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ENSINO JURÍDICO, AUTONOMIA E PEDAGOGIA FREIREANALEGAL EDUCATION, AUTONOMY AND FREIREAN PEDAGOGY
Bruna Carolina Gonçalves Barbosa – bruna.cgb@hotmail.com
Graduanda em Direito – UniSALESIANO/Lins.
Juliano Napoleão Barros – emaildojuliano@gmail.com
Mestre e Doutor em Direito pela UFMG. Professor do curso de Direito do Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium – UniSALESIANO/Lins. Professor do Programa de
Mestrado em Direito do Centro Universitário Eurípedes de Marília – UNIVEM.
RESUMO
O presente artigo pretende discutir a necessária inovação metodológica do ensino jurídico, com destaque para as contribuições que emanam da pedagogia da autonomia, proposta por Paulo Freire. Pretende-se contribuir com o debate, estimular o diálogo docente e discente e estimular futuras investigações sobre a temática. Na realização da presente investigação, optou-se pela utilização de técnica de pesquisa bibliográfica e documental, bem como pela elaboração de banco de dados e a adoção do procedimento de análise de conteúdo.
Palavras-chave: ENSINO JURÍDICO. AUTONOMIA. PAULO FREIRE.
ABSTRACT
In this article, we intend to discuss the necessary methodological innovation of legal education, with emphasis on the contributions that emanate from the pedagogy of autonomy, proposed by Paulo Freire. The aim is to contribute to the debate, stimulate teacher and student dialogue and encourage future research on the subject. We opted for the use of the bibliographical and documentary research technique, as well as for the database production and the adoption of the content analysis procedure.
Keywords: LEGAL EDUCATION. AUTONOMY. PAULO FREIRE.
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O presente artigo pretende discutir oportunidades de inovação metodológica
do ensino jurídico, com destaque para as contribuições que emanam da pedagogia
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da autonomia, proposta por Paulo Freire. Neste propósito, mostrou-se imprescindível
a adoção de um enfoque inter e transdisciplinar, no anseio de superar os riscos de
limitar as conclusões da pesquisa a uma visão unidimensional do problema
abordado.
Na pesquisa em relato optou-se pela predominância de raciocínios dedutivos,
pelo desenvolvimento de pesquisa bibliográfica e documental e pela utilização do
procedimento de análise de conteúdo. Pretende-se contribuir com o debate,
estimular o diálogo docente e discente sobre a temática e estimular futuras
investigações. Em outras palavras, o presente trabalho não possui o escopo de
apontar alguma solução definitiva para a emaranhada crise do ensino jurídico
brasileiro vigente. Ao contrário, o que se almeja é fornecer subsídios para
formulação de diagnósticos e prognósticos plurais, fomentando a reflexão crítica
sobre as diferentes perspectivas pelas quais se vislumbram as alternativas de
enfrentamento e superação do cenário de crise.
2 A PEDAGOGIA DA AUTONOMIA E A (RE)INVENÇÃO DO ENSINO JURÍDICO
É impressionante que a educação que visa a transmitir conhecimentos seja
cega quanto ao que é o conhecimento humano, seus dispositivos,
enfermidades, dificuldades, tendências ao erro e à ilusão, e não se
preocupe em fazer conhecer o que é conhecer. (MORIN, 2000, p. 14)
Como ponto de partida, merecem destaque as grandes expectativas que a
sociedade projeta nos profissionais egressos das faculdades de Direito. Espera-se
muito do bacharel em direito, haja vista o significativo papel atribuído ao advogado e
demais atores do sistema de justiça pela nossa ordem constitucional, diante do
desafio de consolidação do Estado democrático de direito. Daí decorre a crescente
preocupação com a qualidade do ensino jurídico.
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Pesquisa realizada pelo FGV revela que:
Nos últimos anos, tem se ampliado o esforço de estabelecer um diálogo
construtivo entre órgãos reguladores, academia, profissionais e suas
entidades representativas (OAB, AMB, etc.) e mercado para aprimorar a
forma como se pensa e ensina o Direito no país. (GHIRARDI, 2013,
p.03)
No contexto deste diálogo, assume-se o objetivo de estimular educandos e
educadores a pensar a educação jurídica para além das metodologias já utilizadas
em sua práxis, enfatizando os ideais de autonomia, de emancipação e liberdade que
devem pautar tanto a aprendizagem, como as relações jurídicas.
Neste esforço, assume-se a aposta de que a pedagogia de Paulo Freire se
pode dar suporte às reflexões tecidas em busca de uma educação jurídica capaz de
motivar alunos e professores a transcenderem seus próprios limites, as insuficientes
e, por vezes, inadequadas diretrizes curriculares nacionais, bem como as
circunstâncias institucionais que caracterizam seu cenário de atuação. Isto porque,
para Freire, “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para
a sua própria produção ou a sua construção. Quem ensina aprende ao ensinar e
quem aprende ensina ao aprender”. (FREIRE, 2007, p. 22-23).
Não se pode desconsiderar que, com grande frequência, o ensino jurídico se
dá de modo rígido e inflexível, apegado a dogmatismos, o que acaba por conotar à
formação do bacharel em direito caráter tecnicista, distante dos complexos desafios
que irão configurar sua vida pessoal e profissional. Segundo Alfredo Lamy Filho
(1972, p. 04):
[...] a crise no ensino jurídico precedeu as demais: há décadas os
estudantes se queixam de que o ensino é “teórico” que o aprendizado que
lhes é ministrado não os prepara para o desempenho da profissão, seja na
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forma tradicional de advocacia liberal, seja nas formas de assessoria da
administração pública ou da de empresas privadas, seja, ainda, em termos
de cultura geral [...].
Distante da realidade social, o ensino jurídico pouco contribui para o
desenvolvimento das competências necessárias ao êxito do egresso em sua
atuação como jurista e cidadão. Não se pode esperar outra coisa. Se o ensino
jurídico não fomentar o engajamento, o futuro profissional irá reproduzir, em sua
trajetória, a mesma indiferença. Como dispõe Warat:
Assim como o ser criança é um produto da escola, o ser jurista é um
produto das faculdades de Direito. Ninguém pode ser advogado de um jeito
diferente ao escolarizado. É nas escolas de direito onde produzem os
sentidos das sentenças, onde se estabelecem os pontos de conjunção dos
diferentes fragmentos normativos (Jairo Bisol). Passar por esta instrução
deixa muitos advogados formados num conflito desumanizante entre a
autoconsciência e o papel imposto. (WARAT, 2004, p. 432)
Neste contexto, vale frisar que a imprescindibilidade de mudanças no ensino
jurídico, vem ganhando fôlego. Defende-se que o ensino jurídico vá além das salas
de aulas, e enfatiza-se a responsabilidade dos gestores das IES no estímulo de
opções metodológicas que se desvencilhem deste espaço e alcance novos
territórios e experiências. Neste intuito, a proposta freireana defende uma profunda
revisão dos papeis desempenhados pelas instituições de ensino e seus
protagonistas, educandos e educadores. Aqui, a autonomia destes atores é de suma
relevância. Para Freire, a autonomia é o princípio básico da educação.
Pela concepção de autonomia defendida por Freire, a verdadeira
aprendizagem é aquela que transforma o sujeito, ou seja, aquela em que os saberes
ensinados são reconstruídos pelos educadores e educandos e, a partir dessa
reconstrução, os sujeitos envolvidos podem se tornar autônomos, emancipados,
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questionadores e, assim, reconhecerem-se como projetos permanentemente
inconclusos. Daí podem surgir oportunidades para se superar a passividade que
marca a presença dos estudantes nas tradicionais aulas expositivas. Mediante o
empoderamento dos alunos, o processo de aprendizagem passa a ser uma
construção coletiva. “Nas condições de verdadeira aprendizagem, os educandos vão
se transformando em reais sujeitos da construção e da reconstrução do saber
ensinado, ao lado do educador igualmente sujeito do processo”. (FREIRE, 1996, p.
26).
Desta feita, ganha relevo a necessidade de se estimular a autonomia do
educando, bem como o propósito de que o ensino sirva ao desenvolvimento de
competências, que tornem o futuro bacharel apto a solucionar problemas. Como
dispõe Perrenoud,
Favorecer a autonomia e desenvolver competências pressupõe criar um
ambiente desafiador e aberto ao questionamento, um ambiente que instiga
a curiosidade dos alunos, que mobiliza seus conhecimentos, desnuda suas
lacunas e estimula-os a eliminá-las” (PERRENOUD, 2000 apud
MAGDALENA et al, 2003, p. 66).
Desse modo, o professor deve fomentar interrogações, provocar questões a
serem formuladas pelos alunos, contribuir para a superação de seus bloqueios e
assim construir coletivamente um ambiente de respeito recíproco e crítica. Em tal
espaço solidário, todos aprendem com todos. Educador e educando devem trabalhar
juntos, sem a necessidade de autoritarismo ou competitividade. Ambos devem
manter a humildade, que expressa oportunidades de aprendizagem mediante a
valorização recíproca de seus seres, saberes e ignorâncias.
Falar de autonomia no ensino jurídico, estimular sua concreção na formação
dos bacharéis em Direito é extremamente importante. É inadiável a superação do
atual contexto, em que a maior parte das experiências de aprendizagem do Direito
se dá pela adoção de técnicas e métodos que objetivam a memorização e a
reprodução de conceitos e teorias que não colocam o aluno frente a frente com a
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prática jurídica, inserido em situações pertinentes a seu cotidiano pessoal e
comunitário.
As experiências de ensino e aprendizagem que estimulam o educando a
desenvolver esta autonomia contribuem para que o mesmo se identifique como
responsável por suas próprias escolhas, mesmo que existam condicionamentos
empíricos em sua formação. O aluno, ao experimentar a possibilidade de tomar
decisões autônomas, que não sejam descritas como decorrentes de algum
determinismo ou fatalismo, pode se reconhecer como cidadão ético e responsável
diante de suas próprias ações e, assim, sonhar e se engajar nas transformações que
a sociedade necessita.
A ética não poderia ser ensinada por meio de lições de moral. Deve formar-
se nas mentes com base na consciência de que o humano é, ao mesmo
tempo, indivíduo, parte da sociedade, parte da espécie. Carregamos em nós
esta tripla realidade. Desse modo, todo desenvolvimento verdadeiramente
humano deve compreender o desenvolvimento conjunto das autonomias
individuais, das participações comunitárias e da consciência de pertencer à
espécie humana. (MORIN, 2000, p. 17).
Paulo Freire (2007) relata ainda, que a autonomia é um atributo diferenciado
na educação, sendo requisito imprescindível para o desenvolvimento de diversas
habilidades. No contexto do ensino jurídico, a autonomia é condição para a
formação crítica, para o desenvolvimento humanístico e outros requisitos que
compõem a formação acadêmica do bacharel em direito.
Vale lembrar que a autonomia a que se refere Freire não se adquire, ou seja,
não se traduz como realização definitiva ou ponto de chegada. De modo distinto,
configura-se como busca permanentemente inconclusa que deve permear o agir de
educandos e educadores desde o primeiro dia de aula. Freire afirma (2007, p. 107):
“A autonomia, enquanto amadurecimento do ser para si, é processo, é vir a ser”.
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Platão (2015), no mesmo sentido, preconizava que a busca do conhecimento é uma
virtude, por isso o aluno deve buscá-la por toda a vida.
Sob tal premissa, resta patente a necessidade de (re)invenção do ensino
jurídico para que este se torne apto ao desenvolvimento da autonomia de
educadores e educandos. Aulas expositivas, aplicação de provas, inúmeras peças
processuais são insuficientes. A educação bancária, em que o professor deposita
informações em seus alunos, que restam passivos na assimilação do repertório das
ementas é a causa do atrofiamento da autonomia (FREIRE, 1978). Trata-se de
problema que impacta a todos os âmbitos de ensino, não sendo diferente com o
ensino jurídico, que urge se tornar emancipatório.
Carlos Eduardo Moreira (2010, p.145) diz que Paulo Freire vê a emancipação
“como uma grande conquista política a ser efetivada pela práxis humana, na luta
ininterrupta a favor da libertação das pessoas de suas vidas desumanizadas pela
opressão e denominação social”. Por conseguinte, um ensino jurídico emancipatório
se conecta, necessariamente, com a interdisciplinaridade, no desafio de melhor
compreender a complexidade da normatividade que perpassa a vida social. Nas
palavras de Marocco (2014, p. 90):
O Direito não deve ser compreendido como ciência independente, alheia
aos demais ramos do conhecimento humano. Ao contrário, resta
plenamente evidente, nos dias atuais, que o Direito é ciência de caráter
social, profundamente ligado a conhecimentos das mais diversas naturezas,
os quais lhe conferem, muitas vezes, eficácia e universalidade.
3 O PAPEL DO DIÁLOGO E DO AMOR NA TRANSFORMAÇÃO DO ENSINO JURÍDICO E DA SOCIEDADE
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De forma geral, Paulo Freire (2006) propõe que as graduações ensinem o
acadêmico a “ler o mundo” para, assim, serem capazes de transformá-lo. A sala de
aula deve ser local de criticidade, não faz sentido manter a arcaica concepção
bancária de ensino, como ainda se verifica, em regra, em inúmeras faculdades de
Direito. Restritos a assimilação e reprodução de repertórios, os futuros bacharéis
certamente se mostrarão inaptos para o enfrentamento da incerteza e complexidade
que caracterizam o mundo contemporâneo. Morin (2000, p. 16) apresenta uma
sugestão:
Seria preciso ensinar princípios de estratégia que permitiriam enfrentar os
imprevistos, o inesperado e a incerteza, e modificar seu desenvolvimento,
em virtude das informações adquiridas ao longo do tempo. É preciso
aprender a navegar em um oceano de incertezas em meio a arquipélagos
de certeza.
Para tanto, mostra-se essencial o incremento do diálogo entre professores e
alunos, pois assim haverá maior eficácia no processo de aprendizagem, pois tais
atores aprenderão juntos em uma troca de informações em que a sociedade e todos
os envolvidos estarão ganhando com estas transformações do ensino jurídico.
[...] [O] diálogo é a força que impulsiona o pensar crítico-problematizador em
relação a condição humana no mundo. Através do diálogo podemos “dizer o
mundo” segundo nosso modo de ver. Além disso, o diálogo implica umas
“práxis social”, que é o compromisso entre a palavra dita e nossa ação
humanizadora. Essa possibilidade abre caminhos para repensar a vida em
sociedade, discutir sobre nosso “ethos cultural”, sobre nossa educação, a
linguagem que praticamos e a possibilidade de agirmos de outro modo de
ser, que transforme o mundo que nos cerca. (ZITKOSKI, 2010, p. 117)
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Paulo Freire também defende o diálogo como forma de aprendizagem. Em
consonância com sua proposta, o educador, no momento em dialoga com o
educando, deve-se colocar em posição humilde, prezar pela horizontalidade da
relação. Afinal, ninguém sabe tudo e a autoridade não deve se converter em
autoritarismo. Por esta razão, o professor em sala de aula deve ser crítico, inquiridor
e inquieto diante da tarefa de ensinar, que não se confunde com a mera transmissão
de conhecimento (FREIRE, 2007, p. 47).
Em decorrência, o processo de ensino-aprendizagem do Direito deve se
constituir como compromisso entre educandos e educadores alicerçado na própria
humanidade. Angeluci (2012, p. 262) diz:
O Direito não pode ser pensado, estudado, ensinado e aprendido olvidando-
se a pessoa que se encontra em cada uma das mais variadas relações
jurídicas; [...] o Direito deve ser pensado para permitir que as relações
interpessoais sejam experimentadas de forma afetuosa e viva.
Aqui não se ignora a imensa dificuldade de se superar os arcaísmos que
definem o ensino jurídico hoje. Sabe-se o quão difícil é a alteração da forma de
ensinar/aprender do Direito. Para que se obtenha sucesso é necessário que exista
um envolvimento entre todos. É preciso que todos os atores se envolvam e busquem
promover as transformações que os aproximam de um cenário apto a um ensino
jurídico emancipatório e transformador.
Vale lembrar que as mudanças a que a presente pesquisa se refere, não
dizem respeito apenas à alteração de conteúdos, à alteração de tipos de questões
colocadas em concursos e provas bimestrais, muito menos se restringe à mudança
dos currículos que normatizam as instituições. O que se almeja é mudança ampla e
abrangente da metodologia de ensino, para que, mediante a experimentação de
novas opções metodológicas, o aluno protagonize o desenvolvimento de suas
competências e sua autonomia. Afinal, como defende Freire (1979, p. 27): “O
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homem deve ser sujeito de sua própria educação. Não pode ser o objeto dela. Por
isso, ninguém educa ninguém”.
Finalmente, vale destacar que a construção dialógica da autonomia demanda
amor. E aqui, entenda-se por amor, a expressão de aceitação mútua,
comprometimento recíproco com o outro enquanto legítimo e valioso projeto de vida.
Desta feita, o ensino se converte em ato de amor. Segundo Freire, “[...] a educação
é um ato de amor, por isso, um ato de coragem. Não pode temer o debate. A análise
da realidade. Não pode fugir à discussão criadora, sob pena de ser uma farsa. [...]”
(FREIRE, 2005, p.104).
Warat (1997) também tem a mesma percepção em relação à importância do
amor para a realização autônoma do ser humano. Sob um enfoque waratiano, só é
possível a transformação humana se o ser humano estiver apto a amar, ou seja, a
transformação depende “de uma viagem, pelos sentimentos” (WARAT, 1997, p.
219).
Acompanhando Freud, diria que para transformar o estágio atual do mundo
devemos apelar para uma imensa “transferência” amorosa. Enxergar o
processo transferencial como prática política inaugural de uma nova forma
de sociedade de um homem com outras qualidades. Uma dialética do
sujeito e do objeto que de ser incorporado a novas formas que mobilizem
reinvindicações de direitos para o homem: o direito à transferência amorosa.
(WARAT, 1997, p. 19).
4 CONCLUSÃO
O aumento dos cursos jurídicos e a transformação do ensino em um produto
de mercado prejudicaram significativamente a qualidade do ensino superior no
Brasil. Além da má qualidade técnica, há uma má qualidade ética. O ensino jurídico
não prepara cidadãos com perfil humanístico. Almejar um ensino jurídico
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transformador talvez seja uma utopia. Mas utopia no sentido freireano, discurso que
se subdivide em denúncia do que não pode persistir e anúncio de uma nova
realidade possível.
Não são raras as tentativas de reforma do ensino jurídico, mas é indubitável a
persistência generalizada de metodologias arcaicas e ineficientes de ensino. A
análise deste cenário confirma a imprescindibilidade da (re)invenção do ensino
jurídico, tendo o diálogo entre educadores e educandos como o núcleo do qual
irradiarão novas alternativas de fomento de um processo de aprendizagem marcado
pelo compromisso com o contínuo desenvolvimento da autonomia dos sujeitos
envolvidos.
Nesta vertente, o Direito não pode ser compreendido como saber
autossuficiente, mas sim ser reconhecido em si como realidade dialógica, a ser
sempre (re)interpretada mediante perspectivas interdisciplinares, convertendo-se em
uma ferramenta dinâmica, libertadora, que está, a todo o momento em processo de
(re)construção. Em suma, o Direito e seu ensino devem ser percebidos em sua
transitoriedade. Desta feita, ensinar o Direito, não significa simplesmente reproduzir
os dogmas, as teorias, a letra da lei. Ao contrário: a principal função do professor é
problematizar a realidade que o cerca e estimular o questionamento, o senso de
justiça e a responsabilidade dos educandos, para que estes se reconheçam no
papel que devem assumir enquanto cidadãos e profissionais.
A concepção freireana coloca, como meta e condição de possibilidade do
processo de ensino-aprendizagem, o desenvolvimento da autonomia. Assim, almeja-
se estimular o educando a buscar suas próprias conclusões, sempre provisórias,
sobre a legalidade e a justiça. Isso significa dizer que, sob tal paradigma, rompe-se
com as amarras de um ensino marcado por uma sistemática de via única, em que só
o professor é o detentor do conhecimento e o aluno deve ser testado na habilidade
pouco útil de o reproduzir.
Diante da complexidade do objeto desta investigação é certo que a pesquisa
não pretende esgotar as questões atinentes aos desafios de transformação do
ensino jurídico. Ao contrário, pretende-se contribuir com o debate público sobre as
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necessárias inovações que devem ter lugar nas faculdades de Direito, tendo, como
premissa, a convicção na autonomia de educadores e educandos.
Seja qual for a transformação a ser realizada no ensino jurídico, deve ser
levada em consideração a relação entre educadores e educandos. Este vínculo é
fundamental no processo ensino-aprendizagem. Desconsiderado este alicerce,
inexistirá transformação legítima e eficaz. Pois, a liberdade de ensinar e apreender,
prevista na Constituição Federal como valor fundamental, só é alcançada se os
protagonistas do processo ensino-aprendizagem interagirem mediantes atos
cooperativos e dialógicos. Em suma, mediante atos de amor.
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