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POLIANA SIQUEIRA SANTANA IMPRESSÕES DE UMA SOLIDÃO CONTEMPORÂNEA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL CENTRO DE CIENCIAS HUMANAS E SOCIAIS CURSO DE ARTES VISUAIS BACHARELADO CAMPO GRANDE 2016

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POLIANA SIQUEIRA SANTANA

IMPRESSÕES DE UMA SOLIDÃO CONTEMPORÂNEA

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL CENTRO DE CIENCIAS HUMANAS E SOCIAIS CURSO DE ARTES VISUAIS – BACHARELADO

CAMPO GRANDE 2016

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POLIANA SIQUEIRA SANTANA

IMPRESSÕES DE UMA SOLIDÃO CONTEMPORÂNEA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Artes Visuais – Bacharelado da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, como requisito final à obtenção do título de Bacharel em Artes Visuais. Orientador: Prof. Renan Kubota

CAMPO GRANDE

2016

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POLIANA SIQUEIRA SANTANA

IMPRESSÕES DE UMA SOLIDÃO CONTEMPORÂNEA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Artes Visuais – Bacharelado da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, como requisito final à obtenção do título de Bacharel em Artes Visuais. Orientador: Prof. Renan Kubota

Campo Grande, MS, ____, de __________________, de 2016

COMISSÃO EXAMINADORA

Profº M. Renan Kubota Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

Profª Dª Eluiza Bortolotto Guizzi Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

Profº Drº Isaac Camargo Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus por me guiar nessa jornada e me conceder paz.

Aos meus pais por todo amor e carinho, apoio e dedicação, sempre me

estimulando e encorajando a seguir em busca dos meus objetivos.

À minha irmã Helen e meu cunhado Heverton pelo apoio nas horas em que

mais precisei.

À minha prima Vanessa por ter visto meu nome na lista de aprovados, se

não fosse ela, não estaria finalizando esse trabalho.

As minhas grandes amigas Cássia e Arianne pela paciência, amizade,

companheirismo, aos conselhos, pela grande generosidade em sempre querer me

ajudar, parceiras que me ajudaram muito durante todo o curso.

Aos meus modelos Gil Marques e Thairiny Abreu por ter aceitado participar

deste trabalho e pela paciência ao longo dos ensaios.

Ao meu Professor e Orientador Renan Kubota por toda sua paciência,

conhecimento, amizade e dedicação ao longo da orientação.

A todos os professores que ao longo dessa jornada me enriqueceram com

seus ensinamentos.

A todos o meu muito obrigado.

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“Sentir é

compreender.

Pensar é errar,

Compreender o que

outra pessoa pensa

é discordar dela.

Compreender o que

outra pessoa sente é

ser ela”.

Fernando Pessoa

(1974)

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RESUMO

Este trabalho desenvolve uma pesquisa teórico-prática, que busca mostrar por meio da fotografia analógica impressões do sentimento de solidão a partir de uma cena já pré-definida, onde o indivíduo contemporâneo influenciado pelos avanços tecnológicos é visto como um ser solitário dentro da encenação. As obras deste trabalho expressam por meio da fotografia analógica, com a utilização do filme preto e branco, a partir da técnica de dupla exposição, o sentimento de estar só mesmo estando conectado com o mundo, através da tela de um smartphone ou notebook. É Inspirado na Arte Conceitual, que se baseia propriamente na ideia e não na técnica a ser utilizada. Tem como base teórica, os estudos do sociólogo Zygmunt Bauman, entre outros estudiosos e artistas que ajudaram a compor as ideias, a solucionar dúvidas e a estimular reflexões sobre o intuito das obras.

Palavras-Chave: Fotografia Analógica, Filme, Dupla Exposição.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 "View from the window at Le Gras" (Vista da janela em Le Gras) Joseph

Nicéphore Niépce, Paris, 1826 .................................................................................. 17

Figura 2 Sem título .................................................................................................... 17

Figura 3 Victor Burgin "Posse", 1976, itografia em doutone, 119 x 84cm ................. 19

Figura 4 "One and Three Chairs" 1965, Joseph Kosuth, cadeira 82 x 37,8 x 53cm,

painel fotográfico 91,5 x 61,1cm, o painel texto 61 x 76,2cm .................................... 19

Figura 5 "Chance Meeting" 1970, Duane Michals, fotografia gelatina e prata em

papel, 10,2 x 15,5cm cada ........................................................................................ 20

Figura 6 "Magritte with hat", 1965, Duane Michaels, gelatina e prata em papel ........ 21

Figura 7 "Coming and Going", 1965, Duane Michaels, gelatina e prata em papel....21

Figura 8 Fotograma sem título nº321979, Cindy Sherman ........................................ 22

Figura 9 "Obscured", Jon Duenas ............................................................................. 23

Figura 10 "Connected", Jon Duenas ......................................................................... 23

Figura 11 "Echo", Jon Duenas .................................................................................. 23

Figura 12 Sem título .................................................................................................. 24

Figura 13 Sem título .................................................................................................. 24

Figura 14 Sem título .................................................................................................. 24

Figura 15 Câmera Nikon (visão frontal) ..................................................................... 27

Figura 16 Câmera Nikon (visão posterior) ................................................................. 27

Figura 17 Detalhe da lente da Nikon ......................................................................... 27

Figura 18 Filme liford 35mm Delta 3200 preto e branco 36 poses ISO 3200 ............ 29

Figura 19 Sem título .................................................................................................. 30

Figura 20 Sem título .................................................................................................. 30

Figura 21 Sem título .................................................................................................. 30

Figura 22 Sem título .................................................................................................. 31

Figura 23 Filme p&b de ISO 400 ............................................................................... 31

Figura 24 Sem título .................................................................................................. 32

Figura 25 Sem título .................................................................................................. 32

Figura 26 Sem título .................................................................................................. 32

Figura 27 Sem título .................................................................................................. 33

Figura 28 Sem título .................................................................................................. 33

Figura 29 Sem título .................................................................................................. 33

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Figura 30 Filme p&b ISO 100 .................................................................................... 34

Figura 31 Sem título .................................................................................................. 34

Figura 32 Sem título .................................................................................................. 35

Figura 33 Sem título .................................................................................................. 35

Figura 34 Sem título .................................................................................................. 35

Figura 35 "Ócio" ........................................................................................................ 37

Figura 36 "Relaxamento" ........................................................................................... 37

Figura 37 "Inativo" ..................................................................................................... 38

Figura 38 "Inquietação" ............................................................................................. 38

Figura 39 "Pausa" ..................................................................................................... 38

Figura 40 "Repouso" ................................................................................................. 39

Figura 41 "Apatia" ..................................................................................................... 39

Figura 42 "Indiferença" .............................................................................................. 39

Figura 43 "Insociável" ................................................................................................ 40

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 10

1 IMPRESSÃO DE UMA SOLIDÃO CONTEMPORÂNEA – TECNOLOGIA ........ 12

1.1 Um Método de Produzir Impressões – fotografia .................................... 15

1.1.1 Fotografia Conceitual .......................................................................... 18

1.1.2 Fotografia Encenada – múltipla exposição ....................................... 20

2 A POÉTICA E SUAS IMPRESSÕES ................................................................. 25

2.1 O Processo Fotográfico ............................................................................. 26

2.1.1 A câmera fotográfica analógica .......................................................... 26

2.1.2 Filme preto e branco ........................................................................... 27

2.1.3 Os testes encenados ........................................................................... 28

2.1.4 Revelação, Digitalização e Ampliação ............................................... 35

2.2 A obra final ................................................................................................. 36

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 41

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 43

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INTRODUÇÃO

A pesquisa deste trabalho tem como tema a solidão contemporânea. Utiliza

como linguagem a fotografia analógica junto da técnica de dupla exposição inspirada

na Fotografia Conceitual, e em artistas que atuaram no passado e que atuam hoje

na contemporaneidade, mas principalmente nas fotografias do fotógrafo Duane

Michals (1932).

A fotografia analógica entra nesse cenário como uma forma de mostrar que,

por mais que a fotografia digital seja mais utilizada na atualidade, tanto pela

facilidade quanto pela rapidez em obter uma cena fotografada, a fotografia analógica

não perde em nada para a digital. Com todas as dificuldades com que me deparei ao

longo da pesquisa, nada me desanimou a continuar a fotografar com filme, pois

sabia que o resultado final sairia como esperado.

Certamente, o que me impulsionou a fotografar com filme fotográfico foi o

fato de querer “desacelerar” desse ritmo constante em que vivemos atualmente.

Justamente por viver nessa sociedade contemporânea agitada, deparei-me em certo

momento da minha vida com o desejo de não querer viver nesse circuito de novas

tecnologias digitais. Sempre fui saudosista e penso que esse avanço da Era digital

veio tão rápido, que talvez tenha tirado a vontade de me incorporar dentro dessa

nova Era. A partir disso, veio o propósito de expressar, por meio da fotografia

analógica, o que estava sentindo nesse momento. Foi então que decidi expor a

minha reflexão sobre o sentimento do indivíduo que se senti só, mesmo dentro

dessa sociedade contemporânea.

No primeiro capítulo a pesquisa aborda sobe o avanço das tecnologias

digitais nos tempos atuais, mostrando o quanto estamos cada vez mais reféns dessa

era que, a cada ano que passa, tende a evoluir mais. Em outros aspectos aborda o

distanciamento entre as pessoas que acaba sendo influenciado pelas mídias digitais.

E assim vemos uma sociedade mais introspectiva, onde o smartphone (dispositivo

que proporciona contatos à distância) parece ser mais atraente do que uma pessoa

presente.

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Abordo também a fotografia Conceitual, embasada na ideia de uma cena já

pré-definida, juntamente com a dupla exposição, citando alguns artistas que se

destacam nessas vertentes, como Cindy Sherman, com suas fotografias encenadas

e conceituais; cito também outros artistas contemporâneos que fazem uso de

fotografias duplamente expostas, como Jon Duenas e Christoffer Relander.

No segundo capítulo foi abordado, primeiramente, sobre a poética do

trabalho, seu conceito e reflexão sobre o tema. Em seguida, descrevo todo o

processo fotográfico para obtenção das obras finais. O texto tem como objetivo

informar ao leitor alguns dos conhecimentos necessários para compreender o

processo fotográfico, desde a câmera que fora utilizada e os filmes, com suas

particularidades, até o processo de revelação e ampliação (etapas que foram

realizados em laboratório fotográfico profissional). O resultado é um conjunto de

fotografias que compõem uma obra de caráter artístico.

Por fim, este trabalho objetiva estimular reflexões sobre a crescente

evolução tecnológica, e sobre o indivíduo que não sabe lidar com tal avanço; o seu

afastamento do convívio social, acabando por se isolar “dentro” das redes sociais.

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1 IMPRESSÃO DE UMA SOLIDÃO CONTEMPORÂNEA – TECNOLOGIA

O uso das tecnologias digitais, em relação à sociedade contemporânea,

compreende-se como um grande avanço cultural e social. É notável o crescimento

dos meios de comunicação que hoje se fazem tão presente em nossas vidas. A

tecnologia transformou e facilitou o modo de nos comunicarmos. Essa tecnologia

veio para revolucionar o mundo atual em que vivemos. Mas a que preço? Uma era

tecnológica que só tende a evoluir cada vez mais.

Há uma aceleração crescente no que se refere à tecnologia nos tempos

atuais. O que mais nota-se na internet e nas redes sociais é um aumento da

autovalorização do indivíduo para com o meio onde está inserido. Somos

impulsionados a nos mostrarmos mais, consequentemente, queremos mais atenção

mais likes (curtidas) em nossas páginas pessoais. Estamos vivendo em mundo

efêmero e instantâneo.

A autora Bárbara da Silva (2014, p.30) faz uma reflexão acerca disso,

dizendo que “é a efemeridade que acarreta em mudanças no estilo de vida das

pessoas e, por isso, [...] houve uma diversificação de valores aceitos pela

sociedade”. Temos visto que a aceleração da tecnologia digital veio para beneficiar a

sociedade contemporânea em diversos fatores. Como exemplo, vemos que o

distanciamento geográfico já não é um problema para as relações sociais. Por mais

que seja relativo nos comunicarmos em tempo real com qualquer indivíduo a

qualquer momento, lugar ou obter informações acerca de qualquer assunto é

inegável a facilidade que existe aos nos comunicarmos entre as pessoas diante

dessa evolução tecnológica.

Segundo Kohn e Moraes (2007, p. 2), “[...] pode-se afirmar que a informação

é, hoje, para a sociedade contemporânea, a base do conhecimento, das relações,

da vida econômica, política e social”. O conhecimento que adquirimos a cada piscar

de olhos é de suma importância para a evolução humana. Temos sim que evoluir e

aprender cada vez mais com esse proveito.

A sociedade transita hoje no que se convencionou denominar Era Digital. Os

computadores ocupam espaço importante e essencial no atual modelo de

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sociabilidade que configura todos os setores da sociedade, comércio, política,

serviços, entretenimento, informação, relacionamentos. Os resultados desse

processo são evidentes, sendo que essas transformações mudaram o cenário social

na busca pela melhoria e pela facilitação da vida e das práticas do indivíduo.

(KOHN; MORAES, 2007, p. 5)

No entanto, a que se referem a relações interpessoais. Entrando no âmbito

da solidão contemporânea, que é o que esta pesquisa busca abordar, percebe-se

que apesar do avanço tecnológico agregar valores positivos à sociedade, ela

também pode deixar de beneficiar de algum modo o indivíduo que não sabe lidar

com as transformações do seu tempo, ou que não se adapta a tais mudanças.

Em seu artigo intitulado “Solidão no mundo contemporâneo” a psicóloga

Dione M. Miron (2011) descreve que a solidão não pode ser tratada de um ponto de

vista negativo. Em algum momento da vida temos que estar reclusos, para poder de

alguma forma abstrair algo positivo disso, seja na vida pessoal ou profissional. O

problema só existe, quando o indivíduo não consegue estar consigo mesmo, quando

sozinho, ou em multidão. Ou seja, quando há dificuldade de se relacionar

socialmente. Entrando exclusivamente num convívio virtual, que nem sempre irá

suprir certos desejos que um contato físico poderá dispor.

O filme americano Her (2013) “Ela” em inglês, estrelado por Joaquim

Phoneix e Scarlett Johansson, aborda esta questão. A história se baseia em um

futuro não muito distante, onde um escritor solitário contemporâneo se apaixona e

se “relaciona” com um sistema operacional porque tem dificuldades de satisfazer

desejos em um relacionamento. Todavia, como nós humanos, o sistema operacional

mostra falhas e defeitos, tornando-se obsoleto com o tempo. Como no filme, a vida

real não é diferente. Não estamos salvos de ser substituídos. Ainda mais, se o

contato for estabelecido apenas por meio de redes sociais. Como referenciam os

autores Kohn e Moraes (2007, p. 2) “[...] a informação, na sociedade atual, é o

mecanismo mais importante no qual se relacionam e se concretizam as

comunidades”.

É notório ver que, de fato, as transformações tecnológicas foram evoluindo a

cada década. Na atual sociedade em que vivemos, não podemos e nem queremos

14

nos ver livres dessa tecnologia, até porque faz parte do nosso cotidiano. E não estou

aqui para defender o contrário; ao mesmo tempo, não cabe aqui me aprofundar

sobre o assunto. Para esta pesquisa busco uma reflexão sobre as relações sociais,

sobre o fato de que com o avanço das tecnologias hoje podemos nos comunicar e

nos relacionar à distância por meio de um dispositivo móvel, porém, deixamos aos

poucos de nos relacionar com quem está presente de fato.

Um grande pesquisador acerca desse assunto é o sociólogo polonês

Zygmunt Bauman. Em um dos seus livros, Amor Líquido: sobre a fragilidade dos

laços humanos (2004), ele se aprofunda sobre as relações que hoje a sociedade

contemporânea vive. As relações interpessoais afetivas, no ponto de vista de

Bauman, estão se tornando “relações virtuais”. Aquela onde a interação com o outro

é por meio da internet. Porém, isso não é uma barreira para que laços emocionais

se formem entre esses que se conhecem e criam laços de amizade dentro desse

mundo. Os relacionamentos virtuais se diferem na maneira como os indivíduos

mantêm contato e, por muitas vezes, os laços sentimentais que se formam podem

vir a se tornar tão profundos quanto ao relacionamento presencial. Todavia, há duas

maneiras de se relacionar, tanto a virtual quanto a presencial, há alegrias e

sofrimentos, cabe a nós sabermos lidar com os altos e baixos de uma relação.

Sem humildade e coragem não há amor. Essas duas qualidades são exigidas, em escalas enormes e contínuas, quando se ingressa numa terra inexplorada e não-mapeada. E é a esse território que o amor conduz ao se instalar entre dois ou mais seres humanos. (BAUMAN 2004, p.12).

Na sociedade contemporânea, as relações sociais estão cada vez mais

sendo influenciadas pelas tecnologias digitais. O celular e a internet são

indispensáveis nesse convívio social, através de redes sociais e aplicativos de

mensagens instantâneas. Segundo Silva (2014, p. 31), “além da efemeridade e da

diversificação dos valores, há outra influência nas novas maneiras de pensar e agir

pós-modernas [...] a compressão do tempo e do espaço”. Ou seja, estamos mais

tempo conectados a quem está distante, geograficamente, e menos presentes a

quem requer a nossa presença.

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Para Bauman (2004, p.25), quando a sociedade conecta-se ao mundo

virtual, tem-se a impressão de que essa “conectividade” estará suprindo ou

prometendo uma “navegação segura [...] por entre os recifes da solidão e do

compromisso, do flagelo da exclusão e dos [...] vínculos demasiadamente estreitos".

Consequentemente, estamos pertencendo mais às palavras, porém sem conteúdo.

“Pertencemos à conversa, não àquilo sobre o que se conversa”.

Por meio dessas reflexões, busquei analisar no meio em que convivo como

é ser solitário no atual mundo em que vivemos. E é a partir desse momento que a

fotografia analógica entra para esta discussão. Passado e presente que possam se

interligar, se comunicar. Ou seja, a fotografia analógica pode vir a se integrar com a

discussão e reflexão do tema deste trabalho, que resulta nas questões sobre o

sentimento de se sentir só nessa sociedade contemporânea, mesmo estando

conectado com o mundo.

1.1 Um Método de Produzir Impressões – fotografia

Uma das tecnologias que mais revolucionou o mundo em que vivemos foi a

fotografia digital. Após o surgimento desta em 1980, a fotografia analógica tende a

entrar em declínio. A forma de fotografar mudou o olhar do consumidor diante de

tanta facilidade em registrar uma imagem. Contudo, será que a maneira como se

fotografava nos século passado irá torna-se obsoleta? Através dessa questão,

resolvi me aventurar no campo analógico para tentar mostrar que independente de

estarmos em um ritmo avançado de novas e revolucionárias tecnologias, a fotografia

analógica ainda pode permanecer por vários anos como uma técnica a ser

explorada, trabalhada e apreciada por muitos amantes da fotografia.

Quando a fotografia surgiu, no século XIX, teve que passar por vários

processos, estudos, erros e acertos para chegar a ser tal como a conhecemos hoje.

Em 1826 o Inventor francês Joseph Nicéphore Niépce (1765-1833) dava os

primeiros passos para a fixação da imagem por meio da câmara escura, câmera

obscura em latim. Pesquisou um material que era recoberto com betume e, em

seguida com sais de prata. Teve sucesso em 1827, batizando a descoberta de

“heliografia” (OLIVEIRA, 2006, p. 02).

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Em uma das suas viagens a Paris, Niépce (1765-1833) conhece o pintor

Louis Jacques Mandlé Daguerre (1787-1851), que trabalhava em um projeto

semelhante ao seu, acabando por associar-se a ele. De Acordo com Oliveira (2006,

p.02), as experiências de Daguerre “[...] consistiam em expor, na câmara escura,

placas de cobre recobertas com prata polida e sensibilizadas com vapor de iodo,

formando uma capa de iodeto de prata sensível à luz”. Essa pesquisa acabou sendo

reconhecida pela Academia de Ciências de Paris, em 19 de agosto de 1839, sendo

batizado como “daguerreotipo”, um método de gravar imagens por meio da câmara

escura.

Essa nova descoberta preocupou alguns críticos de arte, que não

reconheciam seu caráter estético. Dentre eles, o poeta e crítico Charles Baudelaire

(1821-1867). Segundo Ramos (2009, p.131), “[...] a grande preocupação de

Baudelaire era o esquecimento da arte ocasionado pela mecanização e

industrialização da fotografia”. Porém, analisa Ramos (2009), mesmo com toda a

sua revolta e desconfiança para com essa nova maneira de se fazer arte, Baudelaire

deixou-se fotografar por seu amigo íntimo Félix Nadar (1820-1910), que defendia o

caráter artístico da fotografia.

A desmaterialização da arte, em todo o tipo de manifestações: pictórica, escultórica, musical, teatral, afirma-se por todo o século passado. Acompanha, evidentemente, a radicalização entre Arte e a Vida. É neste século que a arte cria e lança raízes para novas, ousadas, inusitadas e até radicais maneiras de expressão. (TAVARES, 2009, p. 119)

A primeira foto de que se tem conhecimento, tirada por Niépce (1765-1833)

em 1826-1827, é Vista da janela em Le Gras, mostrada na figura 1; é a foto mais

antiga até os dias atuais. Porém, só foi revelada ao mundo no ano de 1839. O autor

Batista (2011, p.03) registra que, em 1835, Henry Fox Talbot (1800-1877), inventor,

botânico e matemático Inglês e também um contemporâneo de Daguerre,

“conseguiu produzir um negativo feito de papel que permitia uma cópia de contato”.

Anos mais tarde, Talbot criara o processo chamado de “Calótipo”, que permitia

múltiplas cópias de um único original. Nascia então o negativo.

17

Figura 1 “Viewfromthewindowat Le Gras”(Vista da janela em Le Gras)

Joseph Nicéphore Niépce, Paris, 1826.

Fonte: LEMAGNY; ROUILLÉ, 1988, p.16.

Dentre várias pesquisas e mudanças que ocorreram no processo fotográfico,

nos anos que se seguiram houve uma grande revolução; especialmente em 1889,

quando George Eastman (1854-1932) inventou o filme com uma base flexível,

inquebrável e que poderia ser enrolada. Começava então uma grande produção de

massa da primeira câmera Kodak, mostrada na figura 2, que o consumidor já

comprava carregado com uma bobina de filme, uma realidade; e por consequência,

houve a popularização da fotografia.

Figura 2 Fonte: Site Queimando Filme.

Figura 2”Câmera Kodak No 1”

Fonte:http://www.queimandofilme.com/2013/11/13/kodak-no-1-a-primeira-camera-pra-todos/

Figura 1

18

1.1.1 Fotografia Conceitual

A Fotografia Conceitual despontou no final da década de 1960, ajudando a

desmistificar a ideia de que a fotografia seria somente uma forma de documentar

uma evidência ou um fato ocorrido. Nos estudos sobre Fotografia Conceitual a

autora Annatereza Fabris (2007, p.22) registra que, “a caracterização da fotografia

utilizada pelos artistas conceituais é, porém, acompanhada por outras considerações

[...]”. Considerações essas, “aparentemente fáceis de ser determinadas”. A

Fotografia é usada pelos artistas conceituais para ir em direção oposta à fotografia

documental. Tentar emitir ou expressar um conceito e não um registro da cena

fotografada.

Nesse contexto, o documento não se opõe à arte, pode transformar-se em ficção documental, dando a ver o que não necessariamente acontece ou o que só tem lugar no documento que o engendra no momento em que o documenta. O documento transforma-se em obra. É a obra documentando a si mesma [...]. (FABRIS, 2007, p.22).

Dentro do campo da fotografia assim como nas das outras artes visuais

existem diversas maneiras de expressão. A fotografia tem o poder de transmitir

inúmeros sentimentos, sejam sentimentos de alegria, angústia, amor, medo, tristeza,

euforia, excitação, dúvida, indiferença, entre outros. Portanto, além de outros fatores

a Fotografia Conceitual é uma vertente onde o fotógrafo parte de um conceito pré-

definido para tentar transmitir uma ideia. No caso deste trabalho, fazer uma reflexão

sobre o sentimento de se sentir só mesmo estando conectado com o mundo.

Um dos pioneiros da fotografia conceitual é o artista plástico Victor Burgin

(1941). Ele rejeitava a ideia de que a arte tinha que ser mantida fora do mundo

social. Em suas fotografias, Burgin visa explorar a realidade do capitalismo com o

glamoroso mundo da publicidade. Em “Posse” Burgin usa as técnicas e o estilo da

publicidade, como é mostrada na figura 3. “Por meio da imagem, Burgin chama a

atenção para o processo de visão e interpretação, incentivando os observadores a

examinarem de que forma é construído o significado”. (LOYD, apud HACKING,

2012, p. 461).

19

Figura 3 Victor Burgin “Posse” 1976 Litografia em duotone 119x84cm Fonte: Site da British Council Collection.

Fonte:http://visualarts.britishcouncil.org/collection/artists/victor-burgin-1941/object/possession-burgin-1976-public-domain-p31561

Outro conhecido na arte Conceitual é Joseph Kosuth (1945). Uma das suas

obras mais notórias é One and Three Chairs (1965), mostrada na figura 4. Ele usa a

ideia e a linguagem como uma reflexão. Kosuth pergunta na obra a seguinte

questão: em qual das três está à verdadeira identidade do objeto? Ou se está em

todos ou em nenhum? Segundo Fabris (2007, p. 23) “uma vez que a obra conceitual

carece de uma realidade estética formal [...] o recurso se apoia em significantes

diversos, reduzidos à mínima expressão”.

Figura 4 “One and Three Chairs” 1965 Joseph Cadeira 82 x 37,8 x 53 cm, painel fotográfico 91,5 x 61,1 cm, o painel de texto 61 x 76,2 cm

Fonte:http://www.moma.org/collection/object.php?object_id=81435

20

1.1.2 Fotografia Encenada – múltipla exposição

A construção da imagem na fotografia encenada desafia o conceito de

fotografia com um meio de expressão que registra a realidade, (PLUMMER, apud

HACKING, 2012, p.412). Como na fotografia conceitual, a fotografia encenada se

estabelece de uma ideia pré-definida, que é construída em uma cena, seja com

objetos ou pessoas, finalizada com o ato fotográfico. Em muitos momentos a

encenação precisa de mais de uma fotografia para passar a real intenção que o

fotógrafo quis estabelecer; logo, há uma sequência de fotografias, que juntas,

formam a ideia do que é pretendido passar para o observador.

Duane Michals (1932) é um fotógrafo americano que soube fazer este tipo

de fotografia muito bem. Teve reconhecimento internacional, com suas fotos

sequências, como na obra “Chance Meeting” (Encontro ao acaso) citada na figura 5,

abaixo, excedendo as limitações da imagem única.

Figura 5 “Chance Meeting” 1970, Duane Michals, fotografia gelatina e prata em papel, 10,2 x 15,5cm cada.

Fonte:http://duanemichals.tumblr.com/

Consiste na fotografia analógica que expõe o filme duas ou mais vezes à luz,

obtendo fotografias um tanto fantasmagóricas ou surreais. Em suas fotografias

Duane expõe ou retrata de um modo que foge do documental: ele inventa e cria

situações de um ponto de vista diferente da realidade. Duane também faz uso da

narrativa em suas criações. É influenciado por artistas como René Magritte (1898-

1967), o mesmo artista que posa em uma série de retratos do artista na década de

1960, considerada por muitos o apogeu de suas obras. Faz do seu imaginário um

21

convite para belas, assustadoras e surreais fotografias. Nas figuras 6 e 7 são

exibidas duas obras da série de René Magritte (1898-1967) com a técnica de

múltipla exposição do fotógrafo Duane Michals.

Figura 6 “Magritte with hat” 1965 Duane Michals, gelatina e prata em papel.

Fonte:http://www.heterotopiastudies.com/wp-content/uploads/2014/05/michals_pp_05.jpg.

Figura 7 “Coming and Going” 1965 Duane Michals, gelatina e prata em papel.

Fonte:http://thevintagegallery.blogspot.com.br/2014/01/duane-michels.html

Duane Michals foi um dos principais fotógrafos que me inspirou a usar a

técnica de múltipla exposição. A partir dela busquei explorar, a princípio, a ideia da

solidão contemporânea, compondo a cena pré-definida em minha mente.

22

Para Elizabete Rocha (2013 p. 35), que estuda sobre a encenação e sobre

vestígios dentro da fotografia, a imaginação e a criação são fatores muito

importantes para quem está inserido neste meio contemporâneo em que vivemos. “A

imagem fotográfica permite que as coisas da imaginação sejam materializadas no

espaço bidimensional da fotografia”. Por meio de vestígios e encenações, Rocha

busca explorar o lado subjetivo da fotografia, esperando a interpretação de cada

individuo diante da obra, por não ser uma mera representação da realidade, como é

o caso da fotografia documental. Já para Fiochi e Lacerda (2009) “a fotografia é uma

forma de realidade mista, ou poderíamos chamar de realidade híbrida”. Ainda

segundo os autores, como aparece no artigo “A imagem entre a realidade e a

ficção”, alegam que a realidade da fotografia é unificada pela objetividade e

subjetividade, do criador ou do espectador.

Cindy Sherman (1954) consegue realizar de uma maneira enigmática uma

série de autorretratos, inspirados nos filmes do fim da década de 1950 e 1960. Ela

convida o espectador a desconstruir ou a narrar à história daquela imagem. Em

fotograma sem titulo nº 32, mostrada na figura 8, Sherman mostra-se uma

personagem sedutora acendendo um cigarro. Levando o observador a se perguntar,

o que ela faz ali? Onde ela está? (MEMOU, apud HACKING, 2012, p.423). De uma

maneira ou de outra ela está encenando uma ideia que já tinha estabelecido em sua

mente, cabe a quem observa tirar suas próprias conclusões. O que é real? O que é

encenação?

Figura 8 fotograma sem título nº321979, Cindy Sherman Fonte: Site Moma Exibitions.

Fonte:http://www.moma.org/interactives/exhibitions/2012/cindysherman/gallery/2/#/31/untitled-film-still-32-1979/

23

Na fotografia contemporânea há fotógrafos que também fazem uso da técnica

de múltipla exposição com a fotografia analógica, conseguindo obter resultados bem

expressivos.

Jon Duenas é um fotógrafo americano de moda e editoriais, que visa

explorar a introspecção e a estética minimalista, permitindo que o espectador se

conecte com a imagem. Algumas de suas imagens remetem um lado obscuro do

nosso comportamento, como na figura 9; já na figura 10, a obra Connected lembra

um pensamento que está conectado a algo, e na figura 11, Echos, Duenas pode

estar fazendo uma referência a algo que lembramos ou que nunca esquecemos

pertencente à nossa memória.

Figura 9 “Obscured” Jon Duenas. Figura 10 “Connected” Jon Duenas.

Figura 2

Figura 11 “Echo” Jon Duenas.

Fonte:http://www.jonduenas.com/double-exposures#e-2

Outro fotógrafo que se assemelha a Jon Duenas é Christoffer Relander

(1986). Em algumas séries de fotografias, ele cria sobreposições com pessoas e

Fonte:http://www.jonduenas.com/double-exposures#e-5

Fonte:http://www.jonduenas.com/d

ouble-exposures#e-8

24

paisagens, assim como Duanes. Porém, o que difere é a técnica; ao contrário de

Duanes, a múltipla exposição que Relander faz é através dos comandos da sua

câmera digital, sem manipulação em programas de edição de imagem. Em suas

fotografias, Relander usa a natureza como um dos “panos” de fundo para suas

fotografias duplamente expostas. Expondo a quem observa suas obras, de que a

natureza quando em contato com o homem, pode subjetivamente mostrar o quão

um pertence ao outro, como que se estivéssemos conectados com a natureza.

Abaixo, podemos ver algumas imagens que seguem a esse pensamento.

Figura 12 Sem título Figura 13 Sem título

Fonte: http://lounge.obviousmag.org/sem_receita/2012/07/christoffer-relander-fotografias-em-multipla-exposicao.html

Figura 14 Sem título

Fonte:http://www.christofferrelander.com/#!mg_ld=3328.

Fonte:http://lounge.obviusmag.org/sem-receita/2012/07/christoffer-relander-fotografias-em-multipla-exposicao.html

25

2 A POÉTICA E SUAS IMPRESSÕES

Como foi dito no primeiro capítulo do presente trabalho, a inspiração para o

tema veio quando me deparei com as fotografias de Duane Michals (1932). Mais

especificamente, em uma sequência de fotografias, que juntas formavam uma ideia,

contavam uma estória.

Os ensaios mostrados no próximo tópico ilustram o conceito deste trabalho,

de forma que pretendem mostrar ao observador o sentimento de se estar só mesmo

estando conectado com o mundo contemporâneo e agitado onde nós vivemos.

Entretanto, estar em um mundo onde a era digital avança com agilidade e mesmo

tendo todos os recursos das mídias sociais em uma tela de celular, por exemplo,

não estamos a salvo de não nos sentirmos sós.

Comecei então a me aprofundar mais no tema da solidão, trazendo a

fotografia analógica para esta discussão. Mostrar o quão viva se encontra esta

técnica descoberta no passado, que hoje em dia se faz tão presente em nossas

vidas. Mesmo com todas as dificuldades encontradas, nada me desanimou a

continuar a fotografar com filme, pois o que eu queria transmitir para o observador

era, justamente, essa comparação de passado e presente em plena era digital.

Como poderia a partir das fotografias analógicas de dupla exposição,

mostrar para o leitor a minha ideia de solidão contemporânea, que mesmo estando a

todo o momento conectado com um dispositivo móvel, podendo estar conversando

com quem quer que seja, o seu outro “eu”, o “eu” que quer vivenciar a vida mais

presencialmente não estaria feliz? Na realidade os dois “eu” vão se tornando

“prisioneiros” de uma vida que estaria vivendo só no modo virtual da tela do seu

dispositivo móvel. Um ser solitário, onde os que estão ao seu redor não têm graça,

nem vida. Uma vida vazia, triste e solitária de quem vive apenas para uma tela de

um celular. E é essa reflexão que quero transmitir ao leitor e/ou observador.

Então, a partir dessa ideia, revelar a quem está diante das obras, que não

precisamos ser reféns dessa era digital, podemos sim nos conectar com o mundo,

sem deixarmos de nos relacionar socialmente, onde a realidade nem sempre é tão

agradável aos olhos. E, assim, começarmos a olhar mais nos olhos das pessoas,

26

nos introduzirmos mais ao convívio social, viver a vida sem desaparecer mesmo

estando presente.

2.1 O Processo Fotográfico

No início da pesquisa, havia pensado em fazer o processo de revelação do

filme em casa ou no laboratório que se encontra no curso de Jornalismo da UFMS.

Porém, quando fui fazer meu primeiro teste de revelação neste laboratório, alguns

problemas ocorreram. Os químicos de revelação e fixação da imagem estavam

vencidos, o que resultou na perda de todas as imagens naquele negativo. Todavia,

imaginava que isso poderia vir a acontecer, pois trabalhar no mundo da fotografia

analógica é arriscado, por vezes pode dar certo, em outras não. Então, para não

perder muito tempo, resolvi mudar de ideia, porque em casa não teria um lugar

apropriado para fazer este processo e o custo financeiro seria muito alto. Resolvi

então, deixar a parte de revelação e ampliação a cargo de um laboratório fotográfico

especializado, que pudesse fazer todo o processo após a captação da imagem.

Mesmo este laboratório sendo no estado de São Paulo. Infelizmente aqui em Campo

Grande – MS não há laboratório especializado em revelação e ampliação de filmes

em preto e branco.

2.1.1 A câmera fotográfica analógica

A câmera que usei em todos os ensaios foi uma câmera analógica Nikon

N80 com uma objetiva (lente) de 24mm f 1:2.8 D1 mostrada nas figuras 15, 16 e 17

respectivamente. Esta câmera possui um recurso onde eu bloqueio o avanço do

filme, podendo, assim, fazer diversas captações de fotos em uma única pose. Optei

por só captar duas imagens em uma pose, pois essa era a proposta do presente

trabalho. Esta técnica é chamada de dupla exposição.

A lente de 24mm com abertura mínima de F1:2.8, era ideal para a realização

da minha proposta para este trabalho. Com abertura ampla, pude captar um cenário

onde o indivíduo contemporâneo se insere na cena como o “ator” principal.

1 Objetiva 24mm F:1:2.8 é referente à distância focal, que no caso da 24mm é uma grande angular

fixa, adequada para viagens, paisagens, retratos ambientais e outros; com controle de abertura manual para fotografia. Disponível em: <http://www.nikon.com.br/nikon-products/product/camera-lenses/af-nikkor-24mm-f%252f2.8d.html>. Acesso em: 03 fev. 2016

27

Figura 15 e 16 Câmera Nikon (visão frontal e posterior)

Fonte: https://hoursofidleness.wordpress.com/2010/03/13/nikon-n80-big-taste-less-filling/.

Figura 17 Detalhe da lente da Nikon

Fonte:https://hoursofidleness.wordpress.com/2010/03/13/nikon-n80-big-taste-less-filling/

2.1.2 Filme preto e branco

O filme fotográfico ou película fotográfica, utilizado em fotografia, é

constituído por uma base plástica, flexível e transparente, sobre a qual é depositada

uma emulsão fotográfica. Esta é formada por uma fina camada de gelatina que

contém cristais de sais de prata sensíveis à luz que chega a ela através da lente da

câmera. Os sais de prata, quimicamente chamados de haletos de prata, podem ser

mais ou menos sensíveis à luz. Então, há filmes que exigem maior quantidade de luz

para registrar as imagens. Outros permitem a captação com menos luz. A essa

propriedade dá-se o nome de sensibilidade.

28

Como havia dito no primeiro capítulo, optei por trabalhar com filme preto e

branco para aproximar o passado e presente. A era digital se faz tão presente hoje

em nossas vidas, que um simples pressionar de um botão da câmera digital ou até

mesmo os próprios celulares com câmeras já obtém uma imagem em uma fração de

segundos. Apesar de não ver a imagem, na técnica de fotografia analógica, também

é possível obter a imagem em uma fração de segundo, o que não é possível, é a

visualização imediata. E, assim, muitas vezes se pode não obter o resultado

esperado, e só saber na revelação. Todavia, mostrar este contraponto é fazer com

que as pessoas olhem e reflitam mais sobre a correria do dia a dia. Reflitam sobre o

próprio comportamento diante de tanta facilidade com que nos comunicamos hoje.

Discutam, conversem mais olhos nos olhos, se possível presencialmente, não se

camuflem em seus espaços íntimos. É esta reflexão que tento emitir para o

observador diante das obras finais deste trabalho.

2.1.3 Os testes encenados

Selecionei três tipos de filme preto e branco que gostaria de trabalhar e

testar, mais necessariamente com três tipos de ISO2. Um com ISO 100, outro 400 e

um mais sensível à luz de 3200. Todos os filmes utilizados da marca ILFORD

Professional foram comprados pelo mercado online, já que esses filmes não se

encontram com facilidade no mercado fotográfico físico e nem na cidade de Campo

Grande – MS.

No primeiro ensaio usei um filme de 35mm de ISO 3200, mostrado na figura

18, onde a sensibilidade a luz é altíssima.

2 O ISO (Internacional Organization for Standardization) é um termo utilizado para se referir a

sensibilidade de superfícies fotossensíveis (sensíveis à luz) utilizadas na fotografia. Também conhecida como sensibilidade fotográfica. Disponível em:

<http://www.mnemocine.com.br/index.php/fotografia/34-tecnica-de-fotografia/173-filmes>. Acesso em:

04 fev. 2016.

29

Figura 18 Filme Ilford 35mm Delta 3200

Preto e Branco 36 poses ISO 3200

Fonte:http://orangephoto.com.br/filmes-e-papel-fotografico/filmes-ilford/filme-ilford-delta-3200-preto-e-branco-36-poses-iso-3200.html

Usei este filme em um final de entardecer dando sequência ao anoitecer,

dentro de uma casa com luzes fluorescentes e incandescentes. Em todos os ensaios

obtive as fotos de dupla exposição com auxílio de um tripé, onde pude selecionar a

cena em um único quadro registrando as duas captações de luz em uma única pose.

Fiz este teste justamente para saber se o resultado que eu imaginava iria dar certo

de fato. Pois bem, obtive o resultado que eu esperava. Mostrando a partir da

captação das imagens, alguns pontos da casa onde o “ator” divaga ociosamente

com seu smartphone ou notebook. Um detalhe me chamou a atenção sobre este

filme de ISO 3200. As fotos por terem sido expostas acima do ideal de luz para este

filme resultaram em registros com muitos grãos 3 , devido ao filme ter essa

sensibilidade alta à luz. Porém, não me incomodou, pois, como falei no primeiro

capítulo, à fotografia que eu buscava era uma fotografia Conceitual, onde a ideia em

si toma forma por meio das fotografias encenadas deste trabalho.

3 A emulsão dos filmes é constituída por haletos de prata - que, agrupados, formam o que

conhecemos por grão ou granulação - imersos em gelatina animal. A quantidade de grãos implica diretamente na nitidez da película, ou seja, para fotos mais nítidas, é preciso maior quantidade de grãos menores, por sua vez, uma menor quantidade significa grãos maiores para preencher todo o fotograma. Disponível em: <http://www.mnemocine.com.br/index.php/fotografia/34-tecnica-de-

fotografia/173-filmes>. Acesso em: 04 fev. 2016.

30

Neste ensaio obtive desde já o resultado final que eu queria, mas havia

ainda dois tipos de ISO a ser testados. Logo abaixo algumas fotografias com filme

de ISO 3200:

Figura 19

Acervo pessoal da artista

Figura 20

Acervo pessoal da artista

Figura 21

Acervo pessoal da artista

31

Figura 22

Acervo pessoal da artista

Para o outro ensaio, onde realizei tanto externo como interno, optei por usar

um filme p&b de ISO 400. (ver figura 23).

Figura 23 Filme p&b de ISO 400

Fonte:http://www.angelfoto.com.br/acessorios/filmes/35mm/filme-35-ilford-hp5-400-preto-e-branco.html

Dentro da casa da modelo, com o tripé também em todas as cenas, obtive

um resultado satisfatório. Dentro da casa foi registrado o lado solitário de quem vive

com seus dispositivos móveis perambulando pela casa. Já nas fotografias externas,

optei por registrar as cenas com a modelo em um terminal de ônibus. Porém, devido

às várias movimentações de pessoas, tive alguns problemas durante a captação das

fotos. Um esbarrão que seja no tripé já mudaria o quadro. Mesmo algumas fotos

tendo dado certo e mesmo gostando do resultado, as fotografias do primeiro ensaio

haviam me conquistado pelo fato de elas serem mais íntimas, não no termo literal,

32

mas de uma forma que o cidadão contemporâneo se insere no cotidiano de um ser

solitário, interagindo apenas com seus dispositivos móveis.

Abaixo algumas imagens deste ensaio:

Figura 24

Acervo pessoal da artista

Figura 25

Acervo pessoal da artista

Figura 26

Acervo pessoal da artista

33

Figura 27

Acervo pessoal da artista

Figura 28

Acervo pessoal da artista

Figura 29

Acervo pessoal da artista

No ensaio com filme de ISO 100 (ver figura 30), optei em registrar as cenas

em lugares abertos, onde não tivesse pessoas transitando muito. Queria mostrar a

partir das fotos captadas a modelo encenando como que se tivesse tirando selfies4 e

4Selfie é uma palavra em inglês, que tem origem no termo self-portrait, que significa autorretrato.

Geralmente a selfie é uma foto registrada pela própria pessoa com um smartphone por exemplo.

Disponível em: <http://www.significados.com.br/selfie/>. Acesso em: 05 fev. 2016.

34

seu outro “eu” não querendo o mesmo. Ou seja, ambientes bonitos para registrar

selfies, porém, ainda sim um ser solitário inserido neste contexto.

Figura 30 Filme p&b ISO 100

Fonte:http://orangephoto.com.br/filmes-e-papel-fotografico/filmes-ilford/filme-ilford-delta-100-preto-e-branco-120-iso-100.html

Abaixo algumas imagens deste ensaio:

Figura 31

Acervo pessoal da artista

35

Figura 32

Acervo pessoal da artista

Figura 33

Acervo pessoal da artista

Figura 34

Acervo pessoal da artista

2.1.4 Revelação, Digitalização e Ampliação

Após ter fotografado com os 3 tipos de filmes, começaria a procurar por

laboratórios que revelassem filmes preto e branco. Pesquisando na internet alguns

laboratórios de São Paulo, me deparei com um que foi o melhor de custo e rapidez

que me agradou. O laboratório 337 LAB se encontra no bairro Ipiranga da cidade de

36

São Paulo. Fui muito bem atendida, onde minhas dúvidas foram todas sanadas por

meio de emails que trocava com o laboratorista Rogério. Mandei os filmes através

do SEDEX pelos correios. A partir de então todo trabalho de revelação, digitalização

e ampliação das fotos em papel fotográfico ficou por conta deste laboratório.

Depois de revelado o filme quimicamente com os produtos adequados, o

negativo do filme iria para um scanner específico para a realização de tal

procedimento, realizando assim, a cópia digital do negativo. A partir de então, o

Rogério me mandava as cópias digitais por meio de uma ferramenta chamado

WeTransfer5, que chegava no meu email, e de lá eu baixava as fotos. Assim, poderia

escolher qual foto iria para a ampliação em papel fotográfico. A ampliação também

ficou por conta deste laboratório, que basicamente é um aparelho que emite uma luz

concentrada no negativo através da qual, esta luz é projetada no papel fotossensível

sensiblizando assim, o papel que, após passar pelo processo de revelação motra a

imagem que estava no negativo.

2.2 A obra final

Depois de fazer os testes com três filmes com ISO diferentes, cheguei à

conclusão de quais fotos iriam compor minha obra final. E, então, optei por

selecionar algumas fotos somente do filme de ISO 3200, pois as fotos ficaram como

eu tinha imaginado e foram as que se introduziram melhor dentro do minha poética.

A obra intitulada de “vestígios de um solitário” é composta de um conjunto de

imagens que expressa o conceito de solidão de um cidadão contemporâneo inserido

no seu espaço íntimo e que, ociosamente, vagueia pelos cômodos da sua casa

interagindo no mundo virtual com seu smartphone e notebook à procura de tentar

não se sentir só.

As fotografias finais deste trabalho são mostradas logo abaixo, com intuito

de obter uma reflexão sobre como cada ser humano lida com as mudanças

tecnológicas que ocorrem década após década.

5WeTransfer é uma ferramenta que permite aos usuários compartilharem diversos documentos ou

arquivos de forma, rápida e fácil, por permitir fazer o download de vários documentos por meio de um arquivo zipado, sem precisar baixar um a um. Disponível em: <http://www.techtudo.com.br/tudo-

sobre/wetransfer.html>. Acesso em: 10 mar. 2016.

37

O solitário anda aonde ninguém nota-o,

Aonde não há ninguém para se notar

Aonde não há nada para observar

Aonde não há ninguém para conversar

Aonde não há ninguém para tocar

Aonde o eu basta-se a sonhar

Aonde o outro eu basta-me

Talvez, basto-me.

Autoria própria.

Figura 35 “Ócio”

Acervo pessoal da artista

Figura 36 “Relaxamento”

Acervo pessoal da artista

38

Figura 37 “Inativo”

Acervo pessoal da artista

Figura 38 “Inquietação”

Acervo pessoal da artista

Figura 39 “Pausa”

Acervo pessoal da artista

39

Figura 40 “Repouso”

Acervo pessoal da artista

Figura 41 “Apatia”

Acervo pessoal da artista

Figura 42 “Indiferença”

Acervo pessoal da artista

40

Figura 43 “Insociável”

Acervo pessoal da artista

41

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A fotografia analógica foi o ponto de partida para a realização deste trabalho.

Dentro da arte contemporânea, ela se destaca por ser uma técnica pouca procurada

atualmente, devido ao crescente avanço da fotografia digital. Todavia, para mim, ter

trabalhado com a fotografia analógica, me fez enaltecer o grande valor que esta

técnica possui. Independente dos grandes avanços que a fotografia digital possa vir

nos mostrar, a fotografia analógica sempre terá seu espaço guardado no passado e

estudado no presente.

Foram encontradas muitas dificuldades durante todo o processo de

pesquisa, porém, nada que me fizesse desanimar ou desistir daquilo que eu

almejava. A dificuldade principal foi encontrar, no mercado local, os filmes p&b para

a realização dos testes. Todo o meu processo da compra dos filmes até a ampliação

das fotos em papel fotográfico, como havia dito anteriormente, foi realizado pela

internet, gerando um custo financeiro maior do que tinha imaginado. Entretanto, é

isso que torna a fotografia analógica mais enriquecedora e valorizada, e também,

requer muita paciência e dedicação.

Foi por meio dos erros e acertos deste trabalho que fui aos poucos

percebendo que nos tempos de hoje ter paciência é uma qualidade quase que

imprescindível. Até porque, nem sempre o resultado pode sair satisfatório. Como

ocorreu neste trabalho durante os testes com os filmes. No entanto, em relação ao

resultado final das obras, foi mais do que esperado. Pude fortalecer a importância da

fotografia analógica para a geração de hoje, onde a era digital predomina, e assim

comparar esta técnica do passado com o uso acelerado dos dispositivos móveis,

uma vez que pode vir a gerar no cidadão um isolamento do convívio social, que nem

sempre é proposital.

Sendo assim, finalizo este trabalho com grande entusiasmo e realização.

Enfatizando a grande importância em valorizarmos as técnicas descobertas no

passado. Este trabalho deixa, ainda, uma possiblidade de aprofundar os estudos

sobre outras técnicas a serem exploradas no campo da fotografia analógica. Percebi

que, com muita força de vontade, posso chegar a qualquer lugar. E que por mais

que os obstáculos possam surgir no caminho, saberei que sempre haverá um

42

destino final. Por fim, enalteço a grande importância de nos comunicarmos mais com

as pessoas, que não nos aprisionemos dentro de nós mesmos.

43

REFERÊNCIAS

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2015. ROCHA, Elizabete. Vestígios e Memória: Fotografias encenadas. 2014. 148 f. Dissertação (Pós-graduação em Artes Visuais) – Universidade Federal de Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 2014. SILVA, Bárbara Garcia Ribeiro da. A função social da amizade duradoura na sociedade contemporânea: um estudo com jovens adultos moradores da metrópole paulistana. 2014. Número f. Tese (Pós-graduação em Sociologia) –

44

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, 2014. TAVARES, António L. M. A fotografia artística e o seu lugar na arte contemporânea. Revista Sapiens: História, Patrimônio e Arqueologia. N.º 1 (Julho 2009), pp. 118-129.