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“ Oh naming, quantos crimes são cometidos em seu naming...” Muitas das atuais discussões sobre naming sofrem de uma grande falta de foco. Em geral, usa-se a régua errada para medir o objeto errado. O resultado é quase sempre prejudicial: descarte de bons nomes por motivos fúteis e tecnicamente irrelevantes, e desperdício de energia e tempo de profissionais e executivos. Sérgio Guardado

Sutil naming

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Uma reflexão sobre o trabalho de naming

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“ Oh naming, quantos crimes são cometidos

em seu naming...”Muitas das atuais discussões sobre naming sofrem de

uma grande falta de foco. Em geral, usa-se a régua errada para medir o objeto errado. O resultado é quase

sempre prejudicial: descarte de bons nomes por motivos fúteis e tecnicamente irrelevantes, e desperdício de

energia e tempo de profissionais e executivos.

Sérgio Guardado

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Nas disciplinas mais consolidadas, como a propaganda e o design, tanto clientes quanto criativos já ganharam experiência e desenvolveram um repertório de informação que lhes dá uma capacidade de avaliação e julgamento muito consistente.

Não foram poucas as vezes em que nossos clientes, mesmo com visões que não coincidiam com as nossas, trouxeram novas abordagens muito pertinentes, novos ângulos que ampliaram e enriqueceram a perspectiva que tínhamos do projeto.

Não sei se isso se deve apenas à sorte de a Seragini trabalhar com clientes inteligentes e perspicazes, ou também ao fato de que no design já se cristalizaram alguns parâmetros de avaliação que permitem dar uma direção consensual e bem-sucedida ao projeto.

Talvez o naming

seja a mais ingrata das

disciplinas do branding.

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Entretanto, nas disciplinas moderninhas, como o branding e o naming, parece surgir um certo desconforto. No caso do naming, é uma quase entropia. Tudo porque não se utiliza bons mecanismos de avaliação. Não há critérios consensuais. Talvez a raiz disso seja o desconhecimento ou até a desconfiança dos profissionais de mercado em relação ao bê-a-bá da semiologia e dos processos cognitivos.

a coisa errada.

Se usa a réguaerrada para medir

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Mme Roland estava para ser guilhotinada quando pronunciou sua célebre frase: “Ó Liberdade, quantos crimes são cometidos em teu nome...” Ela era vítima de uma turba revolucionária, que operava com a lógica tosca de que nobre bom é nobre decapitado.

O anseio de liberdade da Revolução Francesa era mais que legítimo. Já a ação dos revolucionários, nessa época que passou à história com o nome de O Terror, não primava pela sensatez.

Não se pode pedir bom senso às multidões enlouquecidas. Mas talvez possamos pedir um pouco mais de reflexão aos profissionais de marketing e aos dirigentes de empresas que se apressam em guilhotinar nomes que, se fossem observados dentro dos processos naturais de construção de significação, poderiam dar grandes contribuições às empresas.em teu nome...”

“Ó Liberdade, quantos crimes são cometidos

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que se repetem:

Vamos tentar entender alguns temas

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01.Quando viram marcas, os nomes sofrem instantâneo deslocamento semântico.Ou seja, quando um nome se transforma em marca, seu significado muda imediatamente de lugar. O nome deixa seu estado de dicionário, sua significação registrada no Aurélio e no Houaiss. O nome passa a ter uma nova significação: deixa de ser a significação-nome para assumir a significação-marca.

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No dicionário a palavra “Gol” nos explica o momento máximo da arte que consagrou Pelé. No Google Images se você digitar a mesma palavra ‘gol’ será brindado com 57 imagens de carros Gol da VW ou aviões da Gol – companhia aérea. Somente a imagem 58 trará um humilde joguinho de futebol.

As marcas perderam, em questão de dias, sua relação com seu objeto anterior, o gol-futebol, e se transformaram no gol-carro e no gol-avião.

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Agora me diga, em sã consciência, se você lembra do Pelé quando embarca num vôo de carreira ou quando avista um Golzinho 1.0 na rua.

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Pior, todo o campo semântico ligado ao gol-futebol (conquista, ápice, vitória, multidão, alegria, euforia, popularidade, maracanã, etc, etc) tudo isso se dissolveu quase totalmente quando o futebol virou carro e avião. Pouquíssimo (mas pouquíssimo mesmo) dos bons atributos originais do gol-futebol são incorporados ao gol-marca.

Simplesmente cada marca constrói sua própria significação a partir de sua própria trajetória. O significado ‘futebol’ ficou lá pra trás. Prova disso é que nós, em momento algum confundimos o carro com o avião; pior, nem passa pela nossa cabeça relacionar as qualidades de um com as do outro. Se, deus-o-livre, você tiver uma má experiência com um vôo, dificilmente isso vai implicar numa piora da imagem do carro em sua mente. E vice-versa.

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Da mesma forma, o subjuntivo do verbo ver, a revista da Abril e o limpador multi-uso são três significações totalmente diferentes. Ninguém se sente compelido a “ver” nada quando olha o logotipo da revista. Nem se sente compelido a lavar nada. E vice-versas. O limpador construiu a significação veja-multiuso; a revista é veja-revista. E o verbo ficou lá pra trás...

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Quer mais evidências? Vamos pensar em nomes “ruins”, quando em seu estado de dicionário: “Arisco” lhe parece um bom nome? A sonoridade é rascante, um animal arisco é ameaçador, uma pessoa arisca não é nossa amiga. Portanto, uma marca como Arisco, para produtos do dia-a-dia deve ser um fracasso, certo? Errado.

Porque não foi um fracasso? Porque todo mundo imediatamente passa a pensar no “arisco-produto de supermercado”, e não no “arisco-qualidade de gente e bicho”

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Tempos depois os mesmos empresários lançaram no mercado de limpeza a marca “Assolan”. Pensando positivamente: ‘assolan’ remete a ‘lã de aço’. Ou seja, o nome já indica o que o produto é. Certo? Errado.

A marca lançou ‘n’ outros produtos e descaracterizou-se como lã de aço exclusivamente. Numa pesquisa da Sutil de 2008 vimos que a relação entre o nome e essa possível significação original era zero. Problema? Nenhum.

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Pensando negativamente: ‘assolan’ remete imediatamente ao verbo ‘assolar’, que quer dizer ‘devastar, arrasar, destruir*’. Quem assola é peste bubônica, Átila o Huno e Gêngis Khan.

Ou seja, houve enorme rejeição, certo? Errado. A marca, apoiada por doses pantagruélicas de propaganda chegou ameaçar a líder hegemônica Bom-Bril, que foi a única “assolada” nessa história.

“Assolan” não assumiu nem seu significado positivo, lã de aço, nem os negativos ligados a assolar. O dicionário não tem a menor importância. As marcas constróem suas próprias significações. A partir de sua trajetória, não antes. Um nome de marca é praticamente como um carro sem retrovisor.

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Por falar em Bom-Bril: marca linda, tradicional, querida da consumidora. O que significa? “Brilho Bom”. Portanto tem potencial de fazer o maior sucesso em todo o produto que prometa “brilho”, certo? Errado, porque no dicionário-marca que a consumidora escreve, “Bom-Bril” quer dizer “lã de aço” (muito mais que Assolan...)

Daí a dificuldade quando se tentou uma linha de produtos de limpeza sob a bandeira ostensiva Bom-Bril. Já quando cada produto teve sua própria marca, com o aval Bom-Bril a coisa foi diferente... Cada marca, como Pratice ou Mon Bijou construiu sua própria significação.

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Humilde Conselho:Nunca julgue uma hipótese de marca só pelo que ela significa hoje, no dicionário Assim que ela virar marca, vai passar a significar outra coisa. Completamente diferente. E o controle prévio que você tem sobre isso é bem limitado. O nome vai significar o que a marca, em sua trajetória, passar a significar.

Por muito tempo a marca Frangosul produziu carne suína em todo o Brasil. Problema nenhum.O problema é muito mais simples do que você está imaginando.

Quando viram marcas, os nomes sofrem instantâneo deslocamento semântico.

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02. A marca não nasce pronta. Nasce fraca e desconhecidaUm nome não nasce forte. Nasce desconhecido. Nasce neutro, sem popularidade. Se ele não for uma imitação de alguém da mesma categoria, se tiver originalidade e personalidade (o que é muito desejável), vai demorar um pouco até virar a cara da coisa que representa.

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Talvez o maior pecado cometido pelos avaliadores de hipóteses de naming é exigir que uma marca recém criada ressoe em seus ouvidos como seus equivalentes já consagrados.

Um nome em geral, como os bebês, nasce com cara de joelho. Depois se transforma em Brad Pitt ou Giselle Bundchen. Depois que a marca comunicar, gerar experiências para as pessoas, ficará forte. Depois, não agora.

Lembre que o nome vai perder sua definição de dicionário e ganhar um novo sentido, em sua trajetória. Vai reconstruir seu significado.Ou seja, é tolice olhar o nome pelo que ele é quando criado. Ele deve ser olhado pelo potencial que tem de vir a ser.

Se você não consegue avaliar isso porque não domina os mecanismos, não recorra a obviedades do senso comum. Elas não valem aqui. Ouça seu consultor de naming.

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Mesmo Nike, que é um exemplo recorrente, nasceu ‘esquisita’. Depois de um pouco de tempo e um muito de grana é que virou nossa amiguinha. E todo mundo cita como se ela sempre tivesse estado aqui com a gente. Não mesmo.

E, a propósito, ser uma deusa aqui é completamente irrelevante. Nike é a deusa dos tênis, da Niketown, de mídia e da grana. Não tem a mínima idéia de onde fica a Grécia Clássica e do que é que andou rolando por lá.

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Humilde Conselho:Não compare, em igualdade de condições, uma hipótese de naming e uma marca já consagrada. A marca consagrada, em nossa mente, é mais que um nome. É uma trajetória, uma soma de experiências vividas e observadas. É uma multiplicidade de significações. Já se afastou muito do dicionário, contou histórias, construiu sentidos. Quando você compara fica irremediavelmente tentado a só aceitar um buscador Booble, um sorvete KiÓtimo, um sabão em pó MOMO e um amortecedor Profap. Originalidade zero, e provavelmente desperdício de bons nomes originais, que teriam ajudado a construir uma bela marca. Por favor, tenha um pouco de paciência.

Não existe um nome redentor. Nenhum nome nasce com super poderes. Não existe um nome que já nasça “brother”. O novo nome será um estranho para você.

A marca não nasce pronta.Nasce fraca e desconhecida

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03. Idéias pré -concebidas: tamanho, som, associações negativas.Quando se tenta definir o que seria uma boa marca, não raro somos tomados por uma espécie de semiótica de botequim, que apregoa certas verdades universais.

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“Nome tem que ser curto.”Embora não esteja escrito em nenhum livro que um nome curto tem mais pregnância que um longo, parece sensato considerar o tamanho. Mas se lembramos que La Serenísima foi marca líder na Argentina, Prosdóscimo fez boa figura na linha branca e Piracanjuba está entre as marcas de leite que mais crescem no Brasil...

O nome mais curto é bom, mas também é bobagem confinar aos nomes curtinhos a nossa esperança de entrar no Paraíso.

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Recentemente a Piracanjuba fez uma campanha, singela e eficiente no Centro e Norte do Brasil: uma garotinha soletrava, contando nos dedos “pi-ra-can-ju-ba, de-li-ci-o-so” Em pesquisa no final de 2009 constatamos que a marca é top of mind nessas regiões. Aquilo que, segundo a semiologia de botequim seria um potencial ‘defeito’ foi transformado em gancho de memorização do nome. Porque o nome não precisa ser curto. Precisa ser lembrado. Precisa ter apoios para a memória. Isso se constrói com originalidades e com signos relevantes para o usuário.

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“Tem que ser fácil de falar”Também é ululante que boa sonoridade é um atributo positivo. Presença de vogais, consoantes como m, n e l ajudam, as regras da sonoridade e do ritmo da literatura são bem-vindas. Mas a teoria da Informação nos ensina que aquilo que é mais ‘fácil’, mais ‘adocicado’ entra mais fácil em nossa cabeça, mas também sai mais fácil... O chamado ‘ruído informacional’ cria um distúrbio na comunicação, mas é mais marcante.

A mensagem não perturbada por ruídos cumpre mais rapidamente seu trajeto informativo. Mas, sendo mais “correta” acaba sendo mais comum, mais banal, e com isso se confunde com as outras banalidades que povoam nossa mente. E por isso logo é excluída.

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Marcas como Sodexho ou Mapfre. fazem de sua sonoridade pra lá de esquisita uma arma de diferenciação. Por outro lado, uma marca de sonoridade agradável como Mabel é confundida pontualmente com a também sonora Mirabel, a antiga Ailiram enfrentou a concorrência da Marilan, e Cinzano e Martini sofreram com Caldezano e Contini...

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“Mas aí vai lembrar...”Poucos nomes escapam ilesos a certas dissecações semânticas. Se nos imbuirmos de um legítimo espírito de porco, nenhum nome pára em pé. Sempre será possível associar seu significado ou sua sonoridade a algo pejorativo.

Exceção feita a casos mais extremos, como o Pajero, que é um palavrão na América do Sul, ou a Esso que virou Exxon, ou até a simpática peruinha Besta que surgiu entre nós, é recomendável não radicalizar. Não há palavra no léxico de todas as línguas da humanidade que resista a uma boa piada encaixada na hora certa. Isso, decididamente, não é um bom critério de avaliação.

Nomes de sucesso entre nós como FedEx, Pentel ou Arisco devem ter enfrentado algum chato de galocha que previu seu fracasso retumbante, por associações negativas. Ainda bem que ninguém os ouviu.

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Humilde Conselho:É importante que o nome tenha potencial de pregnância, algum gancho para ser lembrado. Não só que seja curto ou de sonoridade mais melodiosa

Não se impressione se o nome aludir, lá longe, a algo negativo. Qualquer palavra do mundo tem essa característica. Observe apenas se esse significado pejorativo é gritante demais e vai se sobrepor a qualquer outra coisa. Contenha a paranóia de seus subordinados. 99,99% dos nomes não tem esse problema.

Idéias pré -concebidas: tamanho, som, associações negativas.

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04. O grande problema é passar no INPI.Sabe aquele nome genial que você sonhou, aquele lindinho que seu caçula assoprou, aquela idéia criativa que sua secretária sugeriu? Pois é, todos já têm registro no INPI. E o registro não é seu.

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Praticamente todos os nomes “em estado de dicionário” já estão registrados no INPI, em alguma das categorias nas quais aquele órgão mapeia o mercado. Simplesmente porque alguém já teve antes todas as idéias, as óbvias e as nem tanto. E já registrou antes que você cogitasse o assunto.

Uma mancada comum é desenvolver o processo de naming no escalão operacional e apresentar os resultados ao dirigente sem aquecê-lo e envolvê-lo nos detalhes do processo.Ele está sempre sem tempo, tem a expectativa de que o nome seja redentor, uma palavra hiper-charmosa, em estado de dicionário, curta e sonora. Sua esposa e seu assistente já deram idéias ótimas, que fizeram sua cabeça. Ele espera que as sugestões agora sejam melhores ainda. Não passa pela cabeça dele que todas as idéias da esposa e de todos os assistentes do mundo não dariam registro no INPI nem com reza brava. Ele fica tão decepcionado...

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O espaço para registro de nomes é cada vez mais restrito. Não é uma questão de ‘criatividade’, outra palavrinha bem judiada. As boas empresas de naming - e há algumas excelentes no mercado - mapearam os campos semânticos e a morfologia dos nomes de marcas, e têm boa vivência para recomendar aquilo que combine o que as boas marcas precisam: potencial de pregnância, sonoridade, originalidade, e maior viabilidade de registro (ainda que aqui a palavra final deva ser sempre deixada aos doutores advogados; também nesta matéria espinhosa existem excelentes especialistas).

Impasses nascem quando essa experiência se defronta com a expectativa ou de uma idéia ‘genial’ ou de nomes de senso comum. Estes, além de terem seu registro praticamente inviável, geralmente são banais, facilmente devoráveis pelo esquecimento em nossa babel semiótica.

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Humilde Conselho:Não fique todo pimpão com nomes banais, óbvios. Platitudes em geral não dão registro. Alguém já pensou nisso antes.Não divulgue o nome ou inicie alguma atividade sem antes registrar o novo nome."Consulte sempre um advogado”

O grande problema é passar no INPI.

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04. Seu grande problema é o INPI.

03. Cuidado com pré-conceitos.

02. Sua marca não nasce pronta.

01. Deslocamento semântico é inevitável.

Criar uma nova marca é uma tarefa difícil, mas muito gratificante. É preciso apenas ter paciência, dizer não aos preconceitos e interpretações pessoais apressadas, ter consciência das dificuldades de registro e, sobretudo, entender que quase todos os significados serão formados a partir do marco zero do lançamento da marca.

Da mesma forma que não podemos roubar um Picasso no museu e exibi-lo em nossa sala de estar, tampouco podemos “roubar” o sentido das palavras tal como elas aparecem no dicionário. Aquelas significações não nos pertencem. Nossa marca terá que construir suas próprias significações.

E isso é que é fascinante.

Em resumo...

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Texto: Sérgio GuardadoApresentação: Ivan Lucchini