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RESUMO DO TRABALHO
Trata da evolução e configuração atual do conceito de seguridade social no plano
internacional, bem como da adequação do ordenamento jurídico brasileiro nesse
contexto. Parte da premissa, reconhecida mundialmente, de que a seguridade social
é o instrumental jurídico mais viável para redução de desigualdades e da exclusão
social, examinando os estudos mais recentes divulgados pela Organização
Internacional do Trabalho, como ponto de convergência da experiência internacional
na matéria, dos quais extrai orientações gerais para extensão sustentável da
cobertura de seguridade social em todo o mundo. Investiga então as linhas mestras
da organização do sistema de seguridade social no Brasil, apontando sua
compatibilidade geral com referidas orientações. Detecta, contudo, alguns pontos-
chave dos atuais problemas desse sistema, cuja identificação e tratamento encontra
eco naqueles estudos. Aponta enfim a necessidade de: planejamento, coerência e
transparência no gerenciamento de mecanismos de financiamento; de modelagem
de um regime específico para inclusão maciça de trabalhadores informais; de
integração de políticas assistenciais e de inserção no mercado de trabalho; bem
como de incremento de medidas de prevenção e controle de qualidade no tocante
aos serviços de saúde. Essa visão contribui para consolidar uma teoria geral da
seguridade social brasileira, prevenindo a disseminação de idéias que almejam
retrocessos, em desacordo com as tendências internacionais, assim como esboça
abordagens viáveis para algumas das macroquestões emergentes nessa seara.
3
SUMÁRIO
I - Introdução. .................................................................................. ...........................5
II- A seguridade social como tecnologia jurídica para o desenvolvimento humano ....7
2.1 Evolução da proteção estatal em face dos riscos sociais..................................7
2.2 Surgimento do conceito moderno de seguridade social....................................9
2.3 Extratificação do direito à seguridade social no plano jurídico
internacional.......................................................................................................... 14
III - Receituário para expansão da cobertura nos sistemas de seguridade social
conforme estudos divulgados pela OIT......................................................................16
3.1 Expansão formal da cobertura dos sistemas de seguridade social..............17
3.2 Implantação de benefícios e serviços universais..........................................19
3.3 Implantação de benefícios assistenciais para segmentos hiper
vulneráveis.............................................................................................................21
3.4 Cooperação internacional para implantação de medidas de seguridade
social......................................................................................................................23
3.5 Racionalização dos meios de financiamento da seguridade social...............24
IV - Panorama geral do sistema de seguridade social no ordenamento jurídico
brasileiro.....................................................................................................................28
4.1 Subsistema de serviços de saúde...................................................................29
4.2 Subsistema de previdência social....................................................................30
4.3 Subsistema de assistência social....................................................................32
4.4 Lastro financeiro do sistema de seguridade social..........................................34
V - Alguns pontos-chave da problemática atual da seguridade social no
Brasil...........................................................................................................................37
4
5.1 Planejamento, coerência e transparência dos mecanismos de financiamento
da seguridade social..............................................................................................37
5.2 Estímulo à inclusão previdenciária para trabalhadores do mercado
informal..................................................................................................................43
5.3 Integração de políticas assistenciais e de inserção no mercado de
trabalho..................................................................................................................46
5.4 Busca pela melhoria qualitativa dos serviços públicos de
saúde.....................................................................................................................49
VI – Conclusão...........................................................................................................51
VII – Referências........................................................................................................55
5
I) INTRODUÇÃO:
No momento atual, um dos temas de maior destaque na agenda de
discussões da comunidade internacional é justamente a necessidade de se erradicar
a pobreza extrema que assola diversos agrupamentos humanos em todo o mundo,
bem como de se fomentar o desenvolvimento humano equilibrado numa economia
irreversivelmente globalizada (vide metas do milênio estabelecidas pela Assembléia
Geral das Nações Unidas, visando erradicar a pobreza extrema e a fome no mundo).
Admite-se que o enfrentamento de tais desafios constitui um
pressuposto para a estabilidade nacional e internacional, favorecendo o
desenvolvimento e a paz mundiais.
Restam superadas portanto as falácias, largamente difundidas em
período histórico recente, de que o modelo de Estado fornecedor de prestações
sociais estaria esgotado e de que o crescimento econômico em um ambiente de livre
mercado seriam suficientes para garantir o bem estar de todos. Ao contrário,
constata-se hoje que as medidas estatais de proteção social são essenciais para a
coesão econômica das sociedades modernas.
Nesse contexto, cada vez mais prevalece o entendimento de que a
implementação paulatina do conceito de seguridade social em todo o mundo, a partir
de uma plataforma de consenso e solidariedade internacionais, constitui a forma
mais concreta e viável para se atingir aquele objetivo de modo eficaz e duradouro.
Com efeito, a seguridade social trata-se do produto mais avançado
desenvolvido pela tecnologia jurídica em todo o mundo para ordenação econômica e
social, com vistas a garantir um ambiente de bem–estar em que cada indivíduo
possa contar com os meios indispensáveis ao atendimento de suas necessidades
materiais básicas.
6
Referido conceito resulta da conjugação de diversas experiências para
tratamento das situações de vulnerabilidade material vivenciadas pelo ser humano,
assumindo, por vezes, uma feição aparentemente complexa em razão da
multiplicidade de técnicas e variantes, assumidas em cada país que se propõe a
seguir o respectivo receituário.
Entretanto, a despeito dessa heterogeneidade, é possível se inferir da
análise da sua evolução histórica e do conteúdo de diversos documentos
internacionais produzidos ao longo do último século, que o conceito de seguridade
social no plano internacional atualmente implica a busca por um padrão mundial
igualitário de sobrevivência digna para o ser humano, a ser almejado em cada
recanto do globo (“global social floor”).
A atuação da Organização Internacional do Trabalho1 desponta
atualmente como o ponto de convergência para a busca daquele padrão, razão pela
qual seus estudos, recomendações e normas constituem o parâmetro mais objetivo
para análise da adequação dos sistemas jurídicos de cada país ao emergente
modelo que poderíamos chamar de “seguridade social global”.
Por esse ângulo, podemos afirmar que, desde fins do século XX, a
Constituição Federal Brasileira de 1988 já instituiu um protótipo de sistema de
seguridade social profundamente inspirado nas idéias mais modernas desenvolvidas
no plano internacional acerca da proteção social em face da ausência ou deficiência
dos meios e condições de subsistência.
1 The ILO is the only 'tripartite' United Nations agency in that it brings together representatives of governments, employers and workers to jointly shape policies and programmes. (...) The ILO is the global body responsible for drawing up and overseeing international labour standards. Working with its Member States, the ILO seeks to ensure that labour standards are respected in practice as well as principle. The International Labour Organization (ILO) is devoted to advancing opportunities for women and men to obtain decent and productive work in conditions of freedom, equity, security and human dignity. Its main aims are to promote rights at work, encourage decent employment opportunities, enhance social protection and strengthen dialogue in handling work-related issues. In promoting social justice and internationally recognized human and labour rights, the organization continues to pursue its founding mission that labour peace is essential to prosperity. Today, the ILO helps advance the creation of decent jobs and the kinds of economic and working conditions that give working people and business people a stake in lasting peace, prosperity and progress.(Auto-conceituação extraída do site http://www.ilo.org, Acesso em 29/12/2007).
7
Contudo, a literatura técnica nacional especializada ainda se ressente
de estudos mais aprofundados que ponham em destaque essa realidade, ou seja,
apontando a adequação das linhas mestras do sistema de seguridade social
brasileiro às conclusões de vanguarda dos estudos internacionais acerca dos temas
correlatos, bem como as tendências que podem ser seguidas para seu contínuo
aperfeiçoamento.
É evidente a alta relevância dessa visão do ordenamento jurídico
nacional no contexto internacional, seja para consolidar a interpretação de seus
conceitos e princípios fundamentais (prevenindo-se a proliferação de idéias que
tendem ao retrocesso) seja para lançar luzes sobre alternativas para o futuro (afinal,
a experiência internacional, a despeito das peculiaridades nacionais, constitui
sempre uma valiosa referência).
Neste trabalho, pretendemos introduzir aludida análise teórica da
organização do sistema de seguridade social brasileiro, em cotejo com o parâmetro
de seguridade social global atualmente almejado pela comunidade internacional
organizada, identificando desafios e tendências. Obviamente, em face da
complexidade dessa tarefa e dos limites metodológicos aqui adotados,
restringiremos nosso enfoque às diretrizes gerais do sistema, nas suas três
vertentes, quais sejam: atendimento à saúde, previdência e assistência sociais.
II) A SEGURIDADE SOCIAL COMO TECNOLOGIA JURÍDICA PA RA O
DESENVOLVIMENTO HUMANO
2.1 EVOLUÇÃO DA PROTEÇÃO ESTATAL EM FACE DOS RISCOS SOCIAIS
A História da Humanidade revela, concomitantemente à evolução das
forças produtivas, sob impulso das inovações científicas, o desenvolvimento de
modos de organização econômica e de gerenciamento dos meios de produção que,
a despeito de suas freqüentes distorções, almejam, como finalidade última, atingir
um determinado nível de bem estar e estabilidade sociais.
8
O atingimento desse objetivo, por outro lado, pressupõe
primordialmente mecanismos que promovam a libertação dos indivíduos em relação
às suas necessidades básicas de ordem material. Para a esmagadora maioria dos
indivíduos, tal libertação é alcançada pelo uso de sua força de trabalho e, para
alguns, pelo acúmulo de riquezas. Impõe-se, entretanto, assegurar o atendimento
daquelas necessidades quando o indivíduo não dispõe, por qualquer razão, de
meios próprios para tanto.
Trata-se de uma tarefa com crescente grau de complexidade, que
passou a exigir, ao longo dos séculos, a criação e mobilização de estruturas cada
vez mais especializadas e sofisticadas.
Assim, superada a fase primária de assistência puramente familiar ou
comunitária, o indivíduo passou a recorrer à conhecida técnica securitária
privatística, inserindo-se em organismos criados para auxílio mútuo, tudo isto
visando proteger-se contra possíveis situações futuras de vulnerabilidade
econômica. Por outro lado, a caridade diante dos menos afortunados também
constitui fenômeno imemorial.
O maior salto evolutivo ocorre quando o Estado deixa a postura de
mero ordenador de relações privadas e passa a assumir o papel de fornecedor e
gestor de prestações de caráter social, dentre as quais sobressaem-se aquelas que
visam garantir a sobrevivência do indivíduo em situações de adversidade.
Assume portanto o Estado a assistência aos necessitados (assistência
pública ou social), ao lado das tradicionais iniciativas privadas de caridade, e
implanta seu próprio plano de seguro, este adaptado para uma extrema
coletivização e socialização dos riscos individuais tidos como relevantes para a
sociedade (seguro social)2.
2 O “act for the relief of the poor”, de 1601, na Inglaterra constitui um marco jurídico da assistência social no mundo, enquanto as leis alemãs de seguro doença, seguro de acidentes do trabalho e de seguro de invalidez e velhice, respectivamente de 1883, 1884 e 1889 criam um modelo de seguro social de base profissionalista com fundamento nas idéias sustentadas pelo chanceler alemão Otto Von Bismarck .
9
No âmbito do seguro social, o custeio das prestações faz-se então por
meio de contribuições que lembrariam prêmios de seguro privado, uma vez que,
sendo indexadas aos ganhos normais dos beneficiários, mantêm uma certa
correlação sinalagmática com a cobertura do risco de perda de rendimentos.
Embora inspirado na técnica securitária privatista, o seguro social
apresenta diversas peculiaridades que lhe conferem uma feição própria, mitigando-
se a relação entre risco, prêmio e benefício, própria do Direito Privado. Ora, no
seguro social pode-se imaginar, por exemplo, situações em que o trabalhador é
amparado sem haver dispendido qualquer contribuição, ou havendo contribuído em
níveis bastante reduzidos e desproporcionais ao benefício auferido.
Por outro lado, as medidas de assistência social alcançam indivíduos
em situações de necessidade já implementadas, sem qualquer exigência de
engajamento prévio mediante contribuições, o que também não se coaduna com as
tradicionais categorias do seguro privado.
Enfim, o elemento solidariedade ganha maior intensidade dentro da
rede estatal de proteção, exigindo-se para tanto uma maior participação de receitas
gerais do Estado ao lado das tradicionais quotizações emuladas do modelo
securitário privatístico, as quais, de qualquer forma, permanecem como fonte de
custeio básica para fins de garantir independência orçamentária e de permitir uma
visão mais clara, por parte de gestores e beneficiários, acerca dos custos das
medidas protetivas.
Todavia, tais medidas estatais de proteção social revelam-se, no
princípio, limitadas a um universo restrito de beneficiários, já que o seguro social
assume, de início, uma vinculação a determinadas espécies de relações de trabalho,
sendo que as políticas públicas de assistência social surgem pontuais e
assistemáticas.
2.2) SURGIMENTO DO CONCEITO MODERNO DE SEGURIDADE SOCIAL
10
Desde então, as técnicas de assistência e seguro sociais evoluíram e
experimentaram uma tendência de fusão em busca da ampliação da cobertura da
proteção para indivíduos de outros segmentos da sociedade, ao passo que foram
introduzidos novos tipos de “risco” a serem protegidos (não apenas eventos futuros
incertos e indesejáveis, mas também situações como a maternidade e o nascimento
de filhos), além de se incorporarem métodos preventivos na conformação desses
sistemas3..
Nessa linha de raciocínio, a assistência social estruturada como política
pública passa a suprir as lacunas deixadas pela rede protetiva previdenciária,
justamente em favor daqueles que não dispõem de capacidade contributiva para se
integrar àquela rede securitária. Desse modo, busca-se a ampliação do âmbito da
cobertura da proteção pública, de modo a se difundir um padrão mínimo de bem-
estar para toda a população.
Temos aí o surgimento do embrião do conceito jurídico atual de
seguridade social, sendo que, a despeito das variadas e complexas peculiaridades
dos sistemas ditos de “seguridade social” ao redor do mundo até mesmo quanto às
denominações adotadas na legislação de cada pais (lembre-se que há divergências
terminológicas entre tais sistemas, especialmente em torno da utilização dos termos
seguridade, seguro, previdência e assistência social), é possível se extrair da
evolução histórica das pertinentes medidas de proteção social nos vários países e
nos documentos internacionais editados durante o século XX, subsídios para
identificação do conteúdo genérico daquele conceito.
Corresponderia então a um conjunto de medidas juridicamente
estruturadas pelo Estado para garantir a segurança econômica do ser humano,
considerado como membro da sociedade organizada, diante dos mais variados
riscos existenciais que possam excluí-lo do saudável convívio social,
comprometendo a sua sobrevivência digna.
3 O social security act editado nos Estados Unidos em 1935 já reflete um esboço da idéia de seguridade social, posteriormente desenvolvido pelo Relatório Beveridge, editado na Inglaterra em 1942, para inspirar diversas mudança legislativas naquele país.
11
Os chamados “riscos sociais” abrangeriam situações de necessidade
(mesmo que não futuras e incertas) consideradas relevantes pela sociedade para o
seu próprio equilíbrio, podendo ser enquadrados nas seguintes categorias básicas
(sem prejuízo de ampliações e redefinições ao longo do tempo): desemprego
involuntário, doença, idade avançada, invalidez, morte do provedor do lar, acidente
do trabalho e doenças profissionais, maternidade e elevação de encargos
domésticos.
Esse conceito moderno de seguridade social tem como nota
característica a estruturação integrada de medidas de proteção, de modo a permitir,
ao mesmo tempo, o amparo ao indivíduo em situação de necessidade e a
preparação de seu retorno à vida produtiva, bem como o foco na prevenção de
situações de necessidade.
Nessa linha de raciocínio, a Associação Internacional de Seguridade
Social4 (Organismo internacional que congrega instituições de seguridade social de
todo o mundo) vem propugnando pela adoção de um modelo dinâmico de
Seguridade Social, em que são privilegiadas abordagens inovadoras e pro-ativas
com vistas à redução de riscos e reinserção no mercado de trabalho5.
Exemplificando esse tipo de abordagem, vale destacar a ênfase dada
ao novo conceito de “case management” como política pública de reinserção ao
mercado de trabalho, a ser implantada em conjunto com medidas de amparo aos
desempregados e assistência social. De acordo com esse conceito, recomenda-se a 4 The International Social Security Association (ISSA) is an international organization which essentially brings together institutions and administrative bodies dealing with one or more aspects of social security in different countries of the world, namely all forms of compulsory social protection which, by virtue of legislation or national practice, are an integral part of the social security system of these countries (Auto-conceituação da AISS extraída do site http://www.issa.int, acesso em 27/12/2007) 5 The universal trend is towards a broader concept of social security and what it should comprise. Social security has changed radically in recente years; ists role is no longer limited to income redistribution and to providing adequate benefits for minium well-being and de fulfilment of basic needs. The concept of social security has widened and become more proactive, and is now aimed at better providing prevention measures and protection for individuals against life-course risks, while ate the same time maximizing their productive potential and capacities in order to make them less vulnerable to these risks and to facilitate their social integration. This innovative approach illustrates what the ISSA calls “Dynamic social Security” (Mckinnon, 2007) (Sigg, Roland. Supporting Dynamic Social Security. In International Social Security Association. Developments and trends: Supporting Dynamic social Security. Geneva: ISSA, 2007, p. 02)
12
atuação estatal pro-ativa no sentido de inserir o indivíduo marginalizado ou realocar
o trabalhador desempregado no mercado local, valendo-se para tanto de uma
estrutura de atendimento individualizado com interfaces em diversos segmentos do
mundo do trabalho6.
Assim, fecha-se o ciclo da reintegração social, a partir do momento em
que o indivíduo, privado de seus meios de subsistência, percebe benefício financeiro
previdenciário ou assistencial apenas enquanto não seja possível a sua reinserção
na força produtiva, admitindo-se inclusive o oferecimento direto de postos de
trabalho pelo próprio Estado nos casos de dificuldades crônicas de emprego.
Também a ênfase em políticas públicas de saúde preventiva constitui
ponto central da estratégia de seguridade social dinâmica apresentada pela referida
Associação, além da necessidade de controle qualitativo sobre os serviços de
cuidados médicos oferecidos pelo Estado, por meio de instrumentos de medição de
desempenho e grau de acessibilidade dos beneficiários.
Nas recentes décadas de 80 e 90, tornou-se comum o discurso acerca
de um suposto esgotamento do modelo de estado intervencionista no tocante às
prestações de seguridade social, pregando-se então a restrição dos investimentos
estatais nessa seara, com reflexos sobre condições de elegibilidade para diversos
benefícios. Para os defensores dessa idéia, a concorrência na economia globalizada
impunha necessariamente a redução de gastos sociais do Estado.
6 As an instrument of employment promotion case manegement is innovative in that it focuses on resources rather than deficiencies, even with people who were and are traditionally difficult to reach using “conventional” integration instruments as part of employment promotion. This is not just true of individual countries, but is recognizable trend internationally. Politically and economically the bar is set high: does it increase the proportion of the population who are in active employment, even if the people concerned face severe problems in becoming integrated into the labour market? (...) The aim is always to integrate people in the formal labour market no matter how remote they are from it. In other words, the case-management approach is applied strictly in order to try to improve people’s suitability for active employment, so that there comes a point when they are actually ready to enter the formal labour market. Only a few countries specifically accept subsidized employment in the longer term here. (...) Case managers operate in close networks. At local level these involve the employment service and the local authorities, which usually provide social integration services. Other network partners include further training providers, private service-providers and businesses. (Poetzsch, Johanna. Case management: The magic bullet for labour integration? An international comparative study. Geneva: ISSA, 2007, pp.01e 03)
13
Contudo, as pesquisas econômicas mais atuais encaminham-se na
direção exatamente oposta àquelas idéias, destacando-se agora o efeito positivo
dos investimentos em seguridade social sobre a produtividade e nível geral de bem
estar da população, revelando-se como uma ferramenta indispensável para o
desenvolvimento humano em uma economia globalizada.
Nesse sentido, apontam a Declaração da 28ª Assembléia Geral da
Associação Internacional de Seguridade Social, editada em Pequim7 (2004), a partir
dos resultados dos estudos deflagrados por aquela Associação na Iniciativa de
Estocolmo (1996), assim como, mais recentemente, as conclusões do primeiro
Fórum Mundial de Seguridade Social)8, as quais harmonizam-se com as premissas
da atual campanha da OIT visando propiciar cobertura para todos (“Global
Campaign on Social Security and Coverage for All”).
Com base nessa perspectiva, a evolução do conceito de seguridade
social assume agora uma nova dimensão fundada na solidariedade entre os países,
propugnando-se por formas de cooperação técnica, uniformização e intercâmbio
entre regimes e mesmo ajuda internacional para implantação de medidas
emergenciais de seguridade social em países de mais baixo nível de
desenvolvimento sócio-econômico. Essa nova conformação, ao nosso ver,
consubstancia rudimentos da idéia de um padrão mundial de proteção social a ser
implementado, quiçá por um sistema de seguridade social global.
7 La seguridad social desempeña un papel esencial al estimular el desarrolo econômico y social, respaldando el crecimiento econômico y fomentando la cohesión social. El desarrollo económico y el desarrollo social deben ir a la par, siendo la seguridad social un factor crucial que permite alcanzarlos. (...) Para reducir a pobreza y lograr la inclusión social, la cobertura debe extenderse a las categorias de la población que no gozan de ninguna protección formal de seguridad social. La seguridad social constituye el núcleo de toda estrategia de reducción de la pobreza, y deben buscarse nuevos enfoques para extender la cobertura. (Declaración de la 28ª Asamblea General de la Asociación Internacional de la Seguridad Social) in Balera, Wagner. Direito Internacional da Seguridade Social, disponível em www.ultimainstancia.uol.com.br, acesso em 21/12/2007. 8 Social Security is now increasingly implicated in discussions on how to eliminate povety in the world, whether through the definition of a “global social floor”, as suggested by the Internacional Labour Organization, or through implementation of the United Nations Millenium Development Goals. This confers a new legitimacy on teh activities of social security institutions at the dawn of this 21th century. (...) Social Security is a prerequisite for more equitable and sustainable development. It is a vital element in enabling societies to rise to meet future challenges. In a context of globalization and demographic ageing, it is also na essential factor for the development of more equitable national economies as well as being a vital component of social cohesion and national and international stability (Sigg, Roland. Supporting Dynamic social Security. In International Social Secutity Association. Developments and trends: Supporting Dynamic social Security. Geneva: ISSA, 2007, p. 01e 03).
14
2.3) ESTRATIFICAÇÃO DO DIREITO À SEGURIDADE SOCIAL NO PLANO
JURÍDICO INTERNACIONAL
Com efeito, o conceito de seguridade social passa a se estratificar mais
efetivamente no âmbito do direito internacional a partir de sua insersão na
Declaração de Philadelphia em 1944, onde foi reconhecido o papel da OIT no
fomento à extensão de medidas de seguridade social para prover renda básica e
cuidados médicos abrangentes para todos, dever incorporado à própria norma
constitucional da entidade.
Também no ano de 1944 a Recomendação nº 67 da OIT sobre
segurança de renda prevê que o seguro social deve oferecer proteção em situações
de contingência para todos os empregados e autônomos juntamente com seus
dependentes. Por sua vez, ainda no mesmo ano, a Recomendação nº 69 da OIT
sobre cuidados médicos prevê acesso a tais cuidados por todos os membros da
comunidade, estejam ou não engajados em ocupação remunerada.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) estabelece que
todos, como membros da sociedade, têm direito à seguridade social, mencionando
especificamente eventos de doença, deficiência física, viuvez, idade avançada,
desemprego, necessidade de assistência familiar (arts. 22 e 25). Também a
Convenção Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966)
reconhece o direito de todos à seguridade social, inclusive seguro social, bem como
a adequadas condições de vida (arts. 9º e 11).
O processo de estratificação de um Direito à Seguridade Social no
plano internacional desagua na edição da Convenção nº 102 da OIT, concebida para
ser o padrão mínimo de seguridade social a ser observado por todos os
ordenamentos jurídicos no mundo e já ratificada, até o momento, por 43(quarenta e
três) países.
Referida Convenção adota uma visão generalizada e igualitária da
15
proteção social, não mais compartimentando medidas de proteção em relação a
categorias de clientela, bem como propugna a inclusão de um percentual mínimo da
população na rede estatal protetiva. Desde então, vem sendo adaptados os
instrumentos normativos da OIT à essa nova visão, a qual implica, por exemplo, a
igualdade de tratamento entre os setores urbano e rural.
A partir desses instrumentos jurídicos internacionais desenha-se a
obrigação dos Estados subscritores em promover medidas de seguridade social,
embora ainda num modesto patamar mínimo, estabelecido como forma de não
desestimular adesões pelos países com menores níveis de proteção social. Também
se extrai desses instrumentos o consenso em torno da necessidade de gradativa
ampliação de tais níveis de proteção, em busca de um ainda não definido padrão
ideal máximo de proteção.
Enfim, embora se reconheça a existência de um direito genérico à
seguridade social reconhecido no plano jurídico internacional por vários países, o
maior problema para sua efetivação reside justamente no grau de concretude
assumido por tal direito em cada ordenamento jurídico nacional, tema em relação ao
qual a OIT tem dado ênfase à necessidade de cooperação técnica internacional para
implantação de sistemas de seguridade nos países que se encontram em estágio
mais atrasado de desenvolvimento nesse particular.
No âmbito da União Européia, que se trata da iniciativa mais bem
sucedida de integração entre países no mundo atual, o grau de concretude do direito
à seguridade social revela-se sensivelmente elevado, mesmo porque o Código
Europeu de Seguridade Social foi elaborado já sob a influência da Convenção nº
102, sendo que também estão sendo idealizados atualmente outros instrumentos
regionais aplicáveis à realidade da África e América Latina.
No caso do Brasil, objeto de estudo comparativo neste trabalho,
embora ainda não tenha sido formalmente ratificada a Convenção nº 102 da OIT, a
própria Constituição Federal incorporou a diretriz de proteção que animou a aludida
Convenção, projetando um sistema de seguridade social apto até mesmo a superar
16
aquele padrão mínimo em vários aspectos, tendo a legislação infraconstitucional
avançado em muito na implementação efetiva de tal sistema, como veremos
adiante.
III) RECEITUÁRIO PARA EXPANSÃO DA COBERTURA NOS SIS TEMAS DE
SEGURIDADE SOCIAL CONFORME ESTUDOS DIVULGADOS PELA OIT
Partindo da premissa de que a seguridade social constitui o
instrumental jurídico mais adequado para a promoção do desenvolvimento humano
em escala mundial, tem trabalhado a OIT para delinear alternativas metodológicas
voltadas à expansão da cobertura dos sistemas ditos de seguridade social ao redor
do mundo9,
De início, a Organização reconhece os diferentes níveis de
desenvolvimento entre os países já industrializados (representados, principalmente,
pelos integrantes da Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento -
OCDE) e aqueles em fase de desenvolvimento, dando especial enfoque para
aqueles tidos como de baixo nível de renda.
Assim, a expansão da cobertura não necessariamente deverá seguir os
mesmos passos em países com níveis diversos de desenvolvimento, admitindo-se
combinação de mecanismos adequados à realidade de cada país, embora se
almejando uma paulatina uniformização de padrões de proteção.
A seguir, discorreremos sobre algumas tendências que podemos inferir
a partir dos mais recentes estudos e relatórios divulgados pela Organização, por
9“These rights have not been widely invoked during a long period of intensifying concern aborut the persistence of large-scale extreme poverty in the world and the formulation of the Millenium Development Goals. (...) In their reports of the late 1990’s and early 2000s the internacional agencies have begun to recognise the strengths of comprehensive or universal public social services and benefits partly at the instigation of internacional organisations such as the ILO and UNICEF. Recognition of the strengths of social security for all including social insurance, may follow. The urgent re-formulation of development policies to reduce poverty may then be welcomed – and may bring tangible success.” (Towsend, Peter. The Right to Social Security and National Development: Lessons from OECD experience for low-income countries. Geneva: ILO, 2007, p. 01)
17
intermédio de seu Departamento de Seguridade Social, as quais, ao nosso ver,
servem de subsídio para a construção rudimentar de uma teoria de seguridade
social global.
Extraímos referidas tendências basicamente a partir da análise
conjugada de três documentos relativamente recentes emanados daquela
Organização, quais sejam as publicações “Social Security: A New Consensus”
(contendo relatório apresentado na 89º Assembléia Geral da OIT realizada em
2001); “Social Security for all: Investing in global social and economic development –
A consultation (divulgada em agosto de 2006); e “Social Health Protection: An ILO
strategy towards universal access to health care” (divulgada em agosto de 2007)10.
3.1) EXPANSÃO FORMAL DA COBERTURA DOS SISTEMAS DE S EGURIDADE
SOCIAL
Obviamente, como primeira medida para efetiva expansão da cobertura
dos sistemas de seguridade social, propugna-se pela extensão formal dos
segmentos abrangidos pela proteção estatal em face dos riscos existenciais de
maior relevância social, tendo como base a Norma Mínima consubstanciada na
Convenção nº 102 da OIT.
Tal medida revela-se mais adequada, no momento, aos países que já
dispõem de sistemas de seguridade social razoavelmente estruturados no plano
jurídico interno, especialmente em países de médio nível de renda.
Referida Convenção admite entretanto a cobertura parcial de
determinados riscos, justamente visando facilitar a adesão de mais países aos seus
termos. Portanto, requer-se que, no caso de doença e idade avançada, os indivíduos
10 Nos tópicos a seguir realizaremos uma breve síntese das análises e conclusões extraídas dos três documentos, sem indicar precisamente sua localização em cada um deles, isto porque trata-se de assertivas e idéias recorrentes em todos, identificáveis em vários de seus tópicos. De qualquer forma, na parte final deste trabalho, onde propomos a abordagem de alguns pontos–chave da problemática atual da seguridade social no Brasil, seremos mais específicos, destacando trechos de tais documetos em notas de rodapé, onde constam discussões relacionadas àqueles pontos-chave e algumas indicações de possíveis caminhos para seu tratamento. Com isto, pretendemos ilustrar melhor a relevância dos aludidos textos como referência para o debate das macro-questões da seguridade social no Brasil de hoje.
18
cobertos compreendam determinadas classes de empregados constituindo não
menos de 50% (cinqüenta por cento) de todos os empregados do país;
determinadas classes da população economicamente ativa, constituindo não menos
do que 20%(vinte por cento) de todos os residentes ou todos os residentes cujos
meios em caso de contingência não excedam determinados limites.
A mesma Convenção abarca os nove tipos principais de prestações da
seguridade social, a saber: assistência médica; prestações monetárias de
enfermidade; benefícios de desemprego; pensões de velhice; indenizações em caso
de acidente de trabalho e de enfermidade profissional; benefícios familiares; de
maternidade; de invalidez; e pensões de sobreviventes.
Entretanto, para ratificá-la é suficiente aceitar as obrigações relativas a
três desses nove tipos de prestação, com a condição de que entre esses três figure
pelo menos algum dos relativos aos benefícios de desemprego, de acidentes de
trabalho e enfermidades profissionais, de velhice, de invalidez ou de sobreviventes.
Posteriormente à ratificação, qualquer Estado pode aceitar as obrigações que
emanam de outras partes da Convenção.
A Convenção autoriza ainda um certo número de exceções provisórias
em benefício dos Estados cuja economia e cujos recursos médicos não estejam
suficientemente desenvolvidos, tudo visando favorecer adesões e adequações
paulatinas ao esforço de difusão da idéia de seguridade social.
Vale destacar, entretanto, que, mesmo nos países que já dispõem de
um avançado sistema de seguridade social, o crescimento de um significativo
mercado informal constitui um desafio para a expansão daquela cobertura, uma vez
que os indivíduos que compõem tal mercado normalmente não usufruem de
qualquer cobertura relativa a riscos sociais. Isto se deve à dificuldade de
arrecadação de suas contribuições, bem como de sua incapacidade para suportar o
pagamento de contribuições para seguro social, além da natural imprevidência que
acomete tais trabalhadores, os quais frequentemente não consideram prioridade a
garantia de rendimentos para o futuro.
19
Nesse contexto, propugna-se pela adoção de mecanismos que
estimulem a inserção dos trabalhadores do mercado informal, por meio da redução
de quotizações de modo a tornar mais atrativa a adesão efetiva ao seguro social,
mesmo que isto implique a restrição de benefícios a serem concedidos aos
segurados. Sugere-se inclusive que tais esquemas adaptados sejam subsidiados
pelo Estado.
Para os países de mais baixo nível de renda, indica-se, como
alternativa mais viável, o estímulo até mesmo a micro esquemas comunitários de
seguro, que remetem aos primórdios das medidas de proteção individual e coletiva
nos países hoje desenvolvidos. Tais micro esquemas consistem, normalmente, em
planos locais de pequena escala financeira, voltados a cobertura de grupos de
segurados, mesmo parcial, tendo como prioritária a cobertura de determinados
riscos, como por exemplo, custo de remédios e serviços médicos.
Poderia então o Estado apoiar e estimular a implantação de tais
esquemas por meio de apoio financeiro e regulamentação legal, como forma de
conferir uma mínima cobertura enquanto o sistema público ainda não tenha
suficiente abrangência, almejando-se a futura integração desses microesquemas
num regime nacional a ser paulatinamente estruturado.
3.2) IMPLANTAÇÃO DE BENEFÍCIOS UNIVERSAIS
A expansão formal prevista na norma mínima de seguridade, discutida
no item anterior, faz-se, tradicionalmente, por meio de regimes de seguro social,
sendo mais raros e restritos os casos em que se adotam benefícios e serviços
universais, ou seja, devidos a todos os residentes, independentemente de seu status
profissional ou de qualquer relação contributiva prévia, isto mediante financiamento
por receitas gerais do Estado.
Contudo, a inserção de tais benefícios ou serviços universais é
cogitada também como uma alternativa viável para expansão da cobertura,
20
conforme capacidade de financiamento do Estado. Ressalta-se que tal modalidade
de benefícios e serviços tende a implicar custos mais baixos, pela desnecessidade
de manutenção de toda uma estrutura de controle administrativo, bem como pelo
fato de, normalmente, pressupor níveis básicos e uniformes para todos.
Contudo, aponta-se como maior dificuldade para gestão de regimes
universais o fato de que, sendo estes custeados por receitas gerais do Estado,
normalmente devem competir por prioridade dentre outras formas de despesa
pública, podendo oscilar o pertinente grau de investimento e, conseqüentemente, a
abrangência de cobertura. Ademais, detecta-se um freqüente déficit de qualidade
nos serviços prestados, em razão da ausência de incentivos ao atingimento de
metas bem como de supervisão estatal.
Com efeito, pelo que extraímos dos mais recentes estudos da OIT, a
cobertura relacionada à saúde (cuidados médicos) constitui o carro-chefe da
expansão da seguridade social, sendo esta a mais oportuna seara para introdução
de benefícios universais, custeados por receitas gerais do Estado. Afinal, a saúde
figura em primeiro plano dentre as contingências objeto de cobertura nos termos da
Convenção nº 102 daquela Organização, sendo reconhecido o impacto primordial da
proteção social à saúde na redução da pobreza e incremento do bem estar social.
Da análise comparativa das formas de financiamento dos serviços de
saúde ao redor do mundo, constata-se a existência de variados métodos baseados
seja no seguro social tradicional, seja em micro esquemas comunitários ou mesmo
em seguro individual basicamente privado, sendo que todos apresentam maiores
desvantagens em relação à alternativa acima mencionada, especialmente no
tocante ao nível de igualdade atingido na cobertura.
Lembre-se que, a universalidade de benefícios e serviços implica a
inclusão de largos contingentes de trabalhadores do mercado informal na rede
protetiva da seguridade social. Aliás, pelo que se extrai dos estudos patrocinados
pela OIT, em termos de acesso a serviços de saúde, é essencial que se evitem
tratamentos diferenciados, embora se admita, em países que disponham ainda de
21
incipientes sistemas de seguridade, algumas formas de limitação temporária no
acesso a determinados serviços, até que se atinja o nível básico geral de cobertura.
Vale destacar que o conceito proposto pela OIT para a cobertura em
termos de serviços de saúde implica a observância de um padrão de qualidade de
intervenções médicas, em conformidade com as referências postas por instituições
como a Organização Mundial de Saúde, abrangendo aspectos como respeito à
dignidade do paciente, confidencialidade, respeito ao gênero e cultura e tempo de
espera.
Dando concretude ao caráter de prevenção de riscos ínsito ao conceito
moderno de seguridade social, recomenda-se ainda investimento adequado para
ampliação do acesso a serviços de acompanhamento primário, secundário e
terciário à maternidade e à infância, bem como a medidas maciças de contenção à
expansão de casos de doenças infecto-contagiosas passíveis de se evitar pelos
padrões científicos atuais (prioridades em países de baixo nivel de renda).
Reconhece-se ainda o cabimento de enfoque preventivo em relação a
doenças cardio-vasculares e síndromes relacionadas ao stress, assim como aos
efeitos do abuso de álcool e drogas e mesmo quanto à preservação da qualidade de
vida na velhice (desafios também nos países de mais elevado nível de renda).
Obviamente, além do aspecto ético desses tipos de intervenção, sabe-
se que, sua difusão sistemática no sistema de saúde pública pode ter significativo
impacto na redução de custos de tratamentos curativos de elevada complexidade,
com repercussão, portanto, também na saúde financeira do sistema.
3.3) IMPLANTAÇÃO DE BENEFÍCIOS ASSISTENCIAIS PARA S EGMENTOS
HIPER VULNERÁVEIS
Como medida emergencial para resgate de indivíduos em condições de
pobreza extrema, indica-se a implantação de benefícios e serviços especificamente
direcionados aos segmentos mais desfavorecidos, conforme testes de condições de
22
recursos, mediante financiamento por receitas gerais do Estado.
Seria uma desvantagem de tal modalidade de benefícios o fato de que
sua existência pode servir de estímulo à omissão de contribuições para regimes de
seguro social ou mesmo a não realização de poupança individual, se todos têm a
certeza de que terão acesso a um benefício básico quando em situação de
necessidade. Por outro lado, freqüentemente confere-se discricionariedade ao
agente público concessor do benefício, permitindo-se que floresçam fenômenos
deletérios de clientelismo, favoritismo e discriminação.
A despeito de tais fatores, tem sido largamente reconhecida a
relevância de tal modalidade de benefícios para grupos mais vulneráveis específicos
como idosos e famílias com crianças em situação de risco. Tais benefícios podem
ainda ser associados a requisitos de freqüência escolar, atuando de forma integrada
com políticas educacionais.
Portanto, a alternativa ora discutida funcionaria como amparo
emergencial para alívio das situações absolutamente desumanas de carência em
países com largos contingentes de pessoas em tal situação, alcançando-se, com
isso, um efeito relativamente rápido de resgate de níveis mínimos de bem-estar ao
conjunto da população.
Contudo, faz parte da abordagem integrada proposta pela OIT o
estabelecimento de ligações entre políticas de renda mínima e fomento ao pleno
emprego, por exemplo, por meio do estímulo ao desenvolvimento de microempresas
e de ações diretas para inserção de beneficiários no mercado de trabalho. Ou seja,
para aquele organismo internacional, a política assistencial deve estar inserida no
contexto mais amplo da busca pelo trabalho decente, acessível a todos.
Nesse ponto, a Associação Internacional de Seguridade Social tem
aprofundado estudos sobre as técnicas de reinserção no mercado de trabalho por
meio de serviços de orientação e recolocação de trabalhadores (“case
manegement”). Cogita-se, por exemplo, acerca da vinculação de benefícios para
23
desempregados a exigências de busca ativa por recolocação no mercado, sob pena
de cessação de benefícios, ou mesmo pela redução dos valores de tais benefícios
ao longo do tempo, considerando-se até mesmo o fornecimento direto de postos de
trabalho pelo Estado, em situações de retração econômica.
3.4) COOPERAÇÃO INTERNACIONAL PARA IMPLANTAÇÃO DE M EDIDAS DE
SEGURIDADE SOCIAL
Um dos pontos de reflexão mais intensa e atual dos organismos
internacionais voltados ao estudo da dimensão social da globalização econômica
(entre os quais o Banco Mundial) tem sido a necessidade de transferências de
auxílios financeiros, sob variadas formas, para países em situação emergencial,
visando o alívio imediato de manifestações crônicas de pobreza extrema.
Aliás, esse tipo de transferência já tem sido tradicionalmente realizada
em casos de desastres naturais e mesmo subsídios a sistemas de saúde locais em
crise, sendo que, mais recentemente, têm-se propugnado por reduções nos níveis
da dívida externa de países pobres como forma de cooperação internacional para o
desenvolvimento (“debt relief”).
Contudo, tais medidas revelam-se ainda assistemáticas e de pouco
impacto, impondo-se agora a concatenação destas com políticas de seguridade
social planejadas e focadas na redução duradora da pobreza, a serem implantadas
sob a supervisão de organismos internacionais, cogitando-se até mesmo acerca da
criação de um Fundo Mundial de Solidariedade (conforme encorajado pela
Assembléia Geral das Nações Unidas no ano de 2000).
Nesse sentido, as estimativas da OIT revelam que apenas uma
pequena fração da riqueza total produzida no mundo seria suficiente para retirar a
maioria das pessoas atualmente nas mais severas situações de indigência nos
países mais pobres do mundo, o que representaria a dimensão máxima da idéia de
solidariedade imanente ao conceito emergente de seguridade social global.
24
Merece destaque ainda a menção, nos referidos estudos, à
possibilidade de instituição de mecanismos de tributação internacional voltados às
empresas transnacionais que atualmente elevam seus lucros aproveitando-se da
redução de custos sociais em países em desenvolvimento, como forma de repartir
de modo mais equânime a responsabilidade pelo resgate do nível de proteção social
nesses países.
Parece-nos que, nessas possibilidades de financiamento internacional,
reside com maior clareza o embrião de uma possível e futura estratégia global
unificada de seguridade social sob a efetiva responsabilidade da comunidade
internacional, como patamar evolutivo subseqüente para o conceito de seguridade
social global acima mencionado11.
3.5) RACIONALIZAÇÃO DOS MEIOS DE FINANCIAMENTO DA S EGURIDADE
SOCIAL
Não se reconhece, até o momento, nenhum modelo padrão de
financiamento a ser aplicado a todos os sistemas de seguridade social no mundo,
admitindo-se portanto a adoção de variados métodos existentes, ou mesmo a fusão
de todos eles com o objetivo precípuo de expansão da cobertura. Todavia, sejam
utilizadas as tradicionais quotizações compulsórias, receitas gerais, rendimentos de
investimentos ou mesmo prêmios de seguro privado, é consenso que o Estado deve
desempenhar o papel de garantidor geral do sistema de seguridade social.
Com efeito, se estamos falando de um sistema que sirva de amparo ao
indivíduo quando sofre privação ou tem reduzidos seus meios de sobrevivência,
obviamente não se pode relegar tal matéria a um mero ajuste patrimonial privado
sujeito às intempéries da economia. 11 “International taxation and not just national taxation to finance social security in developing countries is therefore at issue (...) the current influence of the TNCs and big powers over local economies and populations in the global market has to be matched by international tax-revenue and employer contributions raised for particular groups in those countries. Sources of international revenue will have to augment the meagre resources form national revenues available to teh governments of developing countries in today’s global market. International social security is coming to stay.” (Towsend, Peter. The Right to Social Security and National Development: Lessons from OECD experience for low-income countries. Geneva: ILO, 2007, p. IX)
25
Lembre-se, por oportuno, a título de exemplo, que, mesmo em
sistemas baseados essencialmente em fundos privados de previdência, impõe-se ao
Estado o exercício de rigorosa intervenção regulamentadora sobre tais fundos, sob
pena de sobrar-lhe a tarefa de socorrer beneficiários com benefícios assistenciais,
em caso de crises ou de incapacidade individual de arcar com os custos dos planos
privados.
Embora a OIT admita o recurso à previdência privada como uma das
alternativas para expansão da cobertura em sistemas de seguridade social, aquela
organização vem destacando o teor de estudos econômicos mais recentes segundo
os quais a transição dos atuais sistemas publicísticos de seguridade social para
sistemas de base eminentemente privatística falhariam em propiciar custos de
administração mais reduzidos, expansão da cobertura e incremento da confiança no
sistema.
Nesse sentido, até mesmo o próprio Banco Mundial, instituição que já
capitaneou, em passado recente, idéias de ampla privatização da previdência em
países em desenvolvimento, agora divulga estudos reconhecendo as falhas de tal
estratégia12.
Logo, considera-se ainda o Estado como o único ente habilitado a
organizar e manter um sistema de seguridade social com o grau de segurança e
solidariedade que se requer para se alcançar o objetivo maior de atingir níveis de
proteção social universais.
Para tanto, sejam quais forem os métodos de financiamento adotados,
exige-se o rigoroso planejamento e acompanhamento atuarial das possibilidades do
sistema, com vistas a garantir sua sustentabilidade permanente, bem como uma
gestão profissionalizada e fundada na idéia de administração de riscos.
12 “There is little evidence that privately funded pillars have succeeded in increasing national savings or in developing capital markets...”(...) “Bank’s preoccupation with fiscal sustainability tended to obscure teh broader goal of pension policy, that is to reduce poverty and improve retirement income adequacy within a fiscal constraint.” World Bank: Pension reforms and development of pension systems: World Bank. An evaluation of World Bank Assistance. Washington, DC: World Bank, 2005, pp.xvi and xviii in International Labour Organization. Social Security for all: Investing in global social and economic development. A consultation. Geneva: ILO, 2006. p. 20)
26
Aliás, se analisarmos aprofundadamente diversos problemas
financeiros em sistemas de seguridade social ao redor do mundo, verificaremos que,
em muitos casos, tais problemas resultam de distorções na técnica de financiamento
adotada e na ausência da visão planejada e sistematizada proposta.
Pelo que se extrai da Convenção nº 102 da OIT, qualquer Estado
signatário deve aceitar responsabilidade geral pela devida provisão de benefícios,
inclusive zelando para que sejam periodicamente realizados os necessários estudos
atuariais concernentes ao equilíbrio financeiro do sistema de seguridade social como
um todo.
Também é ponto de consenso em geral a necessidade de participação
democrática de todos os interessados (trabalhadores, beneficiários, empresas e
governo) na gestão transparente do sistema, inclusive como forma de fomentar a
confiança de todos na sua viabilidade, contribuindo para sua legitimação como
política pública.
Outrossim, a despeito do freqüente alarmismo em torno da crise
vivenciada pelos sistemas de seguridade social nos países mais desenvolvidos, em
razão do progressivo envelhecimento da população, as projeções mais recentes das
agências internacionais dedicadas ao tema indicam que tal envelhecimento não
inviabilizará financeiramente aqueles sistemas, embora imponha talvez um maior
rigor no seu planejamento atuarial, bem como a concatenação de políticas públicas
para redução de níveis de dependência (por exemplo, para reinserção e
permanência no mercado de trabalho, postergando-se aposentadorias)
Aliás, mesmo considerando-se o fenômeno de envelhecimento crônico
das respectivas populações, as últimas projeções realizadas para os membros da
União Européia até o ano de 2.050 indicam não apenas a sustentabilidade dos
sistemas de seguridade naqueles países (já bastante avançados, como acima
destacado), mas também a sua capacidade econômica para oferecer ajuda
financeira que viabilize medidas de seguridade social nas regiões mais pobres do
27
mundo.
Merece destaque ainda o fato de que, ao lado da tendência ao
consenso em torno da indispensabilidade da manutenção de um sistema
eminentemente publicístico de seguridade social, persistem acesas divergências
entre correntes que advogam a limitação extrema da cobertura pública e a
padronização máxima das prestações devidas aos indivíduos (na linha universalista
do Relatório Beveridge) e correntes que propugnam a manutenção daquela
cobertura o mais próxima possível do padrão de vida mantido pelo beneficiário
quando em plena atividade laboral (nos moldes do seguro social de Bismarck).
Nesse ponto, deve-se esclarecer que, embora se possa inferir dos
estudos divulgados pela OIT uma tendência dos sistemas de seguridade social em
se focalizarem primordialmente em garantir cobertura básica para todos, não se
extrai claramente ainda daqueles estudos qualquer recomendação para radical
limitação da cobertura pública a um mínimo existencial, de modo a deixar-se aos
fundos de previdência privada a garantia de rendimentos superiores.
Pelo contrário, como já dito, aponta-se, de modo recorrente, a
incapacidade de sistemas fundados essencialmente no seguro privado em
atenderem aos objetivos de cobertura acessível com maior confiabilidade,
sugerindo-se portanto a idéia de que os sistemas públicos devem guardar uma
relativa amplitude que atenda razoavelmente as expectativas de proteção do
conjunto da população, inclusive dos indivíduos mais favorecidos.
Com efeito, a doutrina especializada aponta a conveniência da
limitação superior da cobertura dos regimes públicos de seguro social, mas também
a inconveniência de se restringir exageradamente a cobertura desses regimes,
embora sempre reconhecendo o papel estratégico a ser desempenhado pela
previdência privada no oferecimento de cobertura adicional aos detentores de níveis
mais elevados de renda13.
13 Nesse ponto, vale destacar trecho de um dos mais percucientes estudos sob a matéria disponíveis em linha portuguesa, o qual, embora se refira ao ordenamento jurídico português, serve como reflexão geral sob ampliture dos regimes públicos deprevidência: “Considera-se admissível e justificada, com se referiu, a introdução de um limite superior das bases de incidência contributiva,
28
Lembre-se, por oportuno, que, embora a evidência científica não
confirme ainda a necessária relação entre a proliferação da previdência privada e o
crescimento econômico, há diversos indicativos teóricos que apontam um provável
efeito benéfico desse fenômeno sobre o nível de poupança interno e investimento
econômico.
IV- PANORAMA GERAL DO SISTEMA DE SEGURIDADE SOCIAL BRASILEIRO
DESENHADO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Pela análise comparativa dos ordenamentos jurídicos nacionais,
verifica-se que o caso do Brasil não se confunde com os dos países considerados
de mais baixo nível de desenvolvimento econômico (objeto de maior preocupação
nos estudos da OIT), mas se aproxima da conjuntura daqueles mais avançados em
termos de estruturação de regimes de seguridade social, a despeito da notória
discrepância dos índices de desenvolvimento humano apurados no Brasil e, por
exemplo, nos países integrantes da OCDE (Organização para cooperação e
desenvolvimento econômico).
Assim, verifica-se que o sistema de seguridade social brasileiro está
estruturado basicamente em consonância com o ideário da seguridade social
integrada e dinâmica que emerge do histórico internacional acima traçado, bem
como harmoniza-se com o padrão mínimo de seguridade social indicado pela
Convenção nº 102 da OIT.
Lembre-se que tal Convenção foi inicialmente rejeitada pelo Congresso
Nacional em 1964, tendo em vista discrepâncias do ordenamento brasileiro em
mas esse valor não deveria ser, pelo menos nesta fase, inferior aproximadamente a dez vezes o valor do salário mínimo nacional. Entre as razões justificativas para propor este valor podem referir-se: a) a necessidade de não introduzir de modo súbito rupturas muito sensíveis, com efeitos psicológicos e financeiros, no modelo existente desde 1973; b) a conveniência de não retirar às prestações a natureza de benefícios claramente relacionados com as remunerações, tranformando-as, disfarçadamente em prestações básicas.” (Neves, Ilídio das. Direito da Segurança Social. Princípios Fundamentais numa análise prospectiva. Coimbra: Coimbra Editora, 1996, p. 920)
29
relação àquele padrão mínimo internacional, notadamente quanto ao benefício
concedido em caso de desemprego involuntário (posteriormente regulado pelas Leis
4.923/65 e Lei 7.998/90, mas inexistente àquela época). Recentemente, a mesma
Convenção foi reapresentada ao Congresso Nacional para deliberação,
encontrando-se atualmente com pareceres favoráveis das pertinentes comissões
temáticas e em vias de nova apreciação naquele órgão legislativo.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, tivemos a introdução
do conceito moderno de seguridade social como ferramenta central do esforço
previsto pelo Constituinte para erradicação da pobreza e da marginalização, bem
como para redução das desigualdades sociais, objetivos da República Federativa do
Brasil.
Até então, vigia no país um regime de seguro social ao qual se
encontravam atrelados os serviços de cuidados médicos, sendo que a prática da
assistência social propriamente dita consistia em iniciativas isoladas do Poder
Público ao lado do setor conhecido como filantrópico.
De acordo com a Carta Magna Brasileira, o sistema de seguridade
social consiste num conjunto integrado de ações de iniciativa do Poder Público e da
sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à
assistência social, organizada, respectivamente, em três subsistemas, conforme
peculiaridades adiante descritas.
4.1) SUBSISTEMA DE SERVIÇOS DE SAÚDE
No modelo de seguridade social instaurado no Brasil pela Carta
Magna, a proteção da saúde surge como direito básico universal de todos os
cidadãos sem qualquer forma de discriminação que não relativa à efetiva
necessidade de cada um. Para acesso aos serviços de saúde, não se exige portanto
vinculação a qualquer regime contributivo, nem tampouco a análise de condições
econômicas do beneficiário (art. 196).
30
Vê-se portanto que essa feição constitucional do subsistema de saúde
segue à risca o ideário maior da seguridade social, qual seja o atendimento da
necessidade humana de modo igualitário, isto somente em razão do status do
indivíduo como membro da sociedade.
Observe-se que, embora permitida a participação complementar da
iniciativa privada na prestação de serviços de saúde, a diretriz constitucional aponta
para a máxima estatização dos serviços de saúde, em busca de um padrão
igualitário de atendimento para todos os cidadãos (art. 199).
Nesse contexto, o desenho constitucional do sistema único de saúde,
descentralizado em três esferas de governo (federal, estadual e municipal) revela
plena sintonia com as mais modernas concepções internacionais em seguridade
social, ao garantir a participação da comunidade, ao lado dos entes governamentais,
na formulação de políticas adaptadas aos níveis geral, regional e local (art. 198).
Como já ressaltado acima, embora não descartada a possibilidade de
que a iniciativa privada tenha considerável contribuição para expansão da cobertura
em determinados países, extrai-se dos estudos patrocinados pela OIT que o campo
afeto aos serviços médicos é o mais indicado para introdução de benefícios
igualitários financiados por receitas gerais do Estado.
Trata-se de um fenômeno observado em diversos países ao redor do
mundo, embora recentemente tenha surgido certa tendência à introdução da
exigência de módicas tarifas pela utilização de serviços, isto visando desestimular o
abuso e reduzir custos. Entretanto, nesse aspecto, o subsistema de serviços
brasileiro mantém a perspectiva de máxima universalização, portanto sem imposição
de qualquer custo ao usuário.
Referido subsistema ainda se encontra em plena sintonia com o ideário
de seguridade social dinâmica acima destacado, ao dar ênfase a medidas de saúde
pública preventiva, com destaque para a articulação de ações de vigilância sanitária,
e epidemiológica, saneamento básico e proteção ao meio ambiente, inclusive do
31
trabalho (art. 198, II, e art. 200).
4.2) SUBSISTEMA DE PREVIDÊNCIA SOCIAL
O subsistema de previdência social, por sua vez, mantém, em
essência, uma tradicional estrutura contributiva compulsória de seguro social
atrelado ao status profissional dos beneficiários, de modo a refletir em seus
benefícios na inatividade uma certa correlação com o padrão de vida do segurado
quando na ativa (art. 201, §§ 2º, 3º e 11).
Contudo, nesse subsistema foram introduzidos elementos
redistributivos que quebram, em certos casos, referida relação sinalagmática, como
ocorre no caso do amplo reconhecimento do direito à aposentadoria para
trabalhadores rurais independentemente da verificação de prévias contribuições.
A própria Constituição Brasileira já previu a cobertura, pelo subsistema
de previdência social, das grandes categorias de riscos sociais reconhecidas
internacionalmente como geradoras da perda ou redução de meios de
sobrevivência, quais sejam, doença, invalidez, morte, idade avançada, acidente de
trabalho, maternidade, desemprego involuntário e encargos familiares, além da
reclusão (que teria efeitos equivalentes à morte ou ausência do provedor do lar).
Assim, conforme previsões expressas do constituinte originário, deverá
o legislador infraconstitucional expandir a cobertura do sistema sem descurar
daquele conjunto básico de riscos sociais (art. 195, §4º, e art 201, I, II, III, IV, V e
§10).
Recentemente, Emenda Constitucional (nº 20/1998) remodelou os
benefícios de “salário família” e de “auxílio reclusão” anteriormente devidos aos
dependentes de todos os segurados, sendo que agora estes passaram a ser
direcionados apenas para os dependentes de segurados de baixa renda (art. 201,
IV), conforme limite provisório de renda, fixado em regra transitória (art. 13 da
referida emenda), de até R$ 360 (trezentos e sessenta reais), atendendo portanto a
32
um critério de condições de recursos próprio da assistência social.
Diversas alterações recentes no texto constitucional (Emendas
Constitucionais nº 20/98, 41/03 e 47/05) também estabeleceram a aproximação
entre os regimes próprios de servidores públicos e o regime geral aplicável aos
demais trabalhadores, os quais tiveram regramento bastante diferenciado no texto
originário da Carta Magna. Essa tendência do constituinte derivado pela
uniformização de regimes, embora discutível em vários aspectos, assume coerência
com a idéia de padronização da proteção social que emerge da experiência
internacional (embora a existência de regimes especiais seja uma constante em
diversos sistemas pelo mundo).
Ainda por meio de Emendas Constitucionais (nº 20/98 – art. 14 - e nº
41/03 – art. 5º), estabeleceu-se um valor teto - sujeito à atualização monetária – em
norma constitucional, para cobertura de rendimentos pelo regime geral de
previdência social (com exceção do benefício do salário-maternidade), tendo sido
explicitamente incorporados ao sistema de seguridade social os planos privados de
previdência. Observe-se que a participação concorrente da iniciativa privada
também é mencionada no art. 201, §10º, no concernente ao seguro de acidentes de
trabalho.
Como se pode observar, tais modificações não discrepam da idéia de
seguridade social integrada, uma vez que, fixado claramente o patamar de
rendimentos até o qual se entende relevante para o Estado a cobertura do risco
genérico de perda de rendimentos, a previdência privada surge como alternativa
viável para complementar “por cima” o nível de proteção das categorias mais
abastadas de segurados.
O Constituinte derivado ainda manifestou inteira sintonia com a
preocupação internacional acerca da sustentabilidade dos regimes previdenciários
privados, exigindo uma forte presença estatal por meio de marcos regulatórios
consubstanciados em leis complementares, com destaque para a transparência na
gestão dos respectivos fundos.
33
4.3) SUBSISTEMA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL
Obviamente, o modelo previdenciário adotado pelo constituinte implica
a exclusão de diversos contingentes de indivíduos que, em situação de maior
vulnerabilidade econômica, não se integram ao regime contributivo acima descrito.
Assim, ainda em consonância com o ideário internacional de seguridade social, a
Carta Magna previu a estruturação do subsistema de assistência social como forma
de suprir “por baixo” as lacunas da rede protetiva do subsistema de previdência
social.
Assim, aqueles indivíduos em situação de maior vulnerabilidade têm a
possibilidade de amparo econômico, por meio de benefícios e serviços, em bases de
pura solidariedade, com ênfase na proteção à família, à maternidade, à infância à
adolescência e à velhice; na promoção da integração ao mercado de trabalho; bem
como na habilitação e na reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e
integração destas à vida comunitária (art. 203).
O próprio texto constitucional já previu a concessão de benefício
assistencial a portadores de necessidades especiais e idosos incapazes de prover a
própria sobrevivência por si ou com auxílio de seu núcleo familiar (art. 203, V),
sendo que caberá a legislação infraconstitucional a definição concreta do limiar de
miserabilidade a ser considerado para concessão desse e de outros benefícios
assistenciais (guardando coerência inclusive com a noção de mínimo existencial
extraída da definição constitucional do salário mínimo).
Outrossim, a diretriz (re)integradora do sistema de seguridade social
como um todo exige o esforço estatal no sentido de impulsionar quem hoje é
beneficiário de prestação assistencial a inserir-se amanhã, dentro do possível, no
mercado de trabalho como elemento útil e apto a contribuir para manter a
engrenagem protetora do sistema (art. 203, II e III).
Observe-se que, nesta seara, a atuação estatal sempre se fez de modo
34
supletivo à iniciativa privada, a qual é estimulada a oferecer prestações de
assistência social por meio de entidades assistenciais. De qualquer forma, o
reconhecimento da assistência social como política pública de seguridade social
pelo constituinte significa um incremento sistemático no papel do Estado como
fornecedor de tais prestações, bem como no papel de coordenador do conjunto de
medidas assistenciais da sociedade organizada (art. 204).
Verifica-se enfim que, embora em ambos os subsistemas de
previdência e assistência sociais sejam aplicados mecanismos de seletividade, a
integração entre ambos tende à universalidade da cobertura (referente aos riscos
sociais ensejadores de proteção) e do atendimento (referente ao conjunto de
beneficiários da proteção), alcançando-se ainda um efeito sensível de redistribuição
de riqueza entre as camadas sociais.
Lembre-se, por oportuno, que o acesso igualitário universal aos
serviços de saúde também implica, obviamente, uma extraordinária ferramenta de
redistribuição de riqueza, ao tempo em que favorece os de menor capacidade
financeira mediante custeio a cargo de toda a sociedade, especialmente daqueles
com melhores níveis de renda.
4.4) DO LASTRO FINANCEIRO PARA O SISTEMA DE SEGURID ADE SOCIAL
O constituinte originário previu um sólido lastro para financiamento do
sistema de seguridade social, combinando contribuições (com natureza tributária
peculiar, posto que vinculados a orçamento e finalidades estatais específicos) a
cargo de empregadores, tendo incidência sobre a folha de salários, faturamento e
lucro. Previu ainda aportes de receitas gerais do Estado, inclusive por meio de
concursos de prognósticos, permitindo-se ainda a criação de outras fontes de
custeio por lei complementar (art. 194, parágrafo único, VI, e art. 195, caput, e §4º).
Por sua vez, o constituinte derivado, por meio de emendas
constitucionais, acrescentou a previsão de contribuições a cargo do importador de
bens ou serviços do exterior (ou equiparado), além da contribuição provisória sobre
35
movimentação financeira (Emendas Constitucionais nº 12/96, nº 21/99, nº 37/02 e nº
42/03).
Explicitou e ampliou ainda a incidência de contribuições (do
empregador, da empresa e da entidade equiparada) sobre a folha de salários e
demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa
física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; bem como sobre a
receita ou faturamento inseriu ainda a previsão ampla de contribuição a cargo dos
trabalhadores e demais segurados da previdência social, afastando a respectiva
incidência apenas sobre aposentadorias e pensões do regime geral de previdência
social (art. 195, I, “a” e “b”, e II).
Assume relevo essa diversidade de fontes de custeio adotada pelo
constituinte, justamente visando evitar a sobrecarga fiscal sobre pagamentos de
pessoal formalmente empregado, a qual atrai inúmeras críticas por desestimular, em
tese, a contratação de mão-de-obra pelas empresas. Ademais, o elemento
solidariedade ínsito ao conceito de seguridade social resta intensificado pela
alocação de recursos de receitas gerais do Estado no orçamento da seguridade
social.
Com efeito, a vinculação de tributos específicos à seguridade social
tem notável destaque no texto constitucional, assim como a diretriz de equilíbrio
financeiro e atuarial (reforçada pelo constituinte derivado na atual redação do caput
do art. 201), que inspira a regra da “contrapartida” consistente na impossibilidade de
criação e expansão de benefícios sem a prévia indicação de fontes de custeio (art.
195, §5º). A propósito, vale esclarecer que, por lógica e coerência, tal regra implica
também a impossibilidade de criação de fontes de custeio que não sejam
direcionadas à criação ou expansão da cobertura de benefícios e serviços do
sistema de seguridade social.
O Constituinte Brasileiro também não descurou da diretriz integradora
ao prever mecanismos tributários que desestimulem a rotatividade ou sub-utilização
de mão de obra (art. 239, §4º e art. 195, §9º, este último inserido pela Emenda
36
Constitucional nº 20/98).
Aliás, a própria feição constitucional das contribuições para a
seguridade social implica a necessidade de se observar uma correlação necessária
entre os níveis de contribuição e não apenas a capacidade contributiva do indivíduo,
mas também o grau de risco por ele carreado à responsabilidade do sistema público,
conforme princípio da eqüidade na forma de participação no custeio (art. 194,
parágrafo único, V). Esse princípio fundamenta, por exemplo, a elevação de
alíquotas de contribuições a cargo das empresas em função do grau de risco de
acidentes de trabalho, visando com isso estimular a prevenção.
Impôs-se ainda a administração democrática e descentralizada do
sistema mediante órgãos com representação quadripartite de trabalhadores,
empregadores, aposentados e governo, em estreita consonância com o modelo de
gestão indicado pelos organismos internacionais dedicados ao estudo da seguridade
social (art. 194, parágrafo único, VII, remodelado pela Emenda Constitucional nº
20/98).
Recentemente, a Emenda Constitucional nº 47/05 explicitou a
possibilidade de instituição de um regime especial de inclusão previdenciária em
favor dos trabalhadores de baixa renda e daqueles sem renda própria que se
dediquem exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência, desde
que pertencentes a famílias de baixa renda, ou seja, permitindo-se a redução de
alíquotas de contribuição e de tempo de carência, embora com a restrição da
cobertura a benefícios de valor mínimo. Previu também a possibilidade de
diferenciação de alíquotas em função do porte da empresa e da condição estrutural
do mercado de trabalho (art. 195, §§ 9º, 12 e 13).
Em harmonia com a idéia de subsidiariedade da atuação estatal na
área da assistência social, o constituinte instituiu ainda imunidade tributária
específica para entidades beneficentes de assistência social, entendidas como
aquelas que tenham como finalidade precípua o fornecimento de prestações
tipicamente assistenciais (benefícios ou serviços) com características de gratuidade,
37
generalidade e voltados à clientela alvo do próprio Estado no subsistema de
assistência social (art. 195, §7º).
Tais entidades são contempladas ainda, além dessa imunidade no
tocante às contribuições para a seguridade social, por uma imunidade genérica
relativa aos tributos em geral (art 150, VI, “c”), exoneração fiscal que, ao nosso ver,
reforça a importância de tais entidades na expansão da cobertura do sistema de
seguridade social em favor dos mais desfavorecidos.
V) ALGUNS PONTOS-CHAVE DA PROBLEMÁTICA ATUAL DA SEG URIDADE
SOCIAL NO BRASIL
Com efeito, analisando-se as referidas características gerais do
sistema de seguridade social brasileiro, em cotejo com os mais modernos
parâmetros extraídos dos estudos, recomendações e normas da OIT, constata-se
que a Constituição Federal de 1988 se espelhou sensivelmente no que há de mais
moderno na doutrina e prática internacionais para combate à exclusão social.
Sem dúvida, há ainda inúmeros desafios a serem enfrentados para
implementação concreta desse sistema, mas sempre sob a diretriz de expansão da
sua cobertura com sustentabilidade financeira, sobre o que a experiência
internacional também pode contribuir com valiosos subsídios.
Contudo, freqüentemente surgem críticas a várias das orientações
constitucionais e legais referentes ao sistema de seguridade social, bem como
percebe-se a tentativa de burla ou mesmo de completa desconsideração dos
comandos constitucionais, sob argumento de que a economia globalizada não mais
admitiria o ativismo estatal exacerbado em favor de direitos sociais.
Ocorre que os parâmetros internacionais acima apresentados revelam
que tais críticas não encontram amparo científico, pois, como já dito alhures, essas
38
diretrizes também se harmonizam com as tendências mais modernas da própria
economia mundial.
Por outro lado, distorções na implementação do sistema de seguridade
social brasileiro pela legislação infraconstitucional (ou mesmo por algumas emendas
constitucionais), as quais transbordam do modelo coerentemente desenhado pelo
constituinte, geram diversos impactos negativos na condução do sistema como um
todo. Sobre isso, discorreremos a seguir, com mais detalhes.
5.1) PLANEJAMENTO, COERÊNCIA E TRANSPARÊNCIA DOS ME CANISMOS
DE FINANCIAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL
Deve-se destacar, de início, que a forma de estruturação originária do
sistema de seguridade social na Constituição Federal de 1988 não contemplava a
desagregação de fontes de custeio específicos por subsistema (saúde, previdência e
assistência sociais), nem tampouco por modalidade de risco coberto em cada
subsistema (ressalvada a vinculação da contribuição para o Programa Integração
Social e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público –
PIS/PASEP, especificamente direcionada ao custeio do seguro-desemprego,
conforme art. 239 da Carta Magna).
Embora esse tipo de estruturação seja compatível com a idéia de
ampla solidariedade e coletivização de riscos, trata-se de uma opção técnica
também passível de críticas, visto que retira a visibilidade das relações entre os
meios de financiamento e cada modalidade de benefícios contributivos e não
contributivos, ao mesmo tempo em que dificulta o gerenciamento de tal relação em
função das variações dos níveis de cada tipo de risco social coberto.
Mais recentemente, Emendas Constitucionais têm adotado
temperamentos a essa miscigenação indiscriminada de fontes de custeio,
vinculando-se determinadas contribuições (contribuições das empresas sobre a
folha de salários e demais rendimentos do trabalho e contribuições dos
trabalhadores e demais segurados) especificamente ao custeio de prestações do
39
regime geral de previdência social (art. 167, XI), assim como indexando-se o
montante global de gastos com saúde a percentuais da arrecadação de
determinados tributos (art. 198, §2º).
Registre-se ainda a instituição da Contribuição Provisória sobre
Movimentação Financeira, para incidir até o presente exercício financeiro,
inicialmente vinculada especificamente ao custeio do subsistema de saúde,
conforme art. 74, §3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, e
posteriormente repartida também para a previdência e assistência sociais, conforme
art. 84, §2º do mesmo ADCT.
Para o subsistema de assistência social, permitiu-se a vinculação por
Estados e pelo Distrito Federal de até 0,5% de sua receita tributária líquida a
programas de apoio à inclusão e promoção social, vedada a aplicação desses
recursos no pagamento de despesas de pessoal e encargos sociais, serviço da
dívida ou qualquer outra despesa corrente não vinculada diretamente aos
investimentos e ações apoiados (art. 204, parágrafo único). Também merece
destaque a criação do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, formado por
percentuais da arrecadação de determinados tributos destinados a financiar ações
assistenciais, inclusive de reforço de renda familiar (arts. 79 e 80 do ADCT)
De fato, como já dito, tendo em vista que a gestão de qualquer sistema
de seguridade social exige a análise focada no equilíbrio atuarial e financeiro, bem
como a administração de riscos, a exposição segregada da relação entre cada
espécie de risco e as respectivas fontes de receita para sua cobertura contribuiria
para o aperfeiçoamento do sistema como um todo, especialmente para subsidiar
adequadamente decisões políticas, as quais são tomadas, muitas vezes, com base
em dados distorcidos acerca de déficits e superávits14
14 To be susteinable, the financial viability of pension systems must be guaranteed over the long term. It is therefore necessary to conduct regular actuarial projections and to implement the necessary adjustments sooner rather than later. It is essencial to make a full actuarial evaluation of any proposed reform before adopting new legislation. There is a need for social dialogue on the assumptions to be used in the evaluation and on the development of policy options to address any finacial imbalance. Relatório de 2001 p. 4 (...) All systems should conform to certain basic principles. In particular, benefits should be secure and non-discriminatory; schemes should be managed ina sound and tansparent manner, with administrative costs as low as practicable and a strong role for the social partners. Public confidence in social security systems is a key factor for their success. For confidence
40
Afinal, não têm sido divulgados estudos governamentais no Brasil que
indiquem, por exemplo, exatamente em que áreas a seguridade social brasileira
apresenta déficit, sendo recorrente o discurso sobre dificuldades de caixa da
previdência pública, sem que se esclareça, por exemplo, se as estatísticas tratam de
modo unificado os regimes próprios de servidores públicos, e qual o impacto, nesse
contexto, da histórica omissão de aportes de contribuições pelo próprio Poder
Público.
Outrossim, também não são divulgadas com clareza análises
governamentais acerca da distribuição de recursos das diversas fontes de custeio
dentre as áreas da seguridade social, especialmente em relação a contribuições
sobre o faturamento ou receita e lucro, as quais muitas vezes não são consideradas
quando se trata de discutir suposto déficit previdenciário (ou seja, ignorando-se a
diretriz constitucional de diversidade de financiamento).
Lembre-se, por oportuno, que, muitas vezes, o discurso em torno de
um suposto déficit crônico e da alardeada inviabilidade futura do sistema
previdenciário público vem acompanhado por propostas de radical privatização da
previdência no Brasil, na linha adotada recentemente pelo Chile, em absoluto
contraste com as evidências científicas do insucesso desse modelo privatístico
outrora apresentado como panacéia para todos os males da previdência pública15.
De acordo com recentes estudos independentes(com destaque para a
Análise do Desempenho da Seguridade Social divulgada anualmente pela
Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Previdência Social – ANFIP), em
verdade, haveria significativo superávit nas contas da seguridade social como um
todo, se considerado o conjunto das fontes de custeio a ela pertinentes, sendo que
tal excesso de arrecadação deveria ser direcionado para a expansão e melhoria to existe, good governance is essential. (Conclusions Concerning Social Security, International Labour Conference, 89th session, 2001, p. 4) 15 (...) experience has shown that it is much more costly to administer individual savings accounts than social security records, that pension fund management companies (for example the Administradoras de Fondos de Pensiones (AFP) in various countries of Latin America) have high marketing costs, that levels of concentration among pension funds are high, and that private management companies cannot be relied upon to enforce compliance.” (International Labour Organization: Social Security: A new consensus. Geneva: ILO, 2001, p. 100)
41
qualitativa de serviços de saúde e assistência sociais, ou mesmo ampliação dos
patamares de benefícios atualmente concedidos. Contudo, há uma tendência
governamental à utilização dessas fontes para financiamento de outras políticas
públicas, como se fossem elas receitas genéricas do Estado.
Ocorre que, na contramão das reivindicações da sociedade organizada
por maior transparência nessa matéria, a arrecadação de todas as contribuições
destinadas à seguridade social restou recentemente atribuída ao órgão fiscal central
do Estado Brasileiro, qual seja a Secretaria da Receita Federal, implicando portanto
um estímulo a mais para gestão conjunta de receitas da seguridade social com
receitas gerais de outros tributos (possibilidade admitida pelo ordenamento jurídico,
conforme interpretação do Supremo Tribunal Federal, embora bastante discutível).
Além disso, o mais grave é que, desde o advento da Emenda
Constitucional nº 27/2000, instituidora da desvinculação de receitas da União
(mantida posteriormente pelas Emendas Constitucionais nº 42/03 e nº 56/07, até o
exercício de 2011), permitiu-se a retirada de substancial volume de recursos das
contribuições para a seguridade social que, pela sua própria feição constitucional,
apenas teriam fundamento de validade quando destinadas a servir ao financiamento
de políticas próprias da seguridade social (mesmo antes, o Fundo de Estabilização
Fiscal/Social de Emergência regulado pelas Emendas Constitucionais nº 10/96 e
17/97 já anunciava aquela desvinculação, embora não de modo tão evidente).
Assim, o constituinte derivado, ao permitir tal desvinculação, desnatura
a feição daquelas contribuições como meios de financiamento da seguridade social,
ao mesmo tempo em que ignora a diretriz constitucional de equilíbrio financeiro e
atuarial do sistema de seguridade social (art. 195, §5º, e 201).
Afinal, partindo-se do pressuposto de que não há fontes de custeio sem
a correspondente concessão de benefícios e serviços e ainda que as perspectivas
de expansão do sistema implicariam um esforço financeiro adicional, a subtração
daqueles recursos sem qualquer compensação fere de morte a lógica de
financiamento da seguridade social, comprometendo certamente as áreas da
42
seguridade mais sensíveis como a saúde e assistência social, por meio da restrição
quantitativa e qualitativa de serviços e redução do número de beneficiários e/ou de
valores transferidos.
Parece-nos que a matéria ora enfocada constitui o ambiente mais
propício à interferência dos entes representativos instituídos com fundamento na
norma constitucional que prevê a gestão democrática e descentralizada do sistema
(Conselhos de Saúde, de Previdência e Assistência Sociais), os quais deveriam ter
destacada participação na elaboração do orçamento da seguridade social, na forma
do art. 195, §2º, da Lei Maior.
Tais entes, dotados de uma composição quadripartite (formada por
trabalhadores, empregadores, aposentados e governo) seriam os mais habilitados a
fomentar a transparência do orçamento da seguridade social e a rechaçar
mecanismos que comprometam a coerência do modelo de financiamento daquele
sistema de proteção social16.
Ademais, não se conhece nenhum estudo governamental
suficientemente amplo acerca da análise gerencial global de riscos e projeções
atuariais dentro do sistema de seguridade social, inclusive para guiar políticas
preventivas e integradas, bem como a adequada mensuração da carga contributiva
a ser imposta aos interessados.
Deve-se registrar ainda o vácuo deixado pela extinção do Conselho
Nacional de Seguridade Social (extinto pela Medida Provisória nº 2.143/2001), que
constituiria a cúpula da estrutura democrática de gestão visualizada pelo
16 To finance programmes providing these “interventions”, governments require fiscal space opened up by the ability to collect taxes and contributions form all citizen and enterprises. Government spending and fiscal policies are important dimensions of the world of work. One the one hand, decent work requires a State of a certain size (size measured in terms of public expendidure as percentage of GDP). It is simply not feasibleto implement appropriate programmes and establish the necessary institutions to secure decent work in countries where governments are not able to collect the taxes or iconstributions needed to provide for basic public and social services and basic infrastructure. On the other hand, citizens must not only have the capacity to pay those taxes and contributions (if they have a sufficient level of income) but – maybe more importantly – they have to be willing to pay them. Such willingness is closely tied to – among other things – confidence in the government, and this can only be built in a democratic environment. (International Labour Organization. Social Security for all: Investing in global social and economic development. A consultation. Geneva: ILO, 2006. p. 30)
43
constituinte, sendo a instância mais indicada para coordenar tal estudo e articular a
atuação dos demais Conselhos setoriais de Seguridade Social.
Mas os problemas de coerência na abordagem do financiamento da
seguridade social não se esgotam nos aspectos acima abordados. Além de tudo
isso, a legislação infraconstitucional tem esgarçado o espectro da imunidade
conferida a entidades beneficentes de assistência social para abarcar entidades que
de fato não fornecem prestações de assistência social nos moldes próprios do
sistema de seguridade social, seja em termos qualitativos, seja em termos
quantitativamente equivalentes à renúncia de receitas envolvidas.
Como exemplo, temos a ampla concessão de tal imunidade a
entidades educacionais, embora as políticas educacionais, no Brasil, tenham fontes
orçamentárias próprias não vinculadas à seguridade social, isto sem mencionar os
inúmeros casos de entidades que já usufruíram e ainda usufruem desse benefício
fiscal fornecendo uma parcela ínfima de serviços enquadráveis como verdadeira
assistência social.
Registre-se ainda que a Emenda Constitucional nº 33/01 introduziu
imunidade em relação às receitas decorrentes de exportação (art. 149, §2º, I), ou
seja, reduzindo-se os ingressos de contribuições da seguridade social como forma
de estímulo a exportações o que, ao nosso ver, também não se coaduna com a idéia
específica de vinculação de tais contribuições a determinadas finalidades, posto que
se trata de outra forma de institucionalização do desvio de tais contribuições para
consecução de outros objetivos estatais que não a implantação de medidas de
seguridade social.
Ademais, deve-se ressaltar que, muitas vezes, tais benefícios acabam
favorecendo a camada de maior renda da população, retirando-se da seguridade
social recursos que poderiam beneficiar os mais carentes. Nesse aspecto, os
estudos da OIT também revelam preocupação com a redefinição de favores fiscais
44
que tenham efeito de anti-seletividade, ou seja, beneficiando a camada mais
favorecida da população em detrimento dos que mais necessitam de proteção17.
5.2) ESTÍMULO À INCLUSÃO PREVIDENCIÁRIA PARA TRABAL HADORES DO
MERCADO INFORMAL
Para alguns, as estatísticas atuais de exclusão de trabalhadores
informais não constituem um problema propriamente jurídico, uma vez que,
formalmente, tais trabalhadores têm a obrigação legal de gozar da cobertura pública,
mediante contribuições regulares, embora não o façam por opção própria,
colocando-se em situação ilícita diante do ordenamento jurídico. Sendo assim, o
aparelho estatal deve ser movimentado para identificar e corrigir tais situações,
inclusive valendo-se de meios coercitivos administrativos e judiciais.
Nesse ponto, vale ponderar primeiramente a inviabilidade prática de
uma fiscalização e controle eficaz sobre tais situações por parte do Estado
Brasileiro, o qual sequer dispõe de aparato suficiente para acompanhar e fazer
efetiva a obrigação contributiva de empresas de pequeno e médio porte, dificuldade
esta que aliás se reproduz em outros países do mundo, mesmo os mais
desenvolvidos18.
Ademais, em se tratando de seguridade social, o futuro desamparo
previdenciário do trabalhador informal que não contribui para o sistema acabará se
tornando um encargo maior para o Estado, uma vez que surgirá no caso mais um
cliente em potencial a engrossar as fileiras dos que fazem jus a medidas 17 Most of the financial support currently given (via tax concessions) to voluntary coverage tends to go to supplementary private prension and health insurance schemes and thus to favour the higher- groups. It is important to quantify the support that the State gives to such schemes. Such data will inform the public debate on social protection and help to define priorities in the use of public resources, so that in the future state support for voluntary coverage could be much better targeted than it is now. (International Labour Organization: Social Security: A new consensus. Geneva: ILO, 2001, p. 62) 18 Attempts to extend existing social insurance schemes to cover the self-employed have met with mixed success. Few join these schemes on a voluntary basis, as they are unwilling – and indeed frequently unable – to pay the combined worker and employer contribution. Only in some cases do people not subject to compulsory coverage have a strong incentive to contribute voluntarily, for exemple in order to preserve their pension entitlements or to complete the minimum period required to qualify for a pension. As for compulsory coverage of the self-employed, this is difficult to achieve, given the problems involved in identifying who the self-employed are and what they earn. (International Labour Organization. Social Security: A new consensus. Geneva: ILO, 2001, p. 62)
45
assistenciais. Isto porque, como acima explicado, nessa seara, a sobrevivência
digna de todos é o maior objetivo a ser alcançado pelo sistema.
Diante desse quadro, e em consonância com as orientações extraídas
dos estudos divulgados pela OIT19, o legislador constituinte derivado inseriu
recentemente, no texto da Carta Magna Brasileira, previsão expressa de um regime
especial de inclusão previdenciária voltado aos trabalhadores de baixa renda e
àqueles sem renda própria que se dediquem exclusivamente ao trabalho doméstico
no âmbito de sua residência, desde que pertencentes a famílias de baixa renda,
garantindo-lhes acesso a benefícios de valor mínimo.
Vale destacar que, no regime geral de previdência social brasileiro,
enquanto os trabalhadores que mantém relação de emprego (inclusive empregados
domésticos) e avulsos contribuem com alíquotas variando de 8%, a 9% ou 11%
sobre a respectiva remuneração, os chamados contribuintes individuais (categoria
onde se enquadraria a maioria dos trabalhadores por conta própria hoje no mercado
informal) devem contribuir com 20% sobre sua remuneração, isto sob a justificativa
de que, no último caso, não existe a contribuição adicional da empresa empregadora
(arts. 20 e 21 da Lei 8.212/91).
Assim, apenas quando o contribuinte individual presta serviços a
empresa, admite-se a possibilidade de abatimento de parte dos recolhimentos da
empresa, de modo a aproximar a alíquota real suportada pelo dito contribuinte
daquelas aplicáveis aos empregados e avulsos (art. 30, §4º, da Lei 8.212/91).
Dessa forma, aquela explícita previsão constitucional indica a
possibilidade de um tratamento diferenciado para esses trabalhadores, de modo a
estimular a regularização voluntária de suas contribuições ao regime compulsório de
19 Some special schemes for self-employed workers tend to have more sucess, particularly if the government is willing to subsidize them. Specially adapted social insurance schemes can take account of the lower contributory capacity of most self employed workers by providing a more limited benefit package then the employees scheme. Lower contributions and concentration on benefits which are of greatest interest to the self-employed (recent ILO work in several developing conuntries suggestes that these include not only health care, but also survivors and invalidity insurance) make it easier to achieve compliance. International Labour Organization: . Social Security: A new consensus. Geneva: ILO, 2001, p. 62)
46
previdência pública, embora o próprio princípio constitucional da eqüidade no custeio
da seguridade social, ao nosso ver, já permitisse a instituição de um regime mais
adequado à situação dos trabalhadores atualmente em situação de informalidade.
Desde então, a Lei Complementar nº 123/2006, estipulou uma nova
alíquota de 11% sobre o valor correspondente ao limite mínimo mensal do salário-
de-contribuição para o contribuinte individual que trabalhe por conta própria, sem
relação de trabalho com empresa ou equiparado, e para o segurado facultativo que
optar pela exclusão do direito ao benefício de aposentadoria por tempo de
contribuição.
Observe-se que, embora seguindo a novel diretriz de tratamento
especial para fins de inclusão previdenciária, o legislador infraconstitucional ainda foi
tímido ao delinear algo que, ao nosso ver, trata-se apenas de um primeiro passo
visando atingir aquele objetivo. Contudo, este ainda não nos parece suficiente para
ampliar a base contributiva do sistema conforme potencial da economia informal
hoje difundida no país. Com efeito, a limitação do salário-de-contribuição ao mínimo
nacional e a exclusão da aposentadoria por tempo de contribuição implicam também
uma forma de afastar segurados que poderiam demonstrar maior interesse em
contribuir.
Deve-se lembrar que, como acima explicado, os atuais níveis de
alíquotas que seriam aplicáveis aos trabalhadores informais configuram tratamento
deveras desigual em relação àquele dispensado aos empregados e avulsos,
diluindo-se, nesse particular, o grau de solidariedade ínsito ao regime previdenciário
público. Afinal, outras fontes de custeio foram previstas pelo constituinte para suprir
defasagem contributiva em situações como a dos trabalhadores por conta própria
que, em regra, não dispõem de contribuições de empresas empregadoras ou
tomadoras de serviço.
Portanto, pensamos ser imperiosa a definição de um regime mais
amplo de inclusão previdenciária, em consonância com as recomendações da
própria OIT, sendo que o legislador nacional tem tomado iniciativas no caminho
47
certo, embora ainda passíveis de aperfeiçoamento e implementação mais efetiva.
5.3) INTEGRAÇÃO DE POLÍTICAS ASSISTENCIAIS E DE INS ERÇÃO NO
MERCADO DE TRABALHO
Nos últimos anos, ocorreu no Brasil a implantação maciça de
benefícios assistenciais focados em segmentos hiper fragilizados20 (como idosos e
portadores de necessidades especiais que não disponham dos mínimos meios de
sobrevivência, assim como famílias com crianças em precária condição sócio-
econômica), capitaneadas pelas aposentadorias e pensões rurais, pelo benefício de
prestação continuada regulamentado pela lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência
Social) e, mais recentemente, pelo benefício de reforço de renda familiar conhecido
como “bolsa família”, criado pela Lei 10.836/04.
Este último benefício surge a partir da fusão de programas de
complementação de renda anteriormente existentes (bolsa-escola, programa
nacional de acesso à alimentação, bolsa alimentação e auxílio-gás) consistindo na
entrega de valor pecuniário fixo, por família em situação de extrema pobreza, ou
variável, para famílias em situação de pobreza ou extrema pobreza e que tenham
em sua composição gestantes, nutrizes, crianças entre 0(zero) e 12(doze) anos ou
adolescentes até 15(quinze) anos.
A referida lei estipulou o condicionamento da concessão do aludido
benefício ao cumprimento de exigências relativas ao exame pré-natal, ao
acompanhamento nutricional, ao acompanhamento da saúde e à freqüência escolar
de 85% em estabelecimento de ensino regular, sem prejuízo de outras previstas em
regulamento.
20 Means-tested social assistence has another major drawback, as it can discourage people from saving (or encourage dissaving) if they think that any savings they have will simply be deducted from the benefit that they would otherwise receive. Similarly, it may act as a disincentive from contributing to other forms of social protectionl Thus it can help to create situations of need because of the perverse incentives inherent in means testing. On the other hand, social assistance can be useful for specific vulnerable groups, such as the elderly and childrenl It may well be the only solution for widows who have not been able to contribute themselves to pension schemes or whose husbands were not covered by survivors insurance. It is often also a way of helping poor households with children;in various contries the provision of such benefits is now linked to shcool atendance. International Labour Organization: Social Security: A new consensus. Geneva: ILO, 2001, p. 66.)
48
A mesma lei criou ainda o Conselho Gestor Interministerial do
Programa Bolsa Família, encarregado de assessorar o Presidente da República na
formulação e integração de políticas públicas, definindo diretrizes, normas e
procedimentos para o programa, assim como apoiando iniciativas para instituição de
políticas públicas sociais visando promover a emancipação das famílias
beneficiárias.
Essa iniciativa brasileira vem sendo invocada nos estudos da OIT como
demonstração prática do acerto da tese em torno da relevância de tais benefícios
para redução dos níveis de pobreza extrema no mundo, fato que tem sido
repercutido inclusive na imprensa mundial.
A Lei 10.835/04 introduziu no ordenamento jurídico brasileiro o conceito
de renda básica de cidadania, apontando uma tendência do legislador à adoção, no
futuro, de um modelo universal ideal de garantia de renda21. Observa-se, entretanto,
que a previsão de implementação dessa lei em etapas, priorizando-se as camadas
mais necessitadas da população, conforme grau de desenvolvimento do país e
possibilidades orçamentárias, indica a permanência ainda, por tempo indefinido, de
um enfoque assistencial, para atendimento a clientelas de maior vulnerabilidade
social (o programa bolsa-família vem cumprindo exatamente esse papel, até o
momento).
Outrossim, em que pese a saudável vinculação do benefício
assistencial “bolsa família” ao estímulo de acompanhamento da saúde materna e
infantil, bem como à freqüência escolar, não foi ainda imaginado um significativo
mecanismo de integração ou reintegração ao mercado de trabalho associado a
benefícios dessa natureza
21 Universal cash benefits are to be found in a number of industrialized countries, but only rarely in developing countries, one example being Mauritius. Universal services, particularly public health services, are more common. However, in recent years the universal character of these health services has been greatly eroded by the imposition of user charges, form which only the destitute tend to be exempt. (...) The widest possible form of universal cash benefits is the citizen’s income, which would be provided not only for groups such as children and elderly – who are not expected to earn their living – but also for teh able-bodied of working age. This type of proposal has excited to earn their living – but also for the able-bodied of working age. This type of proposal has excited much interest in recent years. According go some of its proponents it would replace income-tested benefits such as social assistance; for others it would replace all existing social security schemes, including social insurance. (International Labour Organization. Social Security: A new consensus. Geneva: ILO, 2001, p. 65.)
49
Seria uma alternativa para estudo, nesse aspecto, a utilização do
conceito de “case management” para realocação de mão de obra no nível local (tal
como indicado para o caso de benefícios por desemprego involuntário22) e mesmo a
instituição de regressividade de benefícios conforme tempo de gozo e esforço do
beneficiário na busca de colocação profissional.
Obviamente, tais idéias pressupõem investimento público em
estruturas de assistência ao trabalhador carente e desempregado e respectiva
família, no sentido de fornecer-lhes orientação e meios imediatos para ingresso ou
retorno ao mercado de trabalho. O problema torna-se mais complexo se
considerarmos que tais políticas devem ser adequadas ao momento econômico
vivido, encontrando maiores dificuldades de implementação numa conjuntura de
estagnação ou diminuição do ritmo do crescimento econômico.
5.4) BUSCA PELA MELHORIA QUALITATIVA DOS SERVIÇOS P ÚBLICOS DE
SAÚDE
Na área da saúde, tem-se verificado no Brasil um fenômeno de
proliferação dos planos privados de saúde, o qual contraria a diretriz constitucional
de máxima estatização e padronização dos serviços de saúde. Trata-se de uma
decorrência natural da ausência de efetiva implementação do modelo de saúde
idealizado pelo Constituinte, como dito, a partir das mais modernas correntes do
pensamento internacional acerca da seguridade social.
Com efeito, a despeito da garantia formal de amplo acesso aos
serviços médicos prestados pelo Estado, a notória e crônica omissão deste em
prover serviços com a qualidade e agilidade exigidas para o atendimento eficaz das
22 In the industrialized countries the most important issue is probably to extend the personal coverage of umployment insurance schemes – in coordination with labour market policies. In most middle-income developing countries, unemployment insurance can – at a relatively modest cost – play a substancial role in coping with the unacceptable levels of hardship caused by rapidly scalating unemployment. However, the majority of workers outside the formal economy could only be protected against unemployment through macroeconomic policies, such as demand-stimulating policies and direct employment promotion measures, such as enterprise development, training and employment-intensive programmes. International Labour Organization: . Social Security: A new consensus. Geneva: ILO, 2001, p. 54.)
50
necessidades dos beneficiários faz com que os indivíduos com melhor capacidade
econômica recorram aos seguros privados, adaptados sob a forma dos planos de
saúde.
Aliás, até mesmo na implantação do SUS, verifica-se a tendência de
determinados gestores a incrementar a delegação de serviços à iniciativa privada,
com inúmeros problemas de controle e efetividade do serviço, demitindo-se com isso
o Estado da obrigação constitucional de expansão do serviço público de saúde, em
busca da universalidade do acesso aos cuidados médicos com qualidade.
Por outro lado, a despeito da certeza de que medidas simples de
prevenção tem um enorme impacto na redução de elevados custos de serviços
médicos curativos, além de incrementar os níveis de bem estar social, ainda se
verifica a timidez da atuação do Estado Brasileiro nessa seara, tendo em vista a
ausência de medidas mais eficazes no tocante ao tratamento das estatísticas
epidemiológicas e de doenças ocupacionais, por exemplo, do ponto de vista da
gestão de riscos no sistema de seguridade social.
Nesse aspecto, deve-se reconhecer que a concepção do “Programa
Saúde da Família”, hoje bastante difundido no país, voltada a ações de promoção da
saúde, prevenção, recuperação, reabilitação de doenças e agravos mais freqüentes,
no nível comunitário, constitui uma iniciativa válida naquela direção, cujos resultados
globais no contexto do sistema de seguridade ainda exigem uma análise mais
acurada.
Diante desse quadro, a implantação ou reforço de mecanismos de
controle qualitativo23 sobre a prestação de serviços médicos, bem como de políticas
23 The ILO advocates that benefit packages (i.e. packages of health services that are made available to the covered population) should be defined with a view to maintaining, restoring or improving health, the ability to work and to meet personal health-care needs. Key criteria for establishing benefit packages include the structure and volume of teh burden of disease, the effectiveness of interventions, the demand and the capacity to pay. (...) The notion of quality refers to various dimensions. They include quality of medical interventions, e.g. compliance with medial guidelines or protocols as developed by WHO or other institutions. The quality of services also includes ethical dimensions such as dignity, confidentiality, respect of gender and culture, and issues such as choice of provider and wainting times. (International Labour Organization. Social Health Protection. An ILO strategy towards universal access to health care. A consultation. Geneva: ILO, 2007, p. 14)
51
preventivas24 maciças, com foco na gestão de riscos e otimização de recursos é o
caminho certo apontado pela experiência internacional para efetivação do acesso
universal e igualitário à saúde.
Além disso, a efetiva implementação das disposições constitucionais
que vinculam recursos à saúde merece acompanhamento da sociedade organizada,
uma vez que tem sido freqüentes no Brasil expedientes visando burlar tais
determinações sob variados pretextos, como por exemplo a tentativa de inclusão
nas rubricas de gastos com saúde de despesas com programas sociais não
diretamente relacionados aos serviços de saúde25.
VI) CONCLUSÕES
Nos últimos anos, a comunidade internacional tem compreendido que
não apenas a expansão da seguridade social é economicamente viável como, em
verdade, trata-se de ordenação jurídica indispensável para o progresso e bem- estar
da humanidade.
O conceito moderno de seguridade social evoluiu a partir da
transformação e fusão de técnicas de proteção social securitárias e assistenciais,
com o incremento de enfoques preventivos e de integração entre políticas públicas
para atingimento de um ambiente de máximo bem estar social.
24 Public social protection thus provides mechanisms to help the vulnerable “live” with the risks of life. It pressupposes public interventions reducing risk, such as preventive health-care services, basic education and prevention in the area of occupational safety and health; interventions mitigating risks, like those of social security schemes for health, sickness, maternity, employment injury, old age, disability, death, family and children; and last-resort interventions to help individuals and families cope when prevention or mitigation programmes fail to work. Those interventions include all forms of social assistance providing cash and in-kind conditional transfers. (International Labour Organization. Social Security for all: Investing in global social and economic development. A consultation. Geneva: ILO, 2006. p. 30) 25 The real problem with the existing universal schemes, which are mainly to be found in the industrialized world, is not so much their agregate costs (which is usually less than that of contribubutory schems), but the fact that – unlike contributory schemes – they have to compete every year with all the government’s other expenditure priorities. What may be perceived as affordable one year may be less so the next, if policies or economic conditions have changed. International Labour Organization: Social Security: A new consensus. Geneva: ILO, 2001, p. 65)
52
Tal conceito abrangeria hoje, conforme se pode extrair de documentos
jurídicos internacionais editados ao longo do último século, um conjunto de medidas
juridicamente estruturadas pelo Estado para garantir a segurança econômica do ser
humano, considerado como membro da sociedade organizada, diante dos mais
variados riscos existenciais que possam excluí-lo do saudável convívio social,
comprometendo a sua sobrevivência digna.
Tendo em vista o reconhecimento do direito à seguridade social em
diversos instrumentos normativos internacionais, dentre os quais destaca-se a
Convenção nº 102 (Norma mínima concebida como modelo padrão básico para
cobertura de seguridade social), a OIT tem agido incansavelmente para estimular a
difusão do receituário da seguridade social como ferramenta mais eficaz para a
erradicação da pobreza extrema em todo o globo.
A OIT vem esmerando-se em aprofundar estudos e oferecer modelos
de quadros técnico-jurídicos para estruturação de sistemas nacionais de seguridade
social sustentáveis em todo o mundo, respeitado o nível de desenvolvimento
econômico de cada país.
Esse esforço, atualmente concentrado na Campanha Global para
expansão da cobertura, abrange a indicação de modos de estruturação ou
reestruturação de sistemas de seguridade social, seja por meio da expansão formal
da cobertura em consonância com os parâmetros da norma mínima, seja pela
implantação de alternativas transitórias (micro esquemas comunitários, por exemplo)
como primeiro passo para tal expansão.
Dentre tais medidas, constam a adaptação e flexibilização de
esquemas de seguro social para atrair e incluir trabalhadores do mercado informal,
estímulo à estruturação de micro esquemas comunitários para cobertura prioritária
de alguns riscos, inserção de benefícios universais como no caso dos serviços de
saúde (carro-chefe da expansão da seguridade social), bem como de benefícios
assistenciais focados nos segmentos hiper vulneráveis da sociedade.
53
Cogita-se inclusive acerca da implantação de uma estratégia mundial
de expansão da cobertura da seguridade social, contando com apoio financeiro
voluntário dos países mais desenvolvidos (ou mesmo mediante tributação
internacional) para suprir ou catalisar investimentos nos países mais pobres do
mundo, exigindo-se a implantação de medidas de seguridade social sob supervisão
de entes internacionais.
As recomendações da OIT abrangem especialmente a concretização
de planejamento fundado em projeções atuariais,assim como a utilização de fontes
de custeio viáveis no longo prazo, admitindo-se o recurso a variadas técnicas de
financiamento. Além disso, considera-se primordial a participação democrática dos
principais interessados na gestão do sistema.
Analisadas as orientações acima sintetizadas, constata-se que a
Constituição Brasileira de 1988 estruturou um sistema de seguridade social
compatível com o que há de mais moderno em termos de pensamento mundial
sobre proteção social em face dos riscos sociais. A estruturação articulada dos
subsistemas de saúde, previdência e assistência social, assim como o diversificado
lastro financeiro conferido ao sistema como um todo, refletem diversas orientações
já consolidadas nos estudos divulgados pela OIT como alternativas mais viáveis
para implementação daquela proteção.
Diante disso, perdem consistência quaisquer críticas ou propostas de
retrocesso na amplitude e no desenho estrutural da seguridade social brasileira,
visando –se, por exemplo, uma radical privatização do sistema, ou mesmo a
redução drástica de níveis de benefícios objetivando-se o fornecimento exclusivo de
pensões assistenciais básicas.
Por outro lado, detectamos distorções na implementação de tal sistema
pela legislação infraconstitucional, as quais merecem reflexão e atuação legislativa e
administrativa, especialmente no tocante à falta de planejamento atuarial e
financeiro em grande escala, bem como à freqüente incoerência no gerenciamento
de mecanismos de financiamento, seja admitindo-se o desvio de contribuições
54
sociais para a seguridade para atendimento de outras despesas públicas, seja
admitindo-se exonerações fiscais em favor de entidades que não fornecem
proporcionalmente benefícios ou serviços próprios da seguridade social.
Nesse aspecto, constata-se a ausência de maior transparência na
gestão financeira da seguridade social, bem com de maior interferência das
instâncias de controle social nessa gestão, impondo-se portanto o incremento
desses fatores de confiança para fortalecimento do sistema.
Ademais, extrai-se ainda das preocupações mais vanguardistas da
OIT, aplicáveis ao caso do Brasil, a necessidade de concepção de regimes especiais
para inclusão voluntária em larga escala de trabalhadores do mercado informal no
sistema de seguridade social por meio de adaptação e flexibilização de esquemas
de seguro social; de estruturação de políticas integradas para (re)inserção no
mercado de trabalho de beneficiários de prestações de desemprego ou
complemento assistencial de renda familiar; bem como da implantação ou reforço de
medidas preventivas e de avaliação e controle qualitativo nos serviços de saúde.
De qualquer forma, numa análise macroscópica do ordenamento
jurídico brasileiro e dos efeitos práticos aferidos a partir de sua aplicação, a despeito
dos sérios problemas brevemente apontados neste trabalho, constata-se que o país
tem ganhado destaque no contexto internacional de esforço para erradicação da
pobreza e redução das desigualdades sociais, por meio da implementação do
conceito de seguridade social, o que nos faz acreditar que o Estado Brasileiro,
apesar de incidir em desvios e incoerências pontuais, segue, em geral, no caminho
certo para alcançar aquele objetivo.
55
VII) REFERÊNCIAS
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