Andrew jennings brasil em jogo
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- 1. Sobre Brasil em jogo Juca Kfouri Ter um olhar crtico sobre
os megaeventos no Brasil no patritico nem antipatritico. apenas o
necessrio olhar crtico. E que, enm, se precisar ser definido alm
disso, muito mais a favor do Brasil do que contra. Gilberto
Maringoni No vai ter Copa foi uma das palavras de ordem que
emergiram das ruas de junho de 2013. Expressa indignao com gastos
faranicos e faz um chamado rebelio. Mais que uma palavra de ordem,
uma ordem em si, um apelo fechado, sem margens para mediaes ou
dvidas. Em outras situaes da Histria, ativistas e militantes
buscaram agregar gente com brados terminativos. Foi o caso de No
pasarn!, dos republicanos espanhis, nos anos 1930, e de No
recuaremos nem um milmetro, dito em vrios momentos. Na maior parte
dos casos, houve recuos brutais. Vrias ebulies macias da Histria
moderna foram sintetizadas em expresses simples, concretas e
abertas. Movimentos vitoriosos, dirigidos com boa percepo do mundo
ao redor, geraram conclamaes quase poticas, que eletrizaram
multides. Liberdade, igualdade e fraternidade, Paz, po e terra e
Diretas j! so alguns exemplos. Melhor que No vai ter Copa dizer
Ocupa Copa, ou Copa pra quem?. Esse esprito amplo e exvel d o tom
nos captulos deste livro, que disseca, com enfoques variados, as
rotas do dinheiro e do poder nas cidades-sede da Copa e das
Olimpadas e o legado de tais iniciativas para os brasileiros.
- 2. Sumrio Nota da editora Um teatro milionrio, Joo Sette
Whitaker Ferreira A Copa do Mundo no Brasil: tsunami de capitais
aprofunda a desigualdade urbana, Ermnia Maricato Jogo espetculo,
jogo negcio, Nelma Gusmo de Oliveira Lei Geral da Copa: explicitao
do estado de exceo permanente, Jorge Luiz Souto Maior Transformaes
na identidade nacional construda atravs do futebol: lies de duas
derrotas histricas, Jos Sergio Leite Lopes A mfia dos esportes e o
capitalismo global, Andrew Jennings Para alm dos Jogos: os grandes
eventos esportivos e a agenda do desenvolvimento nacional, Luis
Fernandes Megaeventos: direito moradia em cidades venda, Raquel
Rolnik Como sero nossas cidades aps a Copa e as Olimpadas?, Carlos
Vainer A Copa, a imagem do Brasil e a batalha da comunicao, Antonio
Lassance O que quer o MTST?, Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto
Cronologia dos megaeventos esportivos Imagens Sobre os autores
Crditos
- 3. Nota da editora Idealizada e organizada coletivamente, esta
obra lana olhares multifacetados sobre os megaeventos esportivos
sediados pelo Brasil, a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olmpicos e
Paraolmpicos de 2016, e, em especial, sobre sua relao com a cidade.
A partir de uma pauta elaborada pelas equipes da Boitempo e da
Carta Maior, encomendou-se a maioria dos textos diretamente aos
autores, que, para tornar o livro mais acessvel, abriram mo de
receber remunerao pela publicao de seus artigos. A parceria com a
Carta Maior essencial para que esta obra possa alcanar o maior
nmero de pessoas, estimulando, quem sabe, seu olhar crtico e o
desejo de lutar efetivamente pelos direitos do cidado. Agradecemos
ao MdiaNINJA (que tambm colaborou nos volumes anteriores desta
coleo), ao Ministrio do Esporte e ao fotgrafo Apu Gomes pela cesso
das imagens que ilustram este livro. ]Antecedido por Occupy:
movimentos de protesto que tomaram as ruas ](2012) e Cidades
rebeldes: Passe Livre e as manifestaes que tomaram as ruas do
Brasil ](2013), este Brasil em jogo: o que ca da Copa e das
Olimpadas? ] o terceiro volume da coleo Tinta Vermelha, que rene
obras de interveno e teorizao sobre acontecimentos atuais. O ttulo
da coleo uma referncia ao discurso de Slavoj iek aos manifestantes
do Occupy Wall Street, na Liberty Plaza (Nova York), em 9 de
outubro de 2011. O lsofo esloveno usou a metfora da tinta vermelha
para expressar a encruzilhada ideolgica do sculo XXI: Temos toda a
liberdade que desejamos a nica coisa que falta a tinta vermelha:
nos sentimos livres porque somos desprovidos da linguagem para
articular nossa falta de liberdade. A ntegra do discurso est
disponvel em: . Com a colaborao dos autores deste livro e de outros
que fazem parte do catlogo da editora, seguiremos, at o nal das
Olimpadas, alimentando a reexo no Blog da Boitempo, em um dossi
disponvel em: .
- 4. Apresentao Um teatro milionrio Joo Sette Whitaker Ferreira
Primeiro ato: uma boa ideia de marketing urbano Meados dos anos
1980. Os pases desenvolvidos vivem a crise da chamada reestruturao
produtiva. Reduz-se a disposio dos Estados de bem-estar para manter
polticas sociais universais e gratuitas, ainda mais face ao aumento
signicativo de imigrantes. Hegemoniza-se a mudana para um modelo
neoliberal, liderada por Thatcher na Gr-Bretanha e Reagan nos
Estados Unidos: os investimentos pblicos tornam-se cada vez mais
pontuais e exclusivistas, politicamente mais bem-recebidos pelos
segmentos de alta renda, em detrimento dos programas sociais
estruturais. A economia mundial se nanceiriza e se endivida,
consolidando um modelo que iria estourar dcadas depois, na crise de
2008. A disputa por investimentos torna-se acirrada. No mbito
urbanstico, parques industriais e equipamentos (como estaes de
trem) tornam-se obsoletos. Os centros urbanos popularizam-se e
absorvem milhares de imigrantes; o desemprego bate forte e a crise
nas cidades se instaura. A palavra renovao urbana soa como msica
para enfrentar uma situao social que no agrada nem s elites nem aos
governantes. O modelo de bem-estar social comea a se esfacelar,
dando lugar ao combate chamada degradao urbana. Paradoxalmente, foi
um governo socialista, do francs Mitterand, que inaugurou o que se
tornaria uma soluo para essas reas: transform-las por meio da
construo de grandes equipamentos culturais (museus, peras e ans),
smbolos arquitetnicos que aquecem o mercado imobilirio e da
construo civil, do um lustre moderno gura do governante, dinamizam
o turismo e revigoram o chamado marketing da cidade, ao preo de uma
forte valorizao e elitizao[1]. A ideia difundida era a de que os
gastos concentrados muito menores do que polticas sociais em grande
escala gerariam uma imagem positiva da cidade, capaz de atrair os
fluxos do novo capital financeiro. Segundo ato: uma receita de
urbanismo Nos anos 1990, a receita espalhou-se pelo mundo
desenvolvido com tanto sucesso
- 5. que importantes urbanistas como Ermnia Maricato e Carlos
Vainer, que escrevem neste livro chegaram a apontar a hegemonizao
de um pensamento nico nas cidades[2]. Em suas pretenses globais, as
wannabe world cities[3] passam a disputar os uxos de capitais
nanceiros. Multiplicam-se as obras simblicas, assinadas por grandes
arquitetos, emergentes de um novo jet set internacional da
profisso. A renovao das docas de Londres e o museu Guggenheim em
Bilbao so alguns dos incontveis exemplos de renovaes urbanas
realizadas segundo essa receita de urbanismo do espetculo, como
Maricato aponta no artigo publicado neste volume. O aspecto central
que, em todas elas, foi fenomenal o comprometimento de recursos
pblicos, sempre com a justicativa de que as obras, minas de ouro
para o mercado imobilirio e da construo civil, eram necessrias nova
competitividade global. Porm, nem sempre as requalicaes de bairros
obsoletos com dinheiro pblico tiveram a aceitao esperada, apesar do
selo cultural. Na crise econmica, a estratgia de comprometer
recursos foi negativamente cotejada com a reduo dos investimentos
nas polticas sociais. Era necessrio legitimar esse modelo de alguma
forma. Percebeu-se ento que grandes eventos, sobretudo os
esportivos, que movem paixes nacionais, tinham a grande qualidade
de serem popularmente aceitos. A ideia era associar esses eventos s
obras de requalicao urbana desejadas. Assim, ao redor de um grande
estdio, de um pavilho de exposies, comearam a ser erguidos centros
de negcios, bairros de alto padro etc. Operaes casadas em que
governantes e investidores saam ganhando, com a vantagem do apoio
popular. A Copa do Mundo da Fifa e os Jogos Olmpicos do COI, os
megaeventos mais importantes nesse cardpio, passaram a ser
disputados ferozmente pelas cidades do mundo. Como demonstra Nelma
Gusmo de Oliveira, a Fifa e o COI perceberam o poder que tinham nas
mos. Governantes passaram a trat-los como fontes milagrosas de
capitais. Quem obtivesse o direito de sediar seus eventos teria uma
justicativa de inquestionvel popularidade para dispor de rios de
dinheiro pblico em nome da modernizao da cidade, alavancando
negcios milionrios para o setor privado. Porm, necessidades
legitimamente urbansticas e, em geral, mais urgentes eram passadas
para trs. Em 1992, Barcelona, cidade que j dispunha de excepcional
plano urbanstico desde o comeo do sculo XX, inaugurou com certo
sucesso essa frmula, que seria ento vendida ao planeta. Urbanistas
catales, como Jordi Borja, percorreram o mundo como verdadeiros
gurus. Polticos da cidade alaram voos mais altos. Joan Clos,
responsvel nanceiro nos Jogos Olmpicos e por duas vezes prefeito da
cidade, hoje diretor executivo da UN-Habitat, da ONU. Tanto a Fifa
quanto o COI souberam transformar espetculos esportivos em grandes
negcios, como observa Nelma Gusmo de Oliveira, seguindo uma escola
bem brasileira de trato com o poder vide Joo Havelange dirigente da
Fifa e do COI por
- 6. dcadas. Favores, comisses e outras formas de negociao pouco
transparentes passaram a ditar a escolha das cidades-sede, mas
sobretudo os processos subsequentes de organizao dos eventos. A
Fifa, o COI e mesmo a FIA, da Frmula 1, viram-se frequentemente
envolvidas em escndalos de corrupo. E uma voz quase solitria passou
a denunciar corajosamente tais descalabros: a do jornalista escocs
Andrew Jennings, presente neste volume com o belo depoimento A ma
dos esportes e o capitalismo global. Entreatos: quem ganha com os
eventos? O lucro dos megaeventos redunda em ganhos fabulosos para
as instituies organizadoras. O evento por si s j uma mquina de
dinheiro, com a venda de ingressos, direitos televisivos, de
publicidade e imagem. Porm, se para a Fifa o negcio lucrativo, com
zero por cento de riscos, no to seguro assim para os
patrocinadores. Por isso, alis, eles caram apavorados com as
manifestaes de junho de 2013 no Brasil e exigiram medidas
draconianas para proteger sua exclusividade. A regra clara: todo
lucro deve ser garantido s empresas que pagaram por isso. Para os
governos, porm, a conta no to certa, pelo menos em termos
monetrios. O suposto grande lucro poltico-eleitoral. Governantes
veem sua imagem abrilhantada pela competncia em ter conseguido
atrair um evento globalmente popular, que coloca a cidade ou o
pas-sede na vitrine do mundo. No entanto, do ponto de vista
nanceiro, at hoje no se mostrou, na ponta do lpis, o resultado nal
da equao entre os montantes de dinheiro pblico investidos, os
custos da manuteno dos equipamentos aps os eventos e os resultados
comerciais efetivos no turismo e no comrcio. H casos de Jogos
Olmpicos cujos lucros foram nmos, como em Atlanta (1996), ou que
geraram signicativo dcit, como em Montreal (1976) e Atenas (2004).
Muitas vezes trata-se to somente de transferncias indiretas de
recursos pblicos para setores especcos (como o de hotelaria), e os
custos sociais e ambientais so de difcil medio. Mas o que ajuda a
transformar megaeventos em minas de ouro so as obras que alavancam.
Exigidas pelos rgos organizadores em comum acordo com os governos
hospedeiros, alimentam os mercados da construo civil, fundirio e
imobilirio. A valorizao fundiria espetacular, gerando disputas
locais ferozes. Como mostra Ermnia Maricato neste livro, nos pases
em desenvolvimento, o tsunami de capitais envolvidos aprofunda a
dinmica estrutural de desigualdade urbana e segregao socioeconmica.
Junto a estdios, ginsios ou pavilhes, estruturam-se empreendimentos
comerciais e bairros de negcios e so construdas importantes vias de
acesso que interessam especialmente aos organizadores e raramente
so prioritrias para a cidade. O caso de So Paulo na Copa de 2014
exemplar: mobilizaram-se recursos
- 7. federais especcos para a construo de um monotrilho suspenso
que serviria o estdio da abertura da Copa, na Zona Sudoeste da
cidade. Porm, por disputas locais e presso da Fifa, optou-se pela
construo de um estdio novo, na Zona Leste, a custos e comisses
muito mais altos. Mas o monotrilho da Copa continuou a ser
construdo para levar torcedores ao estdio anterior. O novo estdio,
por sua vez, foi implantado sem nenhum projeto de integrao com a
malha urbana local. Alm disso, as entidades esportivas indicam
empresas amigas para os projetos de engenharia, interferem nas
escolhas das empreiteiras e pressionam os governos a abrirem
pesadas linhas de nanciamento. Sua fora tanta, e a submisso dos
polticos locais to gritante, que conseguem forar a aprovao de leis
especcas e excepcionais para garantir seus privilgios como mostram
neste livro Carlos Vainer e Jorge Luiz Souto Maior. Nos pases
desenvolvidos, entretanto, tais procedimentos no passam
despercebidos. A diculdade em equacionar os investimentos pblicos e
os lucros eventuais, o dcit estrondoso de alguns eventos e as
acusaes de corrupo comeam a mobilizar a sociedade civil, que
protesta cada vez mais veementemente vide a desistncia de Estocolmo
em concorrer para os Jogos Olmpicos de Inverno de 2022. Terceiro
ato: a caminhada para o Sul Ao longo dos anos 1980 e 1990, com
exceo do Mxico em 1986, todas as Copas da Fifa foram realizadas em
pases desenvolvidos, alavancando grandes obras de reabilitao
urbana, como no caso do Stade de France, localizado na periferia
norte da capital francesa. A Copa de 2002 marcou uma transio ao ser
coorganizada por um pas desenvolvido, o Japo, com um tigre asitico
em ascenso, a Coreia do Sul. Era o comeo de uma movimentao em direo
aos pases em desenvolvimento. frica do Sul, Brasil, Rssia e Catar,
com democracias ainda jovens (com exceo do totalitrio Catar), foram
escolhidos para sediar as Copas de 2010 a 2022. Muitos analistas,
dentre os quais me incluo, avaliam que esse deslocamento foi
claramente estratgico, devido aos protestos cada vez mais
frequentes contra os megaeventos nos pases do Norte. Mais do que
isso, as estruturas governamentais dos novos antries, geralmente
contaminadas por uma corrupo estrutural, so especialmente
vulnerveis s presses exercidas pelos grandes players dos
megaeventos, sendo mais fcil dobrar os polticos locais para aprovar
leis de exceo, mesmo que representem retrocessos gritantes em suas
conquistas sociais, como mostra parte dos textos desta coletnea.
Externamente, os pases em desenvolvimento mas em ascenso no cenrio
econmico mundial, usam os megaeventos esportivos como vitrines de
seu sucesso econmico. O caso da China sintomtico: com investimentos
de mais de US$ 40
- 8. bilhes para promover os Jogos Olmpicos, rmou sua imagem de
grande potncia internacional. No Brasil, o empenho do presidente
Lula na candidatura para a Copa e as Olimpadas diz muito sobre o
papel estratgico desses eventos para a imagem de um pas. Trata-se
de posicionar-se no capitalismo nanceiro global como um bom lugar
para investimentos. Internamente, em pases com severas insucincias
de logstica e infraestrutura e sedentos por investimentos que lhes
permitam constru-las, esse discurso facilmente apoiado pela opinio
pblica. O discurso do legado dos megaeventos ento amplamente
difundido. Estabelece-se uma coalizo poltico-econmica que envolve
diversos atores: os organismos esportivos internacionais e seus
pares nacionais, os governos locais e os rgos pblicos de
nanciamento, as grandes empreiteiras, as elites fundirias e
imobilirias. Todos se mobilizam para fazer funcionar uma mquina de
crescimento. Porm, como habitual, confunde-se crescimento econmico
com desenvolvimento. E a iluso tem pernas curtas. As experincias de
outros pases, como China, Grcia, Canad, frica do Sul ou at mesmo
Frana, mostram que os equipamentos construdos para os megaeventos
tm uma capacidade muito baixa de integrao aps a concluso dos
eventos[4]. Linhas de transporte mostram-se superdimensionadas aps
o evento, e elefantes brancos surgem no meio do nada, exigindo
enormes custos de manuteno. O estdio Olmpico de Montreal um exemplo
simblico, que se repetiu na China e na frica do Sul. No Brasil, a
paixo futebolstica e o tamanho de certas torcidas ameniza um pouco
esse problema, porm, em Braslia, Manaus ou Natal, cidades que nem
sequer tm equipes na primeira diviso nacional, isso certamente se
evidenciar. Essa discrepncia entre a construo de equipamentos e sua
integrao posterior vida econmica e urbana local evidentemente mais
dramtica nos pases subdesenvolvidos. A Alemanha alega que a Copa do
Mundo de 2006 lhe permitiu reestruturar seu sistema de vias frreas,
o que muito provvel. Mas pases como a frica do Sul ou o Brasil
ainda apresentam carncias enormes de servios bsicos, como
saneamento, equipamentos pblicos ou mesmo habitao digna. E
justamente a populao mais pobre a mais atingida pelos megaeventos,
como mostram Raquel Rolnik e o MTST neste livro. A proliferao de
empreendimentos imobilirios de alto padro nas proximidades dos
estdios e outras obras emergenciais provocam um duplo processo de
expulso da populao mais pobre, seja pela remoo sumria e violenta
dos assentamentos, seja pela expulso natural decorrente da forte e
nada regulada valorizao imobiliria consequente. A Copa e os Jogos,
nesse sentido, acirram nosso apartheid urbano. Por m, h uma
externalidade que se exacerba nos pases em desenvolvimento,
acrescentando um toque trgico barbrie: a intensicao da explorao
sexual (incluindo infantil) decorrente do turismo sexual que se
escamoteia por trs das viagens oficiais de muitos torcedores
- 9. ltimo ato: uma Copa eleitoral A Copa do Mundo do Brasil tem,
para completar, uma peculiaridade: ocorre a poucos meses de uma
eleio presidencial. Pouca gente bem informada no pas acreditaria
que o ento presidente Lula tenha sido ingnuo e no percebera essa
coincidncia quando da candidatura brasileira. Trata-se, evidente,
de uma aposta poltica. Arriscada, mas, em caso de sucesso,
extremamente lucrativa: se o Brasil organizar bem a Copa (e, ainda
por cima, venc-la), nada mais impedir a ampla aceitao dos Jogos
Olmpicos do Rio e os louros polticos para o governo. Resta saber se
Lula havia previsto os eventos de junho de 2013, que abalaram o pas
justamente na ocasio da Copa das Confederaes. As manifestaes que
ento mobilizaram a juventude brasileira foram a expresso de uma
revoluo geracional[5]. Jovens que cresceram em um ambiente
democrtico, com enorme disponibilidade de informao,
conscientizaram-se de que o pas carece de um legtimo sentido
pblico, e a razo que os levou s ruas, originalmente, foi a
reivindicao de polticas pblicas universais. Nesse ambiente crtico,
era natural que se questionasse a insensatez dos gastos com os
megaeventos. Em um pas ainda pobre apesar de muito rico (o que
caracteriza a modernizao conservadora e a condio de
subdesenvolvimento), com indecente concentrao da renda, em que as
polticas pblicas mostram-se constrangedoramente inecazes, a
concentrao de recursos pblicos nos equipamentos da Copa revelou-se
incoerente e antagnica com o prprio discurso governista ocial de
acabar com a pobreza no pas. Essa incoerncia foi cobrada, nas
manifestaes de 2013, do governo federal, que se defendeu dizendo
que os recursos pblicos vinham sobretudo dos Estados que aceitaram
receber a Copa. De maneira geral, a justicativa governista
ampara-se na sinergia econmica gerada pelos investimentos,
permitindo obras de infraestrutura e modernizao e,
consequentemente, aquecendo a economia. esse o argumento central
sustentado neste livro por Luis Fernandes, secretrio executivo do
Ministrio do Esporte. Se esse discurso tem aspectos verdadeiros
(alguma modernizao nos aeroportos, por exemplo), ele se fragiliza
quando cotejado, pelos jovens, com uma realidade em que o dinheiro
pblico frequentemente desviado pela corrupo e, principalmente, o
setor privado mostra estar mais interessado em sua lucratividade do
que em contribuir com a modernizao do pas. Alm do mais, rpida a
proliferao de notcias mostrando o asco nanceiro de vrios desses to
festejados megaeventos, ainda mais em ano eleitoral, em que os
aspectos negativos seriam, obviamente, capitalizados pela oposio.
Com isso, a Ptria do Futebol, ironicamente, deu uma lio ao resto do
mundo na Copa das Confederaes: nunca havia se visto tamanha
mobilizao de protesto contra um evento cuja popularidade ainda to
dominante. Repercutia no mundo que o povo
- 10. brasileiro, cuja identidade, como esmiua Jos Sergio Leite
Lopes neste livro, se confunde com o futebol, era contra a Copa. E
tanto a Fifa quanto o governo sentiram o golpe. Mas se as
manifestaes haviam comeado com protestos legtimos por maior
moralidade poltica, foram rapidamente manipuladas pela grande mdia
corporativa e transformadas em um movimento oposicionista
antidemocrtico. Slogans como O gigante acordou e Vem pra rua voc
tambm e a induo s vestes brancas ou verde-amarelas contra tudo que
est a tornaram-se as palavras de ordem de uma mobilizao vaga em
objetivos, claramente insuada pelo poder econmico e miditico para
atingir e desestabilizar a presidenta e o regime democrtico. Muito
antes da Copa vir para o Brasil, a mobilizao contrria aos
megaeventos era expressada isoladamente por setores de esquerda da
intelectualidade acadmica, vozes isoladas perante a fora ideolgica
do discurso pr-Copa e perdedoras no jogo poltico nacional. Nada
parecia impedir a coalizo de interesses que se formara em favor da
Copa e dos Jogos, envolvendo amplos setores do empresariado e da
grande mdia. A disputa eleitoral e a polarizao poltica no Brasil
iriam, entretanto, desfazer esse consenso. A pauta foi
repentinamente encampada, com os mesmos argumentos, pelos setores
mais conservadores da sociedade, em clara manobra eleitoral de
oposio ao governo. Para seu desconforto, os que vinham construindo
uma forte e bem embasada argumentao contra os megaeventos
esportivos durante anos, de forma isolada e batendo de frente
contra a opinio da maioria, viram alinhar-se a seu lado guras do
extremo oposto do espectro poltico. Nada pior para os
oposicionistas originais, por assim dizer. Da noite para o dia, nas
redes sociais, na grande mdia corporativa, gente mais habituada aos
shoppings-centers e carros blindados passou a indignar-se com a
pobreza e a proferir um discurso que no lhe cabia. Setores
empresariais e miditicos que de incio festejaram os provveis
negcios engendrados pelos megaeventos tornaram-se preocupados com a
m qualidade da educao, da sade ou dos transportes, repetindo um
apropriado slogan de rpida aceitao por parte da opinio pblica menos
politizada: Imagina na Copa. claro que h por trs disso uma
supervalorizao especulativa. Primeiro porque, apesar do exagero da
Fifa em suas exigncias, a Copa do Mundo no mais do que uma srie de
jogos de futebol espalhados pelo territrio, em um pas habituado a
ver semanalmente seus estdios lotados. Se os jogos da Copa tm um
grau de exigncia organizativa maior, ainda assim isso no os difere
tanto daquilo com que j estamos bastante habituados. Alm disso,
nenhum dos grandes problemas previstos realmente indito: notcias de
desorganizao e confuses de todo tipo na logstica de Copas do
Primeiro Mundo, seja na Frana ou na Itlia, existem profuso. Nem
mesmo a represso a manifestaes, to temidas por aqui, tem sido
especialmente pior do que se v nas manifestaes europeias. Houve,
deve-se dizer, um exagero politicamente certeiro nas previses
alarmistas da Copa, que se revertem em um pessimismo com relao ao
pas. Nada mais oportuno para contrabalancear o discurso
- 11. eufrico de prxima grande potncia mundial que Lula havia
cuidadosamente construdo, associando-o sua imagem. Os movimentos
sociais, por sua vez, tm tambm timo sentido de oportunidade, e de
repente, valendo-se do interesse da mdia em polemizar sobre o
evento, passam a associar inteligentemente todas as suas aes Copa.
Mas o que deve ser ressaltado que suas reivindicaes vo muito alm
das preocupaes conjunturais com os gargalos logsticos e de
infraestrutura turstica, e no se encerraram com a nal da Copa do
Mundo, pois a educao pblica no pas continuar precria e a falta de
moradia, crnica, assim como a prostituio infantil e a ao predadora
do grande capital imobilirio continuaro sendo problemas relevantes.
[1] Ver Carlos Vainer, Os liberais tambm fazem planejamento urbano,
em Otlia Arantes, Ermnia Maricato e Carlos Vainer (orgs.), A cidade
do pensamento nico: desmanchando consensos (Petrpolis, Vozes,
2000), p. 117- 9, col. Zero Esquerda. [2] Ver Otlia Arantes, Ermnia
Maricato e Carlos Vainer (orgs.), A cidade do pensamento nico, cit.
[3] Como as chamou John Short, Urban Imagineers, em Andrew E. Jonas
e David Wilson, The Urban Growth Machine: Critical Perspectives Two
Decades Later (Nova York, State University of New York Press,
1999). [4] Sylvain Lefebvre e Romain Roux, Laprs-JO. Reconversion
et rutilisation des quipements olympiques, Espaces, Loisirs et
Tourisme, n. 263, 2008, p. 30-42. [5] Ver Joo Sette Whitaker
Ferreira, Uma revoluo geracional?, blog Cidades para que(m)?,
disponvel em: .
- 12. A Copa do Mundo no Brasil: tsunami de capitais aprofunda a
desigualdade urbana[a] Ermnia Maricato Revitalizao, reabilitao,
revalorizao, requalicao, reforma, no importa o nome dado ao
processo que rene capitais internacionais especializados no
urbanismo do espetculo e que utiliza como libi megaeventos
esportivos, culturais ou tecnolgicos: com frequncia, so as mesmas
instituies nanceiras, as mesmas megaconstrutoras e incorporadoras e
os mesmos arquitetos do star system que promovem um arrasto
empresarial a m de garantir certas caractersticas a um pedao da
cidade que se assemelha, no mais das vezes, a um parque temtico[1].
Endividamento, especulao imobiliria e gentricao so marcas que, com
raras excees, acompanham essas custosas transformaes, to comumente
alardeadas como vantajosas. No caso da Copa do Mundo, as exigncias
feitas pela Federao Internacional de Futebol Associado (Fifa) e
pelo Comit Olmpico Internacional (COI) impactam profundamente o
contexto jurdico, econmico, social e urbanstico dos pases-sede, de
forma a denir os padres para os projetos e obras, os contratos
comerciais para a veiculao das imagens e os produtos a serem
vendidos, de acordo com os patrocinadores. Aos grandes capitais
internacionais ligados aos megaeventos somam-se capitais nacionais
e locais das reas de construo civil, mercado imobilirio, turismo,
gastronomia e hotelaria. Polticos de planto integram essa mquina de
crescimento, apostando na visibilidade de suas iniciativas e no
apoio econmico para futuras campanhas. A dilapidao do fundo pblico,
seguindo leis casusticas e apressadas, alm de projetos incompletos,
se d sob o argumento do legado que, aps o megaevento, restar em
benefcio de toda a populao. No entanto, a experincia mostra que
esse cenrio tende a contrariar as necessidades locais e sobrar como
um conjunto de elefantes brancos, como aconteceu com o Ninho de
Pssaro em Pequim ou com o estdio construdo na Cidade do Cabo para a
Copa de 2010 cuja demolio chegou a ser cogitada. Algo semelhante
ocorre com as obras de mobilidade e de moradia. O interesse social
libi para um milionrio movimento de construo, que, entretanto,
ignora as reais necessidades populares. Uma tendncia geral de
expulso dos pobres da cidade, com a valorizao imobiliria
vinculando-se distino de classe, o que se verica.
- 13. Ainda assim, apesar de reconhecer a montona regularidade
das estratgias territoriais (e sociais) que acompanham os
megaeventos no mundo, impossvel conter a perplexidade diante do que
acontece hoje com as cidades brasileiras na Copa de 2014, em
especial com a violentada metrpole do Rio de Janeiro, que sediar
tambm os Jogos Olmpicos de 2016[2]. O urbanismo do espetculo e os
megaeventos Antes de mencionar a especicidade da relao entre
megaeventos e cidade, preciso lembrar o papel das cidades na
chamada globalizao neoliberal. O processo de assalto s economias
nacionais, com propostas de renovaes urbanas que incluem grandes
obras e exibilizao da normativa urbanstica, no acontece
exclusivamente em funo dos grandes eventos: pode-se dizer que uma
das estratgias regulares da globalizao neoliberal. Com os
megaeventos, essa tendncia se potencializa. As cidades ocupam um
papel importante no processo de acumulao no capitalismo
globalizado, do qual, por ocasies dos meganegcios, o espao urbano,
as obras de infraestrutura e as edificaes constituem parte
essencial. De fato, o m do Estado provedor e a emergncia da
globalizao neoliberal entre anos 1970 e 1980 tiveram um impacto
profundo nas cidades, em especial nas do capitalismo perifrico, que
nunca viveram a plenitude dos direitos sociais. Ao lado do recuo
das polticas sociais e do aumento do desemprego, da pobreza e da
violncia, um novo iderio de planejamento urbano substituiu o ideal
de urbanismo modernista. Desregulamentao, exibilizao e privatizao
so prticas que acompanharam a reestruturao das cidades no intuito
de abrir espao para os capitais imobilirios e de infraestrutura e
servios. preciso entender as foras que tomam o comando desse
processo e o iderio urbanstico que o acompanha. As privatizaes
foram ampliadas sob a argumentao da inecincia do Estado e ecincia
do mercado, ideia construda por uma campanha mundial espetacular
sustentada por agncias multilaterais (incluindo o Banco Mundial e o
FMI) e conglomerados internacionais. A palavra de ordem mais
mercado, menos Estado mostrou-se falaciosa, pois o que se constatou
foi menos Estado para investimentos e polticas sociais, mas mais
Estado para proteger e sustentar as foras do mercado, como comprova
a inacreditvel trajetria das dvidas externas dos pases
perifricos[3]. Apesar da roupagem democrtica e participativa,
inspirada inicialmente na experincia de Barcelona, as propostas dos
planos estratgicos combinaram-se perfeitamente ao iderio neoliberal
que orientou o ajuste das polticas econmicas nacionais por meio do
Consenso de Washington, a m de que as cidades se adequassem aos
novos tempos de reestruturao produtiva no mundo ou, mais
exatamente, de relao de subordinao s novas exigncias do processo
de
- 14. acumulao capitalista ainda sob o Imprio norte-americano.
Por aqui, o plano estratgico cumpre o papel de, ao mesmo tempo,
desregular, privatizar e fragmentar, dando ao mercado um espao
absoluto e reforando a ideia da cidade autnoma que necessita
instrumentar-se para competir com as demais na disputa por
investimentos, de modo a transform-la em uma mquina urbana de
produzir renda[4]. A cidade deve agir corporativamente (leia-se,
minimizando os conitos internos) para sobreviver e vencer. Trata-se
da cidade corporativa ou cidade-ptria, que cobra o esforo e o
consenso de todos em torno dessa abrangente viso de futuro. Para
tanto, ela deve apresentar os servios e equipamentos exigidos das
cidades globais: hotis cinco estrelas, centros de convenes, polos
de pesquisa tecnolgica, aeroportos internacionais etc., a m de
vender-se com competncia. Trata-se da cidade-mercadoria, da
cidade-empresa que deve ser gerida como tal[5]. A conjuntura urbana
brasileira no momento da Copa Os primeiros impactos da globalizao
no Brasil prepararam o pas para assumir um papel de ponta na produo
de commodities agrcolas e pecurias. Um esforo nacional de pesquisas
no setor contribuiu para isso e, ao longo das dcadas de 1980 e
1990, as cidades restaram sem investimentos signicativos nas reas
de habitao, saneamento e transporte urbano[6]. Aps a virada do
sculo, o retorno do investimento pblico e privado no espao urbano
inaugurou uma nova fase para as cidades e para o processo de
acumulao de capital, na qual a nanceirizao da economia liga-se
especialmente com os processos imobilirios. Na prtica, o
neodesenvolvimentismo isto , a incluso das cidades na poltica de
crescimento econmico vai contra as cidades, pois ignora a poltica
urbana e seu requisito central, o uso e a regulao do solo[7].
Estamos diante da grande trava social: o n da terra ou da
propriedade patrimonial que sustenta a desigualdade urbana. As
propostas dos movimentos de reforma urbana simplesmente
desapareceram da agenda poltica, desde a escala local at a
nacional. Um grande nmero de obras de infraestrutura, voltadas em
sua maior parte para a circulao do automvel e para a expanso do
mercado imobilirio, passou a constituir a poltica urbana,
contrariando o plano diretor municipal e em funo do nanciamento de
campanhas eleitorais. A desigualdade social e a segregao
territorial so lembradas apenas retoricamente para justificar mais
obras. Assim, enquanto o transporte coletivo urbano permaneceu em
runas por dcadas, a desonerao scal para compra de automveis
promoveu o literal congestionamento de todas as cidades de mdio ou
grande porte. A retomada dos investimentos por meio dos Programas
de Acelerao do Crescimento (PAC) de 2007 e 2011 pelo governo
federal, junto do nanciamento habitacional[8], atraiu os capitais
da especulao
- 15. urbana. Sem dvida esse movimento de obras teve impacto
positivo no emprego e no crescimento econmico, como revelam os
dados do IBGE, mas custa de um preo altssimo para as cidades e seus
moradores, que no participam dos ganhos rentistas fundirios. O boom
imobilirio que se seguiu ao lanamento do programa Minha Casa Minha
Vida (MCMV) acarretou um aumento de 185% no preo dos imveis do Rio
de Janeiro entre 2009 e 2012, conforme o ndice FipeZap. A
perspectiva da realizao tanto da Copa quanto das Olimpadas no
Brasil tambm contribuiu para essa febre imobiliria. Com o aumento
no preo de aluguis e imveis, parte da populao trabalhadora foi
expulsa para novas fronteiras da periferia urbana, ampliando a
extenso das cidades e comprometendo reas de proteo ambiental ou de
risco geotcnico[9]. A estratgia da poltica de segurana tambm
observa essa lgica territorial, como ca evidente no caso carioca:
as Unidades de Polcia Pacicadora (UPP) foram instaladas nas
favelas, a m de distinguir a cidade como espao voltado para o
turismo e para o mercado. Situadas em reas desvalorizadas, as
favelas so entregues ao poder das milcias ou do crime
organizado[10]. O conceito de Estado de exceo de Agamben[11]
refere-se ao Estado que se utiliza de dispositivos legais como meio
para exercer o poder de forma ilimitada, negando a prpria
legalidade e o direito dos cidados. Estado de stio, guerras e
emergncias so momentos que o antecedem, contraditoriamente
perenizados por construes legais. A dialtica entre Estado de exceo
e Estado de direito destri a poltica, que subordina-se economia. A
m de adaptar as cidades ao urbanismo do espetculo, operaes urbanas
denem os espaos que merecem tratamento diferenciado o entorno dos
estdios, por exemplo , e parcerias pblico-privadas garantem para o
setor privado a segurana dos investimentos (incluindo emprstimos
dos fundos pblicos) e a exceo das leis, admitindo direito de
operaes que antes eram prerrogativas exclusivas do Estado. A anlise
embasada no conceito do Estado de exceo de Agamben se aplica ao
urbanismo praticado sob iderio neoliberal; cabe, porm, um reparo no
que se refere ao processo de urbanizao tpico da periferia do
capitalismo. Como no enxergar um Estado de exceo permanente nessa
urbanizao dos baixos salrios, j que parte das cidades (invisvel e
ignorada pelo Estado) construda pelos prprios trabalhadores, margem
das leis urbansticas? A lei, uma vez que aplicada de acordo com
interesses de classe, passa a ser utilizada para excluir da cidade,
do mercado e das polticas pblicas grande parcela da populao. Ao
mesmo tempo, essa contradio entre a lei, a realidade que a nega e
sua aplicao discriminatria que garante um mercado altamente
especulativo.
- 16. Em sntese, a Copa no Brasil Tentemos resumir alguns
aspectos que se repetem nos processos que acompanham os
megaeventos. 1. Como foi explicitado anteriormente, as cidades so
objeto fundamental do processo de acumulao de capital na globalizao
neoliberal, e os megaeventos constituem momentos especiais,
potencializados, desse processo. A busca de consenso em torno da
preparao do pas e das cidades inclui deixar os conitos para segundo
plano. 2. A esttica do ambiente resultante disso pautada pela
arquitetura e pelo urbanismo do espetculo, seguindo as ideias de
alienao diante do fetiche desenvolvidas por Guy Debord[12]. Soma-se
ao quadro a explorao de smbolos e imagens por meio do show miditico
de alcance planetrio, transmitido para um pblico de mais de 1 bilho
de pessoas em 204 pases. Venda e explorao de imagens so parte
importante do negcio. 3. Os pases emergentes tm sido a escolha
preferencial desde o m da dcada passada para sediar grandes eventos
esportivos. 4. O Estado tem um papel central na construo da
megaoperao, seja por meio do nanciamento de obras monumentais, seja
pela exibilizao das normas urbansticas ou das parcerias com o
capital privado, ou ainda pelas garantias dadas aos investimentos
privados, entre outras adaptaes. Leis especcas como a do Regime
Diferenciado de Contratao (RDC) concedem privilgios Fifa e a seus
membros, parceiros, difusores, prestadores de servio e associados,
como subvenes, iseno de tributos ou monoplios de venda. 5. O
suposto legado que car no pas como herana positiva tem mostrado
muitos aspectos negativos nas experincias anteriores: obras
monumentais sem utilidade, servios que fogem prioridade social,
dvidas enormes[13]. No Brasil chama ateno a condio absurda dos
custos e das dimenses dos estdios que foram construdos. Em Porto
Alegre, a reforma do Beira-Rio foi orada em R$ 330 milhes, dos
quais R$ 271,5 milhes so emprstimo do BNDES construtora Andrade
Gutierrez. Manaus colocou abaixo o maior estdio j construdo na
regio Norte do Brasil, com capacidade para 40 mil pessoas, para
construir outro com capacidade para 44 mil. A demolio custou R$ 32
milhes oriundos de fundo pblico, e o novo estdio custou R$ 500
milhes. 6. Em geral, os oramentos foram subestimados e os projetos
iniciaram-se sem desenhos executivos. Segundo reportagem do jornal
Gazeta do Povo de 24 de fevereiro de 2013, foi constatado que as
contrapartidas da prefeitura de Curitiba pelas obras de mobilidade
da Copa saltaram dos R$ 11,1 milhes previstos inicialmente para R$
146,8 milhes. 7. Mas a maior operao imobiliria em curso se d no Rio
de Janeiro e leva o nome de Porto Maravilha. Trata-se de uma
megainterveno que busca renovar o
- 17. waterfront porturio seguindo a receita de vrias cidades
mundiais, como Londres, Nova York e Buenos Aires, com forte
simbologia ligada esttica do espetculo segundo um iderio que mal
encobre a nalidade do negcio incluir residncias e escritrios num
espao de distino. A operao combina todos os expedientes j
mencionados aqui: legislao de exceo, recursos governamentais
milionrios e coordenao delegada s empresas privadas. 8. Segurana e
vigilncia so mercados novos que se ampliam nos megaeventos sediados
em pases perifricos. No Brasil foi criada a Secretaria
Extraordinria de Segurana para Grandes Eventos. Quando os jovens
entram em cena: junho de 2013 Em junho de 2013 mobilizaes sociais
tomaram conta das ruas das cidades brasileiras, a princpio pelo
aumento da tarifa dos transportes pblicos. Mas protestos contra os
excessos de gastos pelas obras da Copa h muito j estavam nas ruas,
organizados pelos Comits Populares da Copa. A partir daquele ms, os
movimentos sociais, notadamente os de luta pela moradia, ganharam
visibilidade e no abandonaram os espaos pblicos, conquistando
importantes vitrias. No que se refere aos fatos aqui descritos, a
maior delas, por enquanto, foi a suspenso da privatizao do estdio
do Maracan. A campanha O Maraca nosso, de iniciativa popular,
alegou como principais motivos de oposio privatizao a remoo forada
de comunidades do entorno, a falta de transparncia e de participao
popular, o favorecimento explcito a grupos empresariais e as ms
condies de trabalho nas obras, entre outros. Na privatizao, estavam
includas ainda as demolies do Estdio de Atletismo Clio de Barros,
do Parque Aqutico Jlio Delamare, da Escola Municipal Friedenreich e
do prdio histrico do antigo Museu do ndio, que foram canceladas. Em
So Paulo, um dos acontecimentos mais elucidativos nos ltimos anos
foi o cancelamento de uma megaobra orada em US$ 1,5 bilho um tnel
de 3 km no qual seria impedida a circulao de nibus e bicicletas.
Essas so apenas algumas das conquistas. O jogo no acabou.
Continuamos a viver a plenitude da disputa nas ruas, e impossvel
prever o rumo que essa histria vai tomar. No entanto, pode-se armar
que h algo novo no ar alm do ataque s cidades por parte dos
megaeventos. [a] Uma primeira verso deste texto foi escrita em
dezembro de 2013, includa em Fernando Carrion e Maria Jos Rodriguez
(orgs.), Futbol y ciudad (Quito, Flacso, no prelo). (N. E.) [1]Ver
Otlia Arantes, Berlim e Barcelona: duas imagens estratgicas (So
Paulo, Annablume, 2012). [2] Ver artigo de Fernanda Snchez em
Fernanda Snchez, Glauco Bienenstein, Fabrcio Leal de Oliveira e
Pedro
- 18. Novais (orgs.), A copa do mundo e as cidades: polticas,
projetos e resistncias (Niteri, UFF, 2014). [3] Ver Luiz Carlos
Azenha, Maria Lucia Fattorelli: Banqueiros capturaram o Estado
brasileiro, disponvel em: , acesso em 5 dez. 2013. [4] Ver Otlia
Arantes, Uma estratgia fatal: a cultura nas novas gestes urbanas,
em Otlia Arantes, Carlos Vainer e Ermnia Maricato (orgs.), A cidade
do pensamento nico: desmanchando consensos (Petrpolis, Vozes,
2000), p. 11-74, col. Zero Esquerda. [5] Cf. Otlia Arantes, Carlos
Vainer e Ermnia Maricato (orgs.), A cidade do pensamento nico, cit.
[6] Ver Erimnia Maricato, Cidades no Brasil: neodesenvolvimentismo
ou crescimento perifrico predatrio, Poltica Social e
Desenvolvimento, Campinas, v.1, n.1, ano 1, p. 16-55, nov. 2013.
[7] Luiz Carlos Bresser-Pereira, Do antigo ao novo
desenvolvimentismo na Amrica Latina, Texto para Discusso, FGV-SP,
n. 275, nov. 2010. [8] Desde 2005, pela parceria entre a Caixa
Econmica Federal e o Ministrio das Cidades, mas mais decisivamente
a partir de 2009, com o programa federal Minha Casa Minha Vida
(MCMV). [9] Analisando o mercado imobilirio brasileiro na
conjuntura da Copa do Mundo, Robert J. Shiller costuma apontar a
ocorrncia de uma bolha imobiliria no Brasil, j que os preos tm
subido ininterruptamente h cinco anos. [10] Entende-se por milcia
um grupo militar ou paramilitar composto por ex-policiais e cidados
comuns que exercem poder de domnio em determinado lugar, disputando
hegemonia com o crime organizado. [11] Ver Giorgio Agamben, Estado
de exceo (So Paulo, Boitempo, 2004), col. Estado de Stio, e Carlos
Vainer, Cidade de exceo: reexes a partir do Rio de Janeiro, em
Anais do XIV Encontro da Associao Brasileira de Planejamento Urbano
e Regional, Rio de Janeiro, 2011. [12] Ver seu clssico de 1967 A
sociedade do espetculo (Rio de Janeiro, Contraponto, 2014). [13] Em
suas entrevistas, David Harvey insiste no impacto que as Olimpadas
tiveram na dvida que a Grcia contraiu, o que contribuiu para lev-la
ao pedido de moratria internacional; ver David Harvey, Urbanizao
incompleta estratgia do capital, Brasil de Fato, 25 nov. 2013.
- 19. Jogo espetculo, jogo negcio Nelma Gusmo de Oliveira Imagens
fortes, rituais e simbolismo so elementos que conferem sustentao
aos eventos esportivos. difcil imagin-los sem pensar no fair play,
na celebrao ou no encontro fraterno entre atletas de diferentes
culturas. Cenas mgicas das cerimnias de abertura ou encerramento,
momentos de superao, conquistas inditas e o choro emocionado do
torcedor ao ver seu pas consagrado campeo compem esse imaginrio.
Envolvidos numa produo espetacular, os Jogos Olmpicos se realizam
sob o signo de ideais universalistas e assertivas morais.
Progressivamente agregado a outros valores igualmente abstratos,
esse discurso tambm incorporado a eventos organizados por
instituies integrantes do Movimento Olmpico[1], dentre as quais a
Federao Internacional de Futebol Associado (Fifa). Mas como se deu
a passagem do esporte amador para o grande negcio do esporte? Pode
o espetculo ser considerado esporte quando todos os signos que o
compem se convertem em mercadoria? O amadorismo e sua passagem
profissionalizao Aristteles, em sua tica a Nicmaco, referia-se aos
entretenimentos como um m em si prprio. Na mesma direo, Kant, na
Crtica da faculdade do juzo, tambm denia o jogo, em oposio ao
trabalho, como uma ocupao agradvel por si prpria. Foi
consubstanciado nesse conceito de jogo amador, desinteressado e
despolitizado, que, durante os sculos XVIII e XIX, originou-se o
esporte moderno nas public schools inglesas destinadas s elites da
sociedade burguesa e aristocrtica[2]. Na dcada de 1890, um grupo de
aristocratas europeus, liderados pelo baro de Coubertin, se
articulou em torno da ideia de uma retomada dos Jogos Olmpicos
praticados na Grcia Antiga entre os sculos XVIII a. C. e IV d.
C.[3]. O esporte moderno se coloca, ento, como algo inteiramente
novo e diferente em relao s atividades normalmente apresentadas
como suas ancestrais. Vale notar, nesse discurso de uma suposta
re(?)naissanse em relao aos Jogos da Antiguidade, a sustentao de
uma herana seletiva, que invoca apenas os aspectos considerados
gloriosos pela tica burguesa e deixa de lado aqueles pouco ticos ou
no civilizados, segundo os padres morais da sociedade moderna como,
por exemplo, o alto grau de tolerncia violncia fsica. As competies
da Antiguidade e o esporte moderno amador possuem, contudo,
- 20. uma coisa em comum: o carter elitista. Ao no admitir
remunerao relacionada atividade esportiva, o amadorismo
caracterstico dos dois momentos pressupe a existncia de atletas com
posses sucientes para se sustentar durante o longo tempo dedicado
ao treinamento. Esteado no amadorismo, o esporte moderno contribuiu
para a construo de uma moral fundamentada na virilidade, na coragem
e na disciplina, pilares que muito bem se adquam formao do ethos
burgus. A permanncia nessas bases veio legitimar a pretenso de
autonomia do esporte, facultando-lhe o poder de constituir uma
estrutura poltica e nanceira prpria, juridicamente autnoma em relao
s regras gerais da sociedade. Marcada por disputas, a construo
dessa autonomia se relaciona a permanentes questes: atividade ldica
ou funcional? Jogo de elite ou jogo de massa? Fair play ou negcio?
Diverso ou espetculo? A depender da correlao de foras em cada
momento, diferentes respostas se apresentavam como dominantes. No
obstante o discurso de desinteresse econmico, a comercializao dos
Jogos Olmpicos atravs de anncios publicitrios j se dava desde a
realizao de sua primeira edio, em Atenas, em 1896. Em 1920
propagandas eram introduzidas na programao impressa e em 1924 j
havia painis publicitrios nos locais de competio[4]. Na Carta
Olmpica[5] daquele ano, contudo, o COI proibiu denitivamente a
publicidade nos locais de competio e impressos ociais, fortalecendo
o discurso original de desinteresse econmico. Quando assistiram
primeira reproduo de imagens (desfocadas) dos Jogos Olmpicos de
1936 em Berlim, nenhum dos 162 mil telespectadores, tampouco os
organizadores do evento, poderiam imaginar a complexidade que as
relaes entre eventos esportivos e televiso atingiriam. Aps a
primeira transmisso direta dos Jogos Olmpicos de 1960 em Roma,
ganhavam corpo as primeiras regras de proteo da marca olmpica, j
esboadas em 1944, e as primeiras diretrizes para os contratos
televisivos. Assim como o capitalismo na poca, o espetculo
esportivo ainda negava o papel do mercado na denio de seus
procedimentos. Durante a dcada de 1970, enquanto surgiam as
primeiras manifestaes da crise capitalista, comeava um gradual
processo de prossionalizao do esporte, explcito em sucessivas
regras do COI e que culminou em 1978, quando o termo amador
desapareceu por completo do texto da Carta Olmpica. Paralelamente,
cresciam os mecanismos de proteo marca olmpica e de controle para a
transmisso. Ainda na dcada de 1970, restries foram impostas ao uso
de logomarcas em equipamentos e vestimentas; o controle publicitrio
se estendia ao espao areo. A espetacularizao: o mercado como
meta
- 21. Os princpios da formao moral e da unio entre os povos
atravs do esporte, citados nas celebraes da Grcia Antiga, foram
sintetizados na concepo moderna do Olimpismo, apresentado na Carta
Olmpica como losoa de vida a servio do desenvolvimento harmonioso
da humanidade. Uma tenso se estabelece entre a busca da autonomia
nanceira e esse discurso desinteressado do Olimpismo. No m do sculo
XX, entretanto, a conjuntura imensamente favorvel ao mercado
criaria as bases para a legtima conciliao entre as duas lgicas, a
princpio antagnicas. O caminho adotado para resolver o paradoxo foi
promover a ideia de juntar o mercado e os valores morais do
Olimpismo, conforme proposto por Michael Payne[6], idealizador do
atual programa de marketing do COI. A chave utilizada foi
comercializar exatamente o conjunto de valores associados ao
Movimento Olmpico, altamente estimados pelo marketing empresarial:
honra, integridade, determinao, competitividade e excelncia, entre
outros. Embora de modo menos institucionalizado, com regras menos
claras e menor preocupao em manter imaculados os valores de sua
marca, a Fifa tambm chegaria autonomia financeira, atravs de um
programa de marketing global semelhante. No apenas o discurso do
amor ao esporte que une a Fifa e o COI. frente das duas instituies,
em sua virada comercial, se encontravam dois homens fortes e
autoritrios. Na Fifa, como presidente entre 1974 e 1998, estava Joo
Havelange, amigo dos generais da ditadura militar no Brasil. No
COI, entre 1980 e 2001, estava Juan Samaranch, que traz no currculo
longa participao no governo fascista de Franco, na Espanha. Por trs
desses dois homens estava Horst Dassler. Objetivando divulgar os
materiais esportivos de sua empresa, a Adidas, Dassler estabeleceu
laos com os principais dirigentes esportivos do planeta e se tornou
o homem mais poderoso do universo dos esportes at sua morte, em
1987, inuenciando eleies para cargos esportivos no mundo inteiro.
Fazia parte de sua estratgia manter executivos de sua conana em
cargos importantes em federaes e agncias de atletismo. Foi ele que
levou Payne para o COI e Joseph Blatter para a Fifa, por exemplo.
Ao assumir a presidncia do COI, em 1980, Samaranch encontrou o
Movimento Olmpico beira do colapso. Depois do assassinato de onze
atletas israelenses por terroristas nos Jogos Olmpicos de 1972 em
Berlim, da dvida contrada por Montreal na organizao dos Jogos de
Vero de 1976, da desistncia de Denver (escolhida para sediar os
Jogos de Inverno daquele ano) e do boicote de 66 pases aos Jogos de
1980 em Moscou, a tarefa de encontrar cidades dispostas a sediar o
evento era rdua. Diante de tal conjuntura e com o caixa em
diculdades, Samaranch, com a ajuda do amigo Dassler e sua empresa
de marketing esportivo, a International Sport and Leisure (ISL),
enfrentou o desao de aumentar as receitas com transmisses de TV e
programas de patrocnio. Em relao transmisso de TV, a estratgia do
COI foi assumir diretamente o controle das negociaes, feitas
inicialmente em conjunto com o Comit Organizador
- 22. dos Jogos Olmpicos (Cojo) em questo. Com a implantao, a
partir de meados dos anos 1990, de uma nova estratgia de contratos
de longa durao, que envolvia mais de um evento, o COI conseguiu
eliminar a presena do Cojo da negociao. Foi tambm a ISL que
apresentou em 1982 a ideia de um programa nico de patrocnio em
escala mundial, o The Olympic Partners (TOP). Com a proposta de
exclusividade por categoria de produtos e servios, envolvendo o
Movimento Olmpico como um todo, o programa do TOP inaugurava um
modo de negociao e distribuio das receitas centralizado no COI,
acabando com a prtica anterior de negociao direta com os Cojos e
demais Comits Olmpicos Nacionais (CONs). Alm do programa TOP e da
transmisso de TV, as receitas do marketing Olmpico (que atingiram a
soma de US$ 8,04 bilhes no perodo 2009-2012) contam com bilheteria,
venda de licena da marca olmpica para produtos e souvenirs e
patrocnio domstico. Adotando prticas que diferem em alguns aspectos
das do COI, a Fifa chegou ao nal da Copa do Mundo de 2010, na frica
do Sul, com resultados nanceiros igualmente slidos. Com um
faturamento de aproximadamente US$ 4,2 bilhes no quadrinio
2007-2010, a Fifa tambm concentra sua principal receita na venda
dos direitos de transmisso e de marketing. Para chegar presidncia
da Fifa, a principal promessa de campanha de Havelange aos
dirigentes de federaes nacionais era aumentar o nmero de pases nos
campeonatos mundiais. De fato, ele conseguiu dobrar o nmero de
participantes na Copa do Mundo, passando de 16 pases, em 1974, para
32, em 1998. Para tal faanha, precisou de dinheiro, e a estratgia
foi transformar, com a ajuda de Dassler, o futebol em uma das
maiores commodities do mundo. Apesar das semelhanas de estratgias e
resultados, alguns aspectos diferenciam a Fifa e o COI. Se o
marketing da Fifa se apoia na paixo pelo futebol, o que vendido
pelo COI, com exclusividade por territrio ou categoria de produto,
a associao entre determinada marca ou rede de TV aos valores no
comerciais do Olimpismo. E enquanto a Fifa vende espaos
publicitrios, exatamente a ausncia desses espaos que valoriza a
marca do COI, da a importncia da restrio de publicidade na tela ou
dentro dos locais de competio durante as provas. Se, em caso de
escndalos e denncias de corrupo, o COI trata de encontrar
rapidamente alguns culpados, a m de puni-los, a Fifa mantm os
responsveis impunes at que a situao se torne insustentvel. E o que
tem isso a ver com as cidades? Se os programas de marketing rendem
o suciente para manter satisfeitas as instituies envolvidas na
promoo do espetculo esportivo, tal rendimento se revela
insignicante quando comparado aos investimentos em infraestrutura,
instalaes e servios para a produo desses mesmos eventos dentro dos
padres impostos pelos parceiros. Facilitada pelo discurso de um
suposto legado, a estratgia adotada a
- 23. transferncia de responsabilidade nanceira para cidades e
pases-sede, atravs de rigoroso controle poltico e jurdico sobre
esses territrios. exatamente nesse ponto que a produo do espetculo
esportivo e a da cidade neoliberal convergem. Na busca de agentes
capazes de bancar as condies materiais de realizao do megaevento,
as instituies promotoras encontram mquinas burocrticas sedentas por
realizar tal proeza em troca de exposio miditica e legitimao para
projetos nababescos e de dificuldade de aprovao em circunstncias
normais. Identica-se ento uma engrenagem movida por trs rodas de
disputas: dos difusores, pela exclusividade de transmisso em cada
territrio, dos patrocinadores, pela exclusividade por categoria de
produto e das cidades, por sediar os eventos. O valor da marca
(olmpica ou Fifa) depende do giro contnuo dessa engrenagem. E,
quanto mais valorizada a marca, maior a disputa entre cidades e
produtos por se associar a ela. Portanto, maior o poder de barganha
da instituio promotora em relao s cidades e mais espetacular o
evento, ainda que a custos (econmicos, sociais e polticos) muito
altos. Quanto mais espetacular o evento, mais satisfeitos os
parceiros, e maior a disputa pelos direitos de marketing e de
transmisso (pois maior o nmero de espectadores), retroalimentando a
valorizao da marca. Caso uma dessas rodas emperre, a engrenagem se
v ameaada. Por outro lado, nas cidades e pases, outras engrenagens
se movimentam, articulando outros interesses. As exigncias impostas
pelas instituies internacionais, objetivando satisfazer seus
parceiros, se adquam legitimao de medidas que viabilizam interesses
locais e, desse modo, mantm a disputa das cidades em movimento. H,
entretanto, uma contradio proporcional fora de rotao da engrenagem,
na medida em que traz consigo o fantasma de esfriamento do
interesse das cidades. A crescente demanda por investimentos, os
elefantes brancos que cam e as atitudes autoritrias esto entre os
vrios argumentos crticos que colocam a marca na iminncia da
desvalorizao[7]. nesse sentido que novos discursos, como o do
legado, vo sendo incorporados. Sempre que a sociedade civil
interpela o poder do espetculo, ele se v constrangido a se
reinventar, a mudar as regras do jogo, e isso o que vem ocorrendo
atualmente, especialmente a partir das crescentes aes
questionadoras no Brasil. Os resultados dessas disputas, embora
ainda em aberto, indicam que esse poder no absoluto. Ele pode e
deve ser desafiado. [1] Sob a autoridade do Comit Olmpico
Internacional (COI), o Movimento Olmpico rene todas as instituies e
os indivduos envolvidos na promoo do espetculo esportivo e possui
como condio de participao a concordncia com as regras e os
princpios da Carta Olmpica. [2] Ver Pierre Bourdieu, Como possvel
ser esportivo?, em Questes de sociologia (Rio de Janeiro, Marco
Zero, 1983), p. 136-53. [3] Ver, por exemplo, as Cartas Olmpicas de
1933 e 1950.
- 24. [4] Ver International Olympic Committee, Olympic Marketing
Fact File (Lausanne, International Olympic Committee, 2012). [5]
Publicada pela primeira vez em 1908, essa Carta estabelece as
regras de funcionamento do Movimento Olmpico. Aps ter assumidos
vrios formatos e nomenclaturas, a partir de 1978 passou a adotar
denitivamente o nome Carta Olmpica. [6] Ver Michael Payne, A virada
olmpica: como os Jogos Olmpicos tornaram-se a marca mais valorizada
do mundo (Rio de Janeiro, Casa da Palavra/COB, 2006). [7] A recusa
de cidades como Munique ou Estocolmo em disputar os Jogos de
Inverno de 2022 ilustram a situao.
- 25. Lei Geral da Copa: explicitao do estado de exceo permanente
Jorge Luiz Souto Maior A sociedade inaugurada pelo modelo de produo
capitalista, que se consolidou aps longo perodo de acumulao de
capital e de formao do denominado exrcito de mo de obra, tem como
caractersticas principais a criao do dinheiro como equivalente
universal de troca e a xao do valor das coisas por intermdio da noo
de mercado, que se rege pela lei da oferta e da procura e tambm
pelo fetiche da mercadoria, sendo que as coisas, os bens de
consumo, necessrios ou no, produzem- se por intermdio da compra do
trabalho humano, que tambm coisicado e integrado ao mercado sob a
mesma lgica, para efeito de favorecer a reproduo do capital. Para
consolidar-se, requereu, como decorrncia de exigncias lgicas, a
construo de instituies voltadas principalmente preservao do mercado
de consumo e da estabilizao das relaes sociais, favorecendo a
racionalidade baseada na previsibilidade de condutas, na organizao
hierrquica produtiva e no planejamento. Constituram-se, assim, o
Estado moderno e o direito. O Estado moderno e o direito,
notadamente o direito constitucional, servem institucionalizao de
um poder central, que, do ponto de vista da teoria liberal,
consentido pelos indivduos, que adquirem a qualidade poltica e
jurdica de cidados, para a preservao da ordem. A vida em sociedade
regulada pela Constituio, tornada coercitiva pelo poder do Estado,
o qual tambm se rege pela mesma estrutura jurdica, como forma de
garantir que o poder entregue ao governo se exera em nome do povo e
para o povo, falando-se, assim, de soberania popular. Porm, os
conitos sociais decorrentes do reconhecimento da injustia social
por sua vez impulsionada pela liberdade prpria da venda da fora de
trabalho, que favorece o processo de acumulao nas mos de poucos da
riqueza socialmente produzida e induzidos pela reivindicao de
direitos tambm constitucionalmente consagrados tendem a orescer, e,
quando a situao gera o risco do desarranjo, no sendo mais possvel o
controle pela via retrica da reserva do possvel e implicando guerra
civil interna, a prpria ordem constitucional organiza o modo como o
governante, a quem, ento, se conferem poderes amplos, atuar sem a
completude dos limites da ordem jurdica tudo em nome da recomposio
da situao pretrita. H, portanto, na formao do estado de exceo,
previsto na prpria ordem
- 26. vigente, uma lgica de continusmo, que faz da exceo um
apndice da prpria regra, a m de no permitir a revelao das
contradies do sistema. Como a situao de desajuste se apresenta em
risco cada vez mais crescente, o estado de exceo se edifica como
estado permanente, fazendo-o de modo que no se apresente
explicitamente. O importante, para a preservao da ordem de exceo
permanente, que as contradies no sejam reveladas e a frmula bsica
para o desenvolvimento de uma racionalidade reacionria a de tratar
os fenmenos sociais de forma pontual, como que descontextualizados
da histria, destacando apenas os aspectos que possam justificar o
resultado que se pretenda para preservao do status quo. Na direo
inversa, ou seja, para revelar as contradies de um sistema baseado
na regra da exceo permanente, que serve a um continusmo a servio de
uma classe dominante, h de se fazer uma anlise totalizante da
realidade, interligando fatos a partir do pressuposto da forma de
atuao do modo de acumulao, buscando ainda uma contextualizao
dialtica da formao histrica da realidade examinada. No caso da Copa
do Mundo de 2014, a partir desse mtodo, fcil perceber o quanto o
evento se prestou a reproduzir o modo de produo capitalista por
meio da utilizao da lgica inserta no estado de exceo, que
impulsionou uma visualizao restritiva do evento, pautada por uma
justicativa atomizada, sem contextualizao histrica e feita de forma
parcial, para no permitir a revelao de suas intensas contradies.
Historicamente, cumpre lembrar que a Lei Geral da Copa (LGC), n.
12.663/2012, foi, assumidamente, fruto de um ajuste rmado entre o
governo brasileiro e a Fifa, uma entidade privada, visando atender
os denominados padres Fifa de organizao de eventos, para
possibilitar a realizao da Copa das Confederaes em 2013 e a Copa do
Mundo em 2014. Esse acordo, com propsitos econmicos e polticos,
mascarados de felicidade do povo, implicou a suspenso da vigncia de
vrias normas constitucionais. O artigo 11 da referida lei criou uma
rua exclusiva para a Fifa e seus parceiros, excluindo at mesmo a
possibilidade do funcionamento de estabelecimentos existentes no
tal local ocial de competio, que abrange o permetro de dois
quilmetros ao redor dos estdios, caso o comrcio em questo se
relacione de alguma forma ao evento. Mas a rea pblica tornada,
provisoriamente, uma propriedade privada no se limita ao entorno
dos estdios: est tambm no mesmo permetro em volta do Fan Fest.
Sobre o Fan Fest, ademais, oportuno esclarecer que se trata de um
evento ocial da Copa, que deve ser organizado e custeado pelas
cidades-sede, para que os excludos dos estdios possam assistir aos
jogos por um telo, com o acompanhamento de shows. Esse evento,
organizado e pago pelo Estado[1] e realizado em espao pblico,
atende aos interesses privados da Fifa e suas parceiras. No caso da
cidade de So Paulo, ao se impedir a comercializao na rea reservada,
a Prefeitura acabou interrompendo um processo de negociao iniciado
em
- 27. maio de 2012 com os ambulantes que atuavam na cidade, em
especial na regio central, onde se situa o Vale do Anhangaba, e
cuja licena havia sido cassada no contexto de uma poltica de
endurecimento muito forte quanto scalizao de sua atuao, que fora
intensicada justamente a partir de 2011, quando houve a assinatura
do termo de compromisso, anunciando So Paulo como uma das cidades-
sede da Copa. Em 2012, foram canceladas todas as 5.137 licenas dos
ambulantes, e at hoje, mesmo aps instaurado, desde 2012, um grupo
de trabalho tripartite trabalhadores, sociedade civil e prefeitura
(Frum dos Ambulantes) para a discusso do problema, nada se resolveu
e, em concreto, ao editar o Chamamento Pblico citado, a Prefeitura
acabou dicultando sobremaneira a pretenso dos ambulantes de terem
alguma atuao comercial durante a Copa. Pela Lei Geral da Copa,
ainda, a Unio obrigou-se a indenizar a Fifa por qualquer leso
sofrida pela entidade, inclusive quanto transgresso do comrcio
exclusivo no local ocial anteriormente referido (art. 21), sendo
essa responsabilidade objetiva, na forma do 6o do artigo 37 da
Constituio Federal (art. 22). A propsito, oportuno lembrar que no
tem sido essa a postura desse mesmo governo no que se refere aos
danos causados aos trabalhadores que lhe prestam servios por
intermdio do processo (inconstitucional, diga-se de passagem) da
terceirizao, e muito menos a mesma eccia jurdica se conferiu aos
interesses dos trabalhadores que esto executando as obras da Copa,
muitos dos quais submetidos a excessivas jornadas de trabalho para
que se consigam concluir os servios. H suspeitas de no recebimento
das horas extras (ou recebidas por meio de pagamento por fora) e
largos atrasos no pagamento de salrios, sem falar nos trgicos
acidentes que geraram mortes, no se tendo qualquer notcia no
sentido de que o governo tenha intervindo para buscar a eccia plena
dos direitos desrespeitados e para garantir s vtimas uma imediata
indenizao. Alm disso, fez letra-morta das normas constitucionais,
inseridas na rbita dos direitos fundamentais de proteo ao
trabalhador, ao permitir o trabalho voluntrio nas atividades
ligadas Copa, fazendo-o de modo, isto sim, a institucionalizar o
trabalho em condies anlogas s de escravido, uma vez que o que se
pretende, concretamente, o desprezo aos direitos trabalhistas,
contrariando inclusive o prprio compromisso pblico assumido pelo
governo e pela Fifa no que se refere ao trabalho descente, conforme
consta expressamente no artigo 29 da prpria Lei Geral da Copa. Ora,
o trabalho decente um conceito difundido pela Organizao
Internacional do Trabalho exatamente para impedir a execuo de
trabalho sem as garantias trabalhistas. Verdade que a Lei n.
9.608/98, de discutvel constitucionalidade, permite o trabalho
voluntrio, sem a garantia dos direitos trabalhistas, mas esse
servio, que pode ser prestado a entidade pblica de qualquer
natureza, ou a instituio privada de ns no lucrativos, deve possuir
objetivos cvicos, culturais, educacionais, cientficos, recreativos
ou de assistncia social, inclusive mutualidade. A Fifa est longe de
ser uma entidade sem ns lucrativos, e qualquer servio
- 28. prestado na Copa do Mundo, megaevento voltado a uma lgica
sabidamente econmica que , ademais, o que justicou, na viso do
prprio governo, sua realizao no Brasil , est longe de possuir algum
dos objetivos anteriormente destacados. A medida em questo auxilia
tambm o interesse econmico do prprio governo brasileiro, que
planeja valer-se da previso normativa de excepcionalidade em questo
para angariar o trabalho de at 18 mil voluntrios, sendo que a
previso de voluntrios da Fifa de 15 mil. Ou seja, um dos legados
concretos da Copa ser o histrico de que, durante sua ocorrncia, foi
negada a condio de cidadania a pelo menos 33 mil pessoas. E, por
falar nisso, lembremo-nos de Jos Afonso de Oliveira Rodrigues,
Raimundo Nonato Lima Costa, Fbio Luiz Pereira, Ronaldo Oliveira dos
Santos, Marcleudo de Melo Ferreira, Jos Antnio do Nascimento,
Antnio Jos Pitta Martins e Fabio Hamilton da Cruz, mortos nas obras
dos estdios, e das cerca de 170 mil famlias removidas
compulsoriamente de suas casas (segundo dados dos Comits Populares
da Copa) para dar lugar s obras destinadas realizao do evento em
Cuiab, Curitiba, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Manaus, So
Paulo, Rio de Janeiro e Fortaleza. No bastassem essas supresses
constitucionais, ainda se instituiu: a) o permissivo, conferido
pela Recomendao n. 3/2013, do CNJ, da explorao do trabalho infantil
em atividades ligadas aos jogos, incluindo a de gandula, o que,
ainda que com bastante atraso, desde 2004 proibido em torneios
organizados pela Confederao Brasileira de Futebol , seguindo a
previso constitucional e o Estatuto da Criana e do Adolescente
(ECA); b) a liberdade para a Fifa de atuar no mercado sem qualquer
interveno do Estado, podendo xar o preo dos ingressos como bem lhe
aprouver (artigo 25 da Lei Geral da Copa); c) a eliminao quase
plena do direito meia-entrada; e d) o afastamento da aplicao do
Cdigo de Defesa do Consumidor, deixando-se os critrios para
cancelamento, devoluo e reembolso de ingressos, assim como para
alocao, realocao, marcao, remarcao e cancelamento de assentos nos
locais dos eventos, definio exclusiva da Fifa. E quando os
trabalhadores, saindo da invisibilidade, se apresentaram no cenrio
poltico e econmico para se expressarem no sentido de que planejam
uma organizao coletiva para, por meio de reivindicaes grevistas,
buscar atrair para si uma parte maior do capital posto em circulao
em funo da Copa, logo um economista de planto veio a pblico com a
ameaa de que tais ganhos podem resultar em demisses futuras[2].
Essa possibilidade aventada pelos trabalhadores de se fazerem ouvir
na Copa, que pode, em concreto, minimizar seu prejuzo enquanto
classe no processo de acumulao e do pas, na evaso de riquezas,
provocou uma reao institucional imediata, anal o compromisso
assumido pelo Estado brasileiro foi o de permitir que a Fifa
obtivesse o maior lucro de sua histria[3]. Ento, a Justia do
Trabalho se adiantou divulgando o estabelecimento de um sistema de
planto para julgar, com a mxima celeridade (de um dia para o
outro), as greves ocorridas
- 29. durante a Copa, com o pressuposto j anunciado de que as
greves tm custo para os trabalhadores, empregadores e populao,
sendo certo que a Copa no pode ser usada para expor o pas a uma
humilhao internacional, como no Carnaval, quando houve greve de
garis[4]. A iniciativa repressiva da Justia, alis, foi aplaudida
rapidamente pelo editorial do jornal Folha de S.Paulo, que,
inclusive em declarao no mnimo infeliz, chamou os trabalhadores de
oportunistas: uma iniciativa elogivel para evitar o excesso de
oportunismo sindical, que no hesita em prejudicar o pblico e ameaar
o principal evento do ano no pas[5]. Ou seja, todo mundo pode
ganhar, menos os trabalhadores. Parodiando a mxima penal, como se
lhes fosse dito: tudo que vocs ganharem pode ser utilizado contra
vocs mesmos... Como foram as condies de trabalho nas obras? Quantos
trabalhadores no receberam ainda seus direitos por servios que
prestaram para a realizao da Copa? Segundo preconizado pelo vis
dessa preocupao, nada disso vem ao caso... Na viso dos que s veem
imperativo obrigacional de realizar a Copa como questo de honra,
custe o que custar, o que importa que o pblico receba o proveito
dos servios dos trabalhadores, e se estes no ganham salrio digno ou
se trabalham em condies indignas no h como trazer tona, a m de que
no se impea a realizao do evento nem se abale a imagem do Brasil l
fora. Mas, concretamente, que situao pode constranger mais a gura
do Brasil no exterior? O Brasil que faz greves? Ou o Brasil em que
os trabalhadores, em geral invisveis aos olhos das instituies
brasileiras, so submetidos a condies subumanas de trabalho,
proibidos de se insurgirem contra essa situao, tendo de aproveitar
o momento de um grande evento para, enm, ganhar visibilidade,
inclusive internacional? Na verdade, a humilhao internacional a
qual o Brasil no quer se submeter a de que o mundo saiba como o
capitalismo se desenvolve por aqui, ainda marcado pelos resqucios
culturais de quase quatrocentos anos de escravido, sem ter sequer
os limites concretos da eccia dos direitos humanos e sociais,
promovendo, de fato, uma das sociedades mais injustas da Terra. [1]
Em So Paulo, os Fan Fest se do mediante parceria com o setor
privado, conforme o Comunicado de Chamamento Pblico n.
01/2014/SMSP, que estabeleceu o prazo de uma semana para o
oferecimento de ofertas. [2] Vide reportagem da Folha de S.Paulo,
Copa vira chamariz para temporada de greves por reajustes, 13 abr.
2014, p. B-1. [3] A Fifa deve arrecadar 5 bilhes de dlares com a
Copa no Brasil, valor 36% superior ao do Mundial da frica do Sul e
110% maior que o da Alemanha, cf. Miguel Martins e Rodrigo Martins,
A Copa do Mundo, aos 45 do 2o tempo, CartaCapital, 16 abr. 2014.
[4] Declarao de Rafael Edson Pugliesi Ribeiro, presidente da Seo de
Dissdios Coletivos do TRT de So Paulo,
- 30. em Justia do Trabalho arma planto extra para onda de greves
na Copa, Folha de S.Paulo, 17 abr. 2014, p. B-1. [5] Editorial:
greves oportunistas, Folha de S.Paulo, 18 abr. 2014, p. A-2.
- 31. Transformaes na identidade nacional construda atravs do
futebol: lies de duas derrotas histricas[1] Jos Sergio Leite Lopes
A comparao entre as explicaes para a derrota brasileira na nal de
1950, em casa, e na de 1998, na Frana, pode ilustrar algumas das
transformaes na construo e no sentimento de identidade nacional
atravs do futebol no Brasil. Sabe-se que a construo da identidade
nacional passa por vrias mediaes internacionais, desde condies
sociais advindas de transformaes histricas at canais de comunicao e
uma aguda observao de novos marcadores de nacionalidade de outros
pases. Na Europa, essa construo teve lugar desde ns do sculo XVIII
e por todo o XIX. Os pases da Amrica Latina, contudo, tm parte
fundamental de sua identidade construda j em pleno sculo XX. No
caso do Brasil e de pelo menos dois de seus vizinhos, Uruguai e
Argentina, essa fase intensa, de tradies inventadas, coincidiu com
a rpida difuso do futebol no pas, quando so institudas tambm as
Copas do Mundo. Nessa instncia de competio internacional,
elabora-se a apresentao pblica da nacionalidade. E bem conhecido o
valioso efeito das vitrias para a exibio das qualidades nacionais.
Mas e o poder das derrotas, sobretudo as exemplares? Que reflexes e
fantasias coletivas so desencadeadas nessas ocasies? Sobre a
derrota brasileira na Copa de 1950 h considervel produo bibliogrca.
Sobre a de 1998 h muita cobertura jornalstica e alguns ensaios. A
comparao entre ambas tem sido mencionada, embora de forma ainda
pouco sistemtica. O esboo dessa comparao tem a vantagem de ao menos
avaliar as transformaes ocorridas no futebol brasileiro no perodo,
das quais destacam-se: (I) a grande ascenso na cena internacional
entre 1958 e 1970, quando os jogadores brasileiros faziam carreira
em casa, e (II) a intensicao da circulao de jogadores nos clubes
europeus, na busca de um prossionalismo global nos anos 1980 e
1990. Quanto ao futebol capitalista globalizado que vimos eclodir
com clareza na Copa de 1998, podemos estender algumas consideraes
sobre o fato de sedi-lo em 2014. A Copa de 1950: uma autorreflexo
coletiva depois da tragdia nacional
- 32. A Copa de 1950 o pice de um processo anterior de
democratizao no futebol, e esse caminho exemplar que a derrota
ameaar. O futebol brasileiro j podia se apresentar ao mundo em 1950
como a mais bem acabada apropriao de um produto ingls. De 1933 a
1950 foram dezessete anos de uma ascenso linear do futebol
prossional, que tivera como modelo o futebol europeu e, de forma
mais prxima, o argentino e o uruguaio. O destaque da atuao
brasileira na Copa de 1938, com um time que reetia os avanos
democratizantes do prossionalismo, estimulou intelectuais,
mediadores da indstria cultural e o pblico crescente a iniciar uma
construo de identidade nacional atravs do futebol. A competio
esportiva fornecia o contexto para a exibio de qualidades nacionais
que nos campos econmico e poltico ocupam ainda lugar perifrico e
subalterno. O que vinha sendo observado desde os anos 1930 por
folcloristas como a principal qualidade das artes e tradies
populares era justamente sua capacidade de atualizarem-se atravs do
corpo e de tcnicas corporais, como ocorria com danas e folguedos. A
Copa de 1938 serviu para evidenciar dois fenmenos originais da
difuso futebolstica no Brasil: o legado tnico negro e a incorporao
da msica e da dana na forma de se jogar; e parte dos intelectuais
modernistas que, nos anos 1920, tinham detectado na msica os
critrios e as fontes de brasilidade via no futebol um novo campo de
atividades, capaz de reunir uma prtica urbana e moderna
autenticidade tradicional da cultura popular[2]. Essa incorporao de
tradies inventadas consolidou-se em estilo prprio nos anos 1940. A
Copa de 1950 seria o momento de mostrar isso ao mundo novamente,
adequando a esttica do estilo vitria. Para o Brasil, era uma honra
sediar um evento internacional desse porte. Aps sua boa performance
em 1938, a candidatura brasileira era oportuna diante da Europa do
ps-guerra, em reconstruo. E erguer um estdio na capital federal
marcava a responsabilidade prvia do pas-sede antes mesmo de seu
desempenho em campo. A organizao da equipe se d em torno do tcnico
Flvio Costa, que havia dirigido os dois clubes mais populares do
Rio de Janeiro nos anos 1940, o Flamengo e o Vasco da Gama. A base
da seleo era constituda por jogadores do Vasco, complementados por
outros do Rio e alguns de So Paulo. E a rivalidade entre o Rio de
Janeiro e So Paulo pela primazia no esporte ocupava os esforos
polticos de montagem do time. Naquela Copa, foi se constituindo uma
nova maneira de torcer: a presena de mulheres e crianas, de famlias
inteiras, contrastava com o pblico masculino habitual. Alm disso,
as dimenses do estdio, que reuniu na partida nal 10% da populao do
Rio na poca, acabavam produzindo uma nova e marcante forma de
sociabilidade, um sentimento coletivo de visualizao imediata,
construdo de forma extraordinria. A cantoria de msicas de carnaval
improvisadas no contexto dos jogos com uma organizao de torcida
pequena provocava a teatralizao coletiva de um sentimento cultural
e ldico de nacionalidade dissociado da poltica e do contexto
patritico militar habitual.
- 33. A derrota na nal, portanto, traumatizou essa construo
coletiva. Com uma campanha muito melhor que a do time uruguaio, a
seleo brasileira foi inuenciada pelo pblico e pela imprensa, que
davam a vitria como certa. Ao contrrio das goleadas dos dois jogos
anteriores, o empate sem gols persistiu at o incio do segundo
tempo, quando o Brasil fez o primeiro gol. O pblico nalmente pde
explodir de alegria. Mas quando veio o empate, num contra-ataque
uruguaio, o silncio se apossou do estdio, incrdulo, e permaneceu
nos momentos seguintes, num sentimento de decepo ante a ausncia do
que deveria ser uma exibio de gala. A sensao de medo parece
contagiar a equipe, e o desempate uruguaio se d em novo contra-
ataque. Com o insucesso das desesperadas tentativas de empate nos
minutos nais e o encerramento da partida, tem-se o silncio coletivo
e a emergncia de um luto social muito intenso, desde a sada do
estdio at os dias, meses e anos seguintes. Nenhuma outra nal de
Copa do Mundo produziu tal tragdia no pblico da casa. Somente a
Sucia foi derrotada em 1958 pelo Brasil na nal da Copa que ela
organizou. Mas a seleo brasileira j se constitua como superior, e,
diferena da nossa, a nacionalidade sueca no se colocava atravs do
futebol. Todos os outros pases organizadores ou ganharam a Copa ou
no disputaram as finais. A derrota tambm pode ser um importante
marcador de sentimento de nacionalidade, uma forma de compartilhar
coletivamente uma dor profunda e culturalmente construda. Foi o
caso da derrota da Copa de 1950, que recebeu as mais variadas
explicaes desde o assdio aos jogadores por parte de polticos e da
imprensa, que teria desconcentrado os atletas, at as instrues do
tcnico no sentido de no revidar s provocaes dos uruguaios, o que
teria contido a agressividade dos defensores brasileiros. Ao nal,
quem fortemente demonstrou fair play e civilidade foi a plateia,
que permaneceu no estdio at a premiao da equipe vencedora e saiu em
ordem, apesar da grande tristeza. Tal civilidade teve uma face de
ao direta mais violenta, com a destruio do busto do prefeito da
cidade, na entrada do estdio, entendida como uma usurpao poltica de
um sentimento esportivo maior[3]. A civilidade do pblico acabou
ganhando a imprensa internacional, tornando-se um consolo, assim
como o foi o fato de a seleo ter sido considerada a melhor,
incluindo o goleiro, Barbosa, eleito pela imprensa o melhor da
competio. Mas a autoconteno em campo foi vista como falta de
energia e de vontade, alegao que se somou a explicaes conservadoras
do pensamento social brasileiro sobre a inaptido de negros e
mestios para competies. No por acaso os gols uruguaios foram
creditados como falhas de dois zagueiros e do goleiro, todos
negros. Essa perspectiva estaria relacionada com as anteriores
prticas dissimuladas de excluso dos jogadores das classes
populares, algo que parecia ter se enfraquecido com o sucesso dos
clubes de maior popularidade nos anos 1930 e 1940. Originalmente
constatada e criticada por Mario Filho, jornalista militante da
democratizao do futebol brasileiro, essa explicao retomada por
vrios jornalistas e analistas sociais. A diculdade na evidenciao do
peso dos esteretipos se d pelo fato de constiturem um senso
comum
- 34. oral e muitas vezes sutil. A elaborao de intelectuais como
Gilberto Freyre, a propsito das caractersticas de marcador da
nacionalidade fornecidas pelo futebol brasileiro, poderia ser
interpretada por sua homologia com tcnicas corporais advindas de
uma socializao atravs de prticas tradicionais tidas como
folclricas. Tambm poderia ser feita uma interpretao
substancialista, da contribuio da raa e da etnia negra ao futebol
brasileiro, como resposta a seus adversrios racistas o que cairia,
contudo, na armadilha de se centrar menos nas relaes que nas
substncias. Esses argumentos voltam cena com a derrota de 1950,
numa reexo de autoculpabilizao coletiva, erudita (proveniente do
darwinismo social) e popular, sobre as alegadas decincias da
mestiagem do povo brasileiro. No toa que Nelson Rodrigues denomina
esse sentimento autodepreciativo de complexo de vira- latas, a m de
combat-lo s vsperas da Copa de 1958 e antever o sucesso do futebol
brasileiro. A prpria atuao da seleo durante essa edio parece
fornecer, atravs de suas modicaes internas, a vitria nal da inverso
da estigmatizao anterior, com a progressiva morenizao dos jogadores
vide Pel, Garrincha, Vav, Zito e Djalma Santos. A vitria nalmente
alcanada em 1958 e repetida em 1962 e 1970 pde ter seus efeitos
incorporados a um forte sentimento de nacionalidade graas tambm ao
sofrimento e reexo coletiva advindos da derrota de 1950. Essa
alternncia entre grande oportunidade perdida em casa e vitrias no
exterior na continuidade de um mesmo estilo de jogo acabou
proporcionando algo de uma exibio das qualidades nacionais, em que
caractersticas culturais se imprimem nas tcnicas corporais dentro
dos limites possveis das regras do jogo. A Copa de 1998 e a
politizao da derrota que renega a tradio conquistada A interpretao
da derrota da Copa de 1998, a nica na nal alm da de 1950, difere da
anterior. A no mais se elabora um processo de culpabilizao de
jogadores, como representantes das carncias populares e da
nacionalidade brasileira. A explicao da derrota voltou-se para a
estrutura de prossionalizao e do comercialismo globalizado do
futebol, assim como seu mau uso pelos dirigentes do esporte. Na
Copa de 1998 est no auge um processo de internacionalizao dos
jogadores de futebol iniciado nos anos 1980. A grande era do
futebol brasileiro se deu quando os jogadores faziam carreira no
Brasil. Na segunda metade dos anos 1980 e nos anos 1990, a maioria
dos grandes jogadores brasileiros estava em clubes estrangeiros.
Tambm os tcnicos e seus auxiliares, com muito menos chances que os
jogadores no futebol europeu, passaram a ir para o Oriente Mdio a
partir dos anos 1970, abrindo uma rede secundria para jogadores.
Tcnicos de seleo brasileira como Zagallo, Parreira, Tel Santana e
Felipo estiveram nesses pases e ali constituram um bom
patrimnio.
- 35. Assim como em 1950, as vsperas da nal de 1998 foram
decisivas. Enquanto em 1950 a concentrao da seleo era invadida por
polticos e jornalistas, a derrota de 1998 teria incio no descanso
aps o almoo do prprio dia da deciso. E sobre o jogador Ronaldo
parecia se concentrar todo o stress vivido pela equipe nas
contingncias do futebol globalizado. Alm da presso dos contratos,
por diferentes empresas, que criava tenso e dividia o time, sobre
Ronaldo pesava ainda, alm do joelho machucado e da vigilncia da
imprensa sobre sua ento namorada, um histrico pessoal de
sonambulismo. Esse distrbio do sono teria provocado uma convulso de
diagnstico controverso , que, assistida pelos jogadores, teria
desequilibrado emocionalmente a equipe. A falta de informaes entre
a equipe dirigente e os jogadores no desenrolar da crise que
acometeu Ronaldo levou desorientao completa do time[4]. Ao contrrio
da partida de 1950, em 1998 o Brasil jogou contra a torcida
majoritria da casa. Irreconhecvel em campo, a seleo perdia por 2 x
0 j no m do primeiro tempo. Sem conseguir reverter a situao, levou
mais um gol ao nal da partida. Toda a equipe esteve mal, e no foi
possvel associar as falhas a um ou outro jogador como em 1950. Mas
Ronaldo, por seu distrbio de sade, atraiu a responsabilidade da
derrota. Em sua trajetria peculiar, Ronaldo carrega muitas
caractersticas do padro tradicional dos jogadores brasileiros.
Morador do subrbio humilde do Rio, tinha dificuldades financeiras
para treinar no futebol de salo e na equipe do So Cristvo, time
tradicional da segunda diviso carioca onde, pelas mos do ex-campeo
de 1970 Jairzinho, conseguiu se fazer notar por olheiros da CBF e
ser convocado para a seleo brasileira sub-17 para disputar um
torneio sul-americano. Como Pel, Ronaldo foi convocado para a Copa
de 1994 com 16 anos de idade, mas diferentemente do Rei, no jogou.
Alm disso, enquanto Pel permaneceria no Santos nas Copas seguintes,
Ronaldo j havia sido transferido para o PSV de Eindhoven, na
Holanda, e, depois, iria para o Barcelona e para a Inter de Milo.
Atravs de seus empresrios, assinou sucessivos contratos com
empresas de renome mundial, incluindo a Nike, que via na seleo
brasileira importante foco de investimentos. No momento da derrota
para a Frana, Ronaldo simbolizava as contradies do futebol
globalizado. Os altos salrios tinham por contrapartida bons
desempenhos nos clubes e eventualmente na seleo, mas o ritmo
acelerado de treinos, jogos e negcios instalaram fortes
incompatibilidades e dramas no corpo do jogador. Ele era, alm
disso, a ilustrao mais radicalizada e bem-sucedida daquilo que
estava ocorrendo com inmeros jogadores do futebol brasileiro e de
outros pases perifricos. O crescente comercialismo associado era do
alcance mundial das transmisses televisivas e dos contratos
milionrios de imagem publicitria no s quebra o equilbrio dos clubes
nacionais como alimenta a importncia do esporte perante grandes
parcelas da populao jovem. Cria-se assim um circuito restrito de
superjogadores hiper-remunerados, esvaziando precocemente o esporte
local[5].
- 36. As explicaes da derrota de 1998 tambm diferiam daquelas que
se produziram em 1950. Assim como em 1950, identicava-se a
arrogncia do favoritismo. Mas com a grande diferena de que, com as
quatro vitrias anteriores, j havia sido incorporada uma histria de
sucesso. Esse autofavoritismo era potencializado pela promoo feita
em torno da seleo pela imprensa internacional e pelos
patrocinadores, tornando-a uma atrao parte, bastante explorada em
anncios publicitrios. Assim, as explicaes visavam menos os
jogadores (supostos representantes de um povo com baixa autoestima
e em busca de sua identidade coletiva, como apontado em 1950) e
mais os dirigentes, que haviam gerido mal todo o favoritismo.
Ronaldo, centro do drama, era visto como a engrenagem partida de
uma estrutura maior, da qual se destacava uma administrao sem
transparncia ou prestao de contas e com contratos secretos com a
Nike. Tambm os jogadores foram considerados mercenrios, que, sem
suciente amor camisa, jogavam em times estrangeiros por salrios
milionrios[6]. A inconformidade com o desfecho da nal de 1998
acabou trazendo assim uma politizao das explicaes da derrota. A
identidade nacional atravs do futebol, consolidada nas dcadas
anteriores, no estava ameaada como em 1950. Em 1970, o incio da
transmisso direta pela TV fornece uma visibilidade indita para o
pblico geral. Daquele ano, alguns autores destacam ainda a
paradoxal autonomia relativa dos jogadores, aps a passagem de Joo
Saldanha pela seleo, ante o contexto militar. Tal participao ativa
por parte dos jogadores dava continuidade tradio de experincias
como a da equipe de 1958 e as do Botafogo e do Santos dos anos
1960, sucedidas pela experincia da democracia corinthiana do incio
dos anos 1980, quando o pas atravessava um perodo de redemocratizao
e de fora dos movimentos sociais[7]. Em 1994 a equipe vence, o que
contribui para o favoritismo de 1998. Mas a derrota no signica um
julgamento negativo do povo representado pelos jogadores. Agora no
h mais essa representao, e justamente esse ato de delegao que se pe
em questo, pela ao duvidosa dos dirigentes, por suspeitas de
corrupo, por falta de empenho dos jogadores. A derrota de 1998
desencadeia ento um processo que leva a duas Comisses Parlamentares
de Inqurito no Congresso Nacional, uma na Cmara dos Deputados, para
investigar o contrato entre CBF e Nike, e outra no Senado, tendo
por objeto os negcios ilegais envolvendo dirigentes. 2002 e depois:
uma vitria, um novo ciclo de derrotas e as singularidades de sediar
a Copa pela segunda vez Embora a participao brasileira na Copa de
2002 se desse no mesmo contexto do futebol globalizado e de crise
recente do futebol nacional, as provaes passadas pela seleo foram
capazes de fortalecer a equipe, levando-a vitria nal contra a
Alemanha, num duelo indito entre as duas selees que mais Copas
haviam ganhado.
- 37. Os fracassos da seleo nesse interregno entre a Copa de 1998
e as vsperas da de 2002 pareciam reetir a crise poltica de toda a
organizao do futebol brasileiro, vasculhada pelas citadas CPIs. A
fraca atuao da seleo nas eliminatrias foi o pice desse longo
percurso de insucessos, com entrada e sada de tcnicos, at o recurso
de ltima hora equipe de Felipo. Essa situ