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forumdeconcursos.com · 11/12/2008 · Redação forense 2. Sentenças (processo civil) – Brasil I. Título. 10-08086 ... os argumentos que justificarão ou explicarão as ideias

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Capa: Danilo Oliveira

Produção Digital: One Stop Publishing Solutions

Fechamento desta edição: 30.01.2017

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)(CÂMARA BRASILEIRA DO LIVRO, SP, BRASIL)

Donizetti, Elpídio

Redigindo a sentença cível – 8. ed. rev., atual. e reform. – Elpídio Donizetti. – São Paulo: Atlas, 2017.

Bibliografia.ISBN 978-85-970-1135-7

1. Redação forense 2. Sentenças (processo civil) – Brasil I. Título.

10-08086 CDU-347.951

Dedicatória

A Maria, minha mãe, menina que se fez mulher, mulher que se tornou santa, cuja imagem, rosto suado e auréola encontram-segravados nas lembranças desse adulto pueril.

A minha mãe, que se casou aos 16 anos, que nos trouxe à luz – a mim e aos meus onze irmãos –, que no campo e na cidadecuidou das lides domésticas, da meninada, da peonada, que distribuiu amor e operou o milagre da multiplicação dos pães.

A minha mãe, que com candura suportou as intempéries da vida, que praticou a caridade, que exerceu a bondade, que amoupor muitas décadas, que teve um dia longo e depois partiu num raio de luz.

A Elpídio Batista, meu pai, que idolatrei na infância, de quem me distanciei na rebelde adolescência.A meu pai, que reencontrei aos 35, mãos ásperas de trabalhar a madeira, mente luzidia, reflexo da simplicidade do ser, do

intimismo, do silêncio do campo, da linguagem do povo.A meu pai, o Guimarães Rosa de poucas letras e muitas ideias, que reverenciei na idade adulta, com quem caminhei nas

ensolaradas manhãs pelas ruas de Ituiutaba, de quem ouvi estórias, precisas lições.A meu pai, têmpera forjada no trabalho, que não tinha medo de assombração, bebia cachaça, vestia defunto, dançava catira,

que viveu sem medo, sem pedir a bênção, que numa manhã de sol partiu ao encontro de sua amada, sereno, em respeitosairreverência.

A meu pai, de quem herdei o nome e um pouco da inteligência.

Agradecimentos

Agradeço à magistrada Ana Carolina Barbosa Pereira, pela extraordinária contribuição para atualização deste livro. Com aedição do novo CPC, houve necessidade de se refazer toda a obra, empreitada que se tornou mais leve devido à intervenção daatualizada, culta e dedicada juíza.

Agradeço também à Camila Andrade, Diretora do Portal IED, pela produção do conjunto de slides referentes ao móduloon-line, disponibilizado ao leitor desta obra.

Nota à 8ª edição

Em razão do advento do novo CPC, a obra foi completamente refeita. Alguns tópicos foram extirpados, outros atualizados,e muitos outros inseridos, sempre tendo em mira a nova ordem processual e os espelhos de provas de concurso.

Esta 8ª edição está em perfeita sintonia com o CPC/2015 e com os mais recentes entendimentos das bancas de concursopara a Magistratura. Além do livro, por si só suficiente para um bom treinamento da técnica de sentença, o leitor poderá assistirao curso Redigindo a Sentença Cível on-line, ofertado pelo Instituto Elpídio Donizetti (www.portalied.com.br).

Nota do Autor

A experiência como professor de curso preparatório para ingresso nas carreiras jurídicas permitiu-me uma constatação: demodo geral, os candidatos têm razoáveis conhecimentos jurídicos sobre os diversos conteúdos cobrados nos concursos, mas nãoconseguem estruturar adequadamente o texto de modo a expressar as ideias com clareza.

Na discussão do problema proposto, seja a elaboração de uma sentença, parecer, dissertação, ou mesmo a simplesresolução de uma questão discursiva, percebe-se que o candidato domina o tema a ser enfrentado. A dificuldade surge nomomento da estruturação das ideias no plano lógico-mental e, posteriormente, na transposição para o papel. Como os examespriorizam a demonstração do conhecimento por meio da manifestação escrita, o candidato perde a prova e se frustra.

“Ah! Estudei tanto, sabia toda a matéria, mas o examinador não entendeu minha argumentação.” São esses, em regra, oscomentários que ouvimos após o resultado de um concurso.

Algumas faculdades de Direito, cientes de que não basta diagnosticar a deficiência, atribuindo a culpa ao ensino médio efundamental, inseriram nos seus currículos disciplinas como filosofia e redação jurídica, com o objetivo de orientar o aluno apensar e, consequentemente, a escrever com objetividade e eficácia.

Não temos a pretensão de formar juristas. Para esse fim já existem os grossos e complexos manuais. No livro oraapresentado à comunidade jurídica, principalmente aos candidatos às carreiras jurídicas e aos juízes iniciantes, optou-se porutilizar a doutrina clássica, porque indispensável e suficiente para a aprovação nos concursos de ingresso na Magistratura, bemcomo para a solução das demandas levadas ao foro. A linguagem é simples, direta e descomplicada.

O livro foi dividido em quatro partes: Aspectos redacionais, Aspectos jurídicos, Aspectos práticos e Provas de sentençacom a respectiva solução.

Na primeira parte, o objetivo é a eficácia da comunicação; assim, além de tratar sobre algumas características da modernasentença, como a simplicidade, a clareza e a concisão, abordaram-se temas relativos à identificação das teses a seremdiscorridas, o levantamento das ideias que as sustentarão, os argumentos que justificarão ou explicarão as ideias e a redação doparágrafo.

Na segunda parte, o alvo do trabalho se desloca para a validade e eficácia da sentença do ponto de vista jurídico. Com talobjetivo, afora outros aspectos de relevância, discorreu-se sobre a conformidade da sentença com as questões da lide, apreciaçãode fato superveniente, modificação da sentença, apreciação das diversas modalidades de intervenção de terceiros, julgamento dareconvenção e da ação declaratória incidental e provimentos finais.

A terceira parte do livro é composta de modelos exemplificativos, de dispositivos de sentenças, de sentenças proferidas emcasos concretos.

A quarta parte é composta de questões de concursos, com a respectiva resolução, destinadas ao treinamento do futuro juiz.Este livro destina-se ao juiz iniciante, que, tendo transposto a barreira do concurso, depara-se com a realidade do fórum,

em cujas prateleiras se amontoam milhares e milhares de processos à espera de solução. Destina-se a você, jovem juiz, que,embora angustiado pela carga de trabalho que lhe foi imposta, não se compraz com a mera extinção formal do processo; a você,

que, fiel ao compromisso da investidura, almeja solução eficaz para o drama humano retratado nos autos, de forma que possarestabelecer a paz entre os litigantes.

Destina-se, sobretudo, ao candidato que, mesmo carregando consigo as deficiências do ensino e não dispondo de tempo ouoportunidade para consultar os avantajados manuais, se prepara para os concursos da Magistratura. Destina-se principalmente avocê que acredita, que batalha e que por isso mesmo superará todos os obstáculos, tornando factível o acalentado sonho de serjuiz.

Elpídio Donizetti

Do Autor ao Leitor

Meu caro leitor, como você bem sabe, errar é humano.Como o autor é humano – pelo menos até o momento mantive-me firme nessa crença –, este trabalho por certo contém

falsos juízos, enganos ou incorreções.Diante dessa inexorável contingência do ser humano, só me resta um pedido: se você, na leitura deste trabalho, perceber

alguma coisa que se equivalha a erro, por favor, entre em contato com o autor (www.facebook.com/elpidiodonizetti ouwww.facebook.com/portalied).

Elpídio Donizetti

1.2.3.

3.1.4.5.6.

1.2.3.4.5.6.7.8.9.

9.1.9.2.9.3.9.4.9.5.9.6.9.7.

10.10.1.

Sumário

Parte IAspectos Redacionais

Os diversos enfoques da sentençaO relatórioA fundamentação

Fundamentação da sentença: texto dissertativoO dispositivoRedigindo a sentençaQualidades da sentença e do sentenciante

Parte IIAspectos Jurídicos

Considerações iniciaisConceito de sentençaClassificação e efeitos das sentençasConformação da sentença ao pedidoSentença líquidaSentença citra petita, ultra petita e extra petitaSentença condicional Fato supervenienteAspectos especiais da fundamentação

Questões preliminaresQuestões prejudiciaisJulgamento antecipado do méritoJulgamento antecipado parcial do méritoImprocedência liminar do pedidoTutelas provisóriasRoteiro para a fundamentação: como não infringir o art. 489, § 1º, do Novo CPC

Julgamento das intervenções de terceirosDenunciação da lide

10.2.10.3.

11.11.1.11.2.11.3.11.4.11.5.

12.12.1.

12.1.1.12.1.2.12.1.3.12.1.4.

12.2.13.

1.1.1.1.2.1.3.1.4.1.5.1.6.1.7.1.8.1.9.1.10.1.11.

1.1.1.1.2.

2.2.1.2.2.2.3.2.4.2.5.2.6.2.7.2.8.

Chamamento ao processoIncidente de desconsideração da personalidade jurídica

Situações jurídicas especiaisCondenação ao pagamento de prestações em dinheiroDecisão que condena a obrigação de fazer ou de não fazerDecisão que condena a obrigação para a entrega de coisa certaDecisão que tenha por objeto a emissão de declaraçãode vontadeReconvenção

Provimentos finaisFixação de honorários advocatícios

Condenações contra particularCondenações envolvendo a Fazenda PúblicaAtualização dos honoráriosSúmulas do STJ sobre o tema

Remessa necessáriaModificação da sentença

Parte IIIAspectos Práticos

Exemplos de dispositivosCondenação em danos materiais (responsabilidade contratual)Condenação com parte líquida e outra ilíquida (responsabilidade extracontratual)Declaração de nulidade de cláusula contratual (réu beneficiário da gratuidade da Justiça)Condenação em obrigação de não fazerEmbargos à execução fiscalAção reivindicatória cumulada com perdas e danos (com denunciação da lide)Ação de desapropriaçãoSentença que decide chamamento ao processoAção de reintegração de posseAção de interdito proibitórioSentença em ação de exigir contas

Parte IVSentenças em provas de concursos para a Magistratura com a respectiva solução

IntroduçãoDispensa do relatórioPremissas importantes

Provas de concursosProva do Concurso para Juiz Substituto do Estadode Goiás (2009) – Banca FCC Prova do Concurso para Juiz Substituto do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba (2010) – Banca CespeProva do 183º Concurso para Juiz do Tribunal de Justiçado Estado de São Paulo (2012) – Banca VunespProva do Concurso para Juiz do Tribunal de Justiçado Estado do Amazonas (2015) – Banca CespeProva do Concurso para Juiz Substituto do Tribunalde Justiça do Estado de Roraima (2015) – Banca FCCProva do Concurso para Juiz Substituto do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba (2015) – Banca CespeProva do concurso para Juiz Substituto do Tribunalde Justiça do Estado do Piauí (2016) – Banca FCCConcurso para Juiz Federal Substituto do TRF da 4ª Região (2014)

Referências Bibliográficas

1.

2.

Aspectos Redacionais1

OS DIVERSOS ENFOQUES DA SENTENÇAComo ato processual, a sentença é síntese do processo, cujo objetivo é a composição do litígio. O autor, por meio da

petição inicial, expõe a tese, isto é, o pedido, com a devida fundamentação. O réu, a seu turno, a despeito de ter a faculdade depermanecer inerte ou reconhecer a procedência do pedido do autor, geralmente oferece resposta opositiva à pretensão objeto datese – a antítese. À resposta do juiz, que põe fim ao processo, seja acolhendo, seja rejeitando o pedido do autor, dá-se o nome desentença.

Sob o enfoque da lógica aristotélica, a sentença expressa um silogismo. A premissa maior é o ordenamento jurídico – aquise incluindo não somente a lei, mas também os precedentes judiciais –, que vai servir de critério para apreciação tanto do direitoinvocado pelo autor como da resistência manifestada pelo réu. A premissa menor é constituída pela fundamentação fáticaexposta na petição inicial, no intuito de demonstrar a procedência do pedido nela formulado, ou extraída do conjunto probatório.Finalmente, a conclusão consiste no ato de inteligência, por meio do qual o juiz, aplicando o Direito material ao caso concreto,extrai as consequências jurídicas; enfim, dá uma resposta ao pleito do autor. Agindo em substituição à vontade dos conflitantes,o Estado, no final do processo, criará uma norma individual que passará a regular o caso concreto.

Considerada verdadeiro trabalho científico, a sentença é um texto complexo, predominantemente dissertativo, composto deRelatório, Fundamentação e Dispositivo ou Conclusão. O relatório consiste numa exposição circunstanciada, num histórico detoda a marcha procedimental. Deve conter “os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e dacontestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo” (art. 489, I). Na fundamentação, o juizexpõe as razões do convencimento, os motivos pelos quais vai dirimir a lide dessa ou daquela forma. É na fundamentação que ojuiz analisa as questões de fato e de direito sustentadas pelas partes. Na conclusão (dispositivo), resolve as questões que aspartes lhe submeteram, estabelecendo um preceito normativo capaz de reger a situação concretamente apresentada nos autos.

O RELATÓRIOÉ a exposição circunstanciada, que deve conter os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da

contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo.É de suma importância que o julgador apresente no relatório os principais fatos ocorridos no processo, por exemplo, a

apresentação de reconvenção e de réplica, a intervenção de terceiros, as ocorrências havidas nas audiências de conciliação einstrução, os pontos controvertidos e as provas produzidas no processo. Essa providência demonstra que o julgador conhece asalegações suscitadas no processo.

Por ser elemento essencial da sentença (art. 489, I), a ausência de relatório gera a nulidade desse ato processual. Amaioria da doutrina entende tratar-se de nulidade absoluta.2 O Superior Tribunal de Justiça tem julgado no mesmo sentido(RMS 25082/RJ, DJe 12.11.2008). Ocorre que, por uma questão de instrumentalidade e de aproveitamento dos atos processuais,

alguns tribunais somente vêm decretando a nulidade da sentença quando a falta do relatório é capaz de comprometer a própriafundamentação.3

Nas hipóteses em que a decisão apenas extingue o processo sem resolução do mérito, a jurisprudência também vemadmitindo não a dispensa do relatório, mas sua confecção de forma sucinta. Confira, nesse sentido, os seguintes julgados:

“Alienação fiduciária. Ação de busca e apreensão. Extinção do feito. Ausência de relatório na sentença. O relatório concisonão acarreta nulidade da sentença, até mesmo porque seria descabido um relatório extenso para a hipótese de abandono dacausa, como ocorreu no presente feito [...]” (TJ-RS, AC 70049264237-RS, Relator: Sejalmo Sebastião de Paula Nery, 14ªCâmara Cível, julgado em 13.09.2012).

“Alienação fiduciária. Ação de busca e apreensão. Extinção do processo por abandono de causa (artigo 267, inciso III, doCódigo de Processo Civil). Ausência de relatório na sentença. Nulidade. Inocorrência. Intimação da autora pessoalmente epor meio de seu advogado. Necessidade. A sentença que encerra o processo sem julgamento do mérito dispensa o relatóriocom as principais ocorrências do processo, desde que constem o nome das partes e a ação proposta. A prévia intimaçãopessoal da autora é indispensável para a extinção do processo por abandono de causa, cuja inobservância implica nulidadeda sentença. Recurso provido” (TJ-SP, APL 00070486620128260009-SP 0007048-66.2012.8.26.0009, Relator: GilbertoLeme, 35ª Câmara de Direito Privado, julgado em 23.02.2015).

Considero, no entanto, que o relatório tem essencial importância em qualquer espécie de decisão, especialmente diante daadoção do sistema de precedentes pelo nosso ordenamento jurídico processual. É por meio do relatório que se identificará acausa e, consequentemente, se será possível (ou não) a aplicação da tese fixada a situações juridicamente semelhantes. Assim,tanto para as provas de concursos públicos quanto para o exercício da judicatura, entendo ser necessário considerar o relatórioelemento indispensável de toda e qualquer decisão judicial.

Ressalte-se que, apesar de a Lei nº 9.099/1995 dispensar expressamente o relatório no procedimento dos JuizadosEspeciais Cíveis (art. 38, Lei nº 9.099/1995), é importante sua confecção em razão do fundamento anterior. “Não se podeaplicar ou deixar de aplicar um precedente, sem saber se os fatos da causa a ser decidida se assemelham ou se distinguem dosfatos da causa que gerou o precedente. Daí a importância do relatório, onde deve estar a correta e minuciosa exposição dacausa.”4 Como os juízes dos juizados especiais também devem observar os precedentes (art. 927), nada mais coerente do querelativizar essa dispensabilidade.

ATENÇÃO

Nas provas de concurso, se o relatório for dispensado pela banca – pouco importa que a demandaesteja ou não submetida ao rito dos juizados especiais –, o candidato não deverá fazê-lo, atémesmo em razão do espaço disponível para a fundamentação e dispositivo.

Vejamos um exemplo de relatório:

Bráulio Pintassilgo, nos autos qualificado, ajuizou ação de reparação de danos contra Adib Hussein,alegando, em síntese, que, no dia 31/12/2015, por volta das 22 horas, quando trafegava pela AvenidaAfonso Pena, no cruzamento com a Avenida Brasil, teve seu veículo abalroado pelo veículo dirigido peloréu, causando os danos descritos no laudo pericial, cujos reparos foram orçados em três oficinas delanternagem. Sustenta que o evento danoso foi causado por culpa exclusiva do réu, porquanto nãorespeitou este o sinal de parada obrigatória existente no referido cruzamento, e arremata pedindo acondenação do réu na importância de R$ 2.700,00 (menor orçamento) e demais cominações de direito.

Contestou o réu (f. 32-36), arguindo, em preliminar, ilegitimidade passiva ad causam, ao fundamento deque a ação deveria ser proposta contra o proprietário do veículo. Ainda, em preliminar, requereu adenunciação da lide à Cia. de Seguros Sul América para responder regressivamente perante o réu, até ovalor da apólice caso fosse vencido na demanda. No mérito, sustentou que o acidente ocorreu por culpa doautor. Isso porque, a despeito de trafegar em via preferencial, imprimia aquela velocidade excessiva a seuveículo, isto é, mais de 100 km/h. Alegou ainda que parou o veículo na placa “Pare”, olhou para os lados enada viu, mas, quando já se encontrava no meio do cruzamento, foi surpreendido pelo veículo do autor.

Requereu a extinção do processo sem resolução do mérito ou a improcedência do pedido.Impugnação à contestação às f. 40-41, na qual o autor refutou a preliminar de ilegitimidade passiva, ao

fundamento de que a ação poderia ter sido proposta contra o proprietário e/ou o condutor do veículo, todaviaelegeu apenas este para suportar os efeitos da sentença. Afirmou que a denunciação da lide deveria serindeferida, porque não seria cabível na hipótese dos autos. Quanto ao mérito, insiste na culpa do réu porqueteria este avançado o sinal “Pare”.

Na decisão saneadora (f. 51-53), este juízo rejeitou as preliminares arguidas na contestação. Quanto àdenunciação da lide, entendeu ser cabível, porque a intervenção se funda no art. 125, II, do CPC/2015.Entretanto, indeferiu-a sob o fundamento de que o réu não comprovou a qualidade de segurado.

Quando um único parágrafo não comportar o relato da suma do pedido ou da contestação, recomenda-se a seguinteestrutura:

Consultoria Mem de Sá S.C., com qualificação na inicial, impetrou mandado de segurança, com pedidode liminar, contra ato do Sr. Diretor de Rendas Mobiliárias do Município de Belo Horizonte, alegando, emsíntese, que:

a impetrante é sociedade civil que tem por objetivo a prestação de serviços profissionais relativos aoexercício de profissão legalmente regulamentada; nessa qualidade, vinha recolhendo o ISSQN, tendo como base de cálculo o número de profissionaishabilitados;no entanto, a partir da edição da Lei Municipal no 6.810/94, a autoridade coatora passou a exigir otributo com base na receita bruta da impetrante;ocorre que a referida norma afronta dispositivos da legislação federal que regula a espécie, bem comoda própria Constituição da República.

Veja que, no exemplo supra, evitou-se o “queísmo”, ou seja, a repetida utilização de “quês”. A forma “que a impetrante[...]; que nessa qualidade [...]; que no entanto [...]”, além de enfadonha, compromete a estética do texto.

Por resumo do pedido e da resposta do réu, deve-se entender a delimitação das questões da lide, sobre as quais incidirá aanálise do juiz. Não significa transcrição ipsis litteris de alegações impertinentes. A síntese deve ser fiel ao que foi pedido efundamentado, mas não necessariamente com as mesmas palavras, na mesma ordem e com o sentimentalismo próprio doslitigantes.

Observe que, no exemplo citado, o resumo do pedido se restringe aos fatos constitutivos do direito à indenização, quaissejam: o fundamento fático (o acidente), a culpa do réu e a respectiva consequência jurídica (CC, art. 927) e os danos. Se apetição inicial fez referência à vida sentimental do réu, ao fato de ele estar saindo de uma boate e a muitas outras circunstâncias,todas impertinentes, não é necessário que o julgador as insira no relatório. O que importa para o deslinde da lide, no caso, é seagiu ou não com imprudência ao entrar no cruzamento, até porque todas as demais questões restaram incontroversas.

Por outro lado, no resumo da resposta, devem ser registrados apenas os pontos sobre os quais deve incidir a análise dojulgador, isto é, a arguição de preliminar, o pedido de denunciação da lide e o fato impeditivo do direito do autor (a negativa deculpa).

Da mesma forma, principais ocorrências devem ser entendidas como circunstâncias processuais relevantes para acomposição do litígio, e por isso mesmo dignas de nota. Por exemplo, o pedido para intervenção de terceiro e seu desfecho, ooferecimento de reconvenção, a referência ao laudo pericial, o conteúdo da decisão saneadora, a ocorrência de revelia, entreoutros, são fatos que merecem registro.

Não tem relevância, entre outras ocorrências, o registro da citação do réu, a menos que não tenha apresentado defesa,porque, nesse caso, poderiam incidir os efeitos da revelia. A apresentação de resposta, ou o simples comparecimento do réu aoprocesso, torna dispensável a citação (art. 239, § 1o). Assim, é desnecessário registrar: “citado, contestou o réu [...]”. Entretanto,diante dos últimos “espelhos” fornecidos pelas bancas de concursos para a magistratura, optem pelo preciosismo: “devidamentecitado, o réu apresentou contestação (fl. 1-15), na qual alegou, em síntese [...]”.

Não recomendávamos a utilização das expressões: “Feito o relatório, passo a decidir” ou “Eis o relatório. Fundamento edecido”, porque quem estivesse lendo a sentença saberia que o relatório já havia sido feito e que, depois dele, o julgadorpassaria a apresentar os argumentos motivadores da decisão. Contudo, observando as correções das bancas examinadoras,

3.

orientamos que, além da normal divisão da sentença (relatório, fundamentação e dispositivo), o candidato finalize o relatóriocom essas expressões de praxe. Aliás, nos concursos, de modo geral o relatório é dispensado. Em casos tais, sugere-se que inicieo tópico da fundamentação com a expressão: “Relatório dispensado. Fundamento e decido”.

Na “construção” do relatório a regra a ser observada é a de relatar todos os pontos que devam ser analisados na sentença,de forma que, ao encerrar essa parte da sentença, o juiz tenha uma visão de todas as questões que deverão ser enfocadas namotivação. Pode-se adotar a ordem cronológica ou a lógica – a ordem em que as questões devem ser enfrentadas na sentença(prefere-se a ordem lógica). Como já foi dito, a sentença é trabalho técnico. Nada inútil deve ser dito, sob pena de comprometera objetividade do texto (e a quantidade de linhas de que o candidato dispõe para a realização da prova). Deve-se registrar oindispensável. Tudo que for indispensável para que a precisão do trabalho não seja comprometida.

ATENÇÃO

A linguagem do relatório deve ser predominantemente descritiva, pois nesse momento omagistrado não emite juízo de valor.

Como se vê, as orientações para a produção de um bom relatório são breves, de acordo com o propósito deste trabalho. NaParte III – Aspectos Práticos, o leitor poderá observar mais concretamente o que chamamos de relatório técnico, enxuto epreciso. Vamos chegar lá.

A FUNDAMENTAÇÃOConcluído o relatório, tem o juiz um esboço das questões de fato e de direito que devem ser examinadas como base lógica

do comando a ser proferido no dispositivo da sentença. Dependendo do caso, terá de analisar e decidir sobre pressupostosprocessuais5 e matérias de mérito, entre outros aspectos ditados pela singularidade de cada processo, por exemplo, reconvenção,direito de regresso, questão prejudicial, entre outros. Relacionados os pontos que merecem resposta e feita a pesquisa da matériajurídica a ser debatida, o passo seguinte é a elaboração do texto. As chamadas preliminares (art. 337), porque envolvemrequisitos para análise do mérito, são prejudiciais e, portanto, devem ser apreciadas em primeiro lugar.

O relatório – importantíssimo porque delimita o campo de análise – é de elaboração mais simples. Basta seguir asorientações ministradas. Com a prática, cada um adquirirá o próprio estilo de relatar. Nas provas, como já dito, há situações emque o relatório é dispensado. Verifique atentamente se há essa informação e, somente se ela for expressa, inicie sua sentençapela fundamentação. Caso contrário, faça o relatório.

Quanto ao dispositivo, o fecho da sentença, é decorrente do raciocínio desenvolvido na motivação. Nele o juiz acolhe ourejeita, no todo ou em parte, os pedidos formulados pelas partes (art. 490). Em havendo reconvenção, pedido contraposto,denunciação da lide, chamamento ao processo ou alguma questão prejudicial (art. 503), o dispositivo deve contemplar também aresposta dos pedidos formulados em tais modalidades de resposta. Pode ocorrer também de o processo ser extinto sem resoluçãodo mérito (art. 485). Nesse caso, o dispositivo conterá, afora a condenação em custas e honorários advocatícios, apenas odecreto de extinção do processo.

A falta do relatório ou da motivação conduz à nulidade da sentença. A falta do dispositivo, entretanto, leva à inexistênciado próprio ato judicial. Sem negar que constitui requisito essencial por excelência, a redação do dispositivo não demanda maioresforço. Cada ação, dependendo da natureza e das particularidades do caso, reclama um dispositivo adequado. Na Parte III, oleitor encontrará exemplos de dispositivos que podem servir de orientação para definir o melhor comando aplicável à hipótesesob julgamento.

Como ensina Moacyr Amaral Santos,

[...] a sentença é ato de vontade, mas não de imposição de vontade autoritária, pois se assenta num juízo lógico. Traduz-sea sentença num ato de justiça, da qual devem ser convencidas não somente as partes como também a opinião pública.Portanto, aquelas e esta precisam conhecer dos motivos da decisão, sem os quais não terão elementos para se convencer doseu acerto. Nesse sentido, diz-se que a motivação da sentença redunda de exigência de ordem pública.6

Além do convencimento das partes (nem sempre alcançado) e da compreensão do caso pela opinião pública, é por meio dafundamentação que o juiz aprecia livremente a prova, atendendo aos fatos e às circunstâncias constantes dos autos e indicandoos motivos que lhe formaram o convencimento, ainda que não alegados pelas partes.

3.1.

––

A fundamentação, seja da perspectiva lógico-jurídica, seja do ponto de vista da tessitura do texto, é a parte da sentença queexige maior esforço do juiz. É por isso que passamos a analisar mais detidamente seus aspectos redacionais.

Os teóricos da concepção declaratória do processo nos mostram o juiz como um lógico que fabricasilogismos. A lei, diz-se, é a premissa maior; o caso concreto é a premissa menor; a sentença é a conclusão.A sentença, por sua vez, tem, entretanto, numerosas deduções particulares e os círculos dessas diversasdeduções particulares são, por seu turno, outros tantos silogismos. A decisão é, assim, uma espécie depequena constelação de induções, deduções e conclusões.7

Pois bem, o objetivo primordial desta parte do trabalho é auxiliar o candidato à magistratura ou o juiz iniciante a construiros diversos silogismos necessários para dar resposta ao pedido do autor, a fazer o travamento dessas construções, enfim, aelaborar o texto da sentença, mais precisamente, sua motivação ou fundamentação.

Fundamentação da sentença: texto dissertativo

Dissertar é um ato que desenvolvemos todos os dias. Procuramos justificativas para a elevação dos preços, para o aumentoda violência nas cidades, para a repressão que sofremos dos nossos pais. Preocupamo--nos com a bomba atômica, com aAids, com a solidão, com a poluição. Defendemos nossos pontos de vista em relação à nossa liberdade, ao futebol, aocinema, à música.Está vendo como a dissertação está próxima de nós?Em suma, dissertação implica discussão de ideias, argumentação, raciocínio, organização do pensamento, defesa de pontosde vista, descoberta de soluções. Significa refletir sobre nós mesmos e sobre o mundo que nos cerca.Mais do que isso, o ato de dissertar pode representar o ponto de partida para a modificação do próprio mundo.8

Como qualquer texto dissertativo, a sentença, no que respeita aos fundamentos, expressa uma ou mais teses (o que se querprovar), um ponto de vista sobre determinada questão jurídica, apoiado em dados, fatos e argumentos.

Veja o seguinte trecho de uma decisão:

Não obstante as gritantes diferenças entre os dois institutos, pelo menos em um aspecto adesapropriação se assemelha à compra e venda. Na compra e venda, a manifestação da vontade daspartes, entre outros fatores, dá-se com a fixação de um preço equivalente ao valor da coisa alienada. Nadesapropriação, o direito de propriedade é compulsoriamente substituído por indenização justa, prévia e emdinheiro, de modo a permitir-lhe a afetação a um interesse público ou social. Em ambos os casos – e nestaparte é que reside a semelhança entre os dois institutos –, o preço ou a indenização, pelo menos em tese,há de corresponder ao efetivo valor do bem ou direito, de modo a representar aquilo que se obteria nomercado.

Aqui o juiz partiu das diferenças entre a desapropriação e a compra e venda para concluir que pelo menos num ponto hásemelhança entre os dois institutos: “o preço ou a indenização, pelo menos em tese, há de corresponder ao efetivo valor do bemou direito alienado, de modo a representar aquilo que se obteria no mercado”.

No exemplo, temos:

Tese: semelhança entre compra e venda e desapropriação;argumentos:

na compra e venda, há manifestação de vontade das partes para fixação do preço, ao passo que na desapropriação odireito de propriedade é compulsoriamente substituído pela indenização (diferença);o preço e a indenização correspondem ao valor do bem.

À guisa de exercício, vamos identificar as teses e os argumentos nos textos a seguir:

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•••

––

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No conceito de justa indenização, insere-se também o pagamento dos juros compensatórios comoforma de ressarcir os prejuízos decorrentes da antecipada imissão judicial na posse. Ao contrário do quesupõe o município-réu, o fato de o bem expropriado ser lote vago não subtrai do proprietário o direito aosjuros compensatórios. Isso porque, pelo menos potencialmente, houve lucros cessantes, uma vez que o lotevago poderia, por exemplo, ser alugado e produzir renda. E, em ocorrendo lucros cessantes, os juroscompensatórios devem ser contados como forma de indenização. Aliás, a indenização a que faz jus oexpropriado, para ser justa, há de recompor seu patrimônio com quantia que corresponda exatamente aodesfalque produzido pela desapropriação. Indenizar somente o bem expropriado, sem levar em conta asperdas e danos sofridos pelo proprietário (incluídos nesses os danos emergentes e os lucros cessantes),tornaria insuficiente o ressarcimento, representando tal fato visível descumprimento da norma constitucionalque determina seja justa a indenização (CR, art. 5o, XXIV).

Tese: os juros compensatórios integram a indenização devida pela desapropriação de lote vago;argumentos:

a indenização há de recompor totalmente as perdas e danos suportados;potencialmente houve lucros cessantes, uma vez que o lote vago poderia ter sido alugado;perdas e danos envolvem danos emergentes e lucros cessantes.

Não há dúvida de que as prerrogativas conferidas ao município pela Constituição de 1988 foramconsideravelmente ampliadas. Todavia, não se pode falar em autonomia municipal plena, absoluta. Talcomo o estado-membro, é o município parte integrante da Federação e, em sendo assim, a liberdade deação encontra limites no “pacto federativo”. Sustentar a autonomia absoluta, sem qualquer restrição porparte do todo, equivale dizer que o município é soberano, o que é absurdo. O município, nos termos do art.1o da Constituição da República, constitui um ente federativo, cujo fundamento se assenta nas normasditadas pela República, normas essas que limitam a autonomia municipal.

Tese: a autonomia do município é limitada;argumentos:

como parte da Federação, sua liberdade é limitada pelo “pacto federativo”;autonomia não se confunde com soberania.

Nos exemplos citados, a tese pode ser defendida com uma única ideia central, exposta com vários argumentos. Ocorre quea sentença, muitas vezes, para responder adequadamente às questões deduzidas no processo, contempla várias teses. Podeacontecer também de uma tese ser desenvolvida em mais de um parágrafo, porque se utiliza mais de uma ideia para demonstrá-la. A complexidade do texto, seja em razão do número de teses, seja em decorrência do número de ideias utilizadas, leva ànecessidade de organização. Afinal, para ser bem compreendida, a mensagem precisa ser escrita de forma clara, organizada nosseus atos de comunicação.

As decisões nem sempre têm estrutura mínima de organização. O julgador, apesar de conhecer o conteúdo jurídiconecessário para dirimir o conflito, lança os argumentos de forma desestruturada, não conseguindo estabelecer uma linha deraciocínio, não relacionando uma ideia com outra, não provando absolutamente nada. Por força da ordem emanada dodispositivo, a lide fica composta. Mas o convencimento das partes e da opinião pública, porém, resta seriamente comprometido.

Como seria então uma sentença bem estruturada?O mais recomendável é identificar as teses (as questões da lide) a serem enfocadas. Por exemplo, o autor requer a

declaração de nulidade do ato administrativo de tombamento alegando que: o bem não tem valor histórico ou cultural; omunicípio não pode legislar sobre a matéria; o tombamento só pode ser feito por lei específica; e que o procedimentoadministrativo não obedeceu ao princípio do contraditório. Na defesa, o réu refuta cada fundamento. Assim, cada alegação doautor constitui determinada tese.

Cada tese (ou fundamento do pedido), que pode ser desenvolvida em um ou mais parágrafos, dependendo do número deideias centrais utilizadas, subdivide-se em introdução, desenvolvimento (argumentação) e conclusão (amarração). Evidencie-se

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que esta é uma sugestão de estrutura que torna o texto claro e compreensível; não significa que todos os textos devam obedecerà estruturação sugerida.

A introdução normalmente apresenta o dispositivo legal pertinente (premissa maior), um roteiro dos pontos que serãoabordados ou afirma a tese. Em geral, é feita em um parágrafo. Quando se trata de um único parágrafo, a introduçãonormalmente está contida em um período. Para efeitos didáticos, atribuem-se nomes aos diversos tipos de introdução:introdução-premissa, introdução-roteiro, introdução-tese, introdução-exemplo, introdução-interrogação. Você descobrirá outrasformas de fazer a introdução.

No desenvolvimento, o julgador aplica a norma – precedente, a lei (valorada ou não pelo princípio) ou somente o princípio– ao caso concreto, expondo os argumentos.

A conclusão corresponde ao travamento do texto. É nessa parte que o sentenciante extrai a conclusão, resultante daadequação dos fatos à norma, resume os pontos discutidos ou confirma a tese inicial.

Veja os exemplos a seguir:

1. “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem fica obrigado a repará-lo” (CC, art.927).

2. O conjunto probatório está a demonstrar que o acidente causador dos prejuízos que a ação visarecompor ocorreu por culpa exclusiva do réu. Isto porque, ao passar pelo cruzamento, não obedeceu aosinal de parada obrigatória. Ao contrário, desenvolvia velocidade aproximada de 100 km/h e nessavelocidade avançou o sinal “Pare”, transpôs o cruzamento e atingiu a parte traseira do veículo do autor, quetrafegava na via preferencial. Tal conduta, indubitavelmente, configura culpa na modalidade imprudência.

3. Ora, quem age com culpa, a teor do disposto na citada norma, está obrigado a reparar os danos.

O parágrafo 1 caracteriza a introdução (trata-se de introdução-tese), em que o sentenciante apresenta a premissa maior dosilogismo, isto é, a norma aplicável à espécie.

O parágrafo 2 pode ser identificado como desenvolvimento ou argumentação. Nele o sentenciante apresenta as provas quedemonstram que a conduta do réu se amolda ao dispositivo legal.

O parágrafo 3 constitui a conclusão, qual seja: o réu agiu com culpa, portanto, deve indenizar.Observe agora o exemplo em que a tese é desenvolvida em um só parágrafo.

Temos três espécies de preclusão: temporal, lógica e consumativa. A preclusão temporal ocorre quandoa parte perde a faculdade de praticar ato processual por não tê-la exercido no prazo legal. A preclusãológica decorre da incompatibilidade entre a prática do ato efetivamente praticado e o que se pretendiapraticar. A preclusão consumativa opera-se com a prática, pouco importa se de forma satisfatória ou não.Assim, de qualquer ângulo que se enfoque a preclusão, sempre se leva à perda do direito de praticar um atoprocessual, seja porque o tempo útil já se esgotou, seja porque a conduta da parte não se harmoniza com oato que deveria ser praticado, seja porque a faculdade já foi exercida.

Introdução: como o próprio nome diz, introduz e delimita o tema, estabelecendo roteiro do que vai ser discutido,conceituado. No exemplo supra, tem-se como introdução o primeiro período: “Temos três espécies de preclusão: temporal,lógica e consumativa.”

Desenvolvimento: corresponde ao conceito de cada espécie de preclusão.Conclusão: corresponde ao último período. Funciona como confirmação dos conceitos, apresentando a consequência da

preclusão, ou seja, a perda da faculdade de praticar o ato processual, qualquer que seja a modalidade de preclusão.

O DISPOSITIVOApós a fundamentação o julgador chegará a uma conclusão, que deve ser exposta de modo objetivo no terceiro elemento

da sentença: o dispositivo.Cuida-se de “elemento nuclear de qualquer decisão”.9 É, em termos práticos, a lei que vai reger o caso concreto.Apenas o dispositivo logra autoridade de coisa julgada (arts. 502 e 504). Se eventual questão prejudicial for decidida na

fundamentação – caso tenham sido preenchidos os requisitos do art. 503, § 1º –, ela será acobertada pela coisa julgada, hipótese

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em que o comando a respeito deve igualmente constar do dispositivo da decisão.10 Caso o processo tenha sido extinto semjulgamento do mérito – o que é pouco comum nos concursos –, a coisa julgada emergente do dispositivo será apenas formal.

Dispositivo direto: o juiz indica qual bem da vida foi obtido pelo autor. Por exemplo: “Julgo procedente os pedidos doautor para condenar o demandado ao pagamento da quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a título de danos morais [...].”

Dispositivo indireto: o juiz acolhe a pretensão autoral, mas não indica qual o bem da vida obtido pelo autor, apenas fazreferência ao que foi pleiteado na inicial. Por exemplo: “Julgo procedentes os pedidos do autor para condenar o demandado nostermos da exordial [...].”

ATENÇÃO

Em provas de concursos, o candidato deve preferir o dispositivo direto. Um mesmo examinadornormalmente corrige centenas de provas. Para facilitar a compreensão e a conclusão sobre o quefoi exposto na fundamentação, opte por indicar exatamente o que o autor deve receber.

Além de determinar a providência a ser adotada, o juiz deve fixar, se for o caso, os juros e a correção monetária.Após a conclusão acerca da procedência ou improcedência dos pedidos, devem ser inseridas as chamadas disposições

finais: honorários advocatícios, custas processuais e, se for o caso, a determinação de reexame necessário (art. 496). Tambémdeve ser indicada a eventual necessidade de a sentença ser submetida à liquidação (art. 509) e a necessidade de que a decisãoseja submetida ao duplo grau de jurisdição (art. 496).

Por fim, as providências de publicação, registro e intimação (“Publique-se. Registre-se. Intimem-se”), o local e a data e aassinatura do juiz. Essa última providência deve ser adotada sem a identificação do candidato, sob pena de ser eliminado docertame.

REDIGINDO A SENTENÇAEm um curso de sentença, a cada aluno entreguei um caso concreto, a fim de que elaborassem a decisão e trouxessem-na

no dia seguinte.Um aluno afastou-se da sala, e depois de aproximadamente uma hora voltou com a sentença pronta. Tratava-se de

candidato com razoáveis conhecimentos jurídicos e bom nível de redação. Olhei rapidamente a sentença e cheguei a sentir umaponta de inveja pela rapidez. A decisão parecia bem estruturada e por isso imaginei que eu, juiz de direito, se fosse tão rápidoquanto o aluno, conseguiria dar andamento mais célere aos milhares de processos sob minha responsabilidade. Em vez deprolatar três sentenças de mérito por dia, pularia para quinze ou mais.

Outro aluno, em contrapartida, uma semana depois de entregue o exercício, não havia conseguido elaborar a sentença.Todos os dias tinha uma justificativa para o atraso: estava estudando a matéria preliminar, não conseguira formar a convicçãosobre determinado fundamento do pedido e assim por diante. O fato é que, no final do curso, a sentença ainda não estava pronta.O aluno, sempre apresentando as justificativas, disse-me que entregaria a sentença tão logo conseguisse formar oconvencimento. Entendendo sua angústia, disse-lhe que não se preocupasse, uma vez que determinados casos realmente exigemmuito amadurecimento. Seis meses depois, recebi a sentença com um cartão pedindo desculpas pela demora.

Em ambos os casos faltou planejamento adequado. O aluno que entregou a sentença no exíguo prazo de uma hora, por nãoestabelecer roteiro a ser seguido, com as respectivas ideias, foi superficial, confuso e deixou de apreciar questões da lide, fatoque por si só invalida a decisão. O outro, em razão da demora, poderia ter apresentado excelente decisão, mas o que se viu foifalta de encadeamento das numerosas ideias expostas, o que comprometeu a coerência do texto.

O ato de escrever não é milagroso. Uns têm mais facilidade, outros menos. Todos, entretanto, se quiserem escrever comprecisão e clareza, necessitam, além de conhecimento jurídico e linguístico, de método, paciência e perseverança para encontraras ideias que vão demonstrar a tese, as palavras adequadas para representar cada ideia, a forma correta de dispor os parágrafos,para, enfim, alcançar razoável tessitura do texto. É claro que um átimo não é suficiente para elaborar uma sentença, muitasvezes contendo diversas teses. Também de nada adianta ficar meses a fio com o processo, se as questões não são enfrentadas deforma racional. A sentença é produto do esforço. Esforço técnico, metódico, planejado.

Nosso objetivo, neste tópico, é auxiliá-lo a fazer o planejamento, o esquema do texto a ser desenvolvido. O tempo gasto e oesforço despendido no planejamento serão recompensados pela rapidez com que os fundamentos serão redigidos. E mais, com asatisfação do texto comunicativo.

Feitas as considerações, vamos à prática; afinal, o trabalho do juiz é quase em sua integralidade composto por prática.Suponhamos que no concurso para a Magistratura você tenha recebido o relatório a seguir. A partir dele, vamos redigir a

sentença.

Sentença em ação de investigação de paternidade. Prova para Juiz Substituto do Tribunal deJustiça do Estado de Alagoas (Banca: Fundação Carlos Chagas).

I – RELATÓRIOJosé move ação de investigação de paternidade, cumulada com pedido de indenização por dano moral,

em razão do abandono efetivo, em face de Pedro. Alegou o autor que sua mãe, Joana, manteverelacionamento com o réu, de que resultou seu nascimento em 07/11/1985, contando ele, na data doajuizamento desta ação, com 18 anos de idade. Relatou, ainda, que no ano de 1997, então representadopor sua mãe, ajuizara anterior ação investigatória. Não tendo, porém, comparecido ao exame hematológico,e deixando de dar regular andamento àquele processo, foi extinto por sua inércia. Citado, Pedro contestou.Arguiu preliminar de coisa julgada e, no mérito, a impossibilidade de ser pai do autor. Argumentou que,embora tenha se relacionado com a mãe deste, pretendendo casar-se, deixou-a em novembro de 1984, indoresidir em país estrangeiro, clandestinamente, onde muito trabalhara a fim de angariar recursos e contrairmatrimônio. Retornou ao Brasil no ano de 1996, com boas condições financeiras, quando, então, ela oinformou do nascimento do autor, que já contava com quase 11 anos de idade. Juntou documentoscomprobatórios de sua saída do país na data informada, e da data de seu regresso ao Brasil, e pediu aimprocedência dos pedidos.

Em réplica, o autor alegou que não havia coisa julgada. Afirmou equívoco na sentença proferida noprocesso anterior, já que seu não comparecimento ao exame se dera em razão da dificuldade de sua mãepara ausentar-se do trabalho. Ademais, disse que ela era constantemente ameaçada pelo réu casoinsistisse na ação investigatória, e que também não poderia alegar sua permanência clandestina em paísestrangeiro para defender-se por consistir em alegação da própria torpeza. Não obtida conciliação,designou-se perícia, tendo apenas o réu comparecido ao ato. Sobreveio, então, sentença que julgouimprocedente o pedido, sem apreciar a alegação de coisa julgada. O autor apelou. Em seu recurso, suscitounulidade por cerceamento de defesa. Asseverou que não pôde comparecer ao exame em virtude de gravemoléstia que o retivera em hospital. Apontou que sequer fora intimado para justificar o seu nãocomparecimento.

O Tribunal de Justiça deu provimento ao apelo e anulou a sentença. Os autos foram devolvidos àprimeira instância para prosseguimento. Novamente designado o exame pericial, Pedro não compareceu, einformou ao juízo que já se dispusera duas vezes a submeter-se à perícia e, doravante, não colaborariamais para qualquer prova. Em audiência foram ouvidas três testemunhas arroladas pelo autor, queconfirmaram o relacionamento entre sua mãe e o réu; os depoentes não se recordaram das datas comexatidão, mas mencionaram que isso se dera até o fim do ano de 1984.

Em alegações finais as partes reiteraram seus argumentos, acrescentando o autor que a paternidade setornara incontroversa e presumida.

O relatório contém a delimitação precisa dos contornos da demanda, isto é, das questões a serem analisadas e decididas.Como já foi dito, o mais razoável é que o relatório obedeça a uma ordem lógica, a ordem em que as questões serão apreciadasna motivação. E como isso nem sempre é possível, tenho como oportuno o ensinamento do experiente magistrado Nagib SlaibiFilho, o qual foi adaptado às disposições da nova lei processual civil:

“Como é na fundamentação que o juiz resolve as questões, quer aquelas lançadas pelas partes, quer as que ele, juiz,conhece de ofício, há necessidade de se dar um ordenamento lógico ao conhecimento e desate das questões.Diversamente do relatório, onde se obedece à cronologia dos fatos, na fundamentação segue-se a ordem lógica, impostapela técnica jurídica, mesmo porque não seria sensato se conhecer o mérito e depois extinguir o feito, por exemplo, porilegitimidade da parte.Tal ordem lógica, inclusive, recomenda que cada questão seja discutida em um parágrafo ou um conjunto de parágrafos,

1.

1.1.

1.2.

2.

2.1.2.2.

3.3.1.

3.2.4.

4.1.

com nítida distinção visual de apresentação.De início, deve o juiz conhecer das questões preliminares, referentes a cada relação processual em julgamento.Em se tratando de uma só relação processual, a questão é simples. No entanto, se há concurso de processos (reconvenção,intervenção de terceiros, cumulação de pedidos ou causas de pedir, etc.), a operação se torna mais complexa, exigindomaior organização do pensamento lógico.No conhecimento das questões preliminares, tem o juiz um roteiro (embora incompleto), nos diversos incisos do art. 337do Novo CPC: inexistência ou nulidade da citação; incompetência absoluta e relativa, incorreção do valor da causa, inépciada petição inicial; perempção; litispendência; coisa julgada; conexão; incapacidade da parte, defeito de representação oufalta de autorização; convenção de arbitragem; ausência de legitimidade ou de interesse processual; falta de caução ou deoutra prestação que a lei exigir como preliminar e indevida concessão do benefício de gratuidade de justiça.”Evidentemente, espera-se que a natural sequência do processo, com o saneamento difuso em todas as suas fases, faça que,

no final, não tenha o juiz de Direito questão alguma para decidir. No entanto, esse ideal é raro de acontecer, pela tambémnatural sucessão de fatos processuais, com notável caráter de mutabilidade da relação.11 Utilizando o relatório fornecido pelabanca examinadora, vamos elaborar o plano da fundamentação.

Primeiro passo: identificar as teses e pontos relevantes

Qual(is) o(s) pedido(s) do autor? Reconhecimento da paternidade e fixação de danos morais em razão do abandonoafetivo.

Houve pedido de tutela provisória? Não houve pedido de tutela provisória. Se tivesse havido, deveria o juiz semanifestar na fundamentação. Caso a tutela já tivesse sido deferida, caberia ao juiz confirmar ou revogar a medidano dispositivo da sentença.Houve pedido de concessão de gratuidade da justiça? Também não. Se tivesse havido, o juiz deveria levar talpleito em consideração para, caso houvesse sucumbência em desfavor do beneficiário, a cobrança fosse suspensana forma do art. 98, § 3º.

Qual(is) o(s) pedido(s) apresentado(s) pelo réu? Improcedência dos pedidos em razão da impossibilidade de ser o paido autor.

Alguma preliminar foi arguida? Sim. Preliminar de coisa julgada (art. 337, VII).Foi requerida intervenção de terceiros? Não. 2.4. Há pedido contraposto ou reconvenção? Não.

Produção probatóriaQuais provas foram produzidas ou requeridas pelas partes ou determinadas de ofício pelo juiz? Prova documentale testemunhal.Houve audiência de instrução? Sim.

Julgamento antecipadoHá possibilidade de julgamento antecipado do mérito? No caso apresentado, não. Se a questão indicar, porexemplo, que não havia outras provas além daquelas que instruíram a petição inicial e a contestação, ou que,havendo revelia, o réu não requereu, em tempo oportuno, a produção de provas, o candidato deve se lembrar deanunciar o julgamento antecipado da lide, indicado que a situação se encaixa em um dos incisos do art. 355.

ATENÇÃO

O Novo CPC permitiu o julgamento antecipado parcial do mérito (art. 356). Trata-se de decisão denatureza interlocutória, porque não se encaixa no conceito de sentença previsto no art. 203, § 1º.Assim, dificilmente esse tipo de decisão será objeto de prova. De qualquer forma, o tema serátratado no capítulo seguinte.

Segundo passo: registrar as ideias

Despois de identificadas as teses de cada uma das partes, o candidato deve deixar ocorrer o brainstorm (tempestade deideias). As ideias vão surgindo e o sentenciante vai registrando-as com expressões sintéticas.

1.1.1.

––

2.2.1.

––

––

–2.2

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•••

Nessa fase, o que importa é anotar as ideias. Elas vêm, mas também fogem rapidamente. Não se preocupe se as ideias lheparecerem desordenadas. Em um segundo momento, você poderá selecioná-las, suprimindo umas e acrescentando outras.

Evidentemente as ideias não surgem do nada. São elas produto da sua formação jurídica, bem como da sua experiência devida. Decorrem de fatos de conhecimento comum, de informações obtidas por meio de livros, jornais, televisão. Aliás, tratando-se de assunto de maior complexidade ou sobre o qual você tenha pouco conhecimento, é recomendável fazer pesquisa sobrecada questão a ser debatida. Quando o tema já for do seu conhecimento, basta uma pesquisa complementar sobre aqueles pontosque você não domina completamente. Agora, vamos registrar ideias sobre cada uma das teses identificadas. A tarefa énecessária para o seu aprendizado. Com o tempo, você não gastará mais de dez minutos para fazer um esboço de decisão.Vamos lá.

Preliminar arguida na contestação:Coisa julgada:

sentença no primeiro processo foi proferida sem apreciação do mérito;houve a formação de coisa julgada formal e não material;

Fundamentos do pedido:Reconhecimento da paternidade:

a permanência clandestina do autor no exterior é irrelevante para o processo; o autor nasceu um ano após a viagem do réu para o exterior;é impossível uma gestação humana por período tão longo;o não comparecimento ao exame impede que o réu se aproveite da recusa (art. 231, CC). Apesar disso, nãohouve aproveitamento de recusa pelo réu, que apenas afirmou a impossibilidade de ser pai do autor em razãoda sua partida para o exterior;o não comparecimento ao exame induz presunção relativa de paternidade (e não absoluta), devendo seranalisado o conjunto probatório;as provas (documental e testemunhal) confirmam a impossibilidade de o réu ser pai do autor;

Danos morais:Análise prejudicada, tendo em vista a improcedência quanto ao pedido de reconhecimento de paternidade.

Terceiro passo: esquematizar as ideias

Com o registro das ideias centrais, de certa forma já houve delimitação do campo de análise das questões debatidas. Opróximo passo é esquematizar cada uma dessas ideias (que na redação serão transformadas em parágrafos), estabelecendo ascircunstâncias que com ela (ideia) se relacionam, as causas, as consequências, a exemplificação, a posição doutrinária ejurisprudencial; enfim, toda a argumentação necessária para justificar ou fundamentar a ideia central.

Quarto passo: redação da sentença

Esquematizadas as ideias, é hora de redigir a fundamentação e, a seguir, o dispositivo. Isso sem falar no relatório, que foidispensado ou já foi por você elaborado.

Antes de apresentar o texto da sentença, vale uma palavra sobre o dispositivo, que deve ser o mais sintético e claropossível.

Em suma, o dispositivo deve conter:

A indicação de se tratar de decisão com ou sem resolução do mérito (arts. 485 ou 487);Na hipótese do art. 487 (sentença com resolução do mérito), qual o provimento jurisdicional definido: condenatório,declaratório, constitutivo (ou desconstitutivo);Disposição sobre juros e correção monetária para o caso de provimento jurisdicional condenatório;Disposição sobre honorários advocatícios (art. 85) e despesas processuais, incluídos honorários periciais, se for o caso;Na hipótese de o sucumbente ser beneficiário da gratuidade de Justiça, permanece necessária a condenação nas verbas desucumbência (art. 98, § 4º), que ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade (art. 98, § 3º);

•••

Se tiver havido pedido de tutela provisória, a confirmação, revogação ou modificação, conforme o caso;A determinação de reexame necessário, caso se trate de condenação contra a Fazenda Pública (art. 496);As providências especiais que se fizerem necessárias (liquidação de sentença, expedição de mandado para averbação ouregistro etc.).

Nesse ponto, você já examinou detidamente o enunciado (relatório), já pesquisou a matéria jurídica pertinente ao caso a serdecidido, enfim, já decidiu o caminho a seguir. A convicção está formada. Evidentemente, para chegar a esse estágio, asquestões da lide (constantes sobretudo da petição inicial e da resposta) mereceram minuciosa análise. Não se acomode e, senecessário, leia novamente o relatório.

A sentença constitui resposta fundamentada às questões deduzidas no processo. Terá a extensão necessária para respondê-las, justificando o ponto de vista adotado. Nem todos os fatos mencionados na petição inicial merecem registro na sentença,somente os que tiverem pertinência com o litígio a ser dirimido. Por exemplo, as supostas ameaças à mãe não têm pertinênciacom o fundamento da demanda.

O rascunho é importante. Escritores famosos não se envergonham de dizer que emendam o texto numerosas vezes atéchegarem à forma definitiva.

Nos concursos, entretanto, em razão da exiguidade do tempo, é preferível gastar alguns minutos a mais naesquematização das ideias a fazer o rascunho. No dia a dia do juiz, o computador substitui o rascunho.

Antes de iniciar a redação, quero lembrar um aspecto. Por mais simples que seja a sentença, tenho por hábito dividi-la emtrês tópicos: Relatório, Fundamentação e Dispositivo. Quanto às subdivisões, depende da complexidade da sentença, do númerode teses a serem debatidas. Sentença simples, proferida em ação de reparação de danos, por exemplo, cuja controvérsia recaiaexclusivamente sobre a culpa, não comporta subdivisão. Entretanto, se forem arguidas diversas preliminares e o pedido seassentar em mais de um fundamento, a boa técnica recomenda a subdivisão em itens.

Nas provas de concurso é importante fazer essa divisão, porque ela ajuda o examinador na correção.Superadas as etapas, vejamos a sentença pronta (sem o relatório, porque a banca examinadora o dispensou):

II – FUNDAMENTAÇÃO

1 Da preliminar de coisa julgadaArgumenta o réu a impossibilidade de análise do mérito em razão da formação de coisa julgada em

processo no qual a genitora do autorjá havia requerido o reconhecimento da paternidade.De fato, houve sim a formação de coisa julgada, tendo em vista a extinção do primeiro processo e a

inexistência de qualquer recurso pendente. Trata-se, contudo, de coisa julgada formal e não material, demodo que o provimento anterior não é capaz de impedir a análise do mérito da presente demanda. Emoutras palavras, a hipótese ventilada pelo réu é de coisa julgada formal, que obsta a rediscussão do tematão somente naquele processo em que proferida a decisão terminativa.

Diante do exposto, não tendo a decisão anterior qualquer reflexo na presente demanda, REJEITO apreliminar de coisa julgada.

2 Do mérito2.1 Da incomunicabilidade de instânciasArgumenta o autor que o réu estaria no exterior de forma clandestina e que tal fato prejudica a análise

dos argumentos defensivos.Não assiste razão ao autor, porquanto essa informação não tem qualquer relevância para a solução da

presente controvérsia, tratando-se de matéria de Direito público e que deve ser questionada pelosinteressados na instância adequada.

2.2 Do não aproveitamento da recusaDe acordo com o art. 231 do Código Civil, “aquele que se nega a submeter-se a exame médico

necessário não poderá aproveitar-se de sua recusa”.O dispositivo aplica-se às hipóteses nas quais a pessoa que se nega a fazer o exame pretende se valer

da própria torpeza para utilizar a recusa em seu próprio benefício.No caso dos autos, o réu não quis se aproveitar na recursa. Em verdade, seu único argumento de

mérito reside na impossibilidade do reconhecimento de paternidade em razão de sua partida para exteriorter ocorrido um ano antes do nascimento do autor.

2.3 Do não comparecimento para a realização da perícia médicaApesar de devidamente intimado, o réu não compareceu ao exame pericial. Tal fato, por si só, não

indica ser ele o pai do autor, já que a própria legislação permite que o julgador confronte os argumentosautorais com as demais provas constantes dos autos. Nesse sentido:

Art. 2º-A, parágrafo único, Lei n. 8.560/1992. A recusa do réu em se submeter ao exame de códigogenético – DNA gerará presunção da paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório.

Com efeito, a recusa do réu em submeter-se ao exame gera presunção relativa de paternidade (e nãoabsoluta), que pode ser refutada quando da análise do conjunto probatório formado nos autos. Assim,aplica-se a presunção contra quem se recusou quando o conjunto de provas sustenta a tese evidenciadapor quem pretende a afirmação da paternidade.

No presente caso as provas documental e testemunhal afastam a presunção. Isso porque o réucomprovou por meio de documentos que passou a residir no exterior em novembro de 1984, ou seja, umano antes do nascimento do autor. Ademais, as testemunhas reforçaram que o relacionamento entre o réu ea genitora do autor terminou no final de 1984.

Como a gestação humana dura, em média, nove meses ou 39 semanas, resta afastada a possibilidadede reconhecimento da paternidade pretendida pelo autor.

2.2 Dos danos moraisA apreciação do pedido de danos morais em razão do abandono afetivo resta prejudicada, pois o

reconhecimento da paternidade é condição sine qua non para a atribuição de qualquer responsabilidade aoréu pelas obrigações decorrentes do poder familiar.

III – DISPOSITIVO

Diante do exposto, julgo IMPROCEDENTES os pedidos do autor, com resolução do mérito, nos termosdo art. 487, I, do Novo Código de Processo Civil.

Condeno o autor ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes arbitrados em10% (dez por cento) sobre o valor da causa, nos termos do art. 85, § 2º.

P. R. I.

Local, data.

Juiz de Direito

ATENÇÃO

Uma observação sobre o local onde se devem decidir as preliminares, bem como sobre asquestões a serem resolvidas no dispositivo. Na fundamentação, de regra, nada se decide. Nafundamentação, o juiz apenas analisa as questões de fato e de direito. É no dispositivo que sãoresolvidas as questões principais (art. 489, II e III). Em razão desse regramento, há autores menoshabituados à prática judicante que sustentam que as preliminares devem ser analisadas nafundamentação e resolvidas no dispositivo da sentença. Contudo, de regra, assim não procedemos juízes e, portanto, assim não devem proceder os candidatos a magistrados. As preliminares sãoanalisadas e resolvidas na fundamentação, exceto se implicarem a extinção do processo semjulgamento do mérito. A praxe tem a sua lógica. O dispositivo é reservado à resolução da questãoou questões principais que as partes submeteram ao juiz. Por questões principais devem-seentender as pretensões deduzidas na inicial ou na contestação (pedido contraposto ou

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reconvencional). Afinal, o dispositivo constitui a resposta a tais pedidos. O autor ingressa em juízoquerendo uma solução para a crise de direito material; quer uma certificação desse direito. Omesmo se passa com o réu quando deduz pretensão de Direito material. As partes nãocomparecem perante o juiz para obterem uma declaração no sentido de que as partes sãolegítimas, de que não há coisa julgada sobre a questão de Direito material deduzida, de que ospressupostos processuais estão presentes. Querem uma solução sobre o bem da vida (o direitosubstancial). O dispositivo constitui a suma da “lei” que regerá o caso concreto.Em síntese: as questões preliminares, até porque figuram como prejudiciais, devem ser analisadase decididas na fundamentação, exceto se isso implicar extinção do processo sem resolução domérito. O dispositivo, além das disposições acerca dos ônus sucumbenciais, eventual concessãoou revogação de tutela provisória e desconsideração da personalidade jurídica, entre outras, devecontemplar somente a resolução da questão principal, concernente ao Direito material.

Antes de encerrar este tópico, quero deixar um consolo e um recurso aos principiantes.Li em algum livro sobre literatura que só os gregos criaram e que atualmente nada se cria, tudo se copia. É certo que a

assertiva contém certo exagero, mas também uma verdade residual. O conhecimento, a técnica e o poder de argumentação nãosurgem do vazio. São bons autores os que leram e leem muitos outros bons autores, que, por sua vez, observaram o tratamentodado ao tema por outros escritores.

Até encontrar o jeito próprio, imite. Adquira livros sobre elaboração de sentenças, não se acanhe de pedir cópias dedecisões prolatadas por colegas mais experientes, tenha sempre um guia, um modelo a seguir. Não se trata de fazer cópia servil,de plagiar. Com a prática, você se desvencilhará dos modelos e então passará a redigir seu próprio texto, com seu próprio estilo.Para tanto, é importante que esteja atento para algumas qualidades indispensáveis à produção de um texto eficaz. Nacomunidade jurídica, com as exceções de sempre, texto rebuscado, gongórico, recheado de expressões latinas e até inglesas,significa erudição. É preciso enterrar esse falso mito, que, além de prejudicar o entendimento do conteúdo do ato processual,denuncia os defeitos, tiques e vícios do subscritor. Veja a seguir as qualidades que julgamos devam ser cultivadas.

QUALIDADES DA SENTENÇA E DO SENTENCIANTEa) Simplicidade: evite linguagem afetada, expressões arcaicas, rançosas, termos pomposos e artificiais. Mui

respeitosamente, com a devida e reiterada vênia, ouso divergir do ilustre, culto e zeloso membro do Parquet... Expressõesassim não se harmonizam com a carga de trabalho do juiz, não se harmonizam com o pulsar de nosso tempo, que é ágil e porisso reclama simplicidade, objetividade e precisão. Em vez de sodalício, é mais simples escrever tribunal. Em vez de PretórioExcelso, diga apenas STF ou Supremo Tribunal Federal. Carta de Direitos, Carta Magna ou Texto Maior, nem pensar,Constituição da República é mais inteligível.

Deve-se destacar que o rebuscamento das decisões judiciais tem dificultado a aplicação dos comandos judiciais, tornando aJustiça ainda mais morosa e distante do povo.

Felizmente, a necessidade de ser simples tem sido objeto de discussão no seio da Magistratura. Conforme publicado pelaFolha de S.Paulo, na reportagem “Campanha ataca os abusos do ‘juridiquês’”:

O presidente do Superior Tribunal de Justiça, Edson Vidigal, afirma que “o ‘juridiquês’ é como latim emmissa: acoberta um mistério que amplia a distância entre a fé e o fiel; do mesmo modo, entre o cidadão e alei. Quanto mais complicada a linguagem, mais poder, porque menos gente entende”. Para ele, “as decisõestêm que ser acessíveis em todos os sentidos, inclusive no linguajar”.

Para Sérgio Renault, secretário da Reforma do Judiciário, o exagero de linguajar “é uma forma deproteção, que afasta as pessoas da Justiça, faz com que o Judiciário fique inacessível e tem a ver com apreservação do monopólio do conhecimento. Intimida, distancia”. Para ele, “a modernização também passapela língua. Isso tende a acontecer com o tempo”.

Mas não é só a população leiga que não compreende o “juridiquês”. A fala rebuscada também dificultao entendimento entre os próprios magistrados.

Em Itu, interior paulista, um homem preso pelo assassinato do empresário Nelson Schincariol foi soltoapós uma decisão ser interpretada de forma errada. Num texto ambíguo, um desembargador do Tribunal de

Justiça determinou a manutenção da prisão. O juiz estadual entendeu o contrário. O acusado continuaforagido.12

b) Clareza: a sentença se dirige não só aos profissionais do Direito, mas também às partes e à opinião pública, que, emrazão do princípio da publicidade das decisões judiciais (art. 93, IX, CF/1988; art. 11, CPC/2015), têm o direito de saber como oJudiciário está decidindo as questões que lhe são submetidas. Afinal, as decisões judiciais, a par da definição do direito para ocaso concreto, da composição da lide, têm um escopo educacional, pois podem formar na comunidade uma consciência jurídicapara o cumprimento dos deveres e exercício dos direitos. Inimigos da clareza são os períodos longos, a falta de sistematizaçãodas ideias, a utilização de palavras que já saíram do vocabulário ativo. A linguagem, na medida do possível, deve serjornalística, isto é, direta e precisa, não se exigindo “embargos auriculares”13 para a compreensão.

c) Concisão: a sentença deve conter o resumo do pedido, o resumo da resposta do réu, as principais ocorrências, osfundamentos e o dispositivo. E só. O juiz de primeiro grau não tem o ônus de, antecipadamente, tentar convencer os julgadoresde eventual recurso de que seu ponto de vista é o mais acertado. Esse papel cabe à parte a quem a sentença foi favorável, ouseja, ao recorrido. O pedido deve ser claro, conciso e objetivo. A resposta a ele, além da clareza, concisão e objetividade, deveser pronta e eficaz.

Sentença longa, todavia, não é sinônimo de prolixidade. O que se condena é a verborragia desnecessária, o registro doóbvio. A decisão deve responder fundamentalmente aos pleitos das partes, e às vezes, para tanto, deve ser extensa. Registre ediscorra sobre todos os aspectos relevantes da demanda. Em contrapartida, evite escrever uma palavra sequer se não fornecessária. Por exemplo, é desnecessário dizer que a ação de manutenção de posse é uma espécie de possessória. Lembre-se deque a citação de doutrina e jurisprudência é indispensável quando, e somente quando, a tese for complexa ou controvertida. Nasprovas, por não ser possível a consulta, limite-se a indicar o entendimento doutrinário e a interpretação da jurisprudência, casotenha certeza do posicionamento.

Quanto à jurisprudência, deve-se distinguir aquela que serve para reforço de argumentação (aqui incluídas as súmulas deorientação) da jurisprudência sedimentada nos precedentes vinculantes (art. 927), que constituem normas jurídicas e servirão deparâmetro para valoração dos fatos jurígenos deduzidos pelas partes. A súmula vinculante, o RE e o REsp julgados segundo atécnica dos recursos repetitivos, o IAC e o IRDR constituem exemplos de precedentes obrigatórios.

d) Imparcialidade: o texto da sentença deve transmitir a imparcialidade do juiz. As partes e a população em geralpretendem que os juízes sejam serenos, que tenham isenção de ânimo para compor os conflitos resultantes da vida emsociedade. Seja parcimonioso na utilização de advérbios e adjetivos. Das classes de palavras, os substantivos e os verbos sãomais utilizados para que o juiz dê solução aos conflitos. Adjetivos e advérbios ficam bem em palanque de políticos, emdiscursos em que o único intuito é falar, falar e falar. O malsinado acordo, a reprovável conduta da mulher, a fúriaarrecadadora da Fazenda Pública e outras expressões do gênero só servem para demonstrar a falta de isenção do julgador. Juizoperoso, desembargador de escol, conduta ilibada são expressões que ficam muito bem em velório, no panegírico do morto.

e)Precisão: utilize palavras e expressões adequadas, que definam com precisão a ideia que se pretende transmitir, o fatoque se pretende narrar. Em vez de dizer que de acordo com o laudo pericial o veículo se arrastou por mais de 100 metros, é maispreciso informar o que disseram os peritos, isto é, 100,5 metros.

Ressalte-se que precisão não se confunde com tecnicismo, com linguagem hermética. Às vezes, é preciso ser técnico, semse esquecer de que as decisões judiciais dirigem-se aos jurisdicionados, que nem sempre têm domínio do “juridiquês”. Veja-se arespeito a reportagem também publicada na Folha de S.Paulo:

É preciso diferenciar os termos técnicos jurídicos da linguagem rebuscada. Enquanto aqueles têm umafunção, esta faz parte de um estilo que pode ser eliminado.

Segundo Tercio Sampaio Ferraz Júnior, professor titular da Faculdade de Direito da USP, o termotécnico, se tem a desvantagem de não ser compreendido por todos, tem a vantagem de fixar um sentidopreciso para a palavra.

“Todas as ciências e profissões têm seu jargão. No Direito, isso é mais complicado. Em princípio, alinguagem, pelo menos a da lei, deve ser clara e acessível”, afirma Ferraz Júnior, autor do livro Direito,retórica e comunicação.

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O professor considera “em certa medida desejáveis” iniciativas para eliminar ou diminuir o “juridiquês”,mas acha “muito difícil vencer o rebuscamento”.14

f) Organização: cada parágrafo deve conter apenas uma ideia. Parágrafos longos quase sempre denunciam confusãomental, falta de senso lógico, enfim, significam que o prolator da decisão deu muito trabalho à mãe. É que, da falta decoordenação mental, o confuso prolator da decisão nasceu com as pernas. Todavia, a cabeça deve ser usada em todas ascircunstâncias, até para nascer.

g) Correção: antes de entregar a sentença ao examinador ou à secretaria, deve o juiz atentar para os erros queeventualmente possam ter passado despercebidos – e não desapercebidos, que significa “desprovidos” (observe-se a distinçãodos significados dessas palavras, comumente empregadas erroneamente por serem parônimas). Fique atento à concordância, aouso do pronome apassivador “se” (o correto é: prolatam-se muitas sentenças), à regência verbal (visar é transitivo indireto nosentido de objetivar: a sentença visa à composição do litígio), à colocação de pronomes oblíquos (digo-lhe isto), entre outroscasos. Todos são aspectos que ensejam muitos equívocos e por isso devem ser revistos.

Deve-se acrescentar que não somente os candidatos interessados em ingressar na Magistratura, mas todos, principalmentequem trabalha com linguagem, devem ter cuidado para se expressar em conformidade com o padrão de linguagem correto (quenão é necessariamente o culto). É claro que, em conversa informal com amigos, a linguagem culta não é exigida. Soariapedante, em tal situação, por exemplo, o uso de mesóclise em observância às regras de colocação pronominal. Todavia, em setratando de linguagem culta, é necessária a observância escorreita das normas gramaticais – o que, conforme já salientado nestelivro, não se confunde com gongorismo –, ainda mais em se considerando que a sentença deve ser escrita, permitindo maisfacilmente identificar os erros quanto ao uso do vernáculo.

Sendo assim, esteja atento à grafia das palavras. Cuidado com as palavras homófonas (sonoridade igual e grafia parecida:cessão, sessão e seção, p. ex.); homógrafas (classificação importante na linguagem oral, e não na escrita, vez que a grafia daspalavras é igual, mas a sonoridade é diferente: p. ex., a palavra transtorno, que pode ser substantiva ou pode ser a forma doverbo transtornar na primeira pessoa do singular do presente do indicativo, deve ser pronunciada diferentemente nas hipótesesmencionadas); e parônimas (escrita e grafia parecidas: infringir e infligir, p. ex.). Para evitar erros, o dicionário deve ser o seuconfidente fiel. Não se acanhe de consultá-lo, de confessar-lhe as dúvidas quando já estiver em seu gabinete, porquanto emprovas só lhe será permitido a consulta da lei “seca”.

Por fim, procure estudar o uso dos sinais de pontuação, especialmente a vírgula, pois eles são importantes para tornar aleitura mais fácil e compreensível, e, eventualmente, até mesmo para evitar ambiguidades.

Os artigos citados nesta obra, sem a indicação da lei ou Código, referem-se ao Código de Processo Civil de 2015 (Lei nº13.105, de 16 de março de 2015, que entrou em vigor em 18 de março de 2016).Em sentido contrário, defendendo a nulidade relativa quando não houver prejuízo: NEVES, Daniel Amorim Assumpção.Manual de Direito processual civil, v. ún. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 760.TJMG, 2ª Câmara Cível, Apelação Cível nº 1.0313.10.021038-1/001, Rel. Des Raimundo Messias Junior, DJe 18.05.2015.BRAGA, Paula Sarno; DIDIER JR., Fredie; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito processual civil, v. 2.Salvador: Juspodivm, 2015, p. 313.No CPC/2015 não há mais referência à categoria “condições da ação”. A doutrina processual italiana já havia proposto oestudo em conjunto dessas condições e dos pressupostos processuais, notadamente porque ambos deveriam serconsiderados requisitos necessários para validar a relação processual em seu todo e para se chegar a uma decisão de mérito.Ademais, além de não se referir às “condições da ação”, a nova lei processual também não se refere à “possibilidadejurídica do pedido” como hipótese geradora da extinção do processo sem resolução do mérito. Assim, de acordo com anova sistemática, consagra-se o entendimento de que a possibilidade jurídica do pedido é causa para resolução do méritoda demanda, e não simplesmente de sua inadmissibilidade. Com relação às outras “condições”– que pelo CPC/2015 devemser tratadas como “pressupostos” –, o texto do novo art. 17 estabelece que “para postular em juízo é necessário interesse elegitimidade”. O art. 485, VI, por sua vez, prescreve que a ausência de qualquer dos dois requisitos, passíveis de seremconhecidos de ofício pelo magistrado, permite a extinção do processo, sem resolução do mérito. Como se pode perceber, oCódigo não utiliza mais o termo “condições da ação”, razão pela qual ele não deve ser utilizado em provas.Primeiras linhas de direito processual civil. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 1985, v. 3, p. 19.

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COUTURE, Eduardo J. Fundamentos del derecho procesal civil. 3. ed. Buenos Aires: Depalma, 1988, p. 87.PACHECO, Agnelo de Carvalho. A dissertação: teoria e prática. São Paulo: Atual, 1988, p. 1.BRAGA, Paula Sarno; DIDIER JR., Fredie; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito processual civil, v. 2.Salvador: Juspodivm, 2015, p. 313.ARENHART, Sérgio Cruz; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil comentado.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 495.SLAIBI FILHO, Nagib. Sentença cível: fundamentos e técnica. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 333-334.CHRISTOFOLETTI, Lilian; MACHADO, Uirá. Campanha ataca os abusos do juridiquês. Folha de São Paulo, São Paulo, 23jan. 2005. Brasil, p. A7.É a conversa informal com o juiz, fora dos autos. Tramitava na Câmara dos Deputados o PL 6732/2013, que pretendiadisciplinar a recepção de advogados por juízes em suas salas e gabinetes de trabalho. O projeto foi arquivado em razão dofim da legislatura de seu proponente (art. 105, Regimento Interno da Câmara dos Deputados).MACHADO, Uirá. Termo técnico não é estilo, diz professor. Folha de S. Paulo, São Paulo, 23 jan. 2005. Brasil, p. A7.

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Aspectos Jurídicos

CONSIDERAÇÕES INICIAISPara se ter uma boa redação, é indispensável dominar a técnica, conhecer o conteúdo e, principalmente, praticar.Na primeira parte deste trabalho, procuramos ministrar orientações sobre a técnica redacional. Seguindo-as, você terá

elementos para elaborar sentença que atenda ao duplo objetivo de compor a lide e demonstrar, com argumentos convincentes, ajustiça da decisão.

Agora, vamos discorrer sobre o conteúdo, sobre os requisitos mínimos de validade da sentença. De nada adiantariasentença bem redigida e que aprecia corretamente o direito aplicável se não se levassem em conta aspectos que lhe dãovalidade. Decisão que não aplica corretamente o direito material ao caso concreto é passível de reforma em grau de recurso; poroutro lado, sentença que não atende a certos requisitos de validade é passível de anulação. É que, além de conter o relatório, afundamentação e o dispositivo, a sentença deve estar em conformidade com o que foi pedido; não pode ser condicional; àsvezes deve levar em conta fato superveniente; tem de julgar, simultaneamente com o pedido formulado na petição inicial, opedido contraposto, a reconvenção, as questões prejudiciais e as eventuais intervenções de terceiros.

É claro que, afora os aspectos formais, o sentenciante, para compor o litígio de maneira eficaz, deve aplicar o direitomaterial que rege o caso sob julgamento e as normas que asseguram o devido processo legal. Vamos apresentar o arcabouço, olineamento jurídico da sentença. O enchimento, o direito material, você já o obteve nos bancos da faculdade, e poderácomplementar seus conhecimentos em manuais de Direito.

E a prática? Ah! A prática será objeto da terceira parte deste trabalho.

CONCEITO DE SENTENÇASentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do

procedimento comum, bem como extingue a execução.Trata-se de conceito diferente daquele abordado no CPC/1973, no qual sentença era o ato do juiz que implicava alguma das

situações previstas nos arts. 267 e 269 (dispositivos correspondentes aos arts. 485 e 487 do Novo CPC).Ao elaborar o novo conceito de sentença, o legislador procurou corrigir o equívoco da conceituação trazida pelo

CPC/1973, que tratava da sentença como sendo o ato do juiz que implicava extinção do processo com ou sem resolução domérito. É que, como na primeira hipótese (ato que resolve o mérito), a sentença não coloca fim ao processo, mas apenas à fasede conhecimento. O processo prossegue normalmente com a fase de liquidação e o cumprimento de sentença, para somenteentão ser encerrado. Existem ainda outras hipóteses de atos que, embora resolvam o mérito (ainda que parcialmente), não põemfim ao processo (exemplos: decisão que rejeita um dos pedidos cumulados; decisão que homologa reconhecimento daprocedência de um dos pedidos etc.).

Por tais razões é que o legislador abandonou a definição de sentença que levava em consideração apenas seu conteúdo,

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para elaborar um novo conceito que se adapta, concomitantemente, às consequências precípuas desse ato judicial: resolver ounão o mérito, colocando fim à fase cognitiva do procedimento comum (critério finalístico)1 ou extinguir a execução.

Temos pois, respectivamente, sentença terminativa, que põe fim à relação processual, mas não procede ao acertamento doDireito material discutido nos autos (art. 485); e sentença definitiva, que compõe a lide, dando resposta positiva ou negativa aopleito do autor, mas que apenas encerra a fase de conhecimento (art. 487).

A rigor, o que põe fim ao processo não é a sentença, mas sim a coisa julgada, material ou simplesmente formal, quedecorre da sentença ou do acórdão proferido, conforme os arts. 485 e 487.

Na hipótese de interposição de recurso (apelação) da sentença, e em sendo esse conhecido, o julgamento proferido pelotribunal (acórdão) substituirá a sentença (art. 1.008). Assim, a eficácia da coisa julgada, que torna imutável a decisão judicial e,consequentemente, põe fim ao processo, pode defluir tanto da sentença quanto do acórdão.

O termo sentença é empregado no sentido de decisão final, proferida por juiz de primeiro grau, que compõe a lide ouapenas extingue o processo.

Recebe a denominação de acórdão o julgamento proferido pelos tribunais (CPC, art. 204), pouco importando o conteúdoda decisão (extintiva, terminativa ou interlocutória). A expressão acórdão vem do verbo acordar, isto é, a decisão, ainda que pormaioria, foi estabelecida por comum acordo. Por isso, o acórdão, em regra, tem a seguinte redação: “Acorda, em Turma, aQuarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais...”

CLASSIFICAÇÃO E EFEITOS DAS SENTENÇASA classificação das sentenças não tem cunho somente didático ou especulativo. A redação do dispositivo guarda

consonância com a natureza da sentença em que foi dado o comando judicial. Na sentença condenatória, o comando é expressoda seguinte forma: “julgo procedente o pedido, com resolução do mérito, para condenar...”; na declaratória e constitutiva, oscomandos são expressos diferentemente. Essa a razão do estudo da classificação das sentenças neste sucinto trabalho.

A classificação das sentenças depende da perspectiva enfocada. Segundo Humberto Theodoro, “a classificação realmenteimportante das sentenças (considerando tanto a decisão do juiz singular como o acórdão dos tribunais) é a que leva em conta anatureza do bem jurídico visado pelo julgamento, ou seja, a espécie de tutela jurisdicional concedida à parte”.2 Assim, assentenças podem ser: condenatórias, declaratórias e constitutivas.3

Na verdade, todas as sentenças são, a um só tempo, condenatórias, declaratórias e constitutivas. Em toda sentença há pelomenos a condenação em custas e honorários; mesmo na ação condenatória, de reparação de danos, por exemplo, há a declaraçãorelativa à violação do direito e à constituição de uma obrigação. Sob esse prisma, as sentenças são predominantementecondenatórias, declaratórias ou constitutivas.

Sentença condenatória é aquela que, além de promover o acertamento do direito, declarando-o, impõe ao vencido umaprestação passível de execução. A condenação consiste em uma obrigação de dar, de fazer ou não fazer ou pagamento dequantia certa. Ex.: na ação de reparação de danos, o juiz declara a culpa do réu e condena-o a indenizar (obrigação de pagarquantia). O comando judicial expresso no dispositivo costuma vir na seguinte forma: “Julgo procedente o pedido, comresolução do mérito, para condenar...” Sua execução se dá por meio do pedido de cumprimento de sentença, entendido essecomo uma continuação do processo de conhecimento, não havendo mais, nesse passo, processo de execução autônomopropriamente dito.

Os efeitos da sentença condenatória são, em regra, ex tunc, isto é, retroagem para alcançar situações pretéritas. Ex.: nacondenação em danos materiais ou morais, decorrente de responsabilidade extracontratual, os juros moratórios fixados nasentença são devidos a partir do evento danoso (art. 398 do CC/2002 e Súmula 54 do STJ); na desapropriação, os juroscompensatórios são decididos desde a imissão na posse.

A sentença declaratória tem por objeto simplesmente a declaração da existência, da inexistência ou modo de ser de umarelação jurídica, ou da autenticidade ou falsidade de documento (art. 19). Nesse caso o autor não postula outra providênciaconsequencial, mas apenas o reconhecimento de um fato já existente no mundo jurídico. Não se pretende dar, tirar, proibir,vedar, extinguir ou modificar coisa alguma. Em outras palavras, essa natureza de tutela jurisdicional, de per si, não impõeprestações e, por isso, não afeta a esfera jurídica de outra pessoa. Essa a razão por que não há prazo para seu exercício, não sepodendo falar em prescrição ou decadência.

Independentemente da natureza da ação, qualquer sentença que julga improcedente o pedido é denominada “declaratórianegativa”, já que nesse caso a sentença tão somente declara a inexistência do direito pleiteado.

A sentença meramente declaratória, à evidência, não comporta execução. Há, porém, uma exceção. Se a sentença

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declaratória, mesmo com esse “rótulo”, reconhecer um dever de prestar, ela será passível de execução. Nesse sentido:

A sentença, qualquer que seja sua natureza, de procedência ou improcedência do pedido, constitui título executivo judicial,desde que estabeleça obrigação de pagar quantia, de fazer, não fazer ou entregar coisa, admitida sua prévialiquidação e execução nos próprios autos (tese fixada em Recurso Repetitivo, STJ, REsp 1.324.152/SP, julgado em04/05/2016).

Um julgado de relatoria do então Min. Teori Zavascki (REsp 588.202/PR) é extremamente didático e nos ajuda acompreender a questão.

Imagine-se sentença que, em ação declaratória, defina, com força de coisa julgada, que a entrega de certa quantia de Pedropara Paulo foi a título de mútuo, e não de doação, e que o prazo para devolvê-la deve ocorrer (ou já ocorreu) emdeterminada data; ou que a ocupação do imóvel de Joana por Maria não é a título de comodato, mas de locação, e que ovalor mensal do aluguel é de R$ 300,00, pagáveis no dia 30 de cada mês. Há, em tal sentença, como se percebe, definiçãode norma jurídica individualizada, contendo obrigação de pagar quantia certa. Se a definição dessa mesma norma estivesserepresentada em documento particular assinado pelas partes e por duas testemunhas, ela constituiria título executivo [...].Ora, nos exemplos dados, a norma individualizada e a relação jurídica correspondente têm grau de certeza muito maiselevado: elas foram definidas em processo de que participaram não apenas as partes, mas também os seus advogados, e,sobretudo, o próprio Estado-juiz, dando ao ato certeza oficial. Nessas circunstâncias, negar força de título executivo a estaespécie de sentença seria atentar contra o sistema processual, sua lógica e os valores nele consagrados. Não pareceprocedente, portanto, a afirmação de que as sentenças declaratórias jamais podem servir de base à execuçãoforçada.

Os efeitos da declaração retroagem à época em que se formou a relação jurídica (ex tunc). Ex.: a declaração da existênciade um crédito retroage à data de sua constituição; na ação de usucapião, a sentença declara que a aquisição da propriedadeocorreu após o advento do lapso temporal exigido pela lei.

Na sentença constitutiva, além da declaração do direito, há a constituição de novo estado jurídico, ou a criação oumodificação de uma relação jurídica. Ex.: separação e divórcio; anulação de ato jurídico; rescisão de contrato e anulação decasamento.

No dispositivo, geralmente, o juiz utiliza a expressão “julgo procedente o pedido, com resolução do mérito, paradecretar...”.

A sentença por si só é bastante para alterar a realidade jurídica objeto da decisão. Assim, não necessita a sentençaconstitutiva de execução. Eventuais registros ou averbações visam apenas a dar publicidade ao novo estado e decorrem deexigências legais.

Em regra, as sentenças constitutivas têm efeito ex nunc (para o futuro). Ex.: é a partir da sentença que decreta o divórcioque se tem por dissolvido o casamento. Exceção: sentença que anula ato jurídico tem efeito ex tunc (art. 182 do CC).4

Às três espécies de sentença parte da doutrina acrescenta duas outras: sentença executiva lato sensu e sentençamandamental.

Nas sentenças executivas lato sensu, o preceito determina o que deve ser cumprido. É o caso da sentença que determina odespejo, a reintegração de posse, a imissão de posse, bem como das sentenças proferidas em ações que tenham por objetoobrigação de fazer, não fazer, ou entrega de coisa (arts. 497 e 498).

Sentença mandamental é aquela que, além da declaração, contém uma ordem. Ex.: reintegração de funcionário público noseu cargo por meio de mandado de segurança, ordem para expedição de certidão, entre outros.

CONFORMAÇÃO DA SENTENÇA AO PEDIDOA sentença, por constituir resposta às questões deduzidas no processo, deve estar em conformidade com o que foi pedido.

O pedido deve ser certo e determinado (arts. 322 e 324). O pedido certo se refere à providência jurisdicional (declaratória,condenatória ou constitutiva). Em sendo certo o pedido – e sempre o será –, não poderá a sentença ser condicional. Já porpedido determinado entende-se aquele expresso em sua qualidade e quantidade. Ex.: o autor requer a condenação do réu (pedidocerto) a entregar seis vacas holandesas (pedido determinado).

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ATENÇÃO

Compreendem-se no pedido principal os juros legais, a correção monetária e as verbas desucumbência, ainda que não tenham sido expressamente requeridos pela parte (pedidosimplícitos).5 Do mesmo modo, se a ação tiver por objeto o cumprimento de prestações sucessivas,estas serão incluídas no pedido independentemente de requerimento do autor (art. 323). É o queocorre, por exemplo, nas ações de alimentos, cujas prestações podem se vencer no decorrer daação e, nessa hipótese, não precisarão ser pleiteadas pelo autor para que sejam incluídas emeventual condenação. Em outras palavras, enquanto durar a obrigação elas estarão incluídas nasentença condenatória.Por tais razões, se você estiver diante de uma prova de sentença, e no relatório fornecido pelabanca examinadora não constar a informação de que as partes pleitearam qualquer dos pedidossupra, ainda assim você deverá analisá-los.

Excepcionalmente, a lei admite a formulação de pedido (mediato) genérico (art. 324, § 1º) nas seguintes hipóteses: (i) nasações universais, se não puder o autor individuar os bens demandados; (ii) quando não for possível determinar, desde logo, asconsequências do ato ou do fato. É o que ocorre quando se formula pedido de perdas e danos sem determinar o valor do pedido.Sabe-se o an debeatur (o que é devido), mas não o quantum debeatur (o quanto é devido). Nesses casos, o autor pleiteia areparação, mas a extensão dos danos somente se verifica no decorrer da instrução processual ou na fase de liquidação desentença; (iii) quando a determinação do valor da condenação depender de ato que deva ser praticado pelo réu. É o que ocorrenas obrigações de fazer, quando o autor opta pela indenização em razão do descumprimento da avença. Nesse caso, a obrigaçãose converte em perdas e danos por ter natureza infungível e não ser possível o seu cumprimento de outro modo.

SENTENÇA LÍQUIDANas hipóteses em que o autor propõe ação para pleitear o cumprimento de obrigação de pagar quantia, esta normalmente

já está discriminada na petição inicial, restando ao juiz fixar o montante de juros e os índices de correção, se for o caso.Entretanto, tratando-se de ação relativa à obrigação de pagar quantia na qual o autor formula pedido genérico (art. 324), aindaassim é possível que o juiz, desde logo, condene o réu ao cumprimento da obrigação. Nesse caso, a sentença deve fixar aextensão do dano, o índice de correção monetária, a taxa de juros, o termo inicial e a periodicidade das prestações, se for o caso(art. 491). O cumprimento da sentença far-se-á independentemente de liquidação, bastando a apresentação do cálculo pelocredor.

Se não for possível determinar de modo definitivo o montante devido6 ou se este depender da produção de prova demoradae excessivamente dispendiosa (art. 491, I e II), o juiz deverá reconhecer a existência da obrigação e determinar a liquidação dasentença na forma do art. 509, I ou II, do CPC.

ATENÇÃO

Conforme entendimento da doutrina, “o Novo Código busca tornar residual ao máximo anecessidade de liquidação visando à promoção da tempestividade da tutela jurisdicional (art. 5º,LXXVIII, CF/1988; art. 4º, Novo CPC)”.7 Por essa razão, sempre que for possível fixar o quantumdebeatur (valor a ser pago pelo vencido), deve o juiz fazê-lo, mesmo que o autor tenha formuladopedido genérico.

SENTENÇA CITRA PETITA, ULTRA PETITA E EXTRA PETITA

O juiz decidirá o mérito nos limites propostos pelas partes, sendo-lhe vedado conhecer de questões não suscitadas, a cujorespeito a lei exige a iniciativa da parte (art. 141).É vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou emobjeto diverso do que lhe foi demandado (art. 492).

7.

Os limites da sentença – ou de qualquer outra decisão de natureza jurisdicional – são definidos pelas questões deduzidas noprocesso. Por questões entende-se o pedido, com a respectiva fundamentação (que pode ser formulado na petição inicial, nareconvenção e até na contestação, nos casos de ação dúplice e naqueles em que a lei autoriza a dedução de pedido contraposto);também as defesas, de mérito ou processuais, constituem balizas para a decisão do juiz.

Esses limites compõem o que a doutrina denomina princípio da adstrição, princípio da congruência ou da conformidade,que é desdobramento do princípio do dispositivo (art. 2º). O afastamento desse limite caracteriza as sentenças citra, ultra e extrapetita, o que constitui vícios e, portanto, acarreta a nulidade do ato decisório.

Sentença citra petita é aquela que não examina, em toda a sua amplitude, o pedido formulado na inicial (com afundamentação) ou a defesa do réu (fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor e pressupostos processuais).Ex.: (a) o autor pediu indenização por danos emergentes e lucros cessantes. O juiz julgou procedente o pedido com relação aosdanos emergentes, mas não fez qualquer referência aos lucros cessantes; (b) por meio de mandado de segurança, o funcionáriopleiteou a nulidade do ato punitivo sob a alegação de que não cometeu a falta disciplinar e de que não lhe foi dada oportunidadede defesa. O juiz denegou a segurança ao fundamento de que a análise da falta disciplinar envolve matéria fática insuscetível dediscussão no âmbito da segurança, e não apreciou o segundo fundamento; (c) na ação reivindicatória, o réu se defende, arguindoprescrição aquisitiva. O juiz aprecia os fundamentos do pedido, mas se esquece da usucapião.

Saliente-se que não constitui decisão citra petita o fato de o juiz julgar parcialmente procedente o pedido. Voltando aoexemplo anterior: ocorre julgamento citra petita se o juiz não cogitar dos lucros cessantes, hipótese em que a decisão é passívelde anulação; ao contrário, se o juiz procede à análise dos lucros cessantes e chega à conclusão de que não há prova para acondenação em tal verba, a sentença é válida.

Na sentença ultra petita, o defeito é caracterizado pelo fato de o juiz ir além do pedido do autor, concedendo mais do quefora pedido, embora com base no mesmo fundamento. Ex.: se o autor pediu indenização apenas por danos emergentes, não podeo juiz condenar o réu também em lucros cessantes.

A sentença ultra petita, em vez de ser anulada pelo tribunal, deve por este ser reduzida aos limites do pedido.Não constitui decisão ultra petita a que concede correção monetária ou que condena ao pagamento dos juros legais, das

despesas e honorários de advogado ou das prestações vincendas (art. 322, § 1º). Em ação de rescisão de promessa de compra evenda, também não é extra petita a sentença que determina a restituição das prestações pagas (art. 12 do Decreto-lei nº58/1937). Trata-se de hipóteses de pedido implícito.

Finalmente, a sentença é extra petita quando a providência jurisdicional deferida é diversa da que foi postulada; quando ojuiz defere a prestação pedida com base em fundamento não invocado; quando o juiz acolhe defesa não arguida pelo réu, amenos que haja previsão legal para o conhecimento de ofício (CPC, art. 337, § 5o).

Note-se que, no julgamento ultra petita, o juiz foi além do pedido, ao passo que no julgamento extra petita a providênciadeferida é totalmente estranha não só ao pedido, mas também aos fundamentos. Ex.: o autor pede proteção possessória, e o juizdecide pelo domínio, reconhecendo-o na sentença.

ATENÇÃO

Especialmente as decisões ultra e extra petita violam o princípio do contraditório (art. 10), pois oréu, ao apresentar sua defesa em relação aos pedidos formulados pelo autor, não tem comoadivinhar que o juiz poderá decidir fora ou além do pedido. Esses vícios surpreendem o réu, quenão tem a oportunidade de exercer plenamente a sua defesa.

SENTENÇA CONDICIONAL“A decisão deve ser certa, ainda que resolva relação jurídica condicional” (art. 492, parágrafo único).O pedido formulado na inicial deve ser sempre certo (declaração, condenação ou constitutividade) e, de regra,

determinado. A sentença, a seu turno, deve expressar providência jurisdicional certa e incondicionada. Não se admite que oautor pleiteie um direito, condicionando-o à ocorrência de evento futuro e incerto (ex.: pedido de condenação do réu a pagardeterminada importância desde que seja instituído herdeiro no testamento de uma pessoa que sequer faleceu). Igualmente, édefeso ao juiz deferir direito, cuja existência depende de comprovação futura (ex.: condeno o réu a pagar lucros cessantes desdeque demonstrada a existência desses na liquidação da sentença).

Tal como o pedido, excepcionalmente a sentença não é determinada no que tange ao montante da condenação, relegando

8.

essa apuração para outra fase. Todavia, o bem jurídico objeto do provimento jurisdicional (a condenação, v. g.) deve ser certo.Para melhor compreensão, vejam-se algumas decisões sobre a hipótese:

“Nula é a sentença que julga a ação procedente, condicionada esta procedência ao preenchimento dedeterminados requisitos legais pelo autor.”8

“Não se admite sentença condicional. A prova do lucro cessante deve ser feita no processo deconhecimento, jamais na liquidação. Não demonstrada sua ocorrência, a sentença de mérito declararáimproce-dente a pretensão.” 9

“A decisão que condena em honorários, mas condiciona a sua exigibilidade à não conversão de medidaprovisória em lei, importa negativa de vigência à medida provisória. Decisão condicional é nula.”10

“1. A eficácia da decisão judicial não pode estar condicionada ao cumprimento desse ou daquelerequisito da parte, uma vez que cabe à sentença reconhecer ou não o direito que se pede. 2. O STJ firmouentendimento de que a sentença que sujeita a procedência ou improcedência do pedido a acontecimentofuturo e incerto é nula. In casu, a agravante não pode litigar pelo direito à complementação deaposentadoria, quando ainda nem sequer aposentou-se. [...]”11

O que o CPC veda é que o conteúdo da sentença esteja sujeito a evento futuro e incerto. Entretanto, nada impede que arelação jurídica apreciada na decisão seja condicionada. Nesse caso, “não há, por assim dizer, procedência do pedido, desde quese realize determinada condição. Pode haver pedido julgado procedente, com efeito declaratório da existência ou inexistência darelação jurídica, sujeita a condição”.12

A propósito, o art. 514 estabelece o requisito para a execução da sentença que decidiu relação jurídica sujeita a condição outermo:

Quando o juiz decidir relação jurídica sujeita a condição ou termo, o cumprimento da sentença dependerá da demonstraçãode que se realizou a condição ou de que ocorreu o termo (art. 514).

Condição é a cláusula que subordina o efeito do negócio jurídico, oneroso ou gratuito, a evento futuro e incerto (CC, art.121). Será suspensiva a condição se o direito decorrente do negócio for adquirido com a ocorrência do evento; será resolutiva, aseu turno, se o direito se extinguir com a verificação da condição.

Termo, por sua vez, é a cláusula que subordina os efeitos do ato negocial a um acontecimento futuro e certo.13

FATO SUPERVENIENTEA rigor, a sentença deve compor a lide tal como se apresenta do confronto da inicial com a contestação, isto é, deve

apreciar o pedido com sua fundamentação, bem como as questões suscitadas na defesa.A sentença deve, todavia, refletir o estado de fato da lide no momento da decisão, devendo o juiz levar em consideração

fato superveniente. Nesse sentido dispõe o art. 493:

Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento domérito, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a decisão.

Por fato superveniente entende-se a circunstância relevante para o julgamento que somente surgiu após a fase desaneamento ou de instrução (se houver), ou que, apesar de já existente, só foi apurada no curso do processo.

O fato superveniente que o juiz pode considerar na sentença é apenas aquele que não altera a causa de pedir. Isso porque,pela interpretação dos incisos I e II do art. 329, depois do saneamento não há possibilidade de o autor alterar ou aditar a causade pedir ou o pedido, mesmo havendo consentimento do réu.

Exemplo de fato superveniente a ser considerado na sentença: no momento da propositura da açãode usucapião, o lapso temporal necessário à aquisição da propriedade ainda não havia completado. Pode ojuiz, no momento da sentença, levar em conta a ocorrência da prescrição aquisitiva e julgar procedente opedido.

9.

9.1.

IIIIIIIVVVIVIIVIIIIXXXIXIIXIII

Outro exemplo: o autor não consegue demonstrar a culpa do réu; entretanto, após a fase probatória,advém sentença penal condenatória. Pode o juiz condenar o réu com base nesse fato superveniente, quepor si só torna certa a obrigação de indenizar.

Exemplo de situação em que não se pode considerar o fato superveniente: se a rescisão docontrato é pleiteada com fundamento na simulação de um dos contratantes, não pode o juiz levar em containadimplemento ocorrido no curso da demanda.

O conhecimento dos novos fatos alegados por uma das partes independe do consentimento da outra. Porém, em qualquercaso, sempre que um novo fato for trazido aos autos, deverá ser assegurado o exercício da ampla defesa e do contraditório àparte contrária (art. 493, parágrafo único).14

ATENÇÃO

A possibilidade de alegação de fato superveniente implica exceção ao princípio da concentraçãoda defesa (art. 342, I).

ASPECTOS ESPECIAIS DA FUNDAMENTAÇÃO

Questões preliminaresAo oferecer resposta o réu poderá alegar qualquer das defesas processuais indicadas no art. 337. São as chamadas

preliminares, que antecedem a defesa de mérito. Confira o rol:

Art. 337. Incumbe ao réu, antes de discutir o mérito, alegar:– inexistência ou nulidade da citação;– incompetência absoluta e relativa;– incorreção do valor da causa;– inépcia da petição inicial;– perempção;– litispendência;– coisa julgada;– conexão;

– incapacidade da parte, defeito de representação ou falta de autorização;– convenção de arbitragem;– ausência de legitimidade ou de interesse processual;– falta de caução ou de outra prestação que a lei exige como preliminar;– indevida concessão do benefício de gratuidade de justiça.

A inexistência ou nulidade de citação, a incompetência absoluta e relativa, a incorreção do valor da causa, a conexão, afalta de caução ou de outra prestação que a lei exigir como preliminar e a indevida concessão do benefício da gratuidadejudiciária (art. 337, I, II, III, VIII, XI e XII) são matérias que, quando alegadas pelo réu, apenas paralisam temporariamente odesfecho do processo. São chamadas defesas dilatórias, porquanto não atingem a relação processual, apenas prorrogam seutérmino.

Por outro lado, quando se reconhecem a perempção, a litispendência, a coisa julgada e a ausência de legitimidade ou deinteresse processual (art. 337, V, VI, VII) extingue-se imediatamente a relação processual. Por isso tais defesas são chamadasperemptórias.

Com relação à inépcia (art. 337, IV), entendemos que, ainda que o juiz não tenha percebido qualquer irregularidade napetição inicial, mas o réu tenha alegado a presença de um dos motivos previstos nos incisos do art. 330, § 1º, será possível acorreção por meio de aditamento. Para tanto, deve o juiz aplicar a regra do art. 329, II.

Se não for possível suprir as irregularidades, o reconhecimento da inépcia da petição inicial, quando alegada pelo autor em

9.2.

a)

b)

c)

sua contestação, terá natureza peremptória, dando ensejo à extinção da relação processual.Sobre a incapacidade da parte, defeito de representação ou falta de autorização (art. 337, IX), se não for possível o

saneamento do vício, conforme possibilita o art. 76, a relação processual também restará prejudicada.Todas as matérias elencadas no art. 337 podem ser conhecidas de ofício pelo juiz, excetuando-se a incompetência

relativa e a existência de convenção de arbitragem, que necessariamente devem ser alegadas pela parte (art. 337, § 5º), sobpena de preclusão.

ATENÇÃO

As duas importantes novidades nesse rol de preliminares são: a incorreção do valor da causa e aindevida concessão do benefício da justiça gratuita.O réu pode impugnar o valor da causa atribuído pelo autor na própria contestação – em preliminar–, e não mais por meio de petição avulsa, como ocorria na sistemática do CPC/1973. Nãoapresentada a impugnação no bojo da contestação, opera-se a preclusão.Do mesmo modo, sendo concedido o benefício da gratuidade judiciária, a parte contrária deveráimpugná-la na própria contestação (ou na réplica, se o requerimento tiver sido feito pelo réu) e nãomais em peça autônoma, estando revogado o art. 4º, § 2º, da Lei 1.060/1950 (art. 1.072, III,CPC/2015).Para essas duas matérias – assim como para as demais preliminares –, é importante criar umtópico dentro da fundamentação. A análise deve ser feita individualmente (se mais de umapreliminar for arguida).Nas provas de concursos é bastante improvável a possibilidade de extinção do processo porcompleto, sem resolução do mérito, em razão do acolhimento de preliminares. Isso não quer dizerque toda e qualquer preliminar deve ser rejeitada. Há situações em que a existência de váriospedidos permite o acolhimento de uma ou de outra preliminar sem que isso acarrete extinção.No final da análise das preliminares é bom lembrar ao examinador que em seguida você entrará nomérito. Exemplo: “Rejeitadas as preliminares, passo a analisar o mérito.”

Questões prejudiciaisEntende-se como prejudicial a questão “relativa à outra relação ou estado que se apresenta como mero antecedente lógico

da relação contro-vertida (à qual não diz diretamente respeito, mas sobre a qual vai influir), mas que poderia, por si só, ser objetode um processo separado”.15 Ex.: a declaração da existência do vínculo de filiação (biológica ou socioafetiva) naação de alimentos é uma premissa lógica, antecedente necessário e condicionante do julgamento do mérito daação.

O CPC/1973 dispunha que a questão prejudicial alegada no processo não se inseria nos limites objetivos da coisa julgadaquando não apresentado pedido específico sobre a questão (arts. 469, III, e 325). As questões prejudiciais só passariam emjulgado depois de pedido específico da parte e, consequentemente, de decisão jurisdicional a respeito.16

O Novo CPC estabelece regime diferenciado para as questões prejudiciais. A peculiaridade da nova legislação reside nofato de que o objeto da demanda poderá ser ampliado sem a necessidade de propositura de ação declaratória incidental.Para tanto, será necessário observar alguns requisitos (art. 503, § 1º):

A questão prejudicial deve ser decidida expressa e incidentalmente no processo (caput do § 1º). Assim, se nãohouver manifestação judicial expressa na fundamentação da sentença, a questão prejudicial não estará acobertada pelacoisa julgada. Contudo, se houver decisão expressa, mas inexistir impugnação da parte contrária, haverá preclusão daquestão prejudicial incidental;A solução da questão prejudicial deverá contribuir para a decisão de mérito postulada inicialmente (inciso I).“Assim, a questão resolvida como obter dictum ou a que tenha conteúdo processual não se tornam indiscutíveis pelaextensão da coisa julgada;”17

Há necessidade de contraditório sobre a questão prejudicial, como garantia constitucional que permite a própria

d)

9.3.

existência do processo (inciso II). O contraditório aqui é diferente (“mais forte”) daquele inerente às questõesprincipais. Não há como a coisa julgada se estender à questão prejudicial quando, por exemplo, ocorrer revelia do réu,exatamente porque, nesse caso, não houve contraditório efetivo. Ao réu foi oportunizada a manifestação, mas ele nãose manifestou. Há coisa julgada em relação à questão principal, mas não pode haver coisa julgada em relação àsquestões prejudiciais, tendo em vista a excepcionalidade da sistemática trazida pela nova legislação;O julgador deverá ser competente em razão da matéria e da pessoa para julgar a questão prejudicial comoquestão principal (inciso III). Veja-se o exemplo da ação indenizatória postulada perante o empregado, cujo atoilícito tenha ocorrido em razão da atividade laborativa; a controvérsia acerca da existência da relação de trabalho nãopoderá ser julgada pelo juiz da Justiça comum, devendo-se suspender o processo com fulcro no art. 313, V, a.

Também se faz necessária a inexistência de restrições probatórias – a exemplo do mandado de segurança – ou delimitações à cognição ampla dessa questão por parte do julgador (art. 503, § 2º), como no procedimento de desapropriação.18

Tais requisitos, à luz do entendimento firmado no Enunciado 313 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC), sãocumulativos.

ATENÇÃO

Observadas essas premissas, terá o juiz de apreciar a questão. Isso deve ser feito nafundamentação, bem como expressamente no dispositivo da sentença, pois só assim incidirão osefeitos da coisa julgada.

Importa registrar que, diferentemente do que ocorria no CPC/1973, a resolução da questão prejudicial nos moldes da novasistematização independe de requerimento expresso da parte interessada, eis que decorre da própria lei. Nesse sentido,estabelece o Enunciado 165 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “Independentemente de provocação, a análise dequestão prejudicial incidental, desde que preencha os pressupostos dos parágrafos do art. 503, está sujeita à coisa julgada.”

Fredie Didier et al esclarecem que no CPC/2015 a coisa julgada:

[...] é efeito decorrente automático da lei: não depende de um “dizer” do órgão julgador (“faça-se coisa julgada”) ou depedido da parte (“pede-se que essa decisão se torne indiscutível pela coisa julgada”). Assim, em ação de alimentos, a coisajulgada poderá estender-se à solução da prejudicial incidental de filiação; em ação de cobrança de contrato, a coisa julgadapoderá estender-se à solução da prejudicial incidental de existência ou validade do contrato [...].19

Destaque-se que o que o CPC/2015 não mais prevê a ação declaratória incidental. Não há, portanto, qualquer impedimentoao ajuizamento da ação declaratória autônoma, que continua expressamente prevista nos arts. 19 e 20 do CPC/2015.

ATENÇÃO

Os requisitos apresentados no § 1º do art. 503 para inserção da questão prejudicial nos limites dacoisa julgada só se aplicam aos processos iniciados após a vigência do Novo CPC (art. 1.054). Nosprocessos já em curso, a questão prejudicial é regulada pelos arts. 5º, 325 e 470 do CPC/1973.

Julgamento antecipado do méritoO julgamento antecipado do mérito sucede em duas hipóteses: quando não houver necessidade de produção de outras

provas ou quando ocorrer o efeito material da revelia e o réu não tiver comparecido em tempo oportuno para produzir provas(art. 355, I e II).

Na primeira hipótese (art. 355, I), pode ser que antes da prolação da sentença haja necessidade das providênciaspreliminares, dependendo do que foi alegado pelo réu (por exemplo, se o réu arguiu fato impeditivo, modificativo ou extintivoou as matérias elencadas no art. 337, as providências preliminares são indispensáveis). O que caracteriza a sentença que põe fimao processo com base no art. 355, I, é o fato de a prestação jurisdicional ser entregue sem a realização da fase instrutória.

Ressalte-se que a verificação acerca da necessidade de produção ou não de outras provas recai exclusivamente sobre o juiz,

9.4.

que tem poder instrutório para determinar a realização de provas mesmo quando não requeridas pelas partes. É claro que essepoder deve ser utilizado com cautela, somente nas hipóteses em que as provas constantes dos autos não forem suficientes aoconvencimento do julgador.20

Na segunda hipótese (art. 355, II), o que determina o julgamento antecipado é a ocorrência do efeito material da revelia.Em geral, deixando de contestar a ação, incide o réu nos efeitos da revelia, ou seja, os fatos alegados pelo autor são reputadosverdadeiros, circunstância que autoriza o julgamento antecipado. É preciso, no entanto, fazer uma ressalva: se, mesmo revel, oréu comparecer ao processo a tempo de requerer a produção de provas, contrapostas às alegações do autor, o juiz não julgará omérito antecipadamente. Isso ocorre porque as partes têm assegurada a garantia constitucional à produção probatória (art. 5º,LVI, da CF). A sentença proferida no julgamento antecipado da lide põe fim ao processo, acolhendo ou rejeitando, no todo ouem parte, o pedido formulado pelo autor. Trata-se, portanto, de sentença de mérito ou definitiva, contra a qual caberá recurso deapelação.

ATENÇÃO

Nas provas de concurso o candidato deve observar o seguinte: se no relatório constar a expressão“devidamente intimadas, as partes não requerem outras provas” ou algo que o valha, deve seranunciado o julgamento antecipado do mérito. Tal providência é adotada antes da análise daspreliminares, logo no início da fundamentação. Veja o exemplo:

“É o relatório. Fundamento e decido.II – FUNDAMENTAÇÃOCabível o julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 355, I, por não ser necessária aprodução de outras provas [...].”

Em caso de revelia, o fundamento é o inciso II do art. 355. Nessa hipótese é importante ressaltarque o julgamento antecipado não indica procedência da demanda. Isso porque “a presunção deveracidade dos fatos alegados pelo autor pode ceder a outras circunstâncias constantes dosautos, em observância ao princípio do livre convencimento do juiz” (STJ, REsp 792.435/RJ, Rel.Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 06/09/2007).Assim, “o simples fato da revelia não pode tornar verossímil o absurdo: se não houver o mínimode verossimilhança na postulação do autor, não será a revelia que lhe conferirá a plausibilidadeque não possui. Se a postulação do autor não vier acompanhada do mínimo de prova que a lastreienão se poderá dispensar o autor de provar o que alega pelo simples fato da revelia [...]”.21

Esse entendimento restou consagrado no art. 345, IV, do Novo CPC: “A revelia não produz o efeitomencionado no art. 344 se: [...] IV – as alegações de fato formuladas pelo autor foreminverossímeis ou estiverem em contradição com a prova constante dos autos.”

Destaque-se também que para o julgamento antecipado do mérito não se exige que a matéria seja exclusivamente dedireito. Assim, “o julgamento antecipado do mérito será cabível sempre que se mostrar desnecessária a instrução probatóriaapós a apresentação de contestação pelo réu. Seja porque só há questões de direito, seja porque as questões de fato independemde prova, quer porque as provas pré-constituídas (geralmente documentos) que instruíram a petição inicial e a contestação sãosuficientes para a formação do convencimento do juiz”.22

Julgamento antecipado parcial do méritoAssim como pode se dar a extinção parcial do processo, poderá o juiz julgar antecipadamente o mérito de forma não

integral. Isso pode ocorrer em duas hipóteses: quando houver vários pedidos cumulados e um ou parte deles se mostrarincontroverso; ou quando o(s) pedido(s) estiver(em) maduro(s) o suficiente para apreciação judicial (art. 356, I e II).

A incontrovérsia consiste na ausência do confronto de afirmações em torno de um fato alegado pelo autor, seja porque oréu não se desincumbiu do ônus da defesa especificada, seja pelo fato de ter reconhecido a procedência do pedido com suarespectiva fundamentação, ou mesmo em decorrência de eventual transação acerca de determinado pedido, ainda queanteriormente tenha sido impugnado pelo réu.

9.5.

Quando a demanda contiver pedidos cumulados e um ou parte deles se mostrar incontroverso, pode o juiz decidir parcelada lide, prosseguindo o processo quanto ao remanescente. Nesse caso, a decisão tem feição de sentença, porém, como não põefim ao processo ou a alguma de suas fases (art. 203, § 1º), será impugnável por agravo de instrumento (art. 356, § 5º).

ATENÇÃO

Em ação de divórcio cumulada com pedido de alimentos e partilha de bens, por exemplo, se opedido de divórcio se mostrar incontroverso, é possível o julgamento antecipado parcial do mérito,devendo a demanda seguir para o debate das demais questões. Nesse sentido o Enunciado nº 18do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM): “Nas ações de divórcio e de dissolução daunião estável, a regra deve ser o julgamento parcial do mérito (art. 356 do Novo CPC), para queseja decretado o fim da conjugalidade, seguindo a demanda com a discussão de outros temas.”Atente-se para essa nova sistemática, pois ela poderá ser cobrada nas provas de concursospúblicos.

Em outras palavras, é como se no processo existissem duas “sentenças”23, a primeira referente à parte incontroversa,impugnável por agravo de instrumento, e a segunda referente ao mérito como um todo, que seguirá a regra da impugnação pormeio de apelação. Vale ressaltar que mesmo existindo duas (ou até mais) “sentenças”, a decisão que julga antecipada eparcialmente o mérito não dependerá de ulterior confirmação: ela já é definitiva e resulta em coisa julgada material.

Na segunda hipótese (art. 356, II), se os pedidos estiverem em condições de julgamento, ou seja, se não houvernecessidade de produção de provas ou se o réu deixar de contestar algum dos pedidos e incorrer na revelia quanto a um deles,também será possível o julgamento antecipado parcial do mérito. Nesse caso, a decisão não pode concluir pela improcedênciade um dos pedidos por suposta ausência de provas, já que o fundamento para a decisão parcial é justamente a desnecessidade deinstrução para determinados pedidos. Nesse sentido: STJ, AgRg no AREsp 47.339, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho,julgado em 16.04.2013.

A decisão que julgar parcialmente o mérito pode reconhecer a existência de obrigação líquida ou ilíquida (art. 356, § 1º).Se houver liquidez, a decisão poderá ser, desde logo, executada, ainda que esteja pendente de recurso. O cumprimentodefinitivo depende, por óbvio, do trânsito em julgado da decisão proferida nos termos do dispositivo em comento. Ocumprimento provisório, por outro lado, poderá ser realizado independentemente do trânsito em julgado.

Improcedência liminar do pedidoCom o advento da Lei nº 11.277/2006, que acrescentou o art. 285-A ao CPC de 1973, o sistema processual permitiu que as

matérias de direito, repetitivas em determinados juízos ou tribunais, fossem julgadas improcedentes sem a prévia citação do réu.O comando era o seguinte: “Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferidasentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada.”

O dispositivo visou dar efetividade à garantia fundamental à “razoável duração do processo e os meios que garantam aceleridade de sua tramitação” (art. 5º, LXXVIII, CF/1988). No entanto, em que pese a importância de seu objetivo, o art. 285-Ado CPC de 1973 era demasiadamente amplo, porquanto não possuía limitação de matéria nem condicionava a decisão aoentendimento predominante nos tribunais superiores (STJ e STF).

No CPC/2015 verifica-se a ampliação das possibilidades de improcedência liminar, e, ao que nos parece, umdirecionamento da posição dos julgadores aos entendimentos consolidados nos tribunais superiores. Assim, será possível julgarliminarmente improcedente o pedido quando:

O pedido for contrário à súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça ou contraacórdão proferido por estes tribunais em julgamento de recursos repetitivos (art. 332, I e II)

Sem dúvida alguma, um dos grandes objetivos do novo CPC é alinhar a jurisprudência nacional e garantir tratamentoisonômico para situações jurídicas idênticas. A função jurisdicional não pode ser equiparada a um jogo de loteria, a ponto decondicionar o sucesso (ou insucesso) de uma demanda à distribuição do processo para este ou aquele órgão julgador. Isso não

quer dizer que as interpretações não possam ser revistas ou alteradas. O que não se concebe é um Poder Judiciário que nãogaranta a mínima previsibilidade e estabilidade das decisões e das relações sociais.

Partindo dessa premissa, os incisos I e II do art. 332 possibilitam que o magistrado, nas causas que dispensem a faseinstrutória, julgue improcedente pedido do autor que contrarie súmula ou acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal oupelo Superior Tribunal de Justiça. Nesse último caso, o acórdão deve ter sido proferido na forma do art. 1.036 do Novo CPC.

O julgamento liminar de improcedência fundamentado nesses dispositivos objetiva reduzir o percentual de recursosespeciais e extraordinários para discussão de questões já pacificadas, que poderiam ter sido definitivamente decididas eminstâncias ordinárias.

Vale ressaltar que a orientação consolidada do STF ou do STJ deve ser aplicada com cautela, somente quando não houvernenhuma prova a ser produzida além daquela já constante dos autos. Também nos casos em que houver divergência entre ajurisprudência do STJ e do STF – o que não é incomum acontecer –, deve o magistrado dar prosseguimento ao feito até que seuniformizem os entendimentos, sem prejuízo do julgamento do pedido conforme seu livre convencimento caso o conflito nãoseja solucionado a tempo.

ATENÇÃO

O juiz não está autorizado a julgar liminarmente procedente o pedido, mesmo que este esteja deacordo com a jurisprudência dos tribunais superiores. É que os incisos do art. 332 abarcamapenas hipóteses de julgamento liminar de improcedência, não sendo permitida sua aplicação parajulgamento em sentido contrário.

O pedido for contrário a entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunçãode competência (art. 332, III)

O incidente de resolução de demandas repetitivas está previsto nos arts. 976 a 987 do Novo CPC. Em breve síntese, ele éum instrumento que tem por finalidade criar uma decisão paradigma, cuja tese jurídica deverá ser aplicada em todos osprocessos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito. Tal incidente vinculará todos os processosque versarem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do tribunal para o qual ele foi suscitado. Poressa razão, os pedidos que contrariarem a tese jurídica adotada poderão ser julgados liminarmente improcedentes.

Também será possível aplicar esse inciso quando o pedido contrariar decisão proferida em incidente de assunção decompetência, e nessa hipótese não haverá necessidade de repetição de diversos processos para se criar uma decisão paradigma.A assunção de competência (art. 947), antes prevista no art. 555, § 1º, do CPC de 1973, permite que o relator submeta ojulgamento de determinada causa ao órgão colegiado de maior abrangência dentro do tribunal, conforme dispuser o regimentointerno. A causa deve envolver relevante questão de direito, com grande repercussão social, de forma a justificar a apreciaçãopela câmara ou turma do tribunal que estiver julgando a causa originariamente, em sede recursal ou em virtude de remessanecessária.

O pedido for contrário a enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local (art. 332, IV)

Quando o pedido se fundar em normas presentes na legislação local, o magistrado poderá analisá-lo de acordo com oentendimento do tribunal a que se encontra vinculado. Assim, se o pedido contrariar entendimento sumulado do respectivotribunal, o juiz poderá extinguir o feito, com resolução do mérito, com fundamento da improcedência liminar do pedido.

Quando for verificada a decadência ou a prescrição (art. 332, § 1º)

Prescrição é a perda da pretensão à reparação de um direito violado, em razão da inércia do seu titular, durante o lapsotemporal estipulado pela lei. A prescrição aniquila somente a pretensão.

Decadência, por outro lado, é a perda do próprio direito pelo não exercício no prazo estabelecido pela lei. A decadênciaalcança o direito potestativo, que pode se referir ao direito material ou a dado procedimento (direito à via do mandado desegurança, por exemplo).

9.6.

O Código de 1973 disciplinava os institutos da decadência e da prescrição como hipóteses de indeferimento da petiçãoinicial e consequente extinção do processo com resolução do mérito (art. 295, IV, c/c o art. 269, IV, do CPC/1973). Eram osúnicos motivos de indeferimento que levavam o juiz a proferir sentença que apreciava o mérito da causa, já que as demaishipóteses do art. 295 permitiam apenas a extinção do processo sem resolução do mérito.

Esclarece-se que, como a prescrição e a decadência são matérias de ordem pública, podem ser reconhecidas mesmo depoisde deferida a petição inicial e de ter sido citado o réu. Assim, não é coerente falar em indeferimento, mas em acolhimento daobjeção prevista no art. 269, IV (atual art. 487, II). No CPC/2015, a decadência e a prescrição são fatores que levam àimprocedência liminar do pedido, ou seja, não se trata mais de indeferimento, mas de resolução liminar.

ATENÇÃO

Se a ré levantar a tese de prescrição ou de decadência, tais matérias deverão ser analisadas apósas preliminares, mas antes do mérito em si. Deve-se abrir um tópico para tratar do tema.É muito comum que o candidato erre ao mencionar tais matérias como preliminares. Contudo,preliminares são aquelas descritas no art. 337 do Novo CPC (e nesse rol não constam a prescriçãoou a decadência).

Há doutrinadores que sustentam a necessidade de se oportunizar a manifestação do réu para, somente após, o juiz declararo decurso do prazo prescricional. Isso se deve ao fato de que o réu pode renunciar à prescrição e, assim, permitir que a demandaprossiga mesmo quando extinto o prazo para o exercício da pretensão em juízo. Além disso, em razão da possibilidade deexistirem causas interruptivas e suspensivas do prazo prescricional, é prudente que o magistrado somente extinga o feito quandonão houver óbices à arguição da prescrição. Nesse sentido: STJ, REsp 1.005.209/RJ, Rel. Min. Castro Meira, julgado em08.04.2008.

O art. 487, parágrafo único, do CPC/2015 prevê que a prescrição e a decadência não serão reconhecidas sem que antes sejadada às partes a oportunidade de se manifestar. Apesar disso, o dispositivo excepciona a regra ao permitir o julgamento liminarde improcedência diante da ocorrência de prescrição, o que contraria o entendimento doutrinário anteriormente exposto.

Apesar disso, entendemos que sempre que possível deve o juiz oportunizar a manifestação das partes, exceto quando aexistência da decadência ou a prescrição forem manifestas. Isso porque, segundo art. 10 do próprio Código, “o juiz não podedecidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade dese manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício”.

ATENÇÃO

É mais difícil, mas não impossível, que seja cobrado em provas para a carreira da magistratura aprolação de decisão de improcedência liminar do pedido, justamente porque, nessa hipótese, nãohá preliminares e o juiz não tem de analisar qualquer fundamentação defensiva, já que o réu nemchegou a integrar a relação processual.

Tutelas provisóriasDe acordo com o Novo CPC, tutela provisória é gênero do qual são espécies: (i) a tutela de urgência e (ii) a tutela de

evidência. A primeira pode ser de duas naturezas: (a) cautelar ou (b) antecipada. A tutela de urgência, em qualquer de suasnaturezas (cautelar ou antecipada), poderá ser pleiteada: (a) em caráter antecedente ou (b) em caráter incidental.

Dá-se o nome de tutela provisória ao provimento jurisdicional que visa adiantar os efeitos da decisão final no processo ouassegurar seu resultado prático. A tutela provisória (cautelar ou antecipada) exige dois requisitos: a probabilidade do direitosubstancial (o chamado fumus boni iuris) e o perigo de dano ou o risco do resultado útil do processo (periculum in mora). Poroutro lado, na tutela denominada da evidência (as hipóteses estão contempladas no art. 311), a probabilidade do direito é de talordem que dispensa o perigo de dano o risco do resultado útil do processo – dispensa a urgência.

E qual a interferência dessas medidas sobre a sentença?É possível que a tutela provisória tenha seus pressupostos preenchidos apenas no momento da prolação da sentença. Por

exemplo: em ação de repetição de indébito o autor pleiteia, em sede de antecipação de tutela, a exclusão de seu nome dos

cadastros de inadimplentes (SPC e Serasa). Em cognição sumária o juiz não verifica o preenchimento dos pressupostosnecessários à concessão da medida. Contudo, no momento de proferir a decisão final (cognição exauriente) e depois de analisartodas as provas produzidas no processo, constata que realmente houve cobrança e negativação indevidas. Nesse caso, além dejulgar procedente o pedido e mandar restituir em dobro o valor que o autor desembolsou (art. 42, parágrafo único, CDC), o juizdeverá conceder a tutela provisória. A utilidade da concessão dessa medida na sentença é uma só: será conferida eficáciaimediata à decisão, afastando a suspensividade de eventual recurso de apelação (art. 1.012, § 1º, V).

ATENÇÃO

Sendo a tutela concedida na sentença, é importante que o candidato trate do tema em tópicopróprio, após a fundamentação. No dispositivo deve ser informada a concessão da medida e aprovidência necessária à sua efetivação. Por exemplo:

“Diante do exposto, julgo procedente o pedido formulado a inicial, com resolução do mérito,na forma do art. 487, I, CPC, para:1. Condenar o réu ao pagamento em dobro do valor indevidamente cobrado ao autor,acrescido de correção monetária e juros de 1% ao mês, contados a partir da data dopagamento;2. Condenar o réu ao pagamento das custas processuais e dos honorários sucumbenciais,estes arbitrados em 10% sobre o valor da condenação, com fulcro no art. 85, § 2º, CPC.Ainda, conforme requerido na petição inicial, antecipo os efeitos da tutela pretendida, o quefaço em razão dos fundamentos anteriormente expostos, para determinar a exclusão do nomedo autor dos cadastros de inadimplentes (SPC e Serasa), sob pena de imposição de multadiária no valor de R$ 500,00.Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Local, data.”

Se a tutela já foi concedida e for o caso de procedência da demanda, é oportuno que o julgador confirme os efeitos damedida. Por exemplo: “Confirmo os efeitos da tutela antecipada anteriormente concedida, mantendo-se a exclusão do nome doautor junto aos cadastros de proteção ao crédito em virtude da dívida questionada na presente demanda.” Nessa hipótese, bastaque a referência ao tema se dê no dispositivo, porquanto a devida fundamentação ocorreu anteriormente à sentença.

E se acontecesse o contrário, ou seja, se o juiz tivesse concedido a tutela provisória, mas, após a instrução, restassemevidenciados fatos que não correspondiam àqueles que autorizaram a concessão da medida? Nesse caso aplica-se o disposto noart. 296, segundo o qual “a tutela provisória conserva a sua eficácia na pendência do processo, mas pode, a qualquer tempo, serrevogada ou modificada”.

Tal revogação pode ocorrer na própria sentença, hipótese em que a decisão também terá eficácia imediata, só que nessecaso favorável ao demandado, e não ao autor.

Vale destacar que, se houver revogação da medida, os danos oriundos da tutela revogada devem ser ressarcidos, já que suaexecução não é definitiva, correndo sempre por iniciativa, conta e risco de quem a pleiteia (teoria do risco-proveito). Arestituição do estado anterior se impõe pela liquidação dos eventuais prejuízos, que se dará nos mesmos autos, sempre quepossível (art. 302).

ATENÇÃO

A antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional tem a finalidade de garantir resultado útil aoprocesso, sem que seja necessária a prolação de uma sentença. A tutela antecipatória não ostentacaráter de definitividade, porquanto somente por meio da decisão final no processo – sentença – éque se poderá falar em tutela definitiva e exauriente.Com efeito, se há improcedência do pleito autoral, não há como serem mantidos os efeitos datutela concedida em caráter não definitivo. Em outras palavras, é naturalmente incompatível com asentença de improcedência a manutenção dos efeitos da tutela antecipatória concedida em favor

9.7.

daquele que acabou vencido no processo.Nessa hipótese a cessação da tutela se dará imediatamente e com efeitos retroativos (ex tunc),reestabelecendo-se o statu quo ante. Nesse sentido é a Súmula 405 do STF: “Denegado o mandadode segurança pela sentença, ou no julgamento do agravo, dela interposto, fica sem efeito a liminarconcedida, retroagindo os efeitos da decisão contrária.”Assim, por força da incompatibilidade entre os dois provimentos, não há como a simples omissãodo julgador afrontar o princípio da congruência, notadamente porque a lide não deixou de serdecidida dentro dos limites objetivados pelas partes.De qualquer forma, sugerimos que pequem pelo excesso. Se constar do relatório fornecido pelabanca que houve requerimento de tutela antecipada e que esta foi concedida no curso doprocesso, mas você chegar à conclusão de que o pleito é improcedente, opte por revogar amedida. Nesse caso, poderá o demandado requerer a reparação de eventuais danos, que serãoapurados e liquidados nos mesmos autos (art. 520, I).Destaque-se que esse dever de indenizar é ex lege, não dependendo de pedido expresso do réu oude pronunciamento judicial em capítulo da sentença.

Por fim, é importante observar que, de acordo com o art. 298, “na decisão que conceder, negar, modificar ou revogar atutela provisória, o juiz motivará seu convencimento de modo claro e preciso”. Aqui há um reforço do que genericamente seencontra previsto no art. 93, IX, da CF/1988, bem como no art. 11 do CPC/2015.

A propósito do tema, oportuna é a lição de Fredie Didier Jr. et al.:

Decisões que concedam a tutela provisória, cuja fundamentação se resuma à assertiva de que, “presentes os pressupostosda tutela provisória, defiro [...]”, tão comuns e admitidas na praxe forense, são em verdade decisões sem fundamentação,que devem, pois, ser invalidadas. Elas se encaixam perfeitamente às hipóteses de decisão não fundamentada previstas nosincisos I, II e III do § 1º do art. 489.24

Roteiro para a fundamentação: como não infringir o art. 489, § 1º, do novo CPCTambém relacionada à necessidade de controle político e social da função jurisdicional, é exigência constitucional que a

sentença e demais atos jurisdicionais sejam motivados, sob pena de nulidade (art. 93, IX, CF/1988). No mesmo sentido é o novoCPC:

Art. 11. Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob penade nulidade.

Na fundamentação o juiz subsumirá os fatos em apreço às normas, fixando as bases sobre as quais se assentará ojulgamento. É um procedimento silogístico por excelência, em que o magistrado deve traçar as premissas maior (a norma) emenor (caso concreto) a fim de se chegar à conclusão. Como ato típico da função jurisdicional, o prolator da decisão devedemonstrar lógica, bom-senso e cultura jurídica, no intento de convencer as partes e a opinião pública acerca do acerto dadecisão.

Esse dever de fundamentar todos os pronunciamentos judiciais assegura às partes que, pelo menos teoricamente, suapretensão será devidamente apreciada, além de possibilitar a discordância em algumas situações, que eventualmente poderão serformalizadas na via recursal.

A obrigatoriedade da motivação, portanto, preserva interesses públicos e particulares. De um lado, é essencial para que sepossam aferir em concreto a imparcialidade do juiz e a justiça de suas decisões; e, de outro, é essencial às partes, para que elasconheçam as razões da decisão.

De acordo com o próprio Supremo,25 a motivação qualifica-se como pressuposto constitucional de validade e eficácia dasdecisões emanadas do Poder Judiciário. A sua inobservância, que pode ser arguida em qualquer grau de jurisdição, traduz gravetransgressão de natureza constitucional e afeta a legitimidade jurídica do ato decisório, gerando a nulidade da decisão.

Vale observar que a garantia constitucional não impõe aos magistrados o dever de redigir tratados ou monografias sobre a

matéria discutida nos autos, mas sim expor com clareza os motivos que o levaram a decidir desse ou daquele modo. A concisãodos fundamentos e a objetividade da decisão, nesse contexto, não podem ser confundidas com ausência de motivação. Arespeito:

Constitucional. Eleitoral. Recurso extraordinário. Partido político. [...] II – A Constituição não exige que a decisão sejaextensamente fundamentada. O que se exige é que o juiz ou o tribunal dê as razões de seu convencimento (STF, AI-AgRg162.089-DF, 2a Turma, rel. Min. Carlos Velloso, data do julgamento 12/12/1995).

O art. 489, § 1º, do novo Código de Processo Civil, ao elencar os casos em que não se reputa fundamentada uma decisãojudicial, a contrario sensu, acaba por explicitar o princípio da motivação. Alerte-se para o fato de que se trata de dispositivototalmente novo e que certamente será cobrado quando da correção das provas de sentença.

Essas disposições foram inseridas pelo legislador como forma de obstar a prolação de sentenças demasiadamente concisas,que muitas vezes ignoram os argumentos apresentados pelas partes e até mesmo o entendimento predominante sobre a questãoem litígio. Não se pode exigir, contudo, que em todo e qualquer caso o juiz fundamente de forma exaustiva suas decisões,enfrentando cada um dos argumentos apresentados pelas partes. O Supremo, intérprete da Constituição, já afirmou, a propósito,que “o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte” (AI 761901/SP, Rel. Min.Luiz Fux, julgado em 22/04/2014).26

ATENÇÃO

Em provas de concurso é necessário que o candidato enfrente os argumentos apresentados pelabanca. O que se está a dizer é que não é necessário o enfrentamento de argumentos irrelevantes eimpertinentes ao objeto da demanda.

O comando legal estabelece uma espécie de roteiro para o magistrado – assim como faz para o advogado (art. 319) –, masque não precisa ser seguido “a ferro e fogo”.27 Afinal, para dar conta do acervo e das metas estabelecidas pelo CNJ, não hácomo exigir que o julgador analise, de forma pormenorizada, todas as alegações trazidas pelas partes. O que o ordenamentojurídico não admite é a escolha aleatória de uma ou de outra questão fática para embasar o ato decisório, com desprezo aquestões importantes e aos princípios do contraditório e da ampla defesa. O importante é que o julgador justifique a decisão. Porque acatou este e não aquele fundamento. O mesmo deve proceder com relação aos argumentos com que as partes procuraramsustentar suas postulações. A decisão sem fundamento suscita descrença na própria atividade jurisdicional.

Também não se pode afastar por completo a prolação de decisões concisas, notadamente nos casos em que o juiz sequeranalisa o mérito. Em que pese o Código não ter reproduzido a parte final do art. 459 do CPC/1973,28 a concisão não pode serafastada pelas regras previstas no art. 498, § 1º. Nesse sentido é o Enunciado 10 da Escola Nacional de Formação eAperfeiçoamento de Magistrados (Enfam): “A fundamentação sucinta não se confunde com a ausência de fundamentação e nãoacarreta a nulidade da decisão se forem enfrentadas todas as questões cuja resolução, em tese, influencie a decisão da causa.”

Pois bem. Nos termos do § 1º do art. 489,29 não será considerada fundamentada qualquer decisão judicial, seja elainterlocutória, sentença ou acórdão, que:

I – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou aquestão decidida;

O julgador deve expor, de forma clara e coerente, as razões que lhe formaram o convencimento, e não apenas indicar anorma que aplicou ao caso concreto ou reproduzir o texto de lei aplicável ao caso. São exemplos de decisões que afrontamesse dispositivo: “Em razão do disposto no art. X, indefiro o pedido”; “Restou caracterizado o abuso do direito de defesaou o manifesto propósito protelatório da parte, razão pela qual defiro a medida pleiteada.”

Além disso, nos termos do § 2º do art. 489, na hipótese de colisão entre normas, “o juiz deve justificar o objeto e oscritérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissasfáticas que fundamentam a conclusão”. O critério de aplicação e escolha de uma ou de outra norma é um critério fático. Aaplicação ou o afastamento de regras e princípios (espécies de normas) serão realizados de acordo com as especificidades docaso concreto.

Situação: ré contesta o direito real de habitação sob o argumento de que o bem foi adquirido antes docasamento cujo regime é o da comunhão parcial de bens.

Exemplo de decisão não fundamentada: “A autora possui direito real de habitação, porquantopreenchidos os requisitos do art. 1.831 do Código Civil.”

Exemplo de decisão fundamentada: “Sob o novo paradigma do Direito Civil Constitucional, em abonoà dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, da CF/1988) e ao direito social de moradia (art. 6º daCF/1988), o art. 1.831 do CC consagrou o denominado direito de habitação. Segundo esse dispositivo dacodificação civil, ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, semprejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóveldestinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar. De acordo com adoutrina e a jurisprudência, trata-se de um direito vitalício e incondicionado, persistindo até mesmo com anova constituição de núcleo familiar pelo cônjuge supérstite. Da simples leitura do art. 1.831 do CC percebe-se igualmente se tratar de um direito não atrelado ao regime de bens do casamento, pois, como assentadosupra, prevalece a dignidade da pessoa humana e a nova concepção de repersonalização do Direito civil,vigorando a tese de que a pessoa humana possui maior relevância que o patrimônio. Portanto, seja pelamoderníssima concepção do Direito civil, seja pela literalidade do art. 1.831 do CC, razão assiste à autoraao postular o direito real de habitação sobre o imóvel localizado no endereço X.”

Também não se admite que o candidato (ou aquele que já exerce a judicatura) invoque um princípio e não estabeleça aexata correlação com o caso concreto. Em algumas provas de sentença a solução muitas vezes não decorre exclusivamente daanálise do texto legal. Na prova de sentença para a carreira da magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, porexemplo, aplicada no ano 2014, o candidato que abordou apenas o texto legal não conseguiu atingir a pontuação necessária paraa aprovação. Naquele exame exigiu-se que o candidato conhecesse e abordasse o princípio da preservação da empresa,construído pelo moderno Direito empresarial.

II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;Conceitos jurídicos indeterminados são aqueles “cujos termos têm significados intencionalmente vagos e abertos”.30 São,

em outras palavras, institutos que possibilitam interpretação ampla por parte do julgador, a exemplo de “ordem pública” e“interesse público”.

Em sendo assim, a aplicação de conceitos indeterminados é, muitas vezes, geradora de insegurança jurídica. É comoconceder um “cheque em branco” ao magistrado, permitindo-o adotar a interpretação que entenda mais adequada à solução dacontrovérsia.

Para evitar abusos, o Código determina que o juiz, ao aplicar esses conceitos, o faça de forma motivada, objetiva,explicitando as razões pelas quais adotou essa ou aquela interpretação.

Vamos ao exemplo:

O Código Civil prevê a chamada desapropriação judicial privada por posse-trabalho (art. 1.228, § 4º,CC), instituto que admite a restrição da propriedade quando o imóvel reivindicado consistir em extensa áreae estiver na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, eestas houverem realizado obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômicorelevante. Boa parte das expressões utilizadas no dispositivo constituem “cláusulas abertas”, que devem seranalisadas de acordo com o caso concreto. Não pode o juiz, por exemplo, deferir o pedido afirmandoapenas que “a área é extensa e permite a aplicação do art. 1.228, § 4º”.

III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;É fundamental que as decisões judiciais estejam coerentes com os fatos apresentados pelas partes. A fundamentação do

julgado não pode se mostrar incompreensível ou contraditória, a ponto de gerar dúvida acerca da conclusão apresentada pelomagistrado. Além disso, levando-se em consideração que a jurisdição tem como característica a criatividade, incumbe ao órgãojurisdicional respeitar as peculiaridades de cada caso concreto.

Se o autor, maior e capaz, pleiteia alimentos perante seu genitor, sob o argumento de que ainda se encontra cursando oensino superior em horário integral, ou o juiz acolhe o pedido (integralmente ou em parte), ou nega-o com base, por exemplo,

na idade avançada do autor. Nesse exemplo, não pode o juiz invocar que, se o autor não tivesse condições de trabalhar, o pleitoalimentar poderia ser atendido. Em síntese, se o autor demonstrar que não tem condições de trabalhar e o juiz, ao analisar omérito, não apreciar essa questão, mas a suscitar como possível, a decisão será considerada não fundamentada, possibilitando ainterposição de embargos declaratórios em razão de contradição.

Outro exemplo ocorre quando o juiz, ao proferir determinada decisão, discorre sobre posicionamento tido como correto,mas aplica tese oposta. É como se na fundamentação do julgado as razões invocadas indicassem a procedência do pedido, mas odispositivo chegasse a conclusão totalmente diversa. Não se afasta, contudo, a possibilidade de o julgador ressalvar seuentendimento em relação a determinado tema, mas aplicar tese definida por tribunal superior.

ATENÇÃO

Nas provas de concursos não orientamos que o candidato ressalve seu entendimento pessoal.Dependendo da situação essa conduta pode até mesmo indicar identificação do candidato, o que éexpressamente proibido.

IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotadapelo julgador;

A decisão judicial deve ser construída ao longo do processo, após a análise das alegações das partes, da apreciação daprova e das demais circunstâncias do caso concreto. Em outras palavras, tudo o que de relevante for produzido, deduzido epercebido no processo deve ser levado em consideração no momento de proferir uma decisão, especialmente em se tratando desentença ou de acórdão.

Isso não quer dizer que o juiz tenha de apreciar todo e qualquer argumento constante dos autos. Se, por exemplo, em açãode divórcio, uma das partes enumera as razões pelas quais se está propondo a demanda, não há necessidade de que o juiz semanifeste sobre elas, mas apenas que verifique se estão preenchidos os pressupostos necessários à concessão do pedido. Apropósito, esse é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça firmado após a entrada em vigor do novo CPC:

Direito processual civil. Hipótese de não cabimento de embargos de declaração. Mesmo após a vigência do CPC/2015, nãocabem embargos de declaração contra decisão que não se pronuncie tão somente sobre argumento incapaz de infirmar aconclusão adotada. Os embargos de declaração, conforme dispõe o art. 1.022 do CPC/2015, destinam-se a suprir omissão,afastar obscuridade ou eliminar contradição existente no julgado. O julgador não está obrigado a responder a todas asquestões suscitadas pelas partes, quando já tenha encontrado motivo suficiente para proferir a decisão. A prescrição trazidapelo inciso IV do § 1º do art. 489 do CPC/2015 [“§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja elainterlocutória, sentença ou acórdão, que: [...] IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de,em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador”] veio confirmar a jurisprudência já sedimentada pelo STJ, sendodever do julgador apenas enfrentar as questões capazes de infirmar a conclusão adotada na decisão (STJ, EDcl no MS21.315-DF, Rel. Min. Diva Malerbi (Desembargadora convocada do TRF da 3ª Região), julgado em 8/6/2016, DJe15/6/2016, Informativo 585).

Outro exemplo ocorre quando as partes apresentam diversos fundamentos, mas todos eles são capazes de lhes propiciar umjulgamento favorável. Se o juiz examina o primeiro e conclui pela procedência da demanda, não há necessidade de apreciar osdemais. Por outro lado, se apenas um dos argumentos é levado em consideração para a prolação de uma decisão desfavorável,deve o juiz informar na sentença o motivo por que rejeitou todos os pedidos. Pode, até, invocar um motivo único para todos osargumentos.

Tal requisito encontra fundamento no princípio do contraditório, que não apenas garante o direito de manifestação daspartes, mas também o direito de essas manifestações serem tomadas em consideração pelo juiz.

V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nemdemonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

Nem sempre o dever de fundamentação é observado dentro dos limites do que efetivamente o processo reproduziu. Asquestões de fato e de direito postas em julgamento muitas vezes são desconsideradas em detrimento da aplicação rápida eprática de entendimento jurisprudencial que sequer tem relação com o caso concreto.

10.

10.1.

Por esse motivo, o Novo CPC traz regras expressas que visam evitar as decisões meramente repetitivas de julgados ouenunciados de súmulas que não demonstrem a aplicabilidade (ou não) do entendimento consolidado ao caso efetivamenteapreciado.

Há que se ressalvar, contudo, a desnecessidade de identificação pormenorizada dos fundamentos do próprio precedenteinvocado. Explico. De acordo com o art. 984, § 2º, o conteúdo do acórdão proferido em IRDR (incidente de resolução dedemandas repetitivas) “abrangerá a análise de todos os fundamentos suscitados concernentes à tese jurídica discutida, sejamfavoráveis ou contrários”. A tese firmada no incidente será amplamente divulgada (art. 979), razão pela qual não se pode exigirdo julgador a identificação de todos os fundamentos da decisão que ele utilizará para subsidiar sua sentença. Como a tese já estáfirmada, caberá ao juiz simplesmente segui-la ou, se for o caso, demonstrar que ela efetivamente não se aplica ao caso concreto(distinguishing).

Quais são os precedentes obrigatórios de acordo com o Novo CPC (art. 927)?31

(i) As decisões do STF em controle concentrado de constitucionalidade;(ii) Os enunciados de súmula vinculante;(iii) Os acórdãos firmados em incidente de assunção de competência;(iv) Os acórdãos firmados em incidente de resolução de demandas repetitivas;(v) Os acórdãos firmados em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;(vi) Os enunciados das súmulas do STF em matéria constitucional;(vii) Os enunciados das súmulas do STJ em matéria infraconstitucional;(viii) As orientações do plenário ou órgão especial aos quais os juízes estiverem vinculados.

VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar aexistência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento;32

Da mesma forma que o magistrado deve lançar as razões pelas quais aplicou determinado entendimento ao litígio postosob sua apreciação, também deve justificar a inadequação de precedente, súmula ou jurisprudência quando a parte a invocarcomo forma de subsidiar o seu pleito. Se, por exemplo, a parte invoca um precedente vinculante e o juiz entende que ele não seaplica ao caso concreto, deve, de forma fundamentada, demonstrar que a situação fática apresentada é distinta daquela queserviu para o precedente.

ATENÇÃO

Ao resolver a prova de sentença cível, verifique se a situação concreta permite a aplicação dealgum precedente judicial. Apesar de ser permitida apenas a consulta à legislação “seca”, éimportante que o candidato conheça a interpretação conferida pelos tribunais.Se o caso concreto não se encaixar na tese defendida pela parte, procure fazer a devida distinção,ou seja, a “comparação analítica entre o caso concreto e a súmula ou precedente, justificandoporque o caso concreto, em razão de determinada situação, não pode ser decidido por eles.Também se admitirá o afastamento da súmula ou precedente com efeito vinculante se oentendimento neles consagrados estiver superado (overruling), o que também deve serdevidamente justificado pelo juiz em sua decisão”.33

JULGAMENTO DAS INTERVENÇÕES DE TERCEIROS

Denunciação da lideConsiste a denunciação da lide em

[...] uma ação regressiva, in simultaneus processus, proponível tanto pelo autor como pelo réu, sendo citada comodenunciada aquela pessoa contra quem o denunciante terá uma pretensão indenizatória, pretensão de reembolso, caso ele,denunciante, vier a sucumbir na ação principal.34

Visa a denunciação a enxertar no processo uma nova lide, que vai envolver o denunciante e o denunciado em torno dodireito de garantia ou de regresso que pretende exercer contra o outro. A sentença, de tal sorte, decidirá não apenas a lide entreautor e réu, mas também a que se criou entre a parte denunciante e o terceiro denunciado.35

Ex.: Construtora, acionada para reparar defeitos em prédio por ela construído, denuncia à lide oengenheiro responsável (denunciação pelo réu).

Ex.: Comprador promove ação reivindicatória contra o possuidor do bem e, ao mesmo tempo, denunciaà lide o vendedor, para que este lhe responda pela evicção (denunciação pelo autor).

Visa à denunciação enxertar no processo uma nova lide, que vai envolver o denunciante e o denunciado em torno dodireito de garantia ou de regresso que um pretende exercer contra o outro. Trata-se de demanda incidente, em processo já emcurso, que acarreta a ampliação subjetiva ulterior do processo. Ou seja, proposta a denunciação, o processo passará a ter duasdemandas: a principal, envolvendo autor e réu; e a incidental, envolvendo denunciante e denunciado. De tal sorte, se odenunciante for vencido na ação principal, o juiz passará ao julgamento da denunciação da lide; se vencedor, a ação dedenunciação não terá o seu pedido examinado (art. 129).

Assim sendo, podemos considerar que a denunciação guarda em si certa relação de prejudicialidade, já que o pleito dodenunciante merecerá apreciação apenas na hipótese de a ação principal lograr apreciação meritória e de ser decidida de formacontrária aos interesses do denunciante.36 Em síntese, se o denunciante, seja autor ou réu, sair vitorioso na demanda, a açãoregressiva restará prejudicada. Sucumbindo o denunciante, a denunciação terá seu mérito apreciado, podendo ser julgadaprocedente ou improcedente.

ATENÇÃO

É ideal que, na sentença, seja aberto um tópico na fundamentação para tratar da denunciação. Omesmo deve ser feito em relação ao dispositivo.

Veja, a título de exemplo, a resolução da sentença do 30º Concurso para Juiz Substituto do Tribunal de Justiça do MatoGrosso do Sul, elaborada pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná em 2013.37

“Processo nº

Vistos.

I – RELATÓRIO

Trata-se de ação reivindicatória cumulada com perdas e danos promovida por XENOFONTES DEANDRADE MAZZILI e sua esposa CARMEN ADALGIZA PEREIRA; CRISTOPHANES MAZZILI e suaesposa BEATRIZ DAS DORES BORTOLOTO, em face de ARQUELAU BATISTA DOS SANTOS e suaesposa ANDRADINA JUSTOS DOS SANTOS.

Alegam os autores, em suma, que seu falecido pai era proprietário do imóvel “Fazenda Santa Clara”com matrícula nº 23.340 do Cartório de Registro de Imóveis desta Comarca.

Sustentam que tomaram conhecimento de que o imóvel se encontra ocupado pelos réus e que atentativa de reavê-lo amigavelmente foi infrutífera.

Pretendem os autores a declaração da propriedade em seu favor, bem como a condenação dos réus narestituição da fazenda, indenização pelos prejuízos, incluindo os frutos percebidos pelos possuidores desdeo início da posse. Juntam documentos com a petição inicial e manifestaram desinteresse naautocomposição.

Devidamente citados para os fins do art. 334 do Novo Código de Processo Civil, os réus tambémmanifestaram desinteresse na composição consensual.

Na contestação apresentada tempestivamente os réus alegam, em preliminar, a ilegitimidade ativa adcausam. Também requerem, caso superada a preliminar, o reconhecimento da usucapião ordinário ou

extraordinária. Ainda, pelo princípio da eventualidade, requerem a indenização das benfeitorias, bem comoda edificação realizada na fazenda, assegurado o direito de retenção.

Os réus denunciaram à lide ALECSANDER SOARES MUNHOZ, contra o qual requerem indenizaçãopelos prejuízos que venham a sofrer caso sejam vencidos na demanda.

Devidamente citado, o denunciado quedou-se inerte.Houve réplica às fls.Foi realizada audiência de instrução, em que foram ouvidas quatro testemunhas, sendo duas

apresentadas pelos autores e outras duas pelos réus.As partes ratificaram suas alegações anteriores em sede de alegações finais.É, em breve síntese, o que cumpria relatar. FUNDAMENTO E DECIDO.

II – FUNDAMENTAÇÃO

A) DA PRELIMINARA preliminar de ilegitimidade ativa ad causam não pode ser acolhi-da. Com efeito, os autores são parte

legítima para, em tese, ocuparem o polo ativo da relação jurídica. Isso porque os autores são filhos e norasdo proprietário da fazenda, conforme certidões de nascimentos de fls. ____ e matrícula do imóvel às fls._____.

Assim, pelo princípio do saisine (art. 1.784 do Código Civil), é possível aos autores o pleito em juízo.

B) DO MÉRITO DA AÇÃO PRINCIPALRejeitada a preliminar, passo à análise do mérito da causa e, neste ponto, o pedido deve ser acolhido,

mas em parte.Os autores comprovam a propriedade de seu pai por meio da matrícula do imóvel. Diante dessa

situação e com o óbito do pai, o sistema jurídico transfere a eles a propriedade do imóvel.Assim é que, comprovados os dados de propriedade e de óbito do genitor, natural que se reconheça o

direito de propriedade dos autores.Os réus alegam a ocorrência de usucapião ordinária ou extraordinária a garantir seu direito ao imóvel.

Contudo, não pode ser reconhecida a usucapião em nenhuma das modalidades arguidas.Em primeiro lugar, é imperioso notar que a prescrição somente começou a fluir a partir de 20/02/2006,

data em que um dos autores atingiu a maioridade (art. 198, I, do Código Civil). Portanto, não houve aocorrência do prazo necessário para a usucapião, seja ordinária ou extraordinária.

Ademais, no caso da usucapião extraordinária, não há como acolher a pretensão dos réus quanto àsoma da posse do vendedor, pois este jamais foi proprietário do imóvel ou o ocupou com posse adusucapionem.

As testemunhas foram claras ao demonstrar que ALECSANDER SOARES MUNHOZ ocupava o imóvelpor mera tolerância para fins de cultivo. Ora, a ocupação por mera tolerância não é justificadora doreconhecimento dos elementos que ensejam a usucapião, daí porque não se pode somar a posse.

Da mesma forma, não se pode acolher a tese da usucapião ordinária na medida em que não se podeatribuir a qualidade de justo título ao documento apresentado pelos réus.

É que, para ser justo título, deveria ser documento que, por apenas algum vício, não permitisse oregistro. Não é o caso dos autos, na medida em que se reconhece que o vendedor não consta da matrículado imóvel e que, portanto, o título apresentado jamais teria possibilidade de ingresso registrário.

Passo agora a analisar os demais pedidos dos autores, uma vez que reconhecido seu direito ao imóvel.Os autores pleiteiam indenização por danos ao imóvel e também pelos frutos colhidos indevidamente

pelos réus.Quanto à indenização, é de ser acolhida em parte.Em primeiro lugar, os autores não fazem prova alguma que os réus teriam acarretado ao imóvel. Ao

contrário, percebe-se que os réus trabalharam efetivamente no imóvel, fazendo inclusive melhorias, como foio caso da construção do barracão.

Dessa forma, por ausência de provas, não é possível acolher o pedido de indenização, salvo a questão

relativa à percepção dos frutos.Para que sejam analisados tanto este pedido quanto os pedidos feitos pelos réus, é necessário discutir

sua posse.No caso dos autos restou evidenciado que a posse dos réus não é de boa-fé.As testemunhas JOÃO PEREIRA DE SOUZA e PAULO DE SOUZA (testemunha dos autores) indicam

que ALECSANDER ocupava o imóvel, tendo recebido a área por empréstimo para plantio. Além disso, aspróprias testemunhas dos réus (ANTONIO SARAIVA e SEBASTIÃO PEREIRA) informam que os requeridostinham conhecimento de que ALECSANDER não tinha título de compra da fazenda ou qualquer do-cumentocomprobatório da posse dela.

Diante deste quadro, é inegável deduzir que os réus adquiriram a fazenda de quem não era o legítimoproprietário. Ademais, também fica evidenciado que os réus adquiriram a fazenda e aceitaram correr osriscos dessa compra malsucedida. Diante desse quadro fático, fica evidente a posse de má-fé.

Situada a questão da posse de má-fé, passo a analisar os pedidos daí decorrentes.O possuidor de má-fé não tem direito aos frutos colhidos e percebidos, conforme dispõe o art. 1.216 do

Código Civil.Assim, os autores devem ser ressarcidos nos valores que serão apurados durante a execução desta

sentença. Contudo, deve ser ressalvada a prescrição incidente sobre esses frutos, que é regida pelodisposto no art. 206, § 3º, V, do Código Civil.

Quanto às benfeitorias, é importante notar que há três modalidades de benfeitorias: úteis, necessárias evoluptuárias.

Por se tratar de possuidor de má-fé, somente tem direito à indenização pelas benfeitorias necessárias,não sendo possível o direito de retenção, conforme determina o art. 1.220 do Código Civil.

Há benfeitorias necessárias realizadas na fazenda (reparos, consertos de cerca e reparo na coberturadanificada de um barracão). Estas devem ser indenizadas.

Quanto ao barracão, é de se observar que a prova testemunhal é crucial para fins de identificação desua natureza jurídica.

As testemunhas dos réus afirmam de maneira unânime que eles nunca utilizaram o barracão queconstruíram, ficando evidenciado pelos depoimentos que não se trata de benfeitoria necessária. Assim,evidenciada a posse de má-fé, não é possível a indenização pelo barracão.

C) DA DENUNCIAÇÃOAnalisada a ação, passo à análise da denunciação da lide. Quanto a esta, a procedência do pedido é

medida de rigor.Em primeiro lugar, assinalo a ocorrência de revelia e, diante disso, presumem-se verdadeiros os fatos

narrados na petição inicial, nos termos do art. 319 do Código de Processo Civil.Em segundo lugar, restou evidenciado pela prova oral colhida em audiência que ALECSANDER tinha

conhecimento do fato de não ser proprietário do imóvel, mas mesmo assim, arrogando-se qualidadesabidamente inexistente, vendeu o imóvel aos réus. Desse modo, perfeitamente cabível a denunciação parao exercício do direito resultante da evicção (art. 125, I).

III – DISPOSITIVO

Ante o exposto, acolho em parte o pedido, com resolução de mérito, nos termos do art. 487, I, doCódigo de Processo Civil, para:

1) declarar a propriedade do imóvel constante da matrícula nº 23.240 em favor dos autores; 2) condenaros réus a indenizar os requerentes pelos frutos percebidos, com a ressalva da prescrição mencionada nafundamentação desta sentença; 4) fixar que o valor da indenização será apurado em liquidação, com juroslegais de mora e correção monetária a partir da percepção dos frutos; 5) rejeitar o pedido de indenizaçãopelos supostos danos causados ao imóvel; 6) condenar os autores a indenizar os réus pelas benfeitoriasnecessárias indicadas, sem direito à retenção; quanto ao barracão, afasta-se qualquer indenização. Sobre ovalor da indenização devem incidir juros de mora a partir da citação e correção monetária a partir do

10.2.

ajuizamento. Fixo custas e honorários, estes arbitrados em 10% sobre o valor da condenação, nos termosdo art. 85, § 2º, CPC.

Na lide secundária, condeno o denunciado a indenizar os réus pelos prejuízos sofridos, que serãoapurados em liquidação (art. 509, I). Custas e honorários pelo denunciado, estes últimos arbitrados em 10%do valor da condenação, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Local, data.

Juiz Substituto.”

Por fim, oportuno destacar as principais mudanças na denunciação da lide operadas pelo novo CPC:

(Des)obrigatoriedade da denunciação. A despeito de o CPC/1973 afirmar ser obrigatória a denunciação da lide, nãoperecia, pela inércia da parte, o direito de regresso.38 O CPC/2015 corrigiu a falha na legislação anterior ao se referir àadmissibilidade da denunciação da lide. Em breve síntese, se não levada a efeito a intervenção, não deferida ou nãopermitida segundo as hipóteses legais, poderá o titular, em ação autônoma futura, exercer seu direito de regresso. Defato, a denunciação só tem valia quando garantidora da economia processual. Se não atende tal princípio, viraobstáculo ao bom andamento do processo;Impossibilidade de denunciação sucessiva e per saltum. O CPC/2015 limita as denunciações sucessivas que, de acordocom o CPC/1973, poderiam ser realizadas indiscriminadamente. Agora a denunciação sucessiva só é admitida umaúnica vez (art. 125, § 2o). Exemplo: “A” adquire um bem e, em razão deste, é demandado em ação reivindicatóriaproposta por “B”. Na contestação, “A” denuncia à lide quem lhe vendeu o bem (“C”), porque é com ele que possuirelação jurídica imediata. “C” (alienante imediato em relação a “A”), por sua vez, tem a possibilidade de denunciar seuantecessor imediato (“D”), pois, na mesma lógica, é com ele que possui relação jurídica (negócio jurídico anterior).39

Nesse exemplo, “D” não poderá denunciar o seu antecessor imediato na cadeia dominial (“E”, por exemplo). Tal regravisa dar celeridade ao procedimento, que não mais ficará a mercê de sucessivas denunciações. A denunciação persaltum, por sua vez, era admitida pelo art. 456 do Código Civil,40 mas deixou de ser possível em razão da disposiçãoexpressa contida no inciso I do art. 125 do CPC/2015. Como a nova legislação trata apenas do “alienante imediato”,não será mais possível estender a denunciação a qualquer dos alienantes anteriores. Ademais, o referido artigo doCódigo Civil foi revogado pelo Novo CPC (art. 1.072, II).

Chamamento ao processoDe acordo com a doutrina, o chamamento ao processo difere da denunciação da lide. Enquanto esta visa ao direito de

garantia ou de regresso, a ser composto numa nova relação processual, o chamamento ao processo objetiva a inclusão dodevedor principal ou dos coobrigados pela dívida (chamados) para integrarem o polo passivo da relação já existente, a fim deque o juiz declare, na mesma sentença, a responsabilidade de cada um.

Segundo Athos Gusmão Carneiro,

[...] a sentença apresenta similitude com a ação proferida nos casos de denunciação da lide, mas com uma diferença: nadenunciação, a sentença de procedência é título executivo, no que tange à ação regressiva, em favor do denunciante econtra o denunciado. No chamamento, nem sempre o título executivo será formado em favor do chamante e contra ochamado; poderá sê-lo em favor do chamado e contra o chamante, tudo dependendo de quem vier, ao final, a satisfazer adívida.Suponhamos três devedores solidários, B, C e D. Citado, como réu, apenas o devedor B, este chama ao processo oscodevedores. No caso de os três resultarem condenados (talvez possa algum deles socorrer-se de defesa pessoal, que aosoutros não assista), pode acontecer de a dívida ser paga não pelo chamante B, mas pelo chamado C; este disporá, então,pela sentença e com o comprovante de pagamento, de título executivo contra o chamante B, e também contra o outrochamado D.41

10.3.

O chamamento é uma forma de intervenção provocada, que fica a exclusivo critério do réu (aqui reside outra diferençaentre esse instituto e a denunciação da lide, pois esta tanto pode ser requerida pelo réu quanto pelo autor). Nessa intervenção, oréu chama ao processo os coobrigados em virtude de fiança ou de solidariedade, a fim de que eles respondam diretamente aoautor da ação. Se, no entanto, o devedor ou fiador não promover o chamamento, ou, se o fizer, mas o chamado não semanifestar e for condenado a pagar a dívida em favor do autor, ficará sub-rogado nos direitos de credor, podendo exigir dosdemais as respectivas quotas-partes. Vejamos alguns exemplos:

Na ação promovida pelo credor diretamente contra o fiador, este poderá exercitar o benefício de ordem previsto no art.827 do CC e chamar ao processo o devedor principal da obrigação (hipótese do inc. I do art. 130 do CPC/2015).Ressalte-se que o contrário não pode acontecer: se acionado o devedor principal da obrigação, este não poderá chamaro fiador para integrar a lide como litisconsorte; ou seja, o devedor não chama o fiador;Na ação promovida pelo credor para cobrança de débito afiançado de forma conjunta, sendo a demanda proposta apenascontra um dos fiadores, os demais (cofiadores solidários – art. 829 do CC) poderão ser chamados ao processo (hipótesedo inc. II do art. 130 do CPC/2015);Na ação proposta pelo credor contra um dos devedores solidários (art. 275 do CC), aquele que foi demandadoindividualmente poderá chamar os demais devedores (hipótese do inc. III do art. 130 do CPC/2015).

Em qualquer hipótese, aquele que satisfizer a dívida – caso a demanda seja procedente ao credor – poderá exigi-la porinteiro do devedor principal, ou de cada um dos codevedores a sua respectiva quota, na proporção que lhes tocar. Isso ocorreporque a sentença de procedência valerá como título executivo (art. 132), garantindo a quem pagou a dívida por inteiro o direitode ser ressarcido.

Em resumo, havendo chamamento e consequente citação do chamado, esse se torna litisconsorte do réu, devendo o juiz, nasentença, declarar as respectivas responsabilidades.

Incidente de desconsideração da personalidade jurídicaO incidente de desconsideração da personalidade jurídica surge como instrumento de materialização do contraditório e da

ampla defesa nos casos em que se pretende tornar ineficazes os atos realizados pela sociedade – e imputáveis aos sócios – emdescumprimento à função social da empresa.

Antes do CPC/2015, parte da doutrina considerava indispensável a propositura de ação própria para que asresponsabilidades da pessoa jurídica fossem atribuídas aos sócios. Apesar disso, a jurisprudência já admitia a desconsideraçãoda personalidade jurídica sem a necessidade de ação autônoma.42

O CPC/2015, seguindo o entendimento jurisprudencial, criou um capítulo específico para tratar do “Incidente deDesconsideração da Personalidade Jurídica”, elencando-o como nova modalidade de intervenção de terceiros e pacificando adesnecessidade da propositura de ação judicial própria para a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica.

De acordo com a redação do art. 134, o incidente é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, nocumprimento de sentença e na execução fundada em título extrajudicial. Logo, quem pretender a desconsideração não precisaráaguardar a sentença ou acórdão para pleitear a medida.

Ressalte-se que a medida também é aplicável no âmbito dos processos que tramitam perante os Juizados Especiais Cíveis,nos termos do art. 1.062.

Destaque-se ainda que, apesar da ampliação do instituto, o CPC/2015 condicionou o deferimento da medida à préviacitação do sócio ou da pessoa jurídica (arts. 134, § 2º, parte final, e 135). O que a nova legislação pretende é evitar a constriçãojudicial dos bens do sócio (ou da pessoa jurídica, na hipótese de desconsideração inversa) sem qualquer possibilidade de defesa.

A instauração do incidente de desconsideração implica suspensão do processo, salvo quando requerida na petição inicial,hipótese em que o sócio ou sociedade serão citados para responder ao pedido no prazo para a defesa. Suspenso o processo, ficaresguardada ao juiz a prerrogativa de determinar atos urgentes (art. 314). Frise-se ainda que, independentemente da suspensão, oincidente deve ser decidido antes do mérito, uma vez que o seu resultado pode inserir novos réus no processo, os quais terãosuas garantias processuais violadas se contra eles incidir decisão prolatada anteriormente.

Para analisar o cabimento da desconsideração o magistrado deverá verificar se foram preenchidos os requisitosestabelecidos em lei (art. 134, § 4o). O art. 50 do Código Civil,43 por exemplo, que consagra a chamada teoria maior dadesconsideração,44 prevê a necessidade do preenchimento dos seguintes requisitos: (i) o requisito objetivo, que consiste na

11.

11.1.

insuficiência patrimonial do devedor; e (ii) o requisito subjetivo, consistente no desvio de finalidade ou confusão patrimonialpor meio da fraude ou do abuso de direito. Para a aplicação da teoria da desconsideração não basta estar presente apenas oprimeiro requisito. Deve, pois, também estar demonstrada, no caso concreto, a existência de uma conduta culposa do sócio ou asua intenção abusiva ou fraudulenta de utilizar os bens da sociedade para fins diversos daqueles permitidos em lei (requisitosubjetivo).

Se o juiz considerar suficientes as provas trazidas aos autos, julgará o incidente por decisão interlocutória. Caso contrário,deverá aguardar a conclusão da instrução para decidir sobre a desconsideração.

Contra a decisão que acolher (ou não) o pedido de desconsideração, caberá agravo de instrumento (art. 1.015, IV). Se adecisão for proferida pelo relator, o recurso cabível será o agravo interno (art. 136, parágrafo único; art. 1.021).

Quando o pedido de desconsideração for pleiteado na petição inicial, o juiz poderá se manifestar tanto por decisãointerlocutória quanto por sentença.

ATENÇÃO

Para a redação da sentença cível temos de nos preocupar com o deferimento da desconsideraçãono momento da prolação da sentença. Se no relatório fornecido pela banca constar que houvepedido formalizado na petição inicial, que foi oportunizado o contraditório, mas que ainda nãohouve decisão judicial a respeito, o candidato deve apreciar o pedido de desconsideração naprópria sentença. Nesse caso o pleito será decidido como um capítulo da sentença, o qual serárecorrível por meio de apelação (art. 1.009, § 3º).Se isso ocorrer, utilize um tópico na fundamentação para tratar da desconsideração, abordando opreenchimento ou não dos requisitos legais. No dispositivo, reforce o acolhimento (ou o nãoacolhimento) do pedido.

SITUAÇÕES JURÍDICAS ESPECIAIS

Condenação ao pagamento de prestações em dinheiroAfora os efeitos principais da sentença (declaratório, condenatório ou constitutivo), há efeitos que se manifestam

automaticamente, em decorrência de previsão legal, independentemente de qualquer pronunciamento judicial. Tais efeitos,denominados secundários ou acessórios, surgem do simples ingresso da sentença no mundo jurídico.

A hipoteca judiciária, conforme previsto no art. 495, constitui efeito secundário de toda sentença que condenar o réu aopagamento de prestação em dinheiro ou que determinar a conversão de prestação de fazer, não fazer ou dar coisa certa emprestação pecuniária. Em suma, agrega-se tal eficácia apenas às decisões que condenam o réu ao pagamento de prestaçãoconsistente em dinheiro, ou que determinam, a pedido do credor ou pela impossibilidade do cumprimento específico, aconversão em prestação pecuniária da prestação originariamente de fazer, não fazer ou de dar coisa.

No Código de 1973, a hipoteca judiciária, prevista no art. 466, não assegurava ao credor qualquer direito de preferênciaquanto ao recebimento dos créditos estabelecidos na sentença. Ela apenas figurava como meio preventivo para evitar aalienação dos bens em fraude à execução. O credor dispunha, então, apenas do direito de sequela, isto é, da prerrogativa deperseguir os bens hipotecados onde quer que se encontrassem. A preferência levava em consideração apenas o registro dapenhora ou do arresto, segundo posição dominante do STJ.

Conforme redação do art. 495, § 4º, do novo Código, “a hipoteca judiciária, uma vez constituída, implicará, para o credorhipotecário, o direito de preferência, quanto ao pagamento, em relação a outros credores, observada a prioridade no registro”.

Isso quer dizer que, nas hipóteses em que houver mais de um credor, o crédito daquele que fizer o registro da sentençaperante o cartório de registro imobiliário terá preferência em relação aos demais. Ressalte-se que essa regra é processual e,portanto, não se sobrepõe às preferências estabelecidas nas regras de direito material.

Nos termos do § 1º do art. 495, a sentença condenatória produz o efeito secundário relativo à hipoteca judiciária: (a)embora a condenação seja genérica, caso em que o registro da “garantia” depende da liquidação da sentença; (b) ainda que ocredor possa promover o cumprimento provisório da sentença ou esteja pendente arresto sobre bem do devedor; (c) mesmo queseja impugnada por recurso dotado de efeito suspensivo. Para evitar abusos, o próprio CPC prevê que, sobrevindo reforma ou ainvalidação da decisão que produziu a hipoteca judiciária, deverá a parte que promoveu o registro, independentemente de culpa,

11.2.

11.3.

responder pelos prejuízos causados à outra (art. 495, § 5º).Para a efetivação da hipoteca judiciária basta que o credor apresente cópia da sentença perante o registro imobiliário, sendo

desnecessária qualquer providência por parte do juiz (art. 495, § 2º).

ATENÇÃO

A hipoteca judiciária é consequência imediata da sentença, sendo desnecessária a manifestaçãodo julgador nesse sentido. Em suma, por ela ser uma subespécie de hipoteca legal, constitui-seindependentemente de pedido da parte ou do exercício de qualquer juízo de valor pelo magistrado.

Decisão que condena a obrigação de fazer ou de não fazerA preocupação com a efetividade do processo levou o legislador a criar mecanismos no processo de conhecimento e no de

execução para coagir o devedor a cumprir, tal como pactuadas, as obrigações de fazer e de não fazer, passando as perdas edanos a constituir o último remédio à disposição do credor (art. 499).

De acordo com o caput do art. 497, poderá o juiz, na sentença, se procedente o pedido, conceder a tutela específica daobrigação de fazer ou não fazer, ou determinar providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplementoda obrigação originária. Exemplo: o Ministério Público, em ação civil pública, pleiteia seja o réu condenado a não lançarpoluentes no ar. Poderá o juiz, na sentença, condenar o réu à tutela específica, consistente no abster-se de lançar poluentes, oudeterminar providências que assegurem o mesmo resultado prático, ou seja, a preservação do meio ambiente, que pode seralcançada com a instalação de filtros (tutela equivalente).

O referido dispositivo permite-nos extrair duas conclusões a propósito do momento para concessão da tutela equivalente.Pode ser concedida na própria sentença, em acolhimento a pedido alternativo do autor, ou de ofício, ante a impossibilidade deconcessão da tutela específica. Pode também a tutela equivalente ser concedida após a sentença, de ofício, como consequênciado descumprimento do preceito fixado no provimento judicial.

O parágrafo único do art. 497 é novidade no ordenamento. Ele assim dispõe: “Para a concessão da tutela específicadestinada a inibir a prática, a reiteração ou a continuação de um ilícito, ou a sua remoção, é irrelevante a demonstração daocorrência de dano ou da existência de culpa ou dolo.”

Apesar de inexistir correspondência no CPC/1973, a regra evidencia algo que já tinha aplicação na prática. Para surtirefeitos, a sentença de procedência pode ser complementada por comandos imperativos, acompanhados de medidas de pressãopara que o próprio devedor adote a conduta devida e produza o resultado específico. A ação ou omissão prejudicial à efetivaçãoda tutela correspondente deve ser “barrada”, mesmo que a parte contrária não esteja agindo com dolo ou com culpa. Em termospráticos, ao autor deve ser garantida a satisfação do direito já confirmado na sentença.

Independentemente da providência a ser adotada pelo magistrado para efetivar a tutela concedida na sentença, é possível aaplicação concomitante de multa como intuito de desestimular o réu a descumprir a determinação judicial (art. 500). A multapoderá ser fixada por tempo de atraso, de forma a coagir o devedor a adimplir a obrigação na sua especificidade. Até mesmonos casos em que a obrigação tenha se convertido em perdas e danos, permanece possível a aplicação da multa.

Além da multa, não se descarta a aplicação das medidas de apoio, tais como busca e apreensão, remoção de pessoas ecoisas, desfazimento de obras, intervenção em empresas e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição deforça policial (art. 536, § 1º).

Ao credor não é facultado optar pelo pagamento da multa ou pelo cumprimento do preceito fixado na sentença. Assim, se amulta não foi capaz de compelir o devedor a adimplir a obrigação específica, deverá o juiz determinar providências queassegurem o resultado prático equivalente ao adimplemento. Mesmo adimplindo a obrigação, poderá o credor, após o trânsitoem julgado da sentença, promover a execução da multa (execução por quantia certa).45

A conversão da obrigação em perdas e danos ocupa o último lugar no rol de alternativas postas à disposição do credor,figurando como medida substitutiva do objeto da obrigação original, caso não tenha a multa o poder de coação almejado e nãoseja possível obter a tutela equivalente (art. 499). Entretanto, poderá o autor desprezar as tutelas que o legislador lhe facultou erequerer, já na petição inicial, a substituição da obrigação específica por perdas e danos.

Decisão que condena a obrigação para a entrega de coisa certaQuanto à sentença ou acórdão que contenha obrigação de entrega de coisa, a efetivação da tutela far-se-á segundo o art.

11.4.

498, que assim prescreve:

Art. 498. Na ação que tenha por objeto a entrega de coisa, o juiz, ao conceder a tutela específica, fixará o prazo para ocumprimento da obrigação.Parágrafo único. Tratando-se de entrega de coisa determinada pelo gênero e pela quantidade, o autor individualizá-la-á napetição inicial, se lhe couber a escolha, ou, se a escolha couber ao réu, este a entregará individualizada, no prazo fixadopelo juiz.

Na petição inicial, o autor requererá a providência judicial almejada, consistente numa ordem, mandamento oudetermina-ção para que o réu entregue a coisa (certa) descrita no título que representa a obrigação (contrato de compra e venda,por exemplo). Quando se tratar de coisa incerta, ou seja, determinada apenas pelo gênero e quantidade (um boi zebu entreaqueles que se encontravam na Exposição de Uberaba), o autor a individualizará na petição inicial, se lhe couber a escolha;cabendo ao devedor escolher, a ordem judicial será no sentido de que entregue a coisa individualizada no prazo fixado pelo juiz(art. 498, parágrafo único). A ordem visada pelo autor poderá ser pleiteada a título de tutela antecipada ou final.

Em resposta ao pedido do autor, poderá o juiz, na decisão, final ou antecipatória, conceder a tutela específica, ouseja, determinar a entrega da coisa ou determinar providências que assegurem o mesmo resultado prático. Exemplo: aconcessionária se obrigou a entregar o automóvel modelo Marea ELX. Ocorre que o modelo ELX não é mais fabricado, mas aconcessionária tem em seu pátio o modelo ELP, similar ao que consta do contrato. Pode o juiz, a requerimento do autor,determinar a entrega do modelo similar, assegurando, assim, resultado prático equivalente.

Como meio de compelir o réu a cumprir a determinação judicial, também poderá o juiz, de ofício ou a requerimento daparte, impor multa (astreintes) ao devedor da obrigação, fixando-lhe prazo razoável para entrega da coisa. Para evitar repetição,fazemos remissão ao que afirmamos a propósito da multa relativa ao cumprimento das obrigações de fazer e não fazer,perfeitamente aplicável à efetivação da tutela das obrigações de entregar coisa.

Não sendo a multa eficaz para vencer a resistência do réu a entregar a coisa no prazo estabelecido, “será expedidomandado de busca e apreensão ou de imissão na posse em favor do credor, conforme se tratar de coisa móvel ou imóvel” (art.538).

A efetivação da tutela, como podemos verificar, é feita por coerção ou por atos do Estado-juízo sobre a própria coisa(busca e apreensão). Somente na hipótese extrema de perda da coisa ou de absoluta impossibilidade de apreendê-la, a obrigaçãoconverter-se-á em perdas e danos.

Decisão que tenha por objeto a emissão de declaração de vontadeSe a parte for condenada a emitir declaração de vontade, a sentença, uma vez transitada em julgado, produzirá todos os

efeitos da declaração não emitida (art. 501).Para facilitar a compreensão da regra constante no art. 501, vejamos o seguinte exemplo: duas pessoas celebram contrato

preliminar de compra e venda, por intermédio do qual o proprietário do bem imóvel se obriga a vendê-lo. Nesse caso, aobrigação pactuada pelo proprietário do bem é obrigação de fazer, com uma peculiaridade: o fazer não se refere à prestação deum fato, mas à emissão de declaração de vontade. Trata-se de obrigação de fazer não fungível, ou seja, a declaração da venda sópode ser feita pelo proprietário do bem. Entretanto, a despeito dessa impossibilidade de satisfação da obrigação por terceiro, oque interessa ao credor é o resultado, a transferência da propriedade do bem que o proprietário se obrigou a vender, poucoimportando o meio como se opera. Em razão dessa singularidade, é possível a satisfação da obrigação por meio de decisãojudicial que supra a vontade da outra parte. A sentença, nesse caso, de natureza constitutiva, terá o condão de substituir avontade da parte que se absteve de declarar.

ATENÇÃO

Se a situação fornecida pela banca do concurso se encaixar na hipótese do art. 501 do Novo CPC,não haverá espaço para, na sentença, ser concedido prazo para que o réu produza a declaração devontade que lhe cabia, nem para fazê-la mediante ameaça de multa. A técnica a ser empregada éuma só: o juiz deve produzir para o autor a declaração de vontade, de modo a alcançar o mesmoresultado que seria alcançado com o adimplemento do réu.

11.5.

12.

12.1.

12.1.1.

ReconvençãoA reconvenção figura no CPC como resposta que consiste em verdadeira ação do réu contra o autor. É cabível quando o

réu puder formular pretensão de direito material contra o autor, conexa com a causa principal, ou com o fundamento da defesa.Ex.: o autor ajuíza ação de cobrança com vistas ao recebimento de um crédito. O réu contesta, alegando compensação, ereconvém, para cobrar a diferença (fundamento da defesa).

Apesar de no Novo CPC não existir correspondente ao art. 318 do CPC/1973, que determinava o julgamento, na mesmasentença, da ação e da reconvenção, tal providência é medida de economia processual, devendo ser aplicada pelo julgador.

Assim, é preciso que o juiz, no relatório, após falar da ação, mencione a existência da reconvenção, seus fundamentos, seuslimites, seu pedido. É necessário que, na motivação, diga expressamente por que vai julgar procedente ou improcedente aação e por que vai julgar procedente ou improcedente a reconvenção, analisando os argumentos do autor e do réu e doreconvinte e do reconvindo, suas provas e alegações. É necessário finalmente que no dispositivo diga-se, expressamente, seacolhe ou rejeita o pedido do autor na ação e se acolhe ou rejeita o pedido do reconvinte na reconvenção.46

Duas importantes novidades trazidas pelo Novo Código de Processo Civil em relação à reconvenção, são as seguintes:

A reconvenção não é proposta de forma autônoma, como ocorria no CPC anterior. Isso porque, de acordo com o art. 343,caput, ela deve ser apresentada na própria contestação.Admite-se a ampliação subjetiva da reconvenção tanto no polo ativo quanto no polo passivo. De acordo com os §§ 3º e4º do art. 343, a reconvenção pode ser proposta contra o autor e um terceiro (litisconsórcio no polo passivo) ou pelo réuem litisconsórcio com terceiro (litisconsórcio no polo ativo).

PROVIMENTOS FINAISAinda que não haja requerimento da parte, deve a sentença dispor sobre os ônus sucumbenciais, ou seja, despesas

processuais e honorários de advogado – espécies de pedidos implícitos –, conforme os princípios da sucumbência ou dacausalidade.47

Em alguns casos, a lei determina que a sentença seja registrada ou averbada no registro pertinente. Exemplo: a sentençaque julga procedente a ação de usucapião deve ser registrada no cartório de registro de imóveis (art. 167, I, “28”, Lei6.015/1973). Assim, deve o julgador determinar que a providência seja realizada no final da sentença, antes da determinação depublicação, registro e intimação.

Outra providência que deve ser destacada é a sujeição da demanda ao duplo grau de jurisdição. Tal regra aplica-se àssentenças proferidas contra a União, os estados, o Distrito Federal, os municípios e suas respectivas autarquias e fundações dedireito público, e nas que julgarem improcedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução fiscal.

Como fecho da sentença, deve constar (é a praxe forense) a ordem para publicar, registrar e intimar (P. R. I.), a data, onome e a assinatura do juiz. Se for proferida em audiência, usa-se a fórmula: Dou a presente por publicada e as partes porintimadas. Registre-se.

Outros aspectos não examinados e que têm relevância para a validade da sentença poderão ser observados nos modelosconstantes da Parte III deste trabalho, na qual apresentaremos uma gama de exemplos de dispositivos e sentenças, bem como aresolução de questões (elaboração de sentenças cíveis) com maior incidência nos concursos para a magistratura.

Fixação de honorários advocatícios

Condenações contra particular

O § 2o do art. 85 do Novo CPC apresenta os mesmos critérios de apuração dos honorários previstos no CPC/1973 (art. 20,§ 3o). Todavia, verifica-se aprimoramento com relação à base de cálculo da verba honorária. Nas decisões de naturezacondenatória, o montante será fixado entre o mínimo de 10% e o máximo de 20% sobre o valor da condenação, do proveitoeconômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado na causa. A nova disposição vai ao encontro doentendimento jurisprudencial, que considera o aproveitamento obtido pela demanda um dos critérios para apuração da verbahonorária.48

12.1.2.

A fixação dos honorários deve ser feita no dispositivo da sentença. O julgador deve observar o seguinte:

Os honorários advocatícios são devidos na ação principal, na reconvenção, no cumprimento de sentença (provisório oudefinitivo), na execução (resistida ou não) e nos recursos (art. 85, § 1º);Para a fixação dos honorários advocatícios, nas hipóteses de perda do objeto, deve ser levado em conta o princípio dacausalidade. Exemplo: se o autor tinha interesse processual quando da propositura da demanda, mas houve carênciasuperveniente da ação, pela perda do objeto, o juiz deve avaliar se o réu deu causa ao ajuizamento da demanda. Emcaso positivo, deve condená-lo ao pagamento dos honorários advocatícios (art. 85, § 10);49

É expressamente vedada a compensação de honorários em caso de sucumbência parcial, de acordo com o § 14 do art. 85.Assim, pode-se afirmar que o entendimento constante na Súmula 306 do STJ está superado;50

Havendo requerimento, o pagamento da verba honorária pode ser feito em favor de sociedade de advogados em que ocredor seja sócio (art. 85, § 15). Tal previsão segue o entendimento jurisprudencial;51

Os juros de mora incidentes sobre a verba honorária serão contados desde o trânsito em julgado da decisão (art. 85, §16).52 Nesse sentido, ainda que os honorários não tenham sido impugnados em eventual recurso, os juros moratórios sóserão computados após o trânsito em julgado da última decisão, sendo irrelevante a preclusão sobre a questãoespecífica.

ATENÇÃO

“À Defensoria Pública atuando na qualidade de curador especial na defesa de réu revel citado poredital são cabíveis honorários sucumbenciais, caso seja o autor vencido na demanda” (AgRg noREsp nº 1.258.560/RS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 15/05/2012).

Condenações envolvendo a Fazenda Pública

De acordo com o CPC/1973, nas ações envolvendo a Fazenda Pública, os honorários advocatícios eram fixados porapreciação equitativa do juiz. Em síntese, cabia ao magistrado basear-se no caso concreto para recompensar o trabalho doadvogado. Essa regra possibilitava que, quando vencida a Fazenda Pública, fossem fixados honorários em valor irrisório,inclusive em percentual inferior a 10%.

A legislação atual felizmente não seguiu a sistemática anterior. O ponto principal da alteração é o estabelecimento de umpercentual mínimo de honorários em demandas envolvendo a Fazenda Pública. Assim, independentemente do valor dacondenação, os honorários advocatícios não poderão ser fixados em valor inferior ao mínimo estabelecido em lei. O grau dezelo do profissional, o lugar da prestação do serviço, a natureza e a importância da causa, bem como o trabalho realizado peloadvogado e o tempo para seu serviço também devem ser atendidos quando da fixação dos honorários (o que também vale paraas demandas em geral).

Os percentuais (mínimo e máximo) estão fixados nos incisos I a V do § 3o do art. 85, e devem ser aplicadosindependentemente do conteúdo da decisão (§ 6o). Isso quer dizer que, mesmo se o processo for extinto sem resolução do méritoou se a demanda for julgada improcedente, “a fixação dos honorários em favor do réu vencedor deve ser a mesma que severifica quando do autor vencedor [...]. Trata-se de excelente alteração, para equiparar as figuras do autor e do réu em relação àsucumbência”.53

ATENÇÃO

A nova regra fixada pelo CPC/2015 tem aplicação sempre que o ente público fizer parte doprocesso, seja no polo ativo ou passivo.

As margens de percentagem serão reduzidas gradativamente, conforme o aumento do valor da condenação ou do proveitoeconômico obtido.

Os percentuais estabelecidos no CPC/2015 serão aplicados no momento da prolação da sentença e terão por base o saláriomínimo vigente. No entanto, se a sentença for ilíquida, deve-se aguardar o procedimento de liquidação para posterior definição.

o

12.1.3.

Outra regra que deve ser observada é aquela prevista no § 5 do art. 85. De forma prática, vejamos como ficará a fixaçãodos honorários por meio do exemplo a seguir:

O município de Belo Horizonte/MG foi condenado a pagar a quantia de R$ 250.000,00 a título deindenização. Esse valor supera o montante de 200 salários mínimos (art. 85, § 3o, I), mas não chega asuperar o limite de 2.000 salários mínimos (art. 85, § 3o, II). O juiz deverá, então, fixar os honorários daseguinte forma: (i) de 10% a 20% sobre o valor de R$ 176.000,00, que corresponde a 200 saláriosmínimos;54 (ii) de 8% a 10% sobre o valor restante (R$ 74.000,00), observando-se, assim, a faixasubsequente à do art. 85, § 3o, I.

Em suma, “se o valor da condenação em honorários for superior ao da faixa 1 (inciso I do § 3º do art. 85), todo o valorcorrespondente ao da faixa 1 deve ser nela calculado, e só o restante será calculado na faixa 2 (inciso II do § 3º). E assimsucessivamente”.55

A fixação dos honorários da forma proposta permite, enfim, o adequado reconhecimento ao trabalho exercido peloadvogado.

Quanto à definição dos honorários nas execuções propostas contra a Fazenda Pública, as regras serão as mesmas do art. 85,§ 3o, mas com uma ressalva: nas ações não impugnadas, submetidas ao regime dos precatórios, não serão devidos honoráriosadvocatícios (art. 85, § 7o). No entanto, na hipótese de execução de pequeno valor (art. 100, § 3o, CF),56 com pagamento viaRequisição de Pequeno Valor (RPV), serão devidos os honorários. Este já era, ainda, o posicionamento anotado por nossostribunais superiores.57

Atualização dos honorários

Com o objetivo de facilitar a confecção da sentença, trazemos a seguinte tabela de atualização dos honorários advocatícios:

CORREÇÃO MONETÁRIA JUROS DE MORA

1ª HIPÓTESE: Se os honorários forem fixados emquantia certa, a correção incide a partir da data dafixação, ou seja, da data da prolação da sentença. É aposição pacífica da jurisprudência (por exemplo: AgRgno AgRg no AREsp 360.741/AL, j. em 12/08/2014).Aqui o juiz condena em valor FIXO (R$ 1.000,00, p.ex.) e não em percentual.2ª HIPÓTESE: se os honorários forem arbitrados empercentual sobre o valor da causa, a correção monetáriaincide a partir do respectivo ajuizamento. É o teor daSúmula 14 do STJ que ainda está “em vigor”. E quandoisso pode ocorrer? De acordo com o Novo CPC, senão houver condenação principal ou não for possívelmensurar o proveito econômico obtido, a condenaçãoserá sobre o valor atualizado da causa (art. 85, § 4º, III).

1ª HIPÓTESE: Art. 85, § 16. Quando os honoráriosforem fixados em quantia certa, os juros moratóriosincidirão a partir da data do trânsito em julgado dadecisão.Esse era o entendimento do STJ antes mesmo daentrada em vigor do Novo CPC. Na sentença você nãoprecisa se preocupar em especificar, pois decorre daprópria lei.2ª HIPÓTESE: Em se tratando de verba honoráriafixada em percentual sobre o valor da causa, os jurosde mora incidem a partir da intimação para ocumprimento de sentença. Como são juros de mora, sódeve começar a correr quando transcorrido o prazopara o condenado voluntariamente pagar.

HIPÓTESE ESPECIAL (vale para correção monetária e para os juros): sendo os honorários fixados empercentual da condenação ou do proveito econômico – é o mais comum –, a atualização financeira deveráseguir o principal. CUIDADO: se você já determinar a atualização do valor da condenação, os honoráriosnão poderão ser novamente atualizados (eles já irão incidir sobre a verba principal atualizada). É assim quese manifesta a jurisprudência: “Sendo verba honorária calculada a partir de percentual incidente sobre omontante total da condenação e estando este devidamente atualizado, não há espaço para a alegação denova incidência de juros moratórios sobre o valor dos honorários advocatícios” (STJ, AgRg no REspn. 1.182.162). Exemplo de decisão: “Condeno o requerido ao pagamento de honorários advocatícios na

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importância de 10% sobre o valor atualizado da condenação (art. 85, § 2º, CPC/2015).” Os juros de mora sóvão incidir se não houver pagamento da condenação e, consequentemente, dos honorários advocatícios.

Súmulas do STJ sobre o tema

Tratando-se de fixação de honorários, devem ser observados os seguintes entendimentos do Superior Tribunal de Justiça,ainda válidos após a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil:

Súmula 519: “Na hipótese de rejeição da impugnação ao cumprimento de sentença, não são cabíveis honoráriosadvocatícios.”Súmula 517: “São devidos honorários advocatícios no cumprimento de sentença, haja ou não impugnação, depois deescoado o prazo para pagamento voluntário, que se inicia após a intimação do advogado da parte executada.” Atenção:o CPC/2015 esclarece que os honorários são devidos no cumprimento definitivo ou provisório (art. 85, caput).Súmula 303: “Em embargos de terceiro, quem deu causa à constrição indevida deve arcar com os honoráriosadvocatícios.”Súmula 201: “Os honorários advocatícios não podem ser fixados em salários mínimos.”Súmula 141: “Os honorários de advogado em desapropriação direta são calculados sobre a diferença entre a indenizaçãoe a oferta, corrigidas monetariamente.” Súmula 111: “Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, não incidem sobre as prestações vencidas após asentença.”Súmula 105: “Na ação de mandado de segurança não se admite condenação em honorários advocatícios.”

ATENÇÃO

Duas súmulas do Superior Tribunal de Justiça que tratam especificamente de honoráriosadvocatícios foram superadas após a entrada em vigor do Novo CPC. São elas:– Súmula 453: “Os honorários sucumbenciais, quando omitidos em decisão transitada em julgado,não podem ser cobrados em execução ou em ação própria.” Motivo: o art. 85, § 18, do Novo CPCaltera esse entendimento ao prever que, “Caso a decisão transitada em julgado seja omissaquando ao direito aos honorários ou ao seu valor, é cabível ação autônoma para sua definição ecobrança”. Ou seja, é desnecessária a oposição de embargos de declaração quando o juiz seomite na sentença quanto à fixação dessa verba.– Súmula 306: “Os honorários advocatícios devem ser compensados quando houver sucumbênciarecíproca, assegurado o direito autônomo do advogado à execução do saldo sem excluir alegitimidade da própria parte.” Motivo: esse entendimento está superado por força da regra do art.85, § 14, que proíbe expressamente a compensação.

Remessa necessáriaO princípio do duplo grau de jurisdição consiste na possibilidade assegurada às partes de submeter matéria já apreciada e

decidida pelo juízo originário a novo julgamento por órgão hierarquicamente superior. Embora se trate de princípio ínsito aosistema recursal, o duplo grau de jurisdição também encontra seu fundamento nas hipóteses em que, vencida a Fazenda Pública,a sentença precisa ser submetida ao tribunal, para fins de confirmação, mesmo que não haja recurso por parte do ente públicovencido.

Trata-se do reexame necessário – remessa necessária ou duplo grau de jurisdição obrigatório –, que não deve serconsiderado recurso, seja por lhe faltar tipicidade, seja por não deter diversos dos requisitos básicos exigidos para caracterizaçãodos recursos, como a necessidade de fundamentação, o interesse em recorrer, a tempestividade, o preparo, a voluntariedade,entre outros. Por esse motivo, entende-se que a remessa necessária tem natureza jurídica de condição de eficácia da sentença,não se relacionando, portanto, com os recursos previstos na legislação processual.

No anteprojeto do Novo CPC uma das propostas era a extinção da remessa necessária. Apesar de não ter havido adesão departe da bancada legislativa, o art. 496 da nova legislação restringiu as hipóteses de aplicação do instituto.

13.

Art. 496. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, asentença:I – proferida contra a União, os estados, o Distrito Federal, os municípios e suas respectivas autarquias e fundações dedireito público;II – que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução fiscal.[...] § 3o Não se aplica o disposto neste artigo quando a condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valorcerto e líquido inferior a:I – 1.000 salários mínimos para a União e as respectivas autarquias e fundações de direito público;II – 500 salários mínimos para os estados, o Distrito Federal, as respectivas autarquias e fundações de direito público e osmunicípios que constituam capitais dos estados;III – 100 salários mínimos para todos os demais municípios e respectivas autarquias e fundações de direito público.§ 4o Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em:I – súmula de tribunal superior;II – acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursosrepetitivos;III – entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;IV – entendimento coincidente com orientação vinculante firmada no âmbito administrativo do próprio ente público,consolidada em manifestação, parecer ou súmula administrativa.

Como se vê, o novo Código estabelece valores diferenciados de acordo como ente envolvido. De fato, os entes mais bemaparelhados são os que menos precisam desse privilégio, sendo plenamente justificável a diferenciação. Ressalte-se que tal ideiajá havia sido proposta em diversos projetos de lei, entre os quais citamos o PL nº 3.533/2004, que previa a remessa necessáriaapenas nos casos em que a sentença fosse desfavorável aos municípios com população igual ou inferior a 1 milhão dehabitantes.

O parâmetro “valor da condenação” somente se aplica às hipóteses em que a sentença contiver valor certo e líquido.Assim, para os casos em que for necessária a liquidação, a remessa continua sendo obrigatória. Esse já era, até, o entendimentodo STJ: “A dispensa de reexame necessário, quando o valor da condenação ou do direito controvertido for inferior a sessentasalários mínimos, não se aplica a sentenças ilíquidas” (Súmula 490).

A redação do § 3º ampliou as hipóteses nas quais deverá prevalecer o entendimento jurisprudencial em detrimento daremessa necessária. As novas disposições permitem a efetivação do princípio da razoável duração do processo especialmenteaos casos em que, inevitavelmente, o desfecho da demanda seria apenas confirmado pelo tribunal superior. A premissa nessescasos é: se a sentença está de acordo com o entendimento dos tribunais superiores, não há razões para submetê-la a reexamepara simples confirmação do fundamentado utilizado pelo julgador na fundamentação da sentença originária.

ATENÇÃO

Se a condenação não se enquadrar nas exceções previstas nos §§ 3º e 4º do art. 496, você devesubmeter a decisão ao duplo grau de jurisdição. Por exemplo: “Decorrido o prazo legal para ainterposição de recurso voluntário, remetam-se os autos ao Egrégio Tribunal de Justiça para osfins do art. 496 do Novo Código de Processo Civil”.Se o duplo grau puder ser dispensado, é importante que haja fundamentação sobre a dispensa.Por exemplo: “Essa decisão não está sujeita ao reexame necessário, porquanto a condenação domunicípio é inferior ao valor descrito no inciso III, § 3º, do art. 496, CPC. Assim, decorrido o prazolegal para a interposição de recurso voluntário, certifique-se o trânsito em julgado e, em seguida,arquivem-se os autos, com a devida baixa na distribuição.”Qualquer dessas informações deve ser lançada no final do dispositivo, antes da expressão“Publique-se. Registre-se. Intimem-se.”

MODIFICAÇÃO DA SENTENÇA

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Art. 494. Publicada a sentença, o juiz só poderá alterá-la:I – para corrigir-lhe, de ofício ou a requerimento da parte, inexatidões materiais ou erros de cálculo;II – por meio de embargos de declaração.

De acordo com o Código em vigor, a publicação pode se dar na própria audiência em que foi prolatada e as partes foramintimadas, ou em momento posterior, com a intimação da parte (art. 1.003, §§ 1º e 2º).

O novo CPC também permite a alteração da sentença as seguintes hipóteses:

Quando interposto recurso de apelação contra as decisões previstas nos incisos do art. 485 (§ 7º). São os casos que levamà extinção do processo sem resolução do mérito;Quando interposto recurso de apelação contra o indeferimento da petição inicial (art. 331, § 1º);Quando interposto recurso de apelação contra decisão que julga liminarmente improcedente o pedido (art. 332, § 3º).

Em todas essas hipóteses a lei permite ao juiz o exercício do juízo de retratação, também chamado de efeito regressivoda apelação.

Do que foi exposto, resulta que a sentença, exceto nos casos suprarreferidos, só pode ser alterada para corrigir inexatidõesmateriais ou erros de cálculo ou por meio de embargos de declaração. Por inexatidão material entende-se o erro perceptível semmaior exame, que traduz desacordo entre a vontade do juiz e a expressa na sentença. Omitiu-se, por exemplo, o nome de umadas partes. Erro de cálculo passível de correção é o que resulta de equívocos aritméticos, por exemplo, a inclusão de parceladevida e não constante do cálculo por equívoco.

A correção pode ser feita por despacho retificador (que não altera a substância do julgado e, portanto, não tem qualquerreflexo sobre o prazo recursal), a qualquer tempo, mesmo depois de transitada em julgado a sentença.

Além das hipóteses de erros materiais ou de cálculo, o Código contempla a possibilidade de correção da sentença, por meiode embargos de declaração, quando houver obscuridade, contradição ou for omitido ponto sobre o qual o juiz deveriapronunciar-se.

Os embargos, espécie de recurso dirigido ao próprio prolator da decisão e por ele julgado, são opostos no prazo de cincodias, interrompendo-se o prazo para a interposição de outros recursos (arts. 1.023 e 1.026).

O acolhimento dos embargos é feito com a prolação de decisão complementar, que se integra à sentença declarada.

Ainda que se considere uma alteração, o texto do CPC/1973 já era interpretado pela jurisprudência conforme o critériofinalístico. Nesse sentido: “Para a caracterização do ato judicial como sentença, decisão interlocutória ou despacho, nãoimporta sua forma nem seu conteúdo. O dado discriminador é, efetivamente, a finalidade do ato – se põe termo aoprocesso, se resolve questão incidente; ou, se meramente ordinatório, que visa impulsionar o processo” (STJ, REsp no

759.886/PE, Rel. Min. Paulo Medina, 6a Turma, julgado em 13/12/2005).Curso de Direito processual civil, v. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 559.Em razão da tradição romanística, classificam-se igualmente as ações em declaratórias, condenatórias e constitutivas(classificação ternária), ou, de acordo com Pontes de Miranda, em declaratórias, condenatórias, constitutivas, executivaslato sensu e mandamentais (classificação quinária). Todavia, ação consiste no direito público subjetivo de postular a tutelajurisdicional do Estado. Declarar, condenar ou constituir são atributos da tutela jurisdicional, do provimento, contido nasentença ou no acórdão.A sentença homologatória tem a mesma natureza do negócio jurídico homologado. Pode ser condenatória, declaratória ouconstitutiva, conforme o ajuste estabelecido entre as partes.Esse já era o entendimento firmado na doutrina e na jurisprudência, apesar de não existir previsão expressa no CPC/1973, queapenas mencionava os juros legais (art. 293, CPC/1973). Por exemplo: “A inclusão de juros de mora e de correçãomonetária, em sede de liquidação de sentença, mercê de implícitos no pedido (art. 293 do CPC), não configura julgamentoultra ou extra petita [...]” (STJ, AgRg no AgRg no REsp no 1156581/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 03/08/2010, DJe16/08/2010).Nas ações de ressarcimento, por exemplo, pode o sentenciante (juiz), não dispondo de elementos nos autos para fixar o valor dacondenação, proferir sentença ilíquida, remetendo as partes para a liquidação. Nesse sentido é o entendimento do STJ (ver:

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REsp 259.607/SP, j. 05.11.2009).ARENHART, Sérgio Cruz; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil comentado.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 496.RT 472/150RSTJ 67/393.STJ, REsp: 674219/RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 14/12/2004, DJ 09/02/2005.STJ, 5ª T., AgRgRg no Ag nº 952.063/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. em 26/10/2010, DJe de 06/12/2010.SANTOS, Ernane Fidélis dos. Comentários ao Código de Processo Civil, v. 3, t. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 263.DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado.São Paulo: Saraiva, 1995, p. 124.O fato ou direito superveniente pode ser arguido no âmbito dos tribunais, desde que seja oportunizado previamente ocontraditório. Nesse sentido: “Processual civil. Embargos de declaração no agravo regimental no agravo em recursoespecial. Ausência de omissão, contradição ou obscuridade. Efeitos infringentes. Art. 462 do CPC [art. 493, CPC/2015].Alegação de fato novo em sede de recurso especial. Impossibilidade. Falta de prequestionamento e supressão de instância.[...] O fato novo de que trata o art. 462 do CPC refere-se àqueles supervenientes à instrução e que devem ser levados emconta pelo magistrado quando da pro-lação da sentença. Por construção doutrinária e jurisprudencial, entende-se que o fatonovo deve ser apreciado não apenas pelo juízo monocrático, de primeira instância, mas também pelo tribunal respectivo, aquem cabe a cognição mais abrangente de todos os elementos do feito. Todavia, não é possível a alegação de fato novoexclusivamente em sede de recurso especial por carecer o tema do requisito indispensável de prequestionamento eimportar, em última análise, em supressão de instância [...]” (STJ, Embargos de Declaração no Agravo do AREsp115.883/RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 04.04.2013). O Novo CPC consolida esse entendimento no art. 933: “Se orelator constatar a ocorrência de fato superveniente à decisão recorrida ou a existência de questão apreciável de ofícioainda não examinada que devam ser considerados no julgamento do recurso, intimará as partes para que se manifestem noprazo de cinco dias.”THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito processual civil. 48. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 486.“Claramente, com o escopo de cumprir a prestação jurisdicional o juiz está autorizado a decidir todas as questões logicamenteantecedentes ao pedido do autor, que é o objeto da demanda. Mas referidas questões são decididas incidentemente,objetivando apenas poder chegar à questão de fundo. Mas tais decisões não fazem ‘coisa julgada’, mesmo porque estaincide apenas sobre a questão da decisão principal. Assim, para que a relação jurídica prejudicial também seja julgadacomo principal, fazendo coisa julgada, é preciso que sobre ela haja pedido expresso, nos termos do art. 325, que é o pedidode declaração incidente que, também, pode ser denominada propositura de ação declaratória incidental” (TJSP, Ap.45.582-1, 6ª Câmara, Rel. Des. Camargo Sampaio, j. 17.05.1984). Ressalte-se que, de acordo com o CPC/2015, não seránecessária a propositura de ação declaratória incidental para que a questão prejudicial seja acobertada pela coisa julgada.DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito processual civil, v. 2.Salvador: Juspodivm, p. 536.O art. 34, caput, da Lei 3.365/1941 prevê que o levantamento do preço fixado na sentença, a título de indenização peladesapropriação, será deferido mediante prova de propriedade, de quitação de dívidas fiscais que recaiam sobre o bemexpropriado, e publicação de editais, com o prazo de dez dias, para conhecimento de terceiros. Caso haja discussão sobre apropriedade, deverá ser ajuizada ação própria para disputa do valor depositado, eis que nessa espécie de procedimento nãose admite discussão sobre o domínio.DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito processual civil, v. 2.Salvador: Juspodivm, p. 535.Vale lembrar que, se o juiz anuncia o julgamento antecipado com base no inciso I do art. 355, não é possível que ele julgueimprocedente o pedido por falta de provas. Nesse sentido: “O juiz que promove o julgamento antecipado do mérito pordesnecessidade de outras provas não pode proferir sentença de improcedência por insuficiência de provas” (Enunciado297, do Fórum Permanente de Processualistas Civis).DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito processual civil, v. 1. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 666.NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito processual civil. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 622.Na sistemática do CPC/1973, inadmitia-se a prolação de sentenças parciais de mérito. Nesse sentido: “Mesmo após asalterações promovidas pela Lei 11.232/2005 no conceito de sentença (arts. 162, § 1º, 269 e 463 do CPC), não se admite aresolução definitiva fracionada da causa mediante prolação de sentenças parciais de mérito [...]. Ademais, apesar de oNovo CPC (Lei 13.105/2015), que entrará em vigor no dia 17 de março de 2016, ter disciplinado o tema com maior

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amplitude no art. 356, este diploma não pode incidir antes da referida data nem de forma retroativa, haja vista os princípiosdo devido processo legal, da legalidade e do tempus regit actum” (STJ, REsp 1.281.978/ RS, Rel. Min. Ricardo VillasBôas Cueva, j. 05.05.2015, DJe 20.05.2015).BRAGA, Paula Sarno Braga; DIDIER JR., Fredie; OLIVEIRA, Rafael Alexandria. Curso de Direito processual civil, v. 2.Salvador: Juspodivm, 2015, p. 584.Nesse sentido: STF, HC nº 74073/RJ.O STJ expressa o mesmo entendimento em diversos julgados. Por exemplo: AgRg no AREsp 549.852/RJ, rel. Min. HumbertoMartins, j. 07.10.2014.Citem-se os Enunciados 42 e 47 da Escola Nacional de Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), que acabam afastando aaplicação desse dispositivo: “Não será declarada a nulidade sem que tenha sido demonstrado o efetivo prejuízo porausência de análise de argumento deduzido pela parte.” “O art. 489 do CPC/2015 não se aplica ao sistema de juizadosespeciais.” Não há como afirmar se essas serão as teses adotadas pela jurisprudência. Por enquanto, esses enunciadosindicam uma provável interpretação por parte da carreira da magistratura.“O juiz proferirá sentença, acolhendo ou rejeitando, no todo ou em parte, o pedido formulado pelo autor. Nos casos deextinção do processo sem julgamento do mérito, o juiz decidirá de forma concisa.”Trata-se de rol exemplificativo, o que é confirmado pelo Enunciado 303 do Fórum Permanente de Processualistas Civis(FPPC): “As hipóteses descritas nos incisos do § 1º do art. 489 são exemplificativas.” Afora isso, “Aplica-se o art. 489, §1º, a todos os processos pendentes de decisão ao tempo da entrada em vigor do CPC, ainda que conclusos os autos antes dasua vigência” (Enunciado 308, FPPC).COSTA, Judith Martins. BRANCO, Gerson Luiz Carlos. Diretrizes teóricas do Novo Código Civil brasileiro. São Paulo:Saraiva, 2002, p. 117-119.De acordo com as lições de Fredie Didier Jr. et al., exatamente por ser obrigatória a observância dos precedentes descritos noart. 927, “os juízes e tribunais, independentemente de provocação, deverão conhecê-los de ofício, sob pena de omissão edenegação de justiça – mas não sem antes ouvir as partes a seu respeito (cf. arts. 10 e 927, § 1º, CPC). Por isso, é oportunaa previsão do art. 1.022, parágrafo único, I, CPC, de que é omissa a decisão que ‘deixe de manifestar sobre tese firmada emjulgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento’, que sãoprecedentes obrigatórios na forma do art. 927, III, CPC” (BRAGA, Paula Sarno; DIDIER JR., Fredie; OLIVEIRA, RafaelAlexandria. Curso de Direito processual civil, v. 2. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 455).Alguns dos enunciados da Enfam sobre esse dispositivo: “É ônus da parte, para os fins do disposto no art. 489, § 1º, V e VI,do CPC/2015, identificar os fundamentos determinantes ou demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento oua superação do entendimento, sempre que invocar jurisprudência, precedente ou enunciado de súmula” (Enunciado nº 9).“Os precedentes a que se referem os incisos V e VI do § 1º do art. 489 do CPC/2015 são apenas os mencionados no art.927 e no inciso IV do art. 332” (Enunciado nº 11). “A decisão que aplica a tese jurídica firmada em julgamento de casosrepetitivos não precisa enfrentar os fundamentos já analisados na decisão paradigma, sendo suficiente, para fins deatendimento das exigências constantes no art. 489, § 1º, do CPC/2015, a correlação fática e jurídica entre o caso concreto eaquele apreciado no incidente de solução concentrada” (Enunciado nº 19). Como se pode perceber, a interpretação porparte da magistratura parece ser de restringir o alcance desses dispositivos.NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito processual civil, v. ún. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 131.CARNEIRO, Athos Gusmão. Intervenção de terceiros. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 67.THEODORO JÚNIOR, Humberto. Op. cit., p. 138.MENEZES, Iure Pedroza. A denunciação da lide no novo CPC e seus reflexos no Código Civil: a extinção da obrigatoriedadeno caso de evicção. In: DIDIER JR., Fredie; BASTOS, Antonio Adonias Aguiar (coords.). O projeto do novo Código deProcesso Civil. Estudos em homenagem ao Professor José Joaquim Calmon de Passos. Salvador: Juspodivm, 2012, p. 353.A prova está disponível em: http://www.pucpr.br/arquivosUpload/5373290551365022154.pdf. A sentença foi adaptada eresolvida com base no CPC/2015.Durante muito tempo o entendimento que prevaleceu nas Cortes Superiores era o de que apenas na hipótese do inciso I adenunciação da lide era tida como providência obrigatória para que o denunciante pudesse exercer o direito que da evicçãolhe resultasse. A obrigatoriedade decorria do disposto no art. 456 do CC, segundo o qual, “para poder exercitar o direitoque da evicção lhe resulta, o adquirente notificará do litígio o alienante imediato, ou qualquer dos anteriores, quando ecomo lhe determinarem as leis do processo”. A notificação, no caso, consistiria na denunciação da lide. Se o adquirentenão fizesse isso, perderia os direitos oriundos da evicção, não mais dispondo de ação direta para exercitá-los. Com o tempo

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o próprio STJ consolidou o entendimento no sentido de que o direito do evicto de recobrar o preço pela coisa perdidaindependeria de denunciação, podendo ser exercido em ação própria. Nesse sentido: “A orientação jurisprudencial doSuperior Tribunal de Justiça é no sentido de que a denunciação à lide do art. 70, inc. III, do CPC, em razão dos princípiosda economia e da celeridade processual, não é obrigatória” (STJ, AgRg no REsp 1406741/RJ, Rel. Min. Mauro CampbellMarques, 2a Turma, julgado em 26/11/2013, DJe 04/12/2013).MENEZES, Iure Pedroza. A denunciação da lide no Novo CPC e seus reflexos no Código Civil: a extinção daobrigatoriedade no caso de evicção. In: DIDIER Jr., Fredie; BASTOS, Antonio Adonias Aguiar (coords.). O projeto doNovo Código de Processo Civil. Estudos em homenagem ao Professor José Joaquim Calmon de Passos. Salvador:Juspodivm, 2012, p. 357.Código Civil, art. 456. “Para poder exercitar o direito que da evicção lhe resulta, o adquirente notificará do litígio o alienanteimediato, ou qualquer dos anteriores, quando e como lhe determinarem as leis do processo.”CARNEIRO, Athos Gusmão. Intervenção de terceiros. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 102-103.É que o se vê no seguinte julgado: “O juiz pode determinar, de forma incidental, na execução singular ou coletiva, adesconsideração da personalidade jurídica de sociedade. De fato, segundo a jurisprudência do STJ, preenchidos osrequisitos legais, não se exige, para a adoção da medida, a propositura de ação autônoma.” Precedentes citados: REsp1.096.604-DF, 4a Turma, DJe 16/10/2012; e REsp 920.602-DF, 3a Turma, DJe 23/6/2008 (STJ, REsp 1.326.201/ RJ, Rel.Min. Nancy Andrighi, julgado em 07/05/2013).Código Civil, art. 50. “Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusãopatrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo,que os efeitos de certas e determinadas relações de obri-gações sejam estendidos aos bens particulares dos administradoresou sócios da pessoa jurídica.”Vale lembrar que o Código de Defesa do Consumidor e a Lei no 9.605/1988, que trata dos crimes ambientais, adotaram a“teoria menor da desconsideração”, que se justifica pela simples comprovação do estado de insolvência. Nos temasreferentes a Direito ambiental e a Direito do consumidor, os prejuízos eventualmente causados pela pessoa jurídica aoconsumidor ou ao meio ambiente serão suportados pelos sócios, não se exigindo qualquer comprovação quanto àexistência de dolo ou culpa. Ressalte-se que o ordenamento jurídico pátrio aplica, como regra, a “teoria maior dadesconsideração” (STJ, REsp no 970.365/SP), sendo tais hipóteses consideradas excepcionais.O valor da multa cominatória pode ser, até, superior ao montante da obrigação principal. Isso porque “o objetivo da astreintenão é constranger o réu a pagar o valor da multa, mas forçá-lo a cumprir a obrigação específica. Dessa forma, o valor damulta diária deve ser o bastante para inibir o devedor que descumpre decisão judicial, educando-o. Nesse passo, é lícito aojuiz, adotando os critérios da razoabilidade e da proporcionalidade, limitar o valor da astreinte, a fim de evitar oenriquecimento sem causa [...]. Nessa medida, a apuração da razoabilidade e da proporcionalidade do valor da multa diáriadeve ser verificada no momento de sua fixação em cotejo com o valor da obrigação principal. Com efeito, a redução domontante total a título de astreinte, quando superior ao valor da obrigação principal, acaba por prestigiar a conduta derecalcitrância do devedor em cumprir as decisões judiciais, bem como estimula a interposição de recursos com esse fim,em total desprestígio da atividade jurisdicional das instâncias ordinárias. Em suma, deve-se ter em conta o valor da multadiária inicialmente fixada e não o montante total alcançado em razão da demora no cumprimento da decisão. Portanto, afim de desestimular a conduta recalcitrante do devedor em cumprir decisão judicial, é possível se exigir valor de multacominatória superior ao montante da obrigação principal” (STJ, REsp 1.352.426-GO, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em05/05/2015, DJe 18/05/2015).CORRÊA, Orlando de Assis. Sentença cível: elaboração – nulidades. 3. ed. Rio de Janeiro: Aide, 1987, p. 197-198.De acordo com o princípio da sucumbência, todos os gastos do processo devem ser atribuídos à parte vencida na causa,independentemente de sua culpa pela derrota. Ocorre que esse princípio, por si só, não é suficiente para resolver comsegurança todas as situações do cotidiano jurídico. Por esse motivo, em alguns casos, há de se considerar também, nafixação dos honorários advocatícios, o princípio da causalidade, segundo o qual é responsável pelas despesas processuaisaquele que tiver dado causa à instauração do processo.“Na espécie, a verba honorária foi fixada pela instância a quo em quantia ínfima e desproporcional com o proveito econômicoobtido na demanda, comportando, assim, majoração para valor que remunere dignamente o trabalho profissionaldesenvolvido” (STJ, AgRg no REsp 1320789/RS, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1a Turma, julgado em 28/05/2013, DJe04/06/2013).No mesmo sentido: “Conforme o entendimento adotado por esta Corte, a sucumbência é analisada em relação ao princípio da

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causalidade, o qual permite afirmar que quem deu causa à propositura da ação deve arcar com os honorários advocatícios,mesmo ocorrendo a superveniente perda do objeto e, consequente, extinção do feito” (AgRg no Ag no 1.149.834/RS, Rel.Min. Vasco Della Giustina, 3a Turma, DJe 01/09/2010).Assim é o Enunciado n. 244 do FPPC: “Ficam superados o Enunciado 306 da súmula do STJ (‘Os honorários advocatíciosdevem ser compensados quando houver sucumbência recíproca, assegurado o direito autônomo do advogado à execuçãodo saldo sem excluir a legitimidade da própria parte’) e a tese firmada no REsp Repetitivo n. 963.528/PR, após a entradaem vigor do CPC, pela expressa impossibilidade de compensação.”“Este Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento no sentido de que é possível a expedição de alvará delevantamento de verba honorária em favor de sociedade de advogados, ainda que a procuração outorgada a advogado quelhe seja integrante não a mencione. Precedente” (REsp 823.610/DF, Rel. Min. Carlos Fernando Mathias (TRF 1a Região),2a Turma, julgado em 08/04/2008, DJe 13/05/2008).O CPC/2015 apresenta tratamento similar àquele conferido pela jurisprudência. Nesse sentido, cf. AgRg no REsp 142.421/PR;REsp 492.171/RS.DELLORE, Luiz; GAJARDONI, Fernando da Fonseca; OLIVEIRA JR. Zulmar Duarte; ROQUE, André. Teoria geral doprocesso – comentários ao CPC de 2015 (Parte Geral). São Paulo: Método, 2015, p. 294.Aplicou-se neste exemplo o valor do salário mínimo vigente a partir de janeiro de 2016, ou seja, R$ 880,00 (oitocentos eoitenta reais).DELLORE, Luiz; GAJARDONI, Fernando da Fonseca; OLIVEIRA JR. Zulmar Duarte; ROQUE, André. Teoria geral doprocesso – comentários ao CPC de 2015 (Parte Geral). São Paulo: Método, 2015, p. 295.CF, art. 100. “Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, estaduais, distrital e municipais, em virtude desentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditosrespectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos paraeste fim. [...] § 3o O disposto no caput deste artigo relativamente à expedição de precatórios não se aplica aos pagamentosde obrigações definidas em leis como de pequeno valor que as Fazendas referidas devam fazer em virtude de sentençajudicial transitada em julgado.”Nesse sentido: “Processual civil. Execução contra a Fazenda Pública não embargada. Pequeno valor. Dispensa de precatório.Cabimento de honorários advocatícios. Interpretação conforme a constituição do art. 1o-D da Lei 9.494/1997. 1. Em setratando de execução por quantia certa de título judicial contra a Fazenda Pública, a regra geral é a de que somente sãodevidos honorários advocatícios se houver embargos. É o que decorre do art. 1o-D da Lei 9.494/1997, introduzido pelaMedida Provisória 2.180-35, de 24 de agosto de 2001. 2. A regra, todavia, é aplicável apenas às hipóteses em que aFazenda Pública está submetida a regime de precatório, o que impede o cumprimento espontâneo da prestação devida porforça da sentença. Excetuam-se da regra, portanto, as execuções de pequeno valor, de que trata o art. 100, § 3o, daConstituição, não sujeitas a precatório, em relação às quais a Fazenda fica sujeita a honorários nos termos do art. 20, § 4o,

do CPC. Interpretação conforme à Constituição do art. 1o-D da Lei 9.494/1997, conferida pelo STF (RE 420816, relatorpara acórdão Min. Sepúlveda Pertence). 3. Consideram-se de pequeno valor, para esse efeito, as execuções de (a) atésessenta salários mínimos, quando devedora for a União Federal (Lei 10.259/2001, art. 17 § 1o); (b) até quarenta saláriosmínimos ou o estabelecido pela legislação local, quando devedor for estado-membro ou o Distrito Federal (ADCT art. 87);e (c) até trinta salários mínimos ou o estabelecido pela legislação local, quando devedor for município (ADCT, art. 87). 4.Sendo a execução promovida em regime de litisconsórcio ativo facultativo, a aferição do valor, para os fins do art. 100, §3o, da Constituição, deve levar em conta o crédito individual de cada exequente (art. 4o da Resolução 373, de 25.05.2004,do Conselho da Justiça Federal). Precedente: REsp. no 728.163/RS, 1a Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ21.11.2005. 5. Recurso especial a que se dá provimento” (STJ Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 08/05/2007).

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Aspectos Práticos

EXEMPLOS DE DISPOSITIVOS

Condenação em danos materiais (responsabilidade contratual)Ante o exposto, acolho o pedido pleiteado pelo autor, com resolução de mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC, para

condenar o réu ao pagamento de R$ 5.000,00 a título de danos materiais, com juros legais de 1% a partir da citação e correçãomonetária a partir da data do efetivo prejuízo, nos termos da Súmula 43 do STJ. Custas e honorários pelo réu, os últimosarbitrados em 10% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC.

ATENÇÃO

Na responsabilidade contratual o termo inicial dos juros deve observar o art. 397 do Código Civilquando se tratar de violação de obrigação líquida. Se no enunciado na questão constar aidentificação de que o valor foi atualizado, deve-se considerar como termo inicial a citação,evitando dupla incidência de juros, pois o valor indicado na petição inicial normalmente já estáatualizado. Caso se trate de mora ex persona, os juros serão contados a partir da citação (art. 405,Código Civil). Na responsabilidade extracontratual os juros fluem a partir do evento danoso (art.398 do Código Civil e Súmula 54 do STJ). A correção monetária é que incide desde a data doarbitramento, conforme entendimento exposto na Súmula 362 do STJ.

Condenação com parte líquida e outra ilíquida (responsabilidade extracontratual)Ante o exposto, julgo procedente o pedido formulado na inicial e, em consequência, condeno a ré a pagar ao autor as

seguintes verbas:

a título de danos emergentes, a quantia de R$ 34.800,00, que deverá ser corrigida a partir do efetivo desembolso(14/08/2015) de acordo com a tabela prática deste Egrégio Tribunal de Justiça, aplicando-se sobre o montante jurosmoratórios à taxa de 1% a.m. a partir da citação);valores que vierem a ser desembolsados pelo autor com tratamentos de reabilitação física, necessários à restauração dosmovimentos dos membros superiores, a serem apurados, na época oportuna, em liquidação pelo procedimento comum(art. 509, II, CPC);a título de danos morais, em razão da perda do membro inferior – perna esquerda –, o valor de R$ 50.000,00, com juroslegais a partir do evento danoso e correção monetária a partir do arbitramento.custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre a quantia calculada nos itens a e c e sobre os

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1.4.

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valores que vierem a ser apurados em liquidação do item b. P. R. I.

ATENÇÃO

Ainda que a ré fosse beneficiária da gratuidade judiciária, dever-se-ia providenciar a condenaçãodo ônus da sucumbência, mas fazendo a ressalva exposta no art. 98, § 3º, CPC: “Vencido obeneficiário, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva deexigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos cinco anos subsequentes ao trânsito emjulgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação deinsuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esseprazo, tais obrigações do beneficiário.”Sobre a fixação de danos morais é importante observar que o Novo CPC determinou, no art. 292, V,a expressa indicação do valor da causa em qualquer demanda indenizatória. Parte da doutrina vemconsiderando que esse dispositivo afastou a Súmula 326 do STJ, segundo a qual, “na ação deindenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial nãoimplica sucumbência recíproca”. Partindo desse entendimento, se o autor pleiteasse a quantia deR$ 100.000,00 a título de danos morais, mas o juiz entendesse razoável a fixação de R$ 50.000,00,dever-se-ia fixar o ônus da sucumbência em metade, com a consequente condenação emhonorários e custas processuais em favor do réu. De minha parte, entendo que, por se tratar detutela compensatória, não se pode estabelecer a priori o quantum indenizatório, razão pela qual, nocaso de dano moral, o valor do pedido, e consequentemente o valor dado à causa são meramenteestimativos.Como essa súmula ainda não foi editada ou revogada pelo Superior Tribunal de Justiça, é razoávelque seu conteúdo continue sendo adotado, especialmente por força do art. 927, IV, que determinaa observância pelo juiz dos enunciados das súmulas do STJ em matéria infraconstitucional.

Declaração de nulidade de cláusula contratual (réu beneficiário da gratuidade da Justiça)Ante o exposto, acolho o pedido, com resolução de mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC, para declarar a nulidade da

cláusula 7ª do contrato de prestação de serviços firmado entre as partes. Fixo custas e honorários pelo réu, os últimos arbitradosem 10% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, § 3º, do CPC, observada suspensão da exigibilidade nos termos doart. 98, § 3º, CPC.

Condenação em obrigação de não fazerAnte o exposto, julgo procedente o pedido em face da ré para determinar que esta se abstenha de fazer uso da campanha

publicitária realizada com material fotográfico produzido pela autora, sob pena de multa diária no valor de R$ 1.000,00, comincidência a partir do dia em que se configurar o descumprimento desta decisão e enquanto ela não for cumprida (art. 537, capute § 4º, CPC).

A parte ré arcará com o pagamento de custas, despesas processuais e honorários de sucumbência, os quais fixo em R$2.000,00, nos termos do art. 85, § 8º, CPC.

Embargos à execução fiscalAnte o exposto, extingo o processo, na forma do art. 487, I, do CPC, para julgar parcialmente procedentes os embargos à

execução e declarar a decadência do IPTU referente ao exercício de 2000.Sendo caso de sucumbência recíproca, de rigor a incidência do § 14 do art. 85, CPC, de modo que não se compensam os

honorários de cada parte, ficando arbitrado, individualmente, o percentual de 10% sobre o valor atualizado da causa, nos termosdo art. 85, § 4º, III, CPC.

Isenção de custas para a Fazenda Pública municipal, conforme art. 39 da Lei nº 6.830, bem como art. 4º, I, da Lei nº 9.289.Arcará o embargante com 50% das custas.

Traslade-se cópia para os autos da execução. Determino a continuidade da execução em relação às demais cobranças.Sentença não sujeita ao reexame necessário por força do art. 496, § 3º, III, CPC.

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1.7.

Ação reivindicatória cumulada com perdas e danos (com denunciação da lide)Ante o exposto, acolho em parte o pedido, com resolução de mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC, para: 1) declarar a

propriedade do imóvel constante da matrícula nº 12.345 em favor dos autores; 2) condenar os réus a indenizar os requerentespelos frutos percebidos; 3) fixar que o valor da indenização será apurado em liquidação pelo procedimento comum, com juroslegais de mora e correção monetária a partir da percepção dos frutos; 4) rejeitar o pedido de indenização pelos supostos danoscausados ao imóvel; 5) condenar os autores a indenizar os réus pelas benfeitorias necessárias indicadas, sem direito à retenção.Sobre o valor da indenização devem incidir juros de mora a partir da citação e correção monetária a partir do ajuizamento. Fixocustas e honorários, estes arbitrados em 10% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, § 2º, CPC.

Por fim, acolho o pedido da denunciação da lide, com resolução de mérito, nos termos do art. 487, I, do Código deProcesso Civil, para indenizar os requerentes pelos prejuízos sofridos, a serem apurados em liquidação pelo procedimentocomum. Custas e honorários pelo denunciado, estes últimos fixados em 10% do valor da condenação, nos termos do art. 85, §2º, CPC.

Ação de desapropriaçãoAnte o exposto e por tudo mais que dos autos consta, julgo procedente o pedido inicial, com resolução do mérito (art. 489,

I, CPC) para declarar incorporado ao patrimônio do expropriante, município de Belo Horizonte, a área descrita na inicial, tudode conformidade com o memorial descritivo constante dos autos.

Condeno o município a pagar ao expropriado a importância de R$ 170.000,00, apurada na avaliação.Deduzido o valor da oferta, sobre a diferença apurada incidirão juros compensatórios de 12% ao ano (Súmula 618, STF), a

partir da imissão provisória na posse, mais correção monetária com base no IPCA a partir da data em que o laudo foi elaborado.Pagará o expropriante as custas processuais e honorários advocatícios, que arbitro em 5% sobre a diferença entre a oferta e

a indenização final, nos termos do art. 27, § 1º, do Decreto-Lei nº 3.365/1941.1

P. R. I.

ATENÇÃO

Em ação de desapropriação o juiz estabelecerá a justa indenização na sentença. Se o valor fixadofor maior que o depositado pela Administração, a diferença será paga pelo ente estatal. Nesse casoa diferença NÃO será paga em dinheiro, pois, como se trata de valor decorrente de decisão judicial,o pagamento deverá observar a ordem cronológica dos precatórios definidos no art. 100 daCF/1988.Quanto à fixação dos juros moratórios, destaque-se que o art. 15-B do Decreto-lei nº 3.365/1941prevê que “os juros moratórios destinam-se a recompor a perda decorrente do atraso no efetivopagamento da indenização fixada na decisão final de mérito, e somente serão devidos à razão deaté 6% ao ano, a partir de 1º de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveriaser feito, nos termos do art. 100 da Constituição”. Esse é também o entendimento do STF:“Durante o período previsto no § 1º do art. 100 da Constituição, não incidem juros de mora sobreos precatórios que nele sejam pagos” (Súmula Vinculante nº 17).Nesse exemplo, a mencionada verba não foi fixada porque, consoante entendimento mais recentedo STJ, não se admite a cumulação dos juros moratórios e compensatórios, ainda que ambosestejam incidindo no bojo da mesma ação de desapropriação, haja vista a incidência em fasesdiversas: os juros compensatórios incidem a partir da imissão provisória na posse até a sentença;os juros de mora somente começam a correr depois de transcorrido o prazo constitucional para opagamento dos precatórios. Nesse sentido: “[...] Os juros compensatórios, em desapropriação,somente incidem até a data da expedição do precatório original. Tal entendimento está agoratambém confirmado no § 12 do art. 100 da CF, com a redação dada pela EC 62/2009. Sendo assim,não ocorre, no atual quadro normativo, hipótese de cumulação de juros moratórios e juroscompensatórios, eis que se trata de encargos que incidem em períodos diferentes: os juroscompensatórios têm incidência até a data da expedição de precatório, enquanto os moratóriossomente incidirão se o precatório expedido não for pago no prazo constitucional” (STJ, REsp nº

1.8.

1.9.

1.10.

1.11.

1.113.343/SC, DJe 14/06/2010).

Sentença que decide chamamento ao processoAnte o exposto, julgo procedente o pedido constante da inicial, para condenar o réu fiador (chamador) a pagar ao autor a

quantia de R$ 2.000,00, corrigidos monetariamente pelos índices do INPC a partir do vencimento da dívida e acrescidos dejuros moratórios à taxa de 1% a.m. a partir da citação. Condeno-o, ainda, a pagar custas processuais e honorários advocatíciosde 10% sobre o valor da condenação.

Declaro a responsabilidade dos demais chamados (devedor principal e codevedores), em face da solidariedade existente,valendo esta sentença como título executivo em favor do codevedor que satisfizer a dívida, excluindo-se o devedor principal,podendo exigir deste, regressivamente, por inteiro, a dívida e demais ônus consectários desta decisão, ou de cada um dos demaiscodevedores as suas cotas, na proporção que lhes tocar.

Condeno os chamados ao pagamento de honorários de 10% sobre o valor da condenação ao advogado do réu chamador.

Ação de reintegração de posseAnte o exposto, julgo procedente em parte o pedido formulado na inicial para reintegrar o município de Uberlândia na

posse da área descrita no laudo pericial e croqui de f. 58.Condeno os réus a pagar 80% das custas processuais e dos honorários do advogado do autor, os quais arbitro em R$

2.000,00. O restante dos ônus sucumbenciais, em razão de haver decaído de parte do pedido, será suportado pelo autor.Transitada em julgado, expeça-se mandado de reintegração.

Ação de interdito proibitórioAnte o exposto, julgo procedente o pedido inicial e, em consequência, determino ao réu que se abstenha de molestar a

posse do autor, seja com atos de turbação ou esbulho, fixando multa de R$ 10.000,00, caso transgrida o preceito. Condeno o réua pagar as custas processuais e honorários advocatícios, que, atento ao disposto no art. 85, § 8o, do CPC/2015, fixo em R$3.000,00.

Sentença em ação de exigir contasAnte o exposto, julgo procedente o pedido para condenar o réu a prestar contas em quinze dias, horas, na forma prevista no

art. 551 do CPC/2015, sob pena de não lhe ser lícito impugnar as contas que o autor apresentar (art. 550, § 5º, CPC/2015).Condeno o réu, ainda, a pagar custas processuais e honorários advocatícios, que, atento ao disposto no art. 85, § 8o, doCPC/2015, fixo em R$ 2.500,00.

Exemplo de sentença em caso concreto:

I – RELATÓRIOW. N., qualificado nos autos, ajuizou AÇÃO DE INTERDITO PROIBITÓRIO contra o município de Belo

Horizonte, alegando, em síntese, que:

é proprietário de duas áreas contíguas de terreno, sendo uma com 5.360 m2 e outra com 5.380 m2,situadas na Avenida Raja Gabaglia, no Bairro Luxemburgo, nesta capital;por meio de entrevista concedida à TV Globo, o senhor Diretor Regional da Centro-Sul noticiou o inícioda construção de uma creche e área de lazer nos referidos imóveis, notícia essa que deixou o autorintranquilo;a turbação começou a transparecer com a tentativa, por parte do réu, de impedir a construção de umacancela no cercado da propriedade.

Arremata o autor, requerendo, ao fundamento de justo receio de ser turbado em sua posse, acominação de pena pecuniária para o caso de se concretizar a ameaça, inclusive com pedido liminar.

Contestou o município de Belo Horizonte (f. 25-37), aduzindo, em resumo, que:

––

o autor não tem a posse senão de uma das partes do terreno;houve irregularidade no procedimento de dúvida, que culminou com o registro dos mencionadosimóveis.

Na decisão de f. 100 indeferiu-se a liminar.Laudo pericial a f. 136-153 e resposta aos quesitos suplementares a f. 279-280.Na audiência de instrução e julgamento (f. 286), as partes desistiram das provas requeridas e pediram

prazo para apresentação de memoriais, que foram juntados à f. 287-289 e 290-297.Em seu parecer (f. 301-303), o representante do Ministério Público requereu a produção de prova

testemunhal, a fim de esclarecer a posse do autor.É o relatório. Fundamento e decido.

II – FUNDAMENTAÇÃO

Inicialmente cabe evidenciar a desnecessidade da prova testemunhal pela qual pugna o Promotor deJustiça. Primeiro porque as partes dela desistiram no termo da audiência. Segundo porque, em razão doscontornos da lide, a formação do convencimento do juiz prescinde da referida prova. Feita essaconsideração, passo à análise do mérito.

“O possuidor direto ou indireto que tenha justo receio de ser molestado na posse poderá requerer aojuiz que o segure da turbação ou esbulho iminente, mediante mandado proibitório em que se comine ao réudeterminada pena pecuniária caso transgrida o preceito” (CPC, art. 567).

A teor do citado dispositivo, o autor, para lograr êxito no pedido de proteção possessória formuladoneste interdito proibitório, deve provar o justo receio de molestamento e a posse sobre a qual recaiu aameaça de turbação ou esbulho.

Do confronto da inicial com a contestação, exsurge como incontroverso o fato de que o município, porintermédio do Diretor da Regional Centro-Sul, anunciou o breve início da construção de creche e área delazer, a serem edificadas na área objeto do litígio. Acrescente-se que o próprio réu admite como verdadeiraa pretensão de construir na mencionada área (item 8o, letra “a”, da contestação).

Por outro lado, sempre invocando o domínio da área, confessa haver impedido o autor de instalarcancela no cercado da propriedade (item 8o, letra “f”).

A notícia do início das obras, a toda evidência, constitui ameaça séria e objetiva, da qual decorre oreceio de molestamento da posse que o autor diz ostentar.

Resta saber se, além de séria e objetiva, a ameaça é também injusta e antijurídica. A qualificação daameaça, entretanto, só emergirá a partir da análise do requisito posse. Legítimo será o poder do município,ao exigir a desocupação da área, caso a posse lhe seja reconhecida; ilegítimo, na hipótese contrária.

O fato é que, para composição da lide, deve-se definir quem é o possuidor.O autor não demonstrou qualquer exercício de atos possessórios. Na produção da prova pericial não

formulou quesitos acerca desse ponto (f. 149), e, na audiência de instrução e julgamento (f. 286), quandopodia ter produzido prova testemunhal, desta desistiu. Finalmente, na oportunidade em que se manifestousobre o laudo pericial (f. 192), disse que a área é por ele vigiada desde 1976, tanto que a cedeu emcomodato e nela implantou outdoor, todavia, não juntou sequer um documento comprobatório de suasalegações.

O município, por sua vez, adotou procedimento semelhante. Na prova pericial, preocupou-se mais comaspectos despiciendos para a demanda – v. g., suposta agressão sofrida por funcionário da Prefeitura (f.151) – do que com a comprovação da posse. Na audiência de instrução e julgamento, tal como o autor,desistiu das provas requeridas.

A despeito de as partes, vez ou outra, invocarem atos possessórios, tenho para mim que ambos oslitigantes pretendem a posse a título de domínio.

O que ocorreu nestes autos é que as partes, de forma pouco técnica, perderam-se em discussõesestéreis. Tantas foram as acusações que a paixão suplantou a razão e os litigantes esqueceram-se dasquestões da lide, extraídas do cotejo da inicial com a contestação.

Da inicial extraíram-se os seguintes pontos, que têm relevância para esta decisão:

“O suplicante é legítimo proprietário do imóvel constituído por duas áreas contíguas, uma de 5.360 m2

e outra de 5.380 m2, registradas no Cartório de Registro de Imóveis da Capital sob os númerosmatrículas 49092 e 49093, [...]; sendo pois legítimo senhor e possuidor dos imóveis” (item 1);“Ocorre que, por entrevista concedida através da TV Globo, o Sr. Diretor Regional Centro-Sul, Sr.Roberto Martins, asseverou breve início de obras [...] na propriedade do suplicante, gerando comisso, como óbvio, intranquilidade ao suplicante e ofensa ao direito de propriedade” (item 2);“Não resta (sic) pois dúvidas de que a suplicada vem excedendo com evidentes turbações apropriedade privada e alheia” (item 5).

O município, a seu turno, se desdobra para narrar as reiteradas “investidas” do autor, até “obter umindevido registro imobiliário”. É o ilustre advogado subscritor da contestação, de sua perspectiva, quemsintetiza o litígio, in verbis:

O que tem ocorrido com a Municipalidade é que tendo terreno que confronta com o do autor, noexercício de seu direito, tem procurado defender o que lhe pertence, querendo o autor, entretanto, portodos os meios, apoderar-se do que não lhe pertence, inclusive tendo a sua pretensão repelida najustiça, conforme demonstramos, quando tentou, através de confecções de plantas fantasiosas,incorporar a área, querendo registrá-la no Registro de Imóveis, o que foi repelido pelo CartórioImobiliário, que levantou a dúvida ao Juízo dos Registros Públicos, tendo sua pretensão repelida emtodas as instâncias, e à unanimidade, para depois voltar à carga e ilegalmente obtê--la” (contestação, f.35).

Conquanto o autor mencione o termo posse algumas vezes, o teor da inicial, mormente a conclusão doitem 1, permite inferir que a posse não é fundada em fatos, mas sim como decorrência do domínio.

Também a defesa, como já demonstrado, é no sentido da invocação do domínio.Como correntio, o juízo possessório independe do petitório. Não se deve cogitar, em regra, em matéria

de ius possessionis, que é um instituto jurídico autônomo, protegido por ações especiais, com a defesa dodomínio que é objeto de outra defesa processual. Todavia, no caso destes autos, em razão da invocação dapropriedade por ambos os litigantes, “será deferida a posse a quem, evidentemente, tiver o domínio”(Súmula 487 do STF).

De tudo o que foi exposto, resulta que possuidor, destinatário da proteção possessória a ser deferidanesta decisão, será aquele que tiver o domínio, ou seja, o melhor domínio, já que autor e réu dizem possuí-lo. É o que passo a analisar.

O autor afirma ser proprietário do imóvel constituído por duas áreas contíguas, sendo uma de 5.360 m2

e outra de 5.380 m2. Já de acordo com a narrativa do réu, “o autor, possuindo uma área que confrontavacom a área da Prefeitura, mandou confeccionar uma planta em que englobava as duas áreas, eposteriormente tentou o seu registro no Cartório Imobiliário, fazendo ele, habitualmente, um transpasse nostítulos registrados de Lagoa Seca (título original) para nele enxertar, na retificação pretendida, as antigas‘Fazendas Capão Pequeno e Leitão’, aumentando consideravelmente sua cerca” (f. 26).

O que se extrai do conjunto probatório é que, em um primeiro momento, o autor levou a registro o títuloaquisitivo das duas áreas, que teriam sido adquiridas do espólio de Jacinto Ferreira da Luz. O Cartório deRegistro de Imóveis, em 1987, suscitou dúvida, que foi julgada procedente, ao fundamento de que “adocumentação apresentada não atendia os requisitos necessários referentes à identificação do imóvel”(decisão proferida nos autos no 719.107-6, f. 81).

“Tendo a decisão apontado as irregularidades que impediram o registro, saiu o apresentante aregularizá-las” (idem) e posteriormente, em 1990, apresentou dúvida inversa, na qual logrou êxito e, emconsequência, seus títulos foram registrados (cf. decisão de f. 80-82).

O fato é que, de acordo com os registros nos R-1-49092 e R-1-49093 (f. 9 e 16), o autor é legítimoproprietário das seguintes áreas:

“Área de 5.360 m2, desmembrada de área maior de 20 alqueires geométricos, de partes anexas de

terras das antigas Fazendas denominadas ‘Capão Pequeno e Leitão’, localizada no lugar denominado‘Lagoa Seca’, nesta cidade, cadastrada sob o índice do IPTU no 102 000 000 044-7 dentro dasseguintes confrontações: tomando-se como ponto de partida o lote 25, da quadra 4-A do BairroLuxemburgo, com a Rua Sete Câmara, segue à direita passando pelos lotes 25, 24 e 20 da PrefeituraMunicipal de Belo Horizonte, da quadra 4-A, com a extensão de 143,00 m2 até a Av. Raja Gabaglia, daídobrando à direita da Av. Raja Gabaglia na extensão de 186 m2, ali dobra-se à direita numa extensãode 36,50 m2, confrontando-se com o Espólio de Jacinto Ferreira da Luz da Rua Sete Câmara, aí dobra-se a direita à rua Sete Câmara com a extensão de 58,00 m2, chegando-se ao ponto de partida,fechando-se aí as confrontações”; e

“Área de 5.380 m2, desmembrada de área maior de 20 alqueires geométricos, mais ou menos, departes anexas de terras antigas Fazendas denominadas ‘Capão Pequeno e Leitão’, localizada no lugardenominado ‘Lagoa Seca’ nesta cidade, com o índice cadastral do IPTU 102 000 000 043-9, com asseguintes confrontações: tomando como ponto de partida num ângulo de 90o da rua Sete Câmara, coma divisa do Espólio de Jacinto Ferreira da Luz, aí dobra-se a direita numa extensão de 36,50 m2

confrontando com Espólio de Jacinto Ferreira da Luz, até a Av. Raja Gabaglia, aí dobra-se a direita daAv. Raja Gabaglia numa extensão de 205,00 m2 até a rua César Campos, aí dobrando-se à direita darua César Campos, com a extensão de 8,00 m2 até a rua Sete Câmara, aí dobrando à direita na ruaSete Câmara com a extensão de 234,50 m2, chegando-se ao ponto de partida, fechando-se aí asconfrontações.”

É indubitável que as áreas caracterizadas nas referidas matrículas coincidem com as áreas objeto dademanda, inobstante a pequena diferença encontrada na medição in loco (f. 143).

A propósito, pelo que pude depreender dos autos, a planta que embasou o procedimento da dúvidasuscitada pelo autor foi elaborada pela própria Prefeitura. Nessa parte, o laudo do perito é esclarecedor:

“As diferenças de dimensões entre a situação atual e das matrículas 49092 e 49093, tem (sic) suajustificativa no fato de que a Av. Raja Gabaglia consistia em uma estrada estreita de acesso aoSanatório Morro das Pedras, quando em 1977 foi contemplada com um alargamento e assim alterandoas dimensões do imóvel” (f. 147).

E mais adiante:

“A planta apresentada no item III-1 é a única planta que engloba as duas áreas (matrículas 49092 e49093), sendo a mesma2 confec-cionada pela PBH para fazer parte do processo 01.015.608/87/35 –Pedido de diretrizes, e como já exposto confere com a situação do imóvel periciado” (f. 150).

Muitas são as irregularidades e ilegalidades apontadas pelo réu acerca do procedimento da dúvida,que, em decorrência do registro, culminou com a “legitimação” da propriedade do autor sobre asmencionadas áreas. O que me surpreende, como cidadão, é o fato de a Administração, que tem o deverjurídico de defender o patrimônio público, não haver, até o momento, movido nem sequer uma palha paratentar desconstituir os títulos do autor. Pelo visto, a Administração se contenta em anunciar que o autor quer“forçar a Municipalidade a ajuizar ação anulatória do mesmo registro” (f. 34) e que “o procedimento do autorsó revelou muita má-fé, e a arguição futura de nulidade desse registro é mais do que evidente que seráfeita” (f. 32).

Em que pese a fundamentação consignada na contestação (f. 31), esta ação não é a situaçãoadequada para “discutir o expediente escuso de que lançou mão o autor para conseguir a ampliação de suaárea, ficando com a outra área, exatamente a do município”.

O fato é que o registro, que tem força erga omnes, constitui prova da propriedade.Destarte, prima facie, tem o autor o domínio da área cuja posse está sendo disputada. Resta saber se o

município tem melhor título, uma vez que, havendo arguição da propriedade por ambos os litigantes, acomposição da lide passa necessariamente pela escolha do título mais qualificado.

Conforme narrado na contestação, uma das áreas – não há individualização – registrada em nome doautor seria de propriedade do município, porquanto “oriunda de uma gleba de 64 hectares, inclusive uma

casa, denominada Fazenda do Leitão, anteriormente pertencente ao estado de Minas Gerais”, cuja metadefoi adquirida pelo município em 1938 (f. 27-28). A despeito da alegação, não houve a mínima preocupaçãodo réu em prová-la. Aliás, com a defesa, nem se dignou a juntar seu título de domínio, inobstante o anúnciode tal providência.

Os títulos constantes dos autos (juntados com o laudo pericial) não permitem inferir que a área dadisputa esteja realmente inferida na gleba de 64 hectares, mencionada na contestação. O laudo periciallança dúvida sobre a real localização da área de que o município diz ser o proprietário. Vejamos aconclusão, ou melhor, a dúvida do perito:

“Quanto ao item III-2 – PBH – Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, na planta intitulada NúcleoColonial Afonso Pena – CP 42-3-M, onde foi lançada a área de 64 hectares, área de 46,45 hectares(doc. existente cita 36 hectares) e o imóvel periciado, em projeção estimada podemos observar queparte do imóvel periciado encontra-se inserido na área de 46,45 hectares. Contudo, na existência dairregularidade na área de 46,45 hectares, fica a dúvida se na alteração dessa área para 36 hectares amesma3 atingirá o imóvel periciado, além do que esta área deveria estar incorporada à área de 64hectares, já que faz parte da mesma,4 conforme escrituras apresentadas neste laudo pericial. A área de13.469,00 m2 referente a escritura pública de Compra e Venda, União Federal à Prefeitura Municipal deBelo Horizonte (anexo 6 – item III – 2), situa-se na região da Contorno com Álvares Cabral e Araguari,parte do Posto Veterinário, fora das eliminações do imóvel periciado.

Finalizando, informo ainda que existe um contrassenso em texto apresentado em grande parte dadocumentação da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, onde é colocada a seguinte situação: aquisiçãofeita à Fazenda Nacional de 36 hectares e ao estado de Minas Gerais de 36 hectares partes da FazendaLeitão pela Prefeitura. Na realidade, como apresentado neste laudo pericial, a Prefeitura possui uma área de36 hectares acrescidos de uma área de 13,469 hectares, o que totaliza 49,469 hectares, e não 72 hectares(36 + 36), que por sinal dará uma área superior aos 64 hectares existentes” (f. 148).

Ora, entre um título que descreve com precisão a área do litígio e se harmoniza com a verificação feitain loco e outro que não permite identificar o terreno a que se refere, ao juiz não resta alternativa senão optarpelo primeiro. A despeito da evidência, nada melhor do que a confissão para pacificar a consciência dojulgador. E o réu assim procede quando afirma:

“Efetivamente, o autor tem o domínio obtido pela maneira irregular já descrita” (f. 34).

Em resumo, pelo menos por enquanto, para os fins desta ação, os títulos juntados pelo autor sãobastantes para demonstrar ter ele o domínio da área cuja posse é disputada, pelo que deve ser-lhe deferidaa proteção possessória, haja vista, ainda, o fundado receio de molestamento demonstrado alhures.

III – DISPOSITIVO

Ante o exposto, julgo procedente o pedido inicial, e, em consequência, determino ao município de BeloHorizonte que se abstenha de molestar a posse do autor, seja com atos de turbação seja com atos deesbulho, fixando a pena de R$ 10.000,00, caso haja descumprimento do preceito.

Condeno o réu a pagar custas processuais e honorários advocatícios, que, atento ao disposto no § 4º,III, do art. 85 do CPC/2015, fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa.

Sentença não sujeita ao reexame necessário (art. 496, § 3º, III). Assim, somente havendo interposiçãode recurso voluntário, os autos devem ser remetidos ao egrégio Tribunal de Justiça.

P. R. I.

Local, data.

Juiz de Direito Substituto

1

2

3

4

Tanto nas desapropriações diretas quanto nas indiretas, os honorários advocatícios devem ser fixados entre 0,5% e 5% dovalor da diferença do preço oferecido, ou seja, nos limites percentuais estabelecidos no art. 27, § 1º, do Decreto-Lei3.365/1941. Vale salientar que a parte final do dispositivo antes mencionado (art. 27, § 1º) foi declarada inconstitucionalpelo STF na ADI 2.332-2: “A sentença que fixar o valor da indenização quando este for superior ao preço oferecidocondenará o desapropriante a pagar honorários do advogado, que serão fixados entre 0,5% e 5% do valor da diferença,observado o disposto no § 4o do art. 20 do Código de Processo Civil, não podendo os honorários ultrapassar R$151.000,00.” Ou seja, não se aplica o teto previsto no Decreto-lei, apenas os percentuais.Vide nota 23, Parte IV.Vide nota 23, Parte IV.Vide nota 23, Parte IV.

1.

1.1.

1.2.

1.

2.

Sentenças em provas deconcursos para a Magistratura

com a respectiva solução

INTRODUÇÃOEste capítulo tem a pretensão de mostrar aos leitores como elaborar sentenças cíveis. A seguir trazemos algumas das

provas de sentença cível cobradas nos últimos concursos para a carreira da Magistratura. Elas estão respondidas de acordo como novo Código de Processo Civil, ainda que tenham sido aplicadas antes da entrada em vigor da Lei 13.105/2015.

Caso você, leitor, já tenha obtido aprovação em concurso para a carreira da Magistratura, esta obra o ajudará aconfeccionar suas decisões em conformidade com as novas disposições do CPC/2015.

Dispensa do relatórioEm quase todas as provas de concurso aqui relacionadas, a respectiva banca examinadora dispensou o relatório. Nessas

hipóteses, caso o candidato deseje confeccionar um breve relato sobre os fatos para mais bem organizar a fundamentação, devefazê-lo no rascunho. Em se tratando de prova de concurso público, não se deve desperdiçar nenhuma linha.

Quando o relatório não for dispensado, sugiro que o faça de maneira bem sucinta. Em regra, o relatório não é tão relevantena pontuação como o são a fundamentação e o dispositivo da sentença.

Caso a intenção não seja a aprovação em concurso, elabore um relatório sucinto, mas sem se preocupar com o espaço queeste ocupará na sentença. Se se tratar de ação cujos fatos são de grande importância para o desfecho do processo, não sepreocupe em economizar linhas. É importante que o caso seja bem identificado.

Premissas importantesA seguir listamos algumas premissas que podem fazer a diferença na confecção da prova de sentença. Muitas delas já

foram tratadas ao longo dessa obra, mas, para fixação, é importante retomarmos os pontos mais importantes:

Observe a quantidade de teses a serem analisadas e a quantidade de linhas disponíveis. Tenha pelo menos uma noção dequantas linhas você pode usar para fundamentar cada tese. Assim você evitará que falte espaço para o dispositivo;Separe sua sentença por tópicos. Se, no entanto, você perceber que o espaço é diminuto para a quantidade de alegações,

3.

4.

2.

2.1.

dispende os tópicos. Uma linha para cada assunto de sua sentença pode prejudicá-lo no final;Somente utilize o rascunho se você tiver certeza de que terá tempo suficiente para transcrevê-lo para a folha de respostasdefinitiva. Caso contrário, utilize o rascunho apenas para enumerar os tópicos a serem abordados e resumir as teses queserão analisadas. O dispositivo, por ser sempre menor, pode ser elaborado no rascunho para depois ser transcrito para afolha de respostas;Nunca assine a sua sentença. Algumas bancas sugerem nomes fictícios de juízes e outras determinam que o candidatoassine como Juiz de Direito Substituto ou Juiz Federal Substituto.

ATENÇÃO

Na elaboração da resposta das sentenças estão sendo citadas súmulas e em provas de concursosnão é usual que os candidatos descrevam tais julgados com minúcias, pois não é possívelconsultar nenhum outro material a não ser a lei “seca”. Mesmo assim é importante que o candidatotenha noção da interpretação conferida pelos tribunais superiores ao tema que está sendocobrado, até mesmo para, eventualmente, justificar a interposição de recurso contra o espelho dabanca.

PROVAS DE CONCURSOS

Prova do Concurso para Juiz Substituto do Estado de Goiás (2009) – Banca FCC

ATENÇÃO

O enunciado é o próprio relatório e este foi transcrito já na resolução. As datas trazidas pelaquestão foram mantidas, mas sua resolução se deu com base no novo CPC.

I – RELATÓRIO

AROEIRA DA SERRA – LTDA., proprietária da Fazenda Encosta, localizada no município deGoiás/GO, propôs ação contra ENGENHARIA PROTERRA LTDA. e SOUZA E EUDES ENGENHARIALTDA., devedores solidários, visando à condenação destes ao pagamento de indenização por danosmateriais por ela então estipulados em R$ 500.000.

Segundo consta da inicial, em agosto de 2009, as requeridas, proprietárias de terras vizinhas, porseus prepostos, perpassaram a propriedade da autora por 3.500 metros, sem os cuidados necessários,atearam fogo na vegetação, causando um incêndio incontrolável, a ponto de literalmente queimar suaspastagens, lavoura de laranja, cercas, cocheiras, currais, além de uma área de plantações de eucalipto.

Reclama danos materiais (emergentes) e lucros cessantes, conforme positivam os documentosinstrutórios e a produção antecipada de provas.

Citada, a primeira requerida e a autora formalizaram acordo (fls....), por meio do qual a requerenterecebeu R$ 20.000,00, dando, por conta disso, “plena, geral e irrevogável quitação para nada maisreclamar, em relação a qualquer indenização a qualquer título decorrente do fato noticiado na exordial”,ressalvando expressamente que a quitação não envolvia a segunda ré, Souza e Eudes EngenhariaLtda.

Pela decisão de fls...., o acordo foi homologado e extinto o processo em relação à primeirarequerida.

Ato contínuo, desenvolvida a citação da segunda ré, esta apresentou contestação, arguindopreliminarmente a ilegitimidade passiva, pois a transação havida entre a autora e a empresa EngenhariaProterra Ltda. extinguiu a dívida, em razão da solidariedade passiva, daí improsperável sua mantençano polo passivo da demanda.

Na questão de fundo, pondera que o evento ocorrido se deu por uma fatalidade, porque um dos

empregados contratados ateou fogo na vegetação, ao arrepio das ordens emanadas pela direção daempresa.

Diz que seu empregado, por nome José da Rosa Pio, foi demitido por justa causa, o únicoresponsável pelo ato, daí indeclinável sua denunciação à lide.

Aduz que, tão somente para efeito de argumentação, os serviços estavam sob coordenação dogerente de operação da primeira ré, e ambas são condôminas no imóvel lindeiro ao da requerente;sendo assim, devem ser tratadas isonomicamente, com igualdade de responsabilidade, em tese, peloacidente.

Argumenta ainda que, na pior das hipóteses, como a autora recebeu a importância de R$20.000,00, em razão de acordo feito com a corré, então que esse valor também seja considerado paraonerar, do mesmo modo, ambas as rés solidariamente responsáveis, sob pena de ofender oslitisconsortes passivos, nos termos do art. 227 do CC.

Instada a se manifestar, a autora replicou, rebatendo as teses apontadas na contestação, ao tempoem que frisava o seu direito de buscar a totalidade da composição dos danos sofridos e provados nosautos.

Designada audiência, não foi possível a conciliação, ocasião em que as partes salientaram ainexistência de qualquer dilação probatória.

Relatados. Decido.

II – FUNDAMENTAÇÃO

1. Preliminar de ilegitimidade passivaAntes de analisar o mérito, necessário se faz enfrentar a preliminar suscitada.Aduz a segunda ré ser parte ilegítima para figurar no polo passivo da presente lide, sob os

argumentos de que a transação celebrada com a primeira ré também a privilegiaria.Sem razão a contestante.Celebrada transação entre o credor e um dos devedores solidários, com o pagamento acordado e a

outorga de quitação geral e irrestrita, mas com a ressalva de que tal quitação não abrange o outrodevedor solidário, pode o credor prosseguir com a ação para obter a condenação deste pelo valor desua quota no débito remanescente.

A matéria é tratada no art. 275 do CC/2002, que assim dispõe:

Art. 275. O credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores, parcial outotalmente, a dívida comum; se o pagamento tiver sido parcial, todos os demais devedorescontinuam obrigados solidariamente pelo resto.Parágrafo único. Não importará renúncia da solidariedade a propositura de ação pelo credor contraum ou alguns dos devedores.

De certo que, se ao credor é facultada a propositura da ação de cobrança perante um ou maiscredores, permitida também o é a transação com um deles, persistindo a exigência perante os demais.

O pagamento parcial efetuado pela primeira ré não exime a segunda de sua obrigação de ressarciro autor pelos danos materiais decorrentes do ato por ela praticado.

Nesses moldes, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva suscitada.

2. Da denunciação da lideTampouco merece acolhida o pleito de denunciação da lide Sustenta a segunda requerida a

responsabilidade de um dos seus empregados pelo evento danoso, pugnando seja a ele denunciada alide.

Encontra-se em análise a identificação dos pressupostos que configurariam a responsabilidade civilda segunda ré, consistente na obrigação de indenizar a autora em virtude de eventuais danos materiaisdecorrentes de incêndio por ela praticado.

Sabe-se que o dever de reparação civil exige, para sua configuração, a concorrência de trêsrequisitos, sendo eles: (i) a existência de uma ação ou omissão; (ii) a ocorrência de um dano; (iii) o nexo

causal entre a ação/omissão e o dano sofrido. Em alguns casos exigese, ainda, um requisito subjetivo,compreendido na culpa ou dolo do agente. A esses casos denomina-se responsabilidade subjetiva.

Existem, contudo, hipóteses em que não se exige, para a configuração da responsabilidade civil, ofator subjetivo. Nesses casos, em que se observa situação de responsabilidade objetiva, a conduta doagente causador do dano, seja ela dolosa ou culposa, é irrelevante juridicamente, haja vista quesomente será necessária a existência do elo de causalidade entre o dano e o ato do agente para quesurja o dever de indenizar.

Dentre as hipóteses de responsabilidade civil objetiva, destaca-se a patrimonial do empregadorpelos danos decorrentes de ações/ omissões de seus empregados, no exercício do trabalho que lhescompetir (art. 932, III, e art. 933, ambos do Código Civil).

Mencionados artigos deixam clara a responsabilidade do empregador pelos danos decorrentes deatos de seus prepostos, não podendo prosperar a intenção de eximir-se de reparar o dano. Nessesentido já decidiu o Colendo Superior Tribunal de Justiça:

Processual civil. Agravo regimental. Recurso especial. Denunciação da lide. Art. 70, III, do CPC.Descabimento. Inovação. Preclusão. 1. Não se admite a denunciação da lide com fundamento noart. 70, III, do CPC [art. 125, II, CPC/2015] se o denunciante objetiva eximir-se daresponsabilidade pelo evento danoso, atribuindo-o com exclusividade a terceiro. 2. Nãohavendo preceito normativo ou instrumento contratual que estabeleça vínculo obrigacional entre o denunciantee o denunciado, não se admite a denunciação da lide com fundamento no art. 70, III, do CPC [art. 125, II,CPC/2015]. 3. A parte, em sede de regimental, não pode, em face da preclusão consumativa, inovar em suaargumentação, trazendo questões não expostas no recurso especial. 4. Agravo regimental desprovido (AgRg noREsp 1115952/SP. Relator: Min. João Otávio de Noronha. DJ 3062010) (grifos nossos).1

A redação do art. 933 do Código Civil demonstra, ainda, que esta responsabilização independe deculpa por parte do empregador.

Referida questão foi, inclusive, sumulada pelo STF, que discorreu em sua Súmula no 341 ser“presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto”, não deixandodúvidas de que se trata de espécie de responsabilidade subjetiva.

Diante do acima narrado, não prospera a intenção da segunda requerida em denunciar a lide aoseu preposto. Por óbvio que não se nega, aqui, a possibilidade de que a mesma busque, perante osuposto causador do dano, as reparações patrimoniais decorrentes de uma possível condenação.

Seu direito de regresso deverá, contudo, ser objeto de ação autônoma porquanto ventila relaçãojurídica entre empregador e empregado, não podendo ser oposta ao terceiro que sofreu o dano.

Diante disso, inadmito a denunciação da lide.

3. Do méritoPasso, então, à análise do mérito.Dúvidas não restam acerca da existência de obrigação indenizatória por parte da segunda ré.Isso porque se encontram preenchidos todos os requisitos da responsabilização civil. A existência

da conduta não é matéria controversa. A própria contestante afirma que o incêndio decorreu de ato deseu empregado que ateou fogo na vegetação. Também a ocorrência do dano não foi objeto decontestação, existindo conflito, tão somente, em relação aos valores indenizatórios pleiteados. O nexocausal entre a conduta e o dano sofrido completa o rol dos requisitos exigidos para a configuração dodever de indenizar. Ressalta-se que, conforme acima mencionado, o caso não comporta análise doelemento subjetivo da responsabilidade civil.

Nota-se, pois, que a controvérsia reside no valor a ser fixado a título de danos materiais que devemcompreender os danos emergentes e lucros cessantes, conforme ensinamentos de Caio Mário da SilvaPereira:

O efeito da responsabilidade civil é o dever de reparação. O responsável, por fato próprio ou não, éobrigado a restabelecer o equilíbrio rompido, indenizando o que a vítima efetivamente perdeu (danoemergente), como o que razoavelmente deixou de ganhar (Código Civil, art. 402); além de atender

às regras específicas relativas à liquidação das obrigações por ato ilícito [...] (Pereira, Caio Mário daSilva. Instituições de Direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 662).

Na peça exordial, a autora pleiteou o importe de R$ 500.000,00. Posteriormente, acordou com aprimeira ré o montante de R$ 20.000,00, dando-lhe plena e geral quitação. Contudo, pleiteia, dasegunda ré, os valores necessários a complementar sua pretensão inicial.

Tenho que, quanto a esse aspecto, razão assiste à requerida.Sabe-se que, em relação à responsabilidade solidária, o credor poderá cobrar de um ou de todos os

devedores a integralidade da dívida. Aquele que salda o débito, por sua vez, tem direito a cobrar dosdemais os valores quitados na medida de suas responsabilidades. Em se cuidando de apenas doisdevedores solidários, fácil a verificação de que cada um deles é responsável por 50% da dívida.

Admitir a cobrança da segunda requerida pelo importe remanescente da pretensão exordial serianegar eficácia ao acordo anteriormente celebrado com a primeira ré. Isso porque, ao quitar o restantedos valores pretendidos (que são consideravelmente superiores aos quitados pela primeira ré), asegunda requerida poderia cobrar da primeira o percentual de sua responsabilidade (até atingir 50% dovalor da indenização).

Dessa forma, a despeito de ter dado quitação à primeira demandada, a procedência da pretensãoda autora acarretaria a ela nova responsabilidade patrimonial. Outro não é o entendimento do ColendoSuperior Tribunal de Justiça, que, em caso análogo, assim decidiu:

Direito civil. Solidariedade passiva. Transação com um dos codevedores. Outorga de quitaçãoplena. Presunção de renúncia à solidariedade. Direito civil. Indenização. Dano efetivo. Danosmorais. Alteração pelo STJ. Valor exorbitante ou ínfimo. Possibilidade. Direito processual civil.Sucumbência. Fixação. Pedidos formulados e pedidos efetivamente procedentes. – Nasolidariedade passiva o credor tem a faculdade de exigir e receber, de qualquer dos codevedores,parcial ou totalmente, a dívida comum. Havendo pagamento parcial, todos os demais codevedorescontinuam obrigados solidariamente pelo valor remanescente. O pagamento parcial efetivado porum dos codevedores e a remissão a ele concedida não alcança os demais, senão até aconcorrência da quantia paga ou relevada. – Na presente lide, contudo, a sobrevivência dasolidariedade não é possível, pois resta apenas um devedor, o qual permaneceu responsável pormetade da obrigação. Diante disso, a consequência lógica é que apenas a recorrida permaneça nopolo passivo da obrigação, visto que a relação solidária era constituída de tão somente doiscodevedores. – O acolhimento da tese da recorrente, no sentido de que a recorridarespondesse pela integralidade do valor remanescente da dívida, implicaria, a rigor, a burlada transação firmada com a outra devedora. Isso porque, na hipótese de a recorrida se verobrigada a satisfazer o resto do débito, lhe caberia, a teor do que estipula o art. 283 doCC/2002, o direito de exigir da outra devedora a sua quota, não obstante, nos termos datransação, esta já tenha obtido plena quitação em relação à sua parte na dívida. A transaçãoimplica concessões recíprocas, não cabendo dúvida de que a recorrente, ao firmá-la, aceitoureceber da outra devedora, pelos prejuízos sofridos (correspondentes a metade do débitototal), a quantia prevista no acordo. Assim, não seria razoável que a outra devedora, aindaque por via indireta, se visse obrigada a despender qualquer outro valor por conta do eventoem relação ao qual transigiu e obteve quitação plena [...] (REsp 1089444/PR. Relator: Min.Nancy Andrighi, DJ 03/02/2009).

Com isso quer-se dizer que, tendo conhecimento dos regramentos que regem as obrigaçõessolidárias, o credor, ao aceitar do primeiro devedor o importe de R$ 20.000,00, dando-lhe plena e geralquitação, está, por consequência, reconhecendo ser esse o valor referente ao percentualcorrespondente a 50% da dívida, cabendo ao outro devedor solidário o pagamento do mesmo importe.

Além disso, admitir conduta diferente feriria, por óbvio, o princípio da boa-fé processual, na medidaem que permitiria que um dos devedores solidários recebesse, em virtude de acordo judicial, quitaçãopor valor consideravelmente inferior à sua responsabilidade, atribuindo ao outro responsabilidade maisgravosa da que realmente lhe caberia. A intenção da autora fere, ainda, o princípio da isonomia, vez

2.2.

que, em decorrência de um mesmo ato, e consequentemente, de um único dano, busca reparaçõesdiversas de seus responsáveis.

Diante das razões acima expostas, deve ser o dano material, em relação à segunda requerida,fixado no importe de R$ 20.000,00, de modo que cada um dos devedores solidários estará arcando com50% do montante indenizatório.

III – DISPOSITIVO

Isso posto, REJEITO A PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA. INADMITO ADENUNCIAÇÃO DA LIDE. No mérito, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão exordialpara condenar a segunda requerida a pagar à autora o importe de R$ 20.000,00 decorrentes dos danosmateriais por ela experimentados. Os valores deverão ser corrigidos pelos índices da EgrégiaCorregedoria Geral de Justiça, a contar do evento danoso, com incidência de juros de 1% ao mês,contados da citação nos moldes do art. 405 do CC/2002.

Diante da sucumbência recíproca, condeno a autora ao pagamento de 75% das custas processuais,ficando o restante a cargo da segunda requerida, sendo VEDADA a compensação. Honoráriosadvocatícios fixados, para ambas as partes, no valor de R$ 2.000,00, nos moldes do art. 85, § 2o, doCPC/2015.

P.R.I.

Data, local.

Juiz de Direito Substituto

Prova do Concurso para Juiz Substituto do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba(2010) – Banca Cespe

A Agência de Turismo Beta ajuizou ação contra a Construtora e Incorporadora Alfa, alegando que adquirira, em20/5/2007, os direitos de compra de uma sala para escritório, mediante instrumento de cessão de direitos, que contara com aanuência da ré. Argumentou, ainda, que a data prevista para a entrega do imóvel era 20/05/2010, com tolerância de mais 180dias, para os casos fortuitos ou de força maior, e que o imóvel somente lhe fora entregue em 20/06/2011. Registrou, também, aautora que a entrega das chaves fora condicionada à assinatura de um termo de plena quitação das obrigações assumidas pelaspartes no contrato, mas que, antes de firmá-lo, procedera à notificação extrajudicial da ré, ressalvando a cláusula referente aoprazo de entrega da obra.

Aduziu a inexistência de qualquer motivo que justificasse o atraso da obra, entendendo ter o direito de ser indenizada, novalor gasto com aluguéis até a data em que instalou, no local adquirido, sua nova filial, o que ocorreu em 20/08/2011, apósconcluída a reforma no local, cujo projeto já estava pronto e para a qual já havia contratado um arquiteto e a mão de obranecessária para a execução da obra. Alegou, também, que sofrera profundo abalo ante a demora na entrega das chaves, vistoque, não tendo instalado sua filial na data prevista, deixara sua clientela frustrada com a indisponibilidade da nova sala. Referiu,ainda, ter sofrido imenso prejuízo, uma vez que perdera a chance de celebrar contratos na região em que se localiza a salacomercial adquirida.

A autora requereu a procedência do pedido, com a condenação da ré ao pagamento de R$ 30 mil (R$ 2 mil por mês dealuguel pagos em outra sala comercial), fazendo a juntada dos recibos; de R$ 100 mil a título de dano moral e de R$ 50 milpelos danos acarretados pela perda da chance de celebração de contratos, tudo com juros e correção monetária, além das custasprocessuais e dos honorários advocatícios.

Regularmente citada, a ré apresentou contestação. Em preliminar, alegou a impossibilidade jurídica do pedido, por nãohaver, no ordenamento jurídico, previsão para indenização pela perda de chance, tampouco por dano moral sofrido por pessoajurídica. Alegou, ainda, que a assinatura do termo representava um óbice à propositura da ação e que a inflação haviaocasionado retardamento na conclusão da obra, fato que, segundo ela, imporia a aplicação da teoria da imprevisão.

Alegou a inexistência de previsão legal para o pagamento das quantias pleiteadas pela autora a título de dano material emoral. Aduziu que condicionara a entrega do imóvel à assinatura de termo de renúncia de ação de indenização por atraso naprática do ato e que, tendo a promissária compradora assinado o termo, sem fazer prova de vício que pudesse torná-lo nulo, a

renúncia teria plena eficácia jurídica. Requereu, no final, a improcedência dos pedidos, com a condenação da autora nas custasprocessuais e nos honorários advocatícios.

Em réplica, a autora argumentou que os fatos alegados pela ré para esquivar-se da responsabilidade de indenizar eramdesprovidos de prova, registrando que a crise alegada pela ré fora causada pelo desenvolvimento de uma política de crescimentoexagerado, sem o respectivo planejamento, e não pela inflação. Sustentou seu direito em obter a indenização, nos moldesexpostos na inicial.

Regularmente intimadas para especificarem provas, a autora protestou pelo julgamento antecipado da lide e a ré nadarequereu.

Com base no relato acima apresentado, que deve ser considerado o relatório da peça processual, redija, na condição de juizfederal substituto,2 apenas a fundamentação e a decisão.

ATENÇÃO

As datas estabelecidas no enunciado foram mantidas, mas a solução da questão se dará com baseno CPC vigente (o de 2015).Como o relatório foi dispensado, é possível que se inicie pela fundamentação, ou, como nassentenças anteriores, que se faça menção a essa dispensa. A seguir você verá uma das formas deorganizar sua sentença.

SENTENÇA

Processo nº

Vistos.

II – FUNDAMENTAÇÃO

1. Da preliminar de impossibilidade jurídica do pedidoA impossibilidade jurídica do pedido é arguida pela ré Construtora e Incorporadora Alfa, ao

fundamento de que não há, no ordenamento jurídico pátrio, previsão de indenização por perda dechance, bem como por dano moral sofrido por pessoa jurídica.

Inicialmente é preciso esclarecer que a impossibilidade jurídica do pedido, ao lado do interesse deagir e da legitimidade, era tratada pelo CPC/1973 como “condição da ação”.

No Novo Código, entretanto, não há mais a referência à “possibilidade jurídica do pedido” comohipótese geradora da extinção do processo sem resolução do mérito, seja quando enquadrada comocondição da ação ou como causa para o indeferimento da petição inicial. É que o CPC de 1973 tambémcontemplava a possibilidade jurídica do pedido como uma das causas que geravam a inépcia da petiçãoinicial e, consequentemente, seu indeferimento (art. 295, parágrafo único, III, CPC/1973). Essa causa deinépcia já era bastante discutida na doutrina, já que muitos estudiosos, inclusive Enrico Tullio Liebman,entendiam-na como causa que, se inexistente, levava à improcedência da pretensão deduzida em juízo.De acordo com a nova sistemática, consagra-se o entendimento de que a possibilidade jurídica dopedido é causa para resolução do mérito da demanda, e não simplesmente de sua inadmissibilidade.

Assim, deixo de analisá-la como preliminar para que seja discutida no próprio mérito da ação.

2. Mérito2.1. Da possibilidade jurídica do pedidoPara a resolução da controvérsia, cumpre esclarecer que a possibilidade jurídica do pedido não

está atrelada ao fato de existir previsão, no sistema normativo, apta a tornar o pedido viável. Para queela se encontre presente, basta que o ordenamento jurídico não vede o exame da matéria por parte doJudiciário.

No caso dos autos, não restam dúvidas de que inexiste vedação expressa a impossibilitar a

formação de uma relação jurídica processual com base nas pretensões da autora (indenização porperda de chance, bem como por dano moral sofrido por pessoa jurídica), o que constitui motivosuficiente para afastar a eventual improcedência com base na impossibilidade jurídica do pedido.

Ademais, merece destaque o fato de que os tribunais pátrios já decidiram reiteradas vezes de modoa atender a ambas as pretensões versadas nos autos. Ressalte-se que, se no caso concreto o direitomaterial não amparar o pedido do autor, o caso será de improcedência e não de impossibilidade jurídicado pedido.

2.1. Do inadimplemento contratualNo caso dos autos, alega a autora que, em 20/05/2007, adquiriu da empresa ré o direito de compra

de uma sala comercial, cuja entrega estava prevista para 20/05/2010.Em virtude de a ré somente ter procedido à entrega do imóvel em 20/06/2011, portanto fora do

prazo pactuado, aduz a requerente que se viu obrigada a arcar com o pagamento de aluguéis, a partirde 20/08/2011, para a instalação do seu escritório em outro local, o que lhe gerou um gasto total de R$30.000,00.

Alega a ré, em contrapartida, que a autora assinou um termo por meio do qual renunciou ao direitode indenização em virtude do atraso na entrega do apartamento, o que, segundo aduz, constitui óbice àpropositura da ação.

Acrescenta que a autora não demonstrou a existência de qualquer vício que pudesse inquinar areferida renúncia de nulidade, salientando, por fim, que o retardamento da conclusão da obra se deu emvirtude da inflação, o que impõe a aplicação da teoria da imprevisão.

Para o deslinde da controvérsia, pertinente salientar, em um primeiro momento, que constitui fatoincontroverso nos autos que a ré não promoveu a entrega da sala comercial no termo previsto no pactofirmado com a autora.

Não há controvérsia, também, a propósito da locação. Por óbvio que, com a entrega do imóvel noprazo avençado (20/05/2010), a promissária compradora poderia usufruir deste para a instalação do seuescritório, o que não ocorreu em virtude da demora na entrega da referida sala pela ré. A requerente viu-se, por esse motivo, compelida a alugar outro imóvel comercial para o atendimento das suasnecessidades, o que restou cabalmente demonstrado pelos recibos de pagamento de aluguéisacostados aos autos, cuja veracidade não foi infirmada pela ré.

Dessa forma, restando patente a transgressão da norma contratual, deve-se entender que arequerida é responsável pelas perdas e danos advindos desse fato. Ressalte-se que, ainda que a autoranão tivesse demonstrado que despendeu valores com o pagamento de aluguéis, existe uma presunçãorelativa dos prejuízos advindos da mora da construtora, que não entrega o imóvel no prazo avençado,conforme entendimento do STJ:

Civil e processual. Embargos declaratórios cujas razões são exclusivamente infringentes.Fungibilidade dos recursos. Recebimento como agravo regimental. Compra e venda. Imóvel. Atrasona entrega. Lucros cessantes. Presunção. Provimento. I. Nos termos da mais recente jurisprudênciado STJ, há presunção relativa do prejuízo do promitente-comprador pelo atraso na entrega deimóvel pelo promitente-vendedor, cabendo a este, para se eximir do dever de indenizar, fazer provade que a mora contratual não lhe é imputável. Precedentes. II. Agravo regimental provido (STJ,AgRg no Ag 1036023/RJ, Relator: Ministro Aldir Passarinho Junior, j. 23/11/2010).

Assim, para eximir-se do dever de indenizar, deveria a ré demonstrar que a mora decorreu decausa alheia à sua vontade, isto é, que ocorreu circunstância anormal a justificar a demora na entregado imóvel.

Não obstante tenha alegado que o retardamento da entrega da sala se deu em virtude da inflação,o que imporia a aplicação da teoria da imprevisão, a ré não se desincumbiu de provar que a economiase encontrava instável no momento em que celebrado o contrato e que, posteriormente, ocorreu ofenômeno inflacionário, muito menos que a ocorrência desse fenômeno a surpreendeu, mesmo porque,instada a especificar as provas que pretendia produzir, esta se quedou inerte.

Ressalte-se, ainda, que, em se tratando a inflação de um mal crônico que assola um país como o

nosso, tal fenômeno, além de constante, é público e notório, não se caracterizando como circunstânciaimprevisível e inevitável apta a ensejar a aplicação da teoria da imprevisão.

É de salientar, também, que, para que se pudesse aplicar a teoria da previsão, necessário querestasse evidenciada a onerosidade excessiva sofrida por um dos contratantes, bem como oenriquecimento ou prejuízo inesperado por parte do outro, o que também não se comprovou no casodos autos.

Por fim, cumpre destacar que o fato de a autora ter assinado um termo de quitação das obrigaçõesassumidas no contrato não descaracteriza o inadimplemento havido por parte da ré. Isso porque sedeve aplicar à relação havida entre as partes o Código de Defesa do Consumidor, com a proteção quelhe é inerente, pelas razões a seguir expostas.

Segundo o disposto no art. 2o do CDC, consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ouutiliza produto ou serviço como destinatário final. Do dispositivo transcrito, depreende-se que o conceitode consumidor está atrelado ao real alcance da expressão destinatário final.

É bem verdade que, na tentativa de delimitar o real conceito dessa expressão, doutrina ejurisprudência manifestaram, predominantemente, aderência à orientação denominada finalista ousubjetiva.

Segundo essa teoria, a expressão destinatário final deve ser interpretada restritivamente, de formaa abranger tão somente o sujeito que adquire o bem para proveito próprio, com vistas a satisfazerinteresse pessoal, e não para integrar a cadeia produtiva.

Ocorre que, acertadamente, tem admitido a jurisprudência a mitigação da teoria finalista, emsituações nas quais, ainda que se trate de pessoa jurídica que adquire bem para instrumentalizarnegócio lucrativo, aplica-se o CDC, desde que seja nítida sua situação de vulnerabilidade diante dofornecedor. Nesse sentido:

Processo civil e consumidor. Agravo de instrumento. Concessão de efeito suspensivo. Mandado de segurança.Cabimento. Agravo. Deficiente formação do instrumento. Ausência de peça essencial. Não conhecimento.Relação de consumo. Caracterização. Destinação final fática e econômica do produto ou serviço. Atividadeempresarial. Mitigação da regra. Vulnerabilidade da pessoa jurídica. Presunção relativa. [...] – A jurisprudênciaconsolidada pela 2a Seção deste STJ entende que, a rigor, a efetiva incidência do CDC a uma relação deconsumo está pautada na existência de destinação final fática e econômica do produto ou serviço, isto é, exige-se total desvinculação entre o destino do produto ou serviço consumido e qualquer atividade produtivadesempenhada pelo utente ou adquirente. Entretanto, o próprio STJ tem admitido o temperamento desta regra,com fulcro no art. 4o, I, do CDC, fazendo a lei consumerista incidir sobre situações em que, apesar do produtoou serviço ser adquirido no curso do desenvolvimento de uma atividade empresarial, haja vulnerabilidade deuma parte diante da outra. – Uma interpretação sistemática e teleológica do CDC aponta para a existência deuma vulnerabilidade presumida do consumidor, inclusive pessoas jurídicas, visto que a imposição de limites àpresunção de vulnerabilidade implicaria restrição excessiva, incompatível com o próprio espírito de facilitaçãoda defesa do consumidor e do reconhecimento de sua hipossuficiência, circunstância que não se coaduna como princípio constitucional de defesa do consumidor, previsto nos arts. 5o, XXXII, e 170, V, da CF. Em suma,prevalece a regra geral de que a caracterização da condição de consumidor exige destinação final fática eeconômica do bem ou serviço, mas a presunção de vulnerabilidade do consumidor dá margem à incidênciaexcepcional do CDC às atividades empresariais, que só serão privadas da proteção da lei consumerista quandocomprovada, pelo fornecedor, a não vulnerabilidade do consumidor pessoa jurídica. – Ao encampar a pessoajurídica no conceito de consumidor, a intenção do legislador foi conferir proteção à empresa nas hipóteses emque, participando de uma relação jurídica na qualidade de consumidora, sua condição ordinária de fornecedoranão lhe proporcione uma posição de igualdade perante a parte contrária. Em outras palavras, a pessoa jurídicadeve contar com o mesmo grau de vulnerabilidade em que qualquer pessoa comum se encontraria ao celebraraquele negócio, de sorte a manter o desequilíbrio da relação de consumo. A “paridade de armas” entre aempresa-fornecedora e a empresa-consumidora afasta a presunção de fragilidade desta. Tal consideração semostra de extrema relevância, pois uma mesma pessoa jurídica, enquanto consumidora, pode se mostrarvulnerável em determinadas relações de consumo, e em outras não. Recurso provido (RMS 27.512/BA, Rel.Min. Nancy Andrighi, DJe 23.09.2009).

No caso dos autos, a autora adquiriu uma sala comercial para viabilizar seu negócio lucrativo, oque, sob a ótica da orientação finalista, afastaria a possibilidade de configuração de relação deconsumo.

Não obstante, considerando-se a relativização da teoria finalista, cada vez mais reconhecida pelostribunais pátrios, é cabível a excepcional aplicação do CDC ao caso dos autos. Isso porque a autora,pessoa jurídica que adquiriu da construtora ré uma sala comercial para a instalação de uma filial de suaagência de turismo, é, nitidamente, parte vulnerável na relação contratual, sob o ponto de vista técnico eeconômico. Ou seja, no caso em apreço, a pessoa jurídica que adquiriu o imóvel exerce atividadeeconômica em proporções infinitamente menores que a construtora, sendo inconteste que sua condiçãode fornecedora, com relação aos serviços de agenciamento de viagens, não é capaz de lhe proporcionaruma situação de igualdade diante da construtora ré.

Assentada a questão relativa à aplicabilidade do CDC à hipótese em comento, deve-se ressaltarque o “termo de renúncia” a que se referem os autos, cuja assinatura foi imposta pela construtora, comocondição de entrega das chaves do imóvel, atinge direitos básicos do consumidor, insculpidos no art. 6o

do CDC, sobretudo o direito à proteção contra prática abusiva imposta no ato de fornecimento doproduto, constituindo, também, violação aos deveres anexos oriundos da boa-fé e da contratação leal,uma vez que impõe à autora a renúncia a qualquer direito de ressarcimento dos prejuízos advindos dodescumprimento do contrato pela parte ré.

Desse modo, tendo em vista o fato de que as cláusulas insculpidas no referido documentogarantem vantagens somente para o fornecedor, enfraquecendo ainda mais a posição contratual doconsumidor, deve-se reputar abusiva a imposição de assinatura do termo de quitação das obrigaçõesassumidas pelas partes no contrato.

Aliás, restou evidenciado que a autora não aquiesceu com qualquer dilação do prazo para a entregada sala, tanto é que, antes mesmo de firmar o referido termo, ato que, segundo alega, foi imposto pelaré como condição para a entrega das chaves, procedeu à notificação extrajudicial da construtora,ressaltando o descumprimento da cláusula que especificou o prazo para a entrega do imóvel. Assim, aassinatura do referido termo não é capaz de descaracterizar o inadimplemento havido por parte daempresa ré.

Destarte, com base nos argumentos acima expendidos e, ainda, atento ao princípio da restitutio inintegrum, tem-se como devido o reembolso dos valores gastos pela autora, com a locação da sala paraa instalação do seu escritório.

No que se refere ao quantum a ser restituído, este deve corresponder ao valor gasto com opagamento dos aluguéis até a data da efetiva entrega do imóvel pela construtora ré (20/06/2001).

Saliente-se que não cabe razão à autora no que se refere à pretensão de restituição de valores dosaluguéis após esse período, vez que o fato de esta não ter se instalado imediatamente na sala adquiridanão se relaciona a qualquer conduta imputável à ré. Aliás, é a própria autora que afirma que tal demorana instalação, após a entrega do bem, se deu em virtude da “reforma do local, cujo projeto já estavapronto e para a qual já havia contratado um arquiteto e a mão de obra necessária para a execução daobra”.

Destarte, deve a ré arcar com o pagamento da indenização pleiteada pela autora, correspondenteao valor dos aluguéis despendidos até a efetiva entrega do bem – e não até a instalação do escritório noimóvel.

2.2. Da indenização pela perda de uma chanceA autora também pretende o recebimento de indenização, com base na “teoria da perda de uma

chance”, sob o fundamento de que perdera a chance de celebrar contratos na região em que localizadaa sala comercial adquirida, em virtude do inadimplemento da ré, que não entregou o imóvel no termofixado no contrato.

O dano pela perda de uma chance (perte d’une chance), ignorado por muito tempo pela doutrina ejurisprudência, por relativizar o requisito da certeza, imprescindível a que o dano seja consideradoindenizável, tem sido paulatinamente apreciado e reconhecido nos tribunais pátrios.

Tal dano decorre de atos ou omissões ilícitas de outrem, capazes de frustrar a expectativa concretae futura de uma pessoa, privando-lhe da oportunidade de melhorar sua situação atual ou evitardeterminado prejuízo.

Ressalte-se que esta expectativa deve ser fundada na probabilidade e na certeza, que deverão sercuidadosamente aferidas pelo julgador no caso concreto, de modo que meras possibilidades hipotéticase incertas não são passíveis de gerar o dever de indenizar a esse título. Nesse sentido, tem decidido oSTJ:

Agravo regimental no recurso especial. Processual civil e direito civil. Teoria da perda de uma chance.Pressupostos indenizatórios. Alegada violação do art. 159 do Código Civil. Dano material hipotético.Impossibilidade. Dano moral. Acórdão a quo baseado no conjunto fático-probatório. Revisão de fatos eprovas. Súmula no 7/STJ. 1. Cuida-se, na origem, de ação ordinária por meio da qual pretende o agravante serindenizado pela União, em face dos danos materiais e morais sofridos em decorrência da sua reprovação noexame psicotécnico, com a consequente exclusão no concurso público destinado ao provimento de vagas parao cargo de Policial Rodoviário Federal. 2. O agravante logrou aprovação apenas na prova de conhecimento.Dessarte, ficaram pendentes as quatro fases seguintes da primeira etapa, compreendendo os seguintes exames:psicotécnico (considerando a inexistência de resultado válido), médicos, capacidade física e motricidade; e,ainda, a segunda etapa, de caráter eliminatório – Curso de formação. 3. A pretensão não encontraamparo na “teoria da perda de uma chance” (perte d’une chance), pois, ainda que sejaaplicável quando o ato ilícito resulte na perda da oportunidade de alcançar uma situaçãofutura melhor, é preciso, na lição de Sérgio Cavalieri Filho, que: “se trate de uma chance reale séria, que proporcione ao lesado efetivas condições pessoais de concorrer à situaçãofutura esperada” (Programa de responsabilidade civil, 4a ed. São Paulo: Malheiros, p. 92). 4.Ademais, não se admite a alegação de prejuízo que elida um bem hipotético, como na espécie dos autos, emque não há meios de aferir a probabilidade do agravante em ser não apenas aprovado, mas também classificadodentro das trinta vagas destinadas no edital à jurisdição para a qual concorreu, le-vando ainda em consideraçãoo nível de dificuldade inerente aos concursos públicos e o número de candidatos inscritos. 5. De mais a mais, opróprio autor afirma que não pretendia a investidura no cargo de Policial Rodoviário Federal, em face da suanomeação para o de Procurador Federal. A pretensão não encontra guarida na teoria da perda de uma chance,aplicada somente “nos casos em que o ato ilícito tira da vítima a oportunidade de obter uma situação futuramelhor, como progredir na carreira artística ou no trabalho, arrumar um novo emprego” (Cavalieri Filho,Sérgio. Op. cit., p. 91-92), entre outras. 6. Indevida indenização por dano moral, à míngua de efetivacomprovação, eis que o reexame dos aspectos de fato que lastreiam o processo, bem como sobre os elementosde prova e de convicção, encontra óbice no enunciado da Súmula 7/STJ, pois não há nos autos informação quejustifique a condenação nessa verba. 7. Agravo regimental não provido (STJ, Segunda Turma, AgRg no REsp1220911/RS, Rel. Min. Castro Meira, DJ 17/03/2011).

Nesse contexto, o que se verifica é que as alegações da autora, no sentido de ser devida aindenização pela perda de chance, não procedem, em virtude do fato de esta não ter comprovado a reale efetiva possibilidade de celebração de contratos no local, caso já tivesse se instalado na sala objeto docontrato firmado com a ré.

Conforme já ressaltado, para que se configure o dever de indenizar é imprescindível que secomprove a probabilidade favorável de obtenção de êxito, ou seja, deve-se demonstrar que aexpectativa é concreta e real, não apontando uma simples quimera.

Desse modo, não cabe razão à autora nesse ponto.2.3. Da indenização por danos moraisAduz a autora que a demora na entrega das chaves do imóvel causou-lhe profundo abalo, ao passo

que restaram frustradas as expectativas da sua clientela, em virtude da impossibilidade de instalação doescritório na sala adquirida exclusivamente para esse fim.

A ré alega que não existe previsão legal para o pagamento da quantia pleiteada a título de danomoral.

Em razão de a autora constituir-se em pessoa jurídica, deve-se, primeiramente, analisar a

possibilidade de esse organismo social vir a ser vítima de danos morais.Sobre o tema, hodiernamente inexiste dúvida, uma vez que o Superior Tribunal de Justiça, por meio

da Súmula 227, pontificou que “a pessoa jurídica pode sofrer dano moral”.No entanto, como o dano moral reflete ofensa à honra, quando esse prejuízo afetar pessoa jurídica

deve-se distinguir a honra subjetiva da objetiva. Para isso, vale transcrever a lição de Yussef SaidCahali:

Acórdão do STJ é exaustivo na fundamentação desse entendimento: Quando se trata de pessoajurídica, o tema da ofensa à honra propõe uma distinção inicial: a honra subjetiva, inerente à pessoafísica, que está no psiquismo de cada um e pode ser ofendida com atos que atinjam a suadignidade, respeito próprio, autoestima etc., causadores de dor, humilhação, vexame; a honraobjetiva, externa ao sujeito, que consiste no respeito, admiração, apreço, consideração que osoutros dispensam à pessoa. Por isso se diz ser a injúria um ataque à honra subjetiva, à dignidadeda pessoa, enquanto a difamação é ofensa à reputação que o ofendido goza no âmbito social ondevive. A pessoa jurídica, criação da ordem legal, não tem capacidade de sentir emoção e dor,estando por isso desprovida de honra subjetiva e imune à injúria. Pode padecer, porém, de ataqueà honra objetiva, pois goza de uma reputação junto a terceiros, passível de ficar abalada por atosque afetam o seu bom nome no mundo civil ou comercial onde atua. Essa ofensa pode ter seuefeito limitado à diminuição do conceito público de que goza no seio da comunidade semrepercussão direta ou imediata sobre seu patrimônio (Cahali, Yussef Said. Dano moral, 3a ed. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, p. 385).

Destarte, para que se caracterize o dano moral, quando a vítima for pessoa jurídica, é misterdemonstrar que o ato ilícito causado produziu ofensa à sua honra objetiva, de tal forma que afetou onome da empresa perante a sociedade ou terceiros interessados.

No caso sob julgamento, não comprovou a autora que o evento narrado nos autos produziu ofensaà sua honra objetiva. Aliás, a autora, que requereu o julgamento antecipado da lide, limitou-se a afirmarque “sofrera profundo abalo ante a demora na entrega das chaves, visto que, não tendo instalado suafilial na data prevista, deixara sua clientela frustrada com a indisponibilidade da nova sala”. Ora, a meraalegação de abalo não é suficiente para caracterizar a ocorrência do dano.

Por outro lado, pertinente salientar que, se a autora instalou o seu escritório em outro imóvel,provavelmente não houve qualquer prejuízo ao atendimento da sua clientela, não sendo sequer razoávelafirmar que esta se viu frustrada pela não instalação do escritório na sala adquirida exclusivamente paraesse fim.

Aliás, não restam dúvidas de que, se alguma repercussão resultou do evento narrado nos autos,isso ocorreu somente entre as partes contratantes, não interferindo na relação da autora com terceiros,ainda que seus clientes.

Pelo exposto, também não cabe razão à recorrente nesse ponto.

III – DISPOSITIVO

Ante o exposto, julgo parcialmente procedentes os pedidos formulados na inicial, para condenar aré Construtora e Incorporadora Alfa a reembolsar à autora a quantia despendida com os aluguéis dasala em que se instalou, até a data da efetiva entrega do imóvel pela ré (20/06/2011), devidamentecorrigida pelo INPC e acrescida de juros de mora de 1% ao mês, ambos a partir da data em que oimóvel deveria ter sido entregue.

Diante da sucumbência recíproca, condeno a autora ao pagamento de 60% das custas processuaise honorários advocatícios, que, atento ao disposto no art. 85, § 2o, do CPC/2015, fixo em 10% do valorda condenação. Condeno a ré ao pagamento dos restantes 40% das custas e honorários, sendo vedadaa compensação.

P.R.I.

Local, data.

2.3.

Juiz de Direito Substituto

Prova do 183º Concurso para Juiz do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (2012) –Banca Vunesp

[...] Profira a sentença no seguinte caso concreto: Antônio da Silva ajuizou ação ordinária de indenização por danosmateriais e morais, em face do “Condomínio Paraíso”, onde reside, e de “Segurança Total Ltda.”, empresa terceirizada dezeladoria que presta serviços ao referido condomínio. Afirmou que seu veículo fora furtado nas dependências do condomínio. Oveículo foi estacionado pelo autor, em vaga predeterminada na garagem, tendo levado a chave consigo. O autor imputa aos réusa culpa pelo evento danoso, pleiteando a condenação dos mesmos ao pagamento de indenização por danos materiais, nomontante de R$ 20.000,00, correspondentes ao valor de mercado de seu veículo, conforme tabelas de jornais especializados,mais despesas havidas com táxi, conforme recibos acostados aos autos. Requereu ainda indenização pelos danos morais quealega ter sofrido, em montante não inferior a R$ 100.000,00, em razão do sofrimento causado pela perda de seu bem.

Os réus foram citados pelo Correio, tendo os avisos de recebimento da citação de ambos os réus sido juntados aos autos nomesmo dia, após o que o condomínio réu apresentou contestação no décimo dia subsequente e a empresa de zeladoria, novigésimo dia subsequente.

O condomínio pugnou pela improcedência da ação, ao fundamento de que sua convenção não prevê expressamente aobrigação de indenizar, em caso de furto ocorrido em suas dependências, bem como sustentou que não tem o dever de guardados veículos estacionados em sua garagem.

A empresa de zeladoria arguiu preliminar de ilegitimidade passiva, pois não tem relação jurídica com o condômino autor e,no mérito, pugnou pela improcedência da ação, sustentando que os procedimentos de segurança foram observados.

Em réplica, o autor arguiu preliminar de intempestividade da contestação da empresa de zeladoria, no mérito, reiterou ostermos da inicial, insistindo na procedência do pedido.

As partes não especificaram outras provas a produzir além da documental já acostada aos autos, requerendo o julgamentoantecipado da lide.

SENTENÇA

Processo nº

Vistos.

I – RELATÓRIO

Trata-se de ação ordinária de indenização por danos morais e materiais proposta por ANTONIO DASILVA em desfavor de CONDOMÍNIO PARAÍSO e SEGURANÇA TOTAL LTDA.

Alega o autor, em suma, que seu veículo foi furtado nas dependências do CONDOMÍNIOPARAÍSO, após ter sido estacionado em vaga de garagem predeterminada. Aduz o autor, ainda, quelevou a chave do veículo consigo.

Requer, por conta disso, que as rés sejam condenadas ao pagamento de indenização por danosmateriais, no montante equivalente ao valor de mercado do bem, além do ressarcimento quanto àsdespesas realizadas com a utilização de táxi após a ocorrência do fato. Pleiteia, ainda, a condenaçãodas rés em danos morais, em montante não inferior a R$ 100.000,00, em razão do sofrimento causadopela perda de seu bem.

Devidamente citadas, as rés apresentaram contestação às fls.A primeira ré (CONDOMÍNIO PARAÍSO) pugna pela improcedência do pedido, sob a alegação de

que a Convenção não dispõe sobre a responsabilidade do condomínio na hipótese aventada.A segunda ré (SEGURANÇA TOTAL LTDA) alega, em preliminar, a ilegitimidade passiva para a

demanda, pois não possui qualquer relação jurídica com o autor. No mérito, pugna pela improcedênciado pleito autoral, argumentando que todos os procedimentos de segurança foram observados.

Apresentada réplica às fls., na qual o autor alega a intempestividade da defesa apresentada pelasegunda ré e reitera os demais pedidos constantes na exordial.

Intimadas as partes para especificação das provas, ambas dispensaram a realização de instruçãoprobatória e requereram o julgamento antecipado da lide.

É, em breve síntese, o que cumpria relatar. FUNDAMENTO E DECIDO.

II – FUNDAMENTAÇÃO

A matéria fática já se encontra devidamente comprovada nos autos, razão pela qual conheçodiretamente do pedido, nos termos do art. 330, I, do Código de Processo Civil.

Inicialmente, quanto à alegada intempestividade da peça defensiva apresentada pela réSEGURANÇA TOTAL LTDA, esclareço que, apesar de o art. 231, I, do CPC/2015 dispor que acontagem do prazo para apresentação da contestação começa a correr da data da juntada aos autos doúltimo aviso de recebimento e, no presente caso, tais atos se deram no mesmo dia, necessário invocar aaplicação do art. 229 do CPC/2015,3 que trata dos prazos especiais para os litisconsortes comprocuradores distintos.

Sendo assim, aplicando-se a regra do prazo em dobro para fins de contestação, não há falar emintempestividade, pelo que rejeito a preliminar levantada pelo autor em réplica.

Quanto à preliminar de ilegitimidade passiva arguida pela segunda ré, necessário frisar que aempresa SEGURANÇA TOTAL LTDA, apesar de não possuir relação contratual direta com ocondômino, é prestadora de serviços que são, no mínimo indiretamente, usufruídos por todos osmoradores. Assim, não há se falar em ausência de vínculo capaz de sustentar a tese de ilegitimidade.

Por outro lado, verifica-se que a referida empresa foi contratada pelo condomínio apenas paraprestação de serviços de zeladoria, ou seja, não há qualquer indicação nas provas trazidas aos autos deque a ré também era responsável pela segurança do local. Em outras palavras, em que pese o nomeempresarial utilizado pela segunda ré (“SEGURANÇA TOTAL”), a relação de guarda e vigilância nãopode decorrer da simples existência de zelador e/ou de porteiro prestando serviços ao condomínio. Taisatividades são se confundem com as de vigilância e, portanto, não são capazes de gerar noscondôminos verdadeira expectativa de segurança.

Diante do exposto, acolho a preliminar arguida e, consequentemente, determino a exclusão daempresa SEGURANÇA TOTAL LTDA. do polo passivo desta demanda.

Superadas as preliminares, passo a analisar o MÉRITO do pedido.Segundo consta na defesa apresentada pelo CONDOMÍNIO PARAÍSO, não é possível haver

responsabilização pelo furto do veículo por inexistir cláusula na Convenção de Condomínio queexpressamente permita a possibilidade de indenização nessa hipótese.

Sobre esse ponto é preciso considerar que a Convenção de Condomínio – instrumento que contémtodas as regras necessárias à vida em comum – é previamente discutida e votada pelos próprioscondôminos antes de ser efetivamente subscrita. Somente assim as condições desse ato-norma(convenção) serão eficazes em relação a todos os condôminos.

Assim, se os condôminos não dispuseram ou preferiram não dispor sobre as eventuaisresponsabilidades em caso de furtos ocorridos dentro do condomínio, este não poderá serresponsabilizado. Em outras palavras, como não há legislação qualquer disposição que trate daresponsabilidade do condomínio em casos semelhantes, ele só deve responder pelo queexpressamente ficou consignado na Convenção. Se assim não fosse, estar-se-ia admitindo umaresponsabilização sem previsão legal ou convencional, submetida ao bel-prazer dos moradores.

Frise-se que, acaso existisse previsão de responsabilidade ou mesmo se o condomínio contassecom um sistema de vigilância que gerasse legítima expectativa de segurança aos condôminos, seriaviável discutir sua responsabilização.

Desta forma, em que pese o descontentamento do autor e os prejuízos por ele suportados, se ofurto ocorreu no interior de uma unidade autônoma e não há previsão de responsabilização naconvenção, não há como destinar o ressarcimento de eventuais prejuízos ao condomínio.

Esclarece-se, ainda, que não é o caso de aplicar as regras relativas ao contrato de depósito (arts.

2.4.

627 e ss. do Código Civil). Isso porque, ao contrário dos estacionamentos próprios para veículos, ocondomínio não pode ser considerado depositário dos bens, porquanto os espaços de garagempertencem aos próprios condôminos e não ao condomínio.

Destarte, não há como aferir que houve conduta (omissiva ou comissiva) por parte do condomíniose sequer lhe foi dada a incumbência de zelar pelos bens de propriedade exclusiva dos condôminos.Ressalte-se que tal entendimento encontra respaldo doutrinário e jurisprudencial, notadamente noâmbito do Superior Tribunal de Justiça (p. ex: STJ, AgRg no Ag nº 1102361/RJ, j. 15/06/2010). Maisrecentemente, o próprio TJSP manifestou-se sobre o tema nos seguintes termos:

Civil e processo civil. Condomínio edilício. Furto em unidade autônoma. Danos materiais e morais.Responsabilidade do condomínio. Inexistência, na hipótese dos autos. Sentença mantida. 1. Paraque se possa reconhecer a responsabilidade do condomínio por furtos ou roubos ocorridos dentrodas unidades autônomas é necessário que haja expressa previsão convencional nesse sentido(aliada ao conjunto probatório da ocorrência do fato), ou, ao menos, que a culpa do condomíniofosse demonstrada de forma inequívoca, o que não ocorreu nos autos. 2. Recurso improvido (TJ-SP, Apelação nº 0015249-57.2011.8.26.0114, Relator Des. Artur Marques, j. 21/03/2016, 35ªCâmara de Direito Privado).

Com efeito, se não há conduta que justifique a responsabilização, não há falar em indenização, sejapor dano material ou por dano moral.

III – DISPOSITIVO

Ante o exposto, julgo TOTALMENTE IMPROCEDENTES os pedidos formulados pelo autor, comresolução do mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC/2015.

Por força do princípio da causalidade, condeno o autor ao pagamento de custas processuais ehonorários advocatícios, estes últimos arbitrados em 10% sobre o valor atualizado da causa, nos termosdo art. 85, §§ 2º e 6º, do CPC/2015.

Sentença submetida ao rito do art. 513 do CPC/2015 no que tange aos honorários.

P.R.I

Local, data.

Juiz de Direito Substituto

Prova do Concurso para Juiz do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas (2015) –Banca Cespe

ATENÇÃO

Essa prova tratou do tema “desconsideração da personalidade jurídica” e foi aplicada antes daentrada em vigor do Novo CPC. Para que a resposta esteja condizente com a nova legislação,suponha que a desconsideração tenha sido requerida pela parte autora na petição inicial e quehouve efetiva manifestação da parte contrária no prazo para a defesa (art. 134, § 2º, CPC/2015).

Cuida-se de ação de divórcio cumulada com pedidos de partilha de bens, definição de guarda de menores, regularização devisitas e alimentos para a autora, proposta por A. S. R. N. contra J. P. N. Relata a parte requerente que foi casada com orequerido por quinze anos, sob o regime de comunhão parcial de bens, tendo do casamento advindo três filhos: P.R.N., G.R.N eB.R.N., atualmente todos menores incapazes. Acrescenta que, antes do início do relacionamento, o requerido já era sócio-proprietário de uma empresa de informática e que, durante a relação conjugal, o casal adquiriu quatro imóveis: uma casa, atualresidência do casal, dois apartamentos, uma fazenda e três veículos, patrimônio avaliado em R$ 8.500.000. Diz que, durantetoda a vida conjugal, trabalhou, tendo contribuído com os seus esforços para a construção do patrimônio comum, mas que,

orientada pelo cônjuge da necessidade de proteger os bens, aceitou que ele colocasse todo o patrimônio adquirido durante aUnião em nome da empresa de informática. Afirma que está enferma, o que a obrigou a se aposentar por invalidez, e que, portal razão, houve considerável perda em seus rendimentos. Acrescenta que em razão do divórcio terá a diminuição do padrão devida, razão por que pede alimentos ao requerido, o qual tem plena condições de prestá-los. Afirma que o casal já está separadode fato; que, há um ano, o requerido abandonou o lar comum, tendo deixado filhos sob sua guarda fática, e que ela vemdedicando aos filhos todos os cuidados psicológicos e afetivos. Diz que adotou o sobrenome do requerido e que pretende mantê-lo. Informa que já foram deferidos alimentos para os filhos comuns, em ação própria, tendo ficado estabelecido o valor de R$9.000 para cada um. No final, requer a decretação do divórcio, a manutenção do nome de casada, a guarda dos filhos menores, afixação de alimentos em seu favor no valor mensal de R$ 8.000, quantia que já vem sendo paga pelo requerido desde que elesaiu de casa; a regulamentação de visitas de forma livre, já que os filhos atualmente estão com 15, 13 e 12 anos de idade; e adesconsideração inversa da personalidade jurídica da empresa do requerido, a fim de que os bens do casal, atualmente em nomeda referida empresa, sejam partilhados entre os cônjuges e que seja estabelecido, a seu favor, o direito real de habitação sobre oimóvel de residência da família.

A inicial foi instruída com as certidões de casamento e de nascimento dos filhos do casal; com cópia das matrículas dosimóveis elencados na inicial e documento dos veículos, com a indicação de que todos estão em nome da empresa e foramadquiridos durante a sociedade conjugal; com comprovantes de transferências bancárias realizadas pela autora para a conta daempresa de informática em datas próximas às datas em que os imóveis foram adquiridos; com comprovante de rendimentos daautora no valor mensal de R$ 5.400; e com cópias das declarações de imposto de renda do requerido, para demonstrar que suarenda mensal gira em torno de R$ 90.000.

Citado, o requerido apresentou contestação na qual alega que efetivamente deixou o lar comum há aproximadamente umano e que não há possibilidade de que o relacionamento seja reatado. Con- corda com o divórcio, mas alega não possuir bens apartilhar, já que aqueles indicados pela requerente são de propriedade da empresa de informática, adquirida por ele antes docasamento. Refuta a possibilidade de aplicação da desconsideração da personalidade jurídica ao argumento de que o art. 50 doCódigo Civil permite responsabilizar apenas o patrimônio do sócio por obrigações da sociedade, mas não o inverso. Requer quea autora volte a usar o nome de solteira, por entender que o divórcio dissolve o casamento e, por conseguinte, deve desfazertodos os vínculos entre os ex-cônjuges. Ademais, diz que não se vislumbram, no caso, as hipóteses previstas no art. 1.578 doCódigo Civil. Requer a guarda compartilhada dos filhos menores e que eles estabeleçam moradia alternada na casa dos pais,morando quinze dias na casa de cada um. Diz que a autora não faz jus a alimentos, pois ela trabalha e tem condições de semanter. Acrescenta que só vem contribuindo com os R$ 8.000 mensais para que sejam pagas as contas para manutenção doimóvel, que já suportou tal ônus por um ano e que, com o divórcio, não há mais razão para tanto. Em acréscimo, diz nãoconcordar com a fixação do direito real de habitação em favor da requerente, pois pretende alienar o imóvel para saldar dívidasda empresa. Requer, no final, a decretação do divórcio, sem bens a partilhar, com o retorno da autora ao nome de solteira; afixação da guarda compartilhada com residência alternada; que sejam julgados improcedentes os pedidos de desconsideraçãoinversa da personalidade jurídica e de direito real de habitação.

Realizada audiência de conciliação, não foi possível qualquer acordo. Na sequência, foi realizado estudo psicossocial docaso, e os profissionais, após a oitiva dos menores, das partes e de pessoas envolvidas no contexto familiar, em laudofundamentado, concluíram que os filhos menores do casal estão sendo atendidos satisfatoriamente em suas necessidades, queatualmente residem com a mãe, mas têm livre acesso ao genitor. Acrescentaram que a alternância quinzenal de residência podeprejudicar a rotina dos menores e implicará sobrecarga contrária à preservação de suas identidades e aos seus interesses. Comvista dos autos, as partes disseram não pretender produzir outras provas em audiência. O Ministério Público apresentou seuparecer final, juntado às fls. 321-330. Vieram os autos conclusos para sentença.

SENTENÇA

Processo nº

Vistos.

I – RELATÓRIO

O enunciado da questão é o relatório. Fundamento e decido.

II – FUNDAMENTAÇÃO

A ação encontra-se apta para julgamento. Nenhuma preliminar foi arguida pelas partes. Ospressupostos processuais estão presentes e houve intervenção do membro do Ministério Público, nostermos do art. 178, II, CPC/2015. Tudo visto e ponderado, passo a análise do mérito.

A – DO DIVÓRCIO

Conforme exposto no relatório, a autora foi casada com o requerido por quinze anos, sob o regimede comunhão parcial de bens. O casal teve três filhos, todos ainda incapazes.

Diante da separação de fato relatada, a parte autora requereu o divórcio.Levando em conta o princípio da Supremacia da Constituição, vê-se que desde a nova redação do

art. 226 da Constituição Federal, conferida pela Emenda Constitucional nº 66/2010, o divórcio passou aser um direito potestativo dos cônjuges, pois não mais se submete a qualquer prazo ou condição. Destafeita, a pretensão autoral no que tange à dissolução da sociedade conjugal deve ser acolhida.

B – DA PARTILHAO regime da comunhão parcial indica que os bens adquiridos pelo casal durante a constância do

casamento devem ser partilhados, em iguais quinhões, nos termos dos arts. 1.658 e ss. do Código Civil.Conforme se vê nos autos, nenhum dos bens enumerados pela autora é, legalmente, de

propriedade dos cônjuges, estando todos registrados no nome da empresa, que é de propriedadeexclusiva do requerido. A empresa, segundo consta nos autos, foi adquirida antes do início dasociedade conjugal.

Observando-se apenas os atos registrais, não haveria bens a partilhar no presente caso, porestarem todos em nome da pessoa jurídica. Ocorre que a autora alega que tais bens foram, na verdade,adquiridos pelo casal e registrados em nome da empresa. Afirma também que contribuiu com seusesforços para adquirir os bens e apresentou extratos bancários que demonstram que, em dataspróximas às aquisições dos bens, a autora transferiu consideráveis quantias para a conta da pessoajurídica.

Diante da documentação apresentada, resta claro que os bens estavam sendo adquiridos pelocasal e não propriamente pela pessoa jurídica. Ademais, em nenhum momento o requerido refutou osfatos alegados pela autora, apenas afirmando não ser cabível a desconsideração inversa dapersonalidade jurídica.

Pelo exposto, está claro que o requerido está se utilizando da pessoa jurídica em descumprimento àfunção social da empresa, com o intuito de fraudar a partilha, o que não se pode admitir. Imperioso,pois, analisar a possibilidade de desconsideração inversa da personalidade jurídica.

C – DA DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICAA desconsideração inversa objetiva atingir os bens da própria sociedade em razão das obrigações

contraídas pelo sócio, desde que, da mesma forma que a desconsideração tradicional, sejampreenchidos os requisitos legais.

No presente caso, vê-se que o requerido se valeu da pessoa jurídica por ele controlada parasubtrair da requerente os direitos oriundos da sociedade afetiva, gerando uma verdadeira confusãopatrimonial entre os seus bens e os bens destinados à atividade empresarial.

Destaque-se que a teoria da desconsideração inversa não contava com previsão legal, mas adoutrina e a jurisprudência, de forma majoritária, já admitiam sua aplicação tanto no âmbito do direitoobrigacional como no Direito de família. É o que se vê no trecho do julgado a seguir:

Desconsideração da personalidade jurídica inversa. [...] o citado dispositivo [art. 50/CC], sob a ótica de umainterpretação teleológica, legitima a inferência de ser possível a teoria da desconsideração dapersonalidade˛jurídica em sua modalidade inversa, que encontra justificativa nos princípios éticos e jurídicosintrínsecos à própria˛disregard doctrine, que vedam o abuso de direito e a fraude contra credores. Dessaforma, a finalidade maior da˛disregard doctrine˛contida no preceito legal em comento é combater a utilizaçãoindevida do ente societário por seus sócios. Ressalta que, diante da desconsideração da˛personalidade˛jurídica

inversa, com os efeitos sobre o patrimônio do ente societário, os sócios ou administradores possuemlegitimidade para defesa de seus direitos mediante a interposição dos recursos tidos por cabíveis, sem ofensaao contraditório, à ampla defesa e ao devido processo legal. No entanto, a Min. Relatora assinala que o juiz sópoderá decidir por essa medida excepcional quando forem atendidos todos os pressupostos relacionados àfraude ou abuso de direito estabelecidos no art. 50 do CC/2002. No caso dos autos, tanto o juiz como otribunal˛a quo˛entenderam haver confusão patrimonial e abuso de direito por parte do recorrente. Nessecontexto, a Turma negou provimento ao recurso. Precedentes citados: REsp 279.273-SP, DJ 29/3/2004; REsp970.635-SP, DJe 1o/12/2009, e REsp 693.235-MT, DJe 30/11/2009 (STJ, REsp n o 948.117/MS, Rel. Min.Nancy Andrighi, julgado em 22/6/2010).

O § 2o do art. 133 do CPC/2015 consolida o entendimento jurisprudencial ao permitir que asdisposições relativas ao incidente também sejam aplicadas à hipótese de desconsideração inversa dapersonalidade jurídica.

Assim, considerando que foram preenchidos os requisitos do art. 50 do Código Civil, determino apartilha dos bens descritos na inicial na proporção legal de 50% para cada um dos cônjuges.

D – DO DIREITO REAL DE HABITAÇÃODe acordo com o art. 1.831 do Código Civil, “ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime

de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real dehabitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquelanatureza a inventariar”.

O direito real de habitação decorre, portanto, do eventual falecimento de um dos cônjuges, o quenão ocorre no caso dos autos, em que a dissolução da sociedade conjugal se dá pelo divórcio. Destarte,não assiste razão à requerente quanto ao benefício pretendido.

E – DOS ALIMENTOSA autora pleiteia alimentos para si. Verifica-se nos autos que a mesma possui renda própria no valor

mensal de R$ 5.400,00, mas que, desde a separação de fato, vem recebendo do requerido a quantia deR$ 8.000,00 mensais.

Aduz o art. 1.694 do Código Civil que: “Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir unsaos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social,inclusive para atender às necessidades de sua educação.”

O dispositivo trata do princípio da solidariedade na prestação alimentícia, esclarecendo que ocônjuge também tem o dever de prestar alimentos, quando preciso. No caso concreto fica evidente quecom a quantia que a requerente recebe não é possível manter o mesmo padrão de vida antes daseparação. Ademais, por encontrar--se enferma, inclusive aposentada por invalidez, a requerentesequer tem condições de voltar à ativa. Desta feita, resta claro a necessidade de serem arbitradosalimentos.

O arbitramento da prestação alimentícia deve observar o binômio possibilidade/necessidade, nostermos do art. 1.695 do Código Civil.

A possibilidade do réu resta demonstrada por seus altos rendimentos mensais, os quais foramdevidamente comprovados nos autos, bem como pela já disponibilização de valores mensais de livreespontânea vontade à requerente.

A necessidade da requerente está demonstrada nos autos, notadamente quando se comprovou aatual incapacidade para o trabalho.

Oportuno salientar que no presente caso há, no entanto, viabilidade de concessão de alimentosapenas em caráter transitório. Isso porque, apesar de a enfermidade da autora ser permanente, após orecebimento da meação que lhe é direito, ela poderá usufruir de rendimentos que os bens lhe trarão.

Assim, deve o requerido arcar com o montante correspondente a R$ 8.000,00 a título de alimentos,pelo prazo de seis meses a contar da prolação da sentença.

F – DA MANUTENÇÃO DO NOME DE CASADAApós quinze anos de casamento, é certo que o patronímico da família do marido já se encontra

incorporado ao da requerente, não se podendo mais distingui-lo de sua identificação. O direito ao nomeconstitui um atributo da personalidade (art. 16, Código Civil) e, por consequência, integra o direito àidentidade.

Ademais, a conservação do nome de casada depende apenas e tão somente da opção da própriacônjuge, ex vi do art. 1.578, § 2º, do Código Civil, motivo pelo qual não há razão para que uma decisãojudicial afaste o direito pleiteado pela requerente de manter o nome de casada.

G – DA GUARDAA requerente, conforme consta nos autos, está com a guarda de fato dos filhos desde a separação

do casal. O requerido pleiteia a guarda compartilhada, mas sob o regime de moradia alternada.O laudo psicossocial constatou que os menores estão sendo atendidos satisfatoriamente em suas

necessidades no lar materno, bem como concluiu que a alternância de moradia implicaria evidenteprejuízo à rotina das crianças, sendo necessário, então, estabelecer uma residência fixa para osmenores.

Atualmente vige a regra no ordenamento jurídico no sentido de que a guarda deve a compartilhada.É assim que também se posiciona o STJ:

Recurso especial. Direito de família. Guarda compartilhada. Primazia sobre a guarda unilateral. Desavençasentre os cônjuges separados. Fato que não impede o compartilhamento da guarda. Exegese do art. 1.584, § 2º,do Código Civil. Doutrina sobre o tema. Análise das demais questões devolvidas. Retorno dos autos aotribunal de origem. 1. Primazia da guarda compartilhada no ordenamento jurídico brasileiro, conforme dedepreende do disposto no art. 1.584 do Código Civil, em face da redação estabelecida pelas Leis 11.698/2008 e13.058/2014. 2. Impossibilidade de se suprimir a guarda de um dos genitores com base apenas na existência dedesavenças entre os cônjuges separados. Precedentes e doutrina sobre o tema. 3. Necessidade de devolução dosautos à origem para que prossiga a análise do pedido de guarda compartilhada, tendo em vista as limitações dacognição desta Corte Superior em matéria probatória. 4. Recurso especial parcialmente provido (STJ, REsp nº1560594/RS, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, j. 23/02/2016, DJe 01/03/2016).

É preciso, no entanto, deixar claro que a guarda compartilhada não se confunde com a guardaalternada. Na primeira, pai e mãe são responsáveis pela guarda dos filhos, e as decisões a respeitodestes são tomadas em conjunto (art. 1.583, § 1º, Código Civil). Nessa espécie, apesar de tanto o paicomo a mãe possuírem a guarda, os filhos moram apenas com um dos dois. As visitas, no entanto, sãolivres.

A guarda alternada, por outro lado, ocorre quando os pais se revezam em períodos exclusivos deguarda. À essa espécie a doutrina dá o nome de “guarda do mochileiro”, já que filho acaba secomportando como um andarilho, sem residência fixa e, consequentemente, sem um referencial.

No caso em tela não há nenhum óbice à aplicação da guarda compartilhada, sendo este o modelo aser estabelecido mesmo quando não há acordo entre os genitores, conforme dispõe o art. 1.584, § 2º,Código Civil.

Destarte, a guarda compartilhada somente deve ser afastada se comprovada a impossibilidade deos pais decidirem, juntos, sobre a criação dos filhos, o que não é o caso dos autos.

Assim, levando em conta os laudos psicossociais e as condições dos genitores, deve ser fixada aguarda compartilhada, sem a alternância de moradia, sendo necessário que os filhos continuem a residirno lar materno, com a livre visitação do pai, ora requerido.

III – DISPOSITIVO

Por todo o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pleito autoral, com resolução domérito, nos termos do art. 487, I, do CPC 2015, para: 1. Decretar a dissolução da sociedade conjugalpelo divórcio, podendo a autora permanecer com o nome de casada; 2. Desconsiderar a personalidadejurídica da empresa de propriedade do requerido, a fim de atingir-lhe os bens indicados na inicial, osquais devem ser partilhados na proporção de 50% para cada cônjuge; 3. Condenar o requerido aopagamento de alimentos em favor da autora, no valor mensal de R$ 8.000,00, pelo prazo de seis mesesa contar do mês “X”, mediante depósito na conta bancária da autora até o quinto dia útil de cada mês; 4.

2.5.

Fixar a guarda compartilhada dos filhos comuns, ficando estabelecido o lar materno como referência deresidência e a livre visitação do genitor.

Diante da sucumbência recíproca, mas em graus diversos, condeno a parte ré ao pagamento dopercentual de 80%, e a parte autora ao pagamento do percentual de 20%, sobre o valor das despesasprocessuais e dos honorários advocatícios, estes últimos fixados em 10% do valor da condenação, nostermos do art. 85, § 2º, CPC/2015, sendo vedada a compensação (art. 85, § 14, CPC/2015).

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Local, data.

Juiz de Direito Substituto.

Prova do Concurso para Juiz Substituto do Tribunal de Justiça do Estado de Roraima(2015) – Banca FCC

Bento X e seu cônjuge, Maria X, movem ação reivindicatória, distribuída em 25/11/2014, contra Júlio Y e seu cônjuge,Joana Y, alegando que são proprietários do imóvel rural denominada Fazenda Água Suja, com 1.000 hectares, adquirido porescritura pública de compra e venda em 10/01/2012, devidamente registrada no Serviço de Registro de Imóveis, e que seencontrava abandonado havia cerca de três anos. Para iniciar cultivo e criação de gado reavivaram as cercas e realizaram novamedição, quando, então, verificaram que no interior da referida fazenda os réus achavam-se estabelecidos em área de exatos 50hectares, praticando agricultura familiar. Juntaram com a inicial planta da área ocupada pelos réus, pleitearam antecipação detutela e pediram a procedência da ação, a fim de que os réus fossem retirados da área. A antecipação de tutela foi indeferida.Citados, os réus contestaram, dizendo que, tendo encontrado o imóvel abandonado, nele ingressaram no ano de 2008, tornando-o produtivo e que os anteriores proprietários já haviam proposto contra eles ação de reintegração de posse, no ano de 2011,julgada improcedente, cuja sentença transitou em julgado em 29 de fevereiro de 2012, e na qual o juiz reconhecera que a possedeles não havia sido obtida com violência, nem era clandestina, porque várias pessoas ali compareciam para realizar negócios,sendo, portanto, considerada justa, conforme o artigo 1.200 do Código Civil, o que, segundo os réus, acarreta, de plano, aimprocedência da ação reivindicatória da área, pois o artigo 1.228 do Código Civil exige que o réu “injustamente a possua oudetenha”. Alegaram, ainda, que já haviam se tornado donos do imóvel, em virtude de nele praticarem agricultura familiar, sendobeneficiados pela usucapião social, que reclama o prazo de apenas cinco anos, já vencido na data do ajuizamento da presenteação. Sustentam a improcedência do pedido. Os autores apresentaram réplica, aduzindo que a matéria de defesa não infirma opedido inicial.

As partes são legitimas e estão bem representadas, não havendo nulidades a serem sanadas. Intimadas a especificar outrasprovas que desejassem produzir, autores e réus silenciaram.

Profira a sentença, utilizando o relatório acima e analisando as alegações das partes.

SENTENÇA

Processo nº

Vistos.

I – RELATÓRIO

O relatório é o enunciado da questão. Fundamento e Decido.

II – FUNDAMENTAÇÃO

O presente feito enquadra-se no inciso I do art. 355 do Novo CPC, permitindo, assim, o julgamentoantecipado do mérito em razão da desnecessidade de produção de outras provas além daquelas jácolacionadas aos autos.

Sem preliminares e sem quaisquer nulidades a serem sanadas, passo à análise do mérito.

A – DA USUCAPIÃOPor se tratar de pedido prejudicial ao mérito da ação, há de ser, inicialmente, apreciada a alegação

de usucapião formulada pela defesa.Pleiteiam os requeridos a declaração de prescrição aquisitiva relativa ao imóvel objeto da presente

ação por considerarem preenchidos os requisitos do art. 1.238 do Código Civil e art. 191 da ConstituiçãoFederal, que tratam da usucapião constitucional, também chamada usucapião especial rural.Apresentam, para tanto, cópia da sentença, já com trânsito em julgado datado de 29 de fevereiro de2012, de ação de reintegração de posse interposta em 2011, a qual foi julgada improcedente, sob ofundamento que se a posse dos ora requeridos relativa ao mesmo imóvel não havia sido obtida comviolência e nem se tratava de posse clandestina. Aduzem, ainda, que no imóvel estabeleceramagricultura familiar, estando, portanto, presente o elemento posse-trabalho.

Inicialmente, esclarece-se ser possível alegar a usucapião como matéria de defesa, ex vi do art. 7ºda Lei nº 6.969/1981 e da Súmula nº 237 do Supremo Tribunal Federal.

Para que se configure a usucapião especial rural, entretanto, devem estar preenchidos os seguintesrequisitos, concomitantemente: i) a área não pode ser superior a 50 hectares; ii) o imóvel deve serutilizado para a subsistência ou trabalho; iii) a posse deve ter cinco anos ininterruptos, sem oposição ecom animus domini; iv) aquele que pretende adquirir o imóvel por essa modalidade de usucapião nãopode ser proprietário de outro imóvel, seja ele urbano ou rural.

Pelo que consta nos autos, vê-se que estão presentes os dois primeiros requisitos. Contudo, emnenhum momento ficou provado que os requeridos não possuíam outro imóvel rural ou urbano.

Ademais, além da falta de comprovação da não existência de outro imóvel, houve oposição com oajuizamento, pelos antigos proprietários, através de ação possessória proposta em 2011. Assim, emboraa possessória não tenha sido favorável, o julgamento do mérito daquela demanda em nada impede quese configure a oposição, situação que interrompe a prescrição aquisitiva nos termos dos arts. 1.239 doCódigo Civil e 240 do Novo Código de Processo Civil.

A presente ação reivindicatória, proposta no ano de 2014, também faz oposição à posse dos réus,inviabilizando, assim, a configuração da posse ad usucapionem.

II – DO PLEITO REIVINDICATÓRIO

De acordo com o art. 1.228 do Código Civil, “o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e disporda coisa, e o direito de reavê--la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”.

Os requeridos afirmam que a posse é justa, tanto que juntam aos autos a sentença na ação dereintegração que confirma tal alegação. Entretanto, é preciso deixar claro que a ação possessória e aação reivindicatória são demandas com objetivos distintos.

A ação possessória busca proteger a posse e a ação reivindicatória, o domínio, advindo do direitode sequela. A lei processual deixa clara essa diferenciação (art. 557, CPC/2015).

Ademais, o art. 506 do Novo Código de Processo Civil prevê expressamente que a sentença só fazcoisa julgada entre as partes, não prejudicando terceiros. Os autores Bento X e Maria X não fizeramparte da demanda possessória, não podendo por ela serem prejudicados.

Desta feita, pode-se concluir que não há nenhum óbice ao ajuizamento da ação reivindicatória emrazão da improcedência da ação possessória anterior.

A decisão na ação possessória considerou a posse dos réus justa, pois não havia violência ouclandestinidade. Ocorre que, em matéria possessória, as decisões judiciais só devem emanar seusefeitos enquanto perdurar a situação fática que a originou.

De fato, a posse dos requeridos, na data da sentença prolatada na ação possessória, era justa e,portanto, em conformidade com o art. 1.220 do Código Civil. Contudo, com a ação de reintegração deposse, iniciada em 2011, tal situação sofreu alteração. Isso porque os requeridos passaram a ter plenoconhecimento de que o imóvel tinha proprietários, bem como que estes desejavam se manter napropriedade dos bens.

Destarte, atualmente, a posse dos requeridos não deve ser considerada justa. Ainda que não tenhasido obtida por violência ou clandestinidade, a posse é precária, estando os posseiros em claro abuso

2.6.

do direito, haja vista a impugnação pelos legítimos proprietários.Com efeito, a partir da demonstração da propriedade e diante posse injusta caracterizada,

necessário reconhecer a procedência do pleito autoral.Necessário, ainda, que se conceda prazo para a retirada dos posseiros do imóvel. Considero

razoável estabelecer o prazo de três meses a contar da intimação da presente decisão para a totaldesocupação, sob pena de multa no valor de R$ 200,00 por dia de descumprimento, tudo emconformidade com o art. 537 do CPC/2015.

III – DISPOSITIVO

Ante o exposto, JULGO TOTALMENTE PROCEDENTE a pretensão inicial, extinguindo o processocom resolução de mérito, nos termos do art. 487, I, do Novo Código de Processo Civil, para determinaraos réus que desocupem o imóvel Fazenda Água Suja no prazo máximo de três meses. Fixo, nostermos do art. 537 do CPC/2015, multa diária de R$ 200,00 em caso de eventual descumprimento. Aincidência da multa deve observar o disposto no § 4º do art. 537 do Novo CPC.

Condeno os réus ao pagamento das custas e honorários advocatícios, estes arbitrados em 12%sobre o valor atualizado da causa (art. 292, IV, CPC/2015), nos termos do art. 85, § 2º, do Novo Códigode Processo Civil.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Local, data.

Juiz de Direito Substituto.

Prova do Concurso para Juiz Substituto do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba(2015) – Banca Cespe

Cuida-se de ação de conhecimento, sob o rito sumário, ajuizada por José de Arimatéia, em 20/11/2014, contra SegurosS.A, ambos devidamente qualificados e adequadamente representados nos autos.

O autor afirma ter sido vítima de acidente de trânsito, ocorrido no dia 20/09/2009, em que sofreu lesões. Esclarece,contudo, que apenas em 20/09/2012, ao receber o laudo do IML, é que teve ciência inequívoca da sua invalidez permanente.Registra que em 20/09/2012 pleiteou administrativamente o recebimento do seguro obrigatório de danos pessoais causados porveículos automotores de via terrestre (DPVAT). Aduz que, após um ano de tramitação do processo administrativo deflagrado,recebeu, em 20/09/2012, apenas 10% do valor integral previsto em lei, totalizando assim a quantia de R$ 1.350,00, quandodeveria, segundo sua compreensão, ter recebido R$ 13.500,00, em razão de sua invalidez permanente. Conclui que o pagamentoem percentual, conforme tabela inserida na lei de regência, tal como realizado, viola o princípio da dignidade da pessoahumana. Com esses argumentos, requer a condenação de seguradora ré ao pagamento do valor complementar de R$ 12.150,00,devidamente corrigido e acrescido de juros de mora desde a data do acidente.

A inicial veio acompanhada de documentos, entre os quais o laudo do IML que atesta a invalidez permanente parcialcompleta da mão direita do autor.

Designada a audiência prévia de conciliação, que ficou frustrada, a seguradora ré apresentou contestação, instruída comdocumentos. Arguiu, em preliminar, ser parte ilegítima para figurar no presente feito, haja vista que o seguro foi pagoadministrativamente por seguradora distinta, e lhe faltar interesse de agir, porque o autor, ao receber o seguro, deu plenaquitação à seguradora contra a qual, reitera-se, deveria ter sido ajuizada a irresignação contida na inicial. Suscitou prejudicial demérito, concluindo que a prescrição trienal fulminou a pretensão ajuizada. Argumentou que, quer se tenha como termo inicial oacidente, quer se tenha o laudo do IML, é clara a ocorrência da prescrição, diante do inconteste fato de que a deflagração doprocesso administrativo apenas suspende o curso do prazo prescricional iniciado.

No mérito, reafirmou que o pagamento já fora efetuado na esfera administrativa e que houve plena quitação. Ressaltou queo pagamento obedeceu a gradação e percentual aplicáveis à hipótese, em estrita observância da legislação de regência, e que nãohá norma ou princípio que ampare a pretensão ajuizada. No final, pugnou pela improcedência do pedido. Alternativamente,requereu que, na hipótese de eventual condenação, sejam observados os limites percentuais da lei de regência, com incidênciade juros e correção a partir do trânsito em julgado da sentença.

Concedido o prazo de cinco dias para a réplica, o autor refutou as preliminares arguidas, afirmou que a prescrição, nahipótese, é decenal e reiterou os argumentos deduzidos na inicial.

As partes então foram instadas a se manifestar sobre eventual pretensão probatória ou requerimento pertinente, e ambaspleitearam pelo julgamento imediato da lide.

Os autos vieram conclusos para sentença.É o relatório.

ATENÇÃO

Antes de iniciarmos a confecção da sentença precisamos lembrar que o procedimento sumárionão mais está previsto no Código de Processo Civil em vigor. O Novo CPC estabelece umprocedimento único para o processo de conhecimento (procedimento comum). Ocorre que, nostermos do art. 1.046 do CPC/2015, ainda é possível a tramitação de ações sob a observância do ritosumário, desde que ela tenha sido iniciada na vigência do CPC/1973 e ainda não tenha sidosentenciada.

SENTENÇA

Processo nº

Vistos.

I – RELATÓRIO

O enunciado da questão é o relatório. Fundamento e decido.

II – FUNDAMENTAÇÃO

Trata-se de hipótese de julgamento antecipado do mérito, nos termos do art. 355, I, do Código deProcesso Civil, eis que já existe material probatório suficiente para o convencimento deste juízo.

A – DA PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA.De início cumpre salientar que o Novo Código de ProcessoCivil não trata mais da legitimidade, do interesse e da possibilidade jurídica do pedido como

“condições da ação”. A possibilidade jurídica, como já sinalizava a doutrina, é matéria de mérito. Ointeresse e a legitimidade são agora tratados pressupostos processuais e devem ser observadosquando da postulação em juízo (art. 17, CPC/2015), sob pena de extinção do processo sem resoluçãodo mérito (art. 485, VI, CPC/2015).

No presente caso a preliminar de ilegitimidade deve ser rejeitada.A Lei nº 6.194/1974, que dispõe sobre Seguro Obrigatório de Danos Pessoais causados por

veículos automotores de via terrestre, ou por sua carga, a pessoas transportadas ou não, prevêexpressamente que “a indenização por pessoa vitimada por veículo não identificado, com seguradoranão identificada, seguro não realizado ou vencido, será paga nos mesmos valores, condições e prazosdos demais casos por um consórcio constituído, obrigatoriamente, por todas as sociedades seguradorasque operem no seguro objeto desta lei” (art. 7º).

Vê-se que o pagamento da indenização securitária obrigatória poderá ser pleiteado a qualquerseguradora integrante do consórcio. É, portanto, caso de solidariedade entre as consorciadas.

Por conta dessa solidariedade deve ser aplicada a regra do art. 275 do Código Civil, que permite aocredor exigir e receber de um ou de alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum.Ademais, o parágrafo único do mesmo dispositivo prevê que a propositura da ação contra só um dosdevedores, como é o caso dos autos, não leva à renúncia da solidariedade.

Com efeito, é plenamente possível ao autor procurar qualquer seguradora integrante do consórciopara pleitear o recebimento do valor relativo à indenização, mesmo quando o pagamento a menor

(parcial) tenha sido efetuado por seguradora diversa. Com o referido pagamento não houve “quebra” dasolidariedade, restando clara, desse modo, a legitimidade passiva ad causam.

B – DA PRELIMINAR DE FALTA DE INTERESSE DE AGIRA doutrina majoritária e a jurisprudência dos tribunais pátrios há muito adotam a Teoria da

Asserção, que afirma que os requisitos processuais de admissibilidade do processo devem servalorados conforme as assertivas deduzidas pelo autor na inicial.

Assim, adotando aqui a Teoria da Asserção, diante da alegação de que a parte é beneficiária doseguro DPVAT, mas não recebeu a indenização securitária que considera devida, o interesse de agirresta comprovado.

A quitação alegada pela ré trata de matéria de mérito e será analisada em momento oportuno.Por todo exposto, rejeito as preliminares.

C – DA PRESCRIÇÃOA ré argumenta a ocorrência da prescrição, independente de se levar em conta o termo inicial a

data do acidente ou do laudo do IML. Aduz, ainda, que a deflagração do processo administrativo apenassuspende o curso do prazo prescricional.

Sabe-se que a ação de cobrança do seguro obrigatório DPVAT prescreve em três anos, nos termosdo art. 206, § 3º, IX, do Código Civil. A Súmula nº 405 do Superior Tribunal de Justiça reforça a previsãolegal, dispondo que “a ação de cobrança do seguro obrigatório (DPVAT) prescreve em três anos”. Porse tratar de prazo especial, não se aplica a prescrição decenal prevista no art. 205 do CC.

Quanto ao termo a quo do prazo prescricional, este deve se iniciar a partir da ciência inequívoca dosegurado, do caráter permanente de sua invalidez. É o entendimento exposto na Súmula nº 278 do STJ:“o termo inicial do prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em que o segurado teve ciênciainequívoca da incapacidade laboral”.

Com efeito, se o acidente ocorreu em 20/09/2009, e o segurado só teve ciência inequívoca de suainvalidez em 20/09/2010, com o respectivo laudo do IML, o prazo prescricional só começou a correr apartir de 20/09/2010. Vale salientar que, quanto ao laudo do IML, não houve impugnação específica, demodo que a situação ali constatada deve ser tida como incontroversa (art. 341, CPC/2015).

Ademais, como em 20/09/2011 o autor requereu, administrativamente, o recebimento do seguroobrigatório, o transcurso do prazo prescricional foi suspenso, à luz do disposto na Súmula 229 do STJ:“o pedido do pagamento de indenização à seguradora suspende o prazo de prescrição até que osegurado tenha ciência da decisão”.

Como não houve recusa por parte da seguradora, mas, sim, o pagamento parcial em 20/09/2012 –fato que demonstra o reconhecimento do autor como beneficiário –, o prazo prescricional, anteriormentesuspenso, foi interrompido por força no art. 202, VI, CC. Em suma, a partir de 20/09/2012 deve sercontado o prazo prescricional de três anos previsto no art. 206, § 3º, inciso IX, CC.

Assim, se o ajuizamento da petição inicial ocorreu em 20/11/2014 – dois anos e dois meses acontar da interrupção –, resta claro que, no presente caso, a prescrição deve ser afastada.

D – DO MÉRITOA seguradora reconheceu, em procedimento administrativo, que o segurado é beneficiário do

Seguro Obrigatório, posto ter sofrido acidente de trânsito que gerou na vítima invalidez permanenteparcial completa de sua mão direita. Foi pago parcialmente o benefício pela seguradora e concedida aquitação pelo segurado.

Todos esses fatos são incontroversos, vez que não foram impugnados pela parte contrária.Não bastasse isso, seria suficiente que o autor demonstrasse a ocorrência do acidente e a

comprovação do dano, conforme permissivo contido no art. 5º da Lei nº 6.194/1974.Ante o exposto, resta claro que o beneficiário faz jus ao recebimento do seguro obrigatório DPVAT.No que concerne ao valor do benefício, caso o segurado tenha recebido valor que não esteja em

conformidade com o estabelecido na lei, é plenamente possível que busque o Judiciário para pleitear ovalor que entende devido. O fato de o requente ter firmado recibo de quitação não indica a completa

2.7.

satisfação da obrigação, eis que a quitação só é válida e eficaz quanto ao que foi efetivamente pago. Talentendimento encontra respaldo na jurisprudência do STJ:

[...] Assentou a jurisprudência das turmas componentes da 2ª Seção do STJ que o acordo derecebimento parcial da indenização do seguro DPVAT, por morte da vítima, não inibe a cobrança dadiferença até o montante estabelecido em lei, por constituir norma cogente de proteção conferidapelo Estado. [...] (STJ, REsp nº 619.324/RJ, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, j.04/05/2010).

Pleiteia o autor a indenização máxima prevista no art. 3º, II, da Lei nº 6.194/1974, com a redaçãovigente na época do acidente, in casu, R$ 13.500,00.

De acordo com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, para que se chegue ao valor devidoé preciso que se faça uma gradação entre a invalidez do segurado e o intervalo entre os valores mínimoe máximo estabelecidos em lei. Nesse sentido é o Enunciado 474: “A indenização do seguro DPVAT,em caso de invalidez parcial do beneficiário, será paga de forma proporcional ao grau da invalidez.”

A mensuração utilizada nesses, conforme entendimento reiterado da Suprema Corte (ARE 704520),não viola o princípio da dignidade da pessoa humana, conforme alega o autor, pois não restringe odireito de indenização da vítima, mas apenas impõe uma proporcionalidade entre o valor do benefício ea lesão sofrida.

Com efeito, apesar da gravidade das consequências oriundas do acidente, não é possível a fixaçãodo valor máximo a título de indenização, pois, de acordo com a Lei nº 6.194/1974, à invalidezpermanente parcial completa aplica-se o percentual de 70% sobre o valor máximo (R$ 13.500,00).

Isso quer dizer que, se foi pago pela seguradora apenas o valor correspondente a 10% do tetoindenizatório, ainda resta a quantia equivalente a 60% desse mesmo teto.

Destarte, diante da evidente indenização paga a menor, há de ser paga ao requerente a quantia deR$ 8.100,00, que corresponde à diferença entre o teto indenizatório e o que já foi pago pela seguradora.Tal montante deve ser monetariamente corrigido desde a data do evento danoso e acrescido de juroslegais a partir da citação, tudo conforme os arts. 405 do CC e 240 do CPC, e Súmula 426 do STJ.

III – DISPOSITIVOPor todo o exposto, rejeito as preliminares e a alegação de prescrição e JULGO PARCIALMENTE

PROCEDENTE a pretensão autoral, com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC/2015,para condenar a seguradora ao pagamento da quantia líquida de R$ 8.100,00 (quantia correspondente a70% do valor máximo da cobertura, diminuída da quantia paga administrativamente), monetariamentecorrigida desde o acidente e acrescida de juros legais (1% a.m) a partir da citação inicial.

Condeno a seguradora ré ao pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios,os quais fixo em 10% sobre o valor da condenação (art. 85, § 2º, CPC/2015). Deixo de condenar o autorno ônus da sucumbência for força do art. 86, parágrafo único, do Novo CPC.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Local, data.

Juiz de Direito Substituto.

Prova do concurso para Juiz Substituto do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí (2016) –Banca FCC

José X ajuizou ação de anulação de negócio jurídico em face de João Y, alegando que vendeu ao réu, em 15/01/2013, umterre-no urbano de 1.000 m2 na periferia da cidade, por R$ 100.000,00, pagos à vista. Sustenta, porém, que o contrato é viciado,porque, na ocasião, estava desempregado e necessitava de dinheiro para custear tratamento médico em razão de insidiosadoença, e o referido imóvel valia R$ 320.000,00. Além disso, aduz que, como é profissional de música, não tinha qualquerexperiência de negócios e que recebera o imóvel vendido como herança de seu pai, nunca tendo preocupação de usá-lo ou neleconstruir. Afirma, também, que foi procurado por uma pessoa que se identificou com Antônio Z, dizendo que tinha informações

seguras de que o terreno seria desapropriado para a construção de uma escola e só iria receber depois de terminado o processode desapropriação, mostrando cópia de um decreto expropriatório, e por isso deveria vendê-lo a um interessado, seu patrão, JoãoY, mas, recentemente veio a saber que aquele decreto já havia sido revogado quando lhe foi exibido. Não tendo se interessado,porque ainda tinha esperança de obter um empréstimo bancário para tratar de sua saúde, o que não conseguiu por falta de fiador,dias depois foi procurado pelo réu, a quem narrou sua situação pessoal, tendo-lhe oferecido a quantia de R$ 50.000,00 peloimóvel, que foi recusada. Uma semana após, João Y retornou e ofereceu R$ 100.000,00 pela compra, dizendo que se o autornão aceitasse iria comprar o terreno vizinho, para servir de aterro sanitário, tornando seu imóvel desinteressante para qualquerfinalidade. Sentindo-se ameaçado e precisando de dinheiro para tratamento da doença, que só se agravava e poderia tornar-seirreversível, vendeu o imóvel para o réu. Conclui sustentando que o contrato é inquinado por dolo, coação e lesão.

O réu, na contestação, arguiu decadência, pois sendo múltiplos os vícios apontados, a ação anulatória se sujeita ao prazodecadencial de dois anos e, como foi proposta somente em 23.03.2015, ele já expirara. No mérito, sustentou que nenhum víciomaculou o negócio, tratando-se de mero arrependimento do vendedor, isto porque: a) após a aquisição veio a instalar-se nasproximidades uma indústria altamente poluente que desvalorizou os imóveis vizinhos, sendo que, atualmente, o terreno emquestão não vale mais do que R$ 150.000,00; b) o autor não pode alegar ignorância da revogação do decreto expropriatório, emrazão de sua publicação, logo, os argumentos de Antônio Z eram irrelevantes; c) a construção de aterro sanitário constituiriaexercício regular de direito, desde que autorizado pela municipalidade.

Não se manifestou o autor em réplica, embora intimado.Infrutífera a tentativa de conciliação, foi determinada perícia que apurou valor do imóvel na data de venda, R$ 310.000,00

e, na data da vistoria, R$ 160.000,00.Foram ouvidas três testemunhas arroladas pelo autor, que disseram saber do negócio, que o vendedor se dedicava apenas a

música e que nunca souberam de negócio por ele realizados, sendo considerado um boêmio, embora não fosse dado a gastosalém dos seus ganhos, exceto com a doença que padece; disseram que o réu é conhecido investidor imobiliário no município,mas nada sabendo a respeito dos seus outros negócios.

A única testemunha arrolada pelo réu, Antonio Z, foi contraditada e, acolhida a contradita, não foi ouvida, mesmo comoinformante, porque houve desistência de sua oitiva.

Em alegações finais, as partes reiteraram seus argumentos, vindo os autos conclusos para julgamento.Utilizando o relatório acima, elabore a sentença com análise dos vícios apontados pelo autor, bem como a defesa do réu.

SENTENÇA

Processo nº

Vistos.

I – RELATÓRIO

O relatório é o enunciado da questão. Fundamento e decido.

II – FUNDAMENTAÇÃO

Antes de adentrar no mérito em si, imperioso analisar a decadência alegada pela ré. De acordo coma defesa, por serem vários os vícios do negócio jurídico, o prazo decadencial seria de dois anos.

Tal alegação não merece prosperar. Conforme o art. 178 do Código Civil, o prazo decadencial noscasos de vício do negócio jurídico é de quatro anos a contar do dia em que se realizou o negóciojurídico, no caso de dolo ou lesão e, no caso de coação, do dia em que esta cessar.

Levando em conta a data do negócio jurídico (15/01/2013) – marco inicial para contagem dadecadência no caso de dolo ou lesão –, vê-se que não se passaram quatro anos até a propositura daação (23/03/2015).

Ressalte-se que nos autos não consta, claramente, atos de coação, por isso não se está levandoem consideração o fim da coação para o marco inicial da contagem do prazo decadencial.

Com efeito, não prospera a alegação do réu, devendo ser rejeitada a referida prejudicial.No mérito alega o autor que o negócio jurídico em comento padece dos vícios da lesão, do dolo e

da coação.Analisando a figura do dolo, defeito do negócio jurídico previsto no Código Civil (arts. 145 e ss.), vê-

se que é necessário para configurar a anulabilidade do negócio que o dolo seja a sua causa. Em outraspalavras, o dolo deve ter sido essencial para a formalização do negócio.

O dolo ocorre quando uma das partes emprega estratégia maliciosa com intuito de enganar a outrapara a obtenção de benefícios pessoais.

No caso concreto é possível concluir que, de fato, o réu empregou conduta dolosa ao trazerinformações errôneas sobre a desapropriação. Ocorre que tal fato não foi determinante para o negóciojurídico, já que ele somente foi realizado posteriormente.

Quanto à alegação de que o negócio jurídico está contaminado pela coação, observa-se que nocaso concreto o autor aceitou a proposta do réu, realizando o negócio, pois se sentiu ameaçado quandoeste, ao procurá-lo, informou que se o autor não aceitasse iria comprar o terreno vizinho para servir deaterro sanitário.

O art. 153 do Código Civil prevê que a ameaça ao exercício normal do direito afasta a coação.Assim, apesar de a conduta do réu não ser moralmente aceita, nota-se que ele estava dentro doexercício regular do seu direito de propriedade. Afasta-se, pois, a alegação de coação.

Por fim, é preciso analisar se houve configuração da lesão.Consta dos autos que, por estar precisando de dinheiro para tratamento de doença, o autor vendeu

o imóvel para o réu.De acordo com o art. 157 do Código Civil, a lesão se configura quando “uma pessoa, sob premente

necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor daprestação oposta”.

A premente necessidade resta configurada pelo depoimento das testemunhas e pelas alegações doautor, que, ressalte-se, não foram contestadas pelo réu.

A inexperiência também foi atestada pelo depoimento das testemunhas, que afirmaram ser o autorum boêmio, que se dedicava apenas à música e que nunca souberam de negócios por ele realizadosanteriormente.

A prestação manifestamente desproporcional consiste na venda do bem, pelo autor, por valor bemabaixo do valor de mercado. Conforme laudo pericial, o bem estaria avaliado em R$ 310.000,00, mas foivendido pelo valor de R$ 100.000,00.

Há de se refutar a alegação do réu de que, após a aquisição do bem, foi instalada nas proximidadesuma indústria altamente poluente que acabou desvalorizando o imóvel. Isso porque, para a lei civil (art.157, § 1º) e jurisprudência, a desvalorização posterior do imóvel em nada influencia o negócio jurídico, jáque o que se leva em conta é o valor do bem ná época do negócio.

Por fim, não há nos autos qualquer menção feita pelo réu quanto ao oferecimento de suplementosuficiente para a manutenção do negócio, nos termos do art. 157, § 2º, da Lei Civil.

Com efeito, deve ser anulado o negócio jurídico em questão por estar maculado pelo vício da lesão.É importante salientar que, mesmo não estando configurados a coação e o dolo, basta que fique

comprovada a incidência de um único vício para que se invalide todo o negócio jurídico.

III – DISPOSITIVO

Por todo o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado pelo autor, extinguindo o processo,com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, I, do Código de Processo Civil, para: anular ocontrato de compra e venda realizado por José X e João Y, retornando as partes ao statu quo ante. Ficaa ré obrigada a restituir o bem objeto do contrato ao autor e este a devolver ao réu a quantia recebidacomo contraprestação do negócio anulado, devidamente corrigida, desde o desembolso.

Condeno o réu ao pagamento das custas e dos honorários advocatícios, estes fixados em 10%sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Local, data.

2.8.

Juiz de Direito Substituto.

Concurso para Juiz Federal Substituto do TRF da 4ª Região (2014)CAIO XX e TÍCIO XX, qualificados na inicial, movem a presente ação em face da UNIÃO FEDERAL e do município

YY, objetivando a declaração de nulidade dos atos administrativos que os demitiram do serviço público e, consequentemente, areintegração de cada qual no cargo antes ocupado, com o pagamento dos vencimentos atrasados, desde a demissão.

Como causa de pedir, o primeiro autor assinala que era Técnico Eletricista do Ministério da Educação, exercendo seuofício desde 2001; que, em 2010, surgiu oportunidade de estudar no exterior, mas teve os pedidos de licença e de afastamentoindeferidos; que pediu a seu irmão, coautor desta lide, que o substituísse em sua atividade, sendo certo que o irmão temqualificação primorosa (nível superior, com doutorado) e cumpriu todas as funções com êxito, nos dois anos (2011/2012) emque CAIO viveu na Europa; que o processo administrativo disciplinar que gerou a demissão, aberto e concluído em 2013,apenas foi instaurado após entrevista que o próprio autor deu, com ampla repercussão em todas as mídias, na qual ele mostroucomo é desorganizado o serviço público no país, e apontou o seu caso pessoal, mas no seu caso não houve prejuízo, e sóbenefício à administração, mesmo porque ele repôs ao Erário, durante o processo disciplinar, todos os valores recebidos durantea sua ausência.

O segundo autor, por sua vez, assinala que o seu caso foi ainda mais grave, já que não tinha qualquer vínculo com a UniãoFederal, para ela trabalhou de graça durante dois anos, desempenhou as suas tarefas com êxito e acabou demitido de seu cargo(Engenheiro Elétrico-Nível-5) no município réu, em contrariedade a preceitos da legislação municipal, tudo sob a vaga alegaçãode conduta incompatível com a função, ao ajudar o irmão, sem que ao menos se mostrasse, durante o processo disciplinar,qualquer falha em seus misteres na edilidade, na qual possuía elogios em folha, durante o decênio em que lá exerceu seu ofício;que a própria comissão de sindicância sugeriu apenas a advertência escrita; que a portaria que o demitiu, assinada pelo Prefeito,lembra o AI-5, de triste memória.

Os autores apontam que a pena imposta não se coaduna com a legislação, uma vez que ausentes a improbidade e a lesão aoErário; que as penas afrontam a gradação prevista nos arts. 128 e ss. da Lei n° 8.112/1990 e arts. 99 e ss. da Lei Municipal nº51, de idêntico teor; que no caso do primeiro autor a menção ao abandono de função foi ilegal, pois, ao retornar ao país, voltou aexercer a atividade por cinco meses, até que deu a malfadada entrevista, de modo que preclusa a caracterização, pena deadmitir-se a conduta contraditória da administração; que o art. 117, XVII, da Lei n° 8.112/1990 é o único preceito que seamolda ao caso do primeiro autor, mas a administração preferiu citar outros, pois sabe que existe a escusa da parte final dopreceito, que descaracteriza a transgressão, diante da sua transitoriedade; que não há, nem em tese, preceito que autorize ademissão do segundo autor; que o inquérito penal aberto para apurar a conduta de ambos foi arquivado, a pedido do Parquet,que entendeu não caracterizados os tipos (arts. 319, 323 e 328 do Código Penal), por ausência de elemento subjetivo específico.Inicial acompanhada de mandato e documentos. Custas pagas (fls.).

Citado, o município YY não contestou e teve a sua revelia decretada (fls.).Já a União Federal afirmou que o processo administrativo disciplinar e a demissão foram regulares; que o ressarcimento

dos valores não foi espontâneo e é indiferente, e que o ato administrativo presume-se legítimo.Acompanharam a defesa os documentos de fls. e, também, reconvenção, na qual a União formula, apenas contra o primeiro

autor, dois pedidos: (i) reparação de danos morais (R$ 50.000,00), diante do escárnio que o autor fez do serviço público, aorevelar a viagem em sua badalada entrevista, e também diante da própria conduta, em si ofensiva à dignidade do ofício público;(ii) reparação de dano material (R$ 3.752,00) oriundo de batida, quando Caio conduzia automóvel no estacionamento darepartição, e danificou o portão ao sair do trabalho no dia em que soube da demissão.

Houve réplica. Caio contestou a reconvenção apenas quanto ao pedido de dano moral, dizendo-o incabível, e se cabívelseria em favor dele, que expôs situação verdadeira no país, e foi punido por isso; que eventualmente ele, CAIO, formulariapedido de dano moral, em ação própria.

Saneador a fls., no qual foi determinado que o segundo autor trouxesse aos autos a lei municipal invocada, e prova de suavigência. No mesmo ato, o magistrado em exercício instou as partes a especificar provas.

Os autores disseram ser desnecessária nova prova, pois documentados os fatos. Apontam que a lei municipal é símile àfederal, no pertinente e, ademais, o município é revel e cabe ao juiz conhecer a lei; de todo modo, citam o endereço eletrônicodo município, no qual está disponível a lei.

A União disse não ter provas a produzir, pois incontroversos os fatos.

É o relatório. DECIDO.(Profira sentença, adotado o relatório acima – dispensada a sua transcrição. A legislação municipal é idêntica à federal).

SENTENÇA

Processo nº

Vistos.

I – RELATÓRIO

O enunciado da questão é o relatório. DECIDO.

II – FUNDAMENTAÇÃO

Antes de adentrar o mérito, necessário se faz adentrar a análise das questões preliminaresprevistas no art. 337 do Código de Processo Civil.

Há preliminares que podem ser analisadas de ofício, sem qualquer provocação da parte, conformeaduz o § 5º do citado artigo. Desta feita, analisaremos a competência deste juízo, mesmo não tendo sidoalegado pelas partes, por ser matéria de ordem pública que merece um devido pronunciamento.

A – DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERALA competência da Justiça Federal está disposta na Constituição Federal (art. 109). O inciso I aduz

que cabe aos juízes federais julgar as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa públicafederal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes.

Tal competência têm natureza absoluta, conforme entendimento consolidado da doutrina e dajurisprudência, devendo o juízo federal se pronunciar, de ofício, sobre tal preliminar (art. 64, § 1º, e art.337, II, c/c o art. 337, § 5º, todos do Código de Processo Civil).

No presente caso vê-se, claramente, que há duas ações cumuladas: uma diante da União, deautoria de Caio, e uma diante do município, de autoria de Tício.

Apenas a demanda diante da União tem a Justiça Federal como órgão competente para seujulgamento.

A cumulação de pedidos em um único processo sempre foi aplaudida pela doutrina por ser maiseconômico e por acarretar celeridade processual. Afinal, em vez de dois processos, um só haverá, comuma só instrução, mas solucionando mais de uma demanda. A atual lei processual civil prevê acumulação de pedidos, em seu art. 327.

Ocorre que, para que haja essa cumulação, é necessário que se observem os seguintes requisitos:i) que os pedidos estejam relacionados ao mesmo réu, ainda que entre eles não haja conexão; ii) que ospedidos sejam compatíveis entre si; iii) que seja competente para conhecer deles o mesmo juízo; iv) queseja adequado para todos os pedidos o procedimento escolhido pelo autor.

Observando os requisitos elencados, observa-se que mesmo havendo uma possível conexão entreos pedidos, os réus são entes públicos diferentes e, por conseguinte, diversos são os órgãosjurisdicionais competentes para o julgamento. Com efeito, este juízo não tem competência paraprocessar e julgar o pleito em relação ao município.

Ademais, frise-se que não há litisconsórcio passivo necessário e que as pretensões de CAIO e deTÍCIO são inteiramente diferentes, de modo que o deslinde de uma não influencia no deslinde da outra,não havendo, no presente caso, qualquer risco de decisões conflitantes.

Por fim, é preciso salientar que, por ser a competência da Justiça Federal de natureza absoluta, afalta de alegação desta pelas partes, ou a não manifestação desse juízo, em um primeiro momento nãogera preclusão. Destarte, reconheço a incompetência absoluta deste juízo para julgar a demanda emrelação aos pedidos de TÍCIO.

B – DO MÉRITO

A Administração Pública deu ensejo ao procedimento administrativo disciplinar no momento devido,qual seja, com a descoberta da viagem do autor (art. 143 da Lei nº 8.112/1990). Mesmo que assim nãofosse, não teria havido a preclusão, porquanto a legislação em comento prevê que a ação disciplinarprescreve em cinco anos nos casos de infração punível com demissão (art. 142).

Procedimento ocorrido em seu devido tempo, passo à análise das alegações formuladas pelo autor.Inicialmente, entendo que é indiferente o fato de ter ou não ocorrido o ato de improbidade, pois este

não é pressuposto para demissão, mas uma das causas autônomas que, após regular procedimentoadministrativo, pode gerar, por consequência, pena de demissão (art. 132, IV, da Lei nº 8.112/1990).

Ademais, para que reste configurado o abandono do cargo, basta a ausência intencional do servidorao serviço por mais de trinta dias consecutivos (art. 138, Lei nº 8.112/1990), não sendo necessária aocorrência de danos ao Erário.

A lesão aos cofres públicos é causa autônoma de demissão, prevista no art. 132 da Lei nº8.112/1990. A própria reposição dos valores recebidos, sem que tenha existido a contraprestação, éindicativa de tal ocorrência. Pelo menos em princípio, se era Caio quem recebia todo o valor e se nadaera repassado a Tício, em tese estaria presente a hipótese de peculato-desvio. Com efeito, por havernos autos elementos suficientes para a configuração de atos de improbidade administrativa, deve serextraída cópia dos autos e encaminhada ao Parquet Federal para as providências pertinentes.

Quanto à suposta ofensa à gradação legal, verifico que os arts. 128 e ss. da Lei nº 8.112/1990foram devidamente observados. Extrai-se dos autos que o ato que impôs a penalidade de demissão sedeu por meio de regular procedimento administrativo, que teve como causa o abandono de função.Assim, outra não seria a sanção que não a demissão (art. 132, Lei nº 8.112/1990).

Quanto ao alegado pelo autor no sentido de que o art. 117, XVII, da Lei nº 8.112/1990 é o preceitoque se amolda ao caso concreto, entendo que tal pleito não deve prosperar. O citado dispositivodestina-se a proibir o desvio de função, comandado por superior em relação a funcionário sob as suasordens. O fato ocorrido nada tem que ver com desvio de função.

No que concerne à alegação de que o inquérito penal foi arquivado a pedido do Ministério Público,considero que tal argumento não é capaz de afetar o procedimento administrativo, porquanto deveprevalecer a regra de independência das instâncias. No âmbito administrativo essa regra só éexcepcionada quando houver absolvição criminal que reconheça a negativa de autoria ou a inexistênciado fato (art. 125 da Lei nº 8.112/1990).

Por todo o exposto, é improcedente o pedido do autor.

C – DA RECONVENÇÃONa reconvenção é necessário que esteja presente a conexão, seja com a ação principal ou com o

fundamento da defesa, conforme prevê o art. 343 do Novo Código de Processo Civil.A conexão se verifica em relação ao primeiro pedido da reconvinte, qual seja, o de reparação de

danos morais, escorado em dois fundamentos: (i) a própria conduta de Caio, ao viajar, em si ofensiva àdignidade do ofício público; e (ii) o escárnio que o autor fez do serviço público, ao revelar a viagem emsua badalada entrevista.

Ocorre que, apesar da visível ocorrência do dano, há entendimento consolidado do SuperiorTribunal de Justiça considerando inadmissível o reconhecimento de indenização moral ao ente públicodiante do particular (REsp nº 1.258.389/PB, j. 17/12/2013)

Assim, não merece acolhida o pleito indenizatório de dano moral.Quanto ao pedido reconvencional de danos materiais, não se verifica a conexão, vez que, nessa

hipótese, não há qualquer liame com a ação principal ou com o fundamento da defesa que justifique asua admissibilidade. É evidente que a reparação de dano material oriundo de batida, quando Caioconduzia automóvel no estacionamento da repartição, não se coaduna com o pedido de declaração denulidade dos atos administrativos que provocaram a sua demissão. Ademais, o fato que gerou opossível dano material ocorreu posteriormente ao ato de demissão, não tendo com este qualquerligação. Com efeito, o pedido de danos morais não pode ser apreciado, devendo ser extinto, semresolução do mérito, nos termos do art. 485, IV, CPC/205.

1

2

3

III – DISPOSITIVO

Por todo o exposto, determino a exclusão do ente municipal da lide, porquanto este juízo não temcompetência para processar e julgar o pleito em relação à municipalidade.

No mérito, JULGO TOTALMENTE IMPROCEDENTE o pleito autoral, pelo que determino a extinçãodo presente feito, com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, CPC/2015.

Quanto ao pedido reconvencional de dano moral, o mesmo deve ser julgado IMPROCEDENTE,resolvendo-se o mérito na forma do art. 487, I, CPC/2015. Quando ao pedido de dano material, entendoaplicável a extinção, sem resolução do mérito, com fundamento no art. 485, IV, do CPC/2015.

Condeno o autor ao pagamento das custas e dos honorários advocatícios, estes últimos arbitradosem 10% sobre o valor atualizado da causa principal, nos termos do art. 85, § 2º, CPC/2015.

Condeno o reconvinte ao pagamento das custas e honorários advocatícios, este último em 10% dovalor atualizado da causa do pleito reconvencional (art. 85, § 3º, III, CPC/2015).

Sentença não submetida a reexame necessário, eis que o valor não ultrapassa os limites do art.496, § 3º, I, CPC/2015.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Local, data.

Juiz Federal Substituto.

Esse entendimento é mantido na vigência do CPC/2015.Não obstante tenha constado do caderno de prova que o candidato deveria redigir a sentença na condição de “juiz federalsubstituto”, verifica-se que a banca examinadora, até mesmo por se tratar de concurso para juiz de direito do estado daParaíba, equivocou-se na redação do enunciado. Logo, onde consta “juiz federal substituto”, leia-se “juiz de direitosubstituto”.O CPC/2015 estabelece que o prazo em dobro para os litisconsortes só será aplicado quando, concomitantemente: 1. Oslitisconsortes tiverem procuradores distintos, de escritórios de advocacia também distintos; 2. O processo não tramitar emautos eletrônicos. Para a solução da sentença do TJSP foi considerada a existência dessas duas condicionantes.

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