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O DIA EM QUE ENCONTREI WARREN BUFFETT (e descobri que o sócio dele é ainda mais legal) FÁBIO ZUGMAN

O dia em que encontrei Warren Buffett

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(e descobri que o sócio dele é ainda mais legal)

FÁBIO ZUGMAN

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(e descobri que o sócio dele é ainda mais legal)

FÁBIO ZUGMAN

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Edição e Revisão: Simão MairinsCapa e diagramação: Ricardo MeloFotos: Fábio Zugman

Copyright 2015 - Todos os direitos reservados ao Administradores.com e ao autor, Fábio Zugman.

FICHATÉCNICA

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O CAMINHO

A AURA BUFFET

O ENCONTRO: UM WOODSTOCK DO CAPITALISMO

O DIA EM QUE WARREN BUFFET FEZ NEGÓCIOS COM WALTER WHITE

A DUPLA

PERGUNTAS E RESPOSTAS

NO FIM DAS CONTAS...

22 O AUTOR

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SUMÁRIO

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rês horas da manhã, despertador tocando. “Você foi dormir tarde ontem. Jura que você vai levantar?”, diz uma voz na minha cabeça. “Bem, viajei 8.800 quilômetros para isso”,

responde a voz mais sensata. Três xícaras de café de-pois, tomo coragem e entro no banho.

Estou em um hotel na ponta de Omaha, Nebraska, EUA. Mesmo procurando com três meses de antece-dência, foi uma das poucas opções que ainda estavam disponíveis. Sem problemas. Achei que fui esperto ao acertar com o taxista do dia anterior para me apanhar às quatro e me levar ao meu destino. Erro de principiante.

Quatro, quatro e dez, quatro e vinte, e nada aconte-ce. Tento ligar, ninguém atende. Os serviços de táxi da região estão todos lotados. Resta o bom e velho Uber. Sem nenhum carro disponível. Uns vinte minutos de-pois, finalmente consigo um carro e chego ao meu des-tino pouco antes das cinco da manhã.

A fila é grande. Três filas. À minha frente, um casal de New Jersey reclama do chinês que pediu para guar-dar lugar e nunca mais voltou. Atrás, uma turma de ca-belos brancos dizia ser a décima vez em que passava por esse estranho ritual.

Faz um friozinho leve. Nada demais, para quem cres-ceu em Curitiba. Alguns pilotos de uma empresa aérea aproveitam a ocasião para fazer greve. Seis e pouco da manhã, começo a ouvir uma banda, e enxergo passar na rua dois sujeitos montados em uns cavalos, e um cara que, por algum motivo, chegou em um boi. Atrás de-les, uma carruagem do banco Wells Fargo trafega pela rua. Sabe aqueles filmes de cowboy? O banco realmen-te usava esses veículos para transportar bens valiosos no velho oeste americano, e nada mais justo que hoje o

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O CAMINHO

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CEO do banco (que tem um valor de mercado maior que Itaú e Unibanco somados) dispense o carro e apareça em uma dessas. Nada como manter as tradições, não?

Sete horas da manhã começa a movimentação. Al-guém pergunta a um guarda ali perto se a seguran-ça não é pouca. “Não, todo mundo aqui é acionista e vocês não querem causar prejuízo a vocês mesmos”, responde o segurança.

Ainda assim, o que antes era uma fila bonitinha e organizada começa a se comprimir em uma onda de calor humano. Pelas estimativas, há pouco mais de 40.000 pessoas tentando entrar. Apenas 19.000 con-seguirão. Todas as outras terão que se contentar em assistir pelo telão.

Você sabe que chegou cedo, que a fila é muito maior atrás de você, mas sente um leve incômodo ao ver o pessoal correndo do lado de dentro enquanto você espera sua vez de passar pela segurança da por-ta e mostrar sua credencial.

Você entra. Todo mundo andando rápido naquele passo quase civilizado entre andar e correr. Então você percebe seu segundo erro de principiante: quem já es-teve em outros anos conhece o território e sabe aonde ir. Você segue quem está na sua frente, faz uma curva errada e vai parar do lado do palco. Ao ver um ginásio inteiro enchendo rapidamente, pensa consigo: é o que tem para hoje. Pelo menos entrei.

Não sou o único que veio de longe. De um lado, três chineses. Do outro, um indiano e mais dois sujei-tos que moram na Califórnia. Fico amigo do indiano e finalmente posso ir encarar a fila do banheiro e pegar uma Coca-Cola antes de o evento começar. Sim, eu sei, Coca às sete da manhã... Mas se há um lugar onde

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se deve tomar Coca-Cola a qualquer horário, aquele parece ser o mais indicado.

Volto ao meu lugar e descubro que minha posição não é tão ruim assim. No palco, um sujeito de amarelo está de pé, com aquele jeito de nerd inconfundível. Perto dele, dois senhores esperam a hora de falar. Bill Gates encon-trou seu lugar e eu imaginei que estávamos para começar.

A luz apaga e eu abro minha Coca-Cola. Joe Cocker canta “with a little help from my friends” quando os dois senhores de terno entram no palco. “Bom dia, eu sou o Warren, ele é o Charlie. Ele consegue ouvir. Eu consigo enxergar. Nós trabalhamos juntos.”

A reunião de 50 anos de Warren Buffett à frente da Berkshire Hathaway está para começar.

Platéia de acionistas aguarda início da reunião anual da Berkshire Hathaway, Omaha, 2015.

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á algo de especial em estar naquele lugar. No voo que me levou, um engenheiro da fer-rovia que pertence à Berkshire me disse que passa na frente da casa de Buffet de vez em

quando e notou que ele usa sacolas do Wallmart para guardar o lixo em vez de comprar sacos de plástico. A fa-culdade local faz propaganda no Aeroporto dizendo que Warren estudou ali. O taxista que me leva até o hotel diz que sabe de gente que ganhou bolsas de estudo e foi ajudada de outras formas por ele. Ao entrar no quarto do hotel, percebo que, por alguma razão, o artista que faz aqueles quadros genéricos de hotéis sentiu a necessida-de de escrever “Warren Buffett” no meio da paisagem.

Eu sempre desconfiei de biografias empresariais. A maioria não passa de matéria paga, ou no máximo é a história escrita pelos próprios amigos e admiradores do sujeito. Mesmo assim, ao chegar para o evento, é difícil não sentir a aura de Warren Buffett.

Sexta-feira, antes de ir ao centro de convenções, pedi para o motorista me deixar na sede da Berkshire Hathaway, empresa comprada pelo investidor há 50 anos e que ele usou como veículo de investimento para fazer sua fortu-na. Devo dizer que para a quinta companhia na lista da Forbes, o prédio é curiosamente simples. Muito mais sim-ples que qualquer coisa que encontramos na Faria Lima em São Paulo com empresas muito menores dentro. Um funcionário do prédio faz questão de me mostrar a figura de papelão que deixaram em uma das janelas com o for-mato de Warren. “Muito legal!”, diz ele. Que tipo de gente acha muito legal um cartaz de papelão?

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A AURA BUFFET

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m dia antes da reunião, o salão foi aberto para as empresas do grupo mostrarem seus produ-tos. É, literalmente, o Woodstock do capitalis-mo. Você pode testar o computador Watson da

IBM, gravar o que quiser em uma latinha de Coca-Cola e se entupir de sorvetes, M&Ms e outros doces. Pode com-prar tênis, camisetas e até cuecas e sutiãs com a marca da empresa, caricaturas de Warren e Charlie e frases como “Keep calm. I invested in Berkshire”. Sinto um pequeno orgulho brasileiro ao ver a presença da Heinz (naturalmen-te com as faces dos investidores nos tubos de katchup e mostarda) e um livro à venda sobre os brasileiros da 3G*, em uma livraria que diz ter livros sobre investimentos es-colhidos pelo próprio Warren.

É tudo com desconto, com boa qualidade e uma dose de ridículo. Funciona. Visita-se de casas pré-fabricadas a jatos executivos, tudo com alguém por perto disposto a tirar suas dúvidas e lhe fazer uma oferta.

À noite, sou informado de um coquetel em uma das joalherias da empresa. Uma multidão vai ferozmente às compras para aproveitar os descontos de acionistas, en-quanto outros se divertem com a música ao vivo, a comi-da e bebida liberadas.

Como eu não estava a fim de um anel de diamantes ou um relógio com a cara de Warren Buffett, resolvi me retirar mais cedo. O sábado ia ser longo.

Finalmente eu estava ali, olhando para dois sujeitos de

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O ENCONTRO: UM WOODSTOCK DO CAPITALISMO

* Holding dos brasileiros Jorge Paulo Lemann, Marcel Herrmann Telles e Carlos Alberto Sicupira, sócios de Buffett e Munger na Heinz.

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quem ouço falar desde que comecei a estudar Administra-ção. É impossível ter qualquer formação na área financeira sem ao menos ter uma ideia de quem é Warren Buffet, ouvir alguma história, escutar alguma das lendas que giram em torno dessas figuras.

“Agora vamos começar o filme da empresa. A partir des-se momento peço que não gravem ou filmem nossa reunião. Em 50 anos, nunca tivemos problemas. Mas se você vir al-guém gravando, por favor peça para parar. Se a pessoa não parar, chame um segurança”. Procurei na Internet depois e não encontrei nenhuma gravação do evento.

Propaganda da Heinz no evento.

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omeça um filme, do mesmo diretor de Blues Brothers, com direito a Jamie Lee Curtis na cama dizendo que finalmente convenceu Bu-ffett a investir em ações da Internet, uma par-

ticipação especial de Arnold Schwarzenegger, os atores da série “The Office”, “Desperate Housewives” e finalmente com Warren Buffett comprando a operação de anfetaminas de Walter White, de Breaking Bad, para finalmente desafiar Merrywater para uma luta de boxe.

Quando as luzes acendem e os dois começam a falar, percebo que a viagem valeu a pena. Até pela minha carreira ter me levado a escrever livros e frequentar os mais diversos congressos, já vi muito professor, autor, palestrante e “guru” falar. Já ouvi alguns vencedores do Prêmio Nobel e uma ou outra figura que realmente vale a pena escutar. No entanto, a picaretagem sempre tem um jeito de aparecer, e infelizmen-te é difícil sair de um evento sem ter vontade de arrancar os cabelos ou dar cabeçadas na parede pelas coisas que as pessoas têm coragem de falar.

Isso não acontece ali. É comum lermos na mídia so-bre o fanatismo dos investidores que vão a Omaha, como Warren é o Oráculo das finanças e outras coisas assim. Mas é preciso ver para crer. Até as 15:30 da tarde, Buffett e Munger respondem perguntas de acionistas, repórteres e analistas financeiros. Eles realmente sabem do que estão falando. E, geralmente, conseguem ser claros o suficiente para qualquer um entender, respondendo tudo com bom humor, enquanto comem chocolate, tomam Coca-Cola e um suco para aguentar falar por tanto tempo.

As perguntas são sobre os mais diversos assuntos. Desde aspectos operacionais da empresa e suas investi-das, passando por filosofias de investimento, até opiniões sobre as mais diversas coisas.

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A DUPLA

s matérias e biografias costumam focar em Warren Buffett, mas o show da coisa é ver os dois em ação: Buffet e Charlie. Charlie e Buffet. Charlie é quase como um irmão mais

velho, pontuando algumas questões, tirando sarro aqui e ali e passando uma imagem um tanto mais racional que a de Buffett.

Quem olha de fora tem a sensação de que a coisa toda é uma loucura. Milhares de pessoas viajam qui-lômetros para tentar a sorte de terem pelo menos uma pergunta respondida por esses dois sujeitos e ouvirem as respostas às perguntas dos outros. Por mais de uma vez, ouvi pessoas dizendo que os 50 anos eram algo especial, que eles estavam ficando velhos e quem sabe se aposentariam, ou coisa pior. Minha motivação para ir até lá, confesso, foi, em parte, essa sensação de que “se um tem 84 anos e outro 91, até quando terei a opor-tunidade de ver isso pessoalmente?”, (ciente, é claro, da ironia de que posso ser atropelado amanhã e os dois podem viver até os cem anos).

Toda geração tem seu punhado de gênios. Não vi Jimi Hendrix tocar guitarra em Woodstock nem frequen-tei uma exposição de Andy Warhol. O leitor pode achar um exagero, mas já vi muita gente falando e atuando em suas profissões. Buffett e Munger, rodeados de 40.000 de seus sócios, é algo que provavelmente fará parte dos livros de história empresarial como hoje falamos de Carnegie, Rockefeller e Barão de Mauá.

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PERGUNTAS E RESPOSTAS

Dinheiro, doces e Coca-Cola

Em uma das primeiras perguntas diretas a Charlie e Buffet, uma voz feminina diz que eles possuem muitos investimentos em coisas como a Coca-Cola, Kraft Foods e chocolates. A ciência mudou, diz ela, e hoje sabe-se que o açúcar faz mal. “Será que não é hora de vocês também mudarem?”.

Buffett olha para a mesa à sua frente e pega uma caixa de chocolates de uma das empresas de seu gru-po. Olha para Charlie, que está comendo desde que a reunião começou. Todo mundo começa a dar risada. Ele diz: “O Charlie tem 91 anos.” Charlie, quieto, pega mais um chocolate e continua a comer.

Buffett continua: “Eu provavelmente morreria mais cedo se comesse só brócolis. Ninguém é feliz assim. A Coca-Cola vai vender mais daqui a 20 anos do que ven-de hoje. Há anos, um quarto das minhas calorias diárias é suprido por Coca-Cola. Sou um quarto feito de Coca. Eu não vejo pessoas felizes na fila do Whole Foods (rede americana de alimentos ‘saudáveis’). Eu não teria vivido tanto… Sabe qual o segredo? Você tem que fazer o que lhe faz feliz.”

Charlie completa: “Na pior das hipóteses, vou per-der alguns meses babando em uma cama.”

Ações: hábitos de compra e venda

Alguém pergunta se eles se arrependem de terem com-prado ações da IBM, que vêm caindo desde então. Eles res-pondem: “A natureza humana não vai mudar. As pessoas continuam querendo comprar ações quando elas estão subindo e achando ruim quando elas estão baratas (e você

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Sobre relacionamentos

Uma criança pega o microfone: “Como eu faço para ter amigos e as pessoas gostarem de mim?”Charlie - Quando tinha sua idade, eu era bem metido e acho que as pessoas não gostavam muito de mim.Warren - Nós dois éramos.Charlie - Quando era jovem também. Até eu ficar rico e generoso.Warren - Todo mundo sorri quando você está com o che-que na mão.

Logo depois, Warren diz para o menino aprender a olhar as pessoas que admira, entender o que elas fazem e tentar copiar. Se ele olhar para as pessoas populares e aprender a agir como elas, o mesmo vai acontecer com ele, sugere. Um bom conselho depois das boas risadas.

Geopolítica em uma piada (ou melhor, duas)

Alguém perguntou sobre o euro. Warren começa a dizer que fizeram alguns erros e incluíram gente demais. Charlie, então, diz: “Você não faz negócios com seu cunha-do bêbado”.

Um pouco depois, Warren explica que não é tão fácil juntar moedas, mas que o dólar provavelmente daria cer-to com o Canadá. Charlie concorda e tira um sarro: “Não com a Argentina”.

Warren lembra que nada ali é oficial e pede em tom de brincadeira para ele parar de dizer nomes.

pode comprar mais). Por que as pessoas continuam fa-zendo isso, Charlie?”, diz Buffet. “Se elas aprendessem, você não seria tão rico”, responde Charlie.

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Faculdade para quê?

Alguém pergunta sobre educação, falando sobre os preços da pós-graduação em Administração. “Eu não sou administrador. Por que você precisa ser?”, diz Charlie. “Passei vinte anos desaprendendo o que me ensinaram na faculdade. Na época, só se ensinava como o mercado era eficiente e não existiam erros nos preços das ações”, complementa Buffett.

“Tivemos muita sorte de nascer em nossa famílias com boas condições. A maior besteira estatística que pu-blicam é a relação entre ensino superior e renda. Há di-ferença entre quem entra em uma faculdade boa e quem não consegue entrar”, diz Buffett. Aqui, ele se refere ao fato de as pessoas acharem que é um curso superior que as faz ganhar ou não ganhar dinheiro. Mas, na verdade, não é o curso em si, e sim o esforço para entrar em um bom curso que diferencia as pessoas e vai fazê-las conti-nuarem a ter sucesso durante suas carreiras.

Caridade

Perguntam sobre investimentos sociais e Warren res-ponde que desconfia de pessoas que fazem caridade com o dinheiro alheio. Ele conta que sempre questiona um CEO, quando ele quer doar dinheiro, se vai querer fazer aquilo com o próprio dinheiro, com o dos acionis-tas ou o dos clientes da empresa. “É fácil doar só o di-nheiro dos outros”, diz. Ele faz questão de lembrar que está doando 99% de tudo que ganhou, mas que cada pessoa deve ter consciência para decidir o que faz com seu próprio dinheiro.

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Em outro momento, sobre “redistribuição”, disse crer que não funciona muito e disse ser a favor de uma polí-tica semelhante a um corte maior de impostos aos mais pobres, algo sobre o qual prometeu escrever em breve.

Sócios brasileiros

A 3G, empresa de brasileiros que é parceira da Berkshire na compra da Heinz, entrou no papo quando se começou a falar em gestão focada no corte de custos e se isso não geraria demissões. Warren diz que possui 25 pessoas em seu escritório e que se tivesse mais não estaria fazendo um bom trabalho. “A nível individual, é ruim para alguém perder o emprego”, diz Charlie. “Mas, se não fosse assim, ainda estaríamos todos em fazen-das. O foco em preservar empregos não dá certo. É só ver o que aconteceu com a União Soviética: um monte de gente fingindo que trabalha, enquanto continua rece-bendo seus salários”, complementou. Assim, a 3G me-receu elogios de Buffett, que diz sempre buscar a efici-ência e o enxugamento de custos e assume a culpa nos momentos em que isso não acontece.

Os clássicos

Buffett elogiou clássicos como Adam Smith e outros autores, dizendo que quem se der ao trabalho de lê-los terá uma boa recompensa. “Essas pessoas perceberam coisas importantes antes dos outros”, afirma. A tercei-rização, segundo ele, é um exemplo. “A terceirização é algo fantástico. Você foca no que é bom e deixa outras pessoas fazerem o resto”, afirma.

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Lições da China

A habilidade de resumir temas difíceis com ideias sim-ples continua. Ao falar sobre investimentos na China, Buf-fett pediu que Charlie falasse e ele, então, explicou que a cultura chinesa tem dois fatores importantes. O povo chi-nês é muito empreendedor, mas também adora jogar. Se o primeiro fator ajudou no crescimento fantástico dos últi-mos tempos, o segundo torna a bolsa de valores chinesa um jogo perigoso. Buffet completa dizendo que, mesmo assim, o investimento baseado em fundamentos sempre será a forma mais importante de investir. “A única”, res-ponde Charlie.

Finanças pessoais

Em uma das últimas respostas, fico feliz em concor-dar com a dupla. Eu sempre achei que a maioria dos li-vros de “finanças pessoais” cai na tentação de prometer aos seus leitores coisas do tipo “como ficar milionário”, “como chegar à riqueza”, “como garantir uma aposenta-doria tranquila” ou qualquer outra besteira assim, caso o leitor siga os simples passos do guru da vez.

Ao falar sobre o tema, Charlie diz que tem muito re-ceio em falar sobre investimentos e ações, pois isso pode passar a impressão de que alguém pode ter uma boa vida simplesmente procurando ter uma renda passiva.

“É uma vida sem nada”, afirma Charlie, recebendo a concordância de Warren, que diz: “Sem minha socieda-de no começo, ou a Berkshire, realmente seria uma vida vazia”. Charlie continua: “Se você administra dinheiro profissionalmente, tem uma empresa, é uma coisa. Mas passar a vida olhando para papéis, não acho que seja uma boa vida”.

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Longo prazo

Cansamos de falar sobre “visão de longo prazo” e, na minha experiência, as pessoas costumam chamar de longo prazo algo como cinco anos. Warren e Charlie fa-lam várias vezes sobre os próximos 10 ou 20 anos, e uma vez falaram até dos próximos 50. Isso realmente é longo prazo. E, vindo de duas pessoas com 84 e 91 anos, não deixa de ser impressionante.

Os erros

Mesmo com o bom humor e a celebração de um filme dos 50 anos da empresa, houve espaço para erros come-tidos pela dupla, principalmente um caso que ficou famo-so, de um investimento em um banco que fez com que Buffett precisasse ir prestar esclarecimentos ao governo americano. Uma coisa é falar que é bacana falar dos er-ros. Colocar os próprios em destaque, na frente de todo mundo, dessa forma, é algo diferente.

O modo de lidar com as coisas

Seria pesado se não fosse pelo modo direto e bem humorado como os dois falam. Além das tiradas de Char-lie, o realismo direto e sem rodeios até choca quem não está acostumado. Alguém perguntou o que eles fariam se nascessem de novo ou algo assim. Buffett, então, passa a perguntar para Charlie, que responde que não acha que as pessoas foram até lá para ouvir esse tipo de coisa, que prefere passar o tempo respondendo coisas que possam ser úteis na vida das pessoas. Lembro de imaginar o que

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aconteceria comigo em minha época de professor se fos-se tão direto assim com os alunos mais malinhas.

Os nerds entenderão

Para os nerds de plantão, além de Schwarzenegger e uma referência ao filme do Homem de Ferro, Warren fez menções a “um grupo de pessoas andando no campo em busca de um anel”. Com certeza mais gente percebeu, mas não deixei de pensar: “My Precious”.

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NO FIM DAS CONTAS...

evento começou com “A little help from my friends”, dos Beatles, e acabou com “Money”, do Pink Floyd. Capitalismo funciona (e o que te-mos no Brasil não é capitalismo. Quem sabe um

dia eu escreva sobre isso). Isso fica claro não só no evento principal, mas no contato com as outras pessoas. Encontrei investidores de longa data, um casal que vai à reunião há 20 anos, mas também vários funcionários de empresas do grupo que também eram investidores, estudantes e gente do mun-do todo. Capitalismo não é algo em que meia dúzia de em-presas gigantes recebem a preferência do governo e sempre saem ganhando, como infelizmente vemos por aqui, mas um sistema que permite que as pessoas cresçam e construam um futuro melhor (ou, ao menos, possam continuar sonhan-do com um mundo melhor).

Diversas vezes falou-se em clientes, funcionários e acio-nistas, como fazer o melhor com o que se tem, criar valor e oferecer algo que as pessoas queiram. A inovação e as em-presas podem ser uma força para o avanço.

Como tudo na vida, porém, sempre haverá imperfeições e problemas. Novamente, é a velha questão de se olhar o copo meio cheio ou meio vazio. Respondendo a alguém so-bre o fato de nem todo mundo conseguir pagar os financia-mentos oferecidos pela empresa de casas pré-montadas da Berkshire, Buffet respondeu algo como isso: “Sei que as pes-soas que estão aqui não moram em casas de 70 mil dólares, mas muitas pessoas moram e têm uma casa graças a isso. Infelizmente, nesse preço, nem todos conseguem pagar por elas. Mas muito mais pessoas têm uma casa graças a nossa atuação do que o pequeno número de pessoas que acaba tendo problemas com seus empréstimos.”

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Enfim… O fato é que mais de quarenta mil pessoas não viajam até o Nebraska para tirar um selfie. As pessoas vão lá para aprender. É preciso estudar. Apesar da piada com o estudo formal, o conhecimento conjunto dos dois é visível. Buffett conhece dados das empresas na palma da mão e sabe dizer quanto a Gillette gastava em publi-cidade em 1939, quanto a Coca-Cola vende por dia e até corrigir um acionista sobre o número de subsidiárias de sua empresa que atuam na cidade dele.

Charlie disse que a racionalidade é o único caminho e completou com algo como: “É desonestidade você ser mais estúpido do que precisa ser.”

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O AUTOR

Fábio Zugman é professor universitário, con-sultor e palestrante. É autor dos livros Empre-endedores esquecidos (Elsevier, 2011); Admi-nistração para profissionais liberais (Elsevier, 2005); Governo eletrônico: saiba tudo sobre essa revolução (Livro pronto, 2006); O mito da criatividade (Elsevier, 2008); e coautor de Dicio-nário de termos de estratégia empresarial (Atlas, 2009) e Criatividade sem segredos (Atlas, 2010). Também é colunista do Administradores.com

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