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REVISTA FERROVIÁRIA | JUNHO/JULHO DE 2015 20 Em busca da carga geral Entrevista com Guilherme Mello, presidente da MRS Logística O engenheiro Guilherme Mello assumiu a presidência da MRS na segunda metade do ano passado com o desafio de melhorar a eficiência em uma ferrovia já eficiente e com carga dedicada ao minério de ferro. Na bagagem, Mello trouxe a experiência comercial de mais de quatro anos na presidência da divisão de transporte da GE para a América Latina. No chamado Carrossel do Minério (a descida das minas de MG para os portos no Rio), a MRS continua colhendo ganhos de produtividade graças à implantação do CBTC, o sistema de sinalização que eliminou pontos de sombra e permitiu reduzir a distância entre trens de 15 para apenas 3 km. A nova sinalização já foi implantada em dois terços do Carrossel, mas o investimento vai continuar. A MRS tem em caixa R$ 551 milhões para investir em sinalização e manutenção de via, áreas que não contam com financiamento do BNDES. Os recursos foram obtidos através do lançamento de debêntures de infraestrutura, com prazos de 7 e 10 anos. E, apesar do momento difícil pelo qual o país passa, não faltaram investidores: “Mais de 1.000 CPFs investiram na MRS no longo prazo, tivemos uma pulverização gigantesca. Foi a primeira vez que a MRS entrou nessa modelagem. Tivemos procura de até R$ 620 milhões, mas abrimos mão de R$ 70 milhões porque queríamos pagar uma taxa otimizada. Vamos gastar com responsabilidade e critério”, explica Mello. A empresa também investiu mais de R$ 80 milhões no pátio de Brisamar, em Itaguaí (RJ), onde um CCO exclusivo terá independência para melhor coordenar e otimizar a chegada dos trens de minério aos portos. Mas, nesta entrevista à Revista Ferroviária , realizada em abril, Guilherme Mello deixou claro que a MRS está olhando além do Carrossel, especialmente para o trecho Rio-São Paulo. E inovando, inclusive em espaços tradicionalmente dedicados aos caminhões, onde os trens não entravam, embora sejam a opção mais sustentável. São iniciativas pontuais, como um trem diário e noturno de cimento para o Rio ou o uso dos vagões double-stack para levar contêineres entre as duas margens do congestionado Porto de Santos. Mas elas vêm se multiplicando e, somadas, indicam uma tendência que, nas palavras do próprio Guilherme Mello, estão fazendo a equipe comercial da MRS “pensar fora da caixa”. entrevista

Em busca de carga geral - Entrevista de Guilherme Mello, presidente da MRS, para a Revista Ferroviária

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Em busca da carga geralEntrevista com Guilherme Mello, presidente da MRS Logística

O engenheiro Guilherme Mello assumiu a presidência da MRS na segunda metade do ano passado com o desafio de melhorar a eficiência em uma ferrovia já eficiente e com carga dedicada ao minério de ferro. Na bagagem, Mello trouxe a experiência comercial de mais de quatro anos na presidência da divisão de transporte da GE para a América Latina.

No chamado Carrossel do Minério (a descida das minas de MG para os portos no Rio), a MRS continua colhendo ganhos de produtividade graças à implantação do CBTC, o sistema de sinalização que eliminou pontos de sombra e permitiu reduzir a distância entre trens de 15 para apenas 3 km. A nova sinalização já foi implantada em dois terços do Carrossel, mas o investimento vai continuar.

A MRS tem em caixa R$ 551 milhões para investir em sinalização e manutenção de via, áreas que não contam com financiamento do BNDES. Os recursos foram obtidos através do lançamento de debêntures de infraestrutura, com prazos de 7 e 10 anos. E, apesar do momento difícil pelo qual o país passa, não faltaram investidores:

“Mais de 1.000 CPFs investiram na MRS

no longo prazo, tivemos uma pulverização gigantesca. Foi a primeira vez que a MRS entrou nessa modelagem. Tivemos procura de até R$ 620 milhões, mas abrimos mão de R$ 70 milhões porque queríamos pagar uma taxa otimizada. Vamos gastar com responsabilidade e critério”, explica Mello.

A empresa também investiu mais de R$ 80 milhões no pátio de Brisamar, em Itaguaí (RJ), onde um CCO exclusivo terá independência para melhor coordenar e otimizar a chegada dos trens de minério aos portos.

Mas, nesta entrevista à Revista Ferroviária, realizada em abril, Guilherme Mello deixou claro que a MRS está olhando além do Carrossel, especialmente para o trecho Rio-São Paulo. E inovando, inclusive em espaços tradicionalmente dedicados aos caminhões, onde os trens não entravam, embora sejam a opção mais sustentável.

São iniciativas pontuais, como um trem diário e noturno de cimento para o Rio ou o uso dos vagões double-stack para levar contêineres entre as duas margens do congestionado Porto de Santos. Mas elas vêm se multiplicando e, somadas, indicam uma tendência que, nas palavras do próprio Guilherme Mello, estão fazendo a equipe comercial da MRS “pensar fora da caixa”.

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Revista Ferroviária – Na MRS o minério é uma carga muito importante e consome praticamente toda a ca-pacidade da ferrovia. Ali no Carrossel do Minério tem um limite físico. Como vocês estão lidando com isso?Guilherme Mello – No carrossel da Ferrovia do Aço, passam de 25 a 30 trens por dia, é quase um trem a cada 40 minutos. No auge da operação, passa um trem a cada doze minutos. Já implantamos o sistema de sinalização, o CBTC (Communication Based Train Control) em 400 km, no total de 600 km do carrossel completo. Com isso, conseguimos uma confiabilidade muito maior por-que não tem sombra de trens no sistema. Antes a dis-tância entre os trens era de 12 a 15 km. Hoje consegui-mos aproximar para apenas 3 km. Isso deu um ganho em termos de rotatividade das mesmas tabelas de mi-nério. Então, com esse projeto, podemos pensar em ter cargas na contramão, desde que se consiga planejar bem os intervalos. A sinalização foi um ganho operacional importante para a MRS, em termos de headway. Ago-ra vamos continuar expandindo no resto da malha, em nossos principais pátios, mas foi um aumento de mais de 20% na confiabilidade do sistema. Em relação ao efeito do ponto de sombra, a melhora foi de 80%. Antes (do CBTC), nós perdíamos porque parávamos muito o trem por estar numa situação de sombra, obviamente porque temos de privilegiar sempre a segurança.

RF – A MRS tem uma malha relativamente pequena e de uso intensivo. No relatório entregue à ANTT, tem algum trecho ocioso?GM - Tem locais que a gente não tem ociosidade ne-nhuma, como na Ferrovia do Aço. Às vezes nem nós conseguimos encaixar mais um trem lá. Há trechos onde pode haver alguma ociosidade, mas é difícil você encai-xar uma carga, por exemplo, entre Roseira e Taubaté. Mas são quilometragens pequenas, se não tiver trânsito com alguma regularidade, não tem lógica carregar um comboio de contêineres ou de carga geral. Mas a ANTT sabe onde há ociosidade ou não em cada trecho nosso. A questão é ver se é viável comercialmente algum tipo de carga nesses trechos reduzidos e isolados que nós temos na malha, mas o nosso compromisso é usar a malha. A

MRS não tem nada de malha abandonada. A gente tem um cuidado especial com a Ferrovia do Aço, até pela tonelagem por eixo que ela carrega e também pela ve-locidade e frequência de trens, mas nós mantemos com rigor todo o nosso circuito de 1.643 km concedidos, des-de 1997. Em parceria com nossos clientes e acionistas, fizemos grandes projetos como a instalação de novos silos, viradores de vagão, que permitiram uma redução expressiva no transit time. Antes o ciclo era de quase 28 horas, para carregar, descer ao porto, descarregar e voltar. Hoje estamos fazendo o ciclo em menos de 22 horas. É um ganho gigantesco, em otimização, na utili-zação das tabelas de vagões, que a gente tem no sistema.

RF – E ainda tem espaço para novos ganhos?GM - Nosso trem tem 134 vagões, mas estamos usando os vagões GDU, que têm 10% a mais de capacidade. Também estamos usando locomotivas mais eficientes e fazemos a tração distribuída com três locomotivas por trem. Com isso eliminamos a necessidade do auxílio, o help, como a gente chama, que consistia em deixar uma locomotiva esperando em alguns trechos para vencer algumas subidas. Com as GE AC44, de corrente alter-nada, eliminamos essa necessidade. Nosso consumo de diesel é gigantesco. Gastamos, em média, R$ 1.000,00 por minuto na MRS. Isso representa quase R$ 1,5 milhão por dia, se considerarmos as 24 horas. Nos últimos 3, 4 anos houve uma redução expressiva nesse consumo. Uma queda de 9%, o que representa 50 milhões de reais por ano, sem reduzir o volume transportado, ao contrário. No ano passado, o transporte de minério cresceu 9 milhões de toneladas, em relação a 2013. O fluxo agrícola também teve um crescimento de quase 2 milhões de toneladas. A dificuldade que estamos vivenciando com o minério de ferro este ano, devido ao crescimento mais cartesiano da China, não será compensada com a carga agrícola, mas ela é uma vocação importante.

RF – E a carga geral?GM - A MRS sempre soube fazer muito bem coque, carvão e minério. Agora precisa se especializar em ou-tras cargas, contêineres e agrícolas. E aí temos o tre-

Com esse investimento (conjunto das operadoras em Santos), principalmente em sinalização, autorização de trens, estamos conseguindo passar de 12 a 13 pares de trens a mais por dia.

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cho Rio-São Paulo, cujos 500 km estão no limiar da competitividade rodoviária versus ferroviária. E tem espaço para todos. Então, aí a gente tem a possibilida-de de trazer novos volumes, novas cargas. Chegamos a fazer 1,2 milhão de toneladas de transporte de contê-ineres na MRS e nas outras ferrovias em que a gente usa o direito de acesso. Isso é 18% de crescimento, em relação a 2013. Na região do Vale do Paraíba, o crescimento chegou a 70%. Também estamos trazen-do o cimento da CSN para o Rio de Janeiro, através da ferrovia. Tiramos do caminhão e hoje chega um trem por dia de madrugada em Japeri e dali o cimento é distribuído em pequenos caminhões para atender à Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Investimos mais de R$ 80 milhões no pátio de Brisamar, em Ita-guaí(RJ). É um pátio regulador que vai mudar o nos-so modelo de atendimento. Lá vamos ter um centro de controle local. Continuamos despachando os trens por Juiz de Fora, mas esse vai ser um primeiro gran-de terminal, onde nós vamos ter todo o automatismo local para tomar decisão nesse retro pátio regulador. O CCO local vai nos dar agilidade para despachar os trens de minério para os portos de Sepetiba e Guaíba e permitirá melhorar a tração em geral, no despacho de cargas para exportação. O pátio de Brisamar vai mudar o nosso modelo de atendimento.

RF – Onde mais vão se concentrar os investimentos da MRS?GM - Nós investimos entre R$ 250 e R$ 300 milhões por ano, apenas na manutenção da malha, sem considerar a sinalização. Só em dormentes, são trocadas 200 mil uni-dades por ano na mesma malha de 1.643 km. Na MRS há mais de 170 túneis. Tem túneis de 2 metros e de 9 Km, nosso tunelão; e mais de 600 pontes, pontes pequenas, de alguns metros, e pontes de 800 metros. Algumas dessas obras são do século XIX. Então, há uma quantidade de obras em que a gente se antecipa, nesses aterros, como contenção, drenagem para não ter deslizamentos. Temos parcerias com a previsão do clima, para saber a cada mi-nuto se vai começar a chover ou parar de chover. Então, fazemos todo um planejamento, não só no aspecto de obra civil. A gente represa trens, segura trens em deter-minados locais onde sabemos que o solo já está, vamos dizer assim, demasiadamente molhado e infiltrado. Nos-

so centro de comando chega a esse nível de detalhe para conseguir controlar a operação minimizando qualquer impacto, um descarrilamento, um acidente.

RF – Algum projeto para a travessia de São Paulo, como a segregação Leste?GM - A segregação Leste foi um ganho operacional, mas não eliminou as interferências com a CPTM. Os 12 km da segregação Leste nos permitiu evitar a passagem de trem em toda aquela área de Franco da Rocha. Mas ainda temos operação compartilhada com a CPTM para alimentar o ABCD e também as regiões do Ipiranga e da Mooca, que têm indústrias importantes. Foi um in-vestimento de R$ 180 milhões feito pela própria MRS, já sinalizando a importância desse trecho e de eliminar esse gargalo. Não queremos concorrer com o passageiro, pelo contrário. Quanto mais isolado o sistema puder ser, mais seguro. Queremos trabalhar junto com o governo, seja federal, estadual, em todas as instâncias, para con-tinuar a segregação, que a gente acha que é a solução. Como Adhemar de Barros já vislumbrava, na década de 60, é algo necessário.

RF – Qual será o resultado do investimento conjunto que as ferrovias estão fazendo em Santos?GM - Desde o ano passado, nós – MRS, Rumo, ALL e VLI – estamos fazendo investimentos conjuntos na Bai-xada Santista. Já anunciamos um investimento de R$ 10 milhões para eliminar gargalos em Santos. Precisamos de obras gigantescas lá, mas o que as três ferrovias con-seguem fazer no curto prazo nós estamos fazendo. Com esse investimento, principalmente em sinalização, auto-rização de trens, estamos conseguindo passar de 12 a 13 pares de trens a mais por dia. Isso permitirá atender com tranquilidade este ano uma supersafra de grãos.

RF – Esse projeto marca uma maior integração entre as operadoras ferroviárias?GM - Eu acho que temos que desenvolver a parte de tecnologia da informação de forma a operar um siste-ma um pouco mais integrado e achar o balanço adequa-do. Tem setores que são altamente densos. A MRS com apenas 1.600 km de malha e 164 milhões de toneladas está entre as ferrovias de maior densidade do mundo. Em 2010 era a décima, com 144 milhões de toneladas,

Temos túneis de 1893 (...). Na MRS quem mais manda é o engenheiro civil ou geólogo. Nós não mexemos uma pedra nesses

túneis. A gente modifica o vagão e a locomotiva para passar.

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falando em densidade por quilômetro. E mesmo assim tem locais que a gente sabe que não passa às vezes um trem nem uma vez por semana ou até menos. Então, tem esse balanço importante que tem de ser levado em consideração. Mas a gente não vê a regulação como inimiga, nada disso. A gente só quer um modelo que permita maximizar a operação no sistema. Então, den-tro da ANTT, houve sim uma tentativa genuína de en-tendimento das modalidades do setor ferroviário. Acho que isso é bem importante. E estamos comparando com ferrovias com 85 mil km, como a Rússia, onde 80% do transporte de carga é feito no modal ferroviário. Nós aqui não chegamos nem a 20%. Oficialmente ficamos entre 18% e 22%.

RF – Onde se concentram as dificuldades para investir em ferrovia? GM - Nós obviamente queremos sempre atrair bons fornecedores, bons parceiros para o setor ferroviário, de forma mais ampla. Não só o fabricante da locomo-tiva, mas também toda a parte de obra civil. Temos até alongado alguns prazos de licitação interna, de contra-tação de obras para permitir a entrada de novos forne-cedores. Temos obras relevantes de encostas, de prote-ção, de aterro em locais complicados. Tem locais que a gente vê o filme da atividade e o pessoal tem 10, 20 centímetros para trabalhar, onde não conseguimos nem mecanizar, trazer as máquinas que a gente vê na Euro-pa, porque não tem espaço físico de gabarito e de aces-so. Nosso uso de mão de obra é muito intensivo. Além dos 6.318 colaboradores da MRS, temos mais cerca de 3.500 de terceiros permanentes. E muitos desses ter-ceiros permanentes são pessoas que estão fazendo su-porte e complementando equipes de via, em 1.650 km de atividades, seja de poda de árvore, corte de grama, desobstrução da linha. Quer dizer, são obras gigantes-cas e contínuas. A gente tem observado este momento que o país passa e as empresas estão buscando novos setores. Canais para manter a empregabilidade, porque todo mundo quer, no fundo, manter o país. Na própria MRS, que passa numa região altamente densa do Su-deste, onde está quase metade do PIB do país nos três

principais estados produtores, ainda temos locais onde só se chega por ferrovia. Para fazer uma intervenção, tem que paralisar, mandar um trem com material, man-dar um outro trem para tirar a sucata daquilo que você vai trocar, seja dormente ou trilho. E até a logística para chegar no local é muito difícil. Temos túneis de 1893 e ficamos pensando como, há mais de 100 anos, com o maquinário que existia na época, isso foi construído. Na MRS, quem mais manda é o engenheiro civil ou geólogo. Nós não mexemos uma pedra nesses túneis. A gente modifica o vagão e a locomotiva para passar.

RF – No Brasil é muito recorrente dizer que o pro-jeto está barrado na análise de impacto ambiental. Os projetos não deveriam começar pela análise de impacto ambiental? GM - Precisamos planejar bem e ter bons projetos. Ve-rificar o tempo, os valores envolvidos. Todo projeto, por mais bem feito que seja, já tem seu grau de tole-rância e de erro. A gente tem ansiedade de fazer logo, rápido. E aí não faz nada. E aí o logo capota porque não está bem definido, e aí o negócio é dez vezes maior do que você achou que iria ser, então não tem nem dinhei-ro, nem mão de obra, nem maquinário ou inventário para fazer aquela obra. Aqui na MRS a gente aplica para licença daqui a dois, três anos, mesmo sem saber se vamos fazer. Brisamar é um exemplo disso, a gente começa a elaborar antes para quando for fazer ter o mí-nimo de certeza naquela execução. Não dá para come-çar a fazer as coisas sem ter o detalhamento técnico das obras, das interferências, das licenças. Quanto mais cedo você começar, mais chance de se precaver contra surpresas. Não adianta você culpar a agência se não tem técnico suficiente. Demora a formar as pessoas... O que a gente pode fazer em paralelo para mitigar isso? Em algumas prefeituras onde temos interferência gran-de, fazemos o projeto e doamos para a cidade. A gente acha que é bom para a cidade. É importantíssimo para a MRS que a gente quer ter menos acidente ferroviário. Então, às vezes projetos pequenos de uma passarela, de um desvio, de um puxamento de linha, nós tomamos a iniciativa, fazemos investimento em horas, compramos

Carvão, coque e minério de ferro (...) são a vocação principal da MRS. Para as outras cargas (...) o pessoal tem que

se desdobrar e pensar um pouco fora da caixa.

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esse projeto e entregamos para ter certeza de que vai ser feito naquele prazo que dá para fazer. Então isso é uma mentalidade que a gente tem como brasileiro e querendo colocar o país num novo patamar. Em todos os setores, não se restringe à ferrovia.

RF – Existe uma ação de planejamento para compensar a queda do preço do minério com outras cargas? GM - Temos uma gerência de carga geral reforçada e revitalizada recentemente. Estamos repensando o mo-delo, temos mais de 30 projetos em andamento, em áreas que a nossa ferrovia chega perto e nunca se foi discutir a chance de transportar aquele material ali. E tem sido curioso para mim porque em algumas delas vamos lá pensando no produto final do cliente e verifi-camos que não é viável. Mas descobrimos que ele re-cebe uma série de insumos que poderiam trazer de fer-rovia e que nós nem estávamos pensando. Então, isso é um trabalho contínuo. Carvão, coque e minério de ferro nós temos que fazer com maestria, são a vocação principal da MRS. Para as outras cargas, cimento que eu já mencionei, todos os agrícolas envolvidos, bauxi-ta, contêineres, isso o pessoal tem que se desdobrar e pensar um pouco fora da caixa.

RF – Mas já deu resultado, por exemplo, em número de clientes?GM - Em 1997, nós recebemos uma ferrovia que tinha 15 clientes e tratava basicamente siderúrgicos, miné-rios e obviamente um pouco de construção civil. Hoje nós temos mais de 80 clientes, seis vezes mais, não só na mineração e siderurgia, que são muito fortes, mas estamos transportando produtos químicos, ferti-lizantes, temos parcerias com terminais intermodais, a própria Rumo fazendo bastante açúcar no interior de São Paulo, a área automobilística, que tem transfe-rência interplantas. Isso foi um viés pós-privatização que já aconteceu e a gente está reforçando ainda mais esse time. Estamos buscando parcerias com a ponta rodoviária, quando necessário. Também temos papel, celulose e toda a parte de aço, aços longos e planos e variadas bobinas. E aí vem um segredo: às vezes a gente tem que patrocinar um trem específico. Não adianta ir ao cliente e fazer um projeto do tipo "me fala o que você transporta, vou tentar desenhar o trem

para vocês". Temos ido com um viés de que vai haver um trem expresso do ponto A ao ponto B. E tem dias que ele vai com quatro contêineres, tem dia que ele vai com 40. Quando ele vai com poucos, nós não estamos ganhando dinheiro, mas estamos mantendo uma regularidade. Se não mantivermos a rota do pon-to A para o ponto B funcionando, fica difícil trazer o cliente que tem capilaridade rodoviária para apostar na ferrovia. Isso tem sido um exercício, de novo, cau-teloso. Na parte de minérios, temos contratos fecha-dos até 2026. Então temos espaço para trabalhar con-tratos spots de um ano ou 3 meses de tentativa para novas cargas. É nisso que temos forçado o time. O Carrossel do Minério, mesmo aproximando os trens, já funciona como uma rotina. A gente sabe que tem mais carregamento aqui, tem problema no virador lá, o navio não chegou, mas tem uma rotina operacional. Na carga geral, temos que nos forçar a sair da zona de conforto em alguns momentos.

RF – E isso tem impactado na receita?GM - Ajuda na tarifa média, mas o percentual ainda é pequeno, em torno de 25%. Crescemos 9% na carga geral e chegamos a 40,5 milhões de toneladas. Deste total, 23 milhões de toneladas foram produtos agríco-las; 5 milhões, siderúrgicos; e 11,5 milhões, outros. No total de 164 milhões de toneladas transportadas, 123,5 milhões ainda são minério. São mais de 100 mi-lhões de toneladas de exportação. Então a MRS real-mente é um corredor de tamanho e proporção igual a Carajás e Vitória a Minas. Tudo que a gente consegue na carga geral, qualquer percentual a mais, ajuda à diversificação da companhia, justamente para não ter essa dependência. Mesmo em minérios, tem muito a crescer ainda. A tabela com a evolução mensal mostra isso. Chegamos no patamar de 10 milhões de tonela-das em um mês, passamos para 11, depois para 12. No ano passado, batemos 15 milhões, no mês de outubro. Então, parece que estamos chegando no ponto de sa-turação, mas os investimentos em tecnologia ajudam. Também tem novas minas entrando. Talvez haja uma redução, privilegiando uma ou outra localidade. Mas temos que pensar na modelagem de longo prazo do negócio. Por isso ainda é mais importante buscar no-vas cargas. Ajudar o Brasil a se mover.

No ano passado, batemos 15 milhões de toneladas, no mês de outubro. Então, parece que estamos chegando no ponto de saturação, mas os investimentos em tecnologia ajudam.