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2ª QUINZENA DE MARÇO 2011 n WWW.CRN.COM.BR 44 OPINIÃO C ada vez mais as empresas estão usando um ins- trumento chamado “pipeline” ou “funil”, pas- sando por um processo de “stage-gates”, para gerenciar esforços de inovação. Esta ferramenta tornou-se tão comum, que parece ter virado um padrão. Mas será este, de fato, o melhor instru- mento para gerenciar este processo? Acredito que não. Em 1999 assumi a linha de frente do trabalho que levou a empresa Whirpo- ol (Brastemp/Consul) a ser considerada a empresa mais inovadora do Brasil e uma das mais inovadoras do mundo. O “funil” de inovação, com seus “gates”, foi parte central deste processo. Em 2001/2002, minha consultoria foi con- tratada para encontrar soluções para as deficiências deste mesmo funil, na mesma Whirlpool: falta de ideias, velo- cidade do pipeline, e falta de capacida- des adequadas para acompanhamento dos projetos. Enfim, o que aprendi nos últimos 12 anos é que a capacidade dos funis de inovação é bem mais limitada do que podíamos imaginar. Esta ferramenta tem por base o processo de “stage gates” – lançado por Robert Cooper no livro “Winning at New Products” (1986). Os “gates” são etapas do processo de desenvolvimento de uma oportunidade. Há muitas variações de “gates” mas, normalmente, estas etapas consideram de for- ma sequencial os quatro Cs (elementos principais, que, ao lon- go do projeto, reduziriam os riscos do investimento na ideia): Conhecimento – que conhecimentos que temos sobre a ideia (pode ser tecnológico, ou conhecimento do negócio) fei- to por meio de pesquisas, tendências, descobertas, enquetes, open innovation, insights, etc. Capital – recursos necessários (financeiro, ativos etc), alocados em business plans, venture outlines, opportunity briefings etc. Competência – quais habilidades, processos, atividades e condições são necessários, adquiridos por parcerias, aquisi- ções, fornecedores, desenvolvimento etc. Compliance – acordo com normas, regras, leis, e acei- tação do mercado, adquirido por autorizações, concessões, pesquisas, focus groups, experimentos, testes etc. O “stage-gate” busca criar pontos de tomada de decisão ao longo do processo, para ajudar os gestores a alocarem recursos e priorizá-los nas melhores ideias. Para fazer isto, o processo pre- cisa de métricas bem definidas em tais pontos de decisão. Porém, ideias verda- deiramente inovadoras carecem de mé- tricas durante seu desenvolvimento. Por exemplo, como conseguiría- mos uma métrica que ajudasse o funil a tomar a decisão quanto a se desenvolver um “browser” 20 anos atrás? Não ha- via no mercado nenhum dado quanto ao número de pessoas que usariam tal inovação, fundamental em nossos dias. Ideias inovadoras não obedecem a uma métrica adequada aos “4 Cs” para passar pelo crivo do “gate” e, infelizmente, são filtradas fora de um processo de funil. Hoje em dia, faço uso do “funil” e seu processo de “gates” em casos mui- to específicos - normalmente subor- dinado-o ao framework de portfólios internos e externos de crescimento. A Inovação, afinal de contas, não é uma atividade com fim em si mesma, mas uma ferramenta de crescimento. Só quando o processo de gestão da inovação está subordinado ao processo de crescimento, que conseguimos dar orientação ao conjunto. Esta coordenação deve ser explícita, feita por meio de portfó- lios que analisem pela ótica interna das incertezas organiza- cionais de crescimento, e pela ótica externa das oportunidades que possam atender a necessidades significativas da empresa. Concluindo, o funil de inovação força tomadas de deci- são precipitadas baseadas em métricas já conhecidas, ma- tando o verdadeiro potencial de descoberta, ou seja, a parte realmente inovadora do processo. Acredito que, usada de maneira generalizada, essa ferramenta acaba matando a ino- vação em seu nascedouro. Kip Garland é o fundador da innovationSEED - "Better Thinking About Growth" e pode ser contatado em [email protected] Foto: Ricardo Benichio PIPELINES, FUNIS, STAGE-GATES: BOM OU RUIM PARA A INOVAÇÃO?

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2ª QUINZENA DE MARÇO 2011 n WWW.CRN.COM.BR44

OPINIÃO

Cada vez mais as empresas estão usando um ins-trumento chamado “pipeline” ou “funil”, pas-sando por um processo de “stage-gates”, para gerenciar esforços de inovação. Esta ferramenta tornou-se tão comum, que parece ter virado um padrão. Mas será este, de fato, o melhor instru-

mento para gerenciar este processo? Acredito que não.Em 1999 assumi a linha de frente do

trabalho que levou a empresa Whirpo-ol (Brastemp/Consul) a ser considerada a empresa mais inovadora do Brasil e uma das mais inovadoras do mundo. O “funil” de inovação, com seus “gates”, foi parte central deste processo. Em 2001/2002, minha consultoria foi con-tratada para encontrar soluções para as deficiências deste mesmo funil, na mesma Whirlpool: falta de ideias, velo-cidade do pipeline, e falta de capacida-des adequadas para acompanhamento dos projetos. Enfim, o que aprendi nos últimos 12 anos é que a capacidade dos funis de inovação é bem mais limitada do que podíamos imaginar.

Esta ferramenta tem por base o processo de “stage gates” – lançado por Robert Cooper no livro “Winning at New Products” (1986). Os “gates” são etapas do processo de desenvolvimento de uma oportunidade. Há muitas variações de “gates” mas, normalmente, estas etapas consideram de for-ma sequencial os quatro Cs (elementos principais, que, ao lon-go do projeto, reduziriam os riscos do investimento na ideia):

• Conhecimento – que conhecimentos que temos sobre a ideia (pode ser tecnológico, ou conhecimento do negócio) fei-to por meio de pesquisas, tendências, descobertas, enquetes, open innovation, insights, etc.

• Capital – recursos necessários (financeiro, ativos etc), alocados em business plans, venture outlines, opportunity briefings etc.

• Competência – quais habilidades, processos, atividades e condições são necessários, adquiridos por parcerias, aquisi-

ções, fornecedores, desenvolvimento etc.• Compliance – acordo com normas, regras, leis, e acei-

tação do mercado, adquirido por autorizações, concessões, pesquisas, focus groups, experimentos, testes etc.

O “stage-gate” busca criar pontos de tomada de decisão ao longo do processo, para ajudar os gestores a alocarem recursos e priorizá-los nas melhores ideias. Para fazer isto, o processo pre-

cisa de métricas bem definidas em tais pontos de decisão. Porém, ideias verda-deiramente inovadoras carecem de mé-tricas durante seu desenvolvimento.

Por exemplo, como conseguiría-mos uma métrica que ajudasse o funil a tomar a decisão quanto a se desenvolver um “browser” 20 anos atrás? Não ha-via no mercado nenhum dado quanto ao número de pessoas que usariam tal inovação, fundamental em nossos dias. Ideias inovadoras não obedecem a uma métrica adequada aos “4 Cs” para passar pelo crivo do “gate” e, infelizmente, são filtradas fora de um processo de funil.

Hoje em dia, faço uso do “funil” e seu processo de “gates” em casos mui-to específicos - normalmente subor-dinado-o ao framework de portfólios internos e externos de crescimento. A

Inovação, afinal de contas, não é uma atividade com fim em si mesma, mas uma ferramenta de crescimento. Só quando o processo de gestão da inovação está subordinado ao processo de crescimento, que conseguimos dar orientação ao conjunto. Esta coordenação deve ser explícita, feita por meio de portfó-lios que analisem pela ótica interna das incertezas organiza-cionais de crescimento, e pela ótica externa das oportunidades que possam atender a necessidades significativas da empresa.

Concluindo, o funil de inovação força tomadas de deci-são precipitadas baseadas em métricas já conhecidas, ma-tando o verdadeiro potencial de descoberta, ou seja, a parte realmente inovadora do processo. Acredito que, usada de maneira generalizada, essa ferramenta acaba matando a ino-vação em seu nascedouro.

Kip Garland é o fundador da innovationSEED - "Better Thinking About Growth" e pode ser contatado [email protected]

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