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UNIVERSIDADE PARANAENSE – UNIPAR
QUESTÕES QUE PODEM SER SUSCITADAS NA DEFESA PRÉVIA
FABIO PRANDINE MOLEIRO
UMUARAMA – PARANÁ2001
FABIO PRANDINE MOLEIRO
QUESTÕES QUE PODEM SER SUSCITADAS NA DEFESA PRÉVIA
Monografia apresentada ao Curso de Ciências Jurídicas na Disciplina de Direito Processual Penal, com requisito para avaliação final, sob orientação do Professor Doutor Miguel Bruno.
UMUARAMA - PARANÁ
2001
COMISSÃO EXAMINADORA
_________________________________
_________________________________
_________________________________
UMUARAMA, ______de_______________de___________
DEDICATÓRIA
Ao meu pai (In memoriam), por
ter sempre me incentivado no
ingresso da vida acadêmica, e à
minha mãe, que da mesma forma
me deu força para que minha
graduação acontecesse.
AGRADECIMENTOS
Registro meu agradecimento a
todas as pessoas que, de alguma
forma, colaboraram para a
realização deste trabalho, em
especial ao Doutor Mazini, que
sempre nos demonstrou um
enorme carinho e zelo no decorrer
deste curso, e acima de tudo a
DEUS, nosso Pai.
RESUMO
O presente trabalho tem por finalidade demonstrará
aos operadores do direito, a devida importância do instituto da defesa prévia
dentro do Direito Processual Penal. Será buscado de uma maneira ampla, o
modo de apresentação da defesa prévia, que na maioria das vezes, o defensor,
a expõe de uma maneira muito sucinta, que se expendida através de métodos
diferentes, poderia resultar na absolvição do defendido. Demonstrar-se-á, que
a defesa prévia, não é simplesmente um momento para a inquirição de
testemunhas, mas também a fase processual onde poderão ser argüidas
exceções, prejudiciais, inépcia da denúncia, que sem dúvida nenhuma
mudaria a essência da ação penal, evitando assim um constrangimento ilegal
do réu, que se absteria de usar o remédio denominado habeas corpus, numa
eventual condenação. Resta pois, concluir, que a defesa prévia quando
certamente articulada, resultaria na economia processual e na contribuição da
extinção da morosidade do judiciário, pois, desta forma, os juizes
conseguiriam ser mais dinâmicos no desenrolar dos processos, não se
sobrecarregando com os mesmos, passível até mesmo de um julgamento mais
justo. Assim, deve o defensor agir de uma maneira ética e extremamente
técnica, pois, somente assim, poderá garantir ao defendido o sucesso no
trâmite da ação penal.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO.........................................................................................08
2. O PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA.......................................................10
3. CONCEITO DE DEFESA PRÉVIA..........................................................14
4. FUNDAMENTO LEGAL..........................................................................16
5. A FORMA DE APRESENTAÇÃO...........................................................19
6. QUESTÕES QUE PODEM SUSCITADAS NA DEFESA PRÉVIA.......21
7. DAS QUESTÕES PREJUDICIAIS...........................................................237.1Conceito e Espécies....................................................................................237.2Efeitos das Questões Prejudiciais...............................................................247.2.1 Questão Prejudicial Obrigatória............................................................247.2.2 Questão Prejudicial Facultativa.............................................................267.3Conseqüência das Questões Prejudiciais....................................................28
8. AS EXCEÇÕES.........................................................................................308.1Conceito e Espécie.....................................................................................308.2Exceção de Suspeição................................................................................328.2.1 Processamento e Efeitos da Exceção de Suspeição..............................348.3Exceção de Incompetência.........................................................................378.3.1 Processamento e Efeitos da Exceção de Incompetência.......................388.4Exceção de Litispendência.........................................................................408.4.1 Procedimentos e Efeitos da Exceção de Litispendência.......................418.5Exceção de Ilegitimidade de Parte.............................................................428.5.1 Procedimentos e Efeitos da Exceção de Ilegitimidade da Parte...........448.6Exceção de Coisa Julgada..........................................................................458.6.1 Procedimentos e Efeitos da Exceção de Coisa Julgada........................46
9. DENÚNCIA...............................................................................................499.1Conceito.....................................................................................................499.2Conteúdo da Denúncia...............................................................................509.3Inépcia da Denúncia...................................................................................55
10.CONCLUSÃO...........................................................................................60
11.BIBLIOGRAFIA........................................................................................62
1. INTRODUÇÃO
O presente estudo tem por finalidade apresentar
alguns aspectos sobre a defesa prévia, mostrando e ao mesmo tempo
esclarecendo algumas peculiaridades deste Instituto do Direito Processual
Penal.
Procurar-se-á definir os Institutos que podem ser
suscitados na defesa prévia, tais como as questões prejudiciais, exceções,
inépcia da denúncia, conceituando e esclarecendo os seus efeitos, que
corretamente usados podem favorecer em demasia o acusado, tornando sua
defesa mais eficiente, facilitando desta forma alcançar o objetivo almejado,
que nada mais é do que livra-lo de um processo criminal ou mesmo da
aplicação da pena pelo Estado-Juiz.
É costume da maioria dos advogados utilizarem a
defesa prévia para, somente, negarem os fatos que são imputados ao acusado
e alegarem que no momento oportuno provarão a sua inocência, bem como
apresentar o rol de testemunhas, isso, quem sabe, em virtude da falta de
tempo ou até mesmo por desconhecimento do instituto da defesa prévia.
A bem da verdade, não é dada a devida importância
à defesa prévia, pois a sua formulação poderá variar em seu conteúdo jurídico
de acordo com a estratégia de defesa escolhida pelo defensor, bem como em
virtude das possíveis falhas processuais, tais como ilegitimidade da parte, a
litispendência, a coisa julgada, gerando efeitos que afetam o processo e
influenciam diretamente no sucesso ou não da defesa.
A pretensão ao realizar este estudo, não é a de
subsidiar meios para se procrastinar o processo, mas sim, a de oferecer uma
visão geral sobre o tema proposto, para os profissionais e acadêmicos que
lerem este trabalho, possam utilizar o instituto da defesa prévia da melhor
maneira possível, para que, conseqüentemente, ofereçam aos seus clientes
uma melhor qualidade na prestação de seus serviços, exercendo com
eficiência e ética a operacionalização do Direito.
Para a realização deste trabalho será utilizada a
investigação bibliográfica como metodologia de pesquisa.
Será destinado um tópico para cada uma das
questões que podem ser suscitadas na defesa prévia, quais sejam as questões
prejudiciais, as exceções e a denúncia. Buscar-se-á da melhor forma possível
conceitua-las e analisar os seus efeitos no processo.
2. O PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA
As regras que norteiam o processo, entre elas os
preceitos atinentes ao método da oralidade, só operam com eficácia no mundo
jurídico quando atendem de maneira imperiosa aos mandamentos da lei
maior.
No processo penal acusatório avulta, em toda sua
plenitude e essência, o direito de defesa, que, na definição de Faustin Hélie1,
“não é um privilégio e tampauco uma simples conquista da humanidade,
mas um autêntico direito originário e, por isso mesmo, inalienável”.
Nesse diapasão a Constituição Federal de 1.988 é
bem clara ao afirmar em seu Art. 5º, inciso LV, que, “aos litigantes, em
processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela
inerentes”, assegurando expressamente o direito à ampla defesa.
O direito de defesa deve ser visto em seu duplo
aspecto: subjetivo, conseqüente na faculdade de, em abstrato, infirmar a
imputação deduzida em juízo; e o objetivo, que conduz à defesa
concretamente exercida, consubstanciada na autodefesa , por meio do
interrogatório, participação da audiência, defesa técnica que consiste no
direito de ser defendido por profissional habilitado e o direito de produzir
provas lícitas, direito de ver estas provas apreciadas e, em suma, influir no
convencimento do julgador.
1 AZEVEDO, Vicente de Paula. Curso de Direito Judiciário Penal. São Paulo, 1.958, v.1, p. 72-73.
Como observa Fernando de Almeida Pedroso2, “em
vista do princípio da isonomia ou igualdade de todos perante a lei, ao réu
confere-se o direito de atuar probatoriamente em face do que alega, em
igualdade de condições com o órgão estatal acusatório. Não fosse assim, o
direito de defesa assumir-se-ia como simples quimera ou fantasia legal,
cuidando-se de mera formalidade e não de efetivo direito”.
Por outro lado, na lúcida visão de Ada Pelegrini
Grinover3, o direito de defesa, fator legitimante da própria jurisdição,
garantido constitucionalmente, apresenta-se sob duas facetas: defesa técnica e
autodefesa “a primeira é, sem dúvida, indisponível, na medida em que, mais
do que garantia do acusado, é garantia da paridade de armas
indispensáveis à concreta atuação do contraditório e, conseqüentemente, a
própria imparcialidade do Juiz”.
Na mesma oportunidade, pondera a ilustre
professora das “Arcadas” que, “a autodefesa, não podendo ser imposta ao
acusado, é renunciável por este, muito embora não se deixe de salientar seu
aspecto de garantia constitucional”.
E nesse mesmo sentido a lição de Rogério Lauria
Tucci4 , quando assevera que, “para ser assegurada a liberdade e, sobretudo
a igualdade das partes, faz-se imprescindível que, durante todo o decorrer
do processo, sejam assistidas e/ou representadas por um defensor, dotado de 2PEDROSO, Fernando de Almeida, Processual Penal, O Direito de Defesa: repercussão, amplitude, limites.
Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 18-193GRINOVER, Ada Pellegrini, As Garantias Constitucionais do Processo. In: Novas tendências do Direito
Processual. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990.4TUCCI, Rogério Lauria, Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro. São Paulo: Saraiva,
1993, p. 110-111
conhecimento técnico especializado, e que, com sua inteligência e domínio
dos mecanismos procedimentais, lhe propicie a tutela de seu interesse e
determine o estabelecimento ou o restabelecimento do equilíbrio do
contraditório”.
Tal entendimento é corroborado pelo Art. 261 do
Código de Processo Penal, in verbis:
ART 261. Nenhum acusado, ainda que ausente ou
foragido, será processado ou julgado sem defensor.
E recentemente, com o advento da Lei nº 9.071/96,
que veda o processo e julgamento à revelia do acusado citado por edital, fica
ressaltada a efetividade desse direito de defesa, que não mais se satisfaz com a
presunção de ciência quanto ao teor da imputação, decorrente de uma citação
ficta e presumida. Essa alteração no Estatuto Processual Penal, conquanto
tenha merecido em nosso País algumas críticas contundentes, constitui uma
proposta consistente de política criminal, que elimina em determinadas
hipóteses, o julgamento in absentia.5
A regra aliás, já vem sendo adotada no direito
estrangeiro, em países como Portugal, França, Bélgica e Luxemburgo, e já há
muito tempo vinha sendo reclamada pela doutrina Pátria.
5 ALMEIDA JUNIOR , João Mendes. O Processo Criminal Brasileiro, 4ª ed. São Paulo: Freitas Bastos,
1.959, v.1, p. 47. A vedação do julgamento à revelia não é uma conquista ou criação moderna
Processualística Penal. No último período do Processo Penal Romano, firmou-se o princípio de que o
acusado não poderia ser julgado à revelia, salvo tratando-se de crimes punidos com penas leves, até o
degredo inclusive, e provada a contumácia, assegurando-se, no entanto, a conservação das provas, sinais e
vestígios do crime.
É certo ainda, que não basta a simples presença do
acusado aos atos do processo e seu acompanhamento por defensor habilitado.
É essencial que se lhe assegure, com tempo razoável, o conhecimento pleno e
prévio da acusação e, principalmente, o direito de entrevistar-se com aquele
que o representará. Só dessa maneira é que se poderá assegurar, em sua
amplitude, o efetivo direito de defesa.
Não se pode conceber, nessa ordem de idéias, a
nomeação de defensores de última hora para a prática de atos tão importantes
dentro do processo, como a produção de prova testemunhal, o que por sinal, já
se tornou rotineiro no dia-a-dia forense.
Esse deletério costume na prática Processual Penal
está intimamente ligado ao sistema eminentemente escrito, neste, como se
sabe, dá-se especial ênfase aos protocolos lavrados na audiência de instrução,
na certeza de que, a posteriori, as partes terão tempo suficiente para analisar o
conteúdo desta ou daquela declaração e formular brilhantes arrazoados.
Se, por um lado esse raciocínio é verdadeiro, por
outro lado a impugnação de determinada assertiva com a audiência encerrada,
é impossível. A valoração dos elementos de convicção introduzidos no
processo resume-se à análise de termos escriturados, com todas as
ambigüidades e defeitos que possam conter.
Assim, a busca da verdade real, que deve decorrer
de uma participação dinâmica e ativa das partes dentro do processo, fica
resumida a uma pesquisa fria, estática e formalista da escrita, num simulacro
de julgamento.
3. CONCEITO DE DEFESA PRÉVIA
José Náufel6 define defesa prévia como sendo “o
conjunto de alegações escritas que o réu, ou seu patrono, apresenta, no
prazo de três dias após o interrogatório, com o fim de demonstrar sua
inculpabilidade, ou justificar o ato delituoso, excluindo ou atenuando a
pena a ele cominada. Na defesa prévia podem ser arroladas testemunhas. A
defesa prévia assinala o fim da fase ordenatória do processo e o início da
probatória”.
A defesa prévia se situa como o ato processual,
através do qual o defensor do réu , no Juízo Criminal, trata de refutar as
imputações contra este feitas, procurando mostrar, ou mesmo demonstrar, a
não culpabilidade do fato tido como delituoso, ou, de outra maneira,
procurando justificar, através de procedimentos preliminares, o seu
comportamento nos acontecimentos, com o objetivo de eliminar ou atenuar a
pena cominada ao delito atribuído na denúncia ofertada pelo Ministério
Público. A finalidade da defesa prévia é apenas a de dizer o réu o que
pretende provar, qual sua tese de defesa.
Julio Fabbrini Mirabete7 afirma que “é na defesa
prévia, entretanto, que deve ser argüida, sob pena de preclusão, a nulidade
por incompetência do Juízo, e ofertada as exceções, conforme dispõe os
artigos 108 e 109 do Código de Processo Penal. É também a oportunidade
para a defesa requerer as diligências que julgar conveniente (Art. 399) e a
juntada de documentos, o que aliás, também pode ocorrer em qualquer fase
6 NÁUFEL, José. Novo Dicionário Jurídico Brasileiro. José Konfino Editor, 1.963.7 MIRABETE, Julio Fabbrini, ProcessoPenal, 8ª ed, rev. e atual. São Paulo: Atlas, 1998, p. 478
do processo (Art. 400). Por fim, no mesmo prazo da defesa prévia, nela ou
em separado, pode a defesa oferecer o rol de testemunhas que deseja
ouvir”.
4. FUNDAMENTO LEGAL
O fundamento legal da defesa prévia está inserido
no Art. 395 do Código de Processo Penal, in verbis:
ART 395. O réu ou o seu defensor poderá, logo
após o interrogatório ou no prazo de 3 (três) dias, oferecer alegações
escritas e arrolar testemunhas.
Trata-se, pois, da primeira intervenção do
denunciado ou querelado num processo penal de pleno e correto
desenvolvimento, constituindo-se em importante peça de todo o seu
processado, essência do início do desenrolar da ação judicial, podendo em tal
intervenção resultar no sucesso ou não do defensor e do seu defendido.
Mas, todavia, a apresentação da defesa prévia é
facultativa, podendo o defensor abrir mão deste ato processual. O que vicia o
processo é o não oferecimento por parte do Juiz, do prazo descrito no artigo
em tela, que conseqüentemente gerará a nulidade do processo conforme
disposto na alínea “e”, inciso III, do Art. 564 do Código de Processo Penal,
que determina que a nulidade ocorrerá no caso de não concessão dos prazos
concedidos à acusação e à defesa.
ART. 564. A nulidade ocorrerá nos seguintes
casos:
...Omissis
III – por falta das fórmulas ou dos termos
seguintes:
...Omissis
e) A citação do réu para ver-se processar, seu
interrogatório, quando presente, e os prazos concedidos à acusação e à
defesa;
...Omissis
Tais prazos não poderão ser suprimidos nem
diminuídos, já que ficam cerceadas, a acusação e a defesa, por lhes faltarem
as oportunidades de manifestação ou pela redução do prazo a elas concedidas.
O Supremo Tribunal Federal8 já decidiu ser “nulo o
Processo Criminal se o defensor do réu não fora notificado para oferecer
defesa prévia, para a audiência de testemunhas e nem intimado para os
demais atos processuais”.
No mesmo entendimento o Superior Tribunal de
Justiça corroborou tal decisão ao afirmar que, “inobstante constituir defesa
prévia, peça facultativa, o Juiz deve, sob pena de nulidade, notificar o
advogado constituído ou dativo para apresentá-la (Arts. 395, 396 e 546 do
Código de Processo Penal)9 .
Deve-se salientar a efetiva importância da defesa
prévia no Processo Criminal, tanto que a lei estabelece a nomeação de um
defensor para apresentá-la, abrindo e assegurando-lhe prazo, após a sua
8 RT 564/4059 RT 709/382
presença nos autos, como se pode observar através do estatuído no artigo 396
e seu parágrafo único, do Código de Processo Penal, in verbis:
ART. 396. Apresentada ou não a defesa, proceder-
se-á à inquirição das testemunhas, devendo as da acusação ser ouvidas em
primeiro lugar.
Parágrafo único. Se o réu não comparecer, sem
motivo justificado, no dia e à hora designados, o prazo para a defesa será
concedido ao defensor nomeado pelo Juiz.
5. A FORMA DE APRESENTAÇÃO
Evidentemente, a defesa prévia, como um ato
formal do Processo Criminal, sendo a primeira intervenção do denunciado em
toda sistemática processual, deverá ser escrita, onde serão formulados os itens
aos quais se reportará o réu, alegando as suas razões fundamentais, onde
exporá, detidamente ou não, os motivos efetivos que o levaram a praticar o
ato pelo qual foi denunciado.
Constará também, desse ato formal, o arrolamento
de testemunhas que, quando da oportuna data designada pelo Juiz do feito,
falarão a favor do denunciado sobre os acontecimentos, atos, omissões,
comportamento, conhecimento e outras informações que tiverem, no sentido
de beneficiarem o réu em todas as direções positivas que objetivem
efetivamente a contraposição à queixa ou denúncia formuladas.
Torna-se extremamente necessário, que o
denunciado forneça ao seu defensor, no momento da defesa prévia, todos os
meios de que tenha conhecimento e que poderão se tornar úteis para a
condução do processo daí por diante, eis que, essa primeira intervenção é
essencial sob todos os aspectos e pontos de vista, uma vez que fornecerão o
suporte jurídico e probatório sobre o qual repousarão exatamente os atos
subseqüentes para a sustentação das teses ou meios que serão usados pelo
defensor, para o bom termo processual, isto é, uma sentença final negativa e
absolutória.
É de grande importância ressaltar, que os meios
fornecidos pelo réu devem ser idôneos e que sintonizem processualmente, no
sentido de refutarem firmemente a peça acusatória. Devem ser arroladas
testemunhas seguras e que tenham conhecimento dos fatos ocorridos, sendo
convincentes em seus depoimentos, agindo com segurança e sem entrave de
qualquer espécie, colaborando desta forma, decisivamente para a construção
da pirâmide que indicará em seu ápice o sucesso real do defensor e do
defendido.
6. QUESTÕES QUE PODEM SER SUSCITADAS NA DEFESA
PREVIA
É bastante comum o advogado, na defesa prévia,
simplesmente refutar os fatos que são imputados ao denunciado, sob a
alegação de que no momento processual adequado provará a inocência do
denunciado, bem como apresentará o rol de testemunhas.
Na verdade, a formulação da defesa prévia poderá
variar em seu conteúdo jurídico, de acordo com a estratégia escolhida pelo
defensor, no caso que lhe for apresentado.
Sob o ponto de vista jurídico, a defesa prévia poderá
ser elaborada contendo, dentre outros, os seguintes fundamentos:
I) a negação da autoria ou do fato de que trata a
denúncia, pura e simplesmente, com o rol de testemunhas, naturalmente se
estas existirem e puderem ser usadas de maneira benéfica para o réu;
II) a negação da autoria ou do fato, com o relato de
causas que objetivem a exclusão e a consistência jurídica do mesmo,
tornando-o insubsistente e frágil, minando, assim, a denúncia, enfraquecendo-
a mesmo na sua essência primeira;
III) a apresentação dos elementos que possam
invalidar ou contribuir de forma decisiva para a diminuição dos efeitos da
responsabilidade do réu perante o fato delituoso em si, ou seja, o
abrandamento, efetivo e seletivo, judicial das alegações denunciadas;
IV) a relação concisa dos fatores excludentes da
responsabilidade criminal, objetivando a formação de meios probatórios que
possam, no decorrer da instrução, contribuir para o alcance final da
absolvição;
V) também poderão ser suscitadas questões
prejudiciais, oferecidas as exceções, alegar a inépcia da denúncia, a extinção
da punibilidade.
7. DAS QUESTÕES PREJUDICIAIS
7.1 CONCEITOS E ESPÉCIES
A palavra prejudicial, derivada do termo
praeiudicium, formada pelo prefixo prae e da palavra judicari, significa,
etimologicamente, julgamento antecipado, aquilo que deve ser julgado antes,
ou aquele processo que deve ser decidido antes de outro processo.
A questão prejudicial é um impedimento ao
desempenho normal e regular do processo, eis que, ela deve ser decidida antes
do julgamento da questão principal, de forma definitiva, no mesmo ou em
outro processo com ela relacionado.
Desta forma, por questão prejudicial deve-se
entender ser ela toda questão de valoração jurídica, seja em sede de Direito
Penal ou de outro ramo do Direito, que deve ser decidida antes da questão
principal, denominada prejudicada.
As questões prejudiciais dividem-se em homogênea,
quando esta pertencer ao mesmo ramo do Direito que a principal, e
heterogênea, quando pertencer a ramo do Direito distinto ao da prejudicada.
Exemplo clássico desta última situação é o da anulação de casamento e crime
de bigamia, onde, caso seja anulado o casamento no cível não ocorrerá o fato
típico do crime de bigamia.
Os efeitos jurídicos das questões prejudiciais
dividem-se em obrigatórias, prejudiciais stricto sensu, e facultativas,
prejudiciais lato sensu, as quais passaremos a estudar.
7.2 EFEITOS DAS QUESTÕES PREJUDICIAIS
7.2.1 QUESTÃO PREJUDICIAL OBRIGATÓRIA
São questões que, necessariamente, dependem de
solução do Órgão Jurisdicional Cível.
Nesses casos o Juiz do Órgão Jurisdicional Penal
deverá, obrigatoriamente, remeter a prejudicial à jurisdição cível e, somente
após a questão ser resolvida em caráter definitivo, através de sentença
transitado em julgado, dará prosseguimento à Ação Penal.
As questões obrigatórias versam sobre o estado civil
das pessoas, e possui fundamento legal no artigo 92 do Código de Processo
Penal, in verbis:
ART 92. Se a decisão sobre a existência da
infração depender da solução de controvérsia, que o juiz repute séria e
fundada, sobre o estado civil das pessoas, o curso da ação penal ficará
suspenso até que no juízo cível seja a controvérsia dirimida por sentença
passada em julgado, sem prejuízo, entretanto, da inquirição de testemunhas
e de outras provas de natureza urgente.
Parágrafo único. Se for crime de ação pública, o
Ministério Público, quando necessário, promoverá a ação civil ou
prosseguirá na que tiver sido iniciada, com a citação dos interessados.
É necessário que a prejudicial verse sobre a
existência da infração penal, tornando-a dependente daquela, devendo a
dúvida ser séria e fundada, como prevê a lei, e não apenas um meio de
procrastinar o processo ou provocar tumulto processual, cabendo ao juiz
criminal analisar a questão, decidindo se há ou não motivo para a
controvérsia.
Aceita a prejudicial, o juiz determinará, ex officio,
ou a requerimento das partes, a suspensão do processo, nos termos do artigo
94 do Código de Processo Penal, sendo que, neste período de suspensão não
ocorrerá a prescrição, como dispõe o Art. 116, inciso I, do Código Penal, in
verbis:
ART 116. Antes de passar em julgado a sentença
final, a prescrição não corre:
I – enquanto não resolvida, em outro processo,
questão de que dependa o reconhecimento da existência do crime;
...Omissis
Em seguida remeterá as peças do processo ao juízo
cível para que possa ser solucionada a questão controversa.
É importante ressaltar que, à luz do Art. 92 do
Código de Processo Penal, não basta que a questão seja solucionada no cível,
mas sim, que esta transite em julgado.
Após o trânsito em julgado da prejudicial, a parte
interessada requererá a juntada ao processo crime da certidão da sentença do
juízo cível, dando-lhe andamento. Todavia, tal atitude não é privativa das
partes, podendo o próprio juiz requisitar tal certidão ex officio.
Da decisão que não acolher a prejudicial não caberá
recurso, ao passo que, da decisão que determinar a suspensão do processo
caberá recurso em sentido estrito.
7.2.2 QUESTÃO PREJUDICIAL FACULTATIVA
Ao contrário da prejudicial absoluta, a facultativa
relaciona-se ao próprio Direito Penal ou ao Direito Civil, contudo, se faz
necessário que a matéria se refira à existência de infração penal, ou seja, que
afete a qualificação jurídico-penal do fato abjeto do processo, sem a qual não
será caracterizada a prejudicial.
A matéria é regulada pelo artigo 93 do Código de
Processo Penal, in verbis:
ART 93. Se o reconhecimento da existência da
infração penal depender de decisão sobre questão diversa da prevista no
artigo anterior, da competência do juízo cível, e se neste houver sido
proposta ação para resolvê-la, o juiz criminal poderá, desde que essa
questão seja de difícil solução e não verse sobre direito cuja prova a lei civil
limite, suspender o curso do processo, após a inquirição das testemunhas e
realização das outras provas de natureza urgente.
§ 1º. O juiz marcará o prazo da suspensão, que
poderá ser razoavelmente prorrogado, se a demora não for imputável à
parte. Expirado o prazo, sem que o juiz cível tenha proferido decisão, o juiz
criminal fará prosseguir o processo, retomando sua competência para
resolver, de fato e de direito, toda a matéria da acusação ou da defesa.
§ 2º. Do despacho que denegar a suspensão não
caberá recurso.
§ 3º. Suspenso o processo, e tratando-se de crime
de ação pública, incumbirá ao Ministério Público intervir imediatamente na
causa cível, para o fim de promover-lhe o rápido andamento.
Nos termos do artigo em tela, o juiz, caso verifique
a necessidade de se suspender o processo para solucionar a prejudicial,
marcará o prazo da suspensão, que pode ser razoavelmente prorrogado, se a
demora não for imputada à parte.
Expirando o prazo, sem que o juiz do cível tenha
proferido decisão, o juiz criminal deverá prosseguir o processo, retomando a
sua competência para resolver, de fato e de direito, toda matéria da acusação e
defesa.
Na hipótese de suspensão do processo, como ocorre
na prejudicial obrigatória, não se opera a prescrição. Ao contrário do que
ocorre com a prejudicial obrigatória, não há necessidade de que a sentença
transite em julgado para que cesse a suspensão o processo crime, bastando
apenas que o juiz profira a decisão.
7.3 CONSEQUÊNCIA DAS QUESTÕES PREJUDICIAIS
A responsabilidade penal, em regra, independe da
civil, possibilitando-se maior liberdade ao juiz criminal na busca da verdade
real.
Contudo, a lei estabelece regras para que se possa
evitar decisões desarmônicas sobre o mesmo fato, o que enfraqueceria a
Justiça na sua dignidade e no seu prestígio, criando para as partes um estado
de insegurança e contradição.
Ocorrendo a prejudicial obrigatória ou relativa,
quando o juiz extrapenal soluciona a questão em definitivo, com autoridade
de coisa julgada, esta decisão impõe-se à Justiça Penal, devendo o juiz penal
acatar o decidido pelo juízo cível, em razão da competência ratione materiae.
Caso, na hipótese da prejudicial relativa, o juiz
penal chamar para si a solução da prejudicial e vier a proferir sentença
condenatória e, vindo futuramente a mesma questão ter solução diversa em
sede própria civil, desaparecerá um dos requisitos constitutivos do crime pelo
qual se acha condenado o réu.
Argüida a prejudicial na defesa prévia há que se
ressaltar seus efeitos.
Em relação às questões prejudiciais obrigatórias,
deverá o juiz determinar a suspensão do processo até que a controvérsia seja
solucionada em sede civil, devendo, obrigatoriamente, a decisão estar
dirimida por sentença passada em julgado. Ocorre também a suspensão da
prescrição, bem como da pretensão punitiva do Estado.
A questão da obrigatoriedade de suspensão do
processo até que seja solucionada a prejudicial, se dá em virtude de caso o
juiz não suspenda o processo ou não aguarde a sua decisão definitiva, nula
será a decisão proferida no processo criminal, cabendo nesta situação, habeas
corpus por ausência de justa causa, como também o recurso de revisão, por
surgirem fatos novos que indiquem a inocência do condenado.
Já em relação à prejudicial facultativa, também há a
suspensão do processo, só que neste caso a suspensão terá um prazo
determinado pelo juiz, que poderá prorrogá-lo .
Expirado o prazo, sem que haja sido proferido uma
decisão no juízo cível, o juiz criminal possui o poder de retomar o andamento
do processo, assumindo a solução de toda a matéria.
8. AS EXCEÇÕES
8.1 CONCEITO E ESPÉCIE
A palavra exceção, do latim exceptio, adquiriu
durante a evolução do direito processual, três conceitos diversos. No direito
romano, em um sentido mais amplo, era através da exceção que o réu se
defendia: “reus in excepione actor est”, o réu, com a exceção, torna-se autor.
Em um sentido stricto sensu, a exceção é a alegação da defesa, que se funda
tanto no direito como em fatos capazes de paralisar a pretensão punitiva, isto
é, ela é a própria pretensão do réu, pois, é através das exceções que o réu
deseja livrar-se da pretensão do autor. Por fim, num sentido ainda mais stricto
sensu, a exceção é o meio pelo qual se manifesta pela ausência de uma das
condições da ação ou de pressupostos processuais.
As exceções são defesas indiretas contra a ação, e
principalmente contra o processo, que atacam sua validade e seu
desenvolvimento regular, antecipando-se ao julgamento do mérito, onde se
apurarão as questões de direito material.
São indiretas porque o réu sem negar o fato ou a
autoria, evoca em seu prol, uma circunstância que neutraliza a pretensão
punitiva. No mesmo sentido, José Frederico Marques10 recorda que o Código
de Processo Penal conceitua exceções como sendo “defesas prévias de ordem
10 MARQUES, José Frederico,Elementos de Direito Processual Penal, Campinas, Bookseller, 1997, v. 2, p.194.
processual que o réu pode alegar logo após o interrogatório com
impeditivas da constituição da relação processual”.
Na verdade, as exceções no processo penal não são
exceções propriamente ditas, mas simples objeções, à medida que podem ser
de ofício conhecidas pelo juiz, independente de provocação da parte, ou
mesmo por meio de procedimento em apartado.
Vicente Greco Filho11 define o instituto das
exceções como sendo “procedimentos rituais em que se invocam essas
matérias, as quais, porém, podem ser apresentadas como simples objeções,
ou seja, independentemente de procedimento próprio, por simples alegação
nos autos, mesmo porque podem ser conhecidas de ofício. O Código de
Processo Civil distinguiu bem as exceções de objeções, devendo estas ser
apresentadas em preliminar de contestação. No Processo Civil, exceções
propriamente ditas, são apenas de incompetência relativa, suspeição e
impedimento...”
Quanto aos efeitos das exceções, estes podem ser: a)
dilatórios (Art 95, incs. I, II e IV do Código de Processo Penal) quando a
defesa visa procrastinar, prorrogar o curso do processo ou atacando
diretamente às partes, visam transferir o seu exercício; b) peremptórios (Art.
95, incs. III e V do mesmo Codex) quando põe termo à ação.
De maneira geral, a argüição das exceções constitui
incidente processual próprio da defesa. As exceções vêm previstas no Art. 95,
incisos I a V, do Código de Processo Penal, in verbis:
11GRECO FILHO, Vicente, Manual de Direito Processual Penal. São Paulo, Saraiva, 1991, p. 156
ART. 95. Poderão ser opostas as exceções de:
I - suspeição;
II - incompetência de juízo;
III - litispendência;
IV - ilegitimidade de parte;
V - coisa julgada.
8.2 EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO
A exceção de suspeição, prevista no inciso I, do Art.
95 do Código de Processo Penal, assenta na falta de imparcialidade do juiz. O
juiz deve ser imparcial, pois, como órgão que proclama o direito, não se
poderia aceitar como justa a decisão proferida por juiz não imparcial. Diz o
Art. 254, do Código de Processo Penal, in verbis:
ART. 254. O juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o
fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes:
I - se for amigo íntimo ou inimigo capital de
qualquer deles;
II - se ele, seu cônjuge, ascendente ou
descendente, estiver respondendo a processo por fato análogo, sobre cujo
caráter criminoso haja controvérsia;
III - se ele, seu cônjuge, ou parente,
consangüíneo, ou afim, até o terceiro grau, inclusive, sustentar demanda ou
responder a processo que tenha de ser julgado por qualquer das partes;
IV - se tiver aconselhado qualquer das partes;
V - se for credor ou devedor, tutor ou curador, de
qualquer das partes;
VI - se for sócio, acionista ou administrador de
sociedade interessada no processo.
A suspeição que pode ser reconhecida pelo juiz a
qualquer tempo, decorre do princípio de que a lei deve colocar à frente da
causa juiz imparcial, de ânimo isento e sem interesse no desate da questão.
As exceções de suspeição constituem matéria de
direito estrito, põem dúvida a capacidade de isenção e serenidade no
julgamento. “As causas de suspeição do juiz são taxativamente estabelecidas
na lei, não estando ao capricho das partes nem comportando interpretação
extensiva e analógica”12.
A suspeição não deve decorrer de simples receio da
parte ou antipatia pelo juiz. Deve sim, necessariamente, se fundar em motivos
lógicos, as razões hão de ser claras, precisas e induvidosas. Nesse sentido já
se pronunciou a 1ª Câmara Criminal do TACrim/SP13, em acórdão unânime,
que “as causas de argüição de suspeição devem ser nitidamente indicadas,
para que o magistrado possa sobre elas se manifestar”.
Dessa forma, a exceção de suspeição é argüida com
o escopo de se recusar o juiz sempre que as partes entendam haver motivo que
o impeça de realizar um julgamento justo e imparcial ou, por outro lado,
quando existam motivos relevantes para suspeitarem de sua isenção em
decorrência de interesses ou sentimentos pessoais, sendo que a suspeição
12 TJMG, Jurisprudência Mineira 44/60713 Jurisprudência Penal e Processual Penal, v.10, p. 321, n. 12879
poderá ser levantada em qualquer fase do processo, aliás, diz Eduardo
Espínola Filho14 que “...nem sempre o impedimento ou a suspeição existe,
ou é conhecido da própria pessoa, quando se instaura a ação penal, ou se
requer uma medida preventiva ou assecuratória. Há casos em que o
impedimento ou a suspeição só se apresenta ou vem à ciência das pessoas
afetadas ou interessadas quando já em curso o processo. Então, deve o
impedido ou suspeito declarar-se tal, de ofício, logo que saiba de sua
situação e, se não o fizer, cumpre à parte interessada levantar a exceção,
imediatamente”.
8.2.1 PROCESSAMENTO E EFEITOS DA EXCEÇÃO DE
SUSPEIÇÃO
A exceção de suspeição poderá ser afirmada
espontaneamente pelo juiz, sem que, contudo, haja provocação das partes. Se
existir motivo legal que leve o juiz a perder sua imparcialidade, é natural que
ele próprio se abstenha de praticar qualquer ato no processo, antes que
qualquer das partes invoque a exceção.
Com base no artigo 97 do Código de Processo
Penal, o juiz, caso se abstenha, deverá faze-lo por escrito, fundamentando a
decisão que o motivou, in verbis:
ART. 97. O juiz que espontaneamente afirmar
suspeição deverá fazê-lo por escrito, declarando o motivo legal, e remeterá
imediatamente o processo ao seu substituto, intimadas as partes.14ESPÍNOLA FILHO, Eduardo , Código de Processo Penal Brasileiro Anotado, v. II, p. 254, ed. Rio de Janeiro
Logo em seguida os autos serão remetidos ao seu
substituto legal, atendidas as normas de organização judiciária.
Da decisão em que o juiz se declara suspeito não
cabe recurso, contudo, caso o substituto legal do juiz perceba a inexistência
de motivos que impeçam o juiz suspeito de exercer a atividade jurisdicional
sob a alegação de suspeição ou não havendo motivo legal que justifique a
abstenção, nada impede que o juiz substituto comunique os fatos aos órgãos
censórios da Magistratura. De todos os atos serão as partes intimadas, pois,
nada impede que o novo juiz seja considerado suspeito.
Na hipótese do juiz não se julgar espontaneamente
suspeito, poderão as partes argüir a suspeição nos termos do Art. 254 do
Código de Processo Penal.
A argüição de suspeição, caso não venha a surgir
futuramente, deverá ser feita na primeira oportunidade de manifestação no
processo.
É oportunidade ideal para tal, na defesa prévia,
ademais, caso não seja argüida nesta fase processual corre-se o risco de que a
mesma se torne intempestiva.
O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná15 já se
manifestou no sentido de que a suspeição deve ser argüida “no processo
penal logo em seguida ao interrogatório, sob pena de se tornar
intempestiva”.
15 RT 564/365
Ocorre que, como visto anteriormente, após o
interrogatório inicial do acusado lhe é concedido o prazo para a defesa prévia.
A argüição de suspeição deverá ser feita através de
petição, assinada pela própria parte ou pelo procurador, desde que tenha
poderes especiais para a argüição, que deverá acompanhar a petição.
A petição deverá mencionar como excepto o juiz, na
sua pessoa, e não o Juízo ou a Vara Criminal, sob pena de ser tornar inepta.
Constará, necessariamente, na inicial, as razões em
que se funda o pedido de reconhecimento da suspeição, bem como os meios
através dos quais o excipiente pretende prová-la, não se admitindo a juntada
posterior de documentos.
O juiz recebendo o pedido de suspeição poderá ter
duas atitudes. A primeira, pode ele reconhecer de imediato a suspeição e
declarar-se suspeito, sustando a marcha do processo, e após a juntada da
inicial ao processo, determinará sua remessa ao seu substituto.
A segunda hipótese se dá quando o juiz não aceita a
suspeição, ocorrendo a situação prevista no artigo 100 do Código de Processo
Penal, in verbis:
ART. 100. Não aceitando a suspeição, o juiz
mandará autuar em apartado a petição, dará sua resposta dentro em 3 (três)
dias, podendo instruí-la e oferecer testemunhas, e, em seguida, determinará
sejam os autos da exceção remetidos, dentro em 24 (vinte e quatro) horas,
ao juiz ou tribunal a quem competir o julgamento.
§ 1º. Reconhecida, preliminarmente, a relevância
da argüição, o juiz ou tribunal, com citação das partes, marcará dia e hora
para a inquirição das testemunhas, seguindo-se o julgamento,
independentemente de mais alegações.
§ 2º. Se a suspeição for de manifesta
improcedência, o juiz ou relator a rejeitará liminarmente.
Julgada procedente a suspeição, tornam-se nulos os
atos do processo a partir do momento em que o juiz se tornou suspeito,
devendo seus atos ser refeitos pelo novo juiz.
8.3 EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA
Trata-se de exceção prevista no inciso III, do artigo
95 do Código de Processo Penal.
Todo juiz tem jurisdição, isto é, pode dizer o direito
no caso concreto. Nem todo juiz, contudo, tem competência para processar e
julgar determinado caso.
Desta forma, incompetente é o juiz quando, de
acordo com as disposições legais, não lhe couber conhecer do processo, no
todo ou em parte, ainda que se tratem de medidas preparatórias ou
preventivas.
A competência pressupõe a jurisdição, mas a
jurisdição nem sempre traduz competência. A competência processual é um
dos requisitos para a validade da decisão, daí por que deverá caber a
declinatória fori em qualquer espécie do processo em que esta possa ocorrer.
Todas as vezes que não forem observados os
preceitos que determinam a competência, ou seja, quando o juiz não tem
jurisdição delimitada para o caso que lhe é submetido, não é permitido ao juiz
conhecer a ação, no todo ou em parte.
Incumbe ao juiz julgar de acordo com a sua
competência, conhecendo o feito quando entende que é competente, e, na
hipótese de não a tê-la, declinar, remetendo os autos ao juiz competente.
A exceptio incompetentiae opera quando o juiz
recebe a denúncia, por ser através desta que se dá início à ação penal.
Ao receber a denúncia, supõe-se que o juiz já
procedeu a análise atenta dos elementos que a compõe, conseqüentemente, a
nulidade do recebimento da denúncia ou queixa torna nulo todo o processo,
porque este ato está colocado no liminar da ação penal.
8.3.1 PROCESSAMENTO E EFEITOS DA EXCEÇÃO DE
INCOMPETÊNCIA
O procedimento da argüição de exceção de
incompetência de juízo, declinatoria fori, é regido pelos artigos 108 e 109 do
Código de Processo Penal, in verbis:
ART. 108. A exceção de incompetência do juízo
poderá ser oposta, verbalmente ou por escrito, no prazo de defesa.
§ 1º. Se, ouvido o Ministério Público, for aceita a
declinatória, o feito será remetido ao juízo competente, onde, ratificados os
atos anteriores, o processo prosseguirá.
§ 2º. Recusada a incompetência, o juiz continuará
no feito, fazendo tomar por termo a declinatória, se formulada verbalmente.
ART. 109. Se em qualquer fase do processo o juiz
reconhecer motivo que o torne incompetente, declará-lo-á nos autos, haja
ou não alegação da parte, prosseguindo-se na forma do artigo anterior.
O legislador ao instituir o termo “no prazo de
defesa” faz alusão ao prazo para oferecimento da defesa prévia, pois, não
sendo suscitada nesta fase processual ocorre a preclusão, ou seja, a
incapacidade de alegá-la em outro momento do processo, operando a
prorrogação da competência, que tornará o juiz exceptio competente para
conhecer o processo, convalidando todos os atos por ele praticados.
Vale ressaltar que, a preclusão, em relação à
competência, só se opera quando se tratar de competência relativa, como por
exemplo a ratione loci, em função do lugar da infração, já que a competência
absoluta, como as referentes à prerrogativa de função, à prevalência das
justiças especiais entre outras, poderá ser alegada em qualquer fase do
processo.
A exceptio incompetentiae poderá ser oposta por
escrito, por petição, ou verbalmente, geralmente no interrogatório do acusado.
Sendo a exceptio incompetentiae alegada, como
deve ser, na defesa prévia, tirar-se-á cópia autenticada, tendo em vista a
determinação legal de que a exceptio deva ser processada em autos separados,
formando-se assim, um processo em separado somente para aquele incidente,
conforme determina o artigo 111 do Código de Processo Penal, in verbis:
ART. 111. As exceções serão processadas em autos
apartados e não suspenderão, em regra, o andamento da ação penal.
Todavia, mesmo sendo a exceptio alegada em tempo
oportuno, a nulidade não abrange todo o processo, anulando-se somente os
atos decisórios do juiz incompetente.
Ao juiz caberá acatar a declinatória, que, após
ouvido o Ministério Público, que neste caso funciona como custus legis,
remeterá os autos ao juiz competente, onde o processo seguirá normalmente.
Dessa decisão caberá recurso em sentido estrito.
Caso haja recusa da exceptio pelo juiz, este
continuará no feito, podendo a parte somente se opor em sede de habeas
corpus ou recurso de apelação. Mas nada impede que o juiz se declare
incompetente ex officio no curso do processo, conforme estabelecido no artigo
109 do Código de Processo Penal.
8.4 EXCEÇÃO DE LITISPENDÊNCIA
Instaurada a ação penal, com o oferecimento da
denúncia e seu conseqüente recebimento, a pretensão deduzida em juízo
deverá ser julgada. A pretensão torna-se pendente de julgamento.
Nesse contexto, a exceção de litispendência é a que
o acusado opõe no processo, evitando desta forma a ocorrência do non bis in
idem, princípio ao qual determina que ninguém poderá ser julgado duas vezes
pelo mesmo fato. Assim sendo, a exceptio visa coibir que corram
paralelamente, dois processos idênticos.
Os elementos que caracterizam a litispendência de
ações podem ser identificados quanto ao pedido, ou seja, a pretensão do autor,
a res petita, que na ação penal é, via de regra, a aplicação de sanção penal.
Também ocorrerá a litispendência quando a causa
de pedir for idêntica, isso é, a mesma razão de fato pela qual o autor pede a
condenação. E, por fim, em razão das partes serem as mesmas.
8.4.1 PROCEDIMENTOS E EFEITOS DA EXCEÇÃO DE
LITISPENDÊNCIA
Ao contrário das exceções de suspeição e
incompetência, na exceção de litispendência não opera a preclusão, podendo o
réu argúi-la a qualquer tempo, perante o juiz que preside o processo
instaurado em segundo lugar.
O procedimento para argüição da exceptio é
regulado pelo artigo 110 do Código de Processo Penal, in verbis:
ART. 110. Nas exceções de litispendência,
ilegitimidade de parte e coisa julgada, será observado, no que lhes for
aplicável, o disposto sobre a exceção de incompetência do juízo.
§ 1º. Se a parte houver de opor mais de uma dessas
exceções, deverá fazê-lo numa só petição ou articulado.
§ 2º. A exceção de coisa julgada somente poderá
ser oposta em relação ao fato principal, que tiver sido objeto da sentença.
Acolhida a exceção, da decisão caberá recurso em
sentido estrito.
Se o juiz não acolher a argüição, não há recurso
específico, mas a litispendência configura constrangimento ilegal, sanável
pela via do habeas corpus.
Caso não haja argüição e a litispendência for
afirmada de ofício pelo juiz, o recurso cabível é a apelação, isto porque,
reconhecida a litispendência há trancamento da segunda ação penal, em
sentença definitiva de natureza processual.
8.5 EXCEÇÃO DE ILEGITIMIDADE DE PARTE
A ilegitimidade de parte, prevista no inciso IV, do
artigo 95 do Código de Processo Penal, é a condição de estar em juízo, a
capacidade ad causam, onde só o titular do direito poderá pleiteá-lo, sendo
vedada a postulação de ação com fundamento em direito alheio.
Existem autores que entendem que a parte ao qual o
legislador faz menção é quanto a capacidade de estar em juízo, ad processum,
para Hélio Tornaghi16 “as exceções de que fala o artigo 95, sem qualquer
sombra de dúvida são pressupostos processuais”. Contudo, a doutrina e
jurisprudência possuem opiniões pacíficas de que a exceção inclui a
ilegitimidade ad causam e ad processum.
Desta forma, tanto a denúncia quanto a queixa
deverão ser rejeitadas em caso de ilegitimidade de parte e falta de condição
exigida pela lei para o exercício da ação penal de forma idêntica, tendo em
vista não haver diferença em não ser o autor titular da ação ou lhe faltar
capacidade processual, pois, a carência de tais requisitos produzirão o mesmo
efeito, qual seja, a nulidade da ação.
A parte há de ser legítima, ter condições legais para
estar em juízo, não bastando a capacidade de exercício de direito ou a
qualidade para figurar como autor. Observa Vicente Greco Filho17 “no caso
de exceção de ilegitimidade de parte, a exceção é peremptória, ou seja, se
procedente a alegação, o processo é totalmente nulo, o qual em nada pode
ser aproveitado”.
Ter-se-á, de igual modo, a ilegitimidade de parte,
quando o procurador do autor ou do réu não tiver os poderes exigidos pela lei
ou se os recebeu de quem não tinha capacidade para conferi-los ou se o
procurador for falso, isto é, se apresentar uma procuração falsa ou revogada, 16 TORNAGHI, Hélio, Instituições de Processo Penal, 1959, v.1, p. 174, ed. Del Rey17 GRECO FILHO, Vicente, Manual de Processo Penal, 1991, p. 158, ed. Atlas
ou que não tem os requisitos legais ou ainda se o procurador não estiver
legalmente habilitado.
8.5.1 PROCEDIMENTOS E EFEITOS DA EXCEÇÃO DE
ILEGITIMIDADE DE PARTE
A exceptio illegitimitatis partis é processada nos
termos do artigo 110 do Código de Processo Penal, utilizando-se, no que
couber, o procedimento da exceção de incompetência de juízo.
Pode ser proposta verbalmente ou por escrito, é
processada em autos apartados e não possui efeito suspensivo.
Não há prazo para a sua argüição, já que a
ilegitimidade de parte pode ser reconhecida a qualquer tempo, inclusive ex
officio pelo juiz.
Reconhecida a ilegitimidade ad causam, após
ouvido o Ministério Público, que como ocorre na exceção de incompetência
funciona como fiscal da lei, o processo é anulado ab initio, ou seja, desde o
princípio, por falta de uma das condições da ação, tratando-se, neste caso, de
nulidade absoluta.
A vantagem de se argüir a exceptio illegitimitatis
partis na defesa prévia, é que esta, se constatada, provocará a nulidade do
processo por se tratar de vício que não se convalida.
Caso a ilegitimidade reconhecida seja a ad
processum, ou seja, a capacidade de postular em juízo, inerente aos
advogados, configurar-se-á nulidade relativa, podendo ser sanada a qualquer
tempo, mediante ratificação dos atos processuais.
Da exceção que reconhecer a exceptio, cabe recurso
em sentido estrito, ao passo que da decisão que reconhecer improcedente a
exceptio não caberá recurso. Mas, todavia, a matéria poderá ser revista em
sede de recurso de apelação ou habeas corpus para o reconhecimento de
constrangimento ilegal decorrente de ilegitimidade de parte.
Sendo a exceptio reconhecida de ofício pelo juiz,
caberá recurso em sentido estrito, tendo em vista que tal despacho equivale ao
de não recebimento da denúncia ou queixa, embora proferido em ocasião
posterior à fase própria.
8.6 EXCEÇÃO DE COISA JULGADA
A exceptio rei judicatae, prevista no inciso V, do
artigo 95 do Código de Processo Penal, se funda no mesmo princípio da
exceção de litispendência de que ninguém poderá ser julgado pelo mesmo
fato duas vezes, non bis in idem.
A coisa julgada penal constitui matéria que foi
controvérsia no juízo penal e se tornou indiscutível pela sentença que a
dirimiu.
A diferença entre a litispendência e a coisa julgada,
consiste no fato de que na primeira há um processo em curso aguardando uma
decisão do órgão jurisdicional, enquanto que na segunda essa decisão já
existe, já transitou em julgado, ou seja, existe uma sentença irrecorrível.
O respeito à coisa julgada se faz necessário em
virtude da necessidade de se preservar as decisões dos órgãos jurisdicionais,
pois, se fosse possível reabrir discussões já definitivamente encerradas com o
selo da coisa julgada, haveria um verdadeiro caos, perturbação da ordem
social, com o conseqüente desassossego geral.
Há a necessidade de se distinguir a coisa julgada
formal da material. A primeira traduz a imutabilidade da sentença no processo
em que foi proferida, é o efeito preclusivo que impede nova discussão sobre o
fato na mesma ação, enquanto que na coisa julgada material há imutabilidade
da sentença que se projeta para fora do processo, ou seja, o juiz de outro
processo está obrigado a respeitar a decisão na medida em que isto lhe é
imposto pela lei.
8.6.1 PROCEDIMENTOS E EFEITOS DA EXCEÇÃO DE COISA
JULGADA
O procedimento para a argüição da exceptio é o
disposto no parágrafo segundo, do artigo 110, do Código de Processo Penal.
Isso significa que não há procedência na exceção
fundada nas questões secundárias, como as prejudiciais, os motivos de
fundamento da sentença, que não integram a questão do fato principal
decidido.
Para Frederico Marques18 esse fato principal “não é
outro que o fato material imputado ao réu, independentemente de sua
qualificação jurídico-penal”. Não é a diversa classificação jurídica suficiente
para afastar a coisa julgada, pois, no direito pátrio, está consagrado o
princípio narra mihi factum, dabo tibi jus, “narra-me o fato, dar-te-ei o
direito”. É imprescindível, porém, assinalar que o fato principal é constituído
da conduta, ação ou omissão, que foi imputada ao acusado e não apenas o seu
resultado. Já se decidiu que a absolvição pelo Tribunal do Júri, da imputação
de autoria material do crime de homicídio não faz coisa julgada impeditiva de
o paciente responder em nova ação penal como participante, por autoria
intelectual, do mesmo crime do qual a autoria material é imputada a outrem.
O legislador não determinou prazo fatal para a
argüição da exceptio, assim sendo, poderá a exceção, em qualquer fase do
procedimento, ser suscitada ex officio pelo juiz ou a requerimento das partes
através de petição ou verbalmente, dependendo a fase processual em que se
encontra o processo, pois, se este se encontrar na instância superior, não se
admite que tal formulação seja verbal.
A vantagem de se argüir a exceptio rei judicatae na
defesa prévia, é que mesmo a exceção sendo processada em autos apartados,
caso seja constada a exceção de coisa julgada, o processo principal será
declarado nulo, extinto sem julgamento do mérito.
Oposta a exceção, deverá ser ouvida a parte
contrária, e, mesmo que se trate de ação penal privada, deverá ser colhida a
manifestação do Ministério Público, como custos legis.
18 MARQUES, Frederico, Elementos de Direito Processual Penal, Rio-São Paulo, Forense, 1961, v.3, p.96/97
A exceptio processar-se-á em autos apartados e não
terá efeito suspensivo.
Da decisão que reconhecer a existência da res
judicata caberá recurso em sentido estrito, contudo, não há recurso específico
do indeferimento, caso em que pode ser novamente argüida como preliminar
de apelação ou em outro recurso, inclusive pedido de habeas corpus. Caso se
trate de decisão ex officio do juiz, caberá recurso de apelação, haja vista se
tratar de sentença com força definitiva que põe termo ao processo.
9. DENÚNCIA
9.1 CONCEITO
A denúncia é o meio pelo qual se inicia a ação
penal, em seu significado técnico processual a denúncia é a peça inaugural da
ação penal, quando promovida pelo Ministério Público, pouco importando ser
a ação penal pública incondicionada ou condicionada à representação da
vítima. Se o Ministério Público inicia a ação penal, este ato vestibular, em que
se formaliza o direito de ação, recebe em nosso direito pátrio o nomem juris
de denúncia.
É a petição inicial, quando se tratar de crime de ação
penal pública, a petição que corresponde àquela do Processo Civil. Nas
hipóteses em que se permite ao ofendido dar início à ação, a sua peça
inaugural toma a denominação de queixa.
Tanto a denúncia quanto a queixa, são peças
indispensáveis, tendo em vista não só promoverem o nascimento da relação
jurídica processual, mas por se tratarem dos meios pelos quais é formulada a
acusação, imputando-se a alguém a prática de uma possível infração penal e
pedindo-se a sua condenação. Devem assim existir, como realidade fática ou
jurídica.
O instituto da denúncia vem expresso no Art. 24 do
Código de Processo Penal, in verbis:
ART. 24. Nos crimes de ação pública, esta será
promovida por denúncia do Ministério Público, mas dependerá, quando a
lei o exigir, de requisição do Ministro da Justiça, ou de representação do
ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.
§ 1º. No caso de morte do ofendido ou quando
declarado ausente por decisão judicial, o direito de representação passará
ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão. (Antigo parágrafo único
renumerado pela Lei nº 8.699, de 27.08.1993)
§ 2º. Seja qual for o crime, quando praticado em
detrimento do patrimônio ou interesse da União, Estado e Município, a
ação penal será pública. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 8.699, de
27.08.1993).
Em virtude do princípio non procedat judex ex
officio ( o juiz não pode dar início ao processo), é natural que o interessado
deva dirigir-se ao Estado-Juiz, invocando-lhe a garantia jurisdicional. Em se
tratando de crime de ação pública, o Estado-Administração, que é parte
interessada, através da denúncia, provoca a atividade jurisdicional.
Desta forma, a denúncia é o ato processual por meio
do qual o Estado-Administração, através do órgão competente, o Ministério
Público, se dirige ao juiz, dando-lhe o conhecimento de um fato que reveste
os caracteres de infração penal e manifestando a sanctio juris ao culpado.
9.2 CONTEÚDO DA DENÚNCIA
A denúncia formalmente em ordem deverá conter:
I) A exposição do fato criminoso, com todas as suas
circunstâncias, que deverá limitar-se ao necessário à configuração do crime e
às circunstâncias que descrevem o fato e que possam influir na sua
caracterização, deverá conter, sempre que possível, a hora, dia, mês, ano e
local em que o crime foi cometido, bem como o modo como foi cometido e os
instrumentos usados. Tais exigências se fazem necessárias, não só para
facilitar a tarefa do magistrado, como também para que o acusado possa ficar
habilitado a defender-se, conhecendo o fato que lhe é imputado
Na denúncia, o órgão do Ministério Público pede a
condenação do acusado. E, para pedi-la, obviamente lhe deve imputar a
prática de um crime. O fato criminoso é a razão do pedido da condenação, a
causa petendi.
Não se concebe, por absurdo, uma peça acusatória,
sem que haja a causa petendi. Para que exista a ação, é preciso que se deduza
uma pretensão, e, ao mesmo tempo, se aponte o seu fundamento, a sua razão
de ser.
Observa-se, contudo, que simples omissão de
qualquer circunstância acidental não tem o condão de invalidar o requisitório,
mesmo porque o Ministério Público, a todo tempo, antes da sentença final,
poderá supri-la, nos termos do artigo 569 do Código de Processo Penal, in
verbis:
ART. 569. As omissões da denúncia ou da queixa,
da representação, ou, nos processos das contravenções penais, da portaria
ou do auto de prisão em flagrante, poderão ser supridas a todo o tempo,
antes da sentença final.
Aliás, o Supremo Tribunal Federal, em acórdão da
lavra do Ministro Edmundo Linz19, afirmou que “a data e o lugar do crime
são requisitos acidentais ... meras circunstâncias do fato ... os quais podem
ser preenchidos depois ...”. Cumpre ainda advertir, na palavra do Ministro
Francisco Campos, que o Código de Processo Penal é infenso ao excessivo
rigorismo formal que dava margem, no Direito anterior, a uma infindável
série de nulidades processuais.
É bem verdade que, sem tais circunstâncias, a peça
inicial da ação penal não está, a rigor, perfeita. Mas, como explica Eduardo
Espínola Filho20 “o que não se justifica é levar o formalismo a ponto de
rejeitar a ação penal, sob o fundamento de inexistência, na queixa ou na
denúncia, daquela ou daquelas circunstâncias”.
Embora a denúncia deva fazer uma perfeita
descrição da conduta do imputado, em se tratando de delito de autoria
coletiva, mormente se nos autos do inquérito não está especificado o modo de
participação de cada um, a jurisprudência tem entendido possa o Ministério
Público fazer uma narração genérica do fato, sem especificar a conduta dos
partícipes, usando no corpo da peça acusatória a expressão “atuando de
comum acordo e identidade de propósito...”.
Tem-se admitido também, a denúncia alternativa.
Assim, quando o Promotor de Justiça, em face das provas colhidas no
19 LINZ, Edmundo, Arquivo Judiciário, 14/127
20 ESPÍNOLA FILHO, Eduardo, Código de Processo Penal Brasileiro Anotado. Rio de Janeiro:Borsoi, 1954, p.420
inquérito, tem dúvida entre duas condutas sobre o qual deva ser imputada,
diz-se, pode ele atribuir ambas ao réu. Assim, por exemplo, na dúvida quanto
a ter havido receptação dolosa ou culposa.
Há por outro lado, entendimento contrário. Nas
Mesas de Processo Penal, realizadas na Faculdade do Largo de São Francisco,
sob a coordenação da Professora Ada Pellegrini Grinover, Juízes do Tribunal
de Alçada Criminal de São Paulo, deixaram assentado na Súmula 1 que “a
acusação deve ser determinada, pois a proposta a ser demonstrada há de ser
concreta. Não se deve admitir denúncia alternativa, principalmente quando
haja incompatibilidade lógica entre os fatos imputados”.
II) A qualificação do acusado, que consiste na sua
individualização, podendo esta ser pelo prenome, nome, apelido, pseudônimo,
idade, estado civil, profissão, filiação. A qualificação do acusado é de suma
importância, haja vista se tratar de qualidade personalíssima, não podendo ser
atribuída a outra pessoa que não a verdadeira culpada. As circunstâncias
qualificadoras devem coincidir com a pessoa do verdadeiro culpado, ao passo
que não sendo possível qualificar o acusado pela forma já indicada, o
Ministério Público poderá apontar os esclarecimentos pelos quais se possa
identificar o acusado.
Tais traços característicos devem ser suficientes
para distinguir o verdadeiro culpado. Se não forem bastante para distingui-lo
das demais pessoas, nenhuma valia terá o requisitório.
Contudo, se o crime for cometido por várias
pessoas, não se podendo de maneira alguma identificar ou apontar os sinais
característicos de alguma delas, nada impede seja a denúncia apresentada
contra os conhecidos, e, posteriormente, se forem aquelas identificadas,
poderá o Ministério Público apresentar outra denúncia contra aqueles que, a
princípio, não eram conhecidos, ou, dependendo da fase em que se encontrar
o processo, fazer um aditamento ao requisitório.
III) Classificação do crime, que nada mais é do que
a indicação do dispositivo legal que descreve o fato criminoso, não bastando a
simples identificação do nomem juris, pois, sob a mesma denominação podem
aparecer crimes diferentes. Configurando tal hipótese, o juiz, ao tomar
conhecimento da peça acusatória, não poderá rejeitá-la sob a alegação de erro
na classificação do crime, tendo em vista não ser este o momento propício
para a apreciação do verdadeiro dispositivo violado, mesmo porque o juiz não
fica vinculado à classificação do crime feito na denúncia. E isto por uma
razão muito simples, o momento oportuno para o juiz apreciar a classificação
do crime e lhe dar a correta qualificação é fixada pelo artigo 383 do Código
de Processo Penal, quando da prolação da sentença, in verbis:
ART. 383. O juiz poderá dar ao fato definição
jurídica diversa da que constar da queixa ou da denúncia, ainda que, em
conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave.
IV) Rol de testemunhas, pois, cumpre ao Ministério
Público provar o fato alegado por quaisquer meios de provas permitidos em
Direito. Contudo, o artigo 399 do Código de Processo Penal, permite ao órgão
do Ministério Público e ao querelante, quando do oferecimento da denúncia
ou queixa, requerer as diligências que julgarem necessárias, in verbis:
ART. 399. O Ministério Público ou o querelante,
ao ser oferecida a denúncia ou a queixa, e a defesa, no prazo do artigo 395,
poderão requerer as diligências que julgarem convenientes.
O citado artigo também faz menção ao prazo para a
defesa requerer diligências, que será o da defesa prévia.
A denúncia deverá preencher certos aspectos
formais. Deve a peça inaugural da ação penal indicar o juiz a quem é
dirigida, ser escrita em vernáculo, conter o pedido de citação do réu, bem
como estar assinada pelo órgão do Ministério Público que tiver atribuições
para funcionar no juízo do qual se invoca a prestação jurisdicional.
Atendidos todos estes requisitos, a denúncia estará
formalmente regular.
9.3 INÉPCIA DA DENÚNCIA
Cabe ao juiz exercer o juízo de admissibilidade da
denúncia, verificando se estão presentes as condições da ação, ou seja, a
possibilidade jurídica do pedido, o interesse de agir e a legitimidade “ad
causam”, bem como o estabelecido no artigo 41 do Código de Processo
Penal, in verbis:
ART. 41. A denúncia ou queixa conterá a
exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a
qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-
lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.
Estabelece o artigo 43 do Código de Processo Penal,
as circunstâncias em que a denúncia ou queixa deverá ser rejeitada, in verbis:
ART. 43. A denúncia ou queixa será rejeitada
quando:
I - o fato narrado evidentemente não constituir
crime;
II - já estiver extinta a punibilidade, pela
prescrição ou outra causa;
III - for manifesta a ilegitimidade da parte ou
faltar condição exigida pela lei para o exercício da ação penal.
Parágrafo único. Nos casos do nº III, a rejeição da
denúncia ou queixa não obstará ao exercício da ação penal, desde que
promovida por parte legítima ou satisfeita a condição.
Ocorre, que em algumas ocasiões faltam alguns
destes requisitos à denúncia, e, infelizmente passam desapercebidos pelos
juízes.
Caberá, então, ao defensor do acusado suscitar a
inépcia da denúncia, e, se for o caso, pedir o arquivamento da mesma ou a
extinção da ação penal sem o julgamento do mérito.
Por outro lado, em se tratando de ações de
procedimentos especiais, podem estar presentes as condições de
admissibilidade da denúncia, mas estar faltando alguns requisitos que não são
indispensáveis no procedimento ordinário, mas o são no especial.
Caso típico é o do estabelecido na Lei nº 9.430, de
27.12.1996, em seu artigo 83, que dispõe sobre a legislação tributária federal,
as contribuições para a seguridade social e sobre o processo administrativo, in
verbis:
ART. 83. A representação fiscal para fins penais
relativa aos crimes contra a ordem tributária definidos nos arts 1º e 2º da
Lei nº 8.137, de 27 de Dezembro de 1990, será encaminhada ao Ministério
Público após proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a
exigência fiscal do crédito tributário correspondente.
Parágrafo único. As disposições contidas no caput
do art. 34 a Lei nº 9.249, de 26 de Dezembro de 1995, aplicam-se aos
processos administrativos e aos inquéritos e processos em curso, desde que
não recebida a denúncia pelo juiz.
Esclarece o citado dispositivo, a necessidade de se
instruir a denúncia dos crimes contra a ordem tributária, com a decisão final
apurada em sede administrativa, haja vista nestes tipos de crimes não se
admitir a produção futura de provas.
A decisão em procedimento administrativo, se faz
necessária em virtude de através desta decisão que se materializará o crime,
ou seja, a supressão ou redução de tributo ou contribuição social, que é o fato
típico dos crimes contra a ordem tributária.
Edmar Oliveira Andrade Filho21 esclarece o tema
dispondo que: “o lançamento tributário é que caracteriza o resultado nos
crimes contra a ordem tributária, porquanto a exigência da exação pode
sofrer diversas vicissitudes até que venha a ser declarada dívida líquida e
21 ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira, RT 740/498
certa” ... “Por tais razões, é livre de dúvidas que a consumação dos crimes
contra a ordem tributária só pode ser afirmada depois de esgotadas todas as
instâncias administrativas de que dispõe o sujeito passivo para discutir a
exação. Isto porque o lançamento tributário, como vimos, pode
perfeitamente ser desconstituído, hipótese em que desapareceria o núcleo
do tipo penal, a supressão ou redução ilegal do tributo ou contribuição”.
Isto posto, caberá ao defensor do acusado levantar a
inépcia da denúncia na defesa prévia, pleiteando ao juiz que a rejeite, nos
termos do artigo 43, inciso III, do Código de Processo Penal, por inexistência
de justa causa para a instauração da ação penal.
Outra circunstância em que a denúncia poderá ser
rejeitada é a prevista na Lei nº 5.250, de 09.02.1967 (Lei de Imprensa), tendo
em vista a referida lei, em seu artigo 43, determinar que a denúncia seja
instruída com prova inequívoca da materialidade do delito, que in casu deverá
ser recorte de jornal ou periódico, fita de vídeo ou k7, in verbis:
ART. 43. A denúncia ou queixa será instruída com
exemplar do jornal ou periódico e obedecerá ao disposto no artigo 41 do
Código de Processo Penal, contendo a indicação das provas que o autor
pretendia produzir. Se a infração penal tiver sido praticada através de
radiodifusão, a denúncia ou queixa será instruída com a modificação de
que trata o artigo 57.
§ 1º. Ao despachar a denúncia ou queixa, o juiz
determinará a citação do réu para que apresente defesa prévia no prazo de
cinco dias.
Omissis ...
§ 3º. Na defesa prévia, devem ser argüidas as
preliminares cabíveis, bem como a exceção da verdade, apresentando-se,
igualmente, a indicação das provas a serem produzidas.
Omissis ...
Ausente a prova exigida pelo artigo supra, é a
defesa prévia o momento ideal para ser argüida a inépcia da denúncia,
extinguindo-se a ação sem o julgamento do mérito.
É de grande importância ressaltar, que o prazo para
a apresentação da defesa prévia é de cinco dias e não três como ocorre no
procedimento ordinário, isto vem a provar que se deve ficar atento aos
procedimentos dos processos com rito especial, pois, como visto, cada um
possui a sua peculiaridade que poderá causar os mais variados efeitos entre as
partes da relação processual.
10. CONCLUSÃO
Como se pôde observar no decorrer do presente
trabalho, a correta utilização do instituto da defesa prévia proporciona ao
advogado meios para subsidiar a defesa técnica de seu cliente, que nada mais
é do que sua obrigação como operador do direito.
Entendemos, que o motivo da não utilização do
instituto da defesa prévia em sua totalidade, se dá em virtude do fato de que
na maioria das vezes o advogado é procurado poucos dias antes da audiência
de interrogatório do acusado, o que não lhe proporciona tempo suficiente para
se aprofundar no caso, motivo pelo qual leva o advogado a protelar a argüição
das exceções, das questões prejudiciais ou da inépcia da denúncia para outra
fase do processo, desde que assim a legislação o permita fazer, pois, caso
contrário, estas se tornarão preclusas, não podendo ser suscitadas em outra
fase do processo, o que certamente prejudicará seu cliente.
Noutros casos, a própria falta de conhecimento da
legislação impede o bom desempenho do defensor, como ocorre nas situações
em que o legislador prevê procedimento especial, em especial nos crimes de
imprensa, regulamentado pela Lei nº 5.250 de 09.02.1967, e na Lei 9.430 de
27.12.1996, que dispõe sobre a legislação tributária federal, as contribuições
para a seguridade social e sobre o processo administrativo, que foram os dois
exemplos estudados, onde o próprio corpo da lei indica os requisitos da
denúncia, que como disposto anteriormente, é a peça que dá início à ação
penal.
Desta forma, desatendidas as exigências legais para
o oferecimento da denúncia, esta se tornará inepta, devendo o advogado
atacá-la na defesa prévia, evitando maiores transtornos para o cliente.
Ademais, o bom uso da defesa prévia ocasionaria,
quando fosse o caso, no término do processo, logo após a primeira
intervenção do acusado, atendendo desta forma o princípio da economia
processual, que ajudaria a desabarrotar os juízes de processos que, bem
administrados, já poderiam estar encerrados, o que certamente também irá
favorecer os operadores do direito.
Não é a defesa prévia instituto processual
dispensável, muito menos de pouca importância, haja vista o próprio
legislador estabelecer que caso o juiz não abra prazo para sua apresentação,
ocorrerá a nulidade do processo. Não é justo para com o cliente, muito menos
ético, que a defesa prévia esteja limitada a um simples texto, que certamente
está gravado na memória do computador, onde só é mudado o seu
endereçamento e o nome das partes e de suas testemunhas.
É obrigação do operador do direito se empenhar na
defesa dos interesses do seu cliente, não o sujeitando ao transtorno de ter
contra si uma ação penal por inabilidade processual de seu defensor.
11. BIBLIOGRAFIA
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Grinover, Antonio Scarance Fernandes, Antonio Magalhães Gomes Filho,
6ª ed, São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1998.
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NETTO, Joaquim Cabral, Instituições de Processo Penal, Belo Horizonte: Del
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TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, Código de Processo Penal
Comentado.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, Processo Penal, 19ª ed., ver. e atual.
São Paulo: Saraiva, 1997
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