora, e aqui não é diferente, porém, esta peça também se utiliza de seu
simbolismo como detentora da vida num momento e que reclama para si o que
previamente ofereceu: fora da água, a vida; dentro da água, a força que volta
para o fluxo, pronta para seguir seu curso na última transformação do ser.
Suas águas profundas e negras guardam mais uma vez o mistério da
vida: para onde iremos? Uma das maiores incógnitas de que se tem notícia. “A
48
Morte é um ceifeiro, um processo essencial que significa o recolhimento do
sustento para os meses de inverno que seguem, e também uma forma de
limpar o chão para os cultivos que virão. Morte é uma parte essencial do ciclo
da vida.” (NOZEDAR, 2010, p. 10, tradução nossa).
Os crisântemos são símbolos solares e suas muitas camadas de pétalas
são comumente associadas à longevidade. De acordo com Nozedar “A flor é
uma mistura ambígua de restrição e exuberância; é uma exibida, mas ainda
mantendo uma certa ordem e formalidade.” (p. 292, tradução nossa)
Já Snapdragons são flores peculiares. Desabrochadas, aparecem
vistosas e em cores variadas. Sua vagem, no entanto, é um tanto incomum:
tem um formato muito próximo de um crânio humano. Compartilhando conosco
esta característica, representa com os crisântemos a própria vida, um momento
efêmero e frágil.
Por fim, a máscara quebrada representa a liberdade absoluta de tudo
aquilo que acumulamos em vida. A máscara do oculto (bem como quaisquer
outras que adotamos) não é mais necessária quando o espírito passa a ser
parte de tudo aquilo que está para além dos olhos. O Ajna, ou o terceiro olho, é
o que crê-se ser o assento da alma. (NOZEDAR, 2010) Livre da máscara
corpórea, observa o universo, talvez pela primeira vez.
49
5. PROCESSO DE PRODUÇÃO
Para a execução das imagens, vários elementos foram levados em
consideração. À medida que a pesquisa teórica avançava, também foram
executadas ilustrações — algumas experimentais e outras que foram levadas
para o tralho final, bem como diversos estudos de personagem e técnica.
Ambas as mídias tradicional (pigmento) e digital (luz) foram usadas para a
execução deste trabalho, sendo a pintura em aquarela escolhida para a mídia
tradicional. As técnicas utilizadas para estas experimentações foram molhado
no molhado, pincel seco, retirada de tinta, molhado no seco, splattering e
utilização de vários materiais para criação de textura. SAI, Photoshop e
Illustrator foram os softwares escolhidos para pintura digital. A pintura digital foi
a escolhida por ser aquela com a qual me comunico e trabalho melhor.
A escolha do artbook como formato final de apresentação se deu a partir de
orientação da banca de TCC I e mostrou-se ser uma boa escolha, uma vez que
permite também a introdução de palavras como mais uma ferramenta para o
auxílio na reflexão da obra, e não somente a imagem, como seria numa
exposição.
Com a pintura digital como foco, a escolha final ficou por um artbook digital,
de forma que o acesso não ficaria limitado a um único local, mas a
possibilidade de impressão do material também não seria perdida, se a
intenção surgisse no futuro.
O layout foi definido de forma que a apresentação dos elementos fosse
simples, direta, e que o foco fosse das ilustrações mais do que das palavras,
uma vez que, embora sirvam de auxílio, não são o ponto principal. Desta
forma, cada ilustração é aberta com um close, seguido da obra completa.
Apesar da simplicidade, há um detalhe de interação da obra com o
expectador introduzido no layout: na parte superior da página de apresentação
está o alfabeto latino completo, e, na parte inferior da página, seu equivalente
em alfabeto Tebano para tradução dos textos que estão nesta língua ao longo
do artbook.
50
O alfabeto Tebano é um sistema de escrita cuja origem é oficialmente
desconhecida, embora um livro chamada Polygraphia — do monge Johanes
Trithemius, publicada em meados de 1518 — atribua sua criação a Honorius de
Tebas, que teria sido um mago da idade média. (NOZEDAR, 2010).
Ainda que fosse utilizado para esconder feitiços e outras informações
mágicas, o fato de cada símbolo representar uma letra significava que qualquer
um que tivesse a lista poderia traduzir seus conteúdos. Ao mesmo tempo, isso
também permitia ao alfabeto Tebano de ser utilizado juntamente a qualquer
língua, contanto que esta não se utilizasse de caracteres especiais.
Por ser um trabalho digital feito para ser observado em meio digital e
não o tradicional, o tamanho não era particularmente uma preocupação.
Todavia, para assegurar a qualidade e uma boa margem de zoom, todas as
ilustrações foram executadas em tamanho A4 (21x29,7cm) a 300dpi, o que
confere às imagens finais a dimensão de 2480x3508pixels.
O padrão de cores segue o digital (RGB), uma vez que os arquivos
criados pelo InDesign em PDF (Portable Document Format) interativo, que,
diferente de PDFs para impressão, não suportam o padrão de impressão
(CMYK) — que por sua vez, não possui todas as cores disponíveis no
ambiente digital por ser próprio para utilização de pigmento, e não luz.
51
6. INFLUÊNCIAS
A execução deste trabalho não seria possível sem referências, e durante
a o levantamento iconográfico houve artistas que influenciaram o processo ou o
resultado dos estudos direta ou indiretamente.
Embora sejam artistas que tenham estilos completamente diferentes (ou
sequer lidem com artes visuais diretamente, como é o caso de Neil Gaiman), o
sentimento de mistério inerente às suas obras os tornaram fonte de inspiração
para a pesquisa e desenvolvimento, e, apesar de muitos artistas terem sido
observados, alguns se sobressaíram com relação ao trabalho. Seus campos de
atuação são diversos, sendo alguns artistas plásticos (como é o caso de James
Jean), outros ilustradores, quadrinistas, escritores ou mesmo concept artists.
6.1 James Jean
Um dos primeiros artistas que exerceram influência imediata foram
James Jean. Foi através dos trabalhos deste artista plástico taiwanês que
percebi que as bruxas podem estar ao nosso redor: seu trabalho de
representação das personagens de contos de fadas (dentre as quais se
encontram algumas bruxas) para a revista Fables são visualmente um deleite,
mas, também, falam muito sobre esses personagens fictícios.
52
Às vezes de forma forte e explícita, como Sons of Empire (fig. 10), em
que Jean coloca João (De João e Maria) afogando duas bruxas durante o
período de histeria da Inquisição, ou por vezes de forma aparentemente suave,
porém reflexiva, como é o caso de Legends in Exile (fig. 11), em que Baba
Yaga — a famigerada bruxa do folclore russo que assava pessoas para comer,
preferencialmente crianças (GUILEY, 2008) —, com aparência frágil de
senhora idosa e com expressão gentil, serve chá para outros seres mágicos
em sua casa cuidadosamente trancada, James Jean sempre coloca o
observador em posição de reflexão: o que são esses personagens, quem são
em sua essência? São realmente aquilo que acreditamos ou são, em realidade,
algo completamente diferente?
Fig. 11 -James Jean, Legends in Exile, 2001, Óleo sobre painel de madeira 18x24”.
Fig. 10 -James Jean, Sons of Empire, 2007, grafite, acrílica e digital, 20x30”.
53
6.2 Brom
Brom é um ilustrador norte americano especializado em fantasia
sombria, um sub-gênero da fantasia que foca em temas assustadores, e uma
característica muito particular do seu trabalho é que suas bruxas e figuras
mágicas femininas são, em sua maioria, todas inspiradas em sua esposa (e
também artista) Laurie.
Foi a partir deste detalhe que testei criar bruxas a partir de pessoas que
conhecia, e, também graças a isso, que percebi o problema discorrido no
capítulo 3 deste projeto.
Não só pelo método testado ele merece o crédito, no entanto. As obras
de Brom possuem um equilíbrio entre o sombrio e o delicado, e suas
personagens conseguem passar de amáveis e gentis a tenebrosas com muita
fluidez, um elemento que também busco introduzir no meu próprio trabalho e
que ele faz com aparente facilidade.
Fig. 13 – BROM, Witch Fire, p1997, Oleo sobre tela.
Fig. 12 – BROM, Morgan Le Faye, 2011, Oleo sobre tela.
54
É possível observar esta característica nas obras Witch Fire (Fig 13), em
que a figura central invoca um ser demoníaco, mas tanto sua expressão quanto
sua paleta de cores é fria e pouco ou nada ameaçadora.
Em Morgan Le Faye (Fig 12), em que pinta a famosa personagem
mágica, no que parece ser o momento de um ritual. Sua figura é serena e de
entrega com os braços abertos, mas o fundo apresenta figuras enforcadas,
espadas fincadas no chão como lápides e um corvo cantando, trazendo a
notícia da morte.
6.3 Neil Gaiman
Um artista um pouco diferente dos demais na lista, Neil Gaiman é um
escritor britânico de romances e ocasional roteirista de quadrinhos. Dentre seus
romances mais famosos é possível citar Deuses Americanos, Belas Maldições,
Coraline e Stardust, e, de roteiros para quadrinhos, é mais conhecido pelo que
muitos consideram sua obra prima: a série Sandman.
Venho acompanhando os trabalhos de Neil Gaiman há muitos anos, de
forma que a influência de Gaiman no trabalho se deu de forma natural ao longo
de todo o processo. Sendo uma pessoa muito interessada em mitologia, suas
representações de seres mágicos costumam ser muito naturais, sejam seres
que não sabem de sua relação com a magia, como Shadow em Deuses
Americanos, ou seres antigos e poderosos, como a Outra Mãe em Coraline, ou
Mr Nancy em Deuses americanos.
Não somente isso, o cuidado com o qual Gaiman trabalha suas histórias
torna seus personagens palpáveis e cheios de vida. Em Sandman, um
quadrinho sobre as aventuras e desventuras do personagem folclórico de
mesmo nome, uma das personagens que poderiam ter caído no velho clichê
contemporâneo de melancolia (e que é uma das irmãs mais velhas de
Sandman), a Morte, é uma personagem vivaz e que busca viver apesar de
55
tudo, sempre tentando extrair o melhor da vida para ter uma experiência
completa.
O próprio fato de Sandman ser desenhado por dezenas de artistas
(passando por pencillers, coloristas, arte-finalistas e responsáveis por letreiros)
com estilos e estéticas diferentes, por exemplo, dá à obra um caráter de
multiplicidade para as histórias. A cada novo artista a obra parece se
reinventar, sem jamais perder o aspecto místico inerente do quadrinho.
Já em Coraline, Gaiman trabalha com a magia de forma mais lúdica,
porém, sempre com um toque de questionamento. Em particular, uma cena em
que Coraline conversa com o gato durante o capítulo IV é muito interessante,
em que o gato diz que “gatos não têm nomes”, e, quando perguntado por que,
afirma que é porque as pessoas têm nome por não saberem o que são,
enquanto os gatos têm plena certeza de quem são, tornando inúteis os nomes.
Gatos são criaturas recorrentes nas histórias de Gaiman (tendo inclusive
um conto inteiro para si em Criaturas da Noite), e sempre parecem ser uma
espécie de guarda noturno ou animal naturalmente mágico, detentor de
conhecimentos secretos para os demais seres mundanos, o que lhes confere
um simbolismo parecido àquele do corvo, tratado durante o capítulo anterior.
Em Belas Maldições, a junção da magia com a contemporaneidade, dos
seres mágicos camuflados em pessoas do dia a dia, lidando com seus próprios
problemas enquanto passam despercebidos, ou Deuses Americanos em que o
protagonista se vê envolto em um embate entre antigas e novas divindades
criadas a partir das crenças contemporâneas, ou o medo do esquecimento das
bruxas em Stardust.
Por já acompanhar o trabalho de Gaiman há tanto tempo, não é possível
citar somente uma obra dele que se enquadre na estética que procuro
representar, pois muitas de suas obras se encaixam de uma forma ou outra
com a minha própria visão e influenciaram este projeto já pela longa relação
que tenho com sua obra, fosse pela temática mística, pelos personagens
muitas vezes contemporâneos e inusitados (especialmente quando pensamos
56
em estereótipo para seres mágicos ou praticantes de magia) ou mesmo a
forma como essa temática mística é desenvolvida.
6.4 Outros Artistas
Além dos três artistas citados, é importante lembrar que estes não foram
os únicos artistas consultados durante todo o processo, uma vez que o
levantamento iconográfico é de extrema importância não somente histórica,
mas também visual para o trabalho em questão. Artistas do passado como
Waterhouse, Goya, Tadema, e, em especial, Falero, todos fazem parte das
influências deste projeto graças às suas obras dedicadas ao tema.
De artistas contemporâneos é possível citar Caroline Jamhour,
ilustradora brasileira cujo trabalho tem fortes traços de misticismo, Philip
Jackson, escultor Highlander cujas obras têm forte apelo de mistério e até
mesmo Zhang Jingna, fotógrafa chinesa cujo trabalho evoca uma aura de
pintura quase pré-rafaelita e cuja iluminação foram de grande importância.
Faz-se também necessária uma menção ao canadense Peter
Mohrbacher, um ilustrador surrealista cujo maior projeto é uma série de
representações de anjos cuja estética e utilização de cor foram grandes fatores
ao longo dos estudos e experimentações.
57
7. CONCLUSÃO
Após a pesquisa teórica, é possível concluir que o Oculto, isto é, o
desconhecido, o mistério, é um legado importante para a humanidade, seja por
suas contribuições para o que depois viria a ser o que conhecemos hoje por
ciência, seja por ser herança de culturas do passado ou simplesmente pelo
fascínio que exerce sobre as pessoas até hoje.
Não somente isso, a herança deixada no ocidente pelos séculos de
inquisição é de importância tanto histórica quanto social, uma vez que exerce
ainda hoje influências sobre relações sociais e sobre a própria figura feminina e
como é representada, sobretudo, em situações em que está relacionada ao
mistério e a magia.
Ao longo desta etapa também houveram muitos momentos importantes
de aprendizado, embora nem sempre estes fossem úteis para a pesquisa ou
diretamente relacionados a ela.
A experiência de procurar o significado de diferentes elementos,
descobrir novos signos e símbolos e trabalha-los, fosse no sentido de adaptá-
los ou simplesmente coloca-los e criar ilustrações ao seu redor foi um desafio,
tanto em termos de tempo como de execução. No entanto, os resultados desta
busca pareceram satisfatórios.
Os resultados da ação pedagógica foram igualmente satisfatórios, posto
que a troca de ideias geradas a partir da oficina, bem como as artes, ainda que
não contempladas para a produção deste trabalho, foram uma agradável
adição à produção e fechamento deste trabalho de conclusão de curso.
Por fim, o resgate desse simbolismo representa, portanto, não somente
a busca pela compreensão do passado, mas também a compreensão de
elementos tão fortes e tão humanos, como o tempo, a procura pelo
conhecimento e o medo ou ânsia pelo desconhecido, presentes ainda hoje, sob
a máscara da magia, mas também por outras, como as da ciência, religião e
espiritualidade.
58
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59
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University Press. Agosto 1984. 414pgs.
SHOUKHANOV, Anne H. The American Heritage Dictionary of the English
Language, 3ºed. Houghton Mifflin. 2016. 8652p.
STRONG, Imani G. Jumping the Broom: Myth, Memory and Neo-
Traditionalism in African-American Weddings. MSc. Social Anthropology.
University of Oxford. pp.2-15
TILLMAN, Bryan. Creative Character Design. 1ªEd. Focal Press, Junho 2001.
256pgs.
REFERÊNCIAS VISUAIS
A BRUXA (The Witch). Direção: Robert Eggers. Produção: Daniel Bekerman.
Roteiro: Robert Eggers. Canada. 2015. Duração: 92 minutos
60
A FEITICEIRA (Bewitched). Criação: Sol Banks (1964). Produção: Danny
Arnold’sentertainment, Inc. and Na Ashmont Production.Companhias
Produtoras: Columbia Television e William Asher. EUA:ABC. Brasil: Rede
Excelsior, Rede Globo, Rede Bandeirantes, Rede Record, Rede 21, Rede
Brasil de Relevisão, Nickelodeon, TCM. 1964-1972 (248 episódios). Duração:
30 minutos, Preto e Branco e Colorido. Legendado e dublado.
A LENDA DO CAVALEIRO SEM CABEÇA (Sleepy Hollow). Direção: Tim
Burton.
ABRACADABRA (Hocus Pocus). Direção: Kenny Ortega. Produção: Steven
Haft, David Kirschner. Roteiro: David Kirshner, Mick Garris. EUA 1993.
Duração: 96 minutos
AS BRUXAS DE EASTWICK (The witches of Eastwick). Direção: George
Miller. Produção: Neil Canton, Peter Guber. Roteiro: John Updike, Michael
Cristofer. EUA 1987. Duração: 118 minutos
DA MAGIA A SEDUÇÃO (Practical Magic). Direção: Griffin Dunne. Produção:
Denise de Novi. Roteiro: Robin Swicord, Akiva Goldsman e Adam Brooks
Baseado em Practical Magic de Alice Hoffman. EUA: 1998. Duração: 103
minutos.
ELVIRA: A RAINHA DAS TREVAS (Elvira: Mistress of the Dark). Direção:
James Signorelli. Produção: Eric Gardner, Mark Pierson. Roteiro: Sam Egan,
John Paragon. EUA. 1988. Duração: 96 minutos
Goodrick-Clarke, Nicholas: The Occult Roots of Nazism. Tauris Parke
Paperback. 2005. Pp.17-33
JOVENS BRUXAS (The Craft). Direção: Andrew Fleming, 1996. Roteiro:
Andrew Fleming e Peter Filardi. EUA, 1996. Duração: 101 minutos.
61
ANEXO 1 – PLANO DE AÇÃO PEDAGÓGICA
Área: Arte e ocultismo - Introdução
Tema: O oculto em Arcana e introdução à linguagem das flores
Título: Arcana – Uma exploração artística do oculto
Interdisciplinaridade: Ocultismo
Duração: 8h divididas em dois dias (30 e 31 de maio de 2017) com oficinas de
4h cada
Autoria: Jéssica Mendonça de Moura Gondim
Objetivos:
Esta oficina introdutória tem como objetivo apresentar o processo
criativo por trás do artbook Arcana, produzido como parte do Trabalho de
Conclusão de Curso [TCC] do curso de Licenciatura em Artes Visuais, bem
como introduzir a floritografia e propiciar um momento de criação com a
utilização da mesma.
Metodologia:
Primeiro momento expositivo, através de slides ilustrados para melhor
compreensão do conteúdo seguindo por um segundo momento mais prático,
com a execução de um desenho inspirado pela floritografia e distribuição de
uma lista traduzida com flores e seus significados como apresentados por
Adele Nozedar em Signs & Symbols Sourcebook.
Conteúdo:
Processo criativo
Ocultismo
Floritografia
Referências bibliográficas:
CAVENDISH, Richard. The Black Arts: A Concise History of Witchcraft,
Demonology, Astrology and Other Mystical Practices Throughout the
DUARTE, Janluis, Houve Bruxaria no Brasil?, Revista Ártemis, Portal de
Periódicos Cientítifcos Eletrônicos, Vol2, Julho 2005
62
GUILLEY, Rosemary Ellen. The Encyclopedia of Witches, Witchcraft and
Wicca. 3ªEd. Checkmark Books. outubro 2008. 436pgs.
NOZEDAR, Adele. Signs & Symbols Sourcebook. 2ªED. Metro Books. Nova
York. 2010. 544pgs.
63
ANEXO 2 – RELATÓRIO DAS ATIVIDADES DA AÇÃO PEDAGÓGICA
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE ARTES
CURSO DE LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS
JÉSSICA MENDONÇA DE MOURA GONDIM
Relatório de ação pedagógica
NATAL
2017
64
1. APRESENTAÇÃO
O presente relatório tem como objetivo apresentar a experiência
desenvolvida durante a ação pedagógica obrigatória do Trabalho de Conclusão
de Curso (TCC) do curso de Licenciatura em Artes Visuais da UFRN, no
período de 30 a 31 de maio de 2017.
Os objetivos propostos pela ação foram os de apresentar o processo
criativo da execução artística do TCC Arcana –Uma exploração artística do
Oculto, bem como proporcionar uma experiência de criação a partir da
introdução à floritografia.
O local escolhido para a execução da ação pedagógica foi a sala 27 do
antigo prédio do Departamento de Artes, durante os dias 30 e 31 de maio, das
13 às 17 horas. A organização do conteúdo se deu de maneira a não criar
lacunas na experiência, de forma que a mesma oficina foi oferecida nos dois
dias de apresentação, com uma duração de 4 horas por dia, totalizando as 8
horas necessárias.
2. AÇÃO PEDAGÓGICA
DIA 30 DE MAIO
a. Número de presentes: 2
Ao longo da tarde do dia 30, a exposição do processo criativo gerou um
bom bate-papo através da apresentação de métodos e processos criativos
e como se relacionavam com a introdução de elementos ocultos, bem como
plataformas de arte.
Os presentes mostraram-se interessados ante à apresentação sobre
floritografia, e o momento prático também gerou — além dos desenhos dos
participantes — uma nova discussão sobre formas de aplicação destes
65
novos elementos dentro da arte de forma que fossem significativos e
trouxessem uma nova camada de profundidade às produções.
b. Registo do primeiro dia
66
Dia 31 de maio
a. Número de presentes: 3
Durante o segundo e último dia da ação pedagógica, um dos presentes
do primeiro dia retornou para continuar a produção e discussão do dia
anterior, o que ocasionou a continuação do debate sobre elementos do
oculto e produção durante a exposição do conteúdo e subsequente etapa
de produção.
Mais uma vez, a apresentação da floritografia gerou interesse por parte
dos presentes e também um momento de produção e troca de ideias acerca
do conteúdo.
b. Registro do segundo dia
67
3. CONCLUSÃO
A ação pedagógica proporcionou a oportunidade de permutar
conhecimento e ideias com os presentes a respeito do trabalho e áreas
relacionadas, e, apesar do baixo número de participantes, a produção não
sofreu com isso, sendo possível dar uma atenção mais personalizada a todos
os que compareceram nos dias de ação, sem comprometer o tempo da oficina.
68
ANEXO 3 MATERIAL DE APOIO DA AÇÃO – TRANSCRIÇÃO DE
FLORITOGRAFIA
A seguinte lista apresenta a tradução da tabela apresentada por Adele Nozedar
em Signs & Symbols Sourcebook. 2ªED – pgs 297-301, com nomes vulgares
adaptados para aqueles utilizados no Brasil, quando aplicáveis, para facilitar o
reconhecimento.
ACACIA— Amor secreto, considerado má sorte se dado a uma mulher. AMARANTO—Fé, imortalidade e amor forte AMARYLLIS—Você é apreciado/a, poesia ANÊMONA—Brevidade, “vá embora!” FLOR DE MAÇ×Preferência, coisas melhores por vir, boa sorte ASFÓDELO—Fraqueza, arrependimento e morte ASTER—Delizadeza, um talismã do amor AZALÉIA— “tome cuidado”, temperança, paixão, símbolo chinês de feminilidade BABY’S BREATH (GYPSOPHILA)—Inocência, pureza de coração PERPÉTUA/AMARANTO-GLOBOSO—Benção única, celibato BEGONIA—Cuidado, natureza fantástica CAMPANULA—humildade, constância e gratidão allamanda—ludicidade e riqueza CACTUS—Resistência, “meu coração arde de amor” CAMELLIA—Admiração, perfeição, boa sorte para homens e gratidão Campanula medium—Gratidão LOBELIA CARDINALIS—Distinção CRAVO (Geral)—Fascinação, admiração QUELIDÓNIA-MAIOR—Alegrias futuras HELLEBORUS—Alivie minha ansiedade CRISÂNTEMOS (Gerall)—“Você é um grande amigo”, alegria CLEMATIS—Ingenuidade TREVO—Fertilidade CLOVER (Quatro-folhas)—“Seja meu” CONVOLVULUS— Incerteza, carinho ESCORVINHA—Delicadeza, refinamento PRIMULA VERIS—Rusticidade, graça vencedora, cura, jovialidade, reflexão CROCUS—alegria, “não abuse”, agradecimento CIPRESTE—luto NARCISO (geral)—Respeito, amor não correspondido, “você é o único/a” DÁLIA—Dignidade e elegância, “para sempre teu”, instabilidade MARGARIDA—Inocência, amor leal, pureza, beleza, respeito DENTE-DE-LEÃO—Faithfulness, happiness, love’s oracle DELPHINIUM—De coração grande, diversão ROSA CANINA—Dor e prazer ROSA RUBIGINOSA—Poesia, eu me machuco para me curar ELDERFLOWER—Zelo EUPHORBIA—Persistencia EVERLASTING (HELICRYSUM)—Memória eterna SAMAMBAIA—Magia, fascinação, confiança, abrigo MYOSOTIS—Amor verdadeiro, memórias e lembranças FORSYTHIA—Antecipação DIFITALIS—majestade, juventude FOXTAIL GRASS—brincalhão
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FRÉSIA—inocência, confiança FUCHSIA (escarlate)—Amor confidente, gosto GARDENIA—“você é amável”, amor secreto, pureza, GENTIANA (Closed)—Que seus sonhos sejam bons GERANIUM—Amizade verdadeira, estupidez, loucura GERBERA—Inocência GLADIOLI—Generosidade, “sou sincere”, flor dos gladiadores GRAMA—Amor homossexual ROSA-DE-GUELDRES—inverno CAMPANULA—humildade, aflição VIOLA TRICOLOR/ERVA-TRINDADE—Você ocupa meus pensamentos CALLUNA/URZE/QUEIRÓ(lavanda)—Admiração, solitude CALLUNA/URZE/QUEIRÓ (branca)—Proteção, “seus desejos se tornarão realidade” HELIOTROPE—Devoção HIBISCO—Consumido por amor, beleza delicada AZEVINHO—Defesa, felicidade doméstica, bons desejos ALCEA—Fecundidade CRASSULA OVATA—Sinceridade MADRESSILVA—A ligação do Amor HUCKLEBERRY—Fidelidade, prazeres simples JACINTO (Geral)—Jogos e esportes, imprudência, dedicação a Apolo HYDRANGEA—“Obrigado/a por entender”, frigidez, falta de coração CAPUCHINHO/BICO-DE-PAPAGAIO—Resignação IRIS—“Sua amizade significa tanto para mim”, fé, esperança, sabedoria e valor, “meus parabens” HERA—Amor matrimonial, fidelidade, amizade, afeição JAPONICA—Sinceridade, símbolo de amor JASMIM—Admiração NARCISO—“Me ame”, afeição recíproca, desejo, simpatia KENNEDIA—Beleza Intelectual LADY’S SLIPPE (Orquídia terrestre)—“ganha-me” (no sentido romântico), beleza caprichosa ESPORINHA GIGANTE—Leviandade, um coração aberto, leveza, inconstância LAVANDAAmor, devoção LILÁS (Geral)—Beleza, orgulho LÍRIO (do gênero Calla)—Beleza LÍRIO (Day)—Coqueteria (preocupação em agradar ou seduzir pela aparência), Símbolo Chinês para a Mãe LÍRIO (Geral)—Majestade e honra, pureza de coração LÍRIO (Laranja)—ódio, desgosto LÍRIO DO VALE— Doçura, lágrimas da Virgem Maria, felicidade, humildade LOTUS— Amor afastado, esquecido do passado NIGELLA DAMASCENA—Você me intriga AMARANTO— Desespero sem esperança, sem coração CRUZ-DE-MALTA/PLANTA-MOSAICO—Entusiasmo religioso MAGNOLIA—Nobreza, perseverança MALVA—Beleza Delicada, Doçura CRAVO-DE-DEFUNTO (Comum)—Crueldade, aflição, inveja MANJERONA—Diversão, felicidade RESEDA—“Suas qualidades superam seu charme (físico)”, saúde MIMOSA—Amor secreto HORTEL×Virtude VISCO—“beije-me”, Afeto, dificuldades, planta sagrada da Índia GLÓRIA-DA-MANH×Afeição VERBASCUM—Boa natureza (de caráter) MIRTILO—Amor, diversão, emblem Hebreu de casamento NARCISO—Egoísmo, formalidade
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TROPAEOLUM—Conquista, Vitória em Batalha FOLHAS DE CARVALHO—Bravura OLEANDRO—Precaução GALHO DE OLIVEIRA—Paz FLOR DE LARANJA—Inocência, amor eterno, casamento, fertilidade ORQUÍDIA—Amor, beleza, refinamento, símbolo chinês para muitas crianças, sensibilidade FOLHA DE PALMEIRA—Vitória e sucesso VIOLETAS/AMORESPERFEITOS—alto-astral, “você domina meus pensamentos” PULSATILLA—Despretencioso, “você não tem reivindicações” PASSIFLORA—Fé, fervor religioso PEÔNIA—Vergonha, casamento feliz, compaixão, timidez VINCA— Primeiras lembranças, prazeres da memória, memórias doces PETUNIA— Sua presença me acalma PHLOX— Nossas almas estão unidas, unanimidade PAPOULA (Geral)— Sono eterno, esquecimento, imaginação PAPOULA (vermelha)—Prazer PRIMROSE/OENOTHERA—Não posso viver sem você BRIZA—Agitação LYNCHNIS FLOS-CUCULI—sagacidade RANUNCULUS— Estou deslumbrado com seus encantos RODODENTRO—Cuidado, perigo, sou perigoso ROSA (buquê de noiva)—felicidade ROSA (Natal)—alivie minha ansiedade ROSA (verde)—Sou de Marte ROSA (vermelha)—Amor, eu te amo, respeito, beleza ROSA (chá)—Eu lembrarei, sempre ALECRIM—lembrança HIBISCO-DA-SÍRIA—consumido por amor ROSAS (buquê completamente aberto)—Gratidão ROSAS (coroa ou guirlanda)— Cuidado com a virtude, recompensa do mérito, símbolo do mérito superior ROSAS (Uma úncia aberta)—“Eu realmente te amo”, simplicidade. ARRUDA—piedade, pena SÁLVIA-COMUM— Virtudes domésticas, sabedoria, grande respeito, fidelidade feminina SHAMROCK— Leveza SNAPDRAGON— Mulher graciosa, força GALANTHUS—Esperança, Consolação SOLIDAGO—Sucesso JASMIM DE MADAGASCAR— Felicidade conjugal, desejo de viajar MATTHIOLA INCANA— Ligações de carinho, prontidão, você sempre será linda para mim GIRASSOL—Constância, Devoção LATHYRUS ODORATUS—Separação DIANTHUS BARBATUS— Galantaria PHILADELPHUS—Memória DIPSACUS—Misantropia ARMERIA MARITIMA (ARMERIA)—Simparia BRUGMANSIA—Separação TULIPA (Geral)— Amante perfeito, fama, emblema da flor da Holanda VALERIANA—Acomodação DIONEIA—“pêgo, afinal” (romanticamente) TRIODANIS PERFOLIATA—Lisonja VERBENA—Reze por mim, sensibilidade, encanto VERONICA—Fidelidade VIOLETA—Modéstia, virtude, afeição, firmeza ERYSIMUM— Fiel na adversidade, fidelidade, beleza duradoura WISTERIA—Bem vindo/a
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WITCH HAZEL—Uma magia MADRESSILVA—Amor fraternal YUCCA—Seu até a morte ZEPHYRANTHES—Sinceridade, símbolo de amor ZÍNIA (cores misturadas)—Pensando (em memória) em um amigo ausente
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ANEXO 4 POSTER DE DIVULGAÇÃO DA AÇÃO PEDAGÓGICA
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ANEXO 5 PASSO A PASSO DA PRODUÇÃO DE O TRONO
No primeiro momento, fiz alguns estudos sobre o que eu queria e
especialmente a pose, que foi um pouco problemática por eu ainda não ter
absolutamente certeza do que queria exatamente. Tinha uma ideia geral do
conceito e o feeling da imagem.
Fig. 14 - rascunhos
74
Esse passo é o cerne da criação: rascunhos e mais rascunhos para ter
certeza de que o resultado agradava e só então seguir para a próxima fase.
Em seguida, uma vez que a pose e o conceito estava concluído, é feito o
sketch final da ilustração, tomando cuidado especial com o movimento dos
galhos pois são importantes para a fluidez da imagem.
Uma fez terminado o rascunho final, passei para o computador, aonde
fiz um estudo de valor para ter certeza de como os elementos funcionariam e
quais seriam os principais, mantendo a ideia de todos os elementos terem
movimento para guiar os olhos do observador pela imagem. Aqui entram
algumas escolhas estéticas e também a retirada do cigarro, que não combina
com o personagem.
A mesma coisa acontece com a bandeira: uma vez que comecei a
pintar, pareceu fora de lugar, então foi substituída por um tipo de fenda na
realidade, cujo conceito foi se solidificando ainda mais e o céu noturno passou
a fazer parte, ainda timidamente, da fenda. A massa de gás no universo
Fig. 16 - rascunho final em papel Fig. 15 - Começo da obra digital
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também parecia complementar a árvore, de forma que foi a solução perfeita
para o que eu buscava com a imagem.
Os passos seguintes foram a escolha de cor e refinamento da imagem
até sua forma final. A escolha de tornar todas as áreas próximas do preto uma
parte do universo veio somente perto do fim, e, depois de alguns ajustes e
máscaras, estava finalmente tudo pronto e considerei a obra concluída.
O processo total de produção de O Trono do concept até o produto final
levou aproximadamente duas semanas, sendo o tempo de pintura
aproximadamente 15h.
Fig. 17 - etapas de renderização
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