Fluzz pilulas 36

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Em pílulas

Edição em 92 tópicos da versão preliminar integral do livro de Augusto de

Franco (2011), FLUZZ: Vida humana e convivência social nos novos mundos

altamente conectados do terceiro milênio

36 (Corresponde à introdução ao Capítulo 7,

intitulado Alterando a estrutura das sociosferas)

Aqui estamos, engatinhando pelas frestas

entre as paredes da Igreja, do Estado,

da Escola e da Empresa,

todos os monolitos paranóicos.

Hakim Bey em Caos (1984) O melhor da religião é que ela produz hereges.

Ernst Bloch em O ateísmo no cristianismo (1968)

2

Os que continuam aprisionados no mundo único dos séculos passados

ainda não lograram perceber o que está em gestação neste período.

A revelia dos cegos “líderes mundiais” e além da compreensão dos

analistas de governos e corporações, grandes movimentos

subterrâneos estão em curso neste momento. De modo molecular,

distribuído e conectado de sorte a formar um feixe intenso de fluxos

– fluzz –, estão se articulando e se expressando glocalmente

experiências inovadoras que tendem a alterar na raiz a estrutura e a

dinâmica das sociosferas. Eis alguns exemplos fulcrais do que está

emergindo:

� Não-Escolas: comunidades de aprendizagem (homescooling e,

sobretudo, communityschooling, cada vez mais na linha de

unschooling) em rede, sem currículo e sem professor e aluno.

� Não-Igrejas: formas pós-religiosas de espiritualidade, livres

das ordenações das burocracias sacerdotais.

� Não-Partidos: redes de interação política (pública) exercitando

a democracia local na base da sociedade e no cotidiano dos

cidadãos.

� Não-Estados-nações: cidades inovadoras – como redes de

comunidades – que assumem a governança do seu próprio

desenvolvimento em rota de autonomia crescente em relação

aos governos centrais que tinham-nas por seus domínios.

� Não-Empresas-hierárquicas: redes de stakeholders –

demarcadas do meio por membranas (permeáveis ao fluxo) e

não pode paredes opacas – como novas comunidades de

negócios do mundo que já se anuncia.

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Fascinante! Escolas, igrejas, partidos, Estados, empresas hierárquicas: construímos tais instituições – que continuam reproduzindo o velho mundo; sim, são elas que fazem isso – como artifícios para escapar da interação, para ficar do “lado de fora” do abismo, para nos proteger do caos... As escolas (e o ensino) tentam nos proteger da experiência da livre aprendizagem. As igrejas (e as religiões) tentam nos proteger da experiência de deus. Os partidos (e as corporações) tentam nos proteger das experiências da política (pública) feitas pelas pessoas no seu cotidiano. Os Estados tentam nos proteger das experiências glocais (de localismo cosmopolita). E as empresas (hierárquicas) tentam nos proteger da experiência de empreender. Por isso que escolas são igrejas, igrejas são partidos, partidos são corporações que geram Estados, que também são corporações, que viram religiões, que reproduzem igrejas, que se comportam como partidos... Porque, no fundo, é tudo a mesma coisa: artifícios para proteger as pessoas da experiência de fluzz! (Não é a toa que todas essas instituições hierárquicas exigem “monogamia” dos que querem manter capturados, como se dissessem: “- Você é meu! Nada de transar com estranhos”). Uma vez desconstituídos tais arranjos feitos para conter, contorcer e aprisionar fluxos, disciplinando a interação, uma vez corrompidos os scripts dos programas verticalizadores que rodam nessas máquinas (e que, na verdade, as constituem), o velho mundo único se esboroa. Isso está acontecendo. Não-escolas, não-igrejas, não-partidos, não-Estados-nações e não-empresas-hierárquicas começam a florescer. Com tal florescimento, a estrutura e a dinâmica das sociosferas estão sendo radicalmente alteradas neste momento, mas não por formidáveis revoluções épicas e grandes reformas conduzidas por extraordinários líderes heróicos, senão por pequenas experiências, singelas, líricas, vividas por pessoas comuns! Aquelas mesmas experiências de interação das quais fomos poupados. É como se tudo tivesse sido feito para que não experimentássemos padrões de interação diferentes dos que deveriam ser replicados. Mas nós começamos a experimentar. E “aqui estamos – como escreveu Hakim Bey (1984) – engatinhando pelas frestas entre as paredes da Igreja, do Estado, da Escola e da Empresa, todos os monolitos

paranóicos”.

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