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jan / fev / 2006 30 Engenharia de Produção: rumo ao sistema de “produção limpa” decisão por um determinado curso universitário está cada vez mais difícil. Antigamente a escolha levava em consideração a chamada “vocação” e a orientação familiar, resumindo- se em eliminar aquelas áreas em que se tinha menos aptidão. Como a variedade de cursos em oferta era bem menor, a escolha quase sempre recaía naqueles chamados clássicos. Fora das universidades públicas, alguns cursos eram financeiramente inviáveis para a maioria das pessoas, como Engenharia e Medicina, só para citar dois dos mais conhecidos e prestigiados. Atualmente, com a ampliação da oferta de cursos, ao se optar pela Engenharia, por exemplo, o estudante passa a ter como alternativas cerca de 50 diferentes habilitações, que vão desde aquelas tradicionais, como a Engenharia Civil e Mecânica, até as habilitações mais recentes como a Engenharia Mecatrônica (junção entre mecânica, eletrônica e informática), a Engenharia de Petróleo (enfoque em geologia, química e física), Engenharia Ambiental (multidisciplinar) e a Engenharia de Produção. A Engenharia de Produção

Rumo ao Sistema de Produção Limpa

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Artigo publicado na Revista do CREA 56, Jan-Fev, 2006. "Engenharia de Produção: Rumo ao Sistema de Produção Limpa".

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Page 1: Rumo ao Sistema de Produção Limpa

jan / fev / 200630

Engenharia de Produção:rumo ao sistema de “produção limpa”

decisão por um determinado curso

universitário está cada vez mais

difícil. Antigamente a escolha levava

em consideração a chamada “vocação”

e a orientação familiar, resumindo-

se em eliminar aquelas áreas em

que se tinha menos aptidão. Como a

variedade de cursos em oferta era bem

menor, a escolha quase sempre recaía

naqueles chamados clássicos. Fora das

universidades públicas, alguns cursos

eram financeiramente inviáveis para a

maioria das pessoas, como Engenharia

e Medicina, só para citar dois dos mais

conhecidos e prestigiados. Atualmente,

com a ampliação da oferta de cursos, ao

se optar pela Engenharia, por exemplo, o

estudante passa a ter como alternativas

cerca de 50 diferentes habilitações,

que vão desde aquelas tradicionais,

como a Engenharia Civil e Mecânica, até

as habilitações mais recentes como a

Engenharia Mecatrônica (junção entre

mecânica, eletrônica e informática), a

Engenharia de Petróleo (enfoque em

geologia, química e física), Engenharia

Ambiental (multidisciplinar) e a

Engenharia de Produção.

A

Engenharia de Produção

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Devido a esta grande variedade de habilitações no ramo da Engenharia, muitos alunos, talvez a maioria, iniciam um curso sem saber exatamente a qual delas seu perfil melhor se adapta ou que tipo de atividade ele vai exercer quando formado. Porém a questão principal com que os alunos deveriam se preocupar é: “Quais os conhecimentos e com-petências que eu devo adquirir para exercer uma atividade profissional que me traga prazer no dia a dia, e que, além disso, me proporcione o padrão de vida que eu desejo?”.

A seguir, busca-se mostrar um pouco do que é a Engenharia de Produção para diminuir dúvidas daqueles que têm interesse nessa área, aproveitando para destacar a evolução da indústria automobilís-tica, que acaba de completar um século desde o primeiro modelo fabricado na Ford, em Detroit, desta que é considerada “a máquina que mudou o mundo”.

O QUE É ENGENHARIA DE PRODUÇÃO

Fugindo das definições mais formais, pode-se dizer que Engenharia de Produção busca criar, desenvolver e aplicar conhecimento científico e tecnológico para solução de problemas de desempenho de sistemas produtivos de bens e serviços, englobando questões de natureza estratégica, tática e operacional das empresas e organizações em geral. Para tanto, são adotados critérios como produtividade, qualidade, rapidez, flexibilidade e confiabilidade, considerando fatores técnicos, econômicos, humanos, ambientais e sociais. Nesse sentido, a Engenharia de Produção, ao considerar tanto o ponto de vista do produto como o do mercado, lida com problemas de como colocar o produto certo, no lugar certo, na hora solicitada e com a qualidade e preço que o consumidor, cliente ou usuário esteja disposto a pagar. Essa é a filosofia Just in Time, desenvolvida pela Toyota desde a década de 60 e que tem se expandido por todos os tipos de negócio.

ORIGENS DA ENGENHARIA

DE PRODUÇÃO

A Engenharia de Produção é derivada da chamada En-genharia Industrial do início do século passado, quan-do pioneiros, como Frederick Taylor, desenvolveram estudos sobre o aumento da produtividade e métodos de redução de tempos e movimentos dos operários

na fabricação de peças. Taylor, apesar de ser consi-derado o “pai da administração” era de fato enge-nheiro. Os métodos desenvolvidos por ele foram posteriormente aplicados em larga escala na indús-tria automobilística por Henry Ford, que introdu-zindo o sistema de Produção em Massa através do conceito de linha de montagem seriada, reduziu os custos de produção, elevando de maneira fantástica as taxas de produtividade e, principalmente, seus lucros. Antes, os carros eram produzidos apenas de forma artesanal, na Europa, pelos pioneiros Emile Levassor e Gottlieb Daimler, este último, fundador da Mercedes-Benz.

O primeiro automóvel fabricado pela Ford foi o Modelo A, em 1903, bem simples e com motor de dois cilindros sob o banco do motorista. Seguindo a ordem alfabética, vieram modelos cada vez mais aprimorados, até a chegada daquele que mudaria o mundo: o Modelo T, em 1908 (Foto 1). Compa-rando a um modelo atual de automóvel (Foto 2), podemos perceber a evolução fantástica da indús-tria automobilística desde o primeiro modelo pro-duzido em série, através deste produto que é hoje um verdadeiro ícone da capacidade do homem em criar tecnologia.

A idéia de Ford era fazer um carro simples e resistente, que muitos pudessem comprar, mas o “pulo do gato” aconteceu em 1913, quando o pro-cesso de produção foi reformulado. As peças pas-saram a seguir por esteiras rolantes e cada operá-rio fazia um trabalho repetitivo instalando sempre componentes do mesmo tipo (padronização), num determinado tempo. Nascia então a chamada “linha de montagem ou “linha de produção”.

Desde então, a Engenharia de Produção teve progressivamente seu foco ampliado e aprofunda-do, devido ao aumento da complexidade dos pro-blemas, ampliação dos mercados e ao próprio pro-cesso concorrencial.

A decisão por um determinado curso

universitário está cada vez mais difícil.

Antigamente a escolha levava em

consideração a chamada “vocação”

e a orientação familiar

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O conceito de linha de montagem ainda hoje é utilizado (ver Foto 3), contudo, através de siste-mas organizacionais modernos, com trabalhadores executando diversas funções, o que exige alta quali-ficação e treinamento para operar sistemas compu-tacionais e robôs cada vez mais complexos, dentro das chamadas “células de produção” (ver Foto 4).

TÉCNICAS E MÉTODOS DO ENGENHEIRO

DE PRODUÇÃO

Diferentemente de outras engenharias, em que a ha-bilitação profissional fica vinculada a um ramo indus-trial (naval, civil, petróleo etc) ou a uma área técnica dentro de uma empresa (química, elétrica, mecânica, etc), com tendência à especialização com foco cada vez específico, a Engenharia de Produção busca aliar conhecimentos da engenharia tradicional a conceitos de gestão empresarial e métodos matemáticos avan-çados, envolvendo administração, economia e tecno-logia da informação, para que o profissional adquira uma visão global do negócio da empresa, com compe-tência para entender, aplicar e desenvolver métodos e ferramentas para melhorar o desempenho ao longo de toda a cadeia produtiva de produtos e serviços de uma empresa. Pode-se dizer que as principais técni-cas e métodos estudados e aperfeiçoados na Engenha-ria de Produção surgiram de três fontes principais: (i) a indústria automobilística (controle estatístico do processo, qualidade total, just in time, projeto e produção auxiliados por computador - CAD/CAM etc); (ii) o meio militar (programação matemática, logística, planejamento estratégico, planejamento e de projetos - PERT/CPM etc), e; (iii) empresas e institutos de alta tecnologia (sistemas de informações empresariais - ERP, lógica nebulosa (fuzzy logic), al-goritmos genéticos etc).

Foto 1 – Ford Modelo T, que mudou o mundo

Foto 2 – Exemplo de automóvel moderno

Foto 3 - Linha de produção atual Foto 4 - Linha de produção atual

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PORQUE CURSAR ENGENHARIA DE PRODUÇÃO

A Engenharia de Produção teve uma verdadeira explosão na oferta de cursos nos últimos dois anos. Dados de sites especializados (ver, por exemplo, www.abepro.org.br e www.mec.gov.br) dão conta de cerca de 100 cursos oferecidos por instituições em todo o Brasil. Reportagens recentes de revistas como Exame, Isto É e Veja, e de jornais como Folha de São Paulo, apontam a Engenharia de Produção como a Engenharia com as me-lhores perspectivas de mercado de trabalho, juntamente com Agroindustrial, Telecomunicações e de Materiais. Em grandes universidades (como, por exemplo, na UFRJ), Engenharia de Produção é um dos cursos mais disputados no vestibular. Situação semelhante ocorre em muitas outras universidades do país, como se verifica nos Estados de São Paulo e Paraná.

Os cursos de Engenharia de Produção mais tradicionais foram criados a partir de alguma outra modalidade da Engenharia já existente na Universi-dade, pela disponibilidade interna de laboratórios e competência de professores de cursos anteriormente existentes. Esse processo deu origem a cursos híbridos como Produção Mecânica, Produção Elétrica, Produ-ção Química e Produção Civil, por exemplo, comuns em universidades paulistas. Por outro lado, algumas instituições privilegiam características externas, como a demanda de atividades econômicas regionais e locais específicas. Por exemplo, na PUC do Paraná, um dos cursos mais procurados é o de Engenharia de Produção Agroindustrial, formado com o propósito de suprir a demanda de formação técnica em nível superior dessa forte atividade econômica da região. Contudo, atualmente a tendência é a criação de cursos de Engenharia de Produção plena ou “pura”, levando-se em consideração tanto aspectos de capacidade interna de oferta da universidade como a demanda regional de setores econômicos, porém através de ênfases ao final do curso e disciplinas optativas, sem vinculação explícita no nome do curso.

O crescimento da Engenharia de Produção tem ocorrido também fora dos grandes centros. Na esteira

do crescimento da indústria do petróleo e gás, a cidade de Campos, por exemplo, se tornou o prin-cipal pólo universitário do estado do Rio, passando por um verdadeiro boom de novos cursos de Enge-nharia de Produção. Atualmente, cinco instituições oferecem o curso nível de graduação, além de um em nível de mestrado e doutorado. A tendência é que em breve todos estejam recomendados pelo MEC, tornando a cidade além de um pólo univer-sitário, um centro de excelência na Engenharia de Produção. Para isso é necessário não só ensino, mas também pesquisa. Nesse sentido é importante que as instituições locais atentem para a necessidade de investimento na formação de núcleos de pesquisa e passem a prestigiar professores pesquisadores, pois o conceito de “Universidade” só se sustenta com base no tripé Ensino, Extensão e Pesquisa. Esse é o principal fator a diferenciar uma Universidade de um Centro de Ensino.

RUMO A UM SISTEMA DE “PRODUÇÃO LIMPA”

Por fim, pode-se afirmar que o curso de Engenharia de Produção se coloca como um dos que mais abre portas no mercado de trabalho atual, por capacitar o aluno a tratar de forma abrangente as questões fundamentais para a sobrevivência das empresas, como a otimização de processos e a qualidade dos produtos, de forma a agregar valor à cadeia logística das empresas e dos negócios, considerando não só aspetos econômicos, mas também os ambientais e humanos.

Desse modo, todo o profissional deve ter em mente que a qualidade de vida das gerações futuras depende, sobretudo, da forma como tratamos os recursos naturais do planeta e de como produzimos hoje. Portanto, a tendência atual é chamada “pro-dução limpa”, baseada em conceitos e princípios ambientalmente sustentáveis.

Sebastião Décio Coimbra de SouzaDoutor em Engenharia de Produção e Professor da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF)

‘‘A decisão por um determinado curso universitário

está cada vez mais difícil. Antigamente a escolha

levava em consideração a chamada vocação e a

orientação familiar’’