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Tiago Alexandre Lopes R. Lino 1 www.Psicologia.com.pt Documento produzido em 14-11-2006 ALCOOLISMO - DA CAUSA À DOENÇA Trabalho de Licenciatura (2006) Tiago Alexandre Lopes R. Lino Psicólogo Clínico e de Aconselhamento pela Universidade Autónoma de Lisboa Contactos: [email protected] RESUMO Este trabalho tem como objectivo fazer uma descrição sobre o álcool como doença, onde é causa e onde é consequência do indivíduo que o utiliza como droga de abuso. Inicialmente, no primeiro ponto, é feita uma pequena abordagem histórica da origem do álcool, desde dos tempos mais remotos até à actualidade. No segundo ponto é destinado à definição do alcoolismo segundo alguns autores, tais como Magnus Huss, Morton Jellinek e Organização Mundial de Saúde (OMS). O terceiro ponto revela a epidemiologia portuguesa, contando com a incidência e prevalência existente no universo português. O quarto ponto, é um ponto mais extenso que visa explicar um pouco melhor o fenómeno do alcoolismo, descrevendo os sinais e síntomas associados, alguns tipos de classificações do alcoolismo, segundo alguns autores e critérios de diagnóstico, quer de dependência, intoxicação e abstinência, segundo o DSM-IV-TR. Os quinto, sexto e sétimo pontos remetem para as etapas e causas do alcoolismo desde do alcoolismo aguda até ao crónico, tendo em conta os factores sociais, culturais, de personalidade ou genéticos que causam determinados comportamentos alcoólicos; patologias consequentes a nível físico como a cirrose hepática ou a nível mental englobando um vasto leque de perturbações mentais. E por último, a (des)integração na vida social, descrevendo um pouco a vida de um alcoólico no seio familiar, profissional e social. O oitavo e último ponto destina-se à intervenção terapêutica e prevenção da recaída, direccionadas para o tratamento do alcoolismo. Neste ponto é descrito três sub-pontos, o das psicoterapias que abarca os métodos e técnicas psicológicas usadas em várias abordagens, tais como nos Alcoólicos Anónimos (AA) com o método dos doze passos; as psicoterapias de grupo; as psicoterapias familiares que dão especial importância ao papel da família na recuperação do alcoólico; e as psicoterapias de apoio essenciais no acompanhamento no período de longa abstinência. O sub-ponto seguinte é o dos psicofármacos, focando três dos mais utilizados, o Dissulfiram (Antietanol®), o Naltrexona (Revia®) e o Acamprosato (Campral®). Como último

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ALCOOLISMO - DA CAUSA À DOENÇA

Trabalho de Licenciatura

(2006)

Tiago Alexandre Lopes R. Lino Psicólogo Clínico e de Aconselhamento pela Universidade Autónoma de Lisboa

Contactos:

[email protected]

RESUMO

Este trabalho tem como objectivo fazer uma descrição sobre o álcool como doença, onde é causa e onde é consequência do indivíduo que o utiliza como droga de abuso. Inicialmente, no primeiro ponto, é feita uma pequena abordagem histórica da origem do álcool, desde dos tempos mais remotos até à actualidade. No segundo ponto é destinado à definição do alcoolismo segundo alguns autores, tais como Magnus Huss, Morton Jellinek e Organização Mundial de Saúde (OMS). O terceiro ponto revela a epidemiologia portuguesa, contando com a incidência e prevalência existente no universo português.

O quarto ponto, é um ponto mais extenso que visa explicar um pouco melhor o fenómeno do alcoolismo, descrevendo os sinais e síntomas associados, alguns tipos de classificações do alcoolismo, segundo alguns autores e critérios de diagnóstico, quer de dependência, intoxicação e abstinência, segundo o DSM-IV-TR.

Os quinto, sexto e sétimo pontos remetem para as etapas e causas do alcoolismo desde do alcoolismo aguda até ao crónico, tendo em conta os factores sociais, culturais, de personalidade ou genéticos que causam determinados comportamentos alcoólicos; patologias consequentes a nível físico como a cirrose hepática ou a nível mental englobando um vasto leque de perturbações mentais. E por último, a (des)integração na vida social, descrevendo um pouco a vida de um alcoólico no seio familiar, profissional e social.

O oitavo e último ponto destina-se à intervenção terapêutica e prevenção da recaída, direccionadas para o tratamento do alcoolismo. Neste ponto é descrito três sub-pontos, o das psicoterapias que abarca os métodos e técnicas psicológicas usadas em várias abordagens, tais como nos Alcoólicos Anónimos (AA) com o método dos doze passos; as psicoterapias de grupo; as psicoterapias familiares que dão especial importância ao papel da família na recuperação do alcoólico; e as psicoterapias de apoio essenciais no acompanhamento no período de longa abstinência. O sub-ponto seguinte é o dos psicofármacos, focando três dos mais utilizados, o Dissulfiram (Antietanol®), o Naltrexona (Revia®) e o Acamprosato (Campral®). Como último

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sub-ponto, a prevenção da recaída que assenta nalgumas técnicas com o intuito de conseguir alterar o comportamento alcoólico de certo indivíduo, transformando-o noutro comportamento socialmente funcionante.

Palavras-chave: Alcoolismo, dependência, abuso, intoxicação, abstinência, intervenção e prevenção

(...) Tomou de seguida um cálice, deu graças e entregou-lhe dizendo: «Bebei

dele todos. Porque este é o Meu sangue, sangue da aliança, que vai ser derramado

por muitos para remissão dos pecados. Eu vos digo: Não beberei mais deste produto

da videira até o dia em que o hei-de beber convosco o vinho novo no reino de Meu

Pai».

Evangelho segundo São Mateus,

Mt. 26, p. 1695 da Bíblia Sagrada

1. ORIGEM DO ÁLCOOL – UM POUCO DE HISTÓRIA

O álcool deve ser tão antigo quanto a própria Humanidade, o homem consome-o desde

sempre pois a fermentação da fruta nunca foi um grande mistérios e já os nossos antecedentes

primatas conseguiam produzir leves intoxicações mediante este processo.

O consumo do álcool, nas diferentes civilizações, inicia-se com a revolução neolítica, onde

se dá um avanço nas tecnologias de fermentação, o que contribui para um aumento da produção

de matérias-primas, como a cevada e frutas.

O hidromel (mistura fermentada de água e mel) e cerveja são, desde à milhares de anos, as

mais consumidas. Registos datados de 2200 a. C., apontam para um já consumo destas bebidas.

Existem também registos de 500 a. C., na Babilónia do consumo de cerveja e vinho de palma. Os

antigos egípcios tinham destilarias há já cerca de seis mil anos e praticavam o culto a Osíris

como forma de agradecimento pela dádiva da cevada. Os gregos, por sua vez, transferiam esse

mesmo culto para Dionísio, onde ofereciam bebidas alcoólicas a deuses e a soldados para

facilitar as relações interpessoais. Os romanos agradeciam a Baco a criação do “vinho divino” e

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foram eles que contribuíram para a regulação da produção do vinho e sua distribuição pela

Europa.

O vinho tornou-se assim um fenómeno universal visível pela proliferação da taberna, local

destinado ao consumo exclusivo de bebidas alcoólicas e que também assumiam um papel de

relevo ao nível das relações e actividades públicas.

Também a nível da religião, o vinho é fortemente referenciado, tal como no excerto

supracitado. O vinho era e é uma constante nas cerimónias religiosas, realçando as realizadas

pelo Cristianismo, Aztecas, religião familiar chinesa, hinduísmo, bantu, entre outras. Uma das

religiões que proíbe ou restringe é o Islamismo.

Até à data, as bebidas alcoólicas eram provenientes da fermentação, mas foi com os árabes

que se iniciou a produção das bebidas alcoólicas por destilação, mas no entanto foram os cristãos

mediterrânicos quem lideraram o desenvolvimento industrial da produção a partir do século XII,

começando assim o seu desenvolvimento, atingindo o seu auge no século XIV e sendo

implantada no resto da Europa.

Durante a Idade Média, o álcool esteve intimamente associado à saúde e bem-estar, tendo

mesmo sido classificado como aqua vitae, tendo mesmo uma aplicação terapêutica em alguns

casos de saúde. A actual terminologia, que tem etimologicamente duas palavras de origem, uma

na palavra grega alkuhl que referenciava tudo o que dizia respeito ao espírito apoderado por

produtos fermentados, outra na palavra árabe al-kuhul que significava líquido, só é adoptada nos

finais do século XVI.

É já no século XVII, que os destilados passam a liderar a comercialização, substituindo os

fermentados, e tornando-se num dos primeiros mercados mundiais.

Com a revolução industrial do século XIX, o mercados dos destilados adquire uma expansão

bastante maior, aumentando notavelmente o seu consumo e por consequente aumentado também

os problemas relacionados com estes produtos. É precisamente neste contexto que surgem

também as primeiras leis de proibição, com a célebre Lei Seca por volta dos anos 20 do século

passado, nos Estados Unidos da América e as primeiras campanhas de prevenção a partir dos

anos 60, nos países desenvolvidos.

Actualmente, o mercado dos destilados e fermentados, em Portugal, é totalmente livre,

embora esteja já legislado quanto à proibição da venda de bebidas alcoólicas a adolescentes com

menos de 16 anos, mas todavia o álcool, é das drogas psicotrópicas, a mais consumida pelos

jovens e adultos portugueses, nomeadamente em contexto social, ou seja, o álcool maioria das

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vezes associado a outras drogas opiácias ou anfetaminas é usualmente é consumido em grupo,

em festas, bares e discotecas.

2. DEFINIÇÃO

A definição de alcoolismo, desde dos tempos mais remotos, mantém-se associada a status

social, espécie de suporte às relações e interacções sociais. Mas é 1849 que surge o termo

alcoolismo e uma das primeiras definições, com Magnus Huss, que definiu o alcoolismo como

sendo «o conjunto de manifestações patológicas do sistema nervoso, nas suas esferas psíquica,

sensitiva e motora, observado nos sujeitos que consumiram bebidas alcoólicas de forma contínua

e excessiva e durante longo período».

Já mais tarde, com Morton Jellinek em 1960, a definição de alcoolismo é reestruturada e o

comportamento do alcoólico passa a ser classificado como doença, dando-lhe assim uma noção

de repercussão negativa e social. Jellinek definiu o alcoólico como «todo o indivíduo cujo o

consumo de bebidas alcoólicas possa prejudicar o próprio, a sociedade ou ambos» e categorizou

o alcoolismo como doença, tendo por base as quantidades de álcool consumidas, ou seja, o

consumo de álcool torna-se patogénico quando há perda do controlo do mesmo e quando isso

prejudica o indivíduo ou o meio em que está inserido.

Hoje em dia, a Organização Mundial de Saúde (OMS), define o alcoólico como «um

bebedor excessivo, cuja dependência em relação ao álcool, é acompanhado de perturbações

mentais, da saúde física, da relação com os outros e do seu comportamento social e económico».

3. EPIDEMIOLOGIA PORTUGUESA

O Alcoolismo em Portugal é um dos maiores problemas de saúde pública, tendo

consequências dramáticas para a saúde dos portugueses, quanto ao consumo excessivo de álcool

quer seja agudo ou crónico. É terceira maior causa de morte em Portugal, seguido das doenças

cardiovasculares e das neoplasias, sendo responsável por aproximadamente por 6% dos óbitos

em Portugal.

A primeira causa de mortalidade pelo alcoolismo deve-se às neoplasias das vias aero-

digestivas superiores, causadas pela associação do tabaco e do álcool. A segunda causa deve-se a

cirroses. Outras causas de morte pelo álcool são acidentes de circulação mortais (25 a 30%),

acidentes de trabalho (10 a 20%), homicídios voluntários (2 a 3%) e suicídios (1 a 4%).

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Actualmente o número de bebedores excessivos e dependentes em Portugal é difícil de

contabilizar com precisão. Admitem-se geralmente um milhão de bebedores excessivos e cerca

de quinhentos mil dependentes. No âmbito hospitalar, nomeadamente em doentes de clínica

geral, estima-se que há uma prevalência de 25% de homens e 10% de mulheres com problemas

ligados ao álcool.

4. O FENÓMENO DO ALCOOLISMO

O consumo do álcool é um fenómeno há muito existente, desde das mais remotas

civilizações. Hoje em dia, o consumo de álcool é muito frequente pois não há evento ou

celebração que não contenha bebidas alcoólicas. Isto sem referir o preocupante aumento do

consumo dessas mesmas bebidas, nos adolescentes portugueses. Os pontos que se seguem

abordam algumas classificações que existem, sinais e síntomas do indivíduo alcoolizado e os

critérios de diagnóstico do alcoolismo, segundo o DSM-IV-TR.

4.1. Sinais e Síntomas do Alcoólico

Perante um indivíduo, é facilmente detectável sinais de consumo de álcool ou não só pelo

simples rubor da face ou hálito com odor alcoolizado. Segundo Drummond (1992), os indivíduos

alcoolizados são portadores de um conjunto de sinais comuns e são eles:

- Rubor e edema moderado da face, olhos túmidos, edemas das pálpebras, olhos

lacrimejantes;

- Eritrose palmar;

- Hálito com odor alcoolizado;

- Descoordenação psicomotoras, vertigens e desequilíbrio;

- Suores;

- Tremor fino nas extremidades;

- Hematomas que podem indicar traumatismos durante a intoxicação ou alterações da

coagulação induzidas por insuficiência hepatocelular.

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Existem também outros sinais no indivíduo alcoolizado, mas estes por sua vez só são

visíveis no consumo crónico e excessivo do álcool, como por exemplo, cãibras musculares,

vómitos matinais, dores abdominais, taquicardia e tosse crónica.

Os indivíduos com hábitos de consumo excessivo, revelam também um conjunto de

síntomas, podendo eles ser físicos ou psicológicos. Quanto aos síntomas físicos, manifestam-se

como pequenos sinais de abstinência a nível neuromuscular caracterizado por tremores, cãibras

ou parestesias; digestivo por náuseas ou vómitos; neurovegetativos por suores, taquicardia ou

hipotensão ortostática e psíquicos por ansiedade, humor depressivo, irritabilidade, insónias ou

pesadelos. A tolerância também é sintoma latente e caracteriza-se pela resistência aos efeitos do

álcool.

Quanto aos síntomas psicológicos caracterizam-se por três elementos principais e são eles a

alteração do comportamento face ao álcool, perda de controlo sobre o seu estado de alcoolização

e desejo obsessivo de álcool. A perda de controlo foi uma noção descrita por Jellinek, o que

ajudou em muito na compreensão da dependência alcoólica, pois o indivíduo ao não conseguir

controlar a bebida depois de alguns copos é um dos principais fenómenos de dependência física,

a isto os AA caracterizam por alergia ao álcool. O desejo obsessivo do álcool (craving) é outro

dos fenómenos de dependência, pois o indivíduo alcoolizado nunca está satisfeito com a

quantidade consumida, levando-o a arranjar enúmeros e estranhos motivos para consumir bebidas

alcoólicas. Por outro lado, um dos factores negativos que contribuem para o consumo é o

“remorso matinal”, pois o indivíduo acorda pela manhã com um grande sentimento de culpa por

ter bebido no dia anterior, criando-lhe assim uma elevada ansiedade o que o leva a consumir logo

cedo para reduzir essa culpabilidade e ansiedade.

A este conjunto de sinais e síntomas no consumidor crónico de álcool, designa-se por

síndroma de Hiperestésica Hiperemotiva. De facto os síntomas causam grande angústia para o

indivíduo, pois ele bebe, mas como os síntomas são bastantes desagradáveis e desencadeadores

de ansiedade, então ele continua a consumir álcool para reduzir esse mau-estar, mantendo-se no

perpétuo limiar da ansiedade, torna-se portanto um círculo vicioso, em que o grau de tolerância

ao consumo torna-se quase neutro.

4.2. Classificação do Alcoolismo

Segundo vários autores que classificam o alcoolismo, refiro quatro delas: a proposta por

Cloninger em que, mediante a análise de três dimensões da personalidade, a procura da novidade,

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evitamento do perigo e dependência da recompensa, classificou o alcoolismo segundo duas

tipologias (I e II), a proposta por Babor em que, através da análise de dezassete características de

indivíduos alcoólicos, classificou também o alcoolismo segundo duas tipologias (A e B), a

proposta por Adés & Lejoyeux que integra a de Cloninger com o alcoolismo primário/

secundário, e por último a de Jellinek, as quais passo a expor mais detalhadamente.

Cloninger classificou o alcoolismo de Tipo I, como sendo o «alcoolismo do meio» a forma

mais frequente, com equivalente frequência em ambos os sexos. Início após os 20 anos de idade,

de progressão lenta e com factores ligados ao meio e à genética. De Tipo II o alcoolismo de uma

«forma exclusivamente masculina», isto é, unicamente ou quase no homem, com início antes dos

20 anos de idade, de progressão rápida para a dependência, alterações do comportamento durante

as fases de intoxicação, impulsividade de comportamentos e de comunicação, mas com menor

influência dos factores de risco genéticos e do meio.

Babor por sua vez e classificou o alcoolismo de Tipo A como sendo de início após os 20

anos de idade, de evolução lenta, com menor frequência de psicopatologia associada, melhor

prognóstico, menor frequência das perturbações e dos factores de risco na infância. De Tipo B,

como sendo aquele de início antes dos 20 anos de idade, maior frequência do alcoolismo

familiar, de dependência mais grave, com maior frequência das toxicomanias associadas e co-

morbilidade psicopatológica e com maior influência dos factores de risco na infância,

nomeadamente comportamentos agressivos e impulsividade.

Adés & Lejoyeux, propuseram uma classificação que integra a classificação do Cloninger

com o alcoolismo primário e secundário, assim sendo temos o Alcoolismo Primário que engloba

70% das formas do alcoolismo, em que a predominância é exclusivamente masculina de início

antes dos 20 anos de idade, derivado aos factores de risco serem biológicos ou genéticos. Nesta

forma de alcoolismo, os comportamentos são bastante alterados e marcados pela impulsividade e

agressividade e pela procura de sensações fortes, com rápida evolução para a dependência pois

implicam um consumo excessivo diário e intermitente. O Alcoolismo Secundário por sua vez

engloba os restantes 30% das formas de alcoolismo, em que a predominância masculina é menos

marcada de início após os 20 anos de idade, podendo os factores de risco serem biológicos ou

genéticos mas menos marcados, pois o grande factor de risco é o consumo como automedicação

causado por perturbações ansiosas, depressivas ou esquizofrénicas, levando muitas das vezes a

perturbações da personalidade. A evolução para a dependência é mais lenta pois o consumo pode

oscilar no seu modo, pode ser permanente ou intermitente, bem como o abuso ou dependência

alcoólica imediata.

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Por último, a classificação de Jellinek, que define o alcoolismo como qualquer

«comportamentos alcoólicos que cause algum dano ao indivíduo ou à sociedade ou a ambos» e

faz a distinção entre alcoolismo e comportamentos alcoólicos, em que o alcoolismo passa por

vários níveis considerando o processo de doença e os seus sintomas. Jellinek utiliza letras do

Alfabeto Grego1 para classificar os vários níveis de alcoolismo, assim sendo temos:

Alcoolismo Alpha – considerado como alcoolismo social onde o álcool é utilizado como

factor desinibitório das relações interpessoais e onde os síntomas são pura e

exclusivamente físicos, em que não se coloca a questão da perda de controlo nem

inabilidade de abstinência. È também muitas vezes definido como categoria de alguém

que tenha problemas com o álcool.

Alcoolismo Beta – espécie de alcoolismo em que as complicações físicas são ao nível das

polineuropatias, gastrites e cirrose que podem persistir mesmo que não haja dependência

física ou psicológica. O dano maior nesta espécie é a carência nutricional, especialmente

da vitamina B12, originando assim doenças de deficiência nutricional.

Alcoolismo Gamma – espécie de alcoolismo onde existe um aumento à tolerância de

álcool; uma adaptação do metabolismo ao álcool; um quadro sintomático e craving e

perda de controlo sobre o consumo. È nesta categoria que se categorizam os alcoólicos

crónicos.

Alcoolismo Delta – espécie de alcoolismo que reúne as três primeiras características do

tipo Gamma, só que em vez da perda de controlo existe inabilidade de abstinência.

Alcoolismo Epsilon – considerado como um alcoolismo periódico, em que um indivíduo

poderá estar num processo de recuperação, tem uma recaída durante alguns meses e por

remorso, volta à abstinência.

4.3. Critérios de Diagnóstico do Alcoolismo

DEPENDÊNCIA DO ÁLCOOL

A Dependência fisiológica do álcool é indicada pela evidência de tolerância ou pelos

síntomas de Abstinência. Esta por sua vez caracteriza-se pelo desenvolvimento de síntomas de

abstinência num período aproximado de quatro a doze horas após a redução de um consumo de

álcool continuado, prolongado e maciço. Quando se desenvolve um padrão de utilização 1 JELLINEK, E. M. (1971), The Disease Concept of Alcoolism, College and University Press, New Haven, Conn.

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compulsiva, os sujeitos com Dependência podem despender períodos de tempo substanciais na

obtenção e consumo de bebidas alcoólicas, continuando frequentemente a utilizar o álcool apesar

da evidência de consequências adversas psicológicas e físicas.

Critérios de Dependência de Substâncias

Padrão desadaptativo da utilização de substâncias levando a défice ou sofrimento clinicamente significativos,

manifestado por três (ou mais) dos seguintes, ocorrendo em qualquer ocasião, no mesmo período de 12 meses:

(1) Tolerância, definida por qualquer um dos seguintes:

(a) necessidade de quantidades crescentes de substância para atingir a intoxicação ou o efeito

desejado;

(b) diminuição acentuada do efeito com a utilização continuada da mesma quantidade de substância.

(2) Abstinência, manifestada por qualquer um dos seguintes:

(a) síndroma de abstinência característica da substância;

(b) a mesma substância (ou outra relacionada) é consumida para aliviar ou evitar os síntomas de

abstinência.

(3) A substância é frequentemente consumida em quantidades superiores ou por um período mais longo do

que se pretendia.

(4) Existe desejo persistente ou esforços, sem êxito, para diminuir ou controlar a utilização da substância.

(5) É despendida grande quantidade de tempo em actividades necessárias à obtenção (por exemplo, visitar

vários médicos ou conduzir para longas distâncias) e utilização da substância (por exemplo, fumar em

cadeia) e à recuperação dos seus efeitos.

(6) É abandonada ou diminuída a participação em importantes actividades sociais, ocupacionais ou recreativas

devido à utilização da substância.

(7) A utilização da substância é continuada apesar da existência de um problema persistente ou recorrente,

físico ou psicológico, provavelmente causado ou exacerbado pela utilização da substância (por exemplo,

utilização de cocaína apesar da existência de uma depressão induzida pela cocaína, ou manutenção do

consumo de álcool apesar do agravamento de uma úlcera devido ao consumo deste).

Fonte: Tabela realizada a partir do quadro de Critérios de Dependência de Substâncias do DSM-IV-TR, p. 197

ABUSO DO ÁLCOOL

O Abuso do Álcool exige menos síntomas, podendo tornar-se menos graves do que a

Dependência e só se diagnostica quando tiver sido estabelecida a ausência de Dependência. Os

indivíduos com Abuso de Álcool apesar de saberem que o consumo excessivo trará problemas

sociais ou interpessoais negativos, continuam a consumir continuada. O Abuso, além de evoluir

rapidamente para Dependência, muitas vezes é confundido com a mesma, pois ambos são

caracterizados pelos sintomas de tolerância, abstinência ou consumo compulsivo, daí ser

necessário delimitar bem os critérios para que se possa diferenciar da Dependência.

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Critérios de Abuso de Substâncias

A. Padrão desadaptativo da utilização de substâncias levando a défice ou sofrimento clinicamente

significativos, manifestado por um (ou mais) dos seguintes, ocorrendo durante um período de 12 meses:

(1) utilização recorrente de uma substância resultando na incapacidade de cumprir obrigações importantes

no trabalho, na escola ou em casa (por exemplo, ausências repetidas ou fraco desempenho profissional

relacionado com a utilização de substâncias, suspensões ou expulsões escolares relacionadas com a

substância; negligência das crianças ou deveres domésticos);

(2) utilização recorrente da substância em situações em que tal se torna fisicamente perigoso (por

exemplo, guiar um automóvel ou trabalhar com máquinas quando diminuído pela utilização da

substância);

(3) problemas legais recorrentes, relacionados com a substância (por exemplo, prisões por comportamento

desordeiro relacionados com a substância(;

(4) continuação da utilização da substância apesar dos problemas sociais ou interpessoais, persistentes ou

recorrentes, causados ou exacerbados pelos efeitos da substãncia (por exemplo, discussões com o

cônjuge sobre as consequências da intoxicação; lutas físicas).

B. Os síntomas nunca preencheram os critérios de Dependência de Substâncias, para esta classe de

substâncias.

Fonte: Tabela realizada a partir do quadro de Critérios de Abuso de Substâncias do DSM-IV-TR, p. 199

INTOXICAÇÃO PELO ÁLCOOL

A Intoxicação pelo Álcool é a presença de alterações comportamentais ou psicológicas

desadaptativas, clinicamente significativas, como por exemplo, comportamento sexual ou

agressivo desadequado, labilidade do humor, perturbações da capacidade de discernimento,

diminuição do funcionamento social ou ocupacional, que se desenvolvem durante ou logo após a

ingestão de álcool. Esta alterações são acompanhadas por evidência de discurso empastado,

descoordenação, marcha instável, nistagmo, défices na atenção ou na memória, estupor ou coma.

Critérios de Diagnóstico para Intoxicação pelo Álcool

A. Ingestão recente de álcool.

B. Alterações comportamentais ou psicológicas desadaptativas, clinicamente significativas (por exemplo,

comportamento sexual ou agressivo desadequado, labilidade do humor, perturbações da capacidade de

discernimento, diminuição do funcionamento social ou ocupacional) que se desenvolvem durante ou pouco

depois da ingestão de álcool.

C. Um (ou mais) dos seguintes sinais, durante ou pouco depois da utilização de álcool:

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(1) discurso empastado;

(2) descoordenação;

(3) marcha instável;

(4) nistagmo;

(5) défice na atenção ou memória;

(6) estupor ou coma.

D. Os síntomas não são devidos a um estado físico geral ou a qualquer outra perturbação mental.

Fonte: Tabela realizada a partir do quadro de Critérios de Diagnóstico para Intoxicação pelo Álcool do DSM-IV-TR,

p. 215

ABSTINÊNCIA DO ÁLCOOL

A Abstinência do Álcool é a presença de uma síndroma de abstinência característica que se

desenvolve após a paragem (ou redução) da utilização prolongada e maciça de álcool, causando

sofrimento ou défices clinicamente significativos no funcionamento social, ocupacional ou

noutras áreas importantes. Os síntomas da Abstinência são geralmente aliviados pela

administração de álcool ou outro depressor cerebral e tipicamente iniciam-se quando as

concentrações sanguíneas de álcool diminuem bruscamente, ou seja, de quatro a doze horas, após

utilização de álcool ter parado ou ter sido reduzida. Na Abstinência aguda, síntomas como a

ansiedade, insónia e disfunção autonómica podem persistir por entre três a seis meses, embora

menos intensos.

Critérios de Diagnóstico para Abstinência do Álcool

A. Interrupção (ou redução) da utilização maciça e prolongada de álcool.

B. Dois (ou mais) dos seguintes, que se desenvolvem entre várias horas ou pouco dias após o critério A:

(1) hiperactividade autonómica (por exemplo, diaforese ou pulsação superior a 100);

(2) tremor das mãos aumentado;

(3) insónia;

(4) náuseas ou vómitos;

(5) alucinações ou ilusões visuais, tácteis ou auditivas, transitórias;

(6) agitação psicomotora;

(7) ansiedade;

(8) convulsões do tipo grande-mal.

C. Os síntomas do Critério B causam sofrimento ou défices clinicamente significativos no funcionamento social,

ocupacional ou noutras áreas importantes.

D. Os síntomas não são devidos a um estado físico geral ou outra perturbação mental.

Fonte: Tabela realizada a partir do quadro de Critérios de Diagnóstico para Abstinência do Álcool do DSM-IV-TR,

p. 217

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De facto, segundo o DSM-IV-TR, são muitos os critérios de diagnóstico da dependência,

abuso, intoxicação e abstinência do álcool, mas muitos deles são comuns às várias fases da

doença do alcoolismo.

5. ETAPAS E CAUSAS DO ALCOOLISMO

Quanto às etapas o consumo de álcool passa por três etapas distintas, a primeira etapa é a

do alcoolismo agudo (vulgo embriaguez), em que existe uma ingestão única de uma grande

quantidade de álcool, num dia ou num período curto de tempo, podendo este estado ir desde a

excitação psíquica até ao coma alcoólico. Nesta etapa do alcoolismo existe tendência a um

aumento do consumo/consumo excessivo, isto é, o indivíduo começa por beber socialmente

passando a beber mais do que os seus companheiros, aumentando o consumo semanalmente até

ao ponto em que o álcool é imprescindível na sua vida social e no trabalho.

A segunda etapa é a da dependência alcoólica em que o indivíduo perde o controle sobre a

bebida e começa a beber compulsivamente; a embriaguez passa a ser frequente; a auto-estima

baixa; as relações interpessoais deterioram-se; deixa de cumprir as suas obrigações no trabalho; a

degradação física começa a ser notória; faz tentativas frustradas para deixar de beber e pode

manifestar impulsos ou efectuar tentativas de suicídio.

A terceira e última etapa é o alcoolismo crónico que pressupõe uma ingestão excessiva

habitual e frequente de bebidas alcoólicas, repartidas ao longo do dia em várias doses, que vão

mantendo uma alcoolização permanente do organismo. Nesta etapa o indivíduo tende a passar os

dias a beber, não distinguindo o tipo de bebida; a ingestão de alimentos é reduzida; os

comportamentos mentais deterioram-se, a tolerância ao álcool aumenta, surgindo assim síntomas

físicos a um nível bastante grave que o levam a urgentes cuidados médicos.

Quanto às causas do alcoolismo são múltiplas e podem coexistir na mesma situação, e

podem ser elas de foro genético, social, cultural, psicológico ou de personalidade. Existem alguns

estudos efectuados no âmbito da genética que afirmam que a morbilidade alcoólica é de três a

quatro vezes maior nos descendentes de alcoólicos crónicos do que nos não alcoólicos ou

alcoólicos excessivos.

As perturbações do foro psicológico, como a depressão ou ansiedade também constituem

causa de consumo. Na depressão o consumo de álcool surge muitas das vezes associado a um

efeito sedativo e tranquilizante do sofrimento psíquico causado por sentimentos como a tristeza

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ou angústia. Na ansiedade, o consumo surge como um ansiolítico diminuindo assim,

ficticiamente, o mau estar do indivíduo.

O consumo de álcool em idades muito precoces pode ser motivado por razões

socioculturais. Normalmente esta situação surge em regiões rurais, onde se produz bebidas

alcoólicas, principalmente vinho, como é o caso de Portugal. O consumo de álcool, é com

frequência mais elevado em certas instituições ou grupos, como é o caso de instituições militares,

grupos desportivos, etc., bem como na presença de hábitos familiares regulares de ingestão de

álcool.

Por outro lado traços de personalidade de alguns indivíduos também podem influenciar o

consumo excessivo de bebidas alcoólicas. Na perturbação de personalidade anti-social e na fobia

social, o indivíduo tende a utilizar o álcool como excitador e desinibidor, a fim de melhorar os

seus relacionamentos sociais, já por si deficientes. Esta última causa é talvez a causa mais

ancestral de todo o consumo de álcool, como anteriormente foi referido.

6. PATOLOGIAS CONSEQUENTES DO ALCOOLISMO

O alcoolismo traz grandes problemas e consequências ao indivíduo alcoólico,

nomeadamente a níveis físicos e mentais que poderão, na maioria das vezes, conduzir a acidentes

de trabalho, à desorganização no seio familiar, a comportamentos agressivos e homicídios, a

acidentes de viação, à pobreza e exclusão social e em casos extremos ao suicídio.

As patologias físicas consequentes do alcoolismo, são de origem gastrointestinal como

cancro esofágico, varizes esofágicas, gastrite, úlceras e cirrose; neuromuscular como cãibras,

formigueiros e perda de força muscular; sexual como a impotência ou infertilidade e

cardiovascular como a hipertensão.

As perturbações mentais, segundo o DSM-IV-TR, associadas ao alcoolismo são elas: o

Delirium Tremens; a Demência nomeadamente a de Korsakoff; Perturbações Mnésica, Psicótica,

do Humor, da Ansiedade ou do Sono, bem como a Disfunção Sexual.

7. (DES)INTEGRAÇÃO NA VIDA SOCIAL

A vida social de um indivíduo dependente do álcool é maioria das vezes factor de risco para

continuar ou aumentar o consumo excessivo de bebidas alcoólicas. Um dos grandes fracassos de

alcoólico, é não cumprir adequadamente um papel social desejado, o que resulta em prejuízos

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para si mesmo e para os outros. O indivíduo que abusa no consumo, depressa perde a sua

reputação junto de colegas, amigos e familiares, o que o deixa mais intolerante à frustração e

aumenta o consumo. A mentira torna-se então sua aliada, pois através dela ele vai reduzindo a

ansiedade causada pelo fracasso na vida social e que os outros teimam em deixar bem nítido.

Identificar os problemas sociais dos quais o indivíduo padece, é fundamental para planear

melhor uma estratégia de intervenção, quer seja ela de prevenção, de psicoterapia ou de

reabilitação. É importante descobrir e definir o que é causa e o que é efeito, o que surgiu

primeiro, se foi o consumo excessivo que levou a problemas sociais, se são a suas inter-relações e

interacções que levaram ao consumo excessivo.

Na vida familiar, o uso abusivo do álcool está frequentemente associado a um

funcionamento deficiente, à violência doméstica e ao abuso físico e sexual em crianças.

Discussões entre o casal, problemas financeiros, maus relacionamentos com os pais, são factores

de risco que ocorrem no seio familiar e contribuem para um consumo excessivo de bebidas

alcoólicas. Por outro lado, uma família cuja um dos elementos seja dependente de álcool também

é uma família em decadência, pois por exemplo a mulher pode ser alvo de violência doméstica

por parte do marido e os filhos são muitas das vezes expostos a níveis de conflito elevados, o que

as leva a serem crianças com graves perturbações relacionais e intelectuais. Maioria das vezes se

o indivíduo não deixa de beber, das duas uma, ou o casamento acaba ou um dos cônjuges é

morto.

A nível profissional, o alcoólico é um absentista nato, ou seja, falta regularmente ao

trabalho, as demissões também são frequentes, é desencadeador de diversas problemáticas quer

sejam com órgãos empresariais quer seja no relacionamento com os colegas ou superiores

hierárquicos, pois facilmente provoca um desacato, discussão, acidente ou discriminação para

com alguém.

A outro níveis, o alcoólico também tem adjacentes outras complicações sociais, como

compromissos obrigatórios, por exemplo na habitação, o alcoólico depressa deixa chegar o

estado de conservação de sua casa a um ponto extremo de descuido, as brigas com vizinhos são

constantes, a falta de pagamento da renda da casa e frequentemente mudam de habitação, pois a

situação torna-se até um ponto tão saturante e saturável, que ele sente-se obrigado a mudar para

outra casa e/ou outra cidade.

As dificuldades financeiras também são uma constante na vida social de um indivíduo

dependente de álcool, pois se por um lado beber excessivamente é dispendioso, por outro

derivado à sua situação profissional ele desespera por não ter poder económico para alimentar

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essa necessidade, o que o leva muitas vezes a cometer certos crimes, quer sejam roubo, burla ou

em casos mais extremos homicídio. O indivíduo alcoolizado não é sempre o “mau da fita”, até

pelo contrário é das pessoas mais vulneráveis a ser vítima, pois é alvo fácil para ladrões.

Em Portugal, o consumo excessivo do álcool aparece muito ligado a taxa de mortalidade

na condução, sendo uma das principais causa de morte na estrada.

8. INTERVENÇÃO TERAPÊUTICA E PREVENÇÃO DA RECAÍDA

O tratamento do alcoolismo envolve uma intervenção a vários níveis, já que a doença é

bastante complexa, quer na sua etiologia quer ainda nas suas implicações sociais, profissionais,

familiares, etc.. A intervenção terapêutica destina-se tanto à dependência como à abstinência do

álcool, contando por isso com algumas intervenções psicoterapêuticas dentro das quais se

encontram as terapias de grupo donde a mais conhecida são os Alcoólicos Anónimos (AA) e as

intervenções psicofarmacológicas. Alguns autores defendem que existem terapias mais eficazes

num tipo de alcoolismo do que noutro, demonstrando que as terapia interactivas de grupos são

mais eficazes no alcoolismo primário e que as terapias comportamentais mais eficazes no

alcoolismo secundário. È de lembrar que para uma intervenção bem sucedida, é necessário

também uma prevenção da recaída eficaz.

8.1. Psicoterapias

Torna-se indispensável um acompanhamento psicoterapêutico do alcoólico. Discutir com o

doente as causas que levaram ao alcoolismo, procurar em conjunto com o terapeuta estratégias e

delinear objectivos é essencial para um tratamento eficaz e para uma manutenção da abstinência.

Assim sendo, as psicoterapias são fundamentais na intervenção terapêutica da dependência

e da abstinência do álcool, assim o êxito do tratamento depende da estabilidade que o indivíduo

tenha nessa relação individual de apoio. Existem enúmeros métodos de intervenção mas nenhum

deles consegue comprovar a sua total eficácia, mas no entanto continuam a ter um papel

importante no acompanhamento da maturação psicológica e na reinserção sociofamiliar dos

doentes.

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Alcoólicos Anónimos (AA)

Os AA é uma associação de ex-consumidores e é o movimento mais desenvolvido e

influente a nível internacional, especialmente nos EUA. È um grupo social estruturado com base

na entreajuda, identificação com o alcoólico curado ou estabilizado estimulando motivação da

abstinência, apoio relacional no grupo e sua família.

Um dos métodos mais utilizados nesta associação, é o método dos “Doze Passos” escrito no

livro dos Alcoólicos Anónimos (p.48), que irá ser transcrito de seguida:

«Os Doze Passos

1) Admitimos que éramos impotentes perante o álcool – que as nossas vida se tinham

tornado ingovernáveis;

2) Viemos a acreditar que um Poder superior a nós mesmos nos podia devolver a

sanidade;

3) Decidimos entregar a nossa vontade e a nossa vida aos cuidados de Deus, como O

concebíamos;

4) Fizemos, sem medo, um minucioso inventário moral de nós mesmos;

5) Admitimos perante Deus, perante nós próprios e perante outro ser humano a natureza

exacta dos nosso erros,

6) Dispusemo-nos inteiramente a aceitar que Deus nos libertasse de todos estes defeitos de

carácter;

7) Humildemente Lhe pedimos que nos livrasse de todas as nossas imperfeições;

8) Fizemos uma lista de todas as pessoas a quem tínhamos causado danos e dispusemo-nos

a fazer reparações a todas elas;

9) Fizemos reparações directas a tais pessoas sempre que possível, excepto quando fazê-lo

implicasse prejudicá-las ou a outras;

10) Continuámos a fazer um inventário pessoal e quando estávamos errados admitíamo-lo

imediatamente;

11) Procuramos através da oração e da meditação melhorar o nosso contacto consciente

com Deus como O concebíamos, pedindo apenas o conhecimento da sua vontade em

relação a nós e a força para a realizar;

12) Tendo sido um despertar espiritual como resultado destes passos, procuramos levar esta

mensagem a outros alcoólicos e praticar estes princípios em todos os aspectos da nossa

vida.»

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É este o método dos AA que se tem revelado bastante eficaz, embora não totalmente, mas

com elevados casos de sucesso. Pois a eficácia depende sempre do encontro do indivíduo com o

grupo solidariamente estruturado, tendo como base um ideologia definida.

Psicoterapias de Grupo

Este tipo de psicoterapia baseia-se num projecto preciso e integrado num programa de

cuidados. O seu principal objectivo é convidar ao envolvimento pessoal do alcoólico permitindo

assim atenuar as atitudes de negação. O grupo permite também um melhor controlo das reacções

impulsivas, dos acessos de ansiedade e dos comportamentos suicidas. A entrada num grupo se

por um lado intimida o indivíduo por outro dá-lhe uma sensação maior de segurança, pois a

finalidade do grupo consiste em desenvolver o insight e as capacidades relacionais entre os

elementos.

Psicoterapias Familiares

Estas surgem para encontrar o problema e aliviar o sofrimento familiar, onde o sinal de mau

funcionamento é visível pelo alcoólico. Assim a psicoterapia familiar visa eliminar o

comportamento de alcoolização e enfraquecer os reforços que o alimentam no seio familiar,

tendo como base para o melhoramento do funcionamento familiar, as comunicações e interacções

entre os elementos que constituem a família. O êxito da psicoterapia reflecte-se no melhoramento

da situação conjugal e/ou familiar do alcoólico, reduzindo assim a evolução de dependência

alcoólica.

Psicoterapias de Apoio

Este tipo de intervenção é essencial no acompanhamento a longo tempo. A base desta

intervenção é relação existente entre o técnico e o doente, onde o objectivo permanente é a

identificação das necessidades e dos benefícios da abstinência mas também evitar que as

dificuldades que dela advenham levem a um novo recurso ao álcool, bem como lutar contra as

reacções de desalento e desespero frequentes no alcoólico, em particular nas realcoolizações e

nas recaídas.

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8.2. Psicofármacos

Os psicofármacos são uma terapêutica em mutação e evolução, surgindo melhores

medicações e mais específicas num tratamento mais eficaz do alcoolismo. Actualmente, existem

duas medicações bastante conhecidas e aplicadas no intervenção do álcool, o Dissulfiram

(Antietanol®) e o Naltrexona (Revia®). Existe também um terceiro medicamento que ainda não

está aprovado pela comissão Food and Drug Administration (FDA) mas que já é utilizado que é

o Acamprosato (Campral®). Irá ser então descrito mais pormenorizadamente cada um dos

farmacos, tendo em conta os efeitos benéficos e os maléficos:

Dissulfiram (Antietanol®) – este farmaco é utilizado como droga de substituição

que reduz o consumo do álcool mas não reduz o desejo pelo álcool. Quando este

medicamento é associado ao consumo de álcool, produz um determinado número

de sinais, tais como rubor facial, hipotensão, tonturas, fraqueza, sonolência, visão

turva, náuseas, vómitos, palpitações, taquicardias, dores pulmonares e cefaleias.

Naltrexona (Revia®) – este farmaco por sua vez reduz o desejo do álcool, pois

actua como um antagonista opióde que tem como efeito uma euforia semelhante à

produzida pelo álcool. Tem como efeitos secundários comuns as náuseas e os

vómitos, mas também as cefaleias, ansiedade e fadiga, embora menos comuns .

Acamprosato (Campral®) – este é o medicamento mais recente no tratamento da

dependência e abuso do consumo de álcool, sendo capaz de equilibrar a

excitação/inibição cerebral e reduzindo a ingestão voluntária de álcool. O efeito

colateral mais comum é a diarreia.

Este medicamentos são todos contra-indicados, sobretudo a grávidas ou a amamentar,

idosos, doentes portadores de cardiopatias, doentes com infecções agudas ou imunodeficiência,

insuficiência renal e hepática, doentes que tenham sofrido acidentes vasculares cerebrais (AVC)

ou pessoas com doenças pulmonares graves.

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8.3. Prevenção da Recaída

A Prevenção da Recaída é um modelo proposto por Marlatt, em 1985, na intervenção

terapêutica do abuso e dependência de substâncias químicas, com o objectivo de alcançar a

abstinência e manter a mudança. Assim, a Prevenção da Recaída é um conjunto de técnicas,

nomeadamente cognitivas e comportamentais, que visam mudar um hábito autodestrutivo e

manter essa mudança. As intervenções consistem sobretudo, na identificação de alto risco, no

desenvolvimento de estratégia para lidar com a situação e em mudanças nas reacções cognitivas e

emocionais associadas, para que posteriormente hajam novos comportamentos que substituam

aqueles associados com o abuso do álcool e reforçar o não uso do mesmo.

As técnicas utilizadas na Prevenção da Recaída, assentam na Teoria da Aprendizagem

Social de Bandura, que diz que o comportamento de uso ou abuso de substâncias é algo que é

aprendido socialmente, por meio de reforço e modelagem, com a finalidade de reduzir o stress

existente no indivíduo e que, a sua frequência, duração e intensidade aumentam em função dos

benefícios psicológicos alcançados. Assim sendo, como é um comportamento que é aprendido é

também susceptível de ser alterado.

A Teoria da Aprendizagem Social, mediante estudos efectuados sobre o álcool e seu uso,

formulou quatro princípio que constituem uma teoria designada como Teoria da Aprendizagem

Social do Uso e Dependência do Álcool, e são eles:

Princípio da Modelagem - que tem como noção central o “aprender a beber”, tendo

em conta os modelos de consumo e a criação de expectativas do comportamento de

beber;

Princípio do Reforço – o comportamento de consumo é fortemente influenciado por

reforços positivos, associados à busca de prazer e dos reforços negativos, associados à

redução e evitamento de sofrimento;

Princípio do Estímulo Ambiental – é todo o estímulo que possa eliciar o

comportamento de uso de álcool por meio do condicionamento clássico de Pavlov e

do condicionamento operante.

Princípio da Auto-eficácia – sentimento de capacidade de resolver com sucesso uma

determinada situação e é essa capacidade de ser bem sucedido que irá seleccionar o

comportamento.

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Em suma, é com este conjunto de técnicas mais directivas e com esta teoria que se pretende

alterar um comportamento socialmente aprendido, transformando-o noutro mais saudável e

benéfico para determinado indivíduo.

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