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BOLA CHEIA O rapaz bem-humorado, que mudou o jeito da TV Globo falar de esporte e roubou a cena na Copa do Mundo, não se rende ao sucesso imediato. Já faz planos para novos voos. Ainda mais altos por joão carlos assumpção fotos roberto setton É ELE O CARA 30 PODER JOYCE PASCOWITCH

Tiago Leifert

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Bola cheia

O rapaz bem-humorado, que mudou o jeito da TV Globo falar de esporte e roubou a

cena na Copa do Mundo, não se rende ao sucesso imediato.

Já faz planos para novos voos. Ainda mais altos

por joão carlos assumpção fotos rob e rto s e tton

éELE

o CARA

30 poder joyce pascowitch

uem gosta de futebol ou conhece alguém que goste – ou seja, praticamente toda a população brasileira – muito prova-velmente já ouviu um dos bordões mais falados entre os boleiros brasileiros: “Aí sim fomos surpreendidos novamente!”.

O autor da frase, o ex-técnico Zagallo, certamente não imaginava que ela viraria um verdadeiro lema, mais de 30 anos depois de tê-la dito. O pai da façanha é um rapaz muito solto e descontraído, que instituiu o bom humor e as pérolas engraçadas como linguagem oficial da hora do almoço de milhões de espectadores que o acompanham de segunda a sábado na tela da Globo. Ele também mobi-liza outros tantos milhares de admiradores que o seguem incansavelmente pelas redes sociais. Mais do que um co-municador, Tiago Leifert virou, definitivamente, o “cara” do esporte no Brasil. “Eu também sou fã dele. Quando

machucou o joelho (numa pelada interna da Globo) mandei até mensagem”, diz Ronaldo Fenômeno. “O

Tiago é um sujeito brilhante, rápido no gatilho. O Globo Esporte revolucionou o formato. Nas folgas

dele o programa despenca”, palpita Sérgio Xavier, que comanda a revista Placar.

Mas, pra chegar lá, não bastaram bordões bem-humorados. Por trás do apresentador com a partici-

pação no vídeo mais leve e solta que a TV Globo já exibiu, está um workaholic que controla com mão de ferro o pro-grama que leva a sua cara. Porque Leifert é bem mais que apresentador. Viciado em trabalho, ralou muito até con-seguir alcançar o cargo de editor-chefe do Globo Esporte, a figura que decide absolutamente tudo o que vai ao ar e que manda na equipe. “Perder é muito ruim para mim. Talvez por isso me jogue de cabeça no trabalho. O programa de quarta, eu já penso na segunda. Começo a trabalhar às sete,

oito da manhã e sigo até o fim da rodada da noite, vendo quatro jogos ao mesmo tempo”, conta ele. “Minha namo-rada sabe que quando chega o fim de semana geralmente estou ocupado. Mais do que apresentar o programa, tenho de decidir o que colocar no ar e de que forma, comandar uma equipe de oito pessoas, conversar com o jurídico, o financeiro, o RH, discutir orçamento...”

Mas Leiterf não reclama. Faz o que, como costuma dizer, está no seu DNA. “Cresci vendo TV, porque minha mãe (Leninha) adorava e de alguma forma me influenciou. Gra-ças a ela acho que nasci audiovisual.” Ele também credita à mãe o fato de começar sua carreira televisiva com apenas 16 anos, como repórter do programa Desafio ao Galo, que exibia torneios de futebol amador nas manhãs de domingo na TV Gazeta. A paixão pela bola também tem a influência de dona Leninha, cujo pai, César Rodrigues, foi jogador de futebol no interior paulista e chegou ao time titular do São Paulo. Outra figura importante na sua “formação futebo-lística” foi seu Waldemar, o avô por parte do pai, o execu-tivo Gilberto Leifert, um dos homens fortes da TV Globo há mais de 20 anos e atual diretor da Central Globo de Re-lações com o Mercado. Leifert faz questão de esclarecer que o cargo do pai, contrariando as línguas mais ferinas, nunca lhe rendeu benefícios na emissora. Pelo contrário. Fez com que muita gente torcesse o nariz quando ele che-gou à empresa, quatro anos atrás. Ele relembra que não foi um período fácil. “Costumo dizer que quem torce contra sempre torce com mais força.” Mas também revela que se beneficiou de alguma forma da larga experiência televisiva do pai. “O fato de ter quase que crescido na Globo ajudou porque acabou trazendo a TV para o meu dia a dia.”

O garoto que começou cedo na TV entrou em jornalis-mo na PUC em São Paulo, mas, no segundo ano, abando-nou o curso e, aproveitando o inglês afiado em anos de prática intensiva de videogame, seguiu para Miami. Ele lembra que a experiência por lá não foi moleza. Como os créditos das disciplinas cursadas na PUC não foram aceitos nos Estados Unidos, teve de suar a camisa para recuperar o tempo perdido. Estudava tanto que chegou à nota 3,7 – quem alcança 4 é chamado pelos americanos de “mente brilhante”. “Não podia relaxar, porque o estágio dependia da nota da faculdade. Se quisesse um bom está-gio, precisava de uma boa nota, então estudava das 7h às 22h todos os dias.” A “overdose” de estudo era tamanha que, em quatro anos de Miami, garante ter ido à praia uma única vez. “E mesmo assim não era fácil, porque os ameri-canos são muito competitivos entre si também.”

O esforço foi recompensado. As altas notas garantiram um estágio na rede de TV NBC. Na volta ao Brasil, Leifert seguiu o caminho natural de bater à porta da Globo. Mas o profissional que é hoje enaltecido na emissora levou um não na ocasião. “Naquela época ninguém me quis. Faz parte do jogo e coloquei na minha cabeça que um dia ia conseguir.” Seguiu então para São José dos Cam-

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Leifert faz questão de esclarecer que o cargo do pai, contrariando as línguas mais ferinas, nunca lhe rendeu benefícios na Globo. Pelo contrário. “Quem torce contra, sempre torce com mais força”, diz

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pos, onde arrumou emprego como produtor e repórter da editoria de geral da TV Vanguarda, retransmissora da TV Globo que pertence a José Bonifácio de Oliveira So-brinho, o Boni. Em pouco tempo se destacou e ganhou o posto de apresentador do Vanguarda Mix. Nascia aí o “es-tilo Tiago Leifert” de fazer televisão. O programa, que era voltado para o público jovem e mostrava shows, baladas, videogames (sua paixão), deu a chance de mostrar sua descontração à frente das câmeras. Fez tanto sucesso que pôde começar a exercitar outra faceta, a de chefe. Passou a editar o programa e a participar do núcleo de especiais da emissora. Tinha apenas 24 anos.

A sobrecarga de trabalho teve seu preço e ele decidiu ti-rar o pé do acelerador e voltar a estudar. Iniciou um curso de formação executiva em cinema e TV na FGV-SP e pas-sou a ir para São José apenas para apresentar o Vanguarda Mix. Foi quando recebeu proposta para trabalhar no Spor-tv, canal a cabo de esportes da Globo. Aceitou e voltou à origem, como repórter esportivo, em 2006, época em que cruzou com a antipatia dos incomodados com o fato de ele ser filho de um alto executivo da casa. Alguns amigos de trabalho que o acompanham desde aquela época revelam que muitos dos que torceram o nariz para Leifert, hoje, de-pois que ele virou “o cara”, o tratam com pompa e circuns-tância. Ele diz que não liga para isso. “Não sou vingativo”, garante. “Fico pensando: se fosse eu talvez tivesse feito a mesma coisa, não sei.” Aprendeu algo com isso? “Que todo mundo merece o benefício da dúvida”, diz.

O tal “estilo próprio” de se colocar no vídeo rapida-mente despontou – vencendo a ciumeira de alguns incon-formados com o jeito descontraído que adotava em suas reportagens – e foi mandado para cobrir o Pan de 2007, no Rio, e para a Olimpíada de 2008, em Pequim. Mandou tão bem que emplacou algumas matérias na TV Globo quan-do estava na China e, graças ao bom trabalho, ao retornar para o Brasil, conseguiu o passaporte para ser efetivado na emissora. “Ele trouxe uma informalidade que faz fal-ta na Globo”, diz o jornalista Juca Kfouri, embora faça questão de dizer que discorda radicalmente de Leifert “quando ele diz que esporte na TV deva ser mais entrete-nimento do que jornalismo”. Antero Greco, colunista do jornal O Estado de S. Paulo e apresentador e comentarista da ESPN/Brasil, sente falta de senso crítico no Globo Es-

ma do esporte global, foi alvo de Leifert na época da Copa do Mundo. Mas Bueno leva na boa e, para amigos da emis-sora, elogia a competência do “garoto”. A bolsa de apostas dos corredores da Globo dá conta de que, em alguns anos, o grande nome do esporte da emissora será Leifert. Os co-legas rasgam elogios. “É muito bom trabalhar com ele, é um cara generoso, deixa quem está ao lado dele crescer, além de saber tratar o futebol com leveza, fazendo brincadeira sem tirar a seriedade do programa”, diz Caio Ribeiro, comenta-rista que trabalha com ele.

Mas, como é de se esperar de pessoas irreverentes, os planos dele surpreendem. Apesar de ter apenas 30 anos, diz que já se questiona sobre quando parar. Não, não que já es-teja pensando em aposentadoria. A preocupação é saber até quando o formato do Globo Esporte dará certo, quando irá se cansar do programa, quando o público vai começar a recla-mar... “Quem é que vai me dizer que está um lixo?”, indaga a si próprio. Ele conta que, no Brasil, não se vê em outro ve-ículo de comunicação que não na Globo. Mas não descarta, no futuro, uma mudança para o exterior e um possível tra-balho numa emissora americana. Pensa, inclusive, em abrir mão da carreira em frente às câmeras para virar executivo de TV. E então revela o que nós, telespectadores, não con-seguimos imaginar quando vemos um apresentador tão talentoso e desenvolto como ele. “O que eu realmente mais gosto de fazer é ficar nos bastidores pensando a TV.” Aí sim fomos surpreendidos novamente, Tiago! n

“Eu também sou fã dele. Quando machucou o joelho, mandei até mensagem”, diz Ronaldo Fenômeno

Apesar do sucesso, ele já se preocupa em saber até quando o formato do Globo Esporte dará certo. “Quem é que vai me dizer que está um lixo?”

porte, mas salienta que “uma dose equilibrada de humor pode ser mais devastadora para os desmandos no esporte do que muito discurso irado”.

Sua desenvoltura não só chamou a atenção dos executi-vos da Globo como virou uma grande aposta na emissora. Em 2008, Leifert foi convidado a assumir o Globo Esporte, que não ia muito bem de audiência. “Quando recebi a no-tícia foi um susto. Chorei quando saí da reunião e meu pai também, porque, como eu, não sabia de nada.” Teve 20 dias para pensar em alguma coisa e formatar o novo programa. “Queria nos aproximar do torcedor, desligar o teleprompter (equipamento acoplado à câmera que exibe o texto lido pe-los apresentadores), colocar videogame no programa, senão a molecada iria continuar apenas no computador ou vendo a concorrência, e tinha de atrair o público que não acompa-nhava o esporte também.” Ele diz que sua experiência como DJ ajudou. “No Globo Esporte tudo tem sua hora. Tenho de tomar muito cuidado para não perder audiência, acertando na sequência das matérias e dos comentários, brincando na hora certa. É como o trabalho de DJ. Se erra uma música, a galera que estava dançando acaba deixando a pista.”

Ele segue a fórmula à risca. Com um tato excepcional para entender o público, conduz o programa sem ler ne-nhum texto, falando apenas de improviso. Brinca o tempo todo e não poupa das piadas nem a si mesmo ( já apareceu em várias ocasiões dançando desengonçadamente), nem aos colegas de emissora. Até Galvão Bueno, a estrela máxi-