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elipe Gomes , é dançarino a quatro anos tendo como seu estilo de dança o Locking e o Popping. Dentro das danças urbanas existem locking, poping, brake, hip hop, house, entre diversos outros estilos, dentre eles nós não chamamos as danças urbanas de brake dance. Em entrevista, o dançarino nos conta que o Brasil consegue chamar atenção dos dançarinos de fora e quem venceu o campeonato mundial é um b-boy brasileiro, mostrando as qualidades e desempenho dos dançarinos daqui, ele também nos fala das dificuldades de se conseguir um patrocínio e como adquirem suas técnicas e experiências para as batalhas e os campeonatos. Como iniciou o seu interesse pela dança? Há quatro anos eu trabalhava no Tatuapé e tinha alguns amigos que dançavam e falavam para mim que uma galera se reunia no metrô Conceição para praticarem. Eu fui lá algumas vezes conhecer alguns dançarinos e a partir disso entrei no meio da dança, treinava no metrô Conceição e depois fui fazer aula com o Filipe, da Discípulos do Ritmo em Pinheiros e desde dessa época, final de 2007, eu estou na dança. Qual foi sua maior dificuldade no momento em que você entrou? O maior preconceito? A maior dificuldade quando eu comecei foi dançar, porque ninguém começa sabendo dançar, você tem que aprender. Preconceito não tem, pois você esta com um monte de gente, não têm preconceito entre estas pessoas. E a falta de informação também, porque não tem informação aqui no Brasil, ou melhor, não tinha. Então as pessoas têm varias opiniões diferentes sobre o mesmo assunto, então você tem que ficar filtrando o que é verdade e o que não é, o que é real para você e o que não Entrevista FELIPE GOMES FELIPE RIBEIRO E MARCO ANTONIO Dançando num velho ritmo O dançarino Felipe Gomes explica as razões e inspirações do movimento Locking e Popping no cenário brasileiro veja/universidade cruzeiro do sul I 28 DE MAIO, 2011 I 17 Não há apoio como em qualquer trabalho envolvendo cultura aqui no Brasil, nem mesmo apoio do governo, nem nadaF

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elipe Gomes , é dançarino a quatroanos tendo como seu estilo de dança o Locking e o Popping.Dentro das danças urbanas

existem locking, poping, brake, hip hop, house, entre diversos outros estilos, dentre eles nós não chamamos as danças urbanas de brake dance. Em entrevista, o dançarino nos conta que o Brasil consegue chamar atenção dos dançarinos de fora e quem venceu o campeonato mundial é um b-boy brasileiro, mostrando as qualidades e desempenho dos dançarinos daqui, ele também nos fala das dificuldades de se conseguir um patrocínio e como adquirem suas técnicas e experiências para as batalhas e os campeonatos.

Como iniciou o seu interesse pela dança? Há quatro anos eu trabalhava no Tatuapé e tinha alguns amigos que dançavam e falavam para mim que uma galera se reunia no metrô Conceição para praticarem. Eu fui lá algumas vezes conhecer alguns dançarinos e a partir disso entrei no meio da dança, treinava no metrô Conceição e depois fui fazer aula com o Filipe, da Discípulos do Ritmo em Pinheiros e desde dessa época, final de 2007, eu estou na dança.

Qual foi sua maior dificuldade no momento em que você entrou? O maior preconceito? A maior dificuldade quando eu comecei foi dançar, porque ninguém começa sabendo dançar, você tem que aprender. Preconceito não tem, pois você esta com um monte de gente, não têm preconceito entre estas pessoas. E a falta de informação também, porque não tem informação aqui no Brasil, ou melhor, não tinha. Então as pessoas têm varias opiniões diferentes sobre o mesmo assunto, então você tem que ficar filtrando o que é verdade e o que não é, o que é real para você e o que não

Entrevista FELIPE GOMESFELIPE RIBEIRO E MARCO ANTONIO

Dançando num velho ritmoO dançarino Felipe Gomes explica as razões e inspirações do movimento Locking e Popping no cenário brasileiro

veja/universidade cruzeiro do sul I 28 DE MAIO, 2011 I 17

“Não há apoio como em qualquer trabalho envolvendo cultura aqui no Brasil, nem

mesmo apoio do governo, nem nada”

F

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“Você pode até entrar confiante, porque

você pesquisa, estuda, pratica,

olha para o outro dançarino e vê a

técnica dele. Entra com uma confiança

elevada, pois é quase certeza que vai

ganhar”

é. Essa é umas das maiores dificuldades, a informação real.

Você tem um grupo de dança? E o que pensa em relação a esses? Quando eu entrei no mundo da dança, eu queria um grupo, eu não tenho grupo, pois danço “solo”, tenho alguns amigos que tem, os grupos são conhecidos, e nas competições geralmente eu batalho. A batalha é solo e com isso eu não tinha motivo para ter um grupo. Venho tentando criar um agora, mas é muito recente e ainda não está fechado, o grupo é mais para espetáculos com coreografias, mas ainda assim eu prefiro dançar solo.

As batalhas nas danças seguem a mesma tendência das batalhas de rap? É basicamente a mesma coisa, é um contra o outro, existe um jurado mas o que seria correto é ter três, para ter três opiniões diferentes, a batalha funciona no seguinte esquema, o dançarino entra enquanto toca uma música, ele improvisa, mostra as suas habilidades contra o outro dançarino e esse tenta superar o primeiro. Geralmente são duas entradas, podendo variar muitas vezes. Isso são batalhas de competição, já a batalha real não acontece assim, por exemplo, onde tem uma festa e as pessoas estão dançando e tem uma roda de dança, a pessoa entra e dança, olha para outra e com isso surge um clima de rivalidade, nisso elas começam a dançar uma contra a outra, não tem jurado, não tem nada. E geralmente é o publico que decide quem é o melhor, ou mesmo o dançarino sabe quando perdeu.

Tem alguma batalha que você achou que ia perder ou que ia ganhar? Eu acho que todas as batalhas que eu entrei eu não sabia se ganharia ou não, não dá pra ter certeza, porque você acha uma coisa e o jurado pode achar outra, então você até pode entrar confiante, porque você pesquisa, estuda, pratica, olha para o outro dançarino e vê a técnica dele. Entra com uma confiança elevada, pois é quase certeza que vai ganhar. Como

eu disse, nunca é cem por cento, pois o jurado pode achar outra coisa. Então todas as batalhas que eu entrei nunca achei que ia ganhar de primeira.

Em relação a inspiração musical, quais músicos que te inspira a continuar com o trabalho de dança? Eu gosto de funk original e pro meu estilo é o que se encaixa melhor, mesmo que possa ser dançado em qualquer tipo de música. James Brown, Kool And The Gang, Dj Bis, entre diversos outros de funk original. Em outro estilo que eu danço, o popping, que também usa funk e qualquer outro tipo de música como eu disse anteriormente, tem o Funk-Deli, George Clinton, Zapping Roger, Dj Tayla, que já é mais atual, tem Olly, George Talk Box e diversos outros.

E inspiração de dançarino, seja nacional ou internacional, famosos ou não, que fizeram você gostar e sentir prazer pela dança? Como a maioria dos dançarinos atuais eu comecei vendo vídeos na internet e eu achava o pessoal louco, eles acabaram virando inspiração no primeiro momento, depois eu conheci algumas pessoas que eram boas e viraram inspiração num segundo momento e em um

terceiro momento quando conversei com um amigo, ele falou que a maioria dos dançarinos daqui comete esse erro de ter muitas inspirações internacionais, sendo que as pessoas esquecem dos mais conhecidos nacionalmente e de quem realmente colocou ele na dança, que são as pessoas que estão perto e ao seu redor. Primeiramente tenho como inspiração alguns amigos, sem eles não teria começado a dançar, o Hudson, Flip, Juju, Cris, Frank Jara e o Ivo que hoje considero um grande dançarino. Já internacionalmente você tem o Popping Pity, Popping Taco, Jugapop, Mr. Eagles, Don Campbell e o The Lockers que foi o primeiro grupo de dança urbana que teve no mundo, começou nos Estados Unidos no final dos anos 60 e começo dos anos 70, o Buffalo Fantasy do grupo Electro Bugalows que é o estilo de dança que eu pratico e diversos outros grupos internacionais.

Diante dos diversos apelidos dados a esses dançarinos, existe alguma justificativa para eles ou é só por prazer de serem chamados assim? Apelido para nós aqui no Brasil não tem tanto significado quanto lá fora, é algo normal, que nem você ganha na escola, no primeiro momento talvez você não goste, mas vai pegando. Às vezes alguns dançarinos têm um apelido pelo estilo de dança que praticam e representam, por exemplo, o Popping Pity, o Popping que vem do estilo que ele dança, o Pity eu já não saberia explicar porque não é nem o nome dele. O Bugalo Sam porque pratica a dança bugalo. Crazy legs pelo estilo de dança que ele faz com as pernas. Mas acho que aqui no Brasil não tem tanto significado, apesar das pessoas sempre tentarem se engrandecer com um apelido, geralmente é um apelido que você ganha de infância e acaba te seguindo.

Você viajou para vários lugares do Brasil, nessas viagens foram para batalhar ou para ensinar as pessoas de outras regiões a dançar? A maiorias das viagens que eu fiz foram para

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workshop, ter aula e batalhar. Já fui para Joinville, Indaiatuba, Rio de Janeiro, Taubaté, Ribeirão Preto, Campinas, Mogi das Cruzes e várias outras regiões. A maioria das vezes foi para batalhar e rever amigos, também já fui convidado uma vez para dar aula.

Você mencionou o funk, quando fala sobre ele vem a imagem do funk carioca ou até mesmo quando menciona a dança, você acha que as pessoas tendem a olhar de uma forma ruim? Eu acho que é a imagem de um leigo, é algo que a mídia faz. Quando falo que gosto de funk geralmente as pessoas acham que é o funk carioca, mas é só explicar que é o funk original, o americano, e já vem a imagem de outra música. É como em qualquer outra tribo, em um primeiro momento é vista com olhos ruins pela sociedade porque ela tem a imagem daquilo que é passado pela televisão e pelo rádio, então não os culpo por isso, do fato de quem dança ou faz parte do hip-hop só usa roupa larga, não sabe falar direito e é da zona leste de São Paulo. Acredito que seja a visão de um leigo, eu não culpo porque a pessoa desde pequena vê na televisão e cresce achando isso e ela não vai pesquisar sobre a arte e história. É como eu ver um metaleiro ou um gótico, posso ter a visão de uma pessoa que fica no cemitério, mas sei que não é só isso porque faço parte de uma cultura que a mídia passa uma idéia e sei que tudo não é do jeito que a gente vê e sempre tem uma história por trás.

E no cenário internacional, você acha que o Brasil consegue chamar atenção? Acredito que consiga sim, o melhor b-boy que dança o break, é aquela dança mais conhecida que é quando se gira e vai para o chão no meio da dança, que faz os movimentos grandiosos, aqueles pelo qual a galera gosta mais. O melhor b-boy atualmente que venceu o campeonato mundial é um brasileiro, o b-boy Neguinho. O Frank Jara que faz parte do Electro Bugalo Family, o grupo pioneiro no popping, também é bem

visto no exterior como um locker, sendo referência para as pessoas que dançam locking e popping. Acredito que temos um bom nível, talvez em algumas danças ainda não, mas é uma questão de tempo, pois em outras já dominamos muito bem.

Pretende algum dia viajar para fora do país para competir? Para competir ainda não, porque meu nível ainda não é de competições internacionais, e também ainda não tenho interesse em competir, eu penso em dançar fora do Brasil, ir no final do ano para Los Angeles e fazer aula, talvez lá eu sinta vontade, sempre falo que não vou competir e no final acabo competindo. Mas em especial vou para conhecer alguns pioneiros da dança.

No Brasil é muito difícil conseguir patrocínio para os dançarinos competirem? Eu não trabalho com dança, mas quem trabalha diz que é complicado pois não há apoio como em qualquer trabalho envolvendo cultura aqui no Brasil, nem mesmo apoio do governo e nem nada. Então patrocínios são poucas pessoas que possui, geralmente quem viaja para fora do Brasil é porque foi convidado internacionalmente e com isso todas

as despesas, passagens e custo de hospedagem são pagos pelo evento ou o dançarino tira do próprio bolso, que é o dinheiro que ela ganha dando aula, em batalhas ou em eventos. Mas viver da dança, pelo que as pessoas dizem é realmente complicado aqui no Brasil.

O estado de São Paulo, é onde há o maior número de dançarinos? As pessoas têm uma visão que em São Paulo é o melhor local para aprender sobre dança e até digo que não é verdade, eu acredito que aqui seja onde tem mais informação, porém com a internet tudo isso é possível. Mas as pessoas têm essa visão de São Paulo porque aqui foi onde começou as danças urbanas no Brasil, no metrô São Bento, as pessoas iam lá para dançar e acabou começando lá, mas acredito que as pessoas de fora têm uma visão de que São Paulo é como Nova York, se eu saio da minha cidade e vou para São Paulo eu vou virar um grande dançarino, vou conseguir muito dinheiro, enfim, vai ser isso. O que não é verdade como em qualquer outra profissão que as pessoas venham tentar aqui em São Paulo.

Para uma pessoa leiga, que não conhece nem os estilos musicais, você acha que essa pessoa terá maior dificuldade para passar, caso no futuro queira estar competindo? Acredito que todo mundo começa leigo, ninguém começa sabendo alguma coisa, ninguém começa a tocar violão sozinho, a pessoa é um leigo e vai se transformando. Depende da pessoa e de quanto estuda, se começa a dançar hoje e quer se tornar um campeão amanha só depende dele. Tem que estudar, praticar, fazer aula, sacrificar algumas coisas, treinar, pegar alongamento e acho que não existe barreiras, isso quem cria é a própria pessoa, pois se ela fala eu não consigo e não tenta mais, ela criou essa barreira que não vai conseguir, se ela fala isso e pelo menos tentou, aí é outra historia. Acredito que um leigo começar a dançar normalmente, e todo mundo começa como um.

“É como em qualquer outra tribo, em um primeiro momento

ela é vista com olhos ruins pela sociedade

porque ela tem a imagem daquilo

que é passado pela televisão e pelo rádio,

então não os culpo por isso”

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