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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE EDUCAÇÃO MARINEIDE DE OLIVEIRA GOMES As Identidades de Educadoras de Crianças Pequenas: um caminho do ‘eu’ ao ‘nós’ São Paulo 2003

 · 2014-07-31 · MARINEIDE DE OLIVEIRA GOMES As Identidades de Educadoras de Crianças Pequenas: um caminho do ‘eu’ ao ‘nós’ Tese de Doutorado apresentada à Faculdade

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULOFACULDADE DE EDUCAÇÃO

MARINEIDE DE OLIVEIRA GOMES

As Identidadesde Educadoras de Crianças Pequenas:

um caminho do ‘eu’ ao ‘nós’

São Paulo2003

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MARINEIDE DE OLIVEIRA GOMES

As Identidadesde Educadoras de Crianças Pequenas:

um caminho do ‘eu’ ao ‘nós’

Tese de Doutorado apresentada à Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE-USP) como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor em Educação.

Área Temática de Didática, Teorias de Ensino e Práticas Escolares)

Orientadora: Profa. Dra. Selma Garrido Pimenta

(FE-USP) Co-Orientadora: Profa. Dra. Júlia de Oliveira-Formosinho

Universidade do Minho (Instituto de Estudos da Criança – Portugal)

São Paulo2003

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BANCA EXAMINADORA

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Dedico este trabalho a memória de meus pais, que me incentivaram a ser professora, especialmente à minha mãe -

Ana Rita, mulher guerreira - que como Adélia Prado, me ensinou que,

“... mulher é desdobrável.”

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AGRADECIMENTOS

Um trabalho de pesquisa implica, em sua produção, na interlocução com pessoas que de uma maneira ou de outra contribuem para sua elaboração.

Agradeço à minha família e ao seu apoio. À Mariana, com quem tenho compartilhado as alegrias, decisões, dúvidas e questionamentos e que, no vigor de sua juventude crítica, me ajuda a ver com olhos de artista a vida como ela é. Ao Leo e Jane, que me ajudam a re-significar os caminhos que escolhemos.

Às crianças que comigo convivem, mesmo que indiretamente: Guilherme e Mateus que, com suas maneiras de ser, me impulsionam a tentar contribuir para a melhoria das condições da infância brasileira, através da formação de seus educadores.

Às amigas que de certa forma acompanharam desde o projeto de pesquisa e torceram por sua concretização: Sueli Vital e Silva, Olenir Maria Mendes, Gercina Santana Novaes, Marina Célia Moraes Dias, Maria Isabel B. Serrão, Teise de Oliveira G. Garcia e Susana Inês Basualdo.

À minha orientadora, Profa. Dra. Selma Garrido Pimenta, pelo desafio em aceitar a orientação de uma área complexa como a área da formação de educadoras de crianças pequenas.

À Profa. Dra. Júlia de Oliveira-Formosinho - co-orientadora - do Instituto de Estudos da Criança (IEC) da Universidade do Minho em Portugal, mulher especial – a promover condições especiais para outras mulheres. Um grande privilégio tê-la à nossa beira!!!

Ao Prof. Dr. António Nóvoa, do Instituto de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Lisboa - principal interlocutor dos meus vôos para além-mar - pela sua generosidade, humildade intelectual e capacidade de colaboração.

Às professoras que compuseram a Banca do Exame Geral de Qualificação, Profa. Dra. Zilma de Moraes Ramos de Oliveira, pela amizade e por ter me ensinado a escrever de forma crítica e científica por ocasião do Mestrado, bem como pela competente argüição, a qual me fez repensar o trabalho como um todo. À Profa. Dra. Maria Isabel Cunha, pela leitura holística do texto, por implicá-lo na relação com outros estudos e por sua objetivação.

Aos amigos portugueses da Associação Criança: Prof. Dr. João Formosinho, Sara Barros Araújo, profa. Ana Azevedo e aos secretários Nuno e Abílio. À profa. Ângela Mouto da Cunha Coelho, à profa. Filipa Gonçalves, Profa. Maria José Soares, e Cristina Antunes, pela acolhida na terra irmã e pela extrema solidariedade, assim como às crianças dos Jardins de Infância que tive a oportunidade de visitar. Aos professores do Instituto de Estudos da Criança da Universidade do Minho, que compartilharam suas produções com total disponibilidade humana e material: Prof. Dr. Manuel Jacinto Sarmento, Profa. Dra. Teresa Sarmento, Profa. Dra. Cristina Dourado e Profa. Dra. Fátima Vieira.

Às professoras Dra. Belmira Bueno, Dra. Denice Catani e Dra. Cynthia Sousa, da Faculdade de Educação da USP, por me apresentarem a potencialidade das autobiografias na formação de professores, pelos estudos e pela possibilidade de construir minha autobiografia.

Aos parceiros e parceiras de trabalho do Centro Universitário da Fundação Santo André, especialmente à equipe de professoras e monitoras da Habilitação em Educação Infantil e do Estágio Integrado do curso de Pedagogia, que vêm se constituindo num coletivo de trabalho docente e de pesquisa. Agradecimento especial às profªs. Diva Valente Rebelo, pelo estímulo constante, Carla Strambio e Svetlana Ponomarenko Lázaro (do curso de Letras),

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pelo apoio e à Lídia P. Daniel Pereira, nossa competente secretária, sempre disponível. À Pró-Reitoria de Graduação, pelo apoio logístico.

Aos estudantes – homens e mulheres – dos cursos de Pedagogia, Física e Química, dos quais sou professora, pela possibilidade de aprender a cada momento formativo que construímos juntos.

Ao Grupo de Estudos de Didática e Formação de Professores da Faculdade de Educação da USP, meus companheiros privilegiados.

Ao Grupo de Pesquisa “Contextos Integrados em Educação Infantil” da Faculdade de Educação da USP, pelo estímulo e socialização de práticas de pesquisa.

Ao Prof. Dr. Victor C.R. Dias, à Dra. Selma Demarchi e ao Fernando Stanziani, pelo apoio e acolhimento.

Ao Prof. José Marinho do Nascimento, colaborador fraterno, que revisou os originais, promovendo um diálogo fecundo e prazeroso.

E finalmente às colaboradoras da pesquisa, estagiárias/estudantes do Curso de Pedagogia - Habilitação em Educação Infantil do ano 2002 - do Centro Universitário da Fundação Santo André e às educadoras das duas instituições de educação infantil, colaboradoras na pesquisa, pela disponibilidade, pela confiança depositada e pela vontade que move os seres humanos de aprender mais e sempre.

Muito Obrigada!!!

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RESUMO

A pesquisa que apresentamos, consiste na revelação dos caminhos de produção de identidades de educadoras de crianças pequenas que atuam em creches e pré-escolas e de estagiárias de um curso de Pedagogia, Habilitação em Educação Infantil, entendido o estágio como eixo de articulação entre esse nível de formação e a formação contínua, procurando indissociar na análise dessas identidades, as dimensões pessoais, profissionais e institucionais.

O estudo busca contribuir com o debate atual sobre os profissionais da educação infantil e sua necessária formação. Trata-se de pesquisa de natureza qualitativa na forma de Pesquisa-Ação-Colaborativa, fazendo uso de narrativas orais e escritas e da participação das colaboradoras em Grupos de Pesquisa/Formação.

A revelação das identidades presentes nesse cenário aliou-se a um movimento de reflexão acerca das concepções e da re-significação das práticas, protagonizando sujeitos e saberes, tomada de decisões e vivência em espaços coletivos de formação, sendo uma pesquisa feita com as colaboradoras e não sobre elas. Constatou-se a existência de uma crise de identidade para os três segmentos de colaboradoras, contextualizada no cenário da educação infantil no Brasil, identificando percursos plurais produzidos em tempos e espaços próprios.

Denominamos Pesquisa/Formação pois representou um trabalho construído em parceria entre as três instituições, privilegiando o estágio como pesquisa e formação e reflexão sobre a prática.

A tese apresenta como conclusão que as relações de gênero constituem-se a base das identidades de educadoras de crianças pequenas, que os saberes invisíveis produzidos nesse itinerário formativo ao longo da vida das colaboradoras, necessitam ser resgatados, apropriados e re-significados por elas, que a imagem de criança que elas têm, contribui na construção dessas identidades e que existem constrangimentos advindos da prática profissional que interferem nesse processo. Ao final, realiza-se uma reflexão crítica sobre a orientação legal da educação e dos cuidados como função principal do trabalho dessas educadoras, apontando ser necessário a educação, os cuidados e a socialização profissional destas, em espaços integrados de formação.

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ABSTRACT

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RÉSUMÉ

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SUMÁRIO

Introdução

Parte I Em busca das identidades profissionais de Educadoras de Crianças Pequenas

Capítulo 1 Identidades Profissionais de Educadoras de Crianças Pequenas1.1. Referenciais teóricos: o primeiro itinerário1.1.1. Identidade Profissional 1.1.2. Identidades Profissionais de Educadoras de Crianças Pequenas

Capítulo 2 O papel do estágio na relação entre Formação Inicial (Universitária) e Formação Contínua: 2.1. Onde começa e onde termina a formação?2.2. O estatuto da prática em cursos de formação de professores2.3. O estágio: um passo decisivo na construção identitária2.4. A pesquisa dimensionando o ensino: o estágio no Curso de Pedagogia do Centro Universitário da Fundação 2.5. O estágio integrado da Habilitação em Educação Infantil “Conhecendo Creches e Pré-escolas: histórias e práticas”:

Capítulo 3 A Pesquisa/Formação: os caminhos percorridos3.1. A Pesquisa Qualitativa mediando a Pesquisa/Formação: um breve histórico3.2. A opção pela Pesquisa –Ação Colaborativa3.3. Fazendo o caminho metodológico3.3.1. O cenário3.3.2. O campo e as colaboradoras3.3.3. Os procedimentos metodológicos utilizados3.3.3.1 As narrativas orais e escritas : Entrevistas e Relatos Autobiográficos3.3.3.2. Os Encontros de Pesquisa/Formação3.4. O caminhar da Pesquisa/Formação3.5. A forma de tratamento e análise dos dados

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Parte II Pessoa, Profissão e Instituição: maneiras interligadas de compreenderas identidades profissionais de educadoras de crianças pequenas

Capítulo 1 Produzindo a Pessoa: Construindo-se Educadora de Crianças Pequenas por meio das narrativas1.1. As identidades construídas em relação ao gênero1.2. A pré-profissionalização construída em relação à infância e à escola 1.3. Razões da “escolha” profissional: os fios condutores da formação 1.4. O exercício profissional: ver e ver-se1.4.1. A Formação Contínua 1.4.2. Limites e possibilidades pessoais no trabalho com crianças pequenas em instituições de educação infantil1.5. ‘Ser e Tornar-se’: a apropriação do percurso formativo

Capítulo 2 Produzindo a Profissão e a Organização Institucional no contexto dos Encontros de Pesquisa/Formação2.1. Contextualizando os Encontros de Pesquisa/Formação2.1.1. Os primeiros Encontros2.1.2. A matriz identitária das Educadoras de Crianças Pequenas2.1.3. O fazer-se Educadora de Crianças Pequenas nas instituições de educação infantil2.1.4. Os Isolamentos2.1.5. As parcerias, cumplicidades e descontinuidades2.1.6. As auto-imagens profissionais2.1.7. As relações interinstitucionais e as Necessidades Formativas das Educadoras de Crianças Pequenas2.2. O aprendizado dos Encontros de Pesquisa/Formação

Capítulo 3 A Pessoa, a Profissão de Educadora de Crianças Pequenas e a Instituição de Educação Infantil

3.1. A tomada de consciência das dimensões pessoal e profissional3.2. A tomada de consciência da dimensão institucional

Consierações Finais

Referências

Anexos

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Diego não conhecia o mar. O pai levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o sul. Ele, o mar estava do outro lado das dunas altas, esperando.

Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto o

seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza.E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, guaguejando, pediu ao pai:

- Me ajuda a olhar...!” (Galeano, 1995, p.15)

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Introdução

Por que pesquisar a educação infantil e as identidades das educadoras que

trabalham com crianças de tenra idade?

Várias razões justificam esse propósito.

Primeira: a trajetória de trabalho que tivemos, em instituições de educação infantil

e em nível de coordenação de sistema de governo municipais nas áreas de educação e de

assistência social, foi evidenciando a lacuna existente nessa área, compreendida no plano

legal, como a primeira etapa da educação básica, creches e pré-escolas inseridas no sistema

educacional vigente trazem um sem número de perguntas a serem respondidas quando da

operacionalização dessa determinação legal, especialmente no que se refere ao tipo de

profissional capaz de educar e cuidar. Trata-se, porém, de dois atendimentos histórico-sociais

diferenciados. De um lado a história da creche se vincula à história da mulher, da mulher

trabalhadora, das necessidades do trabalho, do mundo do trabalho, e, de outro, a história da

pré-escola se sustenta, enquanto um atendimento público sistematizado, na história da

Educação, da prevenção do fracasso escolar. A junção das duas modalidades de atendimento

institucionais, entendidas hoje como educação infantil, supõe considerar tais construções

histórico-sociais, qualificando aquilo que lhe é específico.

Dessa maneira, a formação das educadoras1 para o trabalho com esse segmento

etário implica considerar a concepção de educação da infância que a orienta.

Etimologicamente, a palavra “infância”, oriunda do latim, significa a incapacidade

de falar. Essa incapacidade, atribuída em geral ao período que se chama de primeira infância,

às vezes era vista como se estendendo até os sete anos, quando se daria a passagem para a

idade da razão (Kulmann Jr., 1998).

Estamos vivendo o momento histórico de definir quem são os profissionais que

darão conta da complexidade da formação de um segmento etário tão vulnerável. Não seria,

1 Vamos utilizar ao longo do trabalho a expressão no feminino por considerar que trata-se de uma profissão exercida majoritariamente por mulheres.

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de antemão, um educador infantil,2 tomando de empréstimo o sentido etimológico de

“infância”, mas antes um profissional capaz de fazer valer a sua vez e voz, construir a autoria

de seu processo formativo, reconhecendo sua identidade profissional.

Em segundo lugar, nossa experiência profissional como docente/aprendiz de

cursos de formação universitária de educadoras de crianças pequenas também vem apontando

algumas lacunas nessa formação, pela diversidade de qualificação dos profissionais que atuam

nessas instituições.

Podemos apontar, nesse sentido, a importância da formação contínua como uma

possibilidade de qualificação de profissionais com níveis de formação tão diferenciados que

atuam em creches e pré-escolas, entendendo-os como co-partícipes e não como receptores

passivos de programas de formação, buscando respostas coletivas aos dilemas cotidianos

enfrentados, tais como a qualificação do ensinar e do aprender, a imagem de criança e/ou de

aluno;3 a continuidade de uma educação da infância (creche/pré-escola/ ensino fundamental).

A formação profissional para atuar em instituições de educação infantil com crianças

pequenas necessita reconhecer essa diversidade, oferecendo elementos teórico-práticos que

contribuam para a melhoria da condição profissional atualmente existente em instituições de

educação infantil.

Outro destaque nesse processo formativo é uma nova função para o estágio na

formação de professores para atuar com esse segmento etário, reconhecendo-o como a porta

de entrada na construção da identidade profissional e sobretudo como um recurso privilegiado

de formação, diante da possibilidade de articulação entre teoria e prática.

A experiência advinda da atuação como docente junto a um curso de formação em

nível superior de educadores de crianças pequenas (Curso de Pedagogia), no Centro

Universitário da Fundação Santo André, impulsionou-nos também a enfrentar o

aprofundamento da pesquisa desse tema. Esse curso, nos últimos anos, passou por processo de

reformulação e definiu eixos norteadores, organizados na forma de Temas Transversais, quais

sejam: a ênfase nas questões pertinentes aos diferentes sujeitos em formação (na educação da

2 Agradeço a atenção dada ao termo pela Profa. Dra. Terezinha A . Rios, em leitura cuidadosa do projeto de pesquisa, que nos alertou a respeito de que os educadores para essa faixa etária não poderiam ser confundidos como educadores infantis. Em conseqüência dessa provocação, fomos buscar a origem da palavra Infância.3 Seria possível denominar aluno uma criança de cinco meses de idade, usuária do berçário em creches?

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infância, na educação de jovens e adultos), a Inclusão, a gestão e a formação do professor-

pesquisador.

Além disso, definiu mais claramente a concepção de estágio,

O Estágio, entendido como uma ação de prática de ensino e/ou acesso à realidade

educacional presente nas instituições de educação ou nos sistemas, configura-se como uma

atividade de relação teoria e prática e uma estratégia de trabalho coletivo em cursos de

formação inicial. É no contato com a realidade educacional que o aluno, futuro profissional

da educação, construirá conhecimentos que darão conta do entendimento da complexidade

da escola e do sistema educacional em nossa sociedade que se caracteriza por mudanças

rápidas e que demanda um desenvolvimento científico e tecnológico sem precedentes em

nossa história... (Projeto Pedagógico do Curso de Pedagogia, p. 63)

Tendo a responsabilidade das disciplinas de Organização do Trabalho Educativo e

Pedagógico na Educação Infantil (OTEPEI) e Políticas Públicas e Gestão na Educação

Infantil (PPGEI) e a coordenação do estágio integrado nessa área, tivemos a oportundiade de

explorar uma concepção de estágio mais enriquecedora, que de fato dialogasse com o

cotidiano das instituições de educação infantil.

Em terceiro lugar, a condição de aprendiz/estudante, quando da passagem pelos

cursos, grupos de estudos e pesquisa realizados no programa de Doutorado, nos motivou cada

vez mais a aprofundar temas relacionados à formação de educadores em geral e, em

particular, à questão da construção das identidades de educadoras de crianças pequenas.

Por último, mas não de menos importância, a produção científica que, nessa área,

vem apontando a necessidade de se dimensionar a formação dessas educadoras, visando

superar hierarquizações e segmentações presentes no trabalho em instituições de educação

infantil.

Para isso, a presente investigação tem como objetivo:

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Identificar os processos de construção de identidades profissionais de

educadoras de crianças pequenas que atuam em creches e pré-escolas e das estagiárias

de um curso de Pedagogia – Habilitação em Educação Infantil, tendo o estágio como

eixo de articulação entre a formação universitária e a formação contínua.

Ensinar e aprender fazem parte de um ciclo que é iniciado com o ensino e que se

encerra com a aprendizagem e que, inevitavelmente, se reinicia com o ensino seguido de

novas aprendizagens. Ao aceitarmos o desafio de pesquisar a própria prática, estamos nesse

movimento cíclico de aprender/ensinar/aprender. Ao plasmar o projeto de pesquisa nos

ofícios de professora/aprendiz, estudante/aprendiz, das políticas públicas à sala de aula,

vamos delineando as peças de um mosaico que busca apresentar um desenho, cujas partes

sinalizarão algumas intenções no que se refere à formação de educadoras de crianças

pequenas.

Ensinar e aprender: eis o propósito de qualquer educador. A presente

Pesquisa/Formação estimulou-nos a reforçar ainda mais essa crença na escolha de um tipo de

pesquisa que favorecesse essa construção - a pesquisa qualitativa na forma de Pesquisa-Ação

Colaborativa -, acompanhando o processo de estágio de algumas estudantes que fizeram parte

de dois sub-grupos de Pesquisa/Formação e promovendo condições para favorecer e provocar

mudanças nas concepções e nas práticas de trabalho com as crianças. Além das estudantes, o

presente trabalho envolveu educadoras de duas instituições de educação infantil colaboradoras

da pesquisa, uma vez que acreditamos que é sobretudo no espaço das instituições de educação

infantil que os educadores se formam, sendo o processo de construção desses coletivos de

educadores, condição indispensável para o êxito de qualquer programa de formação. Todos

ensinamos e aprendemos nesse processo.

Denominaremos Pesquisa/Formação, pois o processo de pesquisa ofereceu

suporte, instrumentos teórico-práticos para o processo formativo ao longo de sua realização,

estando circunscrita ao âmbito da docência no curso de Pedagogia – Habilitação em Educação

Infantil - e no acompanhamento do estágio, o que implica em uma maneira de pesquisar que

tem também a própria prática (de docente e de pesquisadora) como referência.

A presente tese está organizada em duas partes. A primeira parte é compreendida

pelos capítulos 1, 2 e 3 e apresenta o caminho do tema escolhido para análise. Intencionamos

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desenvolver no Capítulo 1 os referenciais teóricos que servem para balizar os conceitos de

Identidade Profissional e de Identidade Profissional de Educadoras de Crianças Pequenas

dentro de um cenário mais amplo da educação infantil brasileira. No Capítulo 2,

desenvolvemos a relação entre a Formação Universitária e a Formação Contínua, tendo como

eixo articulador o estágio como ponte privilegiada nesse contínuo de formação. O Capítulo 3

descreve os caminhos percorridos, ou seja, a metodologia empregada.

Na segunda parte, composta pelos capítulos 1, 2 e 3, desenvolvemos de maneira

interpretativa o tratamento dos dados, os “achados”, trilhando caminhos para a apreensão das

Identidades Profissionais de Educadoras de Crianças Pequenas através das produções: da

pessoa, da profissão e da organização institucional. O capítulo 1 se ocupa do processo de

produção da pessoa, vislumbrado nas narrativas orais e escritas das educadoras/colaboradoras.

O capítulo 2 trata da produção da profissão e da organização institucional da educação infantil

no contexto dos Encontros de Pesquisa/Formação. Por fim, o capítulo 3 busca sintetizar a

tríade: pessoa, profissão e a instituição, oferecendo elementos para a compreensão dos

caminhos de construção das identidades profissionais de educadoras de crianças pequenas.

Como forma de conclusão, ao final do trabalho, apresentamos as contribuições da

presente investigação no campo teórico de formação de educadoras de crianças pequenas,

salientando a dimensão formativa de pesquisas dessa natureza e apontando sugestões para

programas de formação de educadoras nessa área.

Pretendemos, com essa experiência de Pesquisa/Formação, apresentar uma

maneira de olhar as identidades de educadoras de crianças pequenas, que educam e cuidam,

independente da instituição na qual desenvolvam o seu ofício, e sua conseqüente formação-

implicando em um olhar também diferenciado para a criança – alvo do esforço dessas

profissionais.

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Parte I

Em busca das Identidades Profissionais de Educadoras de Crianças Pequenas

Quando os

mestres relatam suas lembranças, estas são um tecido de práticas. É nas práticas que se reconhecem sujeitos,

onde se refletem como um espelho. Onde reconstroem sua identidade. (Arroyo, 2000)

Um campo tão diversificado como o campo da educação infantil, no que se refere

à formação dos profissionais que atuam com crianças pequenas, nos impulsiona a buscar a

qualificação do que denominaremos por Identidade Profissional.

Os estudos na área que fazem uso do termo, por vezes o utilizam de maneira

análoga à “identificação”, “perfil profissional”, entre outros termos, impelindo-nos a procurar

por uma compreensão conceitual mais aproximada aos nossos propósitos.

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Apresentamos uma aproximação com o termo no sentido de melhor explicitá-lo,

seguida da apresentação de estudos que vêm sendo feitos nessa direção, relevando o que é

específico para a educadora de crianças pequenas.

Acentuamos o caráter contínuo da formação – não segmentado em níveis e

modalidades, caracterizando a formação ao longo da vida, relevando o momento do estágio no

processo formativo como privilegiado na construção da identidade profissional. Para isso,

apresentamos uma experiência de estágio integrado que tem a pesquisa como eixo do trabalho

formativo, experiência essa levada a efeito em um curso de formação de professores de

educação infantil em nível universitário.

A articulação entre teoria e prática se reveste de importância no estudo sobre

identidades de educadoras de crianças pequenas, seja pela histórica participação nesse campo

de educadoras leigas que se formaram na prática, seja pela possibilidade de problematizar,

através do estágio, as práticas observadas em creches e pré-escolas e que podem ser “lidas”,

problematizadas e debatidas à luz de referenciais teóricos que possam servir para modificá-

las.

Buscamos, ainda, um caminho para apreender como as educadoras de crianças

pequenas constroem suas identidades profissionais privilegiando maneiras de possibilitar que

suas vozes pudessem ser ouvidas, através de suas narrativas, co-responsabilindo-as em seus

processos formativos, tanto do ponto de vista individual, como coletivo.

Capítulo 1 Referenciais teóricos: o primeiro itinerário

Toda vida, e não apenas a

vida vegetativa, emerge da escuridão e, apesar da tendência natural a colocar-se em plena luz, precisa da

segurança da escuridão para chegar à maturidade.

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(Arendt, )

No esforço de aproximação dos conceitos, recorremos ao caminho de pesquisar

como o conceito de identidade vem sendo construído especialmente na área da Sociologia,

empreendendo um diálogo com a área da Educação, até chegarmos ao conceito de Identidade

Profissional que servirá para balizar a presente investigação.

1.1. Identidade Profissional

Preocupar-se com o tema da Identidade tem sido tarefa de várias áreas nos últimos

tempos. Para Souza Santos (1995), o tema surge com a instauração da modernidade, tendo

como primeira definição a subjetividade, daí sua associação com a análise da personalidade,

implicando dessa maneira, na análise do indivíduo, na formação do sujeito.

Ao tratarmos de identidade, estamos nos referindo a relações, a construções de

múltiplas direções. O “outro” tem um papel fundamental na construção da identidade de “si” ,

pois é na interação e no diálogo com aquele, que o sujeito passa a desenvolver a consciência

sobre si mesmo.

Para o autor, o cotidiano implica em uma rede de contextos, vínculos e relações

pelas quais o sujeito transita. Utiliza o conceito de “rede de subjetividades” para designar a

relação dialética entre identidade e alteridade, em processo permanente de interação/

negociação/ reestruturação, realizado a partir da diferenciação e assimilação do outro e do

nós. Presente na alteridade está a articulação entre as práticas e processos culturais

diferenciados, configurando um sistema interligado de significações Os diferentes percursos

realizados nessa rede pemitem o trânsito entre o “eu”, o “nós” e o “outro”, impossibilitando

assim uma única definição de Identidade. Dessa maneira, podemos entender que a identidade

é sempre produzida na relação com o ‘outro’, não se constituindo em processo que não possa

ser alterado.

Berger & Luckmann (1976) consideram que o tema identidade – elemento chave

da realidade objetiva e que se encontra em relação dialética com a sociedade – quando

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cristalizado, é mantido ou modificado ou mesmo remodelado pelas relações sociais.

Procedendo a uma análise da sociedade como realidade subjetiva, os autores distinguem dois

tipos de interiorização da realidade: em primeiro lugar, a socialização primária que ocorre

através da interiorização, isto é, a apreensão ou interpretação imediata de um acontecimento

objetivo como dotado de sentido, manifestação de processos subjetivos de outrem e que se

torna subjetivamente significativo para si. Somente depois de ter realizado este grau de

interiorização é que o indivíduo torna-se membro da sociedade e o processo pelo qual isso se

realiza é a socialização.

Seguem afirmando que é por meio desta identificação com os outros significativos

que a criança torna-se capaz de identificar a si mesma, de adquirir uma identidade

subjetivamente coerente e plausível, assim como é por meio da absorção dos papéis e atitudes

dos outros significativos que a criança passa a torná-los seus, criando uma abstração

progressiva dos papéis e atitudes dos outros particulares para os papéis e atitudes em geral. A

socialização secundária seria o processo de aquisição do conhecimento de funções

específicas, direta ou indiretamente, com raízes na divisão do trabalho. Para conservar a

confiança de que é na verdade a pessoa que pensa que é, o indivíduo necessita não somente da

confirmação implícita desta identidade, que mesmo os contatos diários causais poderiam

fornecer, mas também da confirmação explícita e carregada de emoção que lhe é outorgada

pelos outros significativos para ele.

Nessa perspectiva, é importante considerarmos a concepção de sujeito e a

produção de subjetividades.

Morin (2000) nos fala do sujeito objetivo, social e cognitivo, ressaltando a base

bio-lógica (a lógica própria do ser vivo) como o produto de um processo reprodutivo e, ao

mesmo tempo, produtor da sua espécie. Por outro lado, na dimensão social, o sujeito produz a

sociedade e esta o produz como sujeito cultural. A dimensão cognitiva (computacional) se

refere para ele, à percepção dos estímulos, os signos e símbolos que auxiliam na ação de cada

um. Tal processo computacional permite ao sujeito realizar o cômputo de si, por si e para si

mesmo.

Na área da Educação e no processo autoformativo estamos diante de uma

dualidade que comporta diferenças e semelhanças. O educador se difere dos estudantes e ao

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mesmo tempo se assemelha a eles de maneira subjetiva e objetiva em uma conformação que

é individual e também coletiva. O sujeito é único, singular, e só existe quando partilha de

uma coletividade, construindo visões de mundo e se constituindo em variadas interações em

busca da transformação de si e do mundo. Nesse sentido, estamos diante do caráter inconcluso

do ser humano, como já afirmava Paulo Freire. À disposição do sujeito estão as

possibilidades de modificar-se e transformar o mundo num processo contínuo de estar sendo.

Ao fazer a história, o sujeito se faz e se refaz. Esse autor nos alerta para a dimensão

relacional da identidade do educador,

A boniteza de ser gente se acha, entre outras coisas, nessa possibilidade e nesse dever de

brigar. Saber que devo respeito à autonomia e à identidade do educando exige de mim uma

prática em tudo coerente com este saber. (Freire, 1997, p. 67)

O grande mestre brasileiro amplia ainda mais essa perspectiva, tratando as

dimensões política e humana do sujeito no mundo. O desenvolvimento da consciência de

nossas potencialidades para Paulo Freire, tendo como base a crítica à realidade concreta, é

entendida como motor para a ação e a transformação social. Nesse sentido, faz parte da

característica humana a produção coletiva; cada sujeito depende da construção da humanidade

para se constituir enquanto sujeito.

As opções teóricas delimitadas no presente trabalho, para a compreensão da

constituição do sujeito, terão papel relevante na análise da construção de identidades de

educadoras de crianças pequenas em instituições de educação infantil, sobretudo pelo

componente da disponibilidade pessoal em formar-se enquanto projeto pessoal e profissional.

Entendemos que só há formação quando o outro (sujeito e objeto da nossa intencionalidade

educativa) quer formar-se.

Nesse particular aspecto, é importante proceder a uma reflexão sobre programas

de formação de professores que, de maneira geral, desconsideram essa peculiaridade,

tornando compulsória a participação em eventos, em ações de formação que, por vezes, não

dizem respeito diretamente aos interesses, disponibilidades e necessidades dos seus reais

destinatários.

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Acerca da subjetividade poderíamos, de forma resumida, situar o contexto em que

esse tema passa a ser referenciado no âmbito das ciências humanas. As investigações

produzidas nessa área eram basicamente fundamentadas em métodos experimentais das áreas

das ciências físicas e biológicas, resultando, no início do século XX, em movimentos de

rupturas e mudanças que buscaram uma nova maneira de compreender a própria ciência. A

possibilidade da emergência de novos métodos investigativos colocavam em xeque a validade

única da predição de regularidades da natureza e de suas leis, ensejando processos evolutivos,

crises e instabilidades em várias áreas do conhecimento.

Estando a objetividade científica em questão, a apreensão dos significados das

ações humanas passa a ser entendida como objeto de investigação através da subjetividade.

Mudanças paradigmáticas são produzidas em várias áreas, sobretudo na historiografia, na

antropologia e na sociologia.

O tema é também conceituado por Castells (1999), ao denominar identidade como

a possibilidade de atribuição de significados, que tem como referência sempre atributos de

ordem cultural, os quais são, via de regra, múltiplos. As identidades estão em permanente

movimento e podem ocorrer na forma: de legitimadora - que busca ampliar e racionalizar a

dominação em relação aos atores sociais, produzindo ou reproduzindo a identidade imposta de

maneira a não oferecer condições para a constituição do sujeito histórico; de resistência - que

busca resistir e preservar a sobrevivência dos sujeitos, de forma inversa aos princípios

preconizados nas lógicas de dominação, o que termina por desmerecer e/ou marginalizar os

atores; de projeto – que se manifesta como objetivo, desejo de construção de uma nova

identidade capaz de conceber de outra forma sua posição na sociedade, questionando as

estruturas que dão sustentação às maneiras legitimadoras de domínio de um sobre o outro.

Sob essa ótica, faz-se imperativo o reconhecimento de que a identidade se

constrói na relação direta com a diferença, o que nos distingue do “outro”. Nesse sentido,

Woodward (2000) trata a questão da Identidade de forma similar, sugerindo que:

- Para a compreensão de como a identidade funciona, precisamos de conceitualizações

configurando suas diferentes dimensões;

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- A identidade envolve reivindicações essencialistas sobre quem pertence e quem não

pertence a um determinado grupo identitário, nas quais a identidade é vista como fixa e

imutável;

- Por vezes, tais reivindicações estão baseadas na natureza ou em alguma versão

essencialista da história e do passado, na qual a história é construída ou representada

como uma verdade imutável;

- A identidade é, na verdade, relacional, e a diferença é estabelecida por uma marcação

simbólica relativamente a outras identidades;

- A identidade está vinculada também a condições sociais e materiais. Se um grupo é

simbolicamente marcado como o inimigo ou como tabu, tudo isso terá efeitos reais porque

o grupo será socialmente excluído e terá desvantagens materiais;

- O social e o simbólico referem-se a dois processos diferentes, mas cada um deles é

necessário para a construção e a manutenção das identidades;

- A conceitualização da identidade envolve o exame dos sistemas classificatórios, que

mostram como as relações sociais são organizadas e divididas, em ao menos dois grupos

de oposição: “nós e eles”;

- Algumas diferenças são marcadas, mas nesse processo algumas diferenças podem ser

obscurecidas, como por exemplo, a afirmação da identidade nacional pode omitir

diferenças de classe e diferenças de gênero;

- As identidades não são unificadas. Pode haver contradições no seu interior que têm que

ser negociadas;

- É necessário explicar por que as pessoas assumem suas posições de identidade e se

identificam com elas. O nível psíquico também deve fazer parte da explicação, juntando-

se às dimensões simbólica e social.

As primeiras aproximações com o conceito sinalizam que trata-se de um processo

dinâmico em que a subjetividade, a atribuição de significados e o aspecto relacional têm

importância nessa construção.

Tais contribuições podem colaborar com o conceito de Identidade Profissional.

Ao buscarmos uma definição para Identidade Profissional, a primeira associação

que podemos fazer, relacionada ao nosso cotidiano, é a do documento que identifica uma

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determinada profissão, o registro que oferece a chancela para o exercício profissional. No

caso de algumas profissões – via de regra, as mais valorizadas socialmente -, para a obtenção

do referido registro, faz-se necessária a submissão a um exame que habilitará o candidato de

maneira qualificada a inserir-se no mercado de trabalho da área4.

As profissões são construções dinâmicas, pois, ao obedecer à lógica do mundo do

trabalho, tendem a adquirir diferentes perspectivas. No cenário atual, com as novas

transformações do processo econômico de globalização, entre outros fenômenos, e, sobretudo

pelo uso das novas tecnologias, muitas profissões sofrem transformações ou, ainda, deixam de

existir.

Dubar (1997), em estudo sobre identidades sociais e profissionais construídas na

França ao final dos anos 80, conceitua identidade profissional como sendo construções sociais

que implicam a interação entre as trajetórias individuais e os sistemas de emprego, de trabalho

e de formação.

Apresenta, para essa análise, quatro tipos de identidades profissionais típicas

articuladas aos níveis de transação subjetiva/ identidade para si (imagem interna) e de

transação objetiva/ identidade para o outro (imagem externa), organizadas na forma de

continuidade que se situaria entre a identidade herdada e a identidade visada em um espaço

unificado de realização, um sistema no qual os indivíduos desenvolvem práticas contínuas, ou

de ruptura, situada entre a definição do eu, oriunda da trajetória anterior, e a projeção do eu no

futuro. Isso implica na impossibilidade de se construir uma identidade de futuro no interior

do espaço produtor da sua identidade passada. Para encontrar ou voltar a encontrar uma

identidade, é preciso mudar de espaço. A identidade projetada pode ser sobrevalorizada ou

desvalorizada em relação à identidade herdada, estando, portanto, em ruptura com ela.

No âmbito da continuidade, ligada ao reconhecimento, ou seja, a existência de

uma instituição que legitima a identidade visada pelo indivíduo, o autor denomina identidade

de promoção (interna) aquela que se relaciona com a identidade da empresa/ instituição.

Nesse caso, projeta-se num espaço de qualificação que implica reconhecimentos de

4 Atualmente em nível federal, está em fase de estudos, a possibilidade de haver um Exame de Certificação Nacional para professores, fato que tem provocado um grande debate na área.

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“profissionalidades”5 estruturantes. Quando não há reconhecimento, quando as pretensões

individuais não são adquiridas e o futuro da instituição não coincide com o futuro do

indivíduo, ocorre uma identidade de bloqueio e a identidade se situa no nível do ofício

(daquilo que é considerado básico para o exercício profissional).

Já no âmbito da ruptura, ela é acompanhada por um conflito entre a identidade

atribuída pela instituição e a identidade forjada pelo indivíduo. O indivíduo, nesse caso,

encontra-se em estado de exclusão, que origina uma identidade ameaçada, ou então se

encontra num processo de conversão, que origina uma identidade incerta.

A construção das identidades se apresenta inseparável da existência de espaços de

emprego-formação e dos tipos de relações profissionais que estruturam as diversas formas

específicas de mercados de trabalho. As configurações identitárias típicas poderiam ser

abstratamente associadas a “momentos” privilegiados de uma biografia profissional ideal:

momento da construção da identidade (formação profissional inicial), momento da

consolidação da identidade (inserção e aquisição progressiva da qualificação nas carreiras do

ofício), momento do envelhecimento da identidade e da passagem progressiva à aposentadoria.

Dubar segue identificando nessa análise alguns elementos constituintes das

Identidades profissionais:

. a crise e o dilema face à identificação progressiva com o papel;

. a concepção desse papel;

. a antecipação da carreira;

. a imagem de si.

Ainda segundo Dubar, as identidades estão em movimento e esta dinâmica de

desestruturação/ reestruturação toma, por vezes, a forma de uma “crise das identidades”. O

autor realça os contextos em que os indivíduos se movimentam e se relacionam, considerados

como o eixo central dos processos de construção identitária. Segue afirmando que cada

configuração identitária tem hoje uma forma mista no interior da qual as antigas identidades

entram em conflito com as novas exigências da produção e onde as antigas lógicas que 5 O termo Profissionalidade aqui parece designar os requisitos profissionais da profissão do professor. Diferentes significados são atribuídos a esse termo, às vezes associando-o à identidade profissional. Sobre esse conceito, Guimarães (2001) faz extensa análise bibliográfica na Tese de Doutorado “Saberes Docentes e Identidade Profissional – a formação de professores na Universidade Federal de Goiás”, apresentada à Faculdade de Educação da USP em 2001.

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perduram entram em combinação e, por vezes, em conflito com as novas tentativas de

racionalização econômica e social.

Acerca da Identidade Profissional Docente, Carrolo (1997) apresenta uma base de

compreensão dos mecanismos de socialização e dos fatores que lhe estão a ela subjacentes,

organizando-os em três níveis de socialização: No primeiro nível haveria a caracterização da

matriz de formação do professor em sua relação com o saber como sendo tipicamente

tecnicista, centrado predominantemente na sala de aula e no treino das técnicas de instrução e

transmissão dos conhecimentos. O segundo nível estaria caracterizado pela dinâmica de

formação, constituído pela interface entre formador-formandos: as etapas, os problemas e as

contradições. O terceiro nível caracterizaria o campo profissional, na forma de um conjunto

de práticas e das representações específicas da profissão. Para o autor, se a constituição da

identidade profissional, em termos individuais, se realiza ao longo de toda a carreira e requer

um acompanhamento a longo prazo, em termos de grupo, a identidade profissional

consubstancia-se historicamente na cultura profissional, como patrimônio que assegura a

sobrevivência do grupo e permite a definição de estratégias identitárias adaptadas a cada

realidade histórica e social.

Entender a Identidade Profissional nessa área como um processo – na forma de

construção permanente – também é um aspecto defendido por Pimenta,

Uma identidade profissional constrói-se com base na significação social da profissão; na

revisão constante dos significados sociais da profissão; na revisão das tradições. Mas

também na reafirmação de práticas consagradas culturalmente e que permanecem

significativas. Práticas que resistem a inovações porque são prenhes de saberes válidos às

necessidades da realidade, do confronto entre as teorias e as práticas, da análise sistemática

das práticas à luz das teorias existentes, da construção de novas teorias. Constrói-se

também, pelo significado que cada professor, como ator e autor, confere à atividade

docente no seu cotidiano com base em seus valores, seu modo de situar-se no mundo, suas

histórias de vida, suas representações, seus saberes, suas angústias e seus anseios,

professores, nas escolas, nos sindicatos e em outros segmentos. (Pimenta, 1997, p.42)

Nóvoa, empreendendo análise das formas de “se sentir e ser professor” em

Portugal, releva o fato de que a identidade não é um dado, não é uma propriedade nem sequer

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um produto, mas “é um lugar de lutas e conflitos, é um espaço de construção de maneiras de

ser e de estar na profissão” (Nóvoa, 1992, p.15).

Nessa construção da identidade profissional de professores, o profissional

atravessaria uma tripla trajetória:

. de adesão: a um conjunto de princípios e valores, adotando projetos comuns a outros

professores e realizando investimentos positivos nas potencialidades das crianças e dos

jovens;

. de ação: ao selecionar formas próprias de agir, o professor joga decisões de foro pessoal e

profissional;

. de auto-consciência: a reflexão sobre a própria ação como sendo a base de todas as decisões.

Nos estudos analisados, parece haver um consenso no que diz respeito à

identidade profissional quando se entende que ela é dinâmica, processa-se em um tempo e

um espaço próprios, produzindo momentos característicos de passagem nesse movimento ao

longo da carreira profissional, ou ciclo de vida profissional, e se produz entre a imagem

interna, ou “identidade para si” – a forma como cada um vai construindo sua imagem

profissional – e a imagem externa, a “identidade para os outros” – a forma como a sociedade

vê e trata a profissão.

Estando ligada às representações sociais, a identidade profissional de educadores6

associa-se ao sentimento e à consciência de pertencimento a um grupo, do lugar que cada um

se coloca no mundo e na profissão, de ser um profissional e nessa forma de pertencimento

grupal, as diferenciadas formas de reconhecimento profissional parecem ocupar papel central.

Arroyo (2000), ao situar a aprendizagem do ofício de mestre, o papel da educação

como humanização, a necessidade de olhar o desenvolvimento humano e as interações entre

pares, alerta-nos sobre o que subjaz ao campo da docência, ao subsolo comum que configura a

matriz fundante da teoria pedagógica - a pedagogia do como -, a forma de ensinar, que

produz significações no estudante. Para Arroyo,

6 Utilizaremos a expressão “educadores” – no masculino - para referir aos profissionais da educação que exercem funções educativas em instituições educacionais de maneira geral. Quando tratarmos de “educadoras” – no feminino -, estaremos fazendo referência às profissionais que atuam em instituições de educação infantis que são, em sua maioria, mulheres.

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A percepção política da centralidade de como trabalhamos termina por levar-nos a entender

a centralidade pedagógica do como ensinamos e como os educandos aprendem. Somos

profissionais dos saberes e também dos processos que formam a mente humana. Os mestres

têm suas percepções sobre as formas de cultivar o pensamento, criar hábitos, formar e

educar. As tarefas de cada dia, o como ensinamos e em que condições conformam os

problemas que privilegiamos, os conteúdos que julgamos centrais, o como pensamos e

como formulamos as soluções. O como condiciona o que somos. (Arroyo, 2000, p. 110)

A análise do como se processa a educação de crianças pequenas em instituições de

educação infantil, através da expressão de suas educadoras e da observação das estagiárias,

têm importância fundamental na presente investigação. Ao promover a parceria entre

profissionais de educação infantil e estudantes de formação universitária, estamos

estimulando a partilha de pontos de vista acerca das mesmas ações que, quando confrontadas,

trazem o lugar do como se faz, para além da maneira como se explica o que se faz, o que nos

sugere implicações para a reflexão sobre a formação desses profissionais.

Ao longo da carreira profissional, os professores em geral, e as educadoras de

crianças pequenas, em particular, percorrem trajetórias que correspondem a momentos

marcadores de etapas que significam processos de desenvolvimento. Oliveira-Formosinho

(1998) fazendo uso de vários autores que estudaram o desenvolvimento profissional de

educadoras de infância como Katz (1977), Vander Ven (1988) e Sherer e Bloom (1998),

sintetiza os estágios de desenvolvimento da carreira que vai da fase da sobrevivência (que

demanda apoio e assistência ao trabalho), seguida da consolidação (assistência ao trabalho,

acesso a especialistas e existência de pares consultores) e de renovação (processo em que a

educadora tem a iniciativa de auto-formação participando de eventos e atividades que

contribuam para o aperfeiçoamento profissional) até a fase da maturidade (com participação

mais ativa em eventos e atividades que representem um alimento contínuo para sua formação

profissional) relevando que “esses estudos apontam a necessidade de alargamento progressivo

do campo ecológico da educadora que naturalmente requer dos formadores uma pedagogia

diferenciada que tenha a flexibilidade necessária”.

A autora mostra ainda em seus estudos que a diversidade, traduzida em

complexidade é a característica marcante da educação da infância e assume que deve haver

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paradigmas inclusivos de desenvolvimento profissional nessa área. Ela salienta que os

programas de desenvolvimento profissional dos professores trazem dicotomias, dilemas e

tensões que são por ela analisados através de um estudo de caso de pesquisa-ação, realizado

na formação especializada e contínua de educadoras no âmbito do Projeto Infância, levado a

efeito no Instituto de Estudos da Criança da Universidade do Minho, em Portugal.

Tal estudo aponta as marcas mais significativas das vozes das educadoras que se

apresentam na procura corajosa de identidade e auto-estima, em um ciclo integrado de vida

profissional desenvolvido ao longo da vida, do crescimento, das vivências de integração,

através do empenho pessoal e o sentido da responsabilidade, da teoria e prática, do

conhecimento e paixão, apresentando paralelismos entre o crescimento observado nas

crianças e as conseqüências positivas para a educadora, reconhecendo que o desenvolvimento

profissional é um processo complexo da pessoa nos seus contextos de vida, que envolve

partilha, apoio e construção de identidades através das comunidades de aprendizagem,

manifestada na forma de obras locais e identitárias (apud Bruner, 1997).

Sarmento (2002) também se utilizando de autores que investigaram as fases de

desenvolvimento dos adultos (Sikes, 1999); as fases de desenvolvimento dos professores

(Huberman, 1992); estágios de desenvolvimento de educadoras de infância (Katz, 1987) e os

estágios de desenvolvimento profissional de educadoras de infância (Vander Ven, 1981,

1988), conclui que, mesmo que estruturadas de diferentes formas, verifica-se entre os autores

estudados uma mesma seqüencialização em que a um período de grande insegurança e

incertezas se segue um outro, bastante longo, em que se consolida a segurança e a maturidade

profissional. Os períodos de desenvolvimento de adultos correspondem aos períodos de

desenvolvimento profissional, o que vem expressar a importância dos fatores pessoais nos

professores. Todos os autores admitem que cada fase não é estanque em si, podendo verificar-

se numa das fases características que idealmente fariam parte de outra, dado que a

complexidade do desenvolvimento dos professores, implicando o envolvimento de mudanças

na própria pessoa e no sistema educativo, está relacionada à complexidade do próprio

processo. A relação pessoa/profissão fica assim explicitada, seja na formação entendida na

perspectiva de aprendizagem ao longo da vida, seja na relevância dos diferentes momentos de

formação profissional.

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Outra relação importante feita por Sarmento (2002) se refere aos saberes

profissionais como um processo de construção interativa de três sistemas: o conhecimento, o

ser e o fazer, numa perspectiva de que o profissional assume o protagonismo central na

(re)construção desses saberes. Ela associa ainda o desenvolvimento profissional a uma

maneira específica do desenvolvimento de adultos.

Um elemento fundamental explicitado pelos autores estudados sobre o tema

parece indicar o lugar da afetividade, da consideração dos contextos e do apoio na sustentação

de processos reflexivos e de mudanças que, no caso da educação, são, via de regra,

paradigmáticos. Parafraseando Freud, em sua afirmação de que educar é uma tarefa

impossível, compreendemos que o educador é aquele profissional que tem como produto a

transformação do outro. A sua tarefa, para ser cumprida à risca, depende do grau de

vinculação e de reconhecimento do/ com o outro. Estudo que relaciona condições de trabalho

e saúde mental dos trabalhadores em educação aponta que as atividades que exigem maior

investimento de energia afetiva são aquelas relacionadas aos cuidados com o outro 7(Codo,

1999).

Entendemos que educar e cuidar são parentes muito próximos, em qualquer nível

e modalidade educacional. Mais especificamente nas creches em que a faixa etária, de

maneira geral, se situa abaixo dos quatro anos, a indissociabilidade entre educar e cuidar é

explícita. Bettye Caldwell, designa “educare”, expressão que associa na língua inglesa o

educar e o cuidar (Rosemberg, 1994).

Para compreender o processo de construção de identidades profissionais de

educadoras de crianças pequenas8 em instituições de educação infantil em creches e pré-

escolas e dimensionar suas nuances, trabalharemos com as narrativas das educadoras e das

estagiárias, o que possibilitará apreender suas vidas, no contexto grupal, relevando as

experiências e os contextos vividos. Estas serão tomadas como informações-chave da pessoa

que se é, do significado que cada um dá para si, oque oferecerá elementos para uma análise da

intersecção entre história de vida com a história da sociedade, e servirá para explicar as

escolhas e opções com as quais se deparam ao longo de sua trajetória vivida (Goodson, 1995).

7 Para os autores desse estudo, a afetividade prescinde a tarefa de educar. Denominam “doadores de cuidado” – care-givers – os profissionais como enfermeiro, médico, assistente social e o educador.8 Denominaremos, ao longo do trabalho, “crianças pequenas” referindo-nos ao segmento etário de zero a seis anos.

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Além das narrativas, a participação em Encontros conjuntos entre estagiárias e

educadoras das instituições de educação infantil, colaboradoras na Pesquisa/Formação,

contribuiu para a produção de significações, constituindo-se em um “continuun” de formação

para as estudantes/estagiárias, que estão se inserindo no mundo do trabalho profissional nessa

área e para as profissionais já atuantes. Esta ação reflexiva tem como suporte as diferentes

formas de pensar, dizer, narrar e explicar o vivido por parte das colaboradoras da pesquisa,

em uma perspectiva de dupla direção: a relacional e a biográfica, o que permitirá uma visão

das experiências vividas, mundo e das culturas profissionais produzidas.

De antemão, usaremos a expressão no plural: identidades de educadores de

crianças pequenas por observar que seus percursos são pessoal e profissional/social com

caminhos diferentes. No caso das profissionais de creche, a necessidade de qualificação

profissional para o trabalho se apresenta como necessidade em termos de políticas públicas

em meados da década de 90, quando se busca uma identidade profissional de profissionais

que educam e cuidam de crianças pequenas em instituições de educação infantil, antes quase

inexistente. Já para os profissionais, professores (de pré-escola), o percurso seguiu o caminho

da área da Educação enquanto um sistema organizado, guardando estreitas relações com a

escolarização, com a formalidade, com os tempos e as maneiras de funcionamento específicas

de instituições escolares.

É nesse contexto da área da educação infantil que vamos emoldurar o quadro

dessas profissionais da educação de crianças pequenas que, a partir da LDB (EN) 9394/96,

passam a figurar como profissionais responsáveis pela primeira etapa da educação básica.

1.2. Identidades Profissionais de Educadoras de Crianças Pequenas

É na Constituição Federal de 1988 que pela primeira vez aparece a expressão

educação infantil contemplando as instituições creches e pré-escolas, que o campo de atuação

dessas duas instituições centraliza-se na educação, pertencente aos sistemas de ensino. Esse

período representa um marco nas políticas públicas para a infância brasileira, ao tratar esse

segmento etário como sujeito de direitos e não mais alvo de políticas fragmentadas e

compensatórias. A partir de então, questiona-se o perfil de professor mais adequado para a

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especificidade da educação infantil. À primeira vista, uma visão escolarizante da educação

infantil parece delinear a base de formação dos profissionais que devem dar conta da

educação e dos cuidados de crianças de zero a seis anos em instituições de educação infantil.

Outras leis que vieram a seguir reforçaram essa vontade política. Na seqüência

histórica, temos o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei Federal 8069/90, que garante a

proteção integral à criança e ao adolescente e os considera seres em desenvolvimento,

cabendo ao Estado e à sociedade tal proteção. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional, LDB (EN) 9394/96, também reforça e amplia essa perspectiva, ao considerar a

educação infantil a primeira etapa da educação básica.

Quem seria o profissional capaz de atender a multiplicidade de situações presentes

nesses espaços institucionais, acompanhando as alterações que vêm ocorrendo na formação de

professores em geral com relação ao ensino e aprendizagem, à função social da educação

infantil e da escola em uma sociedade de mudanças rápidas como a que estamos atravessando

e, sobretudo, à imagem de criança de hoje?

Alguns riscos estariam implicados nessa resposta: a predominância do

instrucional ao educativo, a educação infantil preparatória, o vir-a-ser, negando dessa maneira

a criança que é hoje, com necessidades, interesses e formas específicas de desenvolvimento e

aprendizagem.

Se temos, de um lado, um histórico de profissional que desenvolve o trabalho com

crianças pequenas em creches que prescindiu de profissionalização, associado a contextos via

de regra, assistenciais, baseados em referências higienistas e/ou espontaneístas de

desenvolvimento e aprendizagem de crianças, de outro, temos para a pré-escola, o modelo da

antiga escola primária, que não dá conta de satisfazer às necessidades plenas das crianças

pequenas, e que, de maneira geral, reduz o trabalho com estas a uma perspectiva de

preparação “cognitiva” para a escolarização formal.

Ao definir a formação universitária como um nível desejável na formação dessas

educadoras, faz-se necessário enfrentar sua significação no campo da formação de

professores.

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A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (9394/96) define que,

Art.62: A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior,

em curso de licenciatura plena, em universidades e institutos superiores de educação,

admitida como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas

quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade

Normal.

Sabemos que os cursos que formam professores de educação infantil de nível

médio e/ou superior, ainda se apresentam por demais academicistas, distantes das práticas

requeridas para o trabalho com crianças pequenas. Para os cursos de formação de educadores

de crianças pequenas, a criança nasce aos quatro anos, quando ingressa na pré-escola, pois

pouco ou quase nada é desenvolvido nesses cursos, no que se refere à criança de zero a

quatro anos.

Considerando as decorrências histórico-sociais presentes na construção dos

programas de creches e pré-escolas no Brasil, entendemos ser importante considerar como as

culturas educacionais presentes nas creches e pré-escolas são produzidas.

Nesse sentido, Pérez Gomez esclarece,

A função educativa da escola é precisamente oferecer ao indivíduo a possibilidade de

detectar e entender o valor e o sentido dos influxos explícitos ou latentes, que está

recebendo em seu desenvolvimento, como conseqüência de sua participação na complexa

vida cultural de sua comunidade. A primeira responsabilidade do docente, portanto, é

submeter sua prática e seu contexto escolar ao escrutínio crítico, para compreender a trama

oculta de intercâmbio de significados que constituem a rede simbólica em que se formam

os estudantes. A escola deve refletir sobre si mesma para poder se oferecer como

plataforma educativa, a qual tenta aclarar o sentido e os mecanismos através dos quais

exerce a ação da influência sobre as novas gerações. (Pérez Gomez, 2001, p.18)

Por intermédio de um processo reflexivo possibilitado pela Pesquisa/Formação

buscar-se-á compreender tais culturas, em especial no que diz respeito à relação teoria e

prática, o que revelará suas implicações, observando-se eventuais continuidades e rupturas

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presentes nesse subsolo, bem como as bases culturais quelhes dão sustentação e os valores

que predominam nessas práticas.

A dimensão do trabalho coletivo toma aqui uma configuração central, ao

possibilitar a aproximação de educadoras das instituições-campo de estágio9 com as

estagiárias, em processos reflexivos comuns, contribuindo para a ocorrência de

transformações no contexto de trabalho, através de uma dinâmica formativa e de construção

identitária, o que aponta para a necessidade de se re-inventar modalidades de socialização

profissional. Essa re-invenção só será possível na ação, quando processos formativos se

constituem como processos de intervenção nas organizações de trabalho (Canário, 1997).

Procedendo à revisão da produção teórica sobre formação de educadores de

crianças pequenas, especialmente a Europa tem sido palco de produções importantes nas

últimas décadas. Notamos que lá a formação ocorre em nível universitário. Em alguns países

como França, Itália e Espanha, as exigências são altas para ingresso nos cursos de formação

de professores para atuação no nível anterior da escolaridade obrigatória, o que acaba por

conferir-lhes grande prestígio e valorização social. Observa-se um movimento crescente de

pensar a formação para a infância, abolindo as especializações por faixas etárias, mas não

existe, contudo, um consenso, a esse respeito . No que se refere ao conteúdo a ser

desenvolvido nesses cursos, observa-se também uma grande variedade, com destaque ao

domínio de conhecimento sobre folclore, dança, conhecimento de outras culturas e países,

como é o caso da Escandinávia, da música, na Irlanda, da história da arte na Espanha, dos

conhecimentos de ciência, tecnologia e economia na Grã-Bretanha, entre outros (Oliveira,

2002).

A experiência da Reggio Emília, situada no Norte da Itália, desponta como um

modelo de educação da infância e de profissionais para atuar nessa área.10 Nesse caso, os

qualificativos do educador de crianças pequenas se traduz como parceiro, promotor do

crescimento e guia, e que desenvolve uma atividade pública, que ocorre dentro da vida

9 As instituições campo de estágio participantes desta pesquisa/formação são uma creche da área assistencial e uma pré-escola municipal, situadas no município de Santo André/SP.

10 Tal região contou, até os últimos anos, com políticas públicas integradas, voltadas para a Infância e para a Família levadas a efeito por governos de enfoque socialista e/ou comunista. Uma escola da infância, compreendida enquanto instituição que não hierarquiza nem segmenta saberes, tem sido objeto de destaque em políticas públicas para a infância no mundo.

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compartilhada da escola, da comunidade e da cultura (Edwards, 1999). A relação teoria e

prática, enfatizada nos programas de apoio e desenvolvimento profissional de professores

nessa região, está intimamente implicada com os objetivos e valores que se quer desenvolver

com as crianças. Consideram que o crescimento profissional ocorre, sobretudo, pelo esforço

individual e se enriquece com o trabalho colegiado com os pares, os especialistas e as

famílias das crianças (Malaguzzi, 1999).

Em Portugal, coexistem várias formas de orientação para o trabalho educativo

com crianças pequenas nos jardins de infância11. Vamos citar pelo menos duas formas

norteadoras de grande parte da atuação dos programas pré-escolares.

O Movimento da Escola Moderna (M.E.M.) é um deles. Existente há pelo menos

trinta anos, como um movimento de professores que tentou oferecer uma resposta à

pedagogia oficial do ensino primário ainda no período da ditadura salazarista, teve

repercussões também nos jardins de infância. A base do trabalho é um projeto democrático

de auto-formação cooperada de docentes e, nas escolas, contextualizado na reflexão dos

professores, conjugado a uma estrutura pedagógica e cultural, alicerçada em valores sociais e

humanos (respeito, solidariedade, tolerância, liberdade, democracia).

Esse Movimento está referenciado no educador francês do início do século XX,

Cèlestin Freinet e se baseia na reflexão dos professores; no respeito às características

individuais e nas aspirações das pessoas que o constituem; na flexibilidade no trabalho,

porque se constrói em permanente autocrítica, alimentado pela reflexão, e, por derradeiro, na

busca de coerência entre meios e fins a que se propõe. Os projetos de trabalho no M.E.M.

representam uma maneira de tomada de consciência (metacognicação) do desenvolvimento e

da dimensão crítica e desmistificadora dos saberes(Gonzáles, 2002; Nizza, 1998).

Outra referência, em se tratando de formação de professores da infância, é a da

Associação Criança, organização fundada em 1995 e originária do Projeto Infância,levado a

efeito no Instituto de Estudos da Criança da Universidade do Minho. Suas finalidades são o

desenvolvimento profissional dos educadores de instituições da primeira infância – públicas,

11 Em termos de políticas públicas, há um trabalho sedimentado em jardins de infância, instituições que atendem crianças de 3 a 5 anos até a entrada na escola primária. As poucas creches existentes são de iniciativa das instituições assistenciais, em convênio com o Estado, através das IPSS – Instituições Particulares de Solidariedade Social, em sua quase maioria mantidas pela Igreja Católica.

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filantrópicas e privadas –, assim como a melhoria dos contextos organizacionais em que

trabalham, possibilitando uma educação de crianças pequenas integrada com as necessidades

dos pais e comunidades em que estão inseridas. Inicialmente, problematizando variados

modelos curriculares para a infância, promovem um processo formativo e de

desenvolvimento profissional com educadores de infância que busca promover condições de

domínio de diferentes gramáticas curriculares. Entre elas se inclui o M.E.M, fundamentando-

se na melhoria da qualidade construída nos diferentes contextos em que se insere a instituição

educacional e no processo de inovação e formação, devendo concretizar-se em mudanças

concretas nas práticas institucionais.

Na perspectiva da Associação Criança, os estilos de interação são aferidos pelo

envolvimento da criança nas atividades e o empenho do adulto. Sugerem três âmbitos

educativos de observação sistemática das práticas educativas dos educadores que atuam com

crianças pequenas: a sensibilidade do adulto para com a criança (com relação ao seu bem-

estar e aos seus interesses pessoais) e o grau de liberdade, autonomia e estimulação que o

adulto lhe oferece. Os processos de investigação sobre a formação inicial de educadores de

crianças pequenas revelaram que a formação é um processo que deve ser construído em

contexto, em ação e com os pares. Nessa experiência formativa, são apontadas temáticas

relevantes para a formação em contexto, a organização pedagógica do ambiente educacional

construtivista, a reconstrução da imagem da criança e do professor, a observação,

planificação e avaliação na educação infantil, as interações educacionais, a equipe

educacional e a colaboração entre família, instituição educacional e comunidade (Oliveira -

Formosinho, 2001).

No Brasil, observamos coexistirirem várias formas de entendimento de como

deve ser formado o educador para atuar com esse segmento etário, as quais são tributárias de

duas histórias que não dialogavam entre si: a história da creche (da área da Assistência Social)

e a história da pré-escola (da área da Educação). Vejamos alguns estudos nesse sentido:

Sobre a formação de profissionais leigos de creches como educador reflexivo,

Leite (1998) analisou uma experiência de formação de profissionais que trabalham com

crianças de 3 a 14 anos em creches e Centros de Juventude mantidos por entidades sociais no

município de São Paulo.

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Os resultados apontaram que a utilização de estratégias formativas foram

fundamentais na redefinição do papel das educadores e na possibilidade de serem autoras de

suas práticas e tornarem-se profissionais reflexivas.

Essas estratégias objetivaram criar situações de tematização da prática

pedagógica envolveram a análise dos registros diários elaborados pelas educadoras, a

observação em sala, seguida de supervisão, a sistematização das orientações pedagógicas

próprias ou de outras educadoras filmadas em vídeo, a observação e a troca de experiências

com colegas mais experientes, a organização do tempo, do espaço e de materiais pedagógicos

necessários ao trabalho, a parceria com instituições culturais, bem como a formação das

coordenadoras pedagógicas e a criação de mecanismos de acompanhamento da prática por

estas profissionais. A autora do trabalho, aponta no final, a necessidade de novos estudos, a

partir de uma atitude investigativa por parte de seus formadores, a fim de compreender como

se dá o processo de construção do conhecimento prático-reflexivo das educadoras e assim

poderem investir na criação de estratégias didáticas que o potencializem.

Angotti (1998), em análise feita sobre a atuação inicial de professoras de pré-

escola, aponta para três momentos diferenciados (antes: na explicitação das expectativas em

relação ao fazer; durante: o momento da efetivação da prática pedagógica docente e o depois:

o momento da revisão sobre o fazer realizado), Esse estudo identificou, com nove professoras

pertencentes a uma mesma instituição, elementos determinantes na construção dos esquemas

práticos de ação docente12. Entre eles, o papel que as crianças assumiram para as professoras

durante o início do efetivo exercício, pelo significado atribuído à prática na construção dos

saberes e no sistema de rodízio de ambientes, definido pela prática organizativa institucional.

Os resultados da investigação revelam a necessidade de se redimensionar o papel do

conhecimento, no trabalho docente pré-escolar, como condição fundamental para a definição

da profissionalidade e do desenvolvimento profissional na educação infantil.

Dias (1997), em pesquisa realizada com o que denominou de protagonistas da

educação infantil, acerca dos saberes essenciais ao educador da primeira infância13, destaca:

12 O conceito de esquemas práticos de ação foi desenvolvido por Sacristán (1988) em referência às tarefas e suas particulares ordenações temporais como elementos reguladores da atuação profissional dos professores e, na medida em que se estabilizam, proporcionam o elenco de esquemas práticos ou de destrezas profissionais ao docente. 13 Trata-se da tese de doutorado de Marina Célia Moraes Dias, intitulada “Saberes Essenciais ao Educador da Primeira Infância: Uma Reflexão na Perspectiva dos seus Protagonistas”, defendida na FE-USP em 1997. Uma

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um profundo conhecimento de si próprio e da criança; o domínio de conhecimentos culturais

e científicos; uma visão crítica e política da realidade; o gostar da criança e compreender sua

forma lúdica e criativa de conhecer, as capacidades de observação e reflexão, de articulação

teórico-prática de maneira dinâmica e criativa e de trabalho em equipe.

Campos (1999), ao analisar modelos de formação de educadores de crianças

pequenas, destaca o modelo inglês, que tem maior ênfase na prática, a exemplo do artesão

que aprende fazendo. O modelo levado a efeito pelos países da Comunidade Econômica

Européia, situados no Norte da Europa, dedica maior tempo para a formação prática. Já o dos

países do Sul, a maior tempo é para a formação teórica. A Espanha apresenta-se como o país

que dedica menor tempo para a formação prática, sendo o Brasil o herdeiro desta tradição. A

autora enfatiza outros aspectos a figurar na formação profissional, tais como, a importância do

conhecimento dos conteúdos do ensino diante do conhecimento dos alunos e de como eles

aprendem, o nível de ensino no qual se deve oferecer o curso de formação, a especialização

por faixa etária da criança e a formação para o trabalho com pais e comunidade.

Novas perspectivas sobre o que seria ensinar e aprender na educação de crianças

pequenas consideram que há uma construção de significações (afetos e conhecimentos) pela

criança desde o nascimento, mediada por parceiros adultos mais experientes. O horário de

atendimento a crianças pequenas nas instituições é um fator que supõe o domínio dos

educadores acerca das propostas pedagógicas das instituições de educação infantil, no

desenvolvimento de um plano de trabalho para atuar no cotidiano, zelando pelo bem-estar,

pelo crescimento, pela aprendizagem e pelo desenvolvimento de todas as crianças. Ações de

integração entre as áreas da Assistência Social, Saúde, Educação e a interação dos serviços

devem caminhar na perspectiva de uma concepção global da criança, que é um ser social,

possui direitos, “um ator social de sua história”

(Forum Paulista de Educação Infantil, 2001).14

Buscar relações entre os atendimentos institucionais em creches, pré-escolas e

séries iniciais do ensino fundamental parece ser uma grande meta a ser alcançada, visando à

construção de uma Pedagogia da Infância, como define Rocha:

das protagonistas pesquisadas é a autora da presente investigação. 14 Publicação feita no livro: Educação Infantil: construindo o presente. Movimento Interfóruns de Educação Infantil no Brasil. Campo Grande, MS: Ed. UFMS, 2002.

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Por ora, a predominância que os estudos da educação brasileira dão à escola indica a

necessidade de enfatizar os contextos não escolares, neste caso, a Educação Infantil, ainda

como forma de fortalecimento e definição de um campo particular, sem perder de vista,

contudo, esses relacionamentos mais genéricos, pois o estudo de uma Pedagogia da

Educação Infantil não pode desvincular-se do âmbito ao qual pertencem: uma Pedagogia da

Infância e a Pedagogia de maneira geral, uma vez que ela mesma inclui diferentes sujeitos e

diferentes contextos educativos. (Rocha, 2001, p.16)

A educação infantil qualificada como primeiro degrau da educação básica aponta

desafios que temos que enfrentar no cotidiano das instituições. Talvez o maior desafio seja a

compreensão do educar, do ensinar e do aprender, desenvolvido através de um olhar

“estranhado”, porque não “habituado” 15 nas relações institucionais cotidianas.

Tal definição tem implicações acerca da formação e do tipo de profissional capaz

de educar e cuidar de crianças pequenas. Necessário se faz aprofundar questões pertinentes às

instituições educativas de maneira geral, tais como: liberdade/subordinação,

dependência/autonomia, atenção/controle, próprias da relação entre infância e Pedagogia,

além de ser necessário ainda estabelecer relações de diferenciação entre a escola e a educação

infantil. Nas palavras de Rocha,

Creche e pré-escola se diferenciam essencialmente da escola quanto às funções que

assumem num contexto ocidental contemporâneo. Em particular na sociedade brasileira

atual, estas funções apresentam, em termos de organização do sistema educacional e da

legislação, contornos bem definidos. Enquanto a escola se coloca como espaço privilegiado

para o domínio dos conhecimentos básicos, as instituições de educação infantis se põem

sobretudo com fins de complementariedade à educação da família. Portanto, enquanto a

escola tem como sujeito o aluno, e como o objeto fundamental o ensino nas diferentes

áreas, através da aula; a creche e a pré-escola têm como objeto as relações educativas

travadas num espaço de convívio coletivo que tem como sujeito a criança de 0 a 6 anos de

idade (ou até o momento em que ela entra na escola). A partir desta consideração,

conseguimos estabelecer um marco diferenciador destas instituições educativas: a escola,

creche e pré-escola, a partir da função que lhes é atribuída no contexto social, sem

15 O termo aqui toma o sentido de habitus definido por Pierre Bordieu como matriz de disposições que predispõem o indivíduo a agir de determinadas formas. In BORDIEU, Pierre. A Economia das Trocas Simbólicas. Tradução Sergio Miceli et alii. SP: Perspectiva, 1998.

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estabelecer necessariamente com isto uma diferenciação hierárquica ou qualitativa. (Rocha,

2001, p.31)

Acreditar que a educadora de crianças pequenas não só é capaz de aprender, de

não só reproduzir modelos, pressupõe mudanças conceituais em torno de todos os envolvidos:

a Universidade, trazendo questões práticas para a investigação teórica; a teoria, por sua vez,

ter sua raiz na prática e as políticas governamentais reconhecerem o papel social dos

profissionais da educação, especialmente das educadoras de crianças pequenas.

Em síntese, o que difere a educadora de crianças pequenas dos demais educadores

se caracteriza pela especificidade da faixa etária das crianças, pela vulnerabilidade da

infância, pela sua forma global de apreensão do mundo e, conseqüentemente, de produzir

conhecimentos. Ser uma profissional capaz de promover múltiplas interações, envolve o

acolhimento e a idéia de pertencimento grupal, a dimensão dos afetos e significações, a

integração das necessidades das crianças e suas famílias aos propósitos do trabalho

desenvolvido, um novo dimensionamento do ensinar e do aprender, a permanente reflexão

sobre os propósitos que guiam suas ações, as concepções que dão suporte às mesmas e, não

menos importante, o estímulo à construção de um processo de identidade profissional, que

possa conduzi-la ao confronto com seu próprio percurso formativo e suas significações

produzidas ao longo da vida.

Além dessas, outras características que devem guiar a formação dos educadores

para qualquer segmento etário, como o empenho e envolvimento com os educandos, a

necessária formação ética aliada à responsabilidade social de ser formador em um mundo

complexo como o mundo atual, e, em especial, exercer papel ativo na construção coletiva do

trabalho com os pares e equipe da unidade educacional, ter o domínio de saberes culturais e

científicos e saber articular a teoria e a prática, entre outros qualificativos.

Reflexão, processo criativo e compartilhado de construção de conhecimentos,

mobilização dos saberes da experiência, parecem ser estas as condições básicas a figurar na

formação dessas educadoras. Aprendendo a reconhecer-se, admitir-se, construir autonomia de

pensamento, e protagonizar suas práticas, ter autoria sobre os atos de educar e de ensinar e de

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aprender e, sobretudo, ter garantido o acesso ao que é considerado elementar em termos de

conhecimento para a efetivação do ensino, a educação básica.

Entendemos que só será possível para uma educadora oferecer ferramentas e a

criação de um espaço de conhecimento entre crianças pequenas, se ela própria tiver acesso a

espaços de aprendizagem/julgamentos, desenvolvendo uma postura contínua de aprendiz, que

resultará conseqüentemente em modos de ensinar e aprender análogos. Em um momento em

que a educação infantil finca suas bases de sustentação como a porta de entrada da educação

básica, direito da criança e opção da família, tais ações podem colaborar para o retrocesso de

conquistas duramente alicerçadas no âmbito legal. Pesquisas acerca da formação de

profissionais de creche sobretudo, dão conta de um quadro de insuficiências na formação

inicial e na formação continuada desses profissionais (Gusmão,1997; Kramer, 1995, 1993).

A formação – enquanto ação que dá forma – é relevada neste trabalho, traduzida

na construção de processos de identidades profissionais, conduzida através das ações de

formação das estagiárias (formação universitária) e das educadoras das instituições de

educação infantil, colaboradoras da pesquisa (formação contínua).

Dessa maneira, a construção de uma identidade da área da educação infantil

contemplando as histórias pessoais e profissionais de educadores que atuam em creches e pré-

escolas está para ser construída, uma vez que tais instituições originam-se de demandas que

percorreram percursos diferentes em seus processos de efetivação e o diálogo entre as duas

ainda está dando os primeiros passos.

Uma contribuição que o presente trabalho poderá oferecer nessa direção é o de

apontar o caminho de construção das identidades profissionais no âmbito da educação de

adultos, considerando que os processos formativos ocorrem num conjunto de espaços sociais

e culturais em que as experiências de vida se entrecruzam com os percursos pessoal e

profissional. Antonio Nóvoa pergunta: Quem forma o formador?16 E responde que o formador

se forma a si próprio (na reflexão sobre os seus percursos pessoais e profissionais : auto-

formação); ele forma-se na relação com os outros, numa aprendizagem conjunta que apela à

consciência, aos sentimentos e às emoções : eco-formação; e ele forma-se através das coisas

(saberes, técnicas, cultura, artes, tecnologia) e da sua compreensão crítica : hetero-formação.

16 Em prefácio do livro de Christine Josso. “Experiências de Vida e Formação”. Lisboa: Educa, 2002.

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Nessa dimensão, trazer o sujeito ao centro da cena, apresenta-se ao mesmo

tempo como uma maneira de apreender/ aprender, e que é, conseqüentemente, uma ação de

formação e de pesquisa.

Recuperando o caminho para a compreensão do conceito de Identidade

profissional em Educadoras de Crianças pequenas, podemos assinalar que a apreensão desse

movimento implica em situar a construção profissional de ser educadora, como condição

profissional, independente da instituição de trabalho ser creche ou pré-escola. Permeadas na

dinâmica de construção dessas identidades parecem estar implicados alguns elementos, tais

como: as subjetividades, o sentimento de pertencimento a um grupo profissional, as diversas

maneiras de desenvolvimento profissional, os saberes que são desenvolvidos nessas práticas,

além da afetividade e das significações, tanto para a criança, quanto para a educadora.

Nessa construção de ser educadora de crianças pequenas, a formação

universitária representa uma parte importante dessa trajetória, qualificando e valorizando

profissionalmente as educadoras desse ofício. Nessa formação universitária, o momento de

contato com o campo de trabalho, através do conhecimento institucional, do exame e da

problematização das práticas ali desenvolvidas, representa uma etapa formativa essencial.

O estágio apresenta-se, então, como uma das possibilidades de reflexão entre

teoria e prática e de ação profissional qualificada na área da educação infantil. Ocupar-nos-

emos da reflexão sobre ele nos cursos de formação de educadores de crianças pequenas no

próximo capítulo, apresentando uma alternativa de formação universitária, em diálogo com a

formação contínua dos educadores em serviço.

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Capítulo 2 O papel do estágio na relação entre a Formação Inicial e a Formação

Contínua

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O aprendizado é como o horizonte, não há limites.

(provérbio chinês)

A formação universitária é um nível desejado para a formação de educadoras de

crianças pequenas, vindo a atender antiga reivindicação dos movimentos de educadores que

preconizam ser a formação em nível superior a mais adequada para o professor que vai atuar

em todos os níveis educacionais. Concordamos com essa firmação com relação ao que a

formação universitária contribui em termos de acesso aos saberes culturais elaborados e a

pesquisa.

Interessa-nos neste capítulo problematizar algumas questões acerca do tipo de

formação universitária levada a efeito pelas instituições formadoras em geral, e sua real

contribuição na formação de quem vai atuar com crianças de zero a seis anos em instituições

de educação infantil, apresentando o estágio como uma atividade de aproximação com o

campo profissional.

Nessa perspectiva, procuraremos relacioná-lo à formação universitária e à

formação contínua por tratar-se de uma forma de inserção profissional com o mundo do

trabalho e com a área específica de atuação profissional, de possibilidade de conexão entre a

teoria estudada e a prática observada nas instituições que acolhem as estagiárias,

configurando-se, dessa forma, como um passo importante na construção das identidades

profissionais

2.1. Onde começa e onde termina a formação?

Como já tivemos oportunidade de assinalar, sabemos pela literatura existente sobre

o assunto e por recorrentes inventários produzidos entre estudantes17 e, sobretudo, pelo que a

escola produziu em nós mesmos, que a instituição escola forma também pela significação que

os estudantes atribuem ao seu percurso formativo.

17 Devemos salientar, nesse sentido, as pesquisas levadas a efeito por Maria Isabel Cunha e outros pesquisadores do tema, assim como ações que temos desenvolvido desde 1997, com estudantes de Licenciaturas de maneira geral, sobre o papel da escola em seus percursos formativos.

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No caso dos profissionais da educação, essa matriz identitária enquanto estudante

funciona como uma pré-profissionalização que vai marcá-lo em sua futura trajetória

profissional.

Diferentemente do conhecimento acerca de outras profissões, no caso do professor,

todos invariavelmente passamos pela escola, e desenvolvemos maneiras de construir relações

com ela, que inegavelmente pode servir para guiar futuras atitudes e práticas profissionais.

Tardiff (1999), em análise acerca dos saberes profissionais em relação com os

conhecimentos universitários em cursos de formação de professores, aponta alguns problemas

existentes nessa formação, como o modelo aplicacionista, que não considera a complexidade

do pensamento humano, que não é auto aplicável, nem os filtros cognitivos, sociais e afetivos

desenvolvidos pelos estudantes ao longo de sua formação e que permanecem fortes e estáveis

ao longo do tempo, podendo terminar a formação sem terem sido abalados em suas crenças,

podendo ser reatualizadas em contato com a prática.

Segue o autor definindo pelo menos três características dos saberes profissionais de

professores, resultado de recentes pesquisas desenvolvidas. A característica inicial é o tempo.

Para o autor, os saberes são temporais, desenvolvidos ao longo do tempo. Em suas palavras,

Uma boa parte do que os professores falam sobre o ensino, sobre os papéis do professor e

sobre como ensinar provém de sua própria história de vida, e sobretudo de sua história de

vida escolar. Os professores são trabalhadores que foram mergulhados em seu espaço de

trabalho durante aproximadamente 16 anos (em torno de 15 mil horas), antes mesmo de

começarem a trabalhar. (Tardiff, 1999, p.14)

A segunda característica é o “tempo na profissão”:

Ainda hoje, a maioria dos professores aprendem a trabalhar na prática, às apalpadelas, por

tentativa e erro. É a fase de exploração, caracterizada pela aprendizagem intensa do ofício.

Essa aprendizagem, freqüentemente difícil e ligada àquilo que denominamos sobrevivência

profissional, quando o professor deve dar provas de sua capacidade, ocasiona a chamada

edificação de um saber experiencial, que se transforma muito cedo em certezas

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profissionais, em truques de ofício, em rotinas, em modelos de gestão da classe e de

transmissão da matéria. (Tardiff, 1999, p.14)

E a terceira e última é o “desenvolvimento no âmbito da vida profissional”, de

longa duração, do qual fazem parte dimensões identitárias e dimensões de socialização

profissional, bem como fases e mudanças,

A equipe de professores da escola, a direção do estabelecimento etc.- exigem que os

indivíduos se adaptem a eles e não o contrário. Em termos profissionais e de carreira, saber

como viver em uma escola é tão importante quanto saber ensinar na sala de aula. (Tardiff,

1999, p.14)

Ao lado dessas definições, cumpre-nos esclarecer os termos que estamos

utilizando:

Por Formação Inicial estamos entendendo os requisitos básicos para o exercício

na profissão. No caso da educação infantil, a formação inicial exigida legalmente é a

educação superior, aceita a modalidade de nível médio. Utilizaremos a expressão “formação

universitária” por entender que não se trata de formação inicial, por duas razões. Em primeiro

lugar, porque a estudante não está sendo iniciada na educação ao adentrar no ensino superior,

pois ela traz uma experiência como estudante, construída desde o primeiro dia em que pisou

em uma escola, que em muito contribui para a significação pessoal do que é ser educador. Em

segundo lugar, porque em cursos superiores de educação, podemos encontrar pessoas que já

realizaram Curso de Magistério (nivel médio), de maneira que não se configura como

formação inicial.

No que se refere à Formação Contínua, originalmente tal conceito advém do

conceito de Educação Permanente, surgido na Europa como necessidade dos países pós-

guerra de superar os limites da educação formal. Entendido ainda como um processo

ininterrupto de aprofundamento, diferentes nomenclaturas servem para designá-lo:

reciclagem, treinamento, aperfeiçoamento, capacitação, cursos esporádicos de curta duração

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que, de maneira geral, propostos pelas equipes técnicas e de gerência administrativa, são

desvinculados das necessidades de formação dos reais agentes educacionais.

Os estudos sobre formação de professores desenvolvidos nos anos 90 procuram

traduzir uma perspectiva de formação ao longo da vida. No cenário de reformas educacionais

havidas nesse período, as políticas de formação têm deslocado essa formação para o âmbito

pessoal, isso por um lado, pode ter representado a desresponsabilização dos órgaõs

governamentais com programas de formação. Por outro lado, assinala a dimensão de co-

responsabilização de cada um no seu processo formativo.

Nunes (2000) realizou uma investigação com o objetivo de buscar consensos

sobre os conceitos de Formação Inicial e Formação Contínua de professores no Brasil,

apresentando perspectivas nacionais e internacionais sobre o tema. O quadro conceitual que

construiu explicita que a Formação Contínua se apresenta como um dos consensos presentes

no cenário político global e tece, a partir daí, uma crítica às ações nesse âmbito, organizadas

na forma de treinamento rápido18.

A autora identificou que os professores apresentam dificuldades em apontar e

priorizar suas reais necessidades formativas. Segundo Nunes, isso ocorre num contexto de

fracasso do modelo de Formação Contínua clássica, trazendo à tona a emergência de uma

nova concepção, através da produção do professor e do ensino reflexivo (Zeichner, 1993,

Pérez-Gómez (1992), Schön (1992), Nóvoa (1992), Alarcão (1996). Conclui afirmando que

as ações de Formação Contínua devem ser organizadas no próprio ambiente de trabalho do

professor; ações diversificadas devem corresponder às necessidades formativas dos

professores, originadas nos problemas que vivenciam no exercício do trabalho; a necessidade

de reconhecimento e valorização dos saberes dos professores; a instituição de grupos de

estudos e pesquisas nas escolas para a discussão e reflexão da/na prática pedagógica do

professor; programas de Formação Contínua articulados ao Projeto pedagógico da escola de

forma coletiva; revisão dos procedimentos de ascensão na carreira do Magistério tendo o

critério de titulação como um fim em si mesmo.

18 Pablo Gentili tem utilizado o termo Pedagogia fast food para se referir ao aligeiramento da formação contínua de professores como prática corrente nas reformas educacionais ditadas pelo modelo neoliberal.

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Ainda conforme Nunes, o ‘locus’ privilegiado para o desenvolvimento de ações

de Formação Contínua seria o deslocamento do polo: Universidade/ Secretarias de Educação

para a Escola, salientando a importância dos professores aprenderem na escola, como espaço

de referência para a definição de programas de Formação Contínua, por ser o local que

possibilita a vivência de situações peculiares ao trabalho docente, sendo possível identificar a

complexidade dos problemas, limites e incertezas do fazer pedagógico.

A propósito, Dutoit (1995), em pesquisa realizada na Creche Central da

Universidade de São Paulo, trata do percurso da formação do educador através da dinâmica de

construção do projeto educacional da instituição. Sua incursão nesse cotidiano evidenciou

que a identidade da creche e o papel do educador são definidos através do projeto

educacional, cujos princípios explicitam, na prática, a função da creche e as concepções de

educação e de infância. O estudo revela ainda como as propostas de trabalho, desenvolvidas

com as crianças, geram conteúdos para a formação dos educadores, apontando a interação

como eixo orientador das ações voltadas tanto para a formação das crianças como dos

educadores. O posicionamento legitima, dessa forma, o coletivo de educadores como

instância fundamental para a sustentação do projeto educacional, coletivo que se constrói

através da identidade de seus sujeitos e definição de suas funções, na composição de um

organismo vivo, complexo, que é a creche.

Buscar os elos constitutivos da relação entre Formação Universitária e Formação

Contínua se apresenta como um dos eixos da presente investigação, identificando tempos

diferentes que poderão ser processados em um mesmo espaço. O tempo da formação

universitária caminhando junto com o tempo da formação contínua. A Formação

Universitária estará representada pela presença das estagiárias do Curso de Pedagogia –

Habilitação em Educação Infantil - nos Encontros de Pesquisa/Formação e a Formação

Continuada será representada pelas educadoras que já exercem o seu ofício nas instituições de

educação infantil-campo de estágio/ pesquisa.

Sobre Formação Contínua/ Continuada, Collares, Moysés & Geraldi (1999) e

Marin (2000), entre outros, insistem na necessidade de haver maior aprofundamento do tema.

Vários autores que se debruçaram em estudos sobre a formação de professores consideram

que não há um consenso produzido acerca dos termos utilizados

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Á título de exemplo, seguem duas definições para os termos:

Alarcão define,

Formação Continuada como o processo dinâmico por meio do qual , ao longo do tempo,

um profissional vai adequando sua formação às exigências de sua actividade profissional.

(Alarcão, 1996, p.100)

Por outro lado, para Lima,

Formação Contínua é a articulação entre o trabalho docente, o conhecimento e o

desenvolvimento profissional do professor, como possibilidade de postura reflexiva e

dinamizada pela práxis. (Lima, 2001a, p.30)

Identificamo-nos com a última definição por entender que mais que um ajuste

interno do sujeito às exigências externas requeridas para o exercício de determinada atividade

profissional, o que está em questão é a capacidade do profissional em produzir reflexão e re-

significação de suas práticas, podendo transformá-las.

Se entendemos que todo conhecimento é auto-conhecimento, então toda formação

é auto-formação, ou seja, novamente tem-se aqui o sentido de dar forma/ contorno aos

projetos formativos individuais. Assim, concordamos com A . Nóvoa (2002) em sua

afirmação de que “formar é formar-se” e que o ofício de formador é mais do que fazer, ser, é

tornar-se, o que corrobora com as definições de Paulo Freire de que “ninguém educa

ninguém, os homens se educam em comunhão” ( Freire, 1997).

2.2. O estatuto da prática em cursos de formação de professores

Há quase uma unanimidade sobre este tema se considerarmos a produção teórica e

a análise sobre a forma de organização dos cursos de formação de professores em nível

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superior: a dimensão prática tem sido relegada a segundo plano no conjunto da formação

geral desses profissionais.

Alguns autores entendem que o tema da formação prática dos professores na

universidade priorizou a teorização em detrimento das preocupações inerentes às práticas

profissionais. Formosinho (2000), Tardiff, Lesard e Gauthier, (1999) destacam em seus

estudos que a docência é essencialmente uma atividade de serviço e que o professor, além de

especialista numa área do saber, é um profissional de ajuda, um agente de desenvolvimento

humano, o que implica num desempenho intelectual, técnico, relacional e cívico19, construído

no compromisso com os outros. As formas de regulação interna e externa da formação de

professores guardam diferenças se comparadas à regulação em outras profissões, pelas

especificidades da docência como profissão e dos contextos sociais e das políticas educativas.

Para os autores referidos, uma formação essencialmente teórica não dá conta de

promover a base pela qual os professores construirão condições para a efetivação de uma

escola básica para todos. Citam como componentes da formação prática dos professores: o

desempenho do ofício de aluno, a prática docente dos seus formadores e a prática pedagógica

como iniciação dos estudantes na área profissional, juntamente com o desenvolvimento de

competências práticas inerentes a um desempenho docente adequado e responsável. Da

aprendizagem do ofício de estudante ao aprendizado do ofício de professor, caberia às

instituições formativas a análise destas aprendizagens e a incorporação nos processos de

formação universitária, visando reconstruir a imagem que os estudantes já têm do ofício de

professor.

Formosinho (2000), assume a prática pedagógica como componente pleno de

formação, intencional e profissionalizante, considerando o estudante como futuro/potencial

profissional e os professores do curso como formadores assumidos, diferente da condição

academizante em que apenas uma minoria afirma-se como formador. Quanto mais acadêmica

for a cultura da instituição formadora, maior será a distância entre as disciplinas curriculares e

a prática pedagógica, assim como menor será a interação e maior a diferença de estatuto entre

os diversos tipos de formadores envolvidos.

19 O termo cívico para os portugueses atualmente tem uma conotação de solidário, um compromisso com a sociedade manifestado em ações sociais “cívicas”.

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Há ainda, nessa perspectiva, a necessidade de uma estreita ligação entre os

propósitos e feitos da instituição formadora com os professores das instituições que recebem

os estagiários. Sobre o estatuto dos professores de práticas, Formosinho afirma a esse

respeito que,

O estatuto dos defensores da lógica profissional em cada instituição depende de vários

factores e reflecte o peso respectivo de cada uma das lógicas na vida da instituição. Mas a

carreira acadêmica dos professores de práticas depende de haver posições formais alocadas

para as áreas de didáctica (ou metodologia) específica e de supervisão das práticas, pois são

as áreas inequivocadamente profissionalizantes do curso. Assim, esta alocação formal deve

ser considerada um indicador da existência de uma lógica profissional, ou, pelo menos, da

coexistência, na mesma instituição, da lógica profissional com a lógica acadêmica.

(Formosinho, 2000, p.17)

Sobre o estatuto dos professores cooperantes, como profissionais no campo que

recebem os estudantes de formação universitária em suas salas e os acompanha, orientando

nas atividades de iniciação ao mundo da profissão docente, o autor evidencia a importância de

procedimento semelhante na formação profissional dos professores. Para ele,

No processo academizante prevalecente, a interacção dos professores cooperantes com a

instuição de ensino superior é, freqüentemente, restrita à interacção com os professores de

práticas. Os professores cooperantes, de um modo geral, não têm assento nos órgãos onde

se define a política da escola nem participam (significativamente) nas (re)formulações

curriculares; muitas vezes não têm assento no Conselho Pedagógico. Embora geralmente

tenham preferência na admissão a certos cursos, é freqüente não receberem outro tipo de

benefícios académicos ou profissionais da instituição de formação, como subsídio para

frequência a congressos, incentivo para a apresentação de comunicações. Nalguns casos, a

instituição não se preocupa com a sua formação específica para o desempenho da tarefa.

(Formosinho, 2000, p.18)

No Brasil, as últimas orientações oficiais do Ministério da Educação através da

Resolução CNE/CP n. 1 do Conselho Nacional de Educação, para a formação de professores

da escola básica, também salientam a premência de articulação das instituições formadoras

de ensino superior com as instituições escolares,

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artigo 7º - A organização institucional da formação dos professores, a serviço do

desenvolvimento de competências, levará em conta que:

IV – as instituições de formação trabalharão em interação sistemática com as escolas de

educação básica, desenvolvendo projetos de formação compartilhados.20

Sabemos da dificuldade em operacionalizar essa parceria, considerando que as

instituições formadoras de nível superior estão ainda se debatendo mais em torno de questões

internas do que externas a ela e que, na sua história, sempre ocuparam na hierarquia do saber

um papel predominante, prescritivo e distanciado das escolas de educação básica. Da parte

dessas instituições, a demanda por ações de formação contínua também traduz essa

perspectiva, por se tratar da maneira conhecida de formação. Faz-se necessária, dessa

maneira, a busca de alternativas de formação que construam um diálogo profícuo entre as

duas instituições que são formadoras, na condição de “comunidades aprendentes”.

Em seguida, outra Resolução institui, ainda, a forma de operacionalização desses

cursos, como segue:

Artigo - 1º A carga horária dos cursos de Formação de Professores da Educação Básica,

em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, será efetivada mediante a

integralização de, no mínimo, 2800 horas (duas mil e oitocentas) horas, nas quais a

articulação teoria-prática garanta, nos termos dos seus projetos pedagógicos, as seguintes

dimensões dos componentes comuns:

I – 400 (quatrocentas) horas de prática como componente curricular, vivenciadas ao longo

do curso;

II – 400 (quatrocentas) horas de estágio curricular supervisionado, a partir do início da

Segunda metade do curso;

III – 1800 horas (mil e oitocentas) horas de aulas para os conteúdos curriculares de natureza

científico-cultural;

IV – 200 (duzentas) horas para outras formas de atividades acadêmico-científico-culturais.

20 In Resolução CNE/CP nº 1, de 18 de fevereiro de 2002, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena.

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Parágrafo único: Os alunos que exerçam atividade docente regular na educação básica

poderão ter redução da carga horária do estágio curricular supervisionado até o máximo de

200 (duzentas) horas.

Artigo 2º - A duração da carga horária prevista no artigo 1º desta Resolução, obedecidos os

200 (duzentos) dias letivos/ano dispostos na LDB, será integralizada em, no mínimo, 3

(três) anos letivos. 21

Observa-se, nesse preceito legal, uma total coerência entre as perspectivas de

formação universitária e o ajuste ao mercado de trabalho. Ao não qualificar os termos

“prática”, “outras formas de atividades acadêmico-científico-culturais” e restringir a formação

teórica aos “conteúdos curriculares de natureza científico-cultural”, possibilita uma variedade

de leituras e significações para os mesmos da parte das instituições formadoras, podendo

representar um agravamento da qualidade dos cursos de formação que poderão se pautar em

interpretações superficiais desses dispositivos legais.

Essas disposições legais estão sendo objeto de apreciação por parte do novo

governo federal, que tem privilegiado o debate com as diferentes instâncias representativas da

Educação, no sentido de definir os rumos da educação brasileira, de maneira que será

necessário um período de nova estabilização para que o entendimento se faça, uma vez que

tais Resoluções foram gestadas em outro cenário político, carecendo hoje de tomada de

decisões.

Acreditamos ainda que toda mudança, em especial nas políticas públicas

educacionais, uma área social que historicamente tem sido muito refratária às mudanças,

supõe considerar as “culturas” que são desenvolvidas nas instituições educacionais, aliado a

uma análise criteriosa das condições de trabalho e de exercício do fazer docente das duas

instituições educacionais envolvidas (a instituição formadora em nível superior e as

instituições educacionais de educação básica), a um conjunto de ações de apoio à

implementação dessas mudanças para que essas ocorram de fato, para além do plano legal.

Novamente convém considerar as diferenciadas alternativas existentes e sua análise, de modo

a se valorizar as experiências exitosas e que podem ser aprimoradas.

21 In Resolução CNE/CP 2, de 19 de fevereiro de 2002, que institui a duração e a carga horária dos cursos de licenciatura, de graduação plena, de formação de professores da Educação Básica em nível superior.

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Na perspectiva do desenvolvimento humano, aplicado ao campo da formação de

educadores de crianças pequenas, o tema Supervisão na formação de professores ganha

destaque entre pesquisadores americanos e europeus.

Entende-se a supervisão como um processo sistemático de apoio, suporte e

orientação de uma educadora mais experiente e especializada para fazer a sua aprendizagem

profissional, em diálogo-comunicação com a instituição em que a aluna de práticas está sendo

formada, com uma abertura à comunidade e à cultura envolventes. Um outro processo que

ocorre em paralelo é o de integração de outras dimensões como o currículo, o processo de

ensino-aprendizagem, a sala de atividades e a escola, a sociedade e a cultura.

O modelo ecológico de supervisão se apresenta como uma maneira de promover o

estudo das interações entre a estagiária e o ambiente em transformação em que ela está a se

profissionalizar. Com base na teoria do desenvolvimento humano de Bronfenbrenner (1979),

busca-se evidenciar esses processos de interação, definindo o “ambiente ecológico” como um

conjunto de estruturas concêntricas22 em interação. Aplicado à realidade do estágio, tal

modelo se constrói com base no reconhecimento da importância dos contextos

profissionalizantes significativos da estagiária: a instituição de formação, a sala de educação

de infância e a instituição de acolhimento; o reconhecimento da importância das interações e

comunicação entre esses contextos profissionalizantes; o reconhecimento da importância da

influência de outros contextos culturais e sociais mais vastos nesses contextos

profissionalizantes mais próximos.

Evidencia-se nessa perspectiva, um “processo para promover processos” que

envolvem a ação comunicativa profissional e profissionalizante, requerendo saberes e

crenças, idéias e valores, realizações e reflexões, em processo evolutivo e dinâmico, o

entendimento de que as finalidades que o orientam – aprendizagem e o desenvolvimento das

crianças, a colaboração com as famílias e as comunidades – exigem abertura e rigor na análise

22 Para esse autor, tais estruturas consideram o microssistema: o local onde os sujeitos podem estabelecer relações face a face: a casa, a escola, o emprego, vivenciando uma variedade de atividades, papéis e relações; o mesossistema: o complexo mundo das inter-relações entre os microssistemas. Seria um sistema de microssistemas ; o exossistema se refere aos contexto que, mesmo que não experenciados diretamente são palco de situações que afetam ou são afetados pelo que ocorre nos micro e mesossitemas; e o macrossistema: se refere as crenças, valores, hábitos, formas de agir, estilos de vida que caracterizam uma determinada sociedade e são veiculados pelas outras estruturas: micro, meso e exossistemas.

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das suas realizações e, principalmente, a vivência da mediação interpessoal para a construção

da ação profissional comunicativa (Oliveira -Formosinho, 2002).23

2.3. O estágio: um passo decisivo na construção identitária

Historicamente, o estágio foi encarado pelas instituições formadoras como um “mal

necessário”, o momento em que o estudante/aprendiz toma contato com a realidade presente

nas escolas. Circunscritas ao âmbito da unidade educacional, ficavam desviadas assim as

relações e determinações daquela realidade com a sociedade e o sistema educacional como

um todo.

Pimenta (1994), em estudo sobre o estágio na formação de professores do

Magistério nos CEFAMS,24 como unidade entre teoria e prática, defende que os cursos que

formam professores devem prepará-los para uma prática transformadora. Nessa direção, é

determinante, na operacionalização do curso, a tradução dessa direção de sentido no projeto

pedagógico e na proposta educacional, como atividade instrumentalizadora da práxis, fazendo

uso das contribuições da Pedagogia e da Didática, alicerçado na dialética, na pesquisa das

práticas e organizado de maneira articulada do ponto de vista curricular.

Refletindo sobre o estágio na formação docente, Lima (2001b) defende a

construção de uma postura como educador que tem uma perspectiva utópica, integradora e de

atuação competente, construídas com base na realidade, através de uma atitude crítico-

filosófica, destacando ser necessário uma revisão de conceitos pré-estabelecidos sobre o que

é ser professor e o seu papel, assim como o da escola na sociedade atual. Nessa dialética

existente entre ensino e aprendizagem, a autora acrescenta que,23 Tivemos a oportunidade de vivenciar esse processo de supervisão levado a efeito pelo Instituto de Estudos da Criança (IEC) da Universidade do Minho em Portugal no início do corrente ano, em viagem de estudos/estágio, acompanhando algumas reuniões de professores do IEC, reuniões conjuntas entre supervisoras do IEC e supervisoras cooperantes (dos jardins de infância que acolhem as estagiárias) e especialmente, no acompanhamento de uma estagiária em uma sala de jardim de infância, fazendo uso para esse propósito de observação participante e entrevista. Pudemos assim evidenciar na prática que os pressupostos teóricos de supervisão se desenvolvem de forma coerente com a formação desejada. A coerência parece ser a palavra-chave que perpassa todo o processo formativo. As interações produzidas entre os diferentes sistemas eram visíveis e tema de re-construção em diálogos permanentes que mantivemos com a professora responsável pela sala, as auxiliares de ação educativa, a própria estagiária e as professoras do IEC, em especial a Profa. Dra. Júlia de Oliveira Formosinho.24 CEFAM – Centro de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério – Projeto do governo estadual paulista que funcionou da década de 80 até os dias de hoje e atualmente encontra-se em fase de revisão. A intenção inicial do projeto era formar um professor capaz de transformar o meio social (Pimenta, 1992).

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O estágio não é a hora da prática! É a hora de começar a pensar na condição de professor na

perspectiva de eterno aprendiz. É hora de começar a vislumbrar a formação contínua como

elemento de realimentação dessa reflexão. (Lima, 2001b, p. 16)

Alarcão (1996), assinalando o caráter reflexivo dos programas de supervisão de

professores, recorre a Smyth (1987, p.102-104) para se referir à necessidade de

questionamento sobre a validade ética de certas práticas e crenças, como maneira de restituir

ao professor o seu papel de intelectual. Devem por isso fazer perguntas que procurem

desvendar as forças sociais, culturais e políticas que têm vindo a moldar o ensino e que

impedem os professores de mudar as práticas mais enraizadas. Sugere as “perguntas

pedagógicas”, que podem assumir diferentes níveis de reflexão,

- a descrição: O que faço? O que penso? descrição das práticas formativas em forma de

narrativa que colaboram para a reorganização da experiência de ensino, recordando o que

foi feito e objetivando-o de modo a poder trabalhar sobre um discurso mais organizado;

- a interpretação: O que significa isto? Ajuda a descobrir os princípios que informam as

práticas, as teorias subjacentes, através do diálogo consigo próprio e com os outros. Busca

do entendimento da natureza das forças que o levam a agir do modo como age;

- o confronto: Como me tornei assim? Através da consideração de concepções e práticas

alternativas, busca-se o questionamento das teorias subjacentes ao seu ensino. Início da

percepção de que elas não são construções individuais, mas antes, produtos de normas

culturais com raízes profundas;

- a reconstrução: Como poderei me modificar? Pela reconstrução das suas crenças, o

professor poderá alterar suas práticas, percebendo que o ensino é contestável em sua

essência. O professor dessa forma, vai ganhando controle sobre sua forma de ensinar,

podendo escolher o que é melhor para sua prática, tornando-se ele também gerador de

teorias. Aproxima-se a teoria da prática, o pensamento da ação, o mental do manual, o

professor do investigador.

Perguntas essas que podem ser utilizadas de forma análoga em um trabalho

reflexivo, com as estagiárias, na Formação Contínua nas instituições-campo de estágio, ou

seja, sair da abordagem do senso comum, e ir além das evidências de maneira a possibilitar

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que sejam aproximadas as teorias, concepções de ensino e de aprendizagem que dão suporte

as práticas observadas.

No cenário das perspectivas de formação baseadas na reflexão, o estágio

entendido como uma ação de prática de ensino e/ou acesso à realidade educacional presente

nas instituições de educação ou nos sistemas de ensino, configura-se como uma atividade de

relação teoria e prática e uma estratégia de trabalho coletivo em cursos de formação inicial.

Para essa ação, necessário se faz o desenvolvimento de atitudes25:

- crítico- filosóficas : que o aluno/ futuro profissional da educação faz da atuação

profissional. A base para essa atuação encontra-se no entendimento do exercício da ética,

da técnica (não neutra), da estética e da política (Rios, 2001). Estando atento às

modificações que se fazem no e a partir do trabalho docente. O debate sobre a função

social da escola, a ação pedagógica desenvolvida entre os educadores, crianças, pais e

população local, em um processo contínuo de ação- reflexão- ação, é objeto de análise

nessas atividades. Outro tema central no desenvolvimento dessas atitudes refere-se ao

estudo da organização do projeto coletivo da instituição educacional como condição

indispensável para a concretização de uma escola participativa, educadores que tenham

pontos de chegada comuns, buscando consensos, construindo alternativas de inclusão e de

democratização da escola, pensando, realizando, avaliando e redefinindo juntos o processo

educacional e pedagógico;

- de proposição: visando à superação dos problemas/ dificuldades identificadas no cotidiano

das instituições educacionais e do sistema como um todo. O estímulo ao trabalho com

conteúdos concretos indissociáveis da realidade social, advindos da observação, seguidos

da problematização com vistas a fugir do julgamento de senso-comum, a caminho de uma

interpretação científica das realidades observadas de forma contextualizada em suas

múltiplas dimensões, de forma a construir um diálogo contínuo entre a instituição

formadora de nível superior e as instituições-campo de estágio;

- Além dessas atitudes - habilidades de pesquisa: através do desenvolvimento da

observação, da coleta de dados, da análise e interpretação dos mesmos, do diálogo com

as teorias, estabelecendo relações entre a instituição formadora de nível superior e as

instituições-campo de estágio.

25 Essa é a perspectiva que temos desenvolvido para o estágio no Curso de Pedagogia do Centro Unievrsitário da Fundação Santo André e consta no Projeto Pedagógico do curso.

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Vivemos um contexto de mudanças no mundo do trabalho, levadas a efeito a

partir dos anos 90, traduzidas na reestruturação produtiva, na precarização das relações de

trabalho, na flexibilização do mercado de trabalho e na desregulamentação das profissões. Tal

condição tem, como implicações, alterações na qualidade formativa dos estágios como

possibilidade de inserção no campo profissional e como porta principal na construção da

identidade profissional.

No atual contexto social, cabe às instituições de ensino superior um papel

fundamental no âmbito educativo da formação prática, criando condições para a formação de

cidadãos e profissionais dos vários campos do saber, através de uma formação alicerçada em

convicções humanas e comprometida com uma sociedade menos desigual, ao mesmo tempo

em que co-responsabiliza o estudante pela sua própria formação e valorização profissional.

Faz-se necessária a observação clara e atenta por parte da instituição formadora e do

estagiário das dissimulações presentes nas práticas de várias áreas profissionais e as

armadilhas em que eventualmente os estudantes/estagiários poderão se envolver no campo

profissional26.

Temos uma tradição de formação em nível superior, cuja base de organização

curricular e pedagógica está pautada em uma visão positivista de educação, que fragmenta o

conhecimento. Nessa tradição de formação, os currículos se organizam de maneira geral, em

áreas de fundamentos, de conhecimentos básicos, seguido de conhecimentos técnicos e

finalmente a ida a campo que se materializa, ao final do curso, através do estágio no último

ano. Observa-se, assim, uma maneira explícita de polarizar a teoria e a prática, o pensar e o

fazer, ou ainda: uma teoria que apreendida pelo estudante se aplicaria ao real, que é

complexo, um real que, como sabemos, está condicionado às circunstâncias materiais de

26 Nos vários campos do saber tem sido comum a utilização do estagiário como substituição de mão-de-obra, por vezes até desenvolvendo tarefas completamente diferentes daquelas inerentes à sua área. Na área da educação, isso é um fato e na educação infantil, as Prefeituras Municipais da região do ABCD, a exemplo de outras, nos últimos anos, pós advento do FUNDEF – Fundo de Manutenção do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, Lei Federal 9424/96, que estimulou na prática a municipalização das séries iniciais do ensino fundamental, usam desse expediente para poderem ter quadros regulares nas instituições educacionais que, em alguns casos, substituem os profissionais da educação em seus impedimentos de afastamentos e doenças, numa atitude de clara desqualificação profissional e de desrespeito ao processo formativo, ao não possuírem estrutura interna para desenvolver essa função fundamental do estágio que deveria compreender um processo de supervisão (acompanhamento e avaliação do estagiário de forma conjunta com a instituição formadora).Em conversas informais com estagiários que cumprem tais funções, ouve-se que eles se auto-intitulam ‘escraviários’.

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trabalho e é, em grande parte, aprendido no próprio fazer. Sabemos que a complexidade do

real não se limita à teoria.

Por atividade prática se concebe a ação efetiva do ser humano sobre o mundo,

resultando em uma transformação real deste. A atividade teórica, por sua vez, apenas

transforma nossa consciência dos fatos, nossas idéias sobre as coisas, mas não as próprias

coisas.

Analisar as relações entre teoria e prática supõe considerar a relação entre uma

teoria já elaborada e uma prática que ainda não existe (Vázques, 1977). Temos assim a

condição de pensar o circuito: prática/teoria e prática. Partir de uma prática, buscar

explicações teóricas que não só expliquem essa prática primeira, mas também apontar

elementos para sua superação, delineando alternativas para uma nova prática que, refletida,

possa ser transformada.

O conhecimento, entendido aqui como a capacidade de fazer relações (Morin,

2000), é tarefa do seres humanos e é historicamente datado, de forma que um dos desafios das

universidades na sociedade atual é o diálogo com o mundo, e, no caso do estágio, o diálogo

com o mundo do trabalho, através da sua análise crítica e não a dependência às suas

determinações.

Nessa perspectiva, a dimensão da não-neutralidade na educação se coloca. Sendo

assim, o Estágio é teoria e prática ao mesmo tempo, pois toda prática subentende uma teoria

que a informa. Ao observar a prática de um educador, que é invariavelmente diferente de um

lugar para outro, por exemplo, o estagiário precisa ter condições de apreender a teoria que dá

sustentação àquela/s práticas e poder realizar uma leitura pedagógica para além do senso

comum, tendo como base teorias e fundamentos estudados, problematizados com as situações

da prática profissional com vistas à produção de alternativas e de um novo conhecimento.

Estamos nos referindo à praxis, à capacidade de articular dialeticamente o saber teórico e o

saber prático.

Vázques, ao tecer considerações sobre a práxis, como sendo essencialmente

criadora, ilustra que

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O homem não vive num constante estado criador. Ele só cria por necessidade: cria para

adaptar-se a novas situações ou para satisfazer novas necessidades. Repete, portanto,

enquanto não se vê obrigado a criar. Contudo, criar é para ele a primeira e mais vital

necessidade humana, porque só criando, transformando o mundo, o homem – como

salientaram Hegel e Marx através de diferentes prismas filosóficos – faz um mundo

humano e se faz a si mesmo. Assim, a atividade prática fundamental do homem tem um

caráter criador. (Vázques, 1977, p.248)

O estágio, nesse caso, se apresenta como atividade criadora e de pesquisa

científica, que se diferencia do senso comum, pois, ao se inserir no campo de trabalho

educacional, o estagiário precisará de método e de instrumentos para apreensão daquele real

que é multifacetado, tendo aquela realidade específica como objeto de pesquisa.

A atual legislação brasileira que trata desse tema apresentou-se genérica

inicialmente na LDB(EN) 9394/96, para depois definir de forma unilateral a especificação da

carga horária e suas atribuições em resoluções posteriores, conforme podemos observar nos

termos da lei,

artigo 82: Os sistemas de ensino estabelecerão as normas para realização dos estágios dos

alunos regularmente matriculados no ensino médio ou superior em sua jurisdição.

§ único: o estágio realizado nas condições deste artigo não estabelece vínculo empregatício,

podendo o estagiário receber bolsa de estágio, estar segurado contra acidentes e ter a

cobertura previdenciária prevista na legislação específica.

Nas últimas orientações oficiais já observadas anteriormente, o Estágio é definido

como atividade educativa e deve ser assumida intencionalmente pela instituição formadora,

além de ser integrante do seu projeto pedagógico.

No cenário de reestruturação produtiva que atravessamos, a educação se apresenta

como facilitadora nas relações entre capital e trabalho. Ao ampliar sobremaneira as horas

destinadas às atividades práticas, poderão se tornar secundárias as atividades teóricas, tendo

como conseqüência a desqualificação do saber científico e - por que não dizer? - o

aligeiramento da formação.

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Compreendemos que estamos diante de uma situação que exigirá grande potencial

de análise para sua superação. Indagar sobre essa situação pode ser um primeiro passo para

essa análise.

Como equacionar e fazer valer tal determinação legal se as instituições

formadoras, de maneira geral, trazem como herança um modelo de segmentação teoria e

prática e não possuem tradição de construção coletiva do projeto pedagógico entre seus

profissionais da educação? Consideramos que a co-responsabilização do coletivo de

educadores de uma unidade educacional, por um projeto pedagógico desde sua formulação

até a sua avaliação, é condição “sine-qua-non” para a efetivação dessas mudanças requeridas,

sob pena de resvalarmos em maquiagens para dar resposta ao cumprimento restrito da lei.

Como produzir uma proposta pedagógica que integre o estágio como um eixo

articulador entre teoria e prática se os saberes disciplinares não dialogam entre si, se o

desenvolvimento e a aprendizagem do estudante têm sido tarefa quase exclusiva deste, se as

condições de trabalho, sobretudo nas instituições de ensino superior privadas, que formam

mais de 80% dos professores no país, não favorecem o trabalho coletivo pois os professores

são contratados para a realização do ensino (entenda-se dar aulas)?

Isso tudo sem considerar ainda a qualidade do ensino desenvolvido que, de

maneira contrária às mudanças na sociedade, pouco se modificou daquele modelo de

transmissão e memorização de conteúdos. Urge encontrarmos respostas para essa situação...

Ao adentrar o campo profissional pela porta do estágio, a estudante tem a

oportunidade de colocar em relação a significação social da profissão com a significação dada

pelos profissionais do campo, ao mesmo tempo em que terá relevantes elementos para a

construção da sua própria identidade profissional, pela possibilidade de dar sentido às teorias

estudadas e ao seu próprio percurso formativo.

2.4. A pesquisa dimensionando o ensino: O estágio no Curso de Pedagogia do Centro

Universitário da Fundação Santo André

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O curso de Pedagogia, desde meados da década de 70, nessa instituição

formadora, busca traduzir em sua estrutura curricular a preocupação com a formação de um

profissional reflexivo e pesquisador. Todavia, o estágio ainda nesse período caracterizava-se

como na maioria das instituições formadoras de professores, nos requisitos de observação

(orientada pelo professor responsável pelo estágio que se materializava na disciplina de

Prática de Ensino), participação (orientada pelos professores da escola estagiada) seguido da

regência (compreendida como o momento em que o estudante/estagiário entra em cena,

dando uma aula, orientada pelo professor responsável pelo estágio)27.

Presentes nessas práticas estavam, além da redução do ensino à sala de aula, a

desconsideração dos contextos que produzem a escola, a dicotomia entre teoria e prática,

sendo esta última portadora de ensinamentos, nela mesma, e a predominância de uma

preocupação burocrática, manifestados nos controles de horas e de registros das atividades de

estágio.28

Duas décadas foram necessárias para que, no interior do próprio curso, fosse

sendo desenhada uma outra perspectiva de estágio como elemento estruturador da formação

do estudante, alicerçada em pressupostos do que caracteriza o ensino universitário na forma

das relações ensino e pesquisa e teoria e prática, tendo a sala de aula como objeto de estudo,

não isolada das condições de sua produção, e a pesquisa como princípio educativo.

Inicialmente, tal perspectiva era levada a efeito por alguns professores de maneira isolada e,

ao final da década de 90 o Curso de Pedagogia, ao rediscutir suas finalidades através de um

processo de Planejamento Estratégico Situacional (PES), passa a conceber o estágio como

responsabilidade de todos os professores que estivessem envolvidos em projetos coletivos,

que se organizam por séries do curso com temas articulados. Tais iniciativas de formação vêm

apresentando ao longo dos últimos anos um grande impacto nas estudantes, nos professores e

no currículo do curso.

27 Vale lembrar que as instituições de ensino superior de natureza pública e de direito privado como o Centro Universitário da Fundação Santo André são regidas por orientações do Conselho Estadual de Educação – no nosso caso – do Estado de São Paulo – que ainda não alterou a carga horária de estágio para os cursos de formação de professores que continua a ser de 300 horas, podendo ser integralizadas ao longo do curso (ou ainda ao seu término).28 Tivemos como fonte de pesquisa para esse histórico anterior a 1998, documento elaborado pelas Profas. Marilena Nakano e Marli Pinto Ancasssuerd, ambas professoras do Curso de Pedagogia, que foi apresentado no IV COMED – Congresso Municipal de Educação – promovido pela Prefeitura Municipal de Santo André no ano 2002.

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Observamos que o tempo de assimilação de propostas inovadoras parece não ser o

tempo cronológico, nem para os professores, nem para os estudantes. Lembrando Sacristán

(1999), que ao questionar como os conceitos tornam-se práticas consolidadas, recupera o

caráter social das práticas e da própria realidade vivenciada pela continuidade proporcionada

pelo diálogo entre as ações presentes e passadas dos indivíduos. A prática, para o autor, gera

outras práticas, reprodutoras das regularidades nas quais foram geradas, requerendo para isso

a sobrevivência de um passado ativo e reativado. Ele conclui apontando que, para a

promoção de mudanças educacionais, faz-se necessária a descoberta de sentido do que já

existe e o desmascaramento do caráter histórico herdado do habitus e das instituições para

devolver aos agentes a consciência de suas ações. Quanto a esses dois últimos conceitos, vale-

se dos conceitos desenvolvidos por Pierre Bordieu e por Berger e Luckmann,

respectivamente.

A cada ano percebemos, como professores, que a produção intelectual das

estudantes vem sendo aprimorada, assim como as atitudes propositivas na condição de

profissionais recém formadas, coerentes com os compromissos de uma escola de qualidade

para todos. 29 Para os professores do curso, começa a ser evidenciado um processo de

trabalho coletivo para além das ações do Colegiado de Curso, seja por série, por projetos e

outros. A avaliação do estágio também é um tema que tem demandado ações coletivas por

parte dos professores integrantes dos projetos de estágio, flexibilizando exigências

institucionais, considerando o processo de elaboração do trabalho nas dimensões individual e

grupal desenvolvidos ao longo do período letivo e o seu produto – o Relatório de Estágio –

como parte integrante desse processo, que apresenta rigores científicos de iniciação à

pesquisa. No currículo, essas experiências estão evidenciando a urgência de sua reformulação

com um desenho mais flexível e mais permeável às necessidades dos estudantes e das

instituições educacionais, campo de trabalho dos futuros profissionais.

A Habilitação em Educação Infantil se insere inicialmente como uma Habilitação

à parte do Curso de Pedagogia, oferecida aos estudantes já formados a partir de 1996,

organizada como 5º ano. Com a reestruturação curricular do curso, que ganhou forma no

Projeto Pedagógico definido no ano 2001, as Habilitações de Educação Infantil, Educação 29 É perceptível a satisfação das estudantes com o Curso, traduzidos na quase imediata inserção no mercado de trabalho local e no nível diferenciado de desempenho dos egressos do Curso em concursos públicos, realizados pelos governos estadual e municipais. É freqüente recebermos visitas de ex-estudantes que vêm nos contar como estão se inserindo no campo profissional e a importância do Centro Universitário da Fundação Santo André em sua trajetória formativa.

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Especial, Administração Escolar e Orientação Educacional passam a fazer parte integrante do

Curso, tendo a estudante que realizar opção por uma das Habilitações ao final do 3º ano,

sendo possível dessa maneira prever as turmas/salas para o ano seguinte.

Consideramos que a instituição de ensino superior tem assim um papel

fundamental na formação dessas professoras, no trabalho com a estudante através da

representação social que ela faz da profissão, criando condições para uma reflexão contínua

acerca da qualidade da ação profissional e do tipo de profissional que está sendo formado.

2.5. O Projeto de Estágio Integrado da Habilitação em Educação Infantil (H.E.I.)

“Conhecendo histórias e práticas de creches e pré-escolas”

Além dos requisitos formadores para todas as atividades de estágio já elencadas

anteriormente, a HEI visa criar condições para que a estudante/estagiária compreenda a

função social das instituições de educação infantil na sociedade atual, contextualizada no

cenário das políticas sociais e educacionais no mundo, no Brasil e na região do Grande

ABCD, a organização e funcionamento das instituições de educação infantil, a imagem de

criança e as teorias que subjazem às práticas educativas e pedagógicas ali instituídas.

A atividade inicial de estágio caracteriza-se pelo levantamento histórico, realizado

na instituição estagiada por meio de instrumentos de pesquisa, como análise de documentos e

de entrevistas com informantes-chave escolhidos pela estagiária, o que lhe oferece condições

de se situar naquele ambiente institucional e compreender as culturas ali presentes.

Compreender os acontecimentos daquele cotidiano institucional para além das

explicações do senso comum, a forma de organização até o que acontece na sala de referência

dos grupos de crianças, nas relações construídas entre criança/criança, adulto/criança,

adulto/adulto, educadores/famílias, passando pela compreensão do contexto da unidade

educacional, do entorno e das relações estabelecidas com o sistema educacional que dão

suporte/orientação às ações educativas e pedagógicas – são habilidades necessárias nesse

processo.

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As observações efetuadas são registradas em Diário de Campo30, em que a

estudante descreve os acontecimentos, seguidos de análises que servirão para entender os

fenômenos ali observados. Essa fase de observação e registros ocorre ao longo do primeiro

semestre do ano. Uma fase de problematização dos temas observados se inicia em sala de aula

e o paralelo diálogo com bibliografias indicadas pelos professores do curso lhes possibilitam

traçar uma primeira interpretação dos temas problematizados. Ao problematizá-los, as

estudantes se agrupam de forma temática para desenvolver um aprofundamento teórico que

resultará na proposição de um Mini-Projeto de Formação para os educadores de uma das

isntituições estagiadas pelo grupo.

Tal atividade visa contribuir com a formação das educadoras das instituições de

educação infantil estagiadas, sensibilizando-as quanto ao tema “lido” pelo grupo de

estagiárias, configurando-se como uma alternativa de formação contínua. De forma

simultânea, e com a orientação do professor responsável pelo estágio31, auxiliado pelos

demais professores e pelos monitores, os grupos vão elaborando o Relatório de Estágio a ser

entregue no final do período letivo e que se desenvolve ao longo do segundo semestre do ano.

Contamos com o auxílio de duas estudantes/monitoras, que já foram estudantes da

Habilitação em Educação Infantil, e que colaboram na supervisão do processo de estágio, sob

nossa orientação, auxiliando nas diferentes etapas do trabalho: elaboração dos Diários de

Campo, nas tematizações/problematizações das observações, na elaboração do Projeto de

Formação e no Relatório de Estágio.

Os temas desenvolvidos na forma de Mini-Projetos de Formação destacam-se pela

propriedade e pertinência, se relacionados aos temas estudados em aulas e são reveladores de

como o trabalho educativo e pedagógico se organiza em instituições de educação infantil,

assim como a conseqüente imagem de criança e de políticas públicas para a infância e de 30 O Diário de Campo é um instrumento descritivo elaborado pelas estagiárias nessa imersão em campo, apresentando-se como um recurso da maior importância nas atividades de Estágio. Ele pode ser realizado no próprio ambiente de observação, ou logo após. As descrições são seguidas de Comentários do Observador (C.O . ) sobre as observações, ocasião em que as estagiárias têm a oportunidade de efetuar suas primeiras impressões sobre o que observaram. Orientações relevantes para uso desse recurso investigativo na Educação são encontradas em Bogdan, Robert & Biklen, Sari . Investigação Qualitativa em Educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Porto: Porto Editora, 1997 (especialmente o Capítulo IV).31 O professor responsável pelo Projeto de Estagio é um professor indicado pelos próprios colegas e que tem a incumbência de articular professores e estudantes no Projeto, tendo, além de suas atribuições docentes, a tarefa de organizar reuniões e atividades com professores e monitores, orientar e acompanhar de maneira mais amiúde o processo de estágio. Embora se trate de um trabalho coletivo, esse profissional tem uma responsabilidade adicional em sua jornada de trabalho.

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formação das educadoras que estão a eles subjacente. Ao longo dos últimos anos, a dimensão

lúdica do trabalho com crianças pequenas e o caráter intencional do trabalho pedagógico tem

sido os temas mais recorrentes, revelando necessidades formativas dos profissionais que estão

exercendo o trabalho com crianças pequenas em instituições de educação infantil.

Temos concluído com essa experiência que os limites institucionais dificultam,

mas não impossibilitam o desenvolvimento de um trabalho integrado. Uma ação necessária, e

que não tem sido possível ser realizada, pelo menos dentro da estrutura existente, é o

acompanhamento, pelos professores do curso do processo de estágio, dirigindo-se até as

instituições e, em interação com essas e os educadores, poderem acompanhar de fato o

processo de aprendizagem das estudantes. Sugerimos locais para a realização do estágio,

porém a definição termina por ser da responsabilidade da própria estudante, por razões de

acesso e de viabilidade. A ação direta com os professores e/ou educadores que acolhem os

estagiários nas instituições de educação infantil termina por ficar prejudicada.32

Em outras experiências que vivenciamos com trabalhos de formação e de pesquisa

com profissionais de instituições de educação infantil, observamos que apresenta-se como

evidente a necessidade, manifestada de forma recorrente pelos educadores, de uma formação

contínua que tenha a chancela da Universidade.

No caso em estudo, o estágio integrado realiza um diálogo entre a instituição

formadora (o Centro Universitário da Fundação Santo André) e as instituições colaboradoras,

não só pela presença de algumas estagiárias nas duas instituições colaboradoras da pesquisa,

mas na participação das mesmas nos Encontros de Pesquisa/Formação, como uma maneira de

evidenciar uma nova cultura de formação no âmbito institucional.

De forma paralela às orientações de estágio e à ida a campo, na disciplina

Organização do Trabalho Educativo e Pedagógico na Educação Infantil, desenvolvemos com

todas as estudantes o exercício do relato autobiográfico, de modo que estas pudessem

recuperar em suas memórias elementos significativos de sua trajetória formativa que sirvam

para explicitar as razões da “escolha” profissional e dimensionar, para cada uma, o que é ser

32 Vale lembrar que a maioria das estudantes são trabalhadoras, de maneira que o tempo para o estágio apresenta-se reduzido frente às exigências do próprio curso e demais responsabilidades pessoais.

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educadora de crianças pequenas no contexto atual em nossa sociedade e as condições pessoais

e profissionais que concorreriam para isso.

O estágio fundamentado na pesquisa sobre a prática traz elementos significativos

para dimensionar o próprio ensino. Sendo a prática um caleidoscópio a ser enxergado pela

estagiária ,com os olhos curiosos de um investigador que tece elemento por elemento e que

busca as ferramentas mais adequadas para configurar o problema investigado e,

conseqüentemente, sua solução, esta prática contribui para implicá-la, responsabilizando-a na

condição de mestre e aprendiz. Ler a realidade observada em creches e pré-escolas,

problematizá-la, perseguindo formas de re-invenção da mesma, supõe mobilizar saberes que

não se limitam aos aprendidos na formação universitária, articulando-se aos saberes

construídos e re-significados no seu percurso formativo.

Ao dimensionar o estágio como a porta de entrada da identidade profissional de

educadoras de crianças pequenas, procuramos mostrar que a a formação se dá ao longo da

vida e da carreira profissional. Possibilitar o exercício da práxis criadora mediada pelo manejo

de instrumentos de pesquisa, confere ao estágio na universidade um importante elemento de

ligação entre a teoria e a prática, entre a formação nesse nível de ensino e a Formação

Contínua desenvolvida nas instituições de educação infantil que acolhem as estagiárias.

A seguir, apresentaremos os caminhos efetivados na Pesquisa/Formação.

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Capítulo 3 A Pesquisa/Formação: Os caminhos percorridos

Nunca se pode saber de antemão de que são capazes as pessoas. É

preciso esperar, dar tempo ao tempo. O tempo é quem manda, o tempo é que está a

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jogar do outro lado da mesa e tem na mão todas as cartas do baralho. A nós, compete-

nos inventar os encartes com a vida. (Saramago, 2000)

A metodologia utilizada na pesquisa busca coerência com o objetivo pretendido,

qual seja, identificar o processo de construção de identidades de educadoras de crianças

pequenas, configurando-se como uma pesquisa de abordagem qualitativa. Já tivemos

oportunidade de caracterizar o cenário em que essas identidades são produzidas, de maneira

que a metodologia qualitativa se apresenta como a possibilidade de realizar uma investigação

naturalista, com a intenção de vislumbrar a cultura de um determinado contexto e os

significados que os sujeitos participantes atribuem às suas ações.

Segundo alguns autores pesquisados, não existe uma investigação qualitativa, mas

enfoques, cujas diferenças fundamentais vêm marcadas por opções tomadas em cada um dos

níveis (ontológico, epistemológico, metodológico e técnico). A adoção de uma ou outra

alternativa, de todas as possíveis que se apresentam em cada nível, determinarão o tipo de

estudo qualitativo que se pretende (Gómez, Flores & Jiménez, 1996; Bogdan & Biblen 1994;

Lüdke & André, 1986; Denzin & Lincoln, 2000).

Identificamos ainda a pesquisa como pesquisa-ação/colaborativa, o que implica

em adentrar a trama de produção dessas identidades, que são plurais, proporcionando uma

cultura de análise das práticas, podendo gerar mudanças tanto nas dimensões pessoal,

profissional como em nível da instituição de educação infantil e, sobretudo, uma troca de

conhecimentos – em colaboração - entre pesquisadores acadêmicos e educadores.

A Pesquisa-Ação se justifica na presente investigação por buscarmos um

conhecimento que se constroe na inter-relação com o objeto de conhecimento. Uma

ferramenta capaz de fornecer maneiras de adentrar a realidade educacional de creches e pré-

escolas possibilitando mudanças, ações inovadoras no próprio processo de pesquisa, estando

os participantes envolvidos de modo cooperativo ou participativo (Tiollent, 1988).

Entendemos ainda que a colaboração esteve facilitada pela demanda por formação

apresentada pela creche colaboradora e que era originária de uma ação formativa anterior,

desenvolvida por docentes do Centro Universitário da Fundação Santo André que nos incluía,

num exercício de práxis investigativa, construído em bases dialéticas, compreendendo que a

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realidade a ser investigada é fruto de processo histórico e social e as contradições e as ações

cotidianas são investigadas à luz da produção de novas ações e saberes, articulando dados

objetivos e subjetivos.

Pretendíamos de início desenvolver uma prática de pesquisa que trouxesse

elementos formativos para o grupo colaborador e não o considerasse somente como objeto de

estudo, que contribuísse na perspectiva emancipatória das colaboradoras. A interação

universidade- instituições de educação infantil e a possibilidade de amplificação das vozes das

educadoras/colaboradoras, assim como dos diversos contextos existentes, se apresentou como

condição para o delineamento da pesquisa. Procuramos, dessa forma, construir ao longo dela,

vínculos de confiança e de respeito profissional mútuo, promovendo a condução do grupo a

um processo de engajamento profissional, de co-responsabilização formativa e de pesquisa.

Por razões éticas, solicitamos o consentimento das colaboradoras para o uso dos

dados da pesquisa e garantimos o anonimato das colaboradoras e das instituições - parceiras.

3.1. A Pesquisa Qualitativa mediando a Pesquisa/Formação: um breve histórico

A Pesquisa Qualitativa surge no movimento próprio da ciência, em princípio na

forma de questionamento do método-empírico-analítico desenvolvido nas Ciências Naturais,

pautado em explicações de origem positivista, que se caracteriza pela objetividade e pela

suposta neutralidade, de generalizações e de formas de previsibilidade e controle.

A “Escola de Chicago”, movimento da área das ciências sociais que surgiu no

período entre 1920 e 1930, inaugurou uma nova maneira de estudar a vida em grupos

humanos em seu contexto natural, através da investigação qualitativa. Os estudos de Boas,

Mead, Benedict, Bateson e Malinowski registraram as premissas do método de trabalho de

campo, sinalizando possibilidades de apreensão das significações conferidas pelos grupos

estudados em suas diferentes culturas. Como toda atividade humana e social, uma pesquisa

dessa natureza traduz a visão de mundo, valores e crenças que orientam o pesquisador.

Bogdan & Biklen (1997) apresentam um histórico da investigação qualitativa em

educação nos Estados Unidos dando conta de que, até os anos sessenta, essa abordagem de

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pesquisa foi pouco utilizada pela predominância dos estudos psicológicos, que se pautavam

em abordagens essencialmente experimentalistas.

Será somente na década de 60, uma época de mudanças sociais significativas para

a realidade americana, que o interesse pela investigação qualitativa foi reavivado devido a

duas razões. De um lado, à atenção dos educadores para a experiência e desempenho

escolares de crianças oriundas de minorias étnicas, e, de outro, à popularidade dos métodos

qualitativos, devido ao reconhecimento que emprestavam às perspectivas dos mais

desfavorecidos e excluídos socialmente, obtendo, dessa maneira, da parte de instituições de

subsídio à pesquisa, um considerável apoio.

Na seqüência, década de 70, instaura-se um clima de diálogo entre investigadores

quantitativos e qualitativos, verificando-se mudança de atitude dos primeiros relacionado à

investigação qualitativa. Começava a se tornar evidente que as possibilidades dos métodos

quantitativos, pautados no paradigma científico tradicional, já não eram suficientes para

explicar os fenômenos estudados. Fazendo uso de instrumentos como a observação

participante, análise de documentos, investigação sobre histórias de vida e entrevistas,

tomaram-se em consideração atores sociais e categorias de comportamento antes ignorados.

A perspectiva pós-moderna, um tempo histórico diferente do modernismo que

explicava a condição humana através do racionalismo e de uma visão de ciência predizível e

estável, acentua que só é possível conhecer algo tendo como referência uma determinada

perspectiva, o que releva a importância da interpretação, a escrita como característica central

da investigação e o papel do investigador como intérprete.

Ainda Bogdan e Biklen, assinalam as principais características da investigação

qualitativa:

→ Na investigação qualitativa a fonte direta de dados é o ambiente natural, constituindo o

investigador o instrumento principal;

→ A investigação qualitativa é descritiva;

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→ Os investigadores qualitativos interessam-se mais pelo processo do que simplesmente

pelos resultados ou produtos;

→ Os investigadores qualitativos tendem a analisar os seus dados de forma indutiva;

→ O significado é de importância vital na abordagem qualitativa.(Bogdan & Biklen, 1994,

p.48-51)

Hoje, pesquisadores se esforçam para desenvolver uma ética situacional e

transituacional que se aplica a todas as formas de pesquisa e suas relações no trato com seres

humanos. Nesse sentido, toda pesquisa é interpretativa, pois é guiada por um conjunto de

crenças e sentimentos sobre o mundo e como este deveria ser entendido e estudado. A esse

conjunto de crenças, poderíamos denominar de paradigmas que abarcam caracterizações

distintas (Denzin & Lincoln, 1998).

Oliveira-Formosinho (2002, p. 96) traçou um quadro dos paradigmas

interpretativos com base em Denzin & Lincoln, de grande ajuda aos pesquisadores na

compreensão dos critérios, das teorias que dão suporte e do tipo de narração utilizados em

pesquisas dessa natureza.

Paradigma Teoria Critérios Modelo da Teoria Tipo de Narração

Positivista Validade interna e Lógico-dedutiva, Relatório científico

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Pós-Positivista externa científica

Construtivista Confiança, Substantiva formal Estudos de caso

credibilidade, interpretativos,

possibilidade de etnográfica

transferência ,

confirmação

Feminista Afrocentrado, Ponto de vista crítico Ensaios, histórias,

experiência

escrita experimental

vivenciada, diálogo,

solicitude,

preocupação,

responsabilidade,

raça, gênero, classe,

reflexividade,

prática, emoção,

bases concretas

Étnico Afrocentrado, Ponto de vista Ensaios,

fábulas,

experiência crítico, histórico dramas

vivenciada/vivida,

diálogo,

preocupação/

solicitude,

responsabilidade,

raça, classe, gênero

Marxista Teoria

Análise histórica,

emancipatória, Crítico, histórico econômica e

diálogo, raça, econômico

sociocultural

classe, gênero

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Estudos Culturais Práticas culturais, Sociocrítica Teoria cultural

práxis, textos

como criticismo

sociais,

subjetividades

É ainda Denzin & Lincoln (2000) que apresentam um panorama da condição das

Pesquisas Qualitativas na atualidade, dando conta de que atravessamos o momento em que

tais pesquisas questionam as ciências sociais e as humanidades em geral, tornando-se campos

para conversações críticas sobre democracia, raça, gênero, classe, estado-nação, globalização,

liberdade e comunidade. O momento pós-moderno foi definido em parte por uma

preocupação pelo caminhar retórico e literário e a volta da narrativa, a preocupação com

contação de histórias para composição de etnografias e de novos caminhos. Esse momento foi

marcado por dúvidas, por uma nova sensibilidade, pela recusa em privilegiar qualquer método

ou teoria. Nesse novo século, a narrativa tem sido retomada dentro de um esforço para

relacionar as Pesquisas Qualitativas com as esperanças, objetivos e promessas de uma

sociedade democrática e livre.

A abordagem qualitativa em pesquisas educacionais permite explicitar a

dialeticidade presente nos espaços institucionais de educação, ao possibilitar uma análise

interpretativa e ao mesmo tempo reflexiva da ação, organizada na forma de parceria com os

sujeitos envolvidos.

É nesse contexto que foram aparecendo novas propostas de abordagens de

pesquisas em educação, com soluções metodológicas diferentes, cercadas de rigor,

construídas na acuidade e na veracidade das informações (Ludke & André, 1986).

Destarte, a pesquisa qualitativa pode oferecer, dessa maneira, elementos

importantes para a re-significação das práticas profissionais. Na presente investigação,

educadoras, estagiárias e pesquisadora desenvolvem juntas um trabalho em parceria.

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3.2. A opção pela Pesquisa-Ação/ Colaborativa

No cenário das Pesquisa Qualitativas, o caminho metodológico escolhido é o da

pesquisa-ação/ colaborativa que comparece, neste trabalho, como um instrumento

fundamental na sinalização de subsídios para a formação daquelas que atuam no chão das

instituições educacionais. Através da contínua intervenção na realidade pesquisada, no

envolvimento dos sujeitos da pesquisa e na possibilidade de transformação das ações

cotidianas, a partir das reflexões produzidas nesses contextos.

A pesquisa-ação-colaborativa se apresenta ainda como uma fértil alternativa para

a superação da racionalidade técnica e é produzida no processo de busca de novas soluções

para os problemas vivenciados no cotidiano das instituições educacionais. Há, da parte do

pesquisador e dos colaboradores, um esforço no sentido de produzir uma reflexão na prática,

pois ambos trazem conhecimentos diferentes para a colaboração. Longe de haver uma

igualdade, há paridade no relacionamento, com reconhecimento da contribuição do outro e

respeito por ela (Zeichner, 1998).

Zeichner, ao tratar das novas relações entre universidade e escola, questiona

acerca das práticas de formação de professores, da forma como os professores estão refletindo

e sobre o que estão refletindo. O autor assume a necessidade de constituição de comunidades

de aprendizagem33 nas escolas, aproximando os alunos da realidade cotidiana das instituições

em que trabalharão como profissionais,

Uma de minhas experiências foi como supervisor de estágios num programa que buscava

preparar professores para ensinar nas áreas pobres, rurais e urbanas. Os estagiários com os

quais eu trabalhava tinham que viver nas comunidades. O que se tem hoje é uma situação

em que pessoas de classe média que, em alguns casos, podem trabalhar em escolas de áreas

pobres, mas elas não vivem lá, não fazem suas compras lá. (Zeichner, 2000, p.7)

33 Esse termo tem o mesmo significado já mencionado neste trabalho e utilizado por Estrela (1999) e Canário (1997), quando se referem a comunidade aprendente, ou seja, a instituição educacional como local para o trabalho coletivo e a aprendizagem docente - que é contínua.

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A esse respeito, Oliveira Formosinho, com outra denominação, porém com o

mesmo propósito, também releva que,

De um modo geral, estas abordagens procuram articular a formação e a acção,

tradicionalmente dissociadas por uma concepção que separa os tempos e os espaços de

transmissão e aquisição de saberes – a formação – dos tempos e espaços da sua aplicação –

o trabalho – sendo este frequentemente encarado como o campo da mera aplicação desses

saberes. Como tal, valorizam essencialmente, as dimensões da auto-formação e da inter-

formação; da eco-formação e da co-formação (Pineau, 1989). A valorização dessas

dimensões configura o que se pode designar por uma abordagem ecológica da formação.

Esta abordagem defende que o desenvolvimento do ser humano tem a ver, directa e

indirectamente, com os seus contextos vivenciais. (Oliveira-Formosinho, 2001, p.68)

Tal perspectiva de relação oportuniza ao mesmo tempo aos participantes a

construção entre sujeito e objeto, a ampliação da compreensão e da consciência acerca dos

fenômenos da realidade, problematizando-os. Nesse processo, os participantes da pesquisa

formam-se também pesquisadores, simultaneamente ao processo de constituição como

educadores. Autores que aprofundam esse tema - em especial, o professor reflexivo

-34apontam esse tipo de pesquisa como ferramenta importante na formação desses

profissionais. Enfatizam o processo de pesquisa como estratégia pedagógica relacionada ao

pensamento democrático, a luta pelo fortalecimento de poder do professor, observando a não

neutralidade nos valores que informam tais conhecimentos. Um aprendizado real,

compartilhado, desloca dessa maneira a compreensão do ensinar e do aprender,

tradicionalmente atribuídas ao professor e ao aluno em situação de ensino. Aprender – nesse

caso – significa atribuir sentido a uma realidade complexa. Construção de sentido elaborada a

partir das histórias cognitiva, afetiva e social de cada sujeito (Canário, 1997).

Numa tentativa de aproximação dos conceitos reflexivo e colaborativo, Monteiro,

empenha-se em buscar um sentido filosófico a tais expressões, concluindo que,

... A reflexão é da ordem do diálogo e do embate entre seus atores; que esse embate

caracteriza nossa condição humana e deve ser assumido como tal; e que desse labor pro-

34 Importantes contribuições sobre esse conceito estão presentes no livro já citado, organizado por Pimenta & Ghedin, Professor Reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito. SP: Cortez, 2002.

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cedem novas formas de atuação e inserção na escola, no cotidiano da escola.(Monteiro,

2002, p.126)

3.3 – Fazendo o caminho metodológico

3. 3.1. O cenário:

A pesquisa que, nesse caso, envolve, como já assinalamos, o ensino e a extensão,

ocorre no Curso de Pedagogia – HEI no Centro Universitário da Fundação Santo André - e

duas instituições de educação infantil, localizadas em seu entorno.

Situada no município de mesmo nome, na região metropolitana do Estado de São

Paulo, que ficou conhecida no país como o Grande ABCD paulista35 e foi palco de lutas

políticas e sindicais no final da década de 70 e ao longo das décadas de 80 e 90. Local

anteriormente de setor predominantemente industrial passou, nos últimos anos, a caracterizar-

se pelas atividades de comércio e de serviços. Várias explicações existem para tal mutação:

participação política e sindical diferenciada da população, resultando em aumento da

consciência de direitos dos trabalhadores, a chamada “guerra fiscal36”, entre outras razões.

3.3.2. O campo e as colaboradoras:

A pesquisa contou com a colaboração de seis estagiárias37 do Curso e seis

educadoras de instituições de educação infantil, situadas no entorno da instituição formadora,

sendo três de uma creche mantida por uma entidade assistencial e em convênio com a

Prefeitura Municipal local e três de uma pré-escola pública municipal, ambas aqui

35 O ABCD paulista compreende os municípios vizinhos de Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul e Diadema. 36 Por “guerra fiscal” entende-se o processo de isenção de impostos e taxas da parte dos órgãos públicos para que empresas possam se estabelecer em uma determinada região. Dessa maneira, muitas empresas da região do ABCD optaram pela transferência para outras regiões do Estado ou do país que favoreciam essa condição.37 As estagiárias e as educadoras das instituições- campo de estágio serão identificadas nesta pesquisa como colaboradas, mesmo reconhecendo que são também pesquisadoras. Optamos pelo termo “colaboradoras” para oferecer tratamento coerente com o tipo de pesquisa que realizamos, a Colaborativa.Quando nos referirmos a cada segmento colaborador da pesquisa/ formação, o faremos da seguinte forma: estagiárias: para as estudantes do Curso de Pedagogia na Habilitação em Educação Infantil; educadoras de creche: para as profissionais que atuam diretamente com as crianças na creche colaboradora e professoras de pré-escola, para as professoras que atuam diretamente com as crianças na pré-escola colaboradora..

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denominadas como instituições colaboradoras. Entendemos ser este um número suficiente

para a realização da pesquisa, cujos procedimentos demandaram grande potencial para

análise. A paridade também despontava como um elemento importante, visto que o grupo

deveria ser equilibrado do ponto de vista quantitativo de modo a um segmento não se

sobrepor a outro.

A opção pela realização da pesquisa em uma creche da área da assistência social,

em transição para a área da Educação, e uma pré-escola vinculada ao sistema público de

ensino municipal se deve ao fato de que as primeiras representam as instituições que mais

atendem crianças em creches e que trazem ainda em suas características atuais, muitas das

características de sua origem, qual seja, a do atendimento das necessidades da mulher

trabalhadora, uma vez que esse é o critério fundamental para o acesso institucional aliado à

situação de risco da criança, pelo fato de não haver vagas para toda a demanda. No caso das

pré-escolas municipais, por receberem as crianças oriundas dessas instituições e por

apresentarem uma trajetória histórica da área da educação que se diferencia da área da

assistência social.

As duas instituições carregam histórias que merecem ser conhecidas e trazidas à

luz das recentes determinações legais de educação e de cuidados. Não realizar a pesquisa em

creches diretamente mantidas pelo poder público municipal se deveu ao fato de que estas,

pelo menos em Santo André, em seu nascedouro, já apresentavam características próximas às

de escola. Nesse caso, é importante considerar também como as histórias institucionais de

creche e de pré-escola são produzidas no cenário do atendimento à infância e,

conseqüentemente, responder quais necessidades estariam sendo atendidas: das famílias, das

crianças, da educação? Tal enfoque poderá nos auxiliar a compreender como integrar a

educação e os cuidados em instituições com histórias e construções sociais diferenciadas.

3.3.3. Os procedimentos metodológicos utilizados:

Fizemos uso na presente investigação de alguns instrumentos que nos pareceram

melhor servir aos propósitos da mesma, quais sejam:

De forma direta (entre pesquisadora e colaboradoras):

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• A entrevista semi-estruturada – que foram transcritas e devolvidas às colaboradoras para

que estas verificassem a pertinência dos diálogos, a objetividade e a resposta às questões;

• Os relatos autobiográficos – escritos individualmente pelas colaboradoras com um roteiro

prévio e socializados posteriormente nos sub-grupos;

• Os Encontros de Pesquisa/Formação gravados em vídeo – e que posteriormente, a cada

sessão, eram revistos e feitas anotações dos principais episódios, evidenciando as

significações, as posturas, o interesse e as relações estabelecidas pelas colaboradoras dos sub-

grupos aos temas tratados nos Encontros e registrados em diário de campo da pesquisadora.

De forma indireta (através das atividades de estágio feito por todas as estudantes da HEI):

• Entrevista semi-estruturada com informantes-chave daquele contexto institucional e

análise de documentos– para a compreensão da história da instituição. Atividade também

desenvolvida com as educadoras de creche e professoras da pré-escola;

• Observações das práticas das educadoras/ colaboradoras na pesquisa – registradas em Diário

de Campo.

• Relatos de Práticas das educadoras de creche e professoras de pré-escola- registradas na

forma de Diário.

3.3.3.1. As Narrativas Orais e Escritas

- As entrevistas e os relatos autobiográficos

Através das narrativas das estagiárias e educadoras das instituições-campo de

estágio busca-se a emergência das subjetividades/ identidades/ alteridades enlaçadas na rede

de significações presentes nesse processo que é, ao mesmo tempo, individual e social e nas

práticas construídas no cotidiano das instituições educacionais pesquisadas. Tais narrativas

nos auxiliam a perceber as formas diferenciadas de ser e estar na profissão de educadora de

crianças pequenas, seja enquanto vir a ser (no caso das estagiárias), seja enquanto prática

concretizada de trabalho (no caso das educadoras de creche e professoras de pré-escola).

A ação narrativa da história de cada um se configura como um ato de

conhecimento, para além da contação de uma história e de reflexão sobre as práticas. Uma

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cadeia de elementos significantes reveladoras de uma forma de representação de mundo e da

profissão, anuncia ao mesmo tempo uma dada realidade social e a produção de desejos e,

conseqüentemente, de necessidades, potencializando apropriações e aprendizagens

profissionais. Ao narrar, o educador constrói na forma lingüística e reconstrói, por sua vez, o

discurso relacionado à prática.

O recurso às biografias e às narrativas de maneira geral, como instrumento

desencadeador e produtor de subjetividades, passa a ganhar destaque na pesquisa científica

nas ciências humanas, especialmente nas últimas décadas. Na área da educação, os estudos

com história de vida de professores vêm sendo utilizados em programas de formação

contínua, por representarem uma possibilidade retrospectiva e prospectiva, considerando a

experiência de vida que o adulto traz em sua trajetória que merece ser re-significada por ele

próprio, potencializando processos formativos. Nas palavras de Goodson (1995) “o direito

dos professores de falarem e de serem representados por si mesmos.”

As narrativas produzidas na investigação educativa se justificam por sermos

naturalmente organismos contadores de histórias, que individualmente e socialmente vivemos

vidas relatadas. O estudo da narrativa é, portanto, o estudo da forma com que os seres

humanos experimentam o mundo. Elementos importantes na relação de investigação são a

igualdade entre os participantes, a situação de atenção mútua e os sentimento de conexão.

- As entrevistas –

No caso das Entrevistas, elaboramos roteiro semi-estruturado que procurou dar

conta da identificação da pessoa, seu contexto cultural e familiar, da trajetória escolar até o

final da escolarização básica e no ensino superior, da avaliação do trabalho na instituição e

das ações de formação contínua, das percepções pessoais sobre a profissão de educadora de

crianças pequenas, das perspectivas e desejos profissionais, das dificuldades e facilidades para

o exercício profissional, da auto-imagem profissional, da imagem de educadora de crianças

pequenas produzida socialmente.

Após a realização destas, que foram gravadas em fitas de áudio, perfazendo um

total de quinze horas de gravação, efetuamos as transcrições e devolvemos posteriormente às

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colaboradoras para eventuais correções dos percursos das idéias emitidas, pois como sabemos,

trata-se de duas linguagens distintas: a linguagem falada e a linguagem escrita e, por vezes,

uma trai a outra. Só após esse procedimento é que iniciamos as leituras por meio de um

mapeamento global de todas as entrevistas, relevando as ocorrências, as recorrências, as

diferentes atenções dadas pelas informantes aos temas tratados, assim como as primeiras

conexões evidenciadas.

Optamos pela entrevista como um dos caminhos para a apreensão da construção

da identidade profissional de educadoras de crianças pequenas pelo caráter de interação que

impregna esse procedimento metodológico, pois prevalece a possibilidade de troca recíproca

entre entrevistando e entrevistado e a liberdade de percurso de idéias presente na entrevista

de tipo semi-estruturado, em que o tom da conversa vai sendo delineado de forma mais livre

pelo entrevistado. As entrevistas cumpriram papel auxiliar nas análises, junto aos Relatos

Autobiográficos.

- Os relatos autobiográficos -

Nos relatos autobiográficos, buscamos estreitar as ações de formação e de

pesquisa 38.

Bosi, considera que proceder o resgate do passado, serve para alinhavá-lo; não

fechando-o, ao contrário, potencializando uma reflexão sem limites,

Não há evocação sem uma inteligência do presente, um homem não sabe o que ele é se não

for capaz de sair das determinações atuais. Acurada reflexão pode proceder e acompanhar a

evocação. Uma lembrança é um diamante bruto que precisa ser lapidado pelo espírito. Sem

o trabalho da reflexão e da localização, ela seria uma imagem fugidia. O sentimento

também precisa acompanhá-la, para que ela não seja uma repetição do estado antigo, mas

uma reaparição(...) (Bosi, 1994, p.81)

38 Sugerimos às colaboradoras que tomassem contato com a obra “ Minha Vida de Menina”, de Helena Morley, em que uma professora de uma cidadezinha mineira, nascida ainda no século XIX, resgata através dos diários de infância a memória da época, tanto a memória individual, quanto a social. Tal obra serviu para estimulá-las a escrever suas próprias histórias.

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Lembrando Adorno/ Horckheimer (1978), “não se trata de conservar o passado,

mas de resgatar as esperanças do passado.”

Nessa dimensão de trazer o sujeito ao centro da cena, o trabalho com histórias de

vida e, no caso desta investigação, os Relatos Autobiográficos, se apresentam ao mesmo

tempo como uma forma de apreender/aprender; conseqüentemente, de formação e de

pesquisa.

Autores como Christine Josso (1988) e Pierre Dominicé (1985), entre outros, em

estudos desenvolvidos na Universidade de Genebra com histórias de vida, buscam a

construção de uma teoria de formação de adultos que re-signifique a aprendizagem e que dê

conta da complexidade dos percursos/processos de formação destes, a partir de novos

elementos de análise e da compreensão e produção de conhecimento, situados na

encruzilhada de vários saberes.

Originalmente, o trabalho com histórias de vida, na perspectiva de projeto de

conhecimento e de formação e de ter a subjetividade como modo de produção de saberes,

trouxe alguns marcos nas pesquisa em educação. De início, reabilitando o sujeito e o ator no

lugar de uma visão determinista e linear, passando por abordagens interdisciplinares, pelas

relações entre psicologia e educação ampliadas com as relações bio-psico-sociais e culturais.

Utilizadas também em abordagens fenomenológicas é que, a partir da década de 80, as

histórias de vida se colocam a serviço também da lógica de projetos, na consideração da

experiência dos adultos formandos, a serviço da formação inicial de estudantes de

enfermagem e a autobiografia temática no quadro de um projeto de formadores de

enfermagem (Josso, 2002).

Nesse sentido, ouvir as singularidades, considerar a formação do ponto de vista

do aprendente permite articular o saber-fazer e os conhecimentos, a funcionalidade e as

significações, aliado às técnicas e aos valores, à autodescrição de um caminho de

continuidades, rupturas, fronteiras individuais e coletivas, com vistas à apropriação de um

conhecimento sobre si.

Larrosa (1994) assinala a premência dos processos reflexivos na formação

docente, que passe pela reelaboração do educando consigo mesmo. Denomina “tecnologias

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do eu” as possibilidades em que o sujeito pode estabelecer uma relação consigo mesmo para

uma transformação, considerando que nessa reelaboração é preciso dimensionar as relações

existentes entre saber e poder, em cujo interior se produz o sujeito. Apresenta cinco

dimensões presentes na narrativas que se encontram nos dispositivos pedagógicos de

produção e mediação da experiência de si. A primeira, a dimensão ótica, é considerada por

ele como a estrutura básica da reflexão (ver-se). A segunda, a discursiva apresenta-se no

momento da expressão oral ou escrita elaborada pelo sujeito. A terceira, seria a dimensão

jurídica, a capacidade que o sujeito tem de julgar suas próprias ações e experiências. Já a

Quarta, associa a dimensão discursiva com a jurídica, produzindo uma auto-identidade

narrativa. Por último, a quinta, se apresenta como a dimensão prática que ocorre na forma de

questionamento acerca do que se pode ou não fazer consigo mesmo, após um processo de

autoconsciência e de re-significações.

Josso, nos esclarece ainda:

A formação experencial relança o debate sobre a relação teoria e prática, nas atividades

educativas ou, por outras palavras, o lugar respectivo da teorização e da exploração

pessoal. (Josso, 2002, p.41)

O sentido da formação envolve a integração na consciência e nas atividades de

aprendizagem descobertas e significados efetuados em qualquer espaço social (Josso, 1988).

Ouvir o professor, permitindo que ele possa situa o lugar de que fala, dimensionar sua

percepção no momento da reflexão sobre sua história de vida, apropriar-se das memórias para

elaborá-la, re-significar o presente e projetar o futuro apresentam-se como possibilidades no

uso dos Relatos Autobiográficos e, no caso das educadoras de crianças pequenas, amplificar

suas vozes, alicerçando o trânsito para outro patamar de desenvolvimento profissional. Um

caminhar em que viagem e viajante são apenas um,

Uma viagem ao longo da qual ela vai explorar o viajante – reconstituindo o itinerário, os

diferentes cruzamentos com os caminhos de outrem, as paragens, os acontecimentos, as

explorações e as atividades que lhe permitem localizar-se no tempo/espaço,

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compreendendo o que o orientou, fazer o inventário da sua bagagem, recordar os seus

sonhos, contar as cicatrizes dos incidentes de percurso. (Josso, 2002, p.42-43)

O trabalho com a memória permite apresentar diversas vozes, expostas nas

lembranças do passado, que demonstram a interferência de outros fatores, entre eles, o caráter

seletivo da memória, que envolve o silenciamento e o esquecimento. Em situações de

socialização dos relatos autobiográficos, comumente as pessoas se apercebem de que

“esqueceram” de fatos, situações que ao serem ouvidas de outra pessoa, selam um processo

de identificação, o que nos faz acreditar que o que é narrado expressa as relações entre a

individualidade do sujeito e sua condição social mais ampliada, servindo para

reconceitualizar o passado de acordo com o momento presente, levando em consideração a

pessoa com quem se está falando, assim como o objetivo da narrativa.

O processo de formação pode assim considerar-se como a dinâmica em que se vai

construindo a identidade do sujeito. Processo em que cada um, permanecendo ele próprio e

reconhecendo-se a si mesmo ao longo de sua história, se forma, se transforma, em interação

(Moita, 1995). Um movimento crescente e contínuo que assegura as condições de produção

da narrativa, assim como no romance que, para Benjamin,

Ocorre uma reminiscência criadora, que atinge seu objeto e o transforma (...). O sujeito só

pode ultrapassar o dualismo da interioridade e da exterioridade quando percebe a unidade

de toda sua vida (...) na corrente vital do seu passado, resumida na reminiscência, que funda

a cadeia da tradição, que transmite os acontecimentos de geração em geração. (Benjamin,

1987, p.198)

A escrita permite a elaboração por parte do sujeito revelando processos de

construção de identidades, inicialmente um trabalho solitário e posteriormente habitado pelo

diálogo com outras narrativas ouvidas, na busca de um auto-retrato dinâmico que envolve o

distanciamento e a alteridade. O relato sobre as maneiras de viver, de as investir de sentido ou

de se projetar nelas a partir do imaginário, tem papel decisivo ao observarmos as narrativas

com autobiografias, como na letra da música “viver é afinar um instrumento de dentro prá

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fora, de fora prá dentro. A toda hora, a todo momento, de dentro prá fora, de fora prá

dentro.”39.

Nóvoa (1995) categoriza os estudos encontrados na utilização das Abordagens

Autobiográficas. De maneira geral eles se situam em: objetivos essencialmente teóricos,

relacionados com a investigação; objetivos essencialmente práticos, relacionados com a

formação, e, por fim, objetivos essencialmente emancipatórios, relacionados com a

investigação/formação. A pesquisa que realizamos enquadra-se na última categoria,

representando uma forma de estímulo à autonomia do coletivo de educadoras por intermédio

da participação na pesquisa que inclui a formação.

Ao longo dos Encontros de Pesquisa/ Formação ( na creche e na pré-escola)

orientamos as colaboradoras para a construção do relato autobiográfico que objetivou

resgatar, via um roteiro:

- o período da infância até a entrada na escola formal – relevando as necessidades de

cuidados e as necessidades educativas que estavam presentes;

- o percurso formativo na escola;

- as razões de ‘escolha’ profissional;

- a impressão de como foi fazer o relato, o que produziu na pessoa essa experiência.

Após a produção escrita, houve a socialização nos sub-Grupos, momento em que

foram oportunizadas revelações de histórias individuais que serviram também para compor

um cenário das histórias coletivas dos dois atendimentos institucionais, assim como da

construção social da profissão.

Identificamos em uma primeira análise questões como a temporalidade, as

interpretações e atribuições de significados, tipos de causalidade invocadas nas narrativas,

dialética entre permanência e não-permanência (fios condutores versus ruptura ou

deslocamento), ocorrência versus recorrência, continuidade versus mudança. Temas amplos

que serão problematizados na segunda parte do presente trabalho.

39 Letra de música composta e gravada por Joyce.

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3.3.3.2. Os Encontros de Pesquisa/Formação:

Justifica-se esse caminho metodológico por sua forma de organização privilegiar

o desenvolvimento de profissionais reflexivos em contraposição a um modelo de formação

prescritivo/ tecnicista, além de possibilitar, no próprio processo de gestão, alterações nas

práticas, resultantes de elaborações reflexivas acerca do cotidiano de trabalho institucional.

Organizado de maneira a possibilitar problematizações das práticas, tem a mediação teórica

como suporte, objetivando superar questões inerentes à relação teoria e prática.

Trata-se de uma adaptação da experiência de Grupos de Formação. Essas

experiências formativas nas escolas têm levado os pesquisadores a considerar que os docentes

passam a dividir sistematicamente seu trabalho com seus próprios pares e não mais apenas

com os alunos. A condição do professor na escola também é modificada. De um estado de

isolamento, o professor passa a vivificar um modelo de profissão que é baseado na gestão

coletiva e pública do ofício. Mudanças são apresentadas à medida em que a ação formativa

pressupõe a recriação e a revisão contínuas do trabalho que o professor realiza,

desestabilizando a maneira cotidiana de viver a condição de professor ao introduzir na escola

determinadas estratégias inusitadas de vivência profissional (estudo coletivo, socialização,

conhecimento entre os pares, reflexão sobre a própria prática), ao colocar em curso no âmbito

institucional, modos de re-significação da profissão docente que se confrontam com os

enquadres habituais com que os professores exercem seu ofício (Mussi, 2000).

Os princípios norteadores de um Grupo dessa natureza se define pela condição,

De que o sujeito constrói o conhecimento na interação com os outros através do estudo da

prática de seu trabalho e da teoria que a fundamenta. Esse sujeito cognitivo, afetivo e social

é uma totalidade que, imerso em seu trabalho, exercita o fazer, o pensar e o teorizar, pois

não existe prática sem teoria. Todo educador faz teoria e prática. (Prefeitura do Município

de São Paulo. S.M.E: 1990, p. 09)40

40 Considerando os limites do presente trabalho, adaptamos as idéias dos Grupos de Formação desenvolvidos pela Secretaria Municipal de Educação (S.M.E.) da Prefeitura do Município de São Paulo em 1989 como uma das modalidades do programa de Formação Permanente dos Educadores da rede municipal, priorizando os aspectos da reflexão pedagógica e da articulação entre teoria e prática. Os Grupos de Formação, naquela época, obedeciam à seguinte dinâmica: informes, síntese da reunião anterior, relatos de práticas pedagógicas, lanche, prática teórica, levantamento de conteúdos, planejamento, avaliação e tarefas para o próximo encontro. Uma visão dessa experiência de formação encontra-se sistematizada na Dissertação de Mestrado de Josimas Geraldo Lucas, intitulada “A teoria na formação do educador: análise dos Grupos de Formação Permanente de professores da S.M.E. de São Paulo”, defendida na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC-SP, em 1992.

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Uma outra dimensão, que justifica o procedimento dos Encontros de

Pesquisa/Formação e que nos é apresentada por K. Zeichner (2000), é a da necessidade de

passar em revista aquilo que as colaboradoras – tanto as estagiárias, quanto as educadoras das

instituições de educação infantil – aprenderam sobre infância, instituições de educação

infantil e seus educadores, vislumbrando outras maneiras de ensinar e de aprender.

Pelas palavras de Zeichner,

Os professores devem ser sacudidos, de modo a reexaminar o que eles aprenderam. A

apresentação que lhes fizeram da história foi muito seletiva, ignorando a contribuição de

vários grupos... Se alguém mencionar Paulo Freire aos estudantes, mesmo aqueles que

estão avançados no programa de Formação de Professores da Universidade de Wisconsin

dirão que nunca ouviram falar dele. Então, o tipo de experiência que o estudante tem é

muito limitado. Temos de romper com o sistema atual e buscar outras formas de progredir.

(Zeichner, 2000, p.7)

Isso nos remete à importância do estudo, um estudo necessário para problematizar

o trabalho. Estudo como postura diante do conhecimento e como postura metodológica que

nos auxilia a manter a prática com avaliação contínua e como possibilidade de construção de

uma nova relação com o conhecimento e, eventualmente, de postura diante do mundo.

Os sub-grupos de Pesquisa/Formação tinham como integrantes seis estagiárias e

seis educadoras das instituições colaboradoras da pesquisa (uma creche e uma pré-escola -

que recebe as crianças oriundas desta creche e foram organizados na forma de dez Encontros

quinzenais nas instituições colaboradoras com duração de 90 minutos cada). Tais Encontros

ocorreram quinzenalmente nas instituições colaboradoras no período de junho a novembro de

2002.

Entendemos que, desta maneira, dimensionamos a relação teoria e prática e a

indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, além de contribuir para desmistificar o

caráter prescritivo presente nas demandas de formação que, de maneira geral, são definidos

por profissionais que não atuam diretamente com as crianças e, via de regra, de fora para

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dentro das instituições educacionais, muitas vezes, não traduzindo as necessidades de

formação daqueles que lhes são objeto. Advindas dos chamados especialistas trazem um viés

administrativo-institucional que necessita ser relacionado às reais necessidades dos

educadores.

Busca-se a assunção do sujeito e, simultaneamente, do coletivo, em uma atuação

interinstitucional conformada na tríade: ensino, pesquisa e extensão. Desenvolvemos o

ensino, quando atuamos juntos na pesquisa com estagiárias da instituição formadora. Estamos

qualificando-o quando trazemos os dados da realidade investigada com diferentes olhares para

a sala de aula na forma de problematização. Desenvolvemos pesquisa, quando traçamos

procedimentos, vamos a campo, coletamos dados, problematizamo-los e construímos uma

interpretação coletiva na busca da melhoria da qualidade do serviço educacional já oferecido

às crianças nessas instituições. Desenvolvemos extensão, quando, na parceira com a

instituição colaboradora, estendemos nossas produções e olhares científicos, oportunizando

uma nova forma de entender a formação, a pesquisa no cotidiano da instituição educacional,

contruída através das trocas e reinterpretações daquela realidade.

Nessa primeira adesão ao projeto, consideramos que foram manifestadas, entre

outras, algumas Necessidades Formativas da parte das colaboradoras, sejam as estagiárias,

sejam as educadoras das instituições-campo de estágio. Necessidade de compreender melhor a

relação entre creche e pré-escola, subsídios práticos para o trabalho com crianças pequenas,

entendimento da pré-escola como responsável pela preparação adequada da criança ao ensino

regular formal – o ensino fundamental - necessidades de aperfeiçoamento profissional

compreendida na relação entre Universidade e estágio.

O cenário que contextualiza o momento da educação infantil nos municípios

brasileiros se caracteriza por uma fase de transição tanto para as creches, quanto para as pré-

escolas. Em Santo André, no caso das creches ligadas às entidades assistenciais, essas passam

a fazer parte da responsabilidade da Secretaria Municipal de Educação o que se traduz em

alterações de rotinas, procedimentos e orientações para o trabalho com as crianças e famílias.

No caso da pré-escola pública municipal, a divisão de espaço físico com a escola de ensino

fundamental (séries iniciais) também demanda outras formas de convivência, procedimentos,

rotinas, trazendo para as profissionais que atuam diretamente com as crianças pequenas uma

variedade de situações novas a serem enfrentadas. Entendemos que ao falarmos em

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Necessidades Formativas das educadoras de crianças pequenas supomos a caracterização

desse cenário de modo a qualificar as suas vozes. Certamente, na apreensão de suas

Necessidades Formativas, teremos que considerar o lugar de onde se fala.

Usaremos, ao longo do trabalho, nomes fictícios para as instituições

colaboradoras e para as colaboradoras da pesquisa, visando garantir o anonimato de ambas.

Tais nomes foram objeto de apreciação e pesquisa por parte dos grupos de colaboradoras e

serviram para iniciar as atividades do Grupo de Formação, juntamente com as histórias dos

nomes de cada uma, o que, em certa medida, caracteriza o processo inicial de construção de

identidades. A creche será doravante denominada Creche “Sementinha” e a pré-escola Escola

Municipal de Educação Infantil e Fundamental - EMEIEF “Gabriel Silva Santos”.

Os Encontros tiveram como objetivos:

- conhecer o grupo;

- conhecer a história da instituição de educação infantil – creche e pré-escola colaboradoras,

por meio de levantamento de dados pesquisados, de entrevistas pelas colaboradoras sobre

a sua origem: como surgiu, que necessidades foram atendidas, a evolução do atendimento

até os dias de hoje. Os documentos (registros) de que a instituição dispõe também foram

analisados, visando contribuir para a compreensão dessa história: Seria uma história

local?;

- buscar relações entre a história local e as histórias de creche e pré-escola no Brasil: dois

atendimentos diferenciados à criança pequena;

- possibilitar que as colaboradoras re-significassem a profissão de educadora de crianças

pequenas e as razões da opção por esse trabalho educacional, através dos Relatos

Autobiográficos que foram escritos e apresentados aos sub-grupos e das Entrevistas que

foram feitas individualmente;

- problematizar coletivamente alguns registros de práticas das educadoras, associados às

observações das estagiárias, intencionando adentrar o cotidiano dessas práticas, fazendo

emergir temas que mereceriam aprofundam ento de maneira a trazer à consciência das

colaboradoras as intencionalidades, a função social da educação infantil, a imagem de

criança, usuária do serviço educacional, o papel delas enquanto profissionais de educação

e cuidados, e as necessidades de formação que se apresentam.

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Os primeiros Encontros objetivaram construir a programação das atividades e a sua

forma de organização (Sensibilização do tema a ser tratado no dia; Apresentação das tarefas

coletivamente definidas – tendo sempre a mediação teoria e prática e Avaliação do Encontro),

distribuição de textos de suporte às tarefas de realização do Levantamento Histórico –

Entrevistas e Análise Documental41 – tarefa já realizada pelas estagiárias e a ser realizada

também pelas educadoras, buscando conhecer a origem da instituição de educação infantil

através da análise de documentos existentes e entrevistando pelo menos duas pessoas que

fizeram parte da história institucional. Outros textos selecionados de contos de histórias de

vida de professores42 representaram um subsídio à escrita dos Relatos Autobiográficos já

realizados pelas estagiárias e que também foi proposto para as educadoras.

Foi realizado também um contrato coletivo de participação, envolvendo:

freqüência aos Encontros, horários, tarefas, objetividades nas intervenções, construção de

laços coletivos, estudos, reflexões sobre a relação teoria e prática, disponibilidade para

mudanças nas ações educativas e pedagógicas, sigilo com as informações, pseudônimo das

colaboradoras e das instituições pesquisadas, o consentimento quanto ao uso dos dados para

fins de pesquisa. Além das orientações gerais quanto aos procedimentos a serem utilizados na

pesquisa, iniciamos um resgate da identidade das colaboradoras buscando entender a história

do nome de cada uma. Aquelas que não sabiam, dispuseram-se, a pesquisar com familiares e

pensar em pseudônimos significativos para cada uma e para as instituições de educação

infantis pesquisadas. Tal atividade foi importante para introduzir a dimensão da memória,

muito utilizada nos relatos autobiográficos, possibilitando a elaboração da identidade pessoal,

além de contribuir para que o grupo se conhecesse.

Nos últimos encontros enfatizamos:

- O processo de reflexão sobre as práticas educativas e pedagógicas das educadoras, tendo

como base os registros das estágiárias ( De campo) e das educadoras (Diários);

- A elaboração com cada sub-grupo uma síntese de suas Necessidades Formativas;

- A síntese coletiva feita pelos dois sub-grupos das Necessidades Formativas de Educadoras

de Crianças Pequenas em instituições de educação infantil.

41 Os textos de apoio relativos à Entrevista e Análise Documental são respectivamente:Gil, Antonio Carlos. Projetos de Pesquisa. SP: Atlas, 1996: 51-53; 92-94 (sobre entrevista e análise documental).42 Selecionamos contos premiados de histórias de vida de professores contidos em publicação da Secretaria Estadual de Educação de SP intitulado “O Professor escreve a sua história”, publicado em 1997.

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3.4. O caminhar da Pesquisa/Formação

De início, apresentamos a pesquisa aos sub-grupos de colaboradoras, que se

constituiria na forma de Encontros sistemáticos de Pesquisa/Formação como sendo também

um curso de extensão oferecido pelo Centro Universitário da Fundação Santo André com

carga horária, local e períodos definidos e com direito a certificado de participação ao seu

final. Optamos por esse procedimento considerando que essa condição facilitaria a inserção

das colaboradoras e representaria um estímulo à formação e, conseqüentemente, ao

desenvolvimento profissional.

A organização de Encontros de Pesquisa/Formação nas duas instituições-campo de

estágio representa uma tentativa de acesso direto às educadoras e ao mesmo tempo uma

possibilidade de formação contínua, conjugada com o acompanhamento e inserção nesse

grupo por parte das estagiárias.

Procedemos a abordagens para a aproximação ao Projeto e em todos os

agrupamentos (de estagiárias, de educadoras da creche e de professoras da pré-escola) o

interesse em participar partiu da disponibilidade pessoal de cada uma. No caso das estagiárias,

foi apresentado o projeto a um grupo previamente selecionado, tendo como critérios:

responsabilidade, freqüência às aulas, interesse em participação na Pesquisa/Formação e a

disponibilidade em realizar o estágio naquelas instituições-campo já definidas. Foi solicitado

que as mesmas refletissem sobre a viabilidade ou não de participação. Após um período de

tempo, as estagiárias manifestaram a adesão e foi constituído o segmento das estagiárias-

colaboradoras.43 As razões manifestadas por elas para participação na pesquisa diziam

respeito, entre outras, à possibilidade de melhor conhecer o cotidiano das instituições de

educação infantil, (para algumas isso representava uma novidade) ao aprender com a prática e

à participação em uma pesquisa, a fim de conhecer seus procedimentos. Vejamos isso em suas

narrativas,

43 É importante observar que houve grande interesse na participação da pesquisa por parte das estagiárias, sendo necessário redimensionar o número de participantes, pois de início prevíamos os sub grupos com duas estagiárias e duas educadoras das IEIs (Instituições de Educação Infantil)-campo de estágio. Posteriormente ampliamos para três de cada segmento.

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Participar na pesquisa será um conhecimento importante para mim, é um desafio a mais e

será benéfico para minha formação. (Maria da Conceição)

Eu acho importante essas duas questões: a formação profissional e o estágio. Acho que eu

tenho mais a receber do que a dar e isso contribuirá muito na minha formação. (Elaine)

Acho que é a possibilidade de ver o lado da prática, ver como funciona, as dificuldades que

as pessoas passam, o papel da direção da unidade, como ocorre a interação com a

comunidade, entre outras coisas. (Maria Eugênia)

Já no caso das educadoras das instituições colabroadoras, no caso da creche já

havíamos recebido convite para organização de cursos para profissionais de creches

assistenciais do município e iniciamos trabalho investigativo no ano de 2001 na própria

instituição. A presente investigação na creche representa a continuidade de um trabalho de

formação das educadoras. Naquela ocasião, intencionamos diagnosticar a qualidade do

atendimento formando, para isso, um Grupo de Estudos44, com a participação de duas

educadoras e a coordenadora da instituição, com reuniões quinzenais, em que debatíamos

questões pertinentes às observações e buscávamos referenciais teóricos que servissem como

balizadores das práticas desenvolvidas pela instituição e da reflexão sobre as mesmas.

Realizamos coletivamente um vídeo-diagnóstico, buscando reconstituir as rotinas

de trabalho das educadoras e, ao longo das reuniões, foram surgindo propostas de melhoria da

qualidade do trabalho, tais como: contratação de pessoal, definição clara das funções,

necessidade de horário para planejamento conjunto pelas educadoras. Quando apresentamos

os objetivos da presente pesquisa como forma de continuidade deste trabalho, três educadoras

já se apresentaram como candidatas à participação como colaboradoras, tendo como razões o

aprimoramento profissional, a possibilidade de trocas, de aprendizagens, a união entre a

formação contínua e o estágio: dois temas provocadores, a superação dos próprios limites.

Para as estagiárias também representa a possibilidade de aprendizagem.

No dizer de uma delas,

44 O Grupo de Estudos nessa época era constituído pelas educadoras da creche, a coordenadora pedagógica, três docentes do Centro Universitário da Fundação Santo André da área da Educação Infantil e duas estudantes do curso de Pedagogia, tendo uma sido contemplada com bolsa de estudos de Iniciação Científica.

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Eu achei que era uma oportunidade de aprendizagem. Eu tenho a intenção de continuar a

estudar e como estagiária eu ainda não tenho a responsabilidade de fazer uma pesquisa e

aprender. Penso que as anteninhas têm que ficar ligadas hoje em dia, não é? (Gabriela)

As educadoras de creche entenderam que a participação proporcionaria

aprimoramento, melhor desenvolvimento profissional no trato com as crianças, sendo um

complemento à sua formação. As professoras de pré-escola consideraram que favoreceu a

participação o fato dos Encontros ocorrerem na própria escola, pela facildiade de acesso, pela

periodicidade para cada segmento de creche e pré-escola, pelo fato dos encontros serem

quinzenais e de oferecerem certificado de participação, o que resultaria em melhor pontuação

na carreira docente, além de possibilitar a reflexão e auto-reflexão, contribuindo para suprir as

necessidades de formação profissional.

Participar na pesquisa será para mim crescer como profissional. É bom estar sempre

renovando, participando das coisas. Ás vezes a gente pensa que não tem erros, mas vai

vendo, vai observando, vendo o ponto de vista das outras pessoas e tendo uma nova visão.

(Ana Beatriz)

Para a definição da pré-escola colaboradora, o o processo foi mais demorado.

Apresentamos primeiramente o projeto de pesquisa para os responsáveis pela Secretaria de

Educação local, solicitando autorização para a realização da pesquisa e sugerindo uma pré-

escola da rede municipal, devido ao fato da referida instituição receber as crianças oriundas da

creche anteriormente definida para a pesquisa. Na ocasião, a pesquisa foi acolhida e entendida

como um trabalho que poderia vir a favorecer as ações de formação levadas a efeito nas

escolas. Houve, contudo, questionamento da parte dos responsáveis pela Secretaria de

Educação acerca da constituição do grupo de educadoras.

Por que não contemplar nessa formação os chamados “técnicos”, assistentes

pedagógicos e coordenadores de área – responsáveis pela orientação pedagógica na rede

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municipal? 45 Esta foi uma pergunta feita reiteradas vezes, pelas equipes dirigentes da área de

educação do município. Relevamos a opção pela formação das educadoras que atuam

diretamente com as crianças devido aos objetivos da pesquisa se restringir à ação/produção de

identidade profissional dessas educadoras e a necessária vinculação que será estabelecida no

grupo, além do fato de que a presença de diferentes níveis hierárquicos no Grupo de Pesquisa/

Formação poderia inibir as participantes de revelarem suas identidades e as vicissitudes

presentes na expressão das necessidades do trabalho.

Outra preocupação presente nesse grupo dizia respeito ao controle do processo da

pesquisa. Como os dirigentes municipais de educação iriam acompanhar o desenvolvimento

desse trabalho na escola-campo de estágio e como seria realizada a devolutiva da pesquisa?

Procuramos nesse aspecto esclarecer que trata-se de um tipo de pesquisa que não oferece

dados a priori que possam revelar evolução e/ou fracasso na ação educacional de seus

participantes. É no processo de constituição do grupo e conseqüentemente da pesquisa que

serão identificados elementos que servirão para implicar e estabelecer novas relações e

mudanças nas práticas.

Pretende-se que as ações de mudança caracterizadoras de processos reflexivos

sobre as concepções e práticas se constituam, daí os caminhos definidos para a realização da

pesquisa/formação priorizarem as narrativas das educadoras e o estímulo à construção de

trabalho coletivo, de modo a favorecer a voz das mesmas. Entendendo que só os próprios

profissionais podem ser responsáveis por suas formações, objetiva-se criar as bases para a

consolidação dessa condição.46 Quanto à devolutiva dos resultados da pesquisa, relevou-se a

importância mais do processo que do produto em um tipo de pesquisa com essa abordagem e

que as devolutivas ocorrem de forma simultânea à pesquisa com o grupo colaborador. Para os

representantes da esfera pública municipal, nos comprometemos, tão logo o trabalho estiver

sistematizado, apresentá-lo à pré-escola colaboradora e à Secretaria Municipal de Educação.

45 A esfera pública municipal de educação de Santo André conta com um staff pedagógico e administrativo organizado na ordem, por: Secretário de Educação/ Secretário Adjunto de Educação/ Diretorias de Ensino (Infantil e Fundamental e Jovens e Adultos e Profissional)/ Gerências de modalidade/ Coordenadores Pedagógicos de setor/ Assistentes Pedagógicos para duas ou três escolas. Nas unidades de pré-escola, o quadro de pessoal é composto por: diretor/ um profissional de apoio administrativo/ professores e pessoal operacional.46 Entendemos que para qualquer processo educativo, a condição do querer aprender/ transformar é de âmbito pessoal, do próprio sujeito que aprende, de modo que, em processos/programas de formação, trata-se de criar as condições favoráveis para que isso ocorra. Por outro lado, esse sujeito é uma síntese histórica, de maneira que o querer dele é também construído historicamente.

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Contamos assim com o aval da Secretaria de Educação, sendo realizada outra

reunião com a diretora e a assistente pedagógica da pré-escola sugerida para colaborar na

pesquisa, para apresentação do projeto e para outros esclarecimentos. Novamente na presença

da pessoa responsável pela Secretaria de Educação questionou-se se a não participação dos

“técnicos” no grupo de pesquisa.

Reiteramos nossas razões anteriores e o projeto de pesquisa foi assim também

acolhido pelas pessoas responsáveis pela pré-escola. Definiu-se por outra reunião, agora com

a presença das professoras da pré-escola, as quais seriam convidadas para o encontro,

aproveitando parte de uma Reunião Pedagógica Semanal (R.P.S.)47. Na ocasião,

compareceram também as estagiárias –colaboradoras da pesquisa. Como fizemos

anteriormente com os outros segmentos, apresentamos as intenções do projeto de pesquisa

para um público de professoras, essencialmente de um único período (tarde) que estava

presente à R.P.S. De pronto, uma professora manifestou-se interessada em colaborar na

pesquisa por entender que essa participação favoreceria sua formação trazendo subsídios para

seu trabalho, uma vez que viveu experiência docente no ensino fundamental 48e acredita que

as crianças apresentam defasagens que necessitam ser supridas na pré-escola. À primeira

vista, as finalidades de Pesquisa/Formação parece fazer sentido para as professoras. Nas

palavras de uma delas,

Eu acho que o “x” da questão é esse mesmo que você objetiva na pesquisa: o que o

professor de educação infantil precisa? Aqui na escola eu trabalhei com 3ª, 2ª e 1ª séries do

ensino fundamental com a mesma turma e vivi o problema de não saber o que tem que

fazer para garantir a continuidade do processo educacional com as crianças. ( Giovanna-

profª)

Evidenciamos nessa narrativa o caráter preparatório da pré-escola, o entendimento

de que na antecipação daquilo que se considera necessário para a escolarização obrigatória,

47 As ações de formação e acompanhamento do trabalho pedagógico na unidade educacional ocorrem nessas reuniões semanais que tentam aproximar os profissionais que atuam nos diferentes períodos. 48 A educação no âmbito municipal em Santo André, como resposta às novas atribuições dos municípios com relação ao ensino fundamental, a partir de 1997, estruturou uma rede de ensino fundamental (primeira a quarta série) no mesmo prédio onde anteriormente funcionavam só as EMEIs –Escolas Municipais de Educação Infantis, atualmente denominadas como EMEIEF- Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental.

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se criam as condições de eficácia no processo de escolarização obrigatória, o ensino

fundamental.

A maioria das professoras se manifestou de forma simpática às intenções da

pesquisa/formação, porém com dificuldades de horários e outros compromissos que

comprometeriam a participação.

Solicitamos que fossem feitas propostas, que seriam por nós avaliadas, de dias e

horários possíveis para as professoras interessadas em participar. Saímos da reunião com a

certeza de que somente uma professora se disporia a participar e que seriam convidadas outras

professoras, de outros períodos.

Passada uma semana, a professora, já colaboradora da pesquisa, efetivou um

verdadeiro trabalho de convencimento, com propostas de dias e horários para os Encontros, o

que resultou em mais duas professoras que se mostraram favoráveis em colaborar, uma por

razões de ordem administrativo/ funcional – a pesquisa se constituiria em um curso e,

portanto, representaria uma pontuação a mais em sua carreira profissional e de ordem

profissional, já conhecia a docente – pesquisadora. Além disso, interessou-se pela parte

metodológica da pesquisa, uma vez que faz estudos em nível de Mestrado, contribuindo ainda

para sua evolução funcional na carreira, entendendo esse trabalho como um aprendizado. A

outra professora, além das mesmas razões, manifestou outras, relacionadas ao aprimoramento

profissional,

Acho que está faltando mais empenho meu em fazer cursos. Acho que me acomodei um

pouco. Esta seria uma oportunidade de estudar, me atualizar. Eu li o projeto da pesquisa. A

parceria com a profa. Paula também me ajudou. Foi um conjunto de coisas: as facilidades,

por exemplo, o fato de ser aqui na escola, o horário que ficou flexível para nós, ser

quinzenal. Sabia que o trabalho seria sério. O certificado ao final da pesquisa também vai

nos ajudar na pontuação na carreira. A reflexão que a pesquisa proporcionará ao grupo,

tudo me levava a crer que seria bom para minha vida profissional. Acho que as questões da

entrevista fazem refletir sobre meu trabalho. (Mônica)

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Lima, ao analisar a formação contínua do professor, tendo como base a realidade

de dois cursos de pós-graduação lato-sensu (especialização) em Educação, realizados na

Universidade Estadual do Ceará, chama a atenção para o discurso da qualificação, presente

nas políticas educacionais em que o portador de um bom currículo como exigência do

professor qualificado, se encontra desde a legislação de ensino até os requisitos para a seleção

de professores, assim como nos editais dos concursos. Entre os vários aspectos presentes

nesse discurso oficial, salienta,

Outro aspecto da qualificação está no fator cartorial da titulação, que, muitas vezes, não é

sinônimo de competência, mas é moeda corrente na sociedade excludente. A procura

descompromissada do certificado e do diploma, servindo apenas para o cumprimento das

exigências legais, tem sido muito comum. (Lima, 2001, p. 28)

O destaque dado ao fato dos Encontros acontecerem na escola, parece indicar uma

necessidade das professoras em conjugarem ações de formação com a prática desenvolvida na

unidade educacional, uma questão aparentemente óbvia, mas que carece de programas de

formação nesse sentido. Um processo crescente de auto-reflexão sobre o desenvolvimento

profissional se observa em vários momentos nos procedimentos metodológicos utilizados.

Embora extenso, faz-se importante destacar, nesses episódios, junto com a

esperança de parceria entre Universidade (instituição formadora) e ações de formação em

educação em nível local, uma aparente resistência da Secretaria de Educação local, no que se

refere ao controle dos desdobramentos da pesquisa e o papel dos “técnicos” na condução dos

processos formativos no interior da unidade educacional. Sabemos que pesquisas dessa

natureza não trazem de antemão um desenho contornado do que virá a acontecer. Mesmo com

os caminhos descritos, a ação será definida ao longo do caminho, o que dificulta ajustes

externos à ela.

Fica em relevo nesses episódios uma certa crença já estabelecida nos meios

educacionais de que as iniciativas de formação profissional devem partir e ser acompanhadas

por quadros “técnicos”. Perguntamos:

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Onde as educadoras que atuam diretamente com as crianças em Instituições

de Educação Infantil se situam no processo de sua formação?

Uma pergunta que tentaremos responder neste trabalho.

Nóvoa (2001) ressalta em seus estudos a importância de processos de

aperfeiçoamento da prática pedagógica através do diálogo e debate entre colegas de trabalho,

partilhando experiências, como forma de combate à reprodução de teorias e práticas. Para ele,

aprender a ensinar envolve a rejeição a formas de corporativismo e a necessidade de

afirmação de um coletivo profissional; a participação em planos de regulação do trabalho

escolar, de pesquisa, de avaliação conjunta e de formação continuada, partilhando tarefas e

responsabilidades; saber trabalhar em grupo; participação em movimentos pedagógicos de

debate, reflexão e intervenção nos sistemas de ensino; organização de momentos

interdisciplinares de trabalho através dos métodos de seminários de observação mútua;

espaços de prática reflexiva; laboratórios de análise coletiva das práticas; dispositivos de

supervisão dialógica e articulação teoria e prática. Reconhece o espaço da incerteza e da

instabilidade presentes nas sociedades contemporâneas, asseverando que há dilemas que as

respostas do passado já não servem e as do presente ainda não existem.

Zeichner, também enfatiza nesse sentido que,

Deve existir uma conexão estreita entre a formação de professores na universidade com as

escolas e as comunidades. Não deve haver atividades acadêmicas isoladas, em que as

pessoas somente vão para as universidades e assistem aulas sobre mudança social. É

preciso estudar as coisas em contexto. Talvez essa seja a maior mudança necessária. Para

isso, os professores devem sair da universidade e passar mais tempo nas escolas, as quais

precisam estar conectadas com as comunidades. Muitas escolas em áreas pobres são como

fortalezas: os professores entram e saem da escola, não vivem lá e não têm compromissos.

(Zeichner, 2000, p.14)

No primeiro momento de constituição do grupo colaborador na pesquisa foi

necessário definir os horários das reuniões do Grupo de Formação. De início, atribuímos aos

dois grupos - de creche e de pré-escola – a definição sobre o melhor dia e horário para os

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mesmos. Tal definição foi objeto de longas negociações entre estagiárias, educadoras e a

própria pesquisadora, até chegarmos a uma definição que favorecesse a participação dos

grupos colaboradores.

O fato de haver dificuldade na organização desses horários evidenciou, entre

outras razões, a perversa jornada de trabalho à qual as educadoras estão submetidas, com

compromissos de trabalho em período integral e de estudos49. Algumas trabalham de manhã

em uma instituição de um município e, à tarde em outra, de outro município. O único horário

possível ficou restrito à saída da pré-escola e da creche no período do final de tarde e início

da noite, de maneira que os compromissos de estudos, e trabalho nesse período ,estariam

resguardados. Os Encontros ficaram acertados da seguinte forma:

1ª e 3ª semanas do mês – às 2ªs feiras: das 17:15 às 18:45 horas na creche;

2ª e 4ª semanas do mês – às 3ªs feiras: no mesmo horário na pré-escola.

Integrante da última fase do estágio na Habilitação em Educação infantil, as

colaboradoras/estagiárias elaboraram e apresentaram às duas instituições, desta feita em um

grupo mais ampliado de estudantes, dois projetos de formação de educadores (um para a

creche e um para a pré-escola), com os seguintes temas: para a creche: “A arte do adulto x A

arte da criança”, que objetivou sensibilizar as educadoras da creche para a necessidade do

desenvolvimento da formação estético/cultural no trabalho com a arte da criança. Para a pré-

escola, o tema enfocado teve como título: “O lúdico e as intencionalidades”, que derivou de

observações e pesquisas acerca das rotinas dos grupos etários, do espaço e dos materiais,

tendo como referência central a intencionalidade das educadoras na proposição das rotinas de

atividades aos grupos de crianças e a dimensão lúdica.

3.5. A forma de tratamento e análise dos dados

49 Vale lembrar que, por se tratar de mulheres, é possível falar que com a adesão ao projeto a jornada se tornaria quádrupla. Três períodos, de trabalho e estudos, e mais ainda uma jornada de trabalho doméstico em seus lares. As jornadas de trabalho são diferenciadas para as educadoras das duas instituições de educação infantil. Na creche, a jornada das educadoras é de oito horas com crianças e uma “Parada Pedagógica” mensal em que não há atendimento de crianças. Na pré-escola, a jornada das professoras é de quatro horas diárias com crianças e duas horas semanais para reuniões de Planejamento e organização do trabalho, além de uma reunião pedagógica bimestral. É comum as professoras de pré-escola atuarem em mais de uma escola, trabalhando dois ou mais períodos.

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Após o término das Entrevistas e dos Relatos Autobiográficos escritos e

socializados nos sub-grupos, iniciamos um primeiro movimento de análise, organizando os

dados em grandes núcleos temáticos – que serviram para caracterizar a produção da pessoa.

Quanto aos Encontros de Pesquisa/Formação, de modo concomitante, íamos

assistindo novamente às sessões e anotando episódios importantes. Vale lembrar que

tínhamos um Diário de Campo que registrava in loco os acontecimentos dos Encontros. Ao

final de todos os Encontros, revimos as sessões, visando complementar os dados registrados

objetivando investigar a produção da profissão e da organização institucional.

Pessoa, profissão e organização dialogaram em todos os espaços e momentos da

coleta de dados, assim como nos momentos de tratamento e análise dos mesmos.

Várias leituras e releituras desses materiais (entrevistas, relatos autobiográficos e as

anotações dos Encontros de Pesquisa/Formação) foram necessárias até chegar a um estado de

“impregnação” do seu conteúdo (Ludcke & André, 1986). Um conjunto inicial de Núcleos

Temáticos foi emergindo tendo sempre como critério nessas leituras os objetivos da pesquisa

e os referenciais teóricos de Identidade Profissional de educadoras de crianças pequenas em

instituições de educação infantil, na mira da construção de um conjunto de categorias

explicativas.

Uma análise menos formal ia sendo construída durante todo o processo de coleta de

dados. Ao final, porém, um tratamento mais formal foi necessário buscando tendências e

padrões relevantes em confronto permanente entre os referenciais evidenciados nos Capítulo I

e II, os dados da realidade e a aprendizagem desenvolvida ao longo da pesquisa.

Organizamos o processo de análise em duas fases50:

- Fase de segmentação dos materiais : que poderiam sugerir futuras linhas de análise,

possíveis conexões com outros dados e com a literatura. Para isso foi necessário efetuar a

paginação de todo o material e proceder anotações em separado, dos episódios e das

páginas de origem dos mesmos;

50 Importantes sugestões para o tratamento e análise de dados em Pesquisa Qualitativas encontram-se na obra: Metodología de la Investigación Cualitativa de autoria de Gregorio Rodríguez Gómez; Javier Gil Flores e Eduardo García Juménez. Málaga: Ediciones Aljibe, 1996.

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- Fase de categorização : o processo de separar as informações segmentadas em fragmentos

significativos buscando explicações, contextualizando e contrastando com estudos

similares. Esses dois últimos movimentos fomos perseguindo ao longo da escrita do

trabalho como um todo e não só na fase final de análise.

Nesse desenrolar da análise de dados, muitas vezes tivemos que tomar decisões

necessárias para a objetivação da investigação, sobretudo pelo fato de termos desenvolvido

uma variedade de instrumentos metodológicos. Uma verdadeira garimpagem desses dados foi

necessária para trazer ao centro da análise somente as dimensões que interessavam ao foco do

estudo. Por vezes, tivemos a impressão de estar realizando várias teses ao mesmo tempo.

Para além das decisões contínuas que uma pesquisa com essas características

requer, o papel de pesquisadora foi se construindo ao longo do estudo, evidenciando e por

vezes, reafirmando, as crenças, as convicções assumindo a impossibilidade de neutralidade

na pesquisa/formação.

Para a análise dos dados, utilizamos as orientações de Bogdan & Biklen (1994),

reforçadas por Gómez, Flores & Jiménez (1999) e por Denzin & Lincoln (2000) no processo

de construção das categorias, passando pelas subjetividades presentes nesse processo, pois o

pesquisador, sendo o principal instrumento na pesquisa qualitativa, torna-se imprescindível

balizar-se pela comunicação constante, no nosso caso, entre pesquisadora e colaboradoras,

pela explicitação dos métodos e procedimentos utilizados e pela constante preocupação com

as apreciações do grupo de colaboradoras com a variedade de situações, fontes e momentos da

pesquisa. Tivemos acesso a uma multiplicidade de informações, resultado de uma relação de

confiança e de vínculos construídos nesse processo, ou nele aprimorado.

O produto dessa análise explicitaremos na segunda parte do trabalho.

As pegadas dos caminhos para a compreensão das identidades profissionais de

educadoras de crianças pequenas evidenciam itinerários plurais. Construída sempre em

relação a algo, as identidades profissionais de educadoras de crianças pequenas no Brasil se

situam num terreno de fragilidades e de conquistas, de intersecção entre as trajetórias de vida

dos profissionais que atuam em creches e pré-escolas, de sistemas de emprego, trabalho e

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formação, num cenário de menos de duas décadas de um novo estatuto para a infância, que

teve como conseqüência uma nova maneira de dimensionar a formação desses profissionais,

conjugado às perspectivas atuais para a formação de professores e um novo dimensionamento

na concepção de educação infantil, como primeira etapa da educação básica.

O trânsito de uma concepção de guarda e de escolarização para uma concepção

de educação global da infância requer uma análise que ultrapasse interpretações estanques e

que considere educadoras de crianças pequenas como profissionais, o que implica em

condições de trabalho para o exercício profissional, sustentada em uma formação

universitária e contínua capaz de sedimentar uma cultura de formação, que não se inicia, nem

termina, na formação nesse nível de ensino. Antes, considera o percurso formativo

desenvolvido ao longo da vida, as implicações e significações produzidas, tendo no estágio

um momento privilegiado nesse percurso.

A identidade pessoal é considerada aqui como base para a construção da

identidade profissional nos diversos momentos formativos, tanto para aquelas que estão se

inserindo no campo profissional através do estágio, como para aquelas que exercem o ofício

de educar e cuidar de crianças pequenas em instituições de educação infantil.

O diálogo dessas identidades com as identidades institucionais conformam uma

maneira de compreendê-las e analisá-las.

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Parte II

Pessoa, Profissão e Organização Institucional: maneiras interligadas de compreender as

identidades profissionais de Educadoras de Crianças Pequenas

Amigos africanos me asseguraram que,

em muitos idiomas nativos da África, há um montão de termos para “caminho e caminhar”, com incríveis

nuances. Caminhar com uma criança, se fala de um modo. Caminhar com os pais, já se fala de outra maneira.

Caminhar com amigos se diz de um jeito, com uma pessoa amada, ainda de outro. Mas segundo me disseram

esses amigos da África, apesar de tantas palavras para “caminhar”, nas línguas deles não existe nenhuma palavra

para “caminhar sozinho”.

(ASSMANN, H. )

Na perspectiva já apontada por Nóvoa (1992), trata-se de considerar processos de

desenvolvimento interligados: o desenvolvimento pessoal (produzir a vida do professor), o

desenvolvimento profissional (produzir a profissão docente) e o desenvolvimento

organizacional (produzir a escola).

Objetivando assegurar essa tríade indissociável: pessoa, profissão e instituição,

organizamos a pesquisa de maneira a possibilitar que a formação ocorresse no processo da

mesma, produzindo ações reflexivas e re-significadoras/podendo gerar transformações nas

concepções e nas práticas.

Dessa maneira, oportunizamos que o desenvolvimento pessoal das

colaboradoras se efetivasse investindo na pessoa e promovendo o saber da experiência.

Acreditando com Dominicé, (1985, p.149-150) que “a noção de experiência mobiliza uma

pedagogia interativa e dialógica” buscamos provocar a produção de significações sobre as

vivências e experiências de vida, criando condições de autoformação. As trocas de

experiências, as partilhas observadas nos Encontros de Pesquisa/Formação configuram

espaços de formação e de desempenho de papéis ao mesmo tempo de formador e de

formando. Intenciona-se nessa perspectiva, a construção de um espaço de identidades em

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contextos diferenciados como o de creche e de pré-escola. Um tempo para ver a si e ao outro,

de explicitação de identidades.

As narrativas presentes na dimensão oral, através das entrevistas individuais e dos

relatos autobiográficos (escritos e posteriormente socializados nos sub-grupos), tentaram dar

conta dessa dimensão formativa.

O desenvolvimento profissional e organizacional caracterizou-se pela

possibilidade da produção da profissão de educadora de crianças pequenas, através da

participação nos Encontros de Pesquisa/ Formação, contribuindo para a emancipação

profissional, oferecendo-lhes condições para a assunção de responsabilidades do seu próprio

desenvolvimento profissional, protagonizando mudanças.

As investigações e as conseqüentes reflexões, levadas a efeito nesses Encontros,

seja no início no mergulho das memórias individuais desenvolvidas nos relatos

autobiográficos, no relato nas entrevistas, nas constantes reflexões ao longo dos Encontros,

seja ao final, através do processo reflexivo sobre as práticas com as escritas dos Diários51 e

das necessidades de formação para os dois sub-grupos, oportunizou o reforço à construção de

uma imagem de profissionais de educação de crianças pequenas que se produz no interior da

profissão, mobilizando para isso, diferentes saberes, mirando caminhos possíveis para a

compreensão das identidades profissionais.

Buscou-se ainda o desenvolvimento institucional de maneira a que as

colaboradoras vivenciassem as instituições (creche e pré-escola) por dentro, conhecendo suas

origens, criando condições para a visualização da instituição como um todo e da possibilidade

de construção de novos projetos institucionais e interinstitucionais. Tivemos como ações

nesse sentido, o processo investigativo acerca das histórias de creches e de pré-escolas,

ocasião em que as colaboradoras analisaram os documentos existentes nessas instituições,

identificaram informantes-chave e entrevistaram-nos, visando recuperar suas origens,

demandas, necessidades sociais, formas de organização e evolução, para compreensão do seu

51 Ao procedermos as primeiras análises dos materiais coletados na Pesquisa/Formação observamos que os caminhos vislumbrados para o seu desenvolvimento são ao mesmo tempo potencializadores de processos reflexivos e complementares. Por demandarem um grande potencial para sua análise efetuamos a análise das Entrevistas, dos Relatos Autobiográficos e dos Encontros de Pesquisa/Formação. Os Registros Diários das educadoras e os Diários de Campo das estagiárias se justificam enquanto recursos mobilizadores de reflexões/proposições no âmbitos dos Grupos de Formação e poderão ser utilizados em futura investigação.

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funcionamento atual, da efetiva função social da creche e da pré-escola no momento em que

a atravessamos e sobretudo, da imagem de criança e de infância presentes nesses percursos

institucionais. As práticas de trabalho com as crianças, observadas e registradas em Diários

de Campo pelas estagiárias e refletidas pelas educadoras através dos Registros Diários,

também mereceram destaque.

Concordamos ainda com Nóvoa, em sua afirmação de que,

Toda formação encerra um projecto de ação. E de trans-formação. E não há projecto sem

opções. As minhas passam pela valorização das pessoas e dos grupos que têm lutado pela

inovação no interior das escolas e do sistema educativo. Outros passarão pela tentativa de

impor novos dispositivos de controlo e de enquadramento. Os desafios da formação de

professores (e da profissão docente) jogam-se neste confronto. (Nóvoa, 1992, p. 31)

As narrativas nesse trabalho têm o propósito de fornecer elementos para uma

reflexão retrospectiva e prospectiva de visualização do futuro, a possibilidade de

transformação de concepções e de práticas.

Apresentamos a seguir o grupo de colaboradoras:

Todas as colaboradoras –estagiárias, educadoras de creche e professoras de pré-

escola são do sexo feminino.

Com relação à idade, as estagiárias estão na faixa etária entre 20 a 47 anos, sendo

uma na faixa de 20 a 30 anos, quatro na faixa de 31 a 40 anos e uma na faixa de 40 a 50 anos.

Nesse agrupamento se situam estagiárias que pararam de estudar e até de trabalhar devido ao

casamento e ao nascimento e educação dos filhos, retornando aos estudos em média após 10

anos desse período. As educadoras da creche também estão dentro da mesma faixa etária,

sendo duas entre 20 a 30 anos e uma entre 40 a 50 anos. As professoras da pré-escola se

situam as três na faixa etária dos 30 a 40 anos.

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O tempo de serviço na função apresenta diferença entre os dois sub-grupos. As

educadoras de creche estão no exercício profissional há menos de três anos. No caso das

professoras de pré-escola, uma atua há três anos como professora e as duas restantes contam

com um tempo de serviço superior a quinze anos. A diferença de tempo de serviço que

caracteriza os dois sub-grupos é reveladora das condições inerentes aos profissionais de

educação infantil, que atuam em instituições públicas e assistenciais, tais como a estabilidade

no emprego – no caso do serviço público para as professoras de pré-escola - e inversamente

no caso das educadoras de creche, a grande mobilidade de pessoal verificada nas instituições

assistenciais que, por oferecem salários abaixo daqueles praticados na área e condições de

trabalho desfavoráveis, provocam evasão dessas profissionais para outras ramos de atividade

profissional, dificultando entre outros fatores, internamente nas instituições, a formação de

equipes e sobretudo, a continuidade do trabalho educativo e pedagógico nos âmbitos interno e

externo, necessitando a construção contínua de novos vínculos entre criança/educadoras, entre

educadoras entre si e entre equipe educacional e famílias significando um constante recomeço

das ações de formação levadas a efeito nessas instituições.

O grupo colaborador na pesquisa reside na região do ABCD paulista e são naturais

de Santo André (SP) –2-; São Caetano do Sul –5; do Norte do Paraná –1-; S. Paulo (SP) –4.

Como as educadoras nutrem suas necessidades estético-culturais e de participação

social?

Uma fruição cultural, para além da educacional se faz necessária para qualquer

educador, especialmente aqueles que trabalham com crianças de tenra idade, pelas “cem

linguagens”52 que esse segmento etário apresenta em sua forma de expressar e ver o mundo.

O universo cultural das colaboradoras se apresenta para as estagiárias da seguinte

forma: apreciam atividades de teatro, cinema e só uma desenvolve uma linguagem expressiva

(a música – violão). Quando não estão estudando, trabalhando ou realizando tarefas

domésticas, na medida do possível, procuram freqüentar museus, cinemas, teatros. Apreciam

leituras de auto-ajuda, de ficção, clássicos da literatura e religiosos. Relatam que gostariam de

freqüentar mais atividades culturais e de lazer, acesso dificultado pelas condições financeiras.

52 Tese defendida na obra organizada por EDWARDS, Carolyn. As cem linguagens da criança. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.

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As educadoras de creche apreciam desenvolver atividades de artesanato, pintura

em cerâmica e teatro e viajam ou desenvolvem atividades físicas quando não estão

trabalhando ou estudando. Já as professoras de pré-escola só uma desenvolve atividade

artística (violão e canto). Apreciam ter maior participação em shows, cinema, teatro, passeios

com a família, mergulho, Internet, relevando as dificuldades financeiras para esse exercício.

O acesso aos bens e produtos culturais se mostra como um dificultador potencial

para todas as colaboradoras, seja pela falta de hábito, seja pela dificuldade de acesso devido à

restrições de ordem financeira.

Quanto à participação em Sindicatos, agremiações, Igrejas ou Partidos Políticos

as estudantes não participam, com exceção de uma que é filiada a partido político. Das

educadoras de creche só uma participa de grupo de jovens em igreja. No agrupamento das

professoras de pré-escola, duas não participam e uma já participou, hoje não participa mais.

A inserção social e coletiva aparece como uma dificuldade manifestada pelo

grupo de colaboradoras. Ampliar a participação social para além das ações inerentes ao ofício

de educar crianças, parece apresentar-se como necessidade, uma vez que a educação

pressupõe uma determinada visão de mundo que é produzida também na/pela participação

social, sobretudo quando consideramos que o estilo de vida dos educadores dentro e fora da

escola, as suas identidades e culturas ocultas têm impacto sobre suas práticas (Goodson,

1995).

Optamos por caracterizar os sub-grupos de colaboradoras para além de uma

identificação espaço-temporal por entender que o universo sócio-cultural das mesmas em

muito influencia a construção de suas identidades profissionais. O lugar de que se fala revela

a visão de mundo, além de contribuir para revelar também a pessoa, a profissão e a

organização institucional.

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Capítulo 1 . Produzindo a Pessoa: - construindo-se Educadora de Crianças Pequenas

através das narrativas

Há um passado no meu presente/Morando junto lá no meu quintal/

Toda vez que minha bruxa me assombra/O menino me dá a mão/

E me fala de coisas bonitas/Que eu acredito que não deixarão de existir/

Amizade, palavra, respeito, caráter/Bondade, alegria e amor.

(Bola de meia, bola de gude

/Milton Nascimento/ Fernando Brant)

As narrativas das colaboradoras foram obtidas através das entrevistas e dos relatos

autobiográficos. As entrevistas foram realizadas individualmente e os relatos autobiográficos

foram realizados individualmente e por escrito. Posteriormente os mesmos foram socializados

oralmente nos sub-grupos participantes dos Encontros de Pesquisa/Formação.

Nas entrevistas, observamos uma grande disponibilidade das colaboradoras em

expressar seus pontos de vista e de sentirem-se reconhecidas profissionalmente. Entendemos

ser este um fator relevante no processo de construção das identidades profissionais, pois

dimensiona e valoriza o profissional que se é, a partir do olhar de um outro, diferente,

possibilitando a construção de uma imagem de si, a partir de como o outro o vê. Foi comum

ao término das entrevistas o comportamento de agradecimento por parte das colaboradoras,

como na expressão de uma delas,

Eu agradeço a você ter feito essa entrevista, porque isso me remeteu a pensar sobre coisas

que estavam bem quietinhas, guardadas, não que a gente não pense nessas coisas, mas acho

que deu uma remexida. (Mônica-profª)

Essa mesma professora, ao final da escrita de seu relato autobiográfico, acentua,

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Penso que todos os educadores deveriam fazer seus relatos autobiográficos, porém que

fosse significativo para sua vida pessoal e profissional. Eu me senti muito importante em

saber que alguém vai ler e que eu pude me expressar verdadeiramente.

Nessa afirmação da professora fica caracterizada a necessidade de ambientes

institucionais de apoio profissional, de valorização da pessoa e de canais de reflexão,

expressão e manifestação.

Para a realização das entrevistas, aguardamos o momento de construção grupal em

que o clima de confiança já estava conquistado junto aos sub grupos, de maneira que houve

uma condição favorável a que as diversas perspectivas das colaboradoras sobre os temas

tratados fossem manifestadas.

Com relação aos relatos autobiográficos, observamos reações que nos impelem a

reafirmar o caráter formativo do trabalho com as memórias. Tanto da parte das estagiárias,

quanto da parte das educadoras das duas instituições colaboradoras, evidenciou-se um desejo

de comunicar, expressando suas subjetividades, estando aí presentes as singularidades.

Alguns relatos se apresentaram muito abreviados (os menores tinham duas páginas), ao

mesmo tempo que outros se apresentaram extensos (os maiores variaram entre 25 e 30

páginas). Houve casos de tamanho envolvimento com a tarefa de escrever que a colaboradora

atravessou noite adentro escrevendo e só percebeu o passar do tempo com o clarear do dia.

Segundo ela, o tempo não passou... Um verdadeiro paradoxo se considerarmos que era

exatamente sobre o tempo, ou sobre seu percurso formativo enquadrado em um tempo e a

reflexão sobre ele, o objeto da sua escrita.

Conforme nos lembrava Cazuza, “eu vejo o futuro repetir o passado/ eu vejo um

museu de grandes novidades/ o tempo não pára/ não pára, não, não pára”53.

A memória, apresenta essa potencialidade de,

53 Letra de canção originalmente composta por Arnaldo Brandão e Cazuza e regravada por diversos cantores brasileiros.

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Cruzando a história e a intimidade, o mais público e o mais pessoal, em crônicas muito

originas e prenhes de contingência, crônicas do indivíduo na família, na escola, no trabalho,

no bairro ou na cidade, em todo grupo onde os homens se nutriram simbolicamente e onde

empenharam, não sem contradições, aquilo que eles são, sujeitos colocados, como nós, na

encruzilhada da cultura e do desejo, da estereotipia e da idiossincrasia, trazendo marcas e

padrões característicos de cada sujeito atinge o pensamento, mas também e sempre de novo

a imaginação, a fantasia e as emoções, a espontaneidade e a inventividade, enfim todas as

camadas do humano. (Gonçalves Filho,1988: p.99)

A memória apresenta-se reavivada a cada vez que dela fazemos uso. Quanto mais

se lembra, mais se escreve ou se fala sobre a experiência vivida, conseqüentemente mais se

re-significa, estando nesse caso presentes as dimensões individual e coletiva da memória.

Somos naturalmente seres contadores de histórias. Conformando-se como um cmpo

multidisciplinar, a memória apresenta uma infinidade de possibilidades de uso e

interpretações.

Nesse aspecto, uma qualidade importante dos relatos autobiográficos é a

intencionalidade de comunicar, de se fazer ouvir pelo outro (Ferarrotti, 1988). Nesse sentido,

as narrativas autobiográficas se apresentam por vezes, descontínuas, pois a seleção ocorre

mais pela significação atribuída pelo narrador aos fatos, do que a sua seqüência lógica/linear.

Olhar o passado com os olhos do presente.

Diversos autores enfatizam o uso da autobiografia na formação de professores

como uma das primeiras metodologias para o estudo da educação a partir do questionamento

sobre o que significa para uma pessoa ser educada e como se educam as pessoas em geral.

Situa-se em uma matriz de investigação qualitativa pois baseia-se na experiência vivida e nas

qualidades de vida e da educação produzidas em relação. Justificando-se como um campo de

trabalho multidisciplinar, o emprego do relato autobiográfico em processos de investigação

qualitativa é assim definido por Conelly & Clandinin,

Cuando ambos, investigadores y practicantes, cuentam historias sobre su relación en la

investigación, es muy possible que sean historias que se refieran a la mejora en las propias

disposiciones y capacidades, en la natureza colaborativa del processo de investigación

desde el punto de vista de que todos los participantes se vem a sí mismos, como miembros

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de una comunidade que tiene valor para ambos, para investigadores y practicantes, para la

teoria y para la práctica. (Conelly & Clandinin, 1995, p.19)

Uma construção e re-construção permanente se processa, conjugando

compreensão, interpretação e emancipação. Uma dupla dinâmica de ouvir a si mesmo,

associada a teorização sobre a própria experiência, tendo a linguagem como uma pedagogia

crítica da palavra e do mundo. Fizemos uso dos relatos autobiográficos nas dimensões de

pesquisa e de formação. Enquanto instrumento de pesquisa, possibilitou a coleta de dados, a

aproximação entre pesquisador e pesquisados, entre teoria e prática e entre sujeito e objeto.

Na perspectiva de formação, foi salientado mais o processo que o produto, oportunizando o

resgate do passado como fonte para a compreensão do presente e visualização do futuro, a

problematização dos temas trazidos, a condição de sujeitos que tiveram suas vozes

amplificadas.

Devido ao grande envolvimento dos dois sub-grupos na escrita e na socialização

das autobiografias e como uma maneira de sintetizar para cada uma sua história pessoal no

tempo, ao final do processo de socialização oral dos relatos autobiográficos nos sub-grupos,

sugerimos que cada colaboradora produzisse em uma linha do tempo – do nascimento até

aquela data – os momentos significativos do seu percurso formativo, realizados na escola ou

fora dela, na vida. Todas realizaram esse segundo exercício autobiográfico, servindo para

explicitar experiências e histórias que se entrecruzaram e como mais um instrumento de re-

significação da trajetória de formação, uma forma de tornal visível a re-significação

produzida.

Tal mapeamento foi de grande utilidade no procedimento de análise dos dados,

buscando similaridades e pontos comuns nas narrativas. Procedemos com relação à essa

análise, a um movimento de mão dupla que ia das narrativas para as leituras teóricas

norteadoras da pesquisa e destas, novamente às narrativas.

Devido à riqueza do material coletado e da sua dimensão formativa, consideramos

para análise e interpretação todas as entrevistas e os relatos autobiográficos. Utilizamos

entretanto, três critérios básicos para efetuar recortes para essa análise: a clareza de expressão,

a possibilidade de proceder a transferência/transposição das situações lembradas para o

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trabalho com a criança pequena e a causalidade, permeadas pelas significações e re-

significações que conduziam a narrativa.

Efetuamos assim uma seleção de forma e de conteúdo relacionadas aos propósitos

da investigação, desenvolvidos após a escrita dos relatos autobiográficos e da realização das

entrevistas. Tal seleção estendeu-se durante os Encontros de Pesquisa/Formação, permitindo a

construção de relações e de compreensão das significações presentes nas narrativas.

Longe de buscar generalizações, nos guiamos pela compreensão do processo de

construção de identidades profissionais de educadoras de crianças pequenas em três ambientes

institucionais distintos: uma creche pública assistencial, uma pré-escola pública e uma

instituição formadora de nível superior de educadores de crianças pequenas numa atividade

específica de estágio. Ambientes que se apresentam em espaços e tempos próprios e que

carecem de diálogo.

A seguir apresentamos as categorias – fruto do exercício de análise das narrativas

- que expressam a construção de identidades de educadoras de crianças pequenas no universo

investigado. São elas, as identidades construídas em relação ao gênero; a pré

profissionalização construída em relação à infância e à escola; as razões da “escolha”

profissional: os fios condutores da formação; o exercício profissional: ver e ver-se; a

formação contínua; os limites e possibilidades pessoais no trabalho com crianças pequenas em

instituições de educação infantil; ‘ser e tornar-se’: a apropriação do percurso formativo.

1.1. As identidades construídas em relação ao gênero

Para as colaboradoras da pesquisa, todas mulheres, um misto de inevitabilidade/

inclinação natural para a profissão se apresenta, justificado por razões de compatibilidade

com o lar e a educação dos filhos. De que lugar essas mulheres falam? Observamos nas

narrativas produzidas tanto pelas estagiárias, quanto pelas educadoras, que trata-se de um

lugar socialmente construído no âmbito das relações de poder entre homem e mulher.

Verifiquemos a naturalidade com que as colaboradoras se referem às suas inserções na área da

Educação,

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Eu comecei o curso de Pedagogia em outra Faculdade só que não concluí por razões de

trabalho. Depois eu me casei e fui morar no interior e foi passando o tempo, nasceram

minhas filhas e aí agora depois que elas ficaram grandes eu quis voltar e comecei tudo de

novo. (Gabriela – estagiária)

Quando eu prestei vestibular meu marido falou: ‘Você quer competir com as mocinhas?’ e

eu respondi: ‘Não é questão de competição, mas de condições e de força de vontade.’ Aos

poucos foi mudando a cabeça dele sobre isso. (Maria da Conceição – estagiária)

Desde pequena eu falava que ia ser professora. Eu sempre andava com lousinha e giz

embaixo do braço. Então não tem jeito mesmo, já veio escrito nas estrelas que eu ia ser

professora. (Giovanna – profª EMEIEF Gabriel S. Santos)

Necessidade de aperfeiçoamento pessoal, em um contexto feminino

caracterizado por grandes limitações, o trabalho com crianças pequenas se apresenta como

uma alternativa pessoal e também profissional, como fica evidenciado nos relatos abaixo,

Comecei a trabalhar com criança em creche há apenas três anos. Tudo foi uma

experiência que no decorrer do tempo fui ganhando. Fui me sentido mais segura, me

superando e chega uma hora que você faz uma avaliação da sua vida profissional e vê

que é capaz. Pretendo fazer o curso superior, me aperfeiçoar e tenho certeza que posso

contribuir no aprendizado aliando a técnica com a prática, pois devo ressaltar que

cuidar de crianças para mim virou paixão. (Tina- educadora da Creche Sementinha)

Decidi voltar a estudar e me aprofundar em educação infantil devido ao meu filho, para

contribuir com o seu desenvolvimento e poder voltar para a escola mais preparada. Ele é

minha motivação e esperança para voltar a lecionar e tentar mudar as coisas. (Elaine-

estagiária)

Scott (1995) define o gênero como um processo histórico e culturalmente

construído entre homens e mulheres “um elemento constitutivo de relações sociais fundadas

sobre as diferenças percebidas entre os “sexos” e, além disso, “um primeiro modo de dar

significado às relações de poder.”

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Tomar a perspectiva relacional entre homens e mulheres nos permite identificar

como as relações construídas no âmbito social e da família contribuíram para a

definição/opção pela carreira do Magistério para as colaboradoras da pesquisa.

As relações entre docência e gênero têm sido tratadas de maneira a revelar que a

profissão se confunde com a história das mulheres. O ingresso das mulheres no Magistério

ocorre no Brasil ao longo do século XIX, acompanhado pela ampliação da escolarização.

Inicialmente apoiado no discurso científico chegava-se a afirmar que seria uma temeridade

entregar às mulheres, portadoras de cérebros “pouco desenvolvidos” pelo seu desuso a

educação das crianças. Em contraposição, outras vozes afirmavam que só as mulheres teriam

“por natureza” uma inclinação para o trato com as crianças, sendo as naturais educadoras. Se

a maternidade é, de fato, o seu destino primordial, o Magistério passa a ser representado

também como uma forma extensiva da maternidade. O Magistério compreendido como uma

atividade de entrega, de amor, de doação, para a qual ocorreria quem tivesse vocação (Louro,

1997).

Uma trajetória que vem buscando no seu itinerário uma identidade,

De professorinha normalista do início do século, orgulho da família e possível sonho de

homens jovens, se passa à educadora dos anos cinquenta – numa época em que se ampliava

e se psicologizava ainda mais a prática docente. Os anos setenta, com todo o discurso de

tecnologia, eficiência e produtividade, constituem as profissionais do ensino. Tais discursos

procuram exorcizar o improviso e construir uma educação escolar efetivamente planificada

e “eficaz”. Mas os mesmos anos setenta produzem, também a contraface desse profissional,

a tia, como aquela a quem cabe apenas dar afeto, aquela de quem escapam as decisões

mais importantes e que se dissolve num parentesco generalizante e anônimo. (Louro, 1997,

p.83)

Bueno, em pesquisa realizada com estudantes de curso de Magistério de nível

médio no estado de São Paulo, ressalta o caráter da inevitabilidade desse ofício para certos

grupos de mulheres,

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A procura pelo curso por parte de muitas alunas em função de seu caráter menos exigente,

não é uma opção, mas o único caminho possível para completarem sua escolarização, já

que tiveram uma formação deficiente desde o primeiro grau, agravada em muitos casos pela

interrupção da escolaridade, como é o caso das mais velhas. Essa representação não se

encontra apenas no nível das idéias, mas se acha alicerçada e, portanto, materializada em

realidades muito concretas e objetivas, sem dúvida relacionados à condição de classe das

alunas. (Bueno, 1996, p.151)

O uso ou a supressão das expressões “eu” ou “nós” nos relatos autobiográficos

também mereceu nossa atenção, em alguns casos, pela quase impessoalidade da

narrativa, como na introdução desse relato, em que a narração acontece como se o

narrador (o próprio sujeito que conta a sua história) se referisse a outra pessoa. Narrativa

que revela o caráter da polifonia, vozes que estão submersas, um ‘eu’ que fala pelo outro,

como narrado pela professora,

Era uma madrugada fria, depois de uma noite agitada, Dona Maria vai para a maternidade,

amparada pelo seu marido. O médico, já avisado, espera a paciente que chega impaciente .

Às seis horas da manhã, vem o médico avisar que a menina e a mãe passavam bem e que

era questão de tempo que o marido pudesse vê-las. Após a visita, o marido vai trabalhar e

retorna mais tarde para apanhar mãe e filha. Então chega em casa Giovanna, é uma menina

de saúde enfraquecida por uma bronquite asmática, desde muito cedo. E por temer perdê-la

como perdeu seu primeiro filho, a mãe a superprotege, e sem perceber podava sua ação.

(Giovanna- profª EMEIEF Gabriel S. Santos)

Ao final ainda afirma, “espero ter esmiuçado com clareza, neste registro quem é a

Giovanna.”

Tal aspecto também foi encontrado na pesquisa citada, atribuindo a esse

fenômeno a possibilidade de expressar o modo mais acentuado de certas marcas de nossa

cultura que ao longo do tempo se impôs à mulher, entre outros comportamentos, maior decoro

e discrição no falar de si, corroborado por Michelle Perrot (1989) ao descrever as dificuldades

de reconstituição da história das mulheres quase restritas ao mundo privado, a vida material, a

história familiar enquanto aos homens coube a narrativa dos grandes feitos e dos

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acontecimentos políticos, ou seja, a vida pública. O público e o privado podem representar

assim, os lugares da construção dessas identidades.

Em outro estudo, sobre educadoras de crianças pequenas e gênero, Cerisara

(2002) conclui que a identidade profissional nesse caso, exigiu tomar como base a identidade

pessoal dessas mulheres, construída socialmente dentro de uma ocupação socialmente

desvalorizada. Profissões construídas no feminino e que trazem implícito as marcas do

processo de socialização entre homem e mulher, que tem em nossa sociedade, no caso da

socialização feminina, como eixos fundamentais o trabalho doméstico e a maternagem54.

Para as educadoras de creche, a dimensão de gênero também se apresenta, devido,

entre outros fatores, a origem da instituição se pautar pelas transformações do mundo do

trabalho, o aumento da capacidade de emprego feminino e a necessidade de local seguro para

a guarda e proteção das crianças na ausência dos pais, o fato da maioria das educadoras ser do

sexo feminino, a grande vulnerabilidade das crianças muito pequenas, e a proximidade com a

família, como observamos abaixo,

A conquista da criança exige de nós muita paciência e perseverança, pois nem sempre a

criança entende a sua ida para a creche, de repente ela se vê ali aos cuidados de outras

pessoas e que não é a sua mãe. E aí entra o nosso trabalho, trabalhar a confiança da criança,

dando a ela motivos para que ela se sinta segura e dando muito afeto e carinho. Quando a

mãe entrega essa criança para você na creche, quando ela abre os braços para você é uma

resposta dela, isso significa conquista pois ela já te deu um bom motivo para iniciar um

trabalho de amizade e confiança. (Tina- educadora/Creche Sementinha)

Trata-se de um aspecto muito sutil presente na identidade de educadoras de

crianças pequenas, que precisam fazer uso de maneira contínua da afetividade, do

acolhimento da criança e de sua família no contexto institucional, acompanhando o processo

de crescimento e desenvolvimento, avaliando os progressos, o que parece ser gratificante para

as educadoras. Associa-se a isso a construção de vínculos com as famílias, evidenciando o

caráter social da creche.

54 Por maternagem, entendemos as atitudes dos adultos com as crianças que priorizam o afeto e os cuidados, considerados culturalmente como condição inerente à maternidade.

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Isso parece indicar que o tratamento das questões de gênero com educadoras de

crianças pequenas implica em tratar das diferenças que não representam em princípio,

estereótipos e preconceitos mas antes, a reconstrução de padrões concebidos como masculino

e feminino.

Sabemos da pouca produção teórica acerca da identidade das educadoras de

creche. Ongari & Molina (2003) em estudo sobre as imagens do trabalho com crianças

pequenas produzidas por educadoras de creche na Itália, concluíram que as motivações que

apoiam o envolvimento profissional se caracterizam por percursos de aprendizagem,

essencialmente centrados na própria experiência, e por competências educativas não ligadas à

idéias que evocam aptidões “femininas” ou “naturais”, tendo como modelos de referência

para definição da profissão a inspiração em professores de pré-escola.

O estudo acima citado nos traz a dimensão cultural da produção da profissão de

educadora de crianças pequenas no âmbito das políticas públicas educacionais. O caso da

Itália pode colaborar com a reflexão sobre como promover a interação entre creches e pré-

escolas no Brasil, considerando ambas na área da educação infantil Na Itália a história

profissional da educadora de creche é marcada por mudanças ocorridas nos anos 70, com a

transição das creches da ONMI (Opera Nazionale Maternita e Infanzia, órgão paraestatal

instituído no período fascista como forma de tutela da família e de crianças abandonadas) para

os órgãos públicos, em geral, as Prefeituras. Essa transição significou um potencial apoio à

construção do papel profissional mais educativo do que assistencial das educadoras (Ongari

& Molina, 2003). No Brasil, por outro lado, as educadoras de creche se produzem

profissionalmente num cenário ambígüo ainda da relevância do assistencial sobre o

educacional, mesmo considerando que em alguns casos, a exemplo do que se observou na

Itália, o modelo de referência seja o modelo escolar, carregado de sua forma instrucional.

Na perspectiva de algumas estagiárias, mulheres que voltaram a estudar após um

interregno de tempo devido ao casamento e a vinda dos filhos, a busca por uma profissão que

tenha significado em suas vidas acentua ainda mais a condição de gênero. As narrativas

abaixo evidenciam isso,

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O estágio para mim está sendo importante, acho que a experiência mais importante de todas

que tive no ensino superior, também pelo fato de não ter a experiência de trabalho

propriamente dita. Acho também que pelo fato de ter uma ligação forte com meu filho que

é pequeno, de ver as suas necessidades, penso que esse profissional tem grande

responsabilidade nessa educação. (Elaine)

Eu me sentia insatisfeita e falava ‘Ai meu Deus, o mundo é tão grande e eu naquela

vidinha’. Pensava que não podia resumir minha vida em ser simplesmente dona de casa, ser

mãe de duas crianças, quando eu tenho tanta coisa ainda para oferecer. Eu e meu marido

conversávamos naquela época que a sociedade está mudando. E ele dentro da empresa que

trabalhava dava para manter a casa, mas eu pensei: as coisas mudam... a gente nunca sabe o

que pode acontecer amanhã. Então eu queria fazer alguma coisa, poder contribuir... (Maria

da Conceição)

Alguns atributos considerados de natureza feminina caracterizam a relação entre

homens e mulheres. Os homens situando-se na esfera do domínio público e as mulheres, no

domínio privado.

Carvalho (1998) ao estudar as práticas de cuidados desenvolvidas por um

professor e quatro professoras das séries iniciais do ensino fundamental, acentua as

dicotomias presentes na polarização entre as dimensões do público e privado tais como: classe

e sexo-gênero; produção e reprodução; cultura e natureza; homem e mulher; racionalidade e

afetividade, evidenciando valores e modelos culturais construídos no masculino e no

feminino. Observamos também as mesmas dicotomias presentes nas colaboradoras dessa

investigação.

As narrativas das colaboradoras parecem indicar o lugar em que as mulheres-

educadoras ou candidatas a educadoras – estagiárias - falam, qual seja, o lugar da mulher na

sociedade do trabalho, da hierarquia, do domínio masculino, fugindo de uma certa maneira, a

perspectiva profissional, o direito a realização em uma profissão escolhida e almejada. Ser

educadora de crianças pequenas parece ser ainda uma profissão inerente a ser mulher, quase

uma extensão da condição feminina. Condição essa que, como sabemos, é fruto de construção

histórica. Reconstruir esses padrões, promovendo reflexões acerca das relações de gênero, de

poder, da pouca valorização social da profissão de educadora de crianças pequenas,

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esmiuçando o caráter da maternagem com qualificativos importantes, porém não suficientes

para o trabalho com crianças pequenas, os espaços do eu e do nós, do público e do privado no

que se refere à profissão e as relações nos ambientes institucionais de crianças pequenas, são

temas merecedores de análise em qualquer processo formativo e em especial, no que se refere

às educadoras de crianças pequenas.

Qual seria então o caminho percorrido pelas colaboradoras até o exercício

profissional? Através da reflexão produzida sobre a própria infância e o percurso formativo,

as colaboradoras têm a oportunidade de re-significá-lo com os olhos do presente.

1.2 A pré-profissionalização construída em relação à Infância e à Escola

Trazer à tona as lembranças55 de infância das colaboradoras pode contribuir para a

produção de reflexões sobre as necessidades educativas e cuidativas que tinham quando

pequenas e por conseqüência, a imagem de criança presente hoje na sociedade e na educação

de crianças pequenas. Desenvolvimento do imaginário, através das fantasias infantis,

dificuldades que conduziam à criação/ invenção de brinquedos, artifícios das crianças para

reapresentar o real no contexto das relações familiares. Formas das crianças poderem ser

verdadeiramente crianças, são temas manifestados em seus relatos,

Dizem que criança tem esse negócio de ver anjo brincar com amigo invisível. Quando era

pequena eu tinha o meu amigo invisível, o nome dele era Eduardo. Ele vinha brincar

comigo todo dia e quando chegava perto das 18:00 horas eu olhava para cima da casa e

falava: “não, Du não vai embora”. Dizem que os anjos sobem para o céu nesse horário.

(Maria Alice- estagiária)

Na pré-escola havia visitas constantes do paroco da igreja. Italiano, forte, austero, exigente

e muito simples. Com suas faces rosadas e olhos azuis miúdos, nunca sabíamos se estava

bravo ou sério. Em suas visitas, sempre abençoava as crianças dizendo que Jesus as

buscava e que ele as amava e um dia... seriam estas pequenas crianças que iriam governar o

mundo. (Giovanna- profª EMEIEF Gabriel S. Santos)

55 “Lembrar-se” em francês se souvenir, sgnifica um movimento de “vir de baixo”: sous-souvenir, vir à tona o que estava submerso. In BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: Lembranças de Velhos. SP: Companhia das Letras, 1994.

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Imagens ricas de infância, de adultos que marcaram, necessidades educativas e

cuidativas, memórias que certamente contribuem para repensar as ações educativas e

pedagógicas com as crianças nas instituições infantis hoje. A infância das colaboradoras é

manifestada com saudosismo, com uma certa comparação da condição que a criança tinha no

passado e que não tem mais nos dias de hoje, ressaltando a importância do lúdico, das

interações, das transformações que a infância sofreu ao longo do tempo,

Naquela época não tínhamos televisão e no quarto havia uma parede com defeito de

construção que parecia um quadro que chamávamos de nossa t.v. Inventávamos , eu e meus

irmãos, os programas e assim as noites passavam. Era muito divertido. (Mônica – profª

EMEIEF Gabriel S. Santos)

Gostava muito de brincar com boneca debaixo do pé de limão, que tinha em frente do

quintal da bizavó. Morávamos distante da cidade e o leiteiro passava todos os dias de

carroça. Ele era muito dócil. Era como um avô que eu não tinha. O que eu mais gostava era

o pomar. Ainda posso sentir o gosto, o cheiro da terra e do pasto. (Elaine- creche

Sementinha)

Maneiras diferentes de interação familiar, para meninos e meninas, juntando-se à

rigidez das famílias, demonstram as possibilidades que as colaboradoras tinham de viver a

infância, como destacado por uma educadora,

Adorava brincar com minha irmã e com o meu irmão de cabaninha de cobertor. Ficávamos

horas nessas brincadeiras. Meu irmão brincava mais, saia do outro lado da rua e descia o

barranco escorregando, em uma caixa de papelão. Sinto até hoje o cheiro do mato e da

terra. Ele cortou a perna e não derramou uma lágrima. O medo de apanhar era maior,

porque minha mãe avisava que se machucasse e fosse reclamar chorando, ainda apanhava

por cima. (Ana Beatriz)

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Esse período de socialização primária associa mecanismos de desenvolvimento

das capacidades e de construção de regras, valores, provenientes da família, da vizinhança,

escola e dos grupos de pares com outras crianças. Dessa maneira são construídas as primeiras

identidades por assimilações e acomodações, que contribuem sobremaneira para a

constituição de referências culturais que identificarão os grupos de pertença e posteriormente,

de referência (Dubar, 1997).

Adultos que marcaram a infância assinalam as necessidades das crianças

relacionadas à educação e aos cuidados. A inserção no mundo dos adultos evocando

aprendizagens, representações, características de adultos que marcaram significativamente

esse período de vida, conforme a narrativa de Ana Beatriz nos evidencia,

Ficava muito feliz quando minha mãe me levava na escola. Isso era raro, e eu ficava

radiante. Como não tinha asfalto, ela me pegava no colo.

Eu adorava a nova casa que fomos morar porque podíamos participar da sua construção:

pegar água, areia, tijolos e plantar. Era uma casa distante da cidade e o leiteiro passava

todos os dias de carroça. Era o Sr. Neno e ele era muito dócil. Era como um avô que eu não

tinha e então passamos a freqüentar sua fazenda. Tinha gado, pomar com jaboticabeira.

Ainda posso sentir o gosto e o cheiro da terra e do pasto.

Compreender a infância como uma construção social nos permite acompanhar a

evolução do atendimento à infância nas décadas de 50 a 80 em nosso país, período em que as

colaboradoras relatam ter vivido dos zero aos 12 anos de idade, algumas moradoras em

regiões rurais, outras moradoras da região onde moram atualmente. Histórias individuais que

trazem a dimensão das conquistas da infância no país.

As colaboradoras com idade superior a 40 anos relatam não ter cursado pré-escola

pela quase inexistência dessa modalidade educacional, no período da infância desse grupo. As

colaboradoras com idade inferior a 40 anos se referem a ter cursado a pré-escola, a maioria na

escola pública municipal, Na região do ABCD, a exemplo do que ocorreu nos municípios de

porte médio e grande no país, foi na década de 70 que se iniciou o investimento e/ou

ampliação da oferta de vagas em pré-escolas de período parcial. Antes desse período, a oferta

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de vagas de reduzia a poucas salas de aula anexas aos antigos Grupos Escolares, com duração

de um ano apenas ( o popular “prezinho”).

Gradativamente e à medida em que os municípios passaram a assumir ao

atendimento em pré-escola, a esfera pública estadual não mais investiu em oferta educacional

para a faixa etária de quatro a seis anos. É também a partir da década de 70, período de maior

inserção da mulher no mercado de trabalho, de aumento da demanda por instituições

educacionais que atendam crianças pequenas no período de trabalho dos pais, que as

instituições pré-escolares mantidas pela iniciativa privada são ampliadas, a exemplo do

modelo das pré-escolas públicas e, em muitos casos, com exigências mínimas de qualificação

profissional para os educadores.

O caráter preparatório dessas instituições trazia implícito uma imagem de criança

dependente do adulto, que precisava se adaptar às exigências da escola obrigatória, nos

primeiros passos de uma socialização que ultrapassava o âmbito familiar. A concepção de

pré-escola que permeava esses programas pré-escolares de maneira geral, era pautada pela

antecipação dos rituais da escola, pelos treinos motores e pelas habilidades consideradas

necessárias à aquisição da leitura e da escrita. Via de regra, os programas eram desvinculados

dos reais acontecimentos históricos e sociais e sobretudo, dos interesses e necessidades das

crianças. Um modelo de pré-escola como ante-sala da escola formal/obrigatória de

características eminentemente monoculturais e centradas na figura do adulto/educador.

Nenhuma colaboradora relata ter vivido na infância experiência institucional

em creche, mesmo as colaboradoras com idade inferior a trinta anos. As creches,

primeiramente as mantidas por instituições assistenciais e posteriormente, as mantidas

diretamente pelos governos municipais, são uma conquista recente no Brasil. Em que pese

que o atendimento institucional para a infância seja feito desde o início do século vinte, tal

serviço esteve sempre marcado pelo atendimento à população mais necessitada, que

apresentava risco de vida e de maneira geral, com serviços de qualidade empobrecida. As

creches de caráter assistencial que, em sua maioria atendem crianças de zero a quatro anos de

idade em período integral, se ocupavam de cuidar das crianças, garantindo-lhes segurança e

proteção durante o período de trabalho dos pais.

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Se a trajetória feita na escola básica serve para manifestar uma forma de

compreender a qualidade da educação básica, observamos uma re-significação do que essa

escola representou no percurso formativo das colaboradoras, revelando a organização do

sistema escolar e as transformações que o sistema público de ensino sofreu. Para as

professoras de pré-escola,

Se compararmos à época, acho que era bom, uma educação rígida, diferente da educação de

hoje. A minha mãe, minha família nunca foi muito presente na escola comigo. As escolas

que estudei ficavam no bairro, na periferia, então não tive uma educação tão boa assim

como nas escolas do centro, como estudar num Américo Brasiliense56 por exemplo.

(Mônica-profª)

Acho que o meu ensino básico foi bom e muito prazeroso, principalmente o curso de

Magistério. Era um tal de pesquisar isso, pesquisar aquilo, mas tudo de uma vez, a gente

tinha que se virar da noite para o dia. Tinha uma sobrecarga mas era uma coisa gostosa

porque ia de encontro com o que a gente queria. (Giovanna-profª)

Foi uma escola boa. Estudei em escola pública, acho que hoje está decaindo um pouco.

Hoje eu vejo totalmente o contrário, as escolas particulares é que são escolas de qualidade e

não a escola pública que deveria ser referência. ( Paula-profª)

No agrupamento das educadoras de creche, houve pouca referência à qualidade

da educação básica. Há o relato de uma educadora que não realizou os estudos no período

regular, devido à necessidade de trabalho e os afazeres da vida doméstica, realizando

posteriormente cursos de suplência. Relata, nesse sentido, uma experiência marcante em sua

vida,

Ir para a escola para mim era uma grande expectativa. No início tive boas professoras.

Dona Rosinha por exemplo, era meiga e muito boazinha. Na seqüência vivi aquela que

posso dizer hoje foi a ipor e mais desagradável experiência que tive na escola nesse

período. A professora chamava-se Letícia, era autoritária, arrogante, tinha um tom de voz

agudo. Eu só sentia medo. Quando chamava para ir à lousa, se o aluno não ia, ela ia

buscar na base da regüada, do puxão de orelhas e beliscões. Certo dia, ela me chamou à

lousa para fazer lição de matemática e uma das continhas estava errada. Nesse dia ganhei

56 A Escola Estadual Dr. Américo Brasiliense situada no centro da cidade sempre foi alvo de disputa de vagas tanto para os estudantes, quanto para o ingresso de professores.

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tantos gritos e beliscões que a partir daí comecei a inventar tantas dores para não ir à

escola, pois não suportava essas torturas.

Ela era horrível. Posso fechar os olhos e vê-la novamente com seu rosto manchado por

sardas, cabelos penteados para trás, batom sempre vermelho e sombrancelhas finas. Hoje

eu tenho várias dificuldades, uma delas é justamente em matemátiica. Quanto tenho que

fazer um cálculo e usar o raciocínio lógico, fico muito nervosa (Tina)

Experiências que deixaram marcas educativas, um modo de carregado de

significações escolares mais negativas do que positivas, que de alguma maneira servem

para conformar uma concepção de educação e de educação infantil.

Se a trajetória escolar trouxe significações para as colaboradoras, como

considerar a passagem da criança da creche para a pré-escola ou desta para o ensino

fundamental?

A partir das suas experiências como crianças/estudantes, as colaboradoras foram

solicitadas a refletir sobre a relação existente entre creche e pré-escola nos dias atuais. Todas

as colaboradoras consideram que há uma descontinuidade educativa, um choque para a

criança que precisa se adaptar a um novo ambiente sem ter contudo, preparação para isso. O

diálogo inter-institucional parece ser uma necessidade, existindo algumas experiências de

interações positivas nesse sentido,

Eu acho que as coisas estão começando a mudar. Onde eu trabalho, existe a creche e

somente um portão que a separa da EMEI. As crianças da creche utilizam o espaço da

EMEI o que favorece ao menos um contato entre os espaços. A EMEI espelhando-se no

trabalho mais lúdico realizado pela creche, trabalha desde o ano passado com salas

ambientes, o que faz com que perca um pouco daquele espaço simplesmente “escolar”, mas

mesmo assim não existe uma continuação, é uma ruptura e o início de um novo trabalho.

(Bia- estagiária)

De fato uma escola da infância que não hierarquize ações e procedimentos, não

segmentando-as necessita de um profissional capaz de entender a criança em sua perspectiva

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global, implicando por conseqüência, em uma formação e criação de condições estruturais e

institucionais que favoreçam essa concepção.

O relato de uma colaboradora expressando o choque que sentiu, quando criança,

na antiga escola primária é revelador de como a escola fragmenta o sujeito criança,

transformando-o em aluno.57 Novamente experiências escolares negativas marcando a

trajetória escolar,

Fui para a segunda série primária cada vez mais insegura porque na 1ª série ficava na fileira

considerada fraca. Percebia que estava lá, mas a professora não me enxergava, não se

importava comigo. Lembro que ensinava o que era conjuntos, pontos cardeais, sistema

solar etc. Hoje entendo porque sou tão indecisa e sempre que ia fazer prova ficava indecisa

e apavorada. Então como era fraca, a professora me reprovou. (Ana Beatriz - educadora da

Creche Sementinha)

Rupturas, novas adaptações em uma trajetória de desenvolvimento infantil que

desconsidera as necessidades das crianças.

A passagem criança-aluno constituindo uma realidade significativa na

trajetória humana é hoje um campo fértil nas estruturação dos mundos do imaginário, de

maneira especial, do imaginário infantil,que compreende a ruptura no plano primordial e a

entrada na cena-da-aula o segundo desmame (Scalco, 1999).

As educadoras de creche avaliam como negativa a qualidade da educação básica

que tiveram pois, das três colaboradoras, duas apresentaram dificuldades em acompanhar o

ritmo da escola, não contando com um acompanhamento e estímulo à aprendizagem nos

ritmos considerado próprios para cada uma. Terminaram por construir uma imagem de

escola associada ao fracasso individual. Sabemos que essa imagem, tão incentivada pela

instituição escola, está longe de garantir uma educação para todos, meta preconizada nas

diretrizes oficiais de educação .

57 Importante considerar que etimologicamente a palavra “aluno” derivada do latim alumnus, designa aquele que não tem luz. Acreditando que os alunos têm luz própria e que precisam de um impulso (da parte de um educador) para brilhar. Buscamos manter coerência com essa afirmação e utilizamos neste trabalho a expressão estudantes e/ou estagiárias e não alunas.

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Já para as estagiárias, observa-se uma análise da escola, utilizando para isso

instrumentos da própria Pedagogia.

De acordo com o que aprendi aqui na Faculdade, a escola foi muito ruim. Era só decoreba

para passar de ano. (Maria Alice- estagiária)

Acho que a escola cumpriu seu papel de transmissora de conhecimentos, dentro do contexto

da época. (Gabriela- estagiária)

Fica evidenciado nessas narrativas a construção de relações entre teoria e

prática, entre o vivido e o esperado como adequado nas relações ensino e aprendizagem,

como nas expressões abaixo,

A formação básica não contribuiu para desenvolver minha criatividade e sinto muita falta

disso. Recebíamos tudo pronto, não pensávamos. Pensando hoje o trabalho com crianças

pequenas que exige trabalhar essa questão da criatividade, da expressão eu acho difícil

porque isso não foi desenvolvido com a gente. Trabalhava-se muitas coisa pronta, desenho,

pintura, e a alfabetização era aquela bem tradicional. Tinha uma situação muito grande de

controle sobre a criança. Eu tinha um certo problema porque eu sempre levava bronca.

Todos os problemas que aconteciam caíam em cima de mim, então eu estava sempre de

castigo no fundo da sala. (Elaine-estagiária)

O que me lembro mesmo é da professora de 1ª série que me chamou à lousa e na sala havia

mais uma aluna com o mesmo nome que eu, então eu não sabia que era eu que ela estava

chamando, então ela disse:’ Parece que é burra, estou chamando você!’ As outras eram

professoras que a gente chamava de tia, figuras mais amenas, carinhosas. (Bia-estagiária)

Percebemos nas narrativas das estagiárias, além da recorrente imagem negativa

da escola, uma distância entre as reais necessidades da infância e as ações promovidas

pela escola, salientando uma preocupação com a qualidade que extrapola o senso comum e

que faz uso de referenciais da área da Educação, estendendo-os a uma reflexão para as

exigências, possíveis saberes, que a educadora de crianças pequenas precisaria dominar. Um

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processamento da relação teoria e prática, muito enfatizada no curso e na atividade integrada

de estágio.

Encontramos ainda nas narrativas, formas descontínuas e inviesadas de garantir e

suprir as necessidades das crianças, características da escola tradicional, um misto de

severidade com cuidados, maneiras peculiares da escola tratar uma criança que não podia ser

criança, um mini-adulto, um protótipo a ser preparado para aquilo que era considerado

importante, a escola formal,

Eu ia naquele ritmo, naquele mundinho da escola que eu não gostava. Só comecei a me

interessar pela escola na 3ª série primária quando peguei uma professora muito brava, mas

que se preocupava comigo. Isso para mim foi um incentivo porque em casa ninguém se

interessava pela minha vida escolar. ((Maria Eugênia- estagiária)

Minha experiência na pré-escola, naquela época o parque infantil me lembro dos desenhos,

o que eu mais gostava de fazer era brincar no parque, este sim, era imenso com vários

brinquedos, muita areia e algumas árvores. Quando cheguei na primeira série fiquei

assustada, porque eu era muito pequena e as carteiras muito grandes, eu nem alcançava os

pés no chão e eram muitas carteiras. Tive vontade de chorar, mas fiquei com vergonha.

( Mônica- profª)

A infância vivida pelas colaboradoras retrata as maneiras possíveis de ser criança

no Brasil nas últimas décadas, assim como as necessidades por elas apresentadas que não se

diferenciam muito das necessidades das crianças, usuárias dos serviços de educação infantil

de hoje. Necessidades afetivas de acolhimento em um mundo por vezes amedrontador para a

criança pequena, manifestados na seleção dos adultos que marcaram, que trazem

características de vinculações com o mundo da criança, seja criando condições para o

exercício do movimento, da curiosidade e das interações, próprios da infância, seja pela

presença qualitativa junto a ela. Um olhar para essas necessidades pode nos alertar para a

relação adulto-criança nas instituições de educação infantil e as formas de confinamento a que

está submetida a maioria da infância brasileira que mais do que um confinamento físico, é

cultural. Nas palavras de Perrotti,

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A fragilização da infância não decorre apenas da pauperização cultural, mas também das

condições impostas pelo confinamento. Diferentemente do que ocorre com os grupos auto-

organizados e auto-geridos das ruas e da cidade, nas instituições especializadas atuais, os

adultos, valendo-se de sua condição etária, definem e procuram impor regras de

convivência, de organização, objetivos, estratégias, condutas e modos de atuar. E estes

quase nunca coincidem com os interesses não pragmáticos que a infância possa revelar.

(Perrotti, 1990, p.96)

A imagem de escola revelada pelas colaboradoras acentua a força, o modo com

que a escola formou-as na condição de estudantes, com significações mais negativas do que

positivas, associadas em geral ao fracasso individual, maneiras empreendidas na perspectiva

histórica de ver a criança como um vir a ser, marcas que apresentam um grande potencial

formativo, quando apropriadas e re-significadas58. Algumas colaboradoras nos trazem

imagens positivas, porém a maioria evidencia uma imagem que nos apresenta uma dimensão

pessoal, singular e coletiva, de um sentido de fracasso. Tais significações podem ser capazes

de contribuir para uma maneira diferente de olhar a criança, a educação infantil e o ofício de

ser educadora de crianças pequenas, a partir do olhar para si enquanto criança e adolescente

que fizeram parte de uma organização educacional. Olhar o passado com os olhos adultos do

presente, projetando maneiras também diferenciadas de olhar o futuro. Um olhar construído

para um objeto: a própria existência, a experiência re-significada e o sentido das teorias

apreendidas em seu processo formativo, depurando-as.

Nesse percurso formativo carregado de significações sociais, da família e da

escola, como as colaboradoras justificam a inserção na área da Educação e da educação

infantil? As razões por elas apontadas podem servir para colaborar na compreensão das

identidades profissionais.

1.3.Razões da “escolha” profissional: os fios condutores da formação

Consideramos que nas relações construídas no mundo do trabalho, sobretudo no

momento que estamos atravessando, seria difícil afirmar que existe a possibilidade de haver 58 Ensinar do latim ensignare, relaciona-se etimologicamente a signo, um sinal, uma marca distintiva. Ensinar, nesse sentido, é deixar um sinal, uma marca a ser significada.

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“escolha” profissional para a maioria da população brasileira. No caso da profissão que

estamos tratando, o ofício de educar e cuidar de crianças pequenas em instituições de

educação infantil está diretamente relacionado às transformações do mundo do trabalho, do

papel da mulher e das conformações de ocupações compreendidas e naturalizadas como

profissões do universo feminino, conforme já assinalamos anteriormente ao tratar das relações

de gênero como a base de definição da identidade profissional de educadora de crianças

pequenas. Adicionamos à essas considerações, a afirmação de Dubar(1997) que compreende

identidade profissional como “construções sociais que implicam a interação entre trajetórias

individuais e sistemas de emprego, sistemas de trabalho e sistemas de formação.”

Para o que nos cabe analisar na presente investigação, a existência do trabalho e

do emprego se caracterizava enquanto profissão para os professores de pré-escola. É somente

ao final da década de 80 e início da década de 90 que observamos uma preocupação com a

formação e com políticas públicas de formação para os profissionais que trabalhavam em

creches e que não possuíam a escolarização necessária, o magistério para o trabalho com a

educação infantil. Sendo assim, a profissão de educadora de crianças pequenas em creches é

conquista recente. No caso das estagiárias, a opção pelo curso de Pedagogia e a Habilitação

em Educação Infantil conforma uma maneira de inserção profissional no trabalho docente

com crianças pequenas. Isso se deve em muito à exigência legal de licenciatura plena em

nível superior para a atuação docente com qualquer nível de ensino. É nesse cenário

multifacetado que se produz então as identidades profissionais que buscamos identificar.

Da parte das estagiárias parece haver uma inclinação quase natural para essa área,

justificadas pelas características que apresentam e pelas condições de vida: a maioria é mulher

com mais de 35 anos de idade e que voltou a estudar após um período de dedicação ao lar e à

educação dos filhos. Mesmo vivendo contextos familiares parecidos, o lugar que cada uma

fala, se diferencia. A opção pelo curso de Pedagogia se deveu mais às questões de gênero,

junto à influência de amigos e/ou familiares e pela possibilidade de ser professora, aliado

à condição de ser um curso que lhes traria maior significação pessoal, conforme podemos

observar nas narrativas abaixo,

Fui fazer vestibular para Pedagogia e não tinha esperança de passar porque considerava que

não tinha feito uma boa escola básica. Passei e cursei até quase o último ano, quando me

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casei e abandonei os estudos. Depois vieram os filhos. Após alguns anos, quando as

meninas já estavam grandinhas e estudavam pela manhã, voltei a estudar e reiniciei o curso.

Muitas coisas aprendi neste curso. Já não sou mais adolescente, levo as coisas mais a sério

e comecei a observar outras que antigamente achava natural como o fato de discordar da

filosofia e metodologia utilizadas na escola de minhas filhas. Após várias discussões com a

coordenação, resolvi mudá-las de escola. (Gabriela)

Após o casamento e os filhos, resolvi fazer um curso técnico de ensino médio, escolhi

Nutrição e Dietética por ser perto de casa e pelo nome da instituição e não pelo curso em si.

Em 1998, após mais de dez anos afastada da escola, fui fazer um curso de Informática. Lá

encontrei um professor que me deu segurança e chance para que eu pudesse acompanhar

bem o curso. Acredito que foi esse professor o grande incentivo que eu procurava para

recomeçar. Logo após ingressei no curso de Pedagogia influenciada por esse professor que

ajudou a recuperar a minha auto-estima, fazendo com que eu me sentisse capaz novamente.

Penso que através dessa profissão eu possa proporcionar o mesmo que tive para outras

pessoas. Outra inclinação que tenho é pela Filosofia. Na Filosofia eu encontrei muitas

respostas para as perguntas que tinha. Talvez pelo fato da educação que recebi ter sido tão

autoritária, sem poder de escolha, percebi que com a ajuda da Filosofia eu poderia reverter

esse quadro. Trabalhar com crianças pequenas acho que é um grande desafio para mim.

(Maria Eugênia)

A opção profissional produzida numa trajetória simultânea de estudos e

trabalho, característicos de grande parcela da população brasileira que finaliza a escola

básica às custas de muito esforço e dedicação aparecendo novamente experiências de

inadequação e/ou insucesso com a escola, atribuídas pelas colaboradoras à dimensão

pessoal. Ficam marginalizadas nessa análise a própria instituição escola e o sistema

educacional seletivo e excludente, num contexto específico do mundo do trabalho, como

podemos observar nos caminhos trilhados até a “escolha profissional”,

Tentei entrar na USP e ao não conseguir, fiz um curso em uma escola privada da região,

Comércio Exterior, mais influenciada pelo namorado. Estudei um ano e meio e vi que o

curso não me contentava. Fiz o vestibular para Pedagogia e passei. Nesse período do curso

vivi algumas experiências como professora e fiz outra graduação. Voltar para estudar agora

na Habilitação em Educação Infantil se deve mais ao fato de ter um filho pequeno e querer

contribuir com o seu desenvolvimento e aprendizado, além de quando voltar para a escola

estar mais preparada. (Elaine)

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No colegial quase não conseguia acompanhar as aulas pois estava sempre cansada.

Trabalhava em São Paulo em um escritório contábil e ao final do ano já não estava

estudando mais e sentia-me aliviada por chegar cedo em casa e poder assistir novelas à

noite, assim como faziam todos na minha casa. Mas aquela situação me deixava indignada

e fui fazer o curso supletivo. Depois fui trabalhar em uma agência de publicidades e em

uma indústria em Santo André. Anos mais tarde fui realizar um trabalho voluntário em uma

creche filantrópica em São Bernardo do Campo, percebi então minha aptidão para trabalhar

com crianças. Com as crianças eu via o retorno do meu trabalho, então passei a ter certeza

de que essa é a carreira que eu quero. (Maria da Conceição)

Nunca me imaginei trabalhando como professora. Sempre tive vontade de trabalhar com

pessoas. Trabalhei em empresas, depois em uma autarquia municipal e por último, prestei

concurso na Prefeitura Municipal para monitora de creche, o salário era quase o dobro do

que eu recebia e não havia exigência de Magistério. Ao atuar com crianças percebi que

gosto dessa área, então resolvi voltar a estudar. Tenho percebido nesses onze anos de

trabalho como é gratificante esse trabalho que envolve planejamento, avaliação,

relacionamento com pessoas e valorização. (Bia)

Estudos e trabalho conformando uma maneira possível de encaminhar-se a uma

profissão que tivesse significado em suas vidas. Um grande período da vida dedicado a essa

aproximação. Uma significação que carrega as marcas das histórias individuais e da história

coletiva das mulheres e da educação em nosso país.

As colaboradoras da pré-escola, assim definem os motivos pelos quais ‘optaram’

pelo trabalho com crianças em creches, percorrendo vários caminhos até a definição

profissional, dentro dos limites que estavam estabelecidos,

Fui fazer contabilidade, pois era o que estava mais próximo das minhas possibilidades.

Quando estava terminando o curso percebi que não tinha nada a ver comigo. Na mesma

escola tinha o curso de extensão de Magistério, era só fazer algumas adaptações de

matérias, então eu fiz e gostei do Magistério. E me encontrei mais ainda quando estava

fazendo o estágio na pré-escola. Aí eu já me defini mesmo. Nessa época eu trabalhava em

uma empresa da região na área da produção das seis horas da manhã às quatorze horas e

estava noiva já para casar. Depois fiz Pedagogia e já ingressei na Prefeitura Municipal

como professora. Naquela época não tinha concurso público, me lembro de ter feito uma

prova e depois ter sido indicada para trabalhar. (Mônica)

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A minha escolha profissional ocorreu inicialmente por interferência e sugestão da minha

família, já que todos eram educadores. Deu-se também pela possibilidade de trabalho em

curto prazo, já que com o Magistério ao término do ensino médio, já havia a possibilidade

de trabalhar e estudar ao mesmo tempo. As principais razões que me fizeram optar pela

educação infantil estão relacionadas ao tipo de trabalho realizado com esta faixa etária e o

gosto pelo trabalho com crianças menores. (Paula)

No ensino médio, Giovanna59 optou pelo Magistério sem pensar muito. Depois foi fazer

estágio na escola que havia estudado e se realizou ao lembrar das professoras,

especialmente de Dona Claudete que tinha toda a pinta de artista de cinema. Seu marido

ganhava muito bem... Era a única professora que tinha carro do ano. Era uma professora

muito boazinha. Depois Giovana vive outras experiências como professora em escola

particular, como monitora de creche na Prefeitura Municipal e finalmente, como professora.

(Giovanna)

Ser educadora de crianças pequenas, representou para algumas colaboradoras, a

opção por uma profissão de nível médio que possibilitaria uma inserção no mercado de

trabalho que, em muitos casos, complementa a renda familiar, sendo uma maneira de concluir

a escolarização básica. Para a maioria, razões ainda reconhecidamente vinculadas à vida

privada, como a influência de amigos e familiares, junto à condição de trabalhadoras-

estudantes, para dar conta da sobrevivência financeira, configuram as “opções” justificadas

por estarem hoje na área da educação infantil.

1.4.O exercício profissional: ver e ver-se

Para a análise do exercício profissional, procuramos especificar as ações de

Formação Contínua atualmente desenvolvidas pelas duas instituições e a identificação dos

limites e possibilidades pessoais no trabalho com crianças pequenas em instituições de

educação infantil.

59 A professora continua em seu relato se referindo a ela própria como se fosse outra pessoa.

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Possibilitar que as colaboradoras olhassem para a profissão de educadora de

crianças pequenas de forma reflexiva, podendo dimensionar as nuances pessoais e sociais, ou

seja, a forma como cada uma se vê no trabalho, como num espelho e, por conseqüência, poder

refletir de maneira crítica sobre a forma como a sociedade vê essa profissional, figurava como

nossa intenção desde o início deste trabalho. Imagens internas e externas produzindo

identidades. Os saberes exercidos na prática, as expectativas profissionais, a reflexão sobre

gostariam de ser educadoras de crianças pequenas, não descuidando da reflexão sobre as

condições de trabalho em creches e pré-escolas, são temas que podem colaborar na dupla

possibilidade de ver e ver-se. Além destes, as maneiras de entendimento da formação contínua

desenvolvidas dentro e fora das instituições e dos limites e as possibilidades pessoais e

institucionais para o trabalho com crianças pequenas nos auxiliam a emoldurar o espelho do

exercício profissional.

O que uma educadora de crianças pequenas precisa ter ou saber para exercer bem

o seu ofício? Quais seriam os saberes, necessários para esse exercício profissional? Na

perspectiva das estagiárias, parece ser necessário desenvolver uma mistura de maternagem, de

conhecimento sobre o desenvolvimento infantil, de atualização na área, de reflexão sobre a

prática, tendo consciência e responsabilidade profissional, gostar do trabalho e de crianças, ter

sensibilidade para perceber as suas necessidades, dar visibilidade do trabalho às famílias e à

sociedade, ter sólida formação teórica e prática, ser aberta à novas aprendizagens e ter

capacidade para mudar, saberes esses em parte desenvolvidos nas instituições de formação

dessas profissionais e em parte, desenvolvidos na prática profissional. Nesse caso, as ações de

formação contínua podem proporcionar a identificação dos mesmos, potencializando

maneiras de aprimoramento e até de transformação.

Essas últimas observações se relacionam aos propósitos do Curso de Pedagogia,

da Habilitação em Educação Infantil, do trabalho de estágio integrado que privilegia o

desenvolvimento de uma atitude de pesquisa e de inserção na prática, por parte dos

estudantes. As observações de resistências a mudanças e cristalização de hábitos e práticas

são temas invariavelmente trazidos por elas após a ida a campo nas atividades de estágio e

estes são problematizados em aula à luz de referenciais teóricos, buscando posteriomente

formas de minimização ou de superação dessas dificuldades através do Mini-Projeto de

formação de professores, que é desenvolvido em grupo com a colaboração do conjunto dos

professores da Habilitação em Educação Infantil e desenvolvido nas instituições campo de

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estágio, como forma de integração com as instituições e de extensão do trabalho universitário.

Representa ainda uma alternativa de formação contínua para os profissionais que atuam nas

instituições de educação infantil, promovendo um diálogo entre a formação universitária e a

formação contínua.

Garcia (1992) reafirma esses mesmos propósitos reflexivos ao retomar os ideais

de J. Dewey nos anos 30, apontando pelo menos três atitudes que contribuiriam para a

condição reflexiva pelos professores: a mentalidade aberta (ausência de preconceitos e

parcialidades); a responsabilidade intelectual (a capacidade de considerar as conseqüências de

um passo projetado, adotando-as a partir da posição previamente assumida e a procura dos

ideais educativos e éticos da própria conduta docente); por último, o entusiasmo, como a

predisposição para afrontar a atividade com curiosidade, energia, capacidade de renovação e

de luta contra a rotina.

Observamos nas narrativas das estagiárias uma assimilação do discurso

pedagógico numa identificação com o perfil desejado do Pedagogo a ser formado pelo Centro

Universitário da Fundação Santo André e fazendo parte das preocupações dos professores, na

forma de organização do trabalho com os estudantes, sendo objeto de temas em reuniões e

seminários internos. Se considerarmos que grande parte dessas estagiárias viveram outras

experiências de cursos em nível superior incompletos ou não, trata-se ao mesmo tempo de

um processo de identificação e de uma avaliação positiva do Curso de Pedagogia.

Ainda quanto aos saberes necessários ao exercício profissional, as educadoras de

creche relatam também a necessidade da maternagem, da transmissão de segurança para a

criança, relevando os aspectos afetivos na formação da criança pequena. Relatam ainda a

necessária relação com a família das crianças.

Sabemos que a afetividade e a qualidade dos vínculos construídos entre a

educadora, a criança e suas famílias são muito importantes, porém ao supervalorizarem

aspectos ainda relacionados à guarda e à proteção, parecem ficar secundarizadas as intenções

mais reconhecidamente do âmbito da educação no sentido amplo, da Pedagogia e da

Pedagogia da Infância. Fica explicitado o tipo de saber desenvolvido pelas educadoras de

creche, o saber da prática, associado à experiência concreta de trabalho que, segundo Dubar

(1997) apresenta-se como estruturante das identidades profissionais.

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As professoras de pré-escola relatam que essa profissional necessita interagir no

mundo da criança, desenvolvendo várias habilidades simultaneamente, como nas palavras da

professora,

A professora de crianças pequenas precisa ser mãe, médico, palhaço, sargento, motorista

porque ela tem que dirigir a sala. Ela precisa ser artista, ter uma criatividade fenomenal, ser

respeitosa e responsável. Ser comprometida com os pais, ser política, ser politizada, ser

alfabetizada pela emoção. Se a gente não tiver uma alfabetização emocional, a gente é

injusta e aí acaba causando traumas, outros problemas. Então eu acho que o professor de

criança pequena precisa ter muita coisa. (Giovanna- profª)

Evidencia-se nessa narrativa a reprodução de uma concepção de educadora de

pré-escola que nos últimos anos vem enfatizando a necessidade de que esse educador dê

conta de uma multiplicidade de aspectos na relação com a criança, concepção derivada

das mudanças sociais e culturais, sobretudo das transformações ocorridas no âmbito da

família que passou a solicitar uma nova função para a escola e para as instituições de

educação infantil, além da existência do controle sobre o trabalho docente, que termina por

representar uma imagem de super-herói, um profissional que deve possuir muitas habilidades.

Um aspecto importante, mencionado pelas educadoras de creche como saberes

necessários à educadora de crianças pequenas e não identificado pelas professoras de pré-

escola é a relação com as famílias das crianças, ficando evidenciado nesse caso, um

percurso de trabalho com as famílias construído pela creche que surgiu e se consolidou como

uma resposta às necessidades da mulher e das transformações do mundo do trabalho e outro,

da parte da pré-escola, que manteve uma distância na relação com as famílias, concentrando

suas ações no trabalho com as crianças que, entre outros fatores, por serem maiores (na faixa

etária de quatro a seis anos) apresentam maior independência, capacidade de comunicação e

expressão, se comparadas às crianças de zero a três anos, que necessitam de seus pais como

interlocutores em um ambiente diferente do ambiente familiar.

Além dessas razões, as creches assistenciais sempre organizaram programas de

auxílio às famílias, tendo-as como parceiras e co-partícipes no trabalho. Podemos discutir a

perpspectiva de participação presente nesses programas. Rosemberg (1992) evidenciou em

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pesquisa sobre os programas de creches mantidos durante os governos militares no Brasil que

os mesmos eram tributários de uma concepção de manutenção da concepção ideológica da

época e era orientado para uma educação da população mais pauperizada economicamente,

com vistas à sua submissão e não à sua emancipação. Sabemos que desse período até os dias

de hoje, muito já se fez em prol da efetiva participação da população nesses ambientes

institucionais, mas sabemos também que estamos longe de exercer a participação na

perspectiva de tomada de decisões coletivas. As instituições assistenciais em geral, ainda

privilegiam ações de cunho assistencialista, pouco colaborando na formação de cidadãos,

sejam os educadores, sejam as crianças e suas famílias, capazes de fruir e recriar direitos.

A pré-escola pública que tem como origem, as necessidades da escola básica e

uma determinada concepção de aluno, privilegiou uma forma de se relacionar com as

famílias própria do sistema escolar, e a exemplo do que ocorreu com as creches, também não

privilegiou a participação efetiva das famílias nas decisões institucionais, mesmo

considerando que no caso das creches há maior presença das famílias na instituição.

Parece ficar claro nesse caso, uma difusa compreensão acerca da função social da

educação infantil, da organização do trabalho educativo e pedagógico e o papel da educadora

de crianças pequenas nesse cenário. Podemos atribuir tal confusão, pelo menos em parte, à

forma como as diretrizes educacionais são definidas de forma centralizada e descontínuas, não

acompanhando os ritmos de apreensão e construção por parte dos educadores, bem como o

atendimento de suas necessidades formativas. Fica assim a impressão de que o educador de

crianças pequenas é um bricolage, uma mistura de teorias novas e antigas e por vezes,

desprovido de condições de análise das mesmas que possa fazer sentido às suas práticas.

Percepções diferenciadas para os agrupamentos de creche e de pré-escola

também aqui se apresentam. As educadoras de creche parecem priorizar aspectos ligados aos

cuidados, em detrimento de aspectos educativos. Sabemos da indissociabilidade entre um e

outro, pois quando se cuida, se educa e vice-versa, porém a priorização de um ou outro

evidencia a perspectiva daquele grupo acerca da função social do atendimento institucional,

assim como uma respectiva imagem de criança.

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As professoras de pré-escola assumem uma atitude mais ampliada com relação

às concepções de educação, de direitos e até de cidadania, salientando a relação de afetos e

significações que deve permear o cotidiano de trabalho com crianças pequenas.

Como no trecho da poesia escrita por Malaguzzi,

A criança tem

Cem linguagens

(e depois cem, cem, cem)

mas roubaram-lhe noventa e nove.A escola e a cultura

Lhe separaram a cabeça do corpo.

Dizem-lhes enfim:

Que as cem não existem.

A criança diz:

Ao contrário as cem existem.(Malaguzzi, 1999, p.81)

Quanto à expectativa com relação à profissão de educadora de crianças pequenas,

as estagiárias desejam poder desenvolver bem o seu ofício, se inserindo no mercado de

trabalho, desejo de todo estudante ao finalizar o período de estudos. As educadoras de creche

desejam a valorização profissional, mudar de área de trabalho, conseguir transmitir hábitos e

valores para a criança pequena, evidenciando a provisoriedade da profissão. Uma certa

insatisfação aliada ao desprestígio profissional que os profissionais de creche têm hoje em

nossa sociedade. As professoras de pré-escola não apresentam expectativas motivadoras: ao

lado da preocupação com a melhoria da preparação das crianças para o ensino

fundamental no sentido de não deixar lacunas em sua formação, preocupações essas

características de um modelo de pré-escola preparatória. Relatam ainda a necessidade da

melhoria das condições de trabalho (ambiente físico, de relações e material) e do

reconhecimento profissional. Nesse particular episódio, podemos situar um aspecto

fundamental referente à construção da identidade,

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Em termos interacionistas, o reconhecimento é o produto de interações positivas entre o

indivíduo visando a sua identidade real e o outro significativo que lhe confere a sua

identidade virtual; o não reconhecimento resulta, pelo contrário, de interações conflituais,

de desacordos entre identidades virtuais e reais. (Dubar, 1997: p.236))

Quando não ocorre um paralelismo na forma como o outro avalia o seu trabalho,

evidencia-se um vazio na identidade profissional dessas educadoras.

As colaboradoras desejam de fato ser educadoras de crianças pequenas? Parece

ficar explícito nas narrativas que reconhecidamente como profissão, as estagiárias e

professoras de pré-escola se identificam e desejam ser educadoras de crianças pequenas. As

educadoras de creche encontram-se num terreno árido, entendendo a profissão de educadora

de crianças pequenas como uma atividade transitória, que poderá ser substituída tão logo

tenham a possibilidade de exercer outra atividade profissional, seja na área da educação ou

não.

Se relacionarmos as expectativas quanto à profissão ao tempo de trabalho na

educação infantil, parece ficar evidente que no caso das educadoras de creche que têm no

máximo três anos de exercício profissional, uma desmotivação advinda das condições de

trabalho e de exercício profissional em creches assistenciais se justifica entre outras razões,

pela grande mobilidade de pessoal e pelas condições desfavoráveis de trabalho nessas

instituições60. As professoras de pré-escola, aparentam uma consolidação profissional,

resultado de maior explicitação da profissão nos meios educacionais, o que no caso da creche

ainda encontra-se em fase de estruturação. Tais fatores traduzem diferenças institucionais, de

emprego e de trabalho nessa área.

Oliveira-Formosinho (1998) e Sarmento (2002), autoras já citadas, observaram

em pesquisas similares sobre o ciclo de vida profissional de educadoras de infância uma fase

inicial caracterizada por grande insegurança e incertezas, seguida de uma fase mais longa de

consolidação da segurança e de maturidade profissional.

60 Vale lembrar que existe uma grande diferença entre as creches públicas e assistenciais no que se refere às condições de trabalho, como carga horária e salários, entre outros fatores. Por vezes, em uma mesma creche pública coexistem esses dois tipos de profissionais devido a um convênio firmado com as entidades sociais do município que prestam serviços em algumas creches municipais.

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Tais achados também foram apontados por outros autores em se tratando do

exercício docente. Huberman (1995), em estudo sobre a carreira docente mapeia uma série de

“seqüências” ou de “maxiciclos”, a existência de uma curva de expansão e de recuos ao longo

da vida profissional. Situa esse processo desde a entrada na carreira, a chamada fase de

descobertas, de exploração, de tateamento, dos anos iniciais, guardando estreita relação com

os parâmetros impostos pela instituição. Segue-se a essa, uma fase de estabilização, de

consolidação de um repertório pedagógico. A fase seguinte é a da diversificação, do ativismo

e do questionamento, seguidas ou acompanhadas por uma fase de serenidade (em paz e com

tranquilidade, resultado do domínio da situação pedagógica, porém sem o entusiasmo de

outros tempos) e de distanciamento afetivo, caracterizados pelo conservadorismo ou pelo

desinvestimento, um balanço comparativo entre as realizações efetivadas e as que deveriam

ter acontecido de acordo com as expectativas sociais envolventes. Um ‘eu’ que se transforma

no centro de organização do resto da existência.

As creches mantidas por entidades assistenciais e as pré-escolas públicas ao se

originarem de histórias e trajetórias diferentes caracterizam-se também por um ciclo de vida

profissional diferenciado. As educadoras de creche estão ainda dando os primeiros passos em

seu ciclo de vida profissional, situando-se numa fase de descobertas, enquanto as professoras

de pré-escola já apresentam uma vida profissional sedimentada.

Parece haver, no que se refere à expectativa profissional, um clamor pelo

reconhecimento, a capacidade de ser identificado socialmente por um status profissional que

a profissão de educadora de crianças pequenas parece não ter atingido. Se para as educadoras

de creche a questão se apresenta mais pela via da insatisfação, para as professoras de pré-

escola tal situação é retratada pela falta de motivação, resultado de uma organização

institucional que aparenta não privilegiar mudanças por uma certa cristalização da função

preparatória de pré-escola, por uma organização verticalizada do trabalho pedagógico, como

podemos observar na narrativa abaixo,

Os professores em si, todos têm medo uns dos outros. Então eu tranco a minha porta,

trabalho aqui e não quero saber o que está acontecendo lá fora. Isso é muito complicado...

Na minha experiência anterior não havia tanta cobrança e nós tínhamos mais cumplicidade

no trabalho. (Giovanna)

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O que nos leva a pensar em um isolamento profissional que dificulta a

construção de relações, do coletivo de educadores. Uma saída encontrada pelas

colaboradoras é a parceira com colegas de que apresentam afinidade de pensamento.

Maneiras de fugir do confinamento institucional e ao mesmo tempo, uma alternativa de

reflexão e de produção intelectual, traduzindo ressentimentos, formas de produzir relações,

nesses ambientes.

Sobre o ambiente de trabalho, uma professora destaca as mudanças que a pré-

escola vem sofrendo, apresentando uma repercussão direta nas relações interpessoais

entre os educadores. Vale lembrar que em Santo André, após o advento do FUNDEF-

Fundo Nacional de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do

Magistério -, a inclusão do primeiro ciclo do ensino fundamental junto às EMEIS alterou

substancialmente rotinas e formas de relação entre crianças, educadores, funcionários e

famílias, sendo necessário a construção de um olhar sobre a infância não hierarquizada,

nem segmentada, que como sabemos, não se constroe por determinação oficial, e sim

pela possibilidade de reflexão sobre as práticas, identificando as concepções que dão

suporte às mesmas. Nas palavras dessa professora,

Temos muita dificuldade em trocar com as colegas. Eu trabalho muito com outra

professora, pensamos iguais, planejamos e fazemos algumas atividades juntas. Antes a

gente tinha um grupo mais unido, tinha mais afinidades, a gente conversava mais. A gente

parava na sala dos professores e conversava. Com o tempo isso foi se perdendo, a gente se

relaciona com tem mais afinidades. Acho que falta um rosto de ‘Bom dia!’Acho que antes a

gente tinha mais tempo pra fazer isto, agora parece que não... (Mônica)

Perrenoud (1999), acentua esse aspecto ao considerar que o trabalho dos

professores, a despeito das mudanças sociais, evolui lentamente obedecendo a uma trama

estável com condições de trabalho e cultura profissional instaladas em rotinas, impedindo

dessa maneira inovações no cotidiano de trabalho.

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Outro fato apontado pelas professoras é a falta concreta de autonomia da escola e

a perda da qualidade da escola pública,

Eu vejo como o maior prejuízo de qualquer política pedagógica a falta de autonomia das

escolas. Isso gera um descompromisso, um stress muito grande que as pessoas estão

perdendo até sua identidade pessoal, porque não se pode fazer nada. Você pega quase mil

professores na rede pública e pergunta quem tem filho aqui. A grande maioria não coloca

seu filho nas redes públicas de maneira geral. Então isso quer dizer que a pessoa não confia

no próprio serviço que ela faz. (Paula)

Uma auto-imagem docente depreciada, corroborada pelos anseios e desejos

estimulados pela sociedade de consumo que massifica comportamentos e esvazia o caráter do

que é público. Parece ficar dificultado nesse caso, a noção de pertencimento dentro de um

grupo profissional, a construção de relações de afinidades e por conseqüência, a construção da

identidade profissional.

Querer compreender, saber mais, investigar o trabalho, constituem as expressões

de pertença à uma categoria profissional, concebida como um sistema de saberes específicos,

profissionais que necessitam ser relacionados com os conhecimentos teóricos.

Para Dubar (1997) as configurações identitárias típicas podem ser associadas a

momentos de uma biografia profissional ideal que segue um caminho que vai da formação

inicial – momento da construção da identidade profissional, passando pela consolidação da

identidade – momento da inserção e aquisição da carreira e do reconhecimento da identidade

que está sujeita ao acesso a responsabilidades na empresa - e por fim, o envelhecimento e

passagem ao final da carreira – a aposentadoria profissional. Estão presentes nesse percurso

temporalidades distintas que se relacionam a tipos de saberes privilegiados que estruturam a

identidade.

O autor apresenta quatro tipos de saberes encontrados nas identidades

profissionais. Em primeiro lugar, os saberes práticos, estruturante das identidades

profissionais porque ligados a experiência concreta de trabalho. Tais saberes entram em

conflito com o modelo de competências tão difundido atualmente. Em segundo lugar viriam

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os saberes profissionais que implicam em articulações entre os saberes práticos e os saberes

técnicos, também ameaçados na nova lógica de organização do trabalho. Seguem-se os

saberes de organização, que articulados aos saberes práticos e teóricos se alinham à identidade

da organização institucional, implicando em mobilização e reconhecimento e se associa à

idéia de responsabilidade. Por último, viriam os saberes teóricos, de maneira geral, não

ligados aos saberes práticos ou profissionais, dão forma a um tipo de identidade marcada pela

incerteza e pela instabilidade.

À primeira vista parece que identificamos que nossas colaboradoras se situam

entre esses saberes. As estagiárias se encontrariam na porta de entrada da construção da

identidade profissional, na formação universitária e no seu percurso formativo que traz uma

carga de representações e significações da profissão, com muita informação teórica, prenhe de

busca de sentido na prática. As educadoras de creche se situariam no âmbito dos saberes

práticos e as professoras de pré-escola parece que poderiam se alinhar entre os saberes

profissionais e os da organização. Os saberes teóricos parecem estar secundarizados tanto para

as educadoras de creche, quanto para as educadoras de pré-escola. Essa secundarização

necessita ser “lida” pelas instituições formadoras visando buscar uma maneira de formar que

articule teoria e prática, tendo essa última um estatuto diferenciado, permitindo a inserção na

realidade profissional e a construção de saberes que só poderão ser construídos naquele

ambiente de trabalho, produzidas na dialética de uma práxis profissional.

Como o educador pensa a si mesmo? Ao fazer tal pergunta, Arroyo responde com

novas indagações, essas mesmas carregadas de novas perspectivas sobre a profissão e a

categoria docente. Para ele,

Dói a imagem de professor que carregamos, a imagem de professor que a mídia e os

governantes projetam sobre os mestres da escola básica. E nossa auto-imagem é menos

doída? Sabemos bastante o que pensam sobre os professores seus governantes, as políticas

de renovação curricular e as propostas dos centros de formação e requalificação. São as

imagens dos outros, projetadas sobre o magistério. E nossa imagem e autoprojeção? Como

a categoria pensa a si mesma? No espelho dos outros ou no próprio espelho? (Arroyo,

2000, p.13)

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A possibilidade de ver a profissão de educadora de crianças pequenas e ver-se

Como educadora nesse contexto traz imbricado a imagem interna, o olhar produzido

individualmente, e a forma como a sociedade vê a profissão, a imagem externa. E é nesse

emaranhado que as identidades vão se desenhando...

A forma como as colaboradoras se vêem como educadoras de crianças pequenas

pode nos apontar os saberes que estão sendo construídos na prática nessa área.

Para as educadoras de creche, atenção, observação, segurança, amor, paciência e

alegria evidenciam como elas se vêem no trabalho com as crianças. Consideramos que tais

atributos associados aos cuidados com a criança, são indispensáveis para o trabalho com

crianças de zero a quatro anos, porém não suficientes. Observemos que as narrativas abaixo

dão conta desses saberes,

Acho que eu sou atenciosa, observadora, tento olhar as necessidades da criança naquele

momento. Tento passar segurança para ela, porque senão a criança capta as nossas

fragilidades, os medos. (Tina)

Acho que dou muito amor e tenho paciência com as crianças. (Ana Beatriz)

Procuro sempre estar alegre e transmitir essa alegria às crianças. Não pretendo trabalhar a

vida inteira com crianças pequenas. (Pâmela)

Evidencia-se a necessidade de uma formação dos profissionais de creche que vá

além do senso-comum, resgatando e qualificando os saberes das práticas de cuidados, de

relações construídas com as famílias, junto a outros saberes igualmente importantes como

aqueles derivados do acesso aos bens e produtos culturais, os saberes da área da educação

infantil caracterizados pelas contribuições teóricas das ciências da educação em geral e os

estudos relativos à infância em particular, junto a uma maneira de compreender o ensino e a

aprendizagem que é específico para crianças pequenas.

Subjacente aos saberes da prática, estão ainda os desejos manifestados pelas

colaboradoras sobre a profissional que gostariam de ser. Objetivando desenvolver uma

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reflexão sobre como gostariam de ser educadoras de crianças pequenas, as estagiárias

salientam o envolvimento com a criança (a inserção no mundo infantil), entendendo as

necessidades da criança e a organização do trabalho em instituições de educação infantil,

conseguindo aliar a educação e os cuidados, temas esses muito enfatizados em nossas aulas no

Curso de Pedagogia. As educadoras de creche gostariam de ser menos emotivas, pois

consideram que se envolvem muito emocionalmente com as crianças e suas famílias61,

apresentando anseios de ampliar seus conhecimentos sobre a criança, se ressentido da falta

de recursos materiais para o trabalho, ficando reconhecidos os limites institucionais e

profissionais existentes. Os atributos de ordem emocional são importantes no exercício

profissional com crianças pequenas pela singularidade das relações de afetos e significações e

de apego adulto/criança, porém vale destacar que a história institucional das creches no Brasil

se valeram em muito de uma concepção romântica de criança, se aproximando de uma

concepção de creche compensatória das carências, o que dificulta uma compreensão mais

alargada de direitos.

Os anseios de saber mais sobre a criança evidencia uma lacuna na formação

profissional que merece destaque. O pensamento caracterizado pelo senso comum, próprio

das educadoras leigas em creche, que não tiveram a oportunidade de efetivar estudos nessa

área, necessita dar lugar à ações de formação profissional efetivas, baseadas em atitudes

científicas e no acúmulo de trabalho teórico/prático desenvolvidos nas últimas décadas sobre

a infância. O acesso a esses saberes se apresenta como um direito dessas educadoras.

Chauí (1994) ao estudar as características culturais da sociedade brasileira

fundamentada na oligarquia e na polarização entre a extrema carência e o privilégio adverte

que temos em nossas raízes um mito fundador que nos impede de exercer de fato a cidadania.

Para exercê-la integralmente, seria necessário enfrentar três mecanismos poderosos definidos

por ela como: a máquina mitológica, a idéia da não violência, do homem cordial; a máquina

ideológica que naturaliza as desigualdades econômicas e socais e que se estrutura de forma

autoritária na sociedade e por fim, a máquina política protagonizada pela organização política

dos partidos, do papel do Estado e pela estrutura da sociedade. O caminho por ela proposto

61 As instituições assistenciais, de maneira geral, buscam prover algumas carências da população de menor poder aquisitivo. Além da creche, outras iniciativas de cunho social são desenvolvidas por esta instituição colaboradora, implicam em grande envolvimento com as famílias da região, moradoras dos núcleos de favelas do bairro.

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para o rompimento dessa profecia cultural, de desenraizamento do mito fundador, seria a

ampliação da idéia de direitos, sociais, políticos e sobretudo, culturais.

Parece haver um percurso a ser percorrido pelas instituições que atendem crianças

pequenas que trazem uma história de cunho assistencial, no sentido de buscar uma forma de

relação com as crianças como crianças, sujeitos de direitos, independente de serem pobres e

conseqüentemente alvo de políticas compensatórias, ou não.

Ainda sobre como gostariam de ser educadoras de crianças pequenas, o desejo das

professoras de pré-escola é o de ser mais competentes, de haver trabalho coletivo na escola,

ampliando as relações humanas no interior da unidade e poderem desenvolver mais atividades

ligadas ao corpo e ao movimento da criança, mesmo reconhecendo as limitações do espaço

físico existentes nas EMEIEFs, o que evidencia uma reflexão crítica sobre um certo

isolamento presente nessas instituições, sobre a qualidade das relaçõess interpessoais e a

uma maneira de ensinar que privilegia uma certa cognição em detrimento do

desenvolvimento global da criança, presentes no modelo de pré-escola preparatória à escola

formal, aliada a uma compreensão de desenvolvimento profissional construída no coletivo de

educadores.

Observa-se que a perspectiva de atuação coletiva que de fato venha a satisfazer

as necessidades das professoras na unidade educacional apresenta-se como tema recorrente. O

uso do termo competência, utilizado freqüentemente pelas colaboradoras, para além do uso

indiscriminado nos meios educacionais atualmente, e esclarecido posteriormente pelas

professoras, se aproxima para elas, da necessidade de aprimoramento profissional,

reconhecendo que poderiam melhorar profissionalmente e que a instituição educacional tem

papel importante nessa formação, para além dos cursos e atividades de formação contínua

promovidos pelos órgãos responsáveis, tanto por parte da creche, quanto por parte da pré-

escola.

O desenvolvimento integral da criança, passando pelas necessidades do

desenvolvimento de atividades ligadas ao corpo e movimento, foi também observado pelas

estagiárias por ocasião do estágio nas salas dessas professoras, aliado às dificuldades de

organização do espaço físico e de atividades que atendam as reais necessidades da criança

pequena. Um espaço organizado na forma dos rituais e procedimentos escolares está longe de

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atender as mínimas necessidades das crianças pequenas e as educadoras e estagiárias se

ressentem disso.

1.4.1. A Formação Contínua

Com relação à formação contínua, desenvolvida através de ações de formação de

iniciativa pessoal ou institucional, as estagiárias relatam a participação em eventos que

vislumbrem maior compreensão da realidade que irão atuar profissionalmente e

aplicação prática, acentuando essa dimensão na formação. As educadoras de creche relatam

frequentar cursos organizados pela instituição mantenedora que atuam ou pela FEASA62.

Duas estão cursando Pedagogia por necessidade pessoal de continuidade dos estudos e pela

exigência legal de formação em nível superior para o trabalho docente e uma cursava Serviço

Social e paralisou os estudos devido a dificuldades financeiras de mantê-lo.

As professoras de pré-escola se sobressaem pela busca por auto-formação

através da continuidade dos estudos em nível de pós-graduação (especialização e de

Mestrado), cursos de extensão cultural, oferecidos inclusive por outra municipalidade, além

de freqüência obrigatória a cursos oferecidos pela Prefeitura Municipal, através da Secretaria

de Educação. Quanto a esses últimos, as professoras relatam que os mesmos não têm

oferecido respostas às demandas do cotidiano de trabalho com as crianças, como podemos

observar nas narrativas abaixo,

O primeiro curso que fiz foi de psicomotricidade e achei tão fácil. Abre a sua mente, você

fica mais atenta. E aí você vê que dá tudo certo: o que você teve como informação e você

sai aplicando no seu dia-a-dia. (Tina- educadora da Creche Sementinha)

A gente nunca tem informação precisa do que vai ser o curso. Alguns cursos que eu fiz não

foi o que eu imaginei que fossem. A gente vai pelo título do curso e na hora ‘ h’ eles não

acrescentam muito no aprimoramento do nosso trabalho. (Giovanna – profª EMEIEF

Gabriel Silva Santos)

62 A FEASA – Federação de Entidades de Assistência Social de Santo André oferece uma programação de Cursos e Oficinas às entidades educacionais e assistenciais a ela filiadas realizados, de maneira geral, no início e durante o ano. O Centro Universitário da Fundação Santo André foi procurado em diversas oportunidades para o oferecimento de cursos de formação para os educadores, na forma de “treinamento”. A iniciativa da presente Pesquisa/Formação é uma resposta a essa demanda.

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Acho que são proporcionados eventos e cursos desvinculados do interesse do professor,

quer dizer, eles não enfocam diretamente aquilo que o professor tem necessidade. Então a

gente vai buscar fora. (Paula – profª EMEIEF Gabriel Silva Santos)

Identificamos com relação às ações de formação levadas a efeito pela instituição

creche e pela rede pública municipal de pré-escolas, alguns limites por parte das educadoras

de creche e uma necessidade de formação e auto-formação alimentada pelas professoras de

pré-escola, conseqüência quase natural da profissão docente. A percepção dessas educadoras

traduz a forma de organização de creches historicamente no Brasil, de uma instituição de

cuidados, de guarda e proteção da criança, sendo recente as preocupações quanto à formação

profissional dos educadores. A inserção das creches na área da educação apresenta a

necessidade de criação de um ambiente formativo específico dessa área e a criação de

condições institucionais para isso.

Chamamos a atenção para o caráter da racionalidade técnica e da prescrição

presentes nas narrativas anteriores. A idéia que parece guiar as educadoras das duas

instituições é que fazendo cursos que possam ser auto-aplicáveis à prática, haveria

conseqüentemente a melhoria da qualidade no trabalho com as crianças.

Pergunta-se: qual seria a origem dessas crenças? Teriam os cursos de formação

unievrsitária contribuído para produzi-los? Sabemos que os cursos que formaram professores

e mesmo a formação dos professores para a docência na educação básica até muito

recentemente no Brasil foram pautados por tais perspectivas, limitando vivências que

pudessem ampliar a relação dos estudantes e dos próprios docentes com o conhecimento,

articulando a relação teoria e prática, na inserção de trabalho profissional em instituições de

educação infantil.

A avaliação das professoras com relação à qualidade dos cursos parece trazer à

tona questões de formação profissional desvinculados da realidade institucional, pois como

tivemos oportunidade de observar pelas narrativas das colaboradoras, os cursos oferecidos

para as duas instituições apresentam uma distância entre as necessidades destas e as

definições dos órgãos centrais.

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Com relação à forma de aferição das necessidades dos professores, Estrela (1999)

destaca a existência de várias formas de fazê-lo, poucas porém são aquelas que de fato,

valorizam a voz do professor, entendendo a escola como comunidade aprendente.

Rodrigues & Esteves (1993) apresentam três tipos de modelos utilizados na

análise de necessidades na formação de professores. O modelo de discrepâncias identifica

através de um diagnóstico o que é a educação, ou como ela se apresenta em um determinado

momento, apontando um caminho para o que deveria ser a educação, a forma como se

gostaria que fosse. As críticas a esse modelo é que o mesmo não atinge as causas das

necessidades dos professores, atuando diretamente sobre as intenções dos gestores das

políticas de formação, prescindindo daquele que lhe é objeto, o próprio professor. Outro

modelo denominado, modelo de marketing, coloca à disposição dos professores os saberes de

forma adaptada às suas necessidades, buscando as satisfações dos desejos e necessidades

desses profissionais. O modelo de tomada de decisões parece ser o modelo mais próximo de

uma perspectiva de formação sustentada na crença de que os professores devem ser os

protagonistas de seu processo formativo. Nesse caso ocorre uma modelagem do problema,

seguido de busca de soluções pelo grupo e de síntese na forma de ordenamento das

necessidades. Nessa perspectiva, a escola funciona como uma comunidade aprendente.

Quanto às ações de formação e de organização do trabalho levadas à efeito na

instituição de educação infantil, as educadoras de creche relatam que inicialmente o Projeto

Pedagógico era feito por uma única pessoa e que se apresentava como um instrumento

burocrático. A partir desse ano, tendo como base o RCNEI63, as orientações para o trabalho

pedagógico e as ações de Planejamento estão sendo sistematizadas resultando no

desenvolvimento do registro e da avaliação do trabalho com as crianças. Embora haja uma

sugestão da coordenação pedagógica, as educadoras têm liberdade para realizar mudanças na

prática.

63 O Referencial Curricular Nacional de Educação Infantil é um documento elaborado pelo Ministério de Educação e Cultura, a exemplo dos Parâmetros Curriculares para os ensinos fundamental e médio, que aponta referências para a organização do trabalho em creches e pré-escolas. Vale ressaltar que a elaboração de tal documento contou com a participação de pesquisadores da área e de relatos de experiências de algumas regiões do país, não chegando contudo a contar com a colaboração daqueles que atuam diretamente com as crianças nessas instituições.

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As professoras de pré-escola enfatizam a descontinuidade do trabalho

pedagógico na unidade, considerando que as ações de formação tanto internas quanto

externas à unidade educacional, não atendem às necessidades dos professores, relatando com

pesar a impessoalidade presente nas relações institucionais. Quanto a construção do Projeto

Pedagógico da unidade, na perspectiva das professoras, as ações são descontínuas, a falta de

recursos e materiais chega a inviabilizar algumas inovações pretendidas considerando

insatisfatórias as formas de avaliação do trabalho institucional e do desenvolvimento e

aprendizagem da criança.

Observamos momentos diferentes para os dois segmentos. No caso da creche, a

exigência de planos, projetos, de uma organização educacional e pedagógica é recente,

conseqüência da determinação legal das creches se inserirem no âmbito da educação e não

mais da assistência social. No caso da pré-escola, supostamente isso representa uma tradição,

parte da cultura escolar, o que não quer dizer que não necessite ser refletido e

redimensionado.

A tradição para Sacristán, (1999) é conteúdo e método da educação. Reconhecer

o valor da tradição ou da cultura acumulada não significa ser tradicionalista. O autor aponta

algumas saídas possíveis para essa herança escolar que possa provocar mudanças, entre elas a

descoberta do sentido, desmascarando o caráter histórico herdado ao “habitus” e às

instituições para devolver aos agentes a consciência de suas ações, pelos menos de uma

maneira simbólica indireta. Além disso, releva a importância da reflexão sobre a prática

como reprodutora das regularidades nas quais foram geradas, requerendo para isso, a

sobrevivência de um passado ativo e reativado. Para Sacristán, toda atividade prática implica

orientação do conhecimento, ressaltando que a atividade teórica que pretenda exercer

influência sobre a prática educativa somente poderá consegui-lo exercendo influência sobre os

modelos de referência teórica que sustentam tais práticas.

O referido autor nos ajuda a compreender a complexidade do exame das práticas

educativas e pedagógicas. No nosso caso em estudo, as práticas observadas em creches e pré-

escolas necessitam ser examinadas à luz dos modelos de referência teórica que lhes dão

sustentação, modelos esses advindos de lugares, filiações e caminhos diferentes.

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A expressão das professoras demonstra a necessidade de formação e

acompanhamento do trabalho na unidade e as ações de planejamento são vistas como

potenciais para isso.

Um trabalho de formação contínua que privilegie a construção coletiva dos

educadores, passando pela identificação de suas necessidades formativas e do domínio de

instrumentos pedagógicos, ferramentas indispensáveis para o saber-fazer, apresenta-se como

necessidade para o segmento das professoras de pré-escola.

O estágio se apresenta também como uma alternativa na Formação Contínua das

educadoras de crianças pequenas. Ao adentrar no universo institucional e das práticas em

creches e pré-escolas, as estagiárias inicialmente trazem um olhar de senso comum que é

posteriormente desenvolvido para uma compreensão científica utilizando para isso

instrumentos de pesquisa. As relações construídas com os educadores dessas instituições por

ocasião do período de estágio, além de fornecer ricos elementos para a construção de relações

entre teoria e prática, possibilita trocas significativas especialmente ao final, em que as

estagiárias desenvolvem um mini projeto de formação que é desenvolvido nessas instituições-

campo de estágio, após o exame das necessidades de formação daquele grupo de educadores.

Um diálogo que se estabelece entre a formação universitária e a formação contínua, uma

relação construída entre mestres e aprendizes.

As percepções das colaboradores apontam para um caminho na compreensão das

identidades profissionais de educadoras de crianças pequenas que está sendo desenhado,

necessitando para isso, considerar as especificidades de creche e de pré-escola, que vêm

construindo suas identidades em espaços e tempos ainda muito diferentes um do outro.

1.4.2. Limites e Possibilidades pessoais no trabalho com crianças pequenas

Quanto à percepção das qualidades e dificuldades presentes na relação com o

trabalho, as educadoras de creche apontam como facilidades pessoais, a tolerância e a

capacidade de saber lidar com as crianças e como dificuldades, a falta de espaço físico e

material, não sendo visível a compreensão acerca das dificuldades pessoais e

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profissionais, restringindo-as ao ambiente, a aspectos externos a si mesmas. As

professoras de pré-escola consideram que têm facilidade no trato com a criança, na relação

construída com as famílias e com os colegas de trabalho, seus pares, realizando trocas

intelectuais e materiais, mesmo considerando as dificuldades para isso devido a qualidade das

relações interpessoais construídas na instituição. Como dificuldades, algumas não vêem,

outras consideram que as relações institucionais impossibilitam na prática a socialização do

grupo- coletivo da unidade. Outros são os fatores apontados como dificultadores para o

desenvolvimento do trabalho com as crianças: o espaço físico inadequado para o atendimento

de crianças de quatro a dez anos de idade aliados ao descompromisso e o individualismo

presentes nas relações com os pares. Podemos observar assim, que de forma recorrente

aparece o isolamento e as relações interpessoais.

Outro aspecto a ser considerado é a vulnerabilidade da criança pequena e sua

dependência do adulto-educador, especialmente as crianças muito pequenas que são atendidas

em creches. Nesse caso a dedicação é exclusiva. É salutar a preocupação das educadoras de

creche com relação a esse aspecto.

Uma estagiária relata insatisfação com a sua forma de se relacionar com as

pessoas e o trabalho com as crianças pequenas poderá favorecer mudanças nessa sua

condição,

Eu me vejo com muita dificuldade. Tenho me questionado muito se estou no caminho da

profissão certa porque eu tenho essa dificuldade de me relacionar. No estágio eu fico

observando as crianças, mas nem sempre eu consigo ir lá e entrar na brincadeira, no clima,

gostaria de conseguir me envolver. Eu acho que tenho um lado muito sério que eu tenho

que cuidar. Gostaria de ter facilidade para entrar no mundo da criança, brincar com ela. Eu

acho que esse trabalho vai ser um grande desafio para mim. (Maria Eugênia –-estagiária)

Certamente, uma escolha profissional que a desafiará na construção de outras

formas de ser/estar no mundo.

As educadoras de creche apresentam como motivo de insatisfação a dificuldade

de apoio, suporte profissional para o desenvolvimento das tarefas e os limites do trabalho com

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as crianças. As professoras de pré-escola relatam como insatisfação a indiferença que sofrem

no cotidiano institucional com relação às instâncias superiores, a orientação fragmentada ao

trabalho e à qualidade do trabalho educacional oferecido nas pré-escolas do município.

Observa-se nesses últimos relatos certos constrangimentos, advindos dos limtes

institucionais e especialmente, do não reconhecimento institucional, dificultando a noção

de pertencimento a uma categoria profissional, o que contribui para uma condição de

bloqueio, de não coincidência entre os desejos institucionais e os pessoais/profissionais.

Dubar, analisando as identidades profissionais de profissões técnicas, salienta

que,

O ‘modelo afinitário’ construído por R. Sainsaulieu sintetiza muito bem uma parte

importante destas características identitárias: “identidade instável e sempre reconstruída, a

identidade revela um desfasamento permanente entre os meios de afirmação do eu e as

possibilidades de reconhecimento coletivo. Associada a uma ‘perda de pertença aos grupos’

e, simultaneamente, a uma ‘ forte implicação nas relações com os chefes e os colegas’, esta

identidade vivendo ‘mal-estares’ e de ‘ansiedades’ ‘aparece explicitamente como estando

em ‘crise permanente’. (Dubar, 1997, p.226)

Interessante observar nessas percepções que não há referências explícitas à

formação profissional, mesmo tendo sido observado anteriormente lacunas a esse respeito

pelos dois segmentos de educadoras de creche e de pré-escola. Há uma clara dificuldade na

percepção das necessidades formativas como uma profissional da área da educação, no

que se refere às possíveis relações de causa-efeito das dificuldades e/ou facilidades. As

limitações e ou facilitações localizadas somente no âmbito individual parecem desviar a

atenção sobre a responsabilidade institucional/organizacional presente nessa conformação.

A questão do espaço físico parece indicar um tema comum tanto para a creche,

quanto para a pré-escola. As crianças de zero a quatro anos atendidas na creche e as de quatro

a seis anos atendidas na pré-escola64, consideradas as especificidades das duas faixas etárias,

na percepção de suas educadoras, não têm suas necessidades, como crianças, atendidas nesses

ambientes.

64 Como já assinalamos nesse trabalho, as pré-escolas municipais em Santo André dividem o mesmo espaço físico entre crianças da pré-escola (4 a 6 anos) e alunos das séries iniciais do ensino fundamental, dificultando adaptações. Tais limites foram muito enfatizados na expressão das professoras- colaboradoras da pesquisa.

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Esse fato supõe revelar por um lado, o contexto de transição ao qual as duas

instituições estão atravessando com mudanças de rotinas, alterações na forma de compreensão

do trabalho educacional e pedagógico em que as decisões estão sendo tomadas, via de regra,

mais em função de obtenção de respostas aos limites definidos pelas políticas públicas

educacionais que têm priorizado o ensino fundamental, pelo menos em nível local, o que por

si só gera incertezas, e por vezes, processos descontínuos. Por outro lado, no interior das duas

instituições parece não haver clareza acerca de como promover o desenvolvimento de

crianças pequenas nesses espaços, que se traduzem também na sua forma de organização

espacial. Parece que a oscilação entre a tentativa de reprodução da escola formal obrigatória,

com horários, rituais, demarcações temporais, ou seja, um entendimento do educar como

sinônimo de escolarizar, instruir – no caso da pré-escola– e a predominância dos cuidados, da

proteção e guarda- no caso da creche - tendem a ser prioritários para as duas instituições

infantis, para além da leitura das reais necessidades das crianças pequenas.

Com relação às condições de trabalho, no que se refere à saúde, as educadoras de

creche relatam já terem sofrido doenças alérgicas, das vias respiratórias, da voz e nas

articulações do corpo. As professoras de pré-escola relatam sofrer alergias a pó e problemas

de voz. Longe de buscar generalizações, um breve olhar sobre essas doenças, associado aos

temas tratados anteriormente, parece evidenciar a forma de trabalho desenvolvida com a

criança pequena em instituições de educação infantil em creches e pré-escolas. Na creche,

observa-se da parte das educadoras, o desenvolvimento de atividades mais ligadas ao corpo e

movimento, próprias do desenvolvimento infantil na faixa etária dos zero aos quatro anos,

tendo como conseqüência, uma maior exigência de preparo corporal das educadoras. Na pré-

escola, as doenças se referem mais a uma organização próxima do ambiente escolar (lousa e

giz e o uso constante da voz). Sabemos que o uso da voz acarreta inúmeras dificuldades para

quem dela faz uso permanente. Em se tratando do trabalho coletivo com crianças pequenas,

via de regra em ambientes abertos, a voz fica mais exposta exigindo cuidados especiais.

Embora a finalidade desta investigação não seja a saúde ocupacional dos

profissionais da educação infantil, fica o alerta acerca de uma concepção de trabalho com a

criança pequena em creches e pré-escolas que segmenta corpo e mente revelando implicações

disso para as identidades profissionais e para a organização do trabalho nesses ambientes

institucionais.

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O trabalho penoso de atuar com crianças pequenas dando conta da educação e

dos cuidados supõe a criação de um ambiente de saúde ocupacional capaz de fazer frente

às demandas requeridas por esse ofício. Parece que esse debate ainda não chegou aos meios

educacionais (e do trabalho com crianças pequenas), restringindo-se as outras profissões,

reconhecidamente penosas. Podemos citar, no caso das educadoras de creche, além das

doenças já apresentadas, a exposição à doenças infecto-contagiosas com crianças muito

pequenas implica em condições de saúde pessoais e ambientais, que o ofício de educar e

cuidar de crianças em tenra idade requer. O fato inclusive de não haver nos meios sindicais e

de saúde pública do trabalhador indicações sobre a saúde ocupacional das educadoras de

crianças pequenas em instituições de educação infantil é revelador de como a sociedade vê a

profissão, imagem essa que contribui em muito para a construção das identidades

profissionais.

Como a sociedade vê o educador de crianças pequenas? Para as estagiárias e

educadoras de creche o grupo se divide entre a desvalorização, por ser um trabalho exercido

fundamentalmente por mulheres e sua associação com a maternagem, pouco valorizado como

profissão e, paradoxalmente, por considerarem que há certo reconhecimento e respeito, a

depender de como ocorre as relações com as famílias das crianças. As professoras de pré-

escola ao se referirem à forma como a sociedade vê a profissão de educadora de crianças

pequenas, a restringem à atuação das famílias, considerando que estas delegam muitas

responsabilidades às educadoras, responsabilidades essas que, na perspectiva delas, deveriam

ser da alçada da família.

Talvez esteja evidenciado nesse caso, uma concepção de família que não mais

corresponda aos padrões atuais. A família representa um segmento, uma extensão da criança.

Sabemos que a qualidade da relação construída entre a instituição de educação infantil e as

famílias repercute na qualidade da relação com a criança e para que essa qualidade seja

consolidada, as mudanças sociais e culturais que trouxeram novas configurações familiares,

necessitam ser conhecidas e reconhecidas pelos educadores65.

65 Hoje é possível falarmos em famílias (no plural), não havendo um conceito único, um modelo que enquadre costumes, filiações, hábitos e comportamentos, em que pese que os laços de sangue ainda marquem esse conceito no Brasil.

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A forma como a população usuária do serviço educacional trata a educadora

também é indicadora da imagem externa produzida pela profissão: de uma profissão que

requer paciência, amor e dedicação.

As mães falam para mim:’ Como é que você consegue trabalhar com trinta e se eu em casa,

com dois não consigo?’ Eu geralmente quando ouço murmurinhos desse tipo, faço uma

reunião com elas e não só explico o trabalho, mas levo-as a sentir, refletir sobre o que é

desenvolvido com as crianças. ( Giovanna – profª EMEIEF Gabriel S. Santos)

Sabemos que na construção da identidade e no caso da identidade profissional, o

trânsito entre o ‘eu’, o ‘nós’ e o ‘outro’ na produção das imagens (interna e externa) cumpre

um papel relacional. O que nos distingue do “outro”, ou seja, a diferença, caminha lado a lado

com a identidade. A forma como a sociedade, de maneira geral, vê a profissão colabora para

conformá-la.

O exercício de ver e ver-se possibilitou rastrearmos alguns saberes que estão

sendo desenvolvidos na prática e que são merecedores de maior qualificação na

complementariedade necessária entre a educação e os cuidados. As colaboradoras vislumbram

uma profissão que as valorize socialmente indicando caminhos na sua formação que poderiam

possibilitar um reconhecimento profissional. Ressentem-se das condições de trabalho nos

casos da creche e da pré-escola que conduzem a um isolamento profissional e causam

desmotivação no trabalho. Releva-se entretanto a necessidade premente de sentirem-se

pertencentes a um grupo profissional, construído em bases contrárias ao individualismo, ao

confinamento institucional que as instituições de educação infantil se colocaram, com

condições de trabalho, de formação e de acompanhamento formativo que atendam suas

necessidades formativas, que dialogue com a realidade e que ultrapasse os limites

institucionais de espaço físico, de materiais e de tempo.

De maneira geral, podemos observar nas narrativas orais e escritas que os três

segmentos de colaboradoras na pesquisa: estagiárias, educadoras de creche e professoras de

pré-escola apresentaram opiniões carregadas de um conjunto de crenças, construídas em suas

experiências pessoais, profissionais e institucionais/sociais que apontam para temas a serem

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ainda explorados e cotejados com outros procedimentos, tais como, imagem de criança e de

infância, culturas educacionais específicas, relação dos atendimentos institucionais e

conseqüente função social da creche, da pré-escola e das séries iniciais do ensino fundamental

- tendo a infância como elemento comum -, relação adulto-criança, saberes válidos para

educadores de crianças pequenas, ações de formação, acompanhamento e orientação ao

trabalho das educadoras nas instituições de educação infantil, relações institucionais, relação

com as famílias, papel do estágio, entre outros.

Além desses temas, o recurso da narrativa, viabilizado através da entrevista e do

relato autobiográfico possibilitou o exercício da reflexão, como nas palavras da professora e

da estagiária,

As questões que você traz para nossa reflexão são muito importantes. Nunca participei de

uma pesquisa. Tudo isso traz uma reflexão interior muito boa. (Mônica- profª EMEIEF

Gabriel S. Santos)

Tudo isso acho que é um ganho para mim porque o que eu sei é o que vejo aqui na escola.

Ver como funciona isso na prática me interessa muito, além de ter uma experiência para um

futuro trabalho científico. (Maria Eugênia - estagiária)

Assim como Nóvoa (1992), concordamos com os três As, contidos na tripla

trajetória de construção da identidade profissional de professores. A adesão a crenças,

valores que dão sustentação às ações educativas e pedagógicas com as crianças, o subsolo das

práticas; a ação propriamente dita, ao escolher a melhor forma de atuar com a criança, na

busca de um saber-fazer que implica tanto em decisões de âmbito pessoal, quanto

profissional e por fim, a auto-consciência, na forma da reflexão sobre a ação, a base de todas

as decisões.

1.5. Ser e tornar-se: a apropriação do percurso formativo

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Aprender, apreender são termos aparentemente sinônimos. Promover

aprendizagens nesse caso, implica em segurar, trazer para si, se apropriar de temas que

produzem significações para o sujeito, conformando-os numa trama. As narrativas

desenvolvidas, promoveram a organização dessa trama, encontros, retratos agora

emoldurados de acordo com as re-significações que puderam ser construídas. A

exposição de fragmentos de histórias de vida, assegura que,

O narrador assimila à sua substância mais íntima aquilo que sabe por ouvir dizer. Seu dom

é poder contar sua vida; sua dignidade é contá-la inteira. O narrador é o homem que

poderia deixar a luz tênue de sua narração consumir completamente a mecha de sua vida. O

narrador é a figura na qual o justo se encontra consigo mesmo. (Benjamim, 1987, p. 221)

Mesmo que se escape à memória períodos da vida, da história pessoal que

aparentemente passam despercebidos, traduzidos na forma de silenciamentos, a própria

memória os recupera e recoloca-os novamente em significação no filme de um passado que

passa a ter um outro lugar no presente, como nas expressões das colaboradoras, feitos na

forma de relatos orais, uma outra significação desenvolvida após o relato escrito, trazendo

uma importância re-significada da escola, da imagem de criança que cada uma foi, dos

sentimentos que entremearam as lembranças, como relatado abaixo,

Pensei sobre a resistência que tinha para ir à escola e observei que no meu relato escrito eu

só falei da escola. Acho que a escola era o meu mundinho. O relato me causou conflito e

reflexão. Me preocupa o fato de não ter sido criança (Maria Eugênia- estagiária)

O relato me deu mais conflitos do que acomodações. Fui uma criança super-protegida.

Tinha de tudo. Parece que não vivi a dimensão do prazer. (Giovanna- profa. EMEIF

Gabriel S. Santos)

Valer-se do passado para desenvolver a percepção do presente, supõe resgatar a

totalidade (ou quase totalidade) da experiência vivida. Meros signos destinados a evocar

antigas imagens (Bosi, 1994).

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Quando comecei a escrever este relato pensei em como iria passar a idéia da pessoa que

sou, indecisa, insegura nas minhas escolhas. Acredito que ao escrever mobilizei esforços

para recordar momentos, lembranças e verdades das minhas escolhas, vontades, alegrias e

até momentos negativos, hoje felizmente superados. Hoje confesso ser mais segura e mais

decidida do que nunca no que eu quero. O meu filho pequeno é a motivação e esperança

para voltar a lecionar e mudar tudo. (Elaine- estagiária)

A potencialidade da narrativa promovendo um diálogo consigo mesmo, a criação

de condições de bem-estar, na forma de um balanço pessoal construído em um movimento

contínuo de imersão nas memórias e de distanciamento temporal, favorecendo reflexões e

tomada de consciência de um percurso formativo que vai sendo retomado e aprofundado,

como salientam as colaboradoras nos seus relatos escritos,

Com este relato pude voltar no tempo e fazer um resgate de quantas coisas já passaram

pela minha vida e que foram mais positivas do que negativas. Lembrei-me de pessoas,

lugares, situações que só neste contexto pude fazê-los e me senti muito bem com isso.

(Profa. Mônica)

Fazer o relato no início foi difícil, porque não estamos acostumados a falar com o papel.

Depois os episódios foram voltando à memória e depois de pronto, acho que teria que fazer

novamente, pois alguns detalhes importantes começam a voltar. (Gabriela- estagiária)

Recolher os elementos de um passado que apresenta continuidades, rupturas,

escolhas, que promovem seleções, maneiras de re-apresentar, num continuum, com os olhos

do presente as múltiplas possibilidades da experiência, a visualização de um túnel do tempo

com entrada e saída definidas. Escrever e re-escrever, formas de produzir novas

significações.

A significação se produzindo a partir do questionamento de como cada um se

tornou o que é hoje, com singularidades construídas na dialética entre interioridade e

exterioridade, articulando em um círculo retroativo um processo de formação e de

conhecimento pela interpretação de fatos e circunstâncias (Josso, 2002).

Revelação de imagens adormecidas que servem para fortalecer a compreensão da

pessoa que se é hoje. Um encontro consigo mesmo no resgate de lembranças que passam

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invariavelmente pelas emoções. A narrativa da educadora de creche nos remete a essa

vivência ímpar,

Tive a impressão de estar escrevendo um livro, com histórias vividas por mim que ficaram

guardadas num cantinho, um certo baú que quando você abre, saem de lá sentimentos e

lembranças. A experiência de escrever foi maravilhosa, uma mistura de sentimentos que

provocam ora tristeza, ora alegria. (Tina-educadora da creche Sementinha)

Um passado que traz elementos para pensar não só o presente, assim como a

condição da infância hoje. A narrativa abaixo nos oferece essa dimensão,

Lembro da minha madrinha, meus pais. Fui uma criança muito feliz. Hoje posso olhar o

mundo e ver quantas pessoas dariam tudo para estar no meu lugar, quantas crianças

poderiam ter um pouco do que eu tive na infância. (Aline- estagiária)

Ao relacionar a infância que tiveram ao que deveria ser proporcionando às

crianças hoje, o relato autobiográfico funciona como um espelho, a base da reflexão sobre si

mesma, de suas identidades profissionais. Poder se ver para ver o outro, nesse caso, a criança

pequena, possibilitando o fortalecimento de convicções profissionais, como podemos

observar na reflexão da estagiária,

O que mais me mobilizou neste relato é que só tive lembranças boas de brincadeiras,

momentos lúdicos, envolvimento com os colegas e pouca lembrança da escola. Isto reforça

o que penso a respeito do trabalho a ser desenvolvido com crianças pequenas, no qual o

lúdico, o prazer e as brincadeiras são fundamentais. (Bia-estagiária)

Semelhantes considerações foram feitas por Sarmento (2002) em estudo que

constatou que a construção das identidades profissionais das educadoras de infância em

Portugal se inicia na infância e é construída e reconstruída ao longo da vida, desempenhando

papel ativo nessa (re(construção), assumindo que o “gostar de crianças” faz parte do seu

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processo de construção identitária. Essas identidades profissionais jogam-se nas interações

entre os diferentes papéis sociais que desempenham, questionando essas identidades nos

desafios que lhes provoca o sistema de mobilidade profissional.

O estudo apontou o esforço empreendido pelas educadoras, na definição de

estratégias que visam tornar o processo de construção das suas identidades um processo

partilhado, considerando que as diferenças da ação pedagógica das educadoras de infância e

dos professores do ensino primário são elementos definidores das fronteiras identitárias dos

dois grupos. Consideram ainda que a formação inicial e contínua constitui momentos

decisivos para a (re)construção das suas identidades profissionais, afirmando sua identidade

pela realização de ações morais explicitando que razões éticas norteiam as decisões

pedagógicas no trabalho com crianças pequenas. Importante considerar que o referido estudo

se limitou às educadoras que trabalham em jardins de infância, inseridos na área da

Educação, uma vez que as creches em Portugal ainda estão sob a responsabilidade da área da

Assistência Social e com pouca cobertura de atendimento no país.

Destaques também encontrados por Oliveira-Formosinho (1998, op cit) que

identifica a partilha entre profissionais e a partilha de experiências em processos de

desenvolvimento profissional apoiados, como fatores importantes na construção de andaimes

de sustentação profissionais.

Conferir autoria e protagonismo sobre seus processos formativos às

colaboradoras: educadoras e estagiárias, indicou nesses caminhos trilhados, férteis

possibilidades para que a voz e vez das colaboradoras na pesquisa ressoasse sobretudo pelo

chamamento à idéia de se apresentarem como seres humanos em desenvolvimento, uma

forma específica de entender o desenvolvimento de adultos, possibilitando a re-construção

das experiências e de padrões produzidos socialmente no feminino e no masculino, o lugar da

mulher e da profissional na sociedade de hoje, as necessidades manifestadas de

pertencimento a uma categoria profissional ainda pouco definida, pelo clamor do

reconhecimento profissional em um terreno mais associado historicamente como

complemento à educação da família, as necessidades de interação, de diálogo, de poder olhar

para si e para o outro, a identificação de saberes da experiência em creches e pré-escolas,

saberes esses válidos para pensarmos uma educação da infância, oriundos de trajetórias

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diferentes e que precisam de uma nova contextualização e conceituação no âmbito da

educação para a criança pequena.

Além desses chamamentos, as imagens de criança que foram e que subjazem suas

práticas e concepções, as condições de vida justificando os percursos até a identificação ou

não com a profissão de educadora de crianças pequenas, manifestados pelas colaboradoras,

sejam as educadoras ou as estagiárias, num entrecruzamento de diferentes tempos de

formação, colaboram para o entendimento das identidades profissionais plurais nessa área

produzidas na dimensão pessoal, certamente indissociada da dimensão profissional e

institucional.

Tivemos em muitos episódios deste trabalho a certeza de estarmos lidando com

universos diferentes – de creche e de pré-escola - sobre o qual precisamos construir lentes,

também diferenciadas, para olhar.

Além da dimensão pessoal envolvida na produção das identidades profissionais de

educadoras de crianças pequenas, analisada neste capítulo, trataremos de maneira mais

explícita, das dimensões profissional e institucional que são temas do capítulo 2.

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Capítulo 2. Produzindo a profissão e a organização institucional no contexto dos

Encontros de Pesquisa/Formação

Há anos a gente tinha um grupo gostoso, aquele grupo que chegava de manhã e conversava. A gente parava e

conversava, até chegávamos dez minutos antes para isso. Por exemplo, na sexta-feira que é o dia de brinquedo, a

gente se reunia, todos: professoras e alunos e fazíamos um trabalho junto. Era bom!!!. Acabávamos saindo da

escola e a conversa se prolongava para fora dela. Aos poucos, o grupo foi se desfazendo e hoje, no máximo

conseguimos trabalhar em duplas. Eu acho que a gente tinha mais tempo, ou encontrávamos tempo para fazer

isso, não sei... (profa. Mônica).

Organizamos os Encontros de Pesquisa/Formação visando promover condições

para a produção da profissão, maneiras das educadoras de crianças pequenas verem o seu

trabalho e serem vistas ao mesmo tempo, refletindo acerca de suas identidades profissionais.

Essas educadoras se constróem educadoras principalmente nos ambientes institucionais

carregados de culturas que são fruto de construção histórica e das relações ali tecidas.

Buscar explicações para as ações levadas a efeito nas instituições de educação

infantil e que se relacionam à formação de suas educadoras requer qualificar o conceito de

cultura. Nesse aspecto, concordamos com Geertz,

O conceito de cultura que eu defendo, é essencialmente semiótico. Acreditando como Max

Weber, que o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu,

assumo a cultura como sendo essas teias e sua análise, pronto, não como uma ciência

experimental na busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura de

significado. É justamente uma explicação que eu procuro, ao constituir expressões sociais

enigmáticas na sua superfície. Todavia, essa afirmativa, uma doutrina numa cláusula,

requer por si mesm a uma interpretação. (Geertz, 1989, p.15)

Possibilitar a revelação dessas identidades em construção e dessas culturas era a

intenção central dos Encontros, de maneira que as colaboradoras: estagiárias, educadoras de

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creche e professoras de pré-escola pudessem juntas conversar, refletir,

construindo/reconstruindo e/ou desconstruindo concepções e buscando transformar suas

práticas educativas e pedagógicas com as crianças, famílias e na própria instituição. Sabemos

que as culturas institucionais não são neutras. Estão constituídas dentro de estruturas

determinadas que as demarcam. Podem reunir os professores ou separá-los, podem dar

oportunidades para a interação e a aprendizagem ou colocar barreiras que impedem essas

oportunidades (Hargreaves, 1999).

Foi necessário de nossa parte uma vigília constante para exercitar o

estranhamento, a desnaturalização dos fenômenos, de modo a analisar os dados em processo,

examinando as concepções, os valores e as crenças manifestados, e que como sabemos são

simbólicos, carecendo de interpretação.

Como as culturas educacionais são construídas? Teriam uma matriz ascendente

ou descendente? Qual o papel dos professores e dos educadores de maneira geral na produção

dessas culturas? Estas foram perguntas norteadoras nessa parte da investigação.

De maneira geral, os educadores brasileiros sequer sabem o que é uma Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional e o que ela norteia para a educação. Todavia, as

políticas educacionais brasileiras continuam a ser gestadas de fora para dentro das

instituições, com total ausência ou baixa participação dos atores interessados nos benefícios

das políticas, o que contribui para a construção de cultura(s), ora de resistência, e/ou rechaço,

ora de indiferença e/ou apatia. Os professores não esperam a última lei, o último Referencial

Curricular para desenvolver o seu ofício. Culturas (outras) são engendradas nas relações

cotidianas, para além das determinações legais.

Nóvoa (1999) denuncia que atravessamos um momento na formação de

professores que vai do excesso da retórica política e dos mass-media à pobreza das políticas

educativas; do excesso do discurso científico-educacional à pobreza das práticas pedagógicas;

do excesso das ‘vozes’ dos professores à pobreza das práticas associativas docentes. Nesse

sentido propõe,

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Uma outra concepção de formação, que situe o desenvolvimento profissional e pessoal dos

professores, ao longo dos diferentes ciclos da vida. Necessitamos construir lógicas de

formação que valorizem a experiência como aluno, como aluno-mestre, como estagiário,

como professor-principiante, como professor-titular e, até, como professor reformado. A

questão essencial não é organizar mais uns ‘cursos’ ou atribuir mais uns ‘créditos de

formação’. O que faz falta é integrar estas dimensões no cotidiano da profissão docente,

fazendo com que elas sejam parte da definição de cada um como professor/a . (Nóvoa,

1999, p.13)

Para o desenvolvimento do segundo procedimento da investigação, os Encontros

de Pesquisa/Formação, compusemos dois sub-grupos: um da creche que envolvia três

estagiárias e três educadoras da creche colaboradora e outro sub-grupo da pré-escola que

envolvia três estagiárias e três professoras da pré-escola colaboradora. Os Encontros sempre

aconteciam ao final do dia de trabalho à tarde, seja na creche, seja na pré-escola.

Realizamos um total de 11 Encontros que foram registrados em vídeo contando

ainda com diário de campo da pesquisadora. Os oito primeiros encontros previamente

agendados aconteceram quinzenalmente com cada sub-grupo no período de junho a outubro

de 2002.

O mês de novembro foi reservado para que os dois sub-grupos se encontrassem e

produzissem reflexões em forma de síntese acerca de suas identidades profissionais e

necessidades formativas. Essa atividade aconteceu em dois encontros, um foi realizado na

creche e outro na pré-escola, de maneira que os sub-grupos se deslocaram para essas

instituições, conhecendo-as. 66

Em dezembro, após ter sido encerrado o processo de trabalho com os grupos,

realizamos nova reunião para apresentar as primeiras impressões sobre a construção de

identidades de educadoras de crianças pequenas em instituições de educação infantil,

buscando a continuidade do diálogo com os dois sub-grupos e apreender suas impressões

diante das primeiras conclusões.

66 Vale lembrar que a creche e a pré-escola estão situadas no entorno da instituição universitária, no mesmo bairro, atendem as mesmas crianças e suas famílias e as educadoras não as conheciam.

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Cuidamos para que houvesse colaboração do início ao final do processo, pois

consideramos que esse tipo de investigação privilegiou uma forma de entender a formação

para além dos tempos catalogados em inicial (universitária) ou contínua. Fomos constituindo

nesse processo, um coletivo de educadoras interessadas em mapear os caminhos da

construção das identidades de educadoras de crianças pequenas.

Concordamos com Canário, em sua defesa da escola como local privilegiado para a

socialização e o desenvolvimento profissional dos professores,

A crença de que a mudança (individual e coletiva) das práticas profissionais é, antes de

tudo, um problema de socialização profissional, então, essa mudança supõe o

desenvolvimento, no contexto de trabalho, de uma dinâmica formativa e de construção

identitária que corresponde a reinventar novas modalidades de socialização profissional.

Essa reinvenção só é possível na ação, donde resulta que os processos formativos passam,

necessariamente, a instituir-se como processos de intervenção nas organizações de trabalho.

(Canário, 1997, p.10-11)

Os Encontros não tinham uma pauta definida do início ao final, pois se pretendia

fazer emergir temas de interesse do grupo aliado a alguns temas de interesse da pesquisadora,

objeto da investigação. Algumas questões que estavam colocadas de início como o objetivo

de apreender as Necessidades Formativas das colaboradoras foram se apresentando como

conseqüência da identificação das identidades profissionais e portanto, como objetivo

secundário.

Empreendíamos a seguinte dinâmica em todos os Encontros: Iniciamos com uma

sensibilização para o tema proposto para o dia, seguido de socialização e debate sobre

reflexões e/ou tarefas trazidas pelas colaboradoras e terminávamos com uma avaliação do

encontro, de maneira que na própria sessão já eram organizadas as ações que viriam a seguir.

Tínhamos a preocupação de promover com os Encontros um espaço de diálogo e

de reflexão, de construção de responsabilidade profissional e sobretudo de pertencimento,

necessários para a emergência de uma cultura colaborativa que poderia servir como referência

para os processos formativos promovidos pelas instituições de educação infantil.

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Buscamos dessa forma compreender como as culturas são produzidas nas

instituições como possibilitando que os encontros sustentassem a construção de relação de

confiança. Confiança nas pessoas e nos processos de formação e promovesse encontros -

mecanismos de aproximação entre iguais e entre diferentes - :estagiárias, educadoras de

creche, professoras de pré-escola e uma professora/pesquisadora. Um caminho que foi sendo

feito ao caminhar.

Hargreaves (1999) acentua que um dos paradigmas novos e mais promotores da

era pós-moderna é a da colaboração, como princípio articulador e integrador da ação, juntos

com o planejamento, a cultura, o desenvolvimento, a organização e a investigação. A

colaboração cria uma confiança profissional coletiva que pode ajudar os professores a resistir

a tendência a depender de falsas certezas científicas sobre a eficácia docente criando

possibilidades para as certezas situadas e a sabedoria profissional das comunidades concretas

de professores. Em um contexto de reestruturação e de aperfeiçoamento da educação, a

solução cooperada incluiria para o autor, os seguintes princípios: apoio moral, aumento da

eficiência, melhoria na eficácia, redução do excesso de trabalho, perspectivas temporais

sincronizadas, certeza situada na assertividade política, maior capacidade de reflexão,

capacidade de resposta da organização, oportunidades para aprender, aperfeiçoamento

contínuo. Princípios esses que foram norteadores no processo de construção grupal.

Berger & Luckmann (1978) ao esboçarem as origens da institucionalização na

sociedade moderna relevam que o homem constroe sua própria natureza, produzindo a si

mesmo e que toda atividade humana está sujeita ao hábito. A formação de hábito acarreta o

importante ganho psicológico de fazer estreitarem-se as opções. A institucionalização ocorre

sempre que há uma tipificação recíproca de ações habituais por tipos de atores. Tais

tipificações são sempre partilhadas. As instituições implicam a historicidade e o controle, elas

têm sempre uma história, da qual são produtos. É impossível compreender adequadamente

uma instituição, sem entender o processo histórico em que foi produzida e quanto mais a

conduta é institucionalizada, tanto mais se torna predizível e controlada.

Toda instituição tem um corpo de conhecimentos que fornece as regras de conduta

institucionalmente adequadas e os papéis representam a ordem institucional. Pode-se falar de

papéis quando esta espécie de tipificação ocorre no contexto de um acervo objetivado de

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conhecimentos comuns a uma coletividade de atores. Os papéis são os tipos de atores neste

contexto.

Os autores acima citados discutem a identidade social como um fenômeno que

deriva da dialética entre um indivíduo e a sociedade. As teorias sobre a identidade, por sua

vez, estão sempre encaixadas em uma interpretação mais geral da realidade. Uma realidade

que pressupõe sempre uma teoria que a informe. Tratando a sociedade como realidade

objetiva e subjetiva ainda Berger & Luckmann apontam que a realidade da vida cotidiana

mantém-se pelo fato de corporificar-se em rotinas, o que é a essência da institucionalização e

é reafirmada na interação do indivíduo com os outros. Por suas palavras,

Os outros significativos ocupam uma posição central na economia da conservação da

realidade e são particularmente importantes para a progressiva confirmação daquele

elemento crucial da realidade que chamamos identidade e para conservar a confiança de

que é na verdade a pessoa que pensa que é, o indivíduo necessita não somente a

confirmação implícita desta identidade, que mesmo os contatos diários causais poderiam

fornecer, mas a confirmação explícita e carregada de emoção que lhe é outorgada pelos

outros significativos (Berger & Luckmann, 1978, p.199-200).

Consideram que o veículo da conservação da realidade é a conversa que

continuamente mantém, modifica e reconstroi a realidade subjetiva. Só é possível o indivíduo

manter sua auto-identificação como pessoa de importância em um meio que confirma esta

identidade.

No caso da presente investigação, rastrear os caminhos da construção de

identidades profissionais de educadoras de crianças pequenas, supõe também apreender a

dialética existente entre educadoras de crianças pequenas e a sociedade, passando pelas

instituições de educação infantil, local de produção dessas identidades.

Se considerarmos, como Dubar (1997) que precede a socialização profissional,

uma expectativa de desenvolvimento no contexto de trabalho, de ações de formação e de

construção identitária, podemos admitir que se faz necessário a reinvenção de formas de

socialização profissional, desenvolvidas pela ação e pela intervenção e transformação das

concepções e das práticas.

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Em se tratando de uma Pesquisa Qualitativa na forma de Pesquisa-

Ação/Colaborativa, a pesquisadora nesse caso, não se apresentou isenta de crenças e valores,

próprias de uma maneira de ver o mundo, a educação e a educação infantil. De maneira

interpretativa, fomos construindo uma compreensão que fizesse sentido às bases teóricas e

epistemológicas que vimos construindo ao longo da investigação. A contextualização dos

Encontros, seguindo a ordem em que os mesmos se sucederam possibilitam uma vez mais a

amplificação das vozes das colaboradoras.

2.1. Contextualizando os Encontros de Pesquisa/Formação

2.1.1. Os primeiros Encontros:

- O primeiro Encontro:

Intenção: Promover a apresentação do grupo, esclarecer a dinâmica dos Encontros,

construindo aproximações e co-responsabilidades, explicitando algumas atividades a serem

realizadas para os próximos Encontros.

Na creche:

Procedemos a uma apresentação do grupo e apresentamos as intenções gerais do

trabalho, a dinâmica dos Encontros e como forma de aquecimento à construção do coletivo de

educadores e de exercício de memória, solicitamos que as colaboradoras falassem sobre a

origem do nome de cada uma. Situação que permitiu observar o nome como identidade

básica, de constituição singular e que tem uma história. Histórias de homenagens, de

celebrações, de inspirações em ídolos, produzindo identificações povoaram as justificativas,

como por exemplo, a Tina, pseudônimo pensado em homenagem à Tina Tunner,

A história dela é muito parecida com a minha. Ela era uma mulher com uma vida

tumultuada. O marido a humilhava, ao mesmo tempo ela virou tudo. Era uma batalhadora,

tinha garra e grande força para viver. (Tina- educadora da creche Sementinha)

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Casos em que o nome original não é o nome pelo qual as pessoas são conhecidas.

A seguir, solicitamos como tarefa que iniciassem a escrita do relato autobiográfico que seria

apresentado em um dos Encontros (dimensão individual da memória) e que se organizassem

em duplas para investigar a história da instituição, (dimensão coletiva da memória), buscando

documentos esclarecedores e entrevistando informantes que tiveram alguma participação na

história institucional. Tais informações seriam trazidas para os próximos Encontros visando

conhecer a origem da instituição de educação infantil, as demandas, as permanências e

mudanças sofridas, buscando apreender como essa história foi construída no cenário da

infância brasileira. Observamos que as colaboradoras tinham muita necessidade de falar, de

manifestar seus pontos de vista. Avaliaram o Encontro de forma positiva, entendendo que

esse seria um espaço de aperfeiçoamento profissional. Uma estagiária assim avalia o

Encontro,

Essa troca de informações, juntando diferentes olhares acho que será muito rico para nossa

formação. (Elaine- estagiária)

Na pré-escola:

Tendo o mesmo procedimento que na reunião com o sub-grupo da creche, as

colaboradoras manifestaram-se mais distantes, com grande expectativa com o que viria a

seguir. Justificaram seus nomes associados a homenagem a santas e a pessoas da família ou

conhecidas. Apresentaram-se ansiosas com o trabalho da pesquisa. Em ambos os sub-grupos

solicitamos autorização para filmar em vídeo os Encontros, o que foi aceito por todas.

Também avaliaram positivamente o Encontro.

- O segundo Encontro:

Intenção: Possibilitar a aproximação grupal e a construção de vínculos, oferecendo

elementos para o resgate de identidades pessoais, base para o desenvolvimento das

identidades profissionais e institucionais.

Na creche:

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Iniciamos solicitando que pensassem em um pseudônimo que as caracterizariam na

Pesquisa/Formação pois não usaríamos os nomes verdadeiros, favorecendo o sigilo e o

anonimato das informações e das informantes. O mesmo foi solicitado que fizessem para a

creche, pensando em um nome que a identificasse. Após um breve período de debates entre

nomes como: Cantinho do cuidar e do olhar, Cantinho da infância, Cantinho da alegria,

Sementinha e Serelepe, o nome escolhido foi Creche Sementinha por representar a idéia de

creche do grupo. A justificativa foi a de representar a criança ali atendida por uma semente

que necessita de cuidados para viver e se desenvolver. Observamos nessa justificativa uma

visão romântica de infância, muito próxima dos primeiros jardins de infãncia de Foëbel que

apresentavam uma imagem semelhante de criança, visão que problematizamos com o grupo

no sentido de possibilitar a reflexão sobre a função da creche e da educação infantil hoje.

Na perspectiva das colaboradoras o Encontro proporcionou recuperar lembranças

familiares relacionadas ao nome próprio, refletir sobre a imagem de criança que norteia as

práticas e a responsabilidade de cada uma no trabalho profissional com a criança pequena.

Na pré-escola:

Os pseudônimos individuais versaram sobre nomes que gostariam de ter ou

homenagens a pessoas com quem têm afinidades. Quanto ao pseudônimo para a pré-escola, os

nomes sugeridos foram: EMEIEF Airton Senna, Mario Lago e por fim gostariam que ficasse

algo que tivesse a marca da maioria das crianças da escola. Lembraram que a maioria tem

sobrenomes como Silva ou Santos, sendo definido o nome: EMEIEF Gabriel Silva Santos.

Por que Gabriel? Por considerar que as crianças lembram anjos, o anjo Gabriel.

A exemplo do que aconteceu com o sub-grupo da creche, novamente observamos

uma visão romântica de criança, distanciada da criança real que se apresenta todos os dias

nas instituições infantis.

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Ao final do Encontro ficou acertado sobre os informantes que seriam entrevistados,

favorecendo a manifestação de diferentes pontos de vista sobre a história institucional. A

avaliação do dia manifesta os sentimentos das colaboradoras sobre o impacto desse

trabalho no cotidiano institucional e a troca com as estagiárias que nesse período estavam

realizando estágio de observação nas salas dessas colaboradoras, além do respeito

profissional. Vejamos o que elas dizem,

Acho que esse é um espaço importante não só para a sua pesquisa, mas para nós podermos

rever nossa prática. Penso que o tempo irá ficar cada vez mais curto, porque temos tanta

coisa para falar... (-profa. Paula/ Diário de Campo da pesquisadora)

Hoje para mim fica mais claro o por quê das coisas. Acho importante esse trabalho de

resgate profissional e me faz muito bem estar em contato com as estagiárias. (profa.

Mônica/ Diário de Campo da pesquisadora)

Estar aqui nesse grupo, ter uma pasta e as anotações do que vai ser feito no dia significa

que houve um cuidado anterior na preparação de tudo isso. Aqui na escola a gente não

consegue. É cada um para si e Deus por todos. (Profa. Giovanna- Diário de Campo da

pesquisadora)

Observamos nas reflexões das colaboradoras o dimensionamento do educar e do

cuidar, um envolvendo o outro. É preciso cuidado para que haja educação. Novamente são

manifestados sentimentos de insatisfação profissional, reforçando as narrativas presentes no

capítulo 1.

O terceiro Encontro:

Intenção: Promover a apresentação dos Levantamentos Históricos realizados pelas

colaboradoras, buscando resgatar as origens institucionais da creche e da pré-escola

colaboradoras da pesquisa, relacionando-as com a história da infância e da educação

infantil no Brasil. Ao mesmo tempo oferecer ferramentas de pesquisa (entrevista e análise de

documentos institucionais) na perspectiva de possibilitar a reflexão privilegiando uma

dimensão de pesquisa.

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Na creche:

Para esse Encontro as colaboradoras trouxeram o resultado do levantamento

histórico realizado na instituição entrevistando seus fundadores e pessoas que tiveram

participação relevante ao longo de sua trajetória (funcionários antigos e novos e famílias de

crianças atendidas atualmente e outras que já estiveram na creche). Tiveram acesso aos Planos

Anuais, Projeto Pedagógico, Planos orientadores das atividades com as crianças, vídeos feitos

pela instituição, entre outros registros. Tais recursos de Pesquisa/Formação serviram para

fotografar a realidade daquela creche específica, desde a organização do espaço até o

atendimento propriamente dito. Apresentaram as seguintes informações: O prédio foi cedido e

adaptado para o atendimento de crianças e a creche surge pela necessidade de um grupo de

futuras mães/gestantes que participavam de atividades sociais na instituição religiosa

confeccionando enxoval para os bebês. A necessidade social da creche era mais do que

explícita: para onde iriam aquelas crianças após nascerem? Assim a creche foi organizada, ao

final da década de 80 e o trabalho para o atendimento era feito por voluntárias, não sendo

exigido formação educacional específica. O critério para seleção de mulheres para esse

trabalho era gostar de criança. Com o passar do tempo foram sendo exigidos outros critérios:

o ensino médio, o estímulo a que as educadoras que não tinham esse nível de escolaridade

voltassem a estudar, a existência de coordenação pedagógica para a sustentação da base

educacional e não somente a assistencial, entre outras mudanças.

O levantamento histórico realizado na creche nos permite apreender que esse

histórico caminha par-e-passo com a história das creches no Brasil. Khulmann Júnior (2000,

p.472) ao efetuar estudo sobre a infância brasileira desde o final do século XIX, nos alerta que

as instituições infantis sempre foram educativas, assinalando que foram porém

diferenciadas, segundo o público a ser atendido, Para ele,

A creche, para os bebês, cumpriria uma função de apoio à família e seria exclusivamente

para as mães que necessitassem trabalhar. Isso significava, à época, as mulheres pobres e

operárias.

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Ainda o autor ilustra com uma publicação da época que esclarece sobre os papéis

sociais desempenhados pela mulher, assim como o da creche para o segmento mais

pauperizado da população,

(...) de certo a mãe que pode criar seu filho, abrigá-lo em seus braços em todos os

momentos necessários, tratar dele de contínuo, fazer cessar o choro dando-lhe o seio,

agasalhando-o em seu colo; em uma palavra: prestar-lhe todos os cuidados e carinhos com

aquele desvelo que só uma mãe zelosa e amante sabe empregar, essa mãe não mandará seu

filho á creche, porque para ela não foi felizmente criado esse estabelecimento. (apud

Khulmann Júnior, 2002, p.473)

No período histórico em que a Creche Sementinha foi instalada, final da década

de 80, é o momento histórico demarcador de águas para a educação infantil em nível nacional,

através das conquistas legais preconizadas na Constituição federal de 1988, inaugurando a

creche com caráter educacional e não mais prioritariamente assistencial, direito da criança e

opção da família. Fruto de incansável luta de educadores e pesquisadores acerca da

potencialidade dos ambientes coletivos no processo de desenvolvimento e socialização de

crianças pequenas, conquistas que são reafirmadas no Estatuto da Criança e do Adolescente e

na Lei de Diretrizes e Bases da Educação nacional (9394/96).

Junta-se a esse quadro, a luta das mulheres pela inserção no mercado de trabalho,

por direitos iguais garantidos aos homens especialmente no âmbito do trabalho remunerado,

contexto esse em que a creche, como local seguro para a guarda e proteção das crianças se

fazia necessária. É nesse período também que observa-se uma expansão da profissionalização

para o Magistério da infância, mesmo que ainda não consideradas as especificidades das

creches.

Associa-se a esse fato uma imagem de criança desfavorecida, carente, não um

sujeito de direitos que já nasce com prerrogativas cidadãs. E é essa imagem de criança e de

infância que, via de regra, tem servido como base para as ações desenvolvidas com crianças

pequenas em instituições de educação infantil, não obstante no plano legal termos conquistado

avanços.

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Ao final do Encontro, as educadoras indagam se o professor é o profissional

adequado para o trabalho com crianças pequenas em creches e o papel das interações entre as

crianças no seu desenvolvimento, comparando o desenvolvimento de crianças atendidas em

creche e as que ficam em casa com adultos. Consideram que o levantamento histórico

colaborou para perceberem a função social da creche.

Na pré-escola:

As colaboradoras tiveram dificuldades no acesso aos documentos, uma vez que na

instituição pouco registro existia dando conta desse histórico. As colaboradoras se

deslocaram até a Prefeitura Municipal e o Museu da cidade para a obtenção de dados, sem

êxito. Alguns documentos como livros de atas, registro de visitas, livro de reuniões de

educadores e de pais existentes na escola, apresentaram-se descontínuos, faltando registros,

apresentando lacunas no período histórico analisado.

Chamou a atenção do sub-grupo de colaboradoras esse fato, uma vez que os

registros da prática pelas professoras é uma das tarefas exigidas pelos órgãos centrais de

educação do município. Como entender a história sem registros? Essa foi uma das indagações

feitas pelo grupo, juntamente com a observância do descompromisso com o que é público.

Aparentemente, parece estar sedimentado em nossa cultura brasileira que o que é público é de

todos e ao mesmo tempo não é de ninguém. Esses temas foram problematizados nesses

Encontros revelando que, de maneira geral, tal condição está presente nas relações

institucionais daquela unidade.

Foi através das entrevistas com famílias (mais ou menos atuantes na escola), com

crianças, com merendeira e funcionárias da limpeza que trabalham há anos na escola, com

professoras antigas e atuais que o grupo trouxe elementos de análise desse histórico

institucional. A pré-escola Gabriel Silva Santos surge em meados da década de 90 por

iniciativa de um lado, das mães do bairro que não dispondo de uma pré-escola naquela

localidade, organizaram vários abaixo-assinados com a população que foram levar à

Prefeitura Municipal reivindicando a construção da pré-escola e de outro, de iniciativa da

própria Prefeitura Municipal em dar um destino ao lixão que existia no local em que foi

construído posteriormente a pré-escola. Não houve acesso a dados que revelassem a real

demanda por vagas por parte da Prefeitura Municipal.

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O nome da instituição também foi objeto de análise pelo grupo, não sendo possível

averiguar de fato o porquê da homenagem ao patrono. Esses dados preliminares cumpriram a

função de situar aquela pré-escola na história da cidade, de possibilitar a apropriação desses

dados pelas educadoras, bem como alinhavar elementos para a compreensão do que acontece

hoje na instituição, ficando explicitado nesse caso, que a inexistência de registros dificulta

uma análise aprofundada de como essa instituição se constituiu e vêm se constituindo no

atendimento de crianças pequenas, ao mesmo tempo em que nos ajuda a situar a oferta de

vagas nas pré-escolas brasileiras, iniciada na década de 70 com franca expansão na década de

80 e um declínio ao final da década de 90.

O grupo avaliou que a demanda por aquela pré-escola apresenta duas justificativas

(a população local e da Prefeitura Municipal) que merecem melhor análise. Quanto aos

registros, avaliaram que existe uma contradição na instituição: é exigido a prática de registro

pelo professor e a escola não tem registrado sua história. Consideram essa contradição como

falta de compromisso com o que é público. Avaliando o Encontro. trazendo sua percepção

pessoal sobre o que o mesmo produz nela mesma, como pessoa e como profissional, uma

professora diz,

Depois dessas reuniões eu fico muito inquieta. Fico pensando o tempo todo e isso acaba

refletindo na sala de aula. A gente não consegue chegar a uma conclusão. Parece que a

responsabilidade ou irresponsabilidade sobre o que acontece não é só da escola, é da rede

inteira, é do Estado, é do país. (profa. Mônica)

Buscando localizar historicamente a origem da pré-escola no Brasil, ainda

Khulmann Júnior (1998, pg.111) analisando o primeiro jardim de infância brasileiro, o da

Escola Estadual Caetano de Campos em São Paulo, o faz de maneira a colocar a pré-escola

como a ante-sala da escola obrigatória, desde seus primórdios, preparando o futuro- aluno,

cumprindo função moralizadora da cultura infantil, de uma educação para o controle da vida

social. Fazendo uso de letra de uma música que era cantada à entrada no jardim de infância

pelas crianças, podemos apreender sua função social,

O nosso jardim de infância

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É bonito e grato e ledo!

Doce é toda vigilância,

Todo trabalho é folguedo.

Vivamos todos contentes,

Sejamos obedientes.

De forma similar à creche, essa origem institucional também faz emergir uma

imagem de criança da pré-escola, de um vir-a-ser, um mini-adulto a ser preparado para a

educação nobre- a escolaridade obrigatória - o ensino fundamental. Cabe então à pré-escola,

tratar essa criança de maneira a inseri-la em um espaço formal de rituais e procedimentos

regrados que a levará a um convívio adequado/adaptado ao processo de escolarização.

Observa-se nos dois casos, uma idéia de criança abstrata, ahistórica, uma imagem

distorcida de infância já apontada por inúmeros autores, entre eles, W. Benjamim, ao analisar

a cultura dirigida à infância como imposta e romantizada, daí a aproximação das crianças com

o artista, o colecionador e o mago (Benjamin, 1984).

As atividades de pesquisa realizadas pelos dois sub-grupos possibilitaram revelar

que as reais necessidades das crianças parecem não estar sendo atendidas, confirmando

as hipóteses apresentadas na introdução deste trabalho. Para a creche, o que figura como dado

relevante para a sua organização enquanto instituição é a necessidade da mulher

trabalhadora67, do mundo do trabalho e para a pré-escola, são as necessidades da educação, da

escola, expressos na sua natureza preparatória, especialmente as da prevenção do fracasso

escolar, antecipando a organização e procedimentos encontrados na maior parte das escolas.

Com relação ao processo grupal, as estagiárias nos primeiros Encontros

manifestaram-se só quando solicitadas, evidenciando a necessidade de conhecimento e de

adaptação ao grupo para poderem se expor sem restrições. Observamos que esse movimento

vai sendo alterado ao longo dos Encontros, havendo uma crescente interação e cumplicidade,

67 Segundo a PED- Pesquisa de Emprego e Desemprego - , em 1985, entre a população ocupada, 61,3% eram homens e 36,9% mulheres. Em 2001, os homens constituíam 56,8% dos ocupados e as mulheres já eram 43,2%. Se olharmos os desempregados, a outra parte constitutiva da População Economicamente Ativa, em 1985, 51,2% eram homens e 48,8% mulheres, passando em 2001 para 46,7% de homens e 53,3% de mulheres. (in Barelli, 2003)

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indicando um processo de reconhecimento gradativo na profissão e o sentimento de

pertencimento profissional.

Os três primeiros Encontros cumpriram o propósito de alinhavar as bases que

sustentam a construção de identidades profissionais, quais sejam, a produção de um coletivo

de educadoras de crianças pequenas, promovendo a socialização profissional. Os próximos

Encontros darão conta de promover a reflexão sobre temas trazidos pelas colaboradoras,

merecedores de aprofundamento, para que possam ser explicitadas as condições de produção

das culturais educacionais de que são portadoras e as bases teóricas em que se apóiam.

2.1.2. A matriz identitária da educadora de crianças pequenas

- O quarto Encontro:

Intenção: Refletir sobre a imagem de criança que as colaboradoras trazem e as histórias

pessoais, profissionais e institucionais.

Na creche:

A partir da frase de autoria de Sartre: “O homem se define pelo que consegue fazer

com o que os outros fizeram dele”, solicitamos que as colaboradoras tentassem relacionar a

história de cada uma obtida no relato autobiográfico, com a história da instituição.

Enfatizaram a importância do meio social na determinação e na modificação dos sujeitos e

das instituições. Em seguida, ouvimos a música “Bola de meia, bola de gude”, acompanhada

da letra68, como forma de aquecimento à socialização coletiva dos relatos autobiográficos, o

resgate da infância e da escola, do percurso formativo alinhavando as identidades pessoais e

profissionais.

68 Música de Milton Nascimento e Fernando Brant.“Há um menino, há um moleque/ morando sempre no meu coração/ toda vez que o adulto balança/ ele vem pra me dar a mão/ Há um passado no meu presente/ o som refletindo lá no meu quintal/ toda vez que a bruxa me assombra/ o menino me dá a mão/ E me fala de coisas bonitas/ que eu acredito não deixarão de existir/ amizade, palavra, respeito, caráter, bondade, alegria e amor/ Pois não posso aceitar sossegado como toda essa gente insiste em viver/ E não posso aceitar sossegado qualquer sacanagem, isso é coisa normal/ Bola de meia, bola de gude/ o solitário não é solidão/ toda vez que a tristeza em alcança/ o menino me dá a mão.”

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Relataram terem vivido um período na infância em que a criança podia ser criança,

as dimensões da educação e dos cuidados, resgatando a criança que ainda sobrevivia em cada

uma delas. Histórias de carências, de necessidades que as impulsionaram ao trabalho em uma

área próxima ao âmbito doméstico. As colaboradoras com mais de quarenta anos de idade se

referem a um tempo em que os brinquedos industrializados existiam para uma minoria da

população, oportunizando a criatividade das crianças e suas famílias na confecção dos

mesmos,

Lembro que fazia comidinha de verdade. Era uma viagem. Brincava na rua e fazia boneca

de pano. (Tina)

Trouxeram de forma significativa a vida familiar, o nascimento dos filhos e com

relação à escola, as marcas negativas que essa deixou em algumas. Consideraram que a

rigidez da escola tradicional é parte da história da educação brasileira.

Eu ficava com medo de ir à escola. A professora era autoritária e me chamava de burra.

(Tina)

A avaliação do Encontro foi muito positiva, destacando a riqueza dos relatos e a

reflexão que eles proporcionaram destacando a função da memória, como parte central da

função humana, juntando o objetivo com o subjetivo. Nessa direção, uma estagiária desabafa,

Hoje foi o melhor Encontro que já fizemos. O relato de cada uma me fez pensar sobre o

que faria ou não faria com as crianças. Saber ouvir, saber esperar para falar é um exercício

terapêutico para o nosso dia-a-dia, diante da ansiedade que vivemos em nossa sociedade e o

curso de Pedagogia foram os melhores anos da minha vida, como mãe, como profissional.

Hoje consigo entender mais os outros. (Maria da Conceição)

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E outra arremata, relevando a grande responsabilidade da educadora com

crianças de tenra idade, período em que se formam as bases do ser humano,

Os valores que a música “Bola de meia, bola de gude” traz como caráter, bondade,

amizade, alegria e amor são valores que eu acho que são fundamentais no trabalho com a

educação infantil. (Bia)

Nesse dia do Encontro ao chegar à creche, antes da reunião, observamos 69 que o

espaço físico havia se modificado, com os materiais organizados em forma de cantinhos, de

modo que a criança pudesse escolher a atividade. As prateleiras estavam mais baixas, com

ambientes temáticos ao alcance das crianças. Observamos que as crianças pareciam estar mais

tranqüilas e menos dependentes das educadoras. As educadoras relatam que as crianças não

estavam brigando mais pelos brinquedos como faziam anteriormente, quando elas estavam

dependentes da ação do adulto para a maior parte das ações. As educadoras relatam que a

reflexão proporcionada pela instituição e pelos Encontros de Pesquisa/Formação têm

favorecido mudanças em suas práticas.

Mudanças que podem estar relacionadas ou não à participação na

Pesquisa/Formação, porém apresentam-se visíveis algumas mudanças nas práticas dessas

educadoras de creche, se comparadas ás suas práticas anteriores e ao conjunto de educadoras

da creche.

- Na pré-escola:

69 Embora o procedimento da observação não tenha sido utilizado diretamente pela pesquisadora, fomos evidenciando alterações, manifestadas no ambiente físico e material e na postura das educadoras, construídos no exercício gradativo da problematização de suas práticas..

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Obedecendo a mesma dinâmica do Encontro com a creche, as colaboradoras

refletiram sobre a frase já citada de Jean Paul Sartre como uma contínua interação do

homem com o meio em que vive, porém consideram que esse caminho pode ser alterado,

pelo fato dele não estar previamente determinado. Após ouvirem a música, relataram

lembranças de carências da infância, de necessidades, de ausências, de medos e de

influências familiares. Algumas reconhecem que foi durante o período de estágio no

curso de Magistério que se definiram pela educação infantil, reconhecendo

características dos professores que tiveram, como características que elas apresentam

hoje. A avaliação de uma colaboradora permite essa reflexão,

Fazer o relato me deixou muito em conflito. Pensar nas professoras que tive e como sou

como professora. Acho que algumas características delas eu tenho: falo alto e conquisto as

crianças e as famílias. Hoje parei para pensar que a minha prática é uma e eu já penso de

outra forma, mas não é tão fácil mudar. (profa. Giovanna)

Sabemos que ter um discurso elaborado sobre algo é diferente de exercer na

prática esse discurso elaborado. Aparentemente parece estar dificultada a possibilidade de dar

nome às teorias que sustentam as práticas. Observamos que a professora citada acima

apresenta-se em conflito entre o que acredita que deva ser feito com as crianças e na

instituição de educação infantil e a sua prática real.

O coletivo de educadoras pode colaborar nesse sentido, esmiuçando crenças,

identificando as intencionalidades das práticas, alinhavando possibilidades de mudanças que

passam a ser compartilhadas. A relação teoria e prática merecendo passar por revista.

As perguntas foram uma constante nos Encontros de Pesquisa/Formação, sejam

perguntas feitas pelas colaboradoras para a professora/pesquisadora responder, que aos

poucos foram sendo respondidas pelo grupo, pois ao serem endereçadas à

professora/pesquisadora, de maneira geral, as devolvíamos com outras indagações,

provocando mais reflexões, sejam perguntas feitas para si mesmas, ocasião em que ficávamos

alguns segundos em silêncio, revelando uma reflexão interior que não estava suficientemente

amadurecida para ser verbalizada, pelo menos naquele momento.

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E é nessa direção que referendamos o papel da teoria como a essência para a

análise dos fatores que levam à compreensão dos contextos históricos, sociais, culturais,

organizacionais e de si mesmas como profissionais, para neles intervir, transformando-os (cfe.

Pimenta, 2000), e sobretudo como fundamento da necessidade prática. Tratava-se nesses

Encontros de fazer emergir as necessidades daquele coletivo de educadoras, vislumbrando

teorias que, mesmo que não explícitas, pudessem oferecer elementos para mudanças e/ou

aperfeiçoamento das práticas.

Kosik, nos ajuda nessa compreensão da relação entre teoria e prática,

As exigências da prática contemporânea- direção de processos complexos, assimilação do

cosmos, indústria automatizada, etc – constituem uma poderosa fonte de desenvolvimento

da teoria. A prática em seu mais amplo sentido e, particularmente, a produção, evidencia

seu caráter de fundamento da teoria na medida em que esta se vincula às necessidades

práticas do homem social. (Kosik, 1977, p. 222)

Processar a reflexão nesses Encontros com as colaboradoras possibilitou acentuar

um tipo de reflexão com vistas à ação transformadora. Essas ações transformadoras foram

sendo manifestadas nas mudanças de concepções e em algumas práticas verbalizadas pelas

mesmas ou identificadas por nós e pelo próprio grupo.

Em alguns momentos, tais reflexões significaram conflitos, revelações acerca de

um saber prático que apresenta-se agora insuficiente. As recorrentes problematizações

buscaram ir à raiz das questões emergentes nos grupos, numa tentativa não só de auxiliar na

resolução de algumas situações, mas sobretudo para compreendê-las.

Falar em identidade supõe reconhecer o olhar do outro. O outro oferecendo

referência para a construção de um olhar próprio, singular. Uma imagem interior que vai se

modificando à medida que a memória possibilita a reflexão, um momento de justiça consigo

mesma. Podemos evidenciar esse movimento nas palavras das colaboradoras,

200

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No final da escrita do relato me deu raiva. Chorei. Tive uma gripe tão forte! Não deixei

ninguém ler. É muito precioso esse momento da lembrança. (estagiária-Maria Eugênia)

Também não deixei ninguém ler, nem o meu marido. Eu escrevi pra mim mesma. Tem

coisas que não precisamos dividir com ninguém. Só serve para a gente mesmo. Fazer o

relato me fez um bem enorme. (profa. Mônica)

Depois que vocês falaram, me lembrei de tanta coisa. Precisaria de mais tempo para

escrever. Tive muito prazer em fazer o relato. (estagiária- Gabriela)

Ancoradas em seus percursos formativos, na maneira como foram formadas,

procedeu-se um resgate do lugar que cada uma se coloca no mundo e na profissão,

possibilitada pela reflexão sobre o tratamento do conhecimento, da experiência enquanto

estudantes, da dimensão humana do ofício de educadoras que se traduz na capacidade de

exercer a escuta, uma habilidade educativa fundamental, a sensibilidade para perceber o outro,

seus ritmos, expectativas e potencialidades, entre outras reflexões.

De forma complementar à escrita, a socialização do relato autobiográfico

promoveu relações, identificações, histórias singulares que se complementaram no coletivo,

possibilitando a emergência de um compromisso ético e afetivo no grupo.

Com base nos primeiros Encontros, as necessidades manifestadas oportunizaram

uma leitura de temas, objeto de problematização ao longo dos próximos Encontros tais como

a imagem de criança e de infância que subjaz as práticas das educadoras e as culturas

institucionais, a relação teoria e prática, a identificação dos constrangimentos e incômodos

da prática e os meios, instrumentos de trabalho que a educadora de crianças pequenas

pode lançar mão em suas ações cotidianas de maneira a diminuir a distãncia entre o pensado e

o vivido. Temas provocadores de reflexões acerca de concepções e práticas, promovendo o

protagonismo profissional. Para todos os Encontros tínhamos algumas intenções, que por

vezes, foram modificando-se, revelando necessidades de manifestação e de formação.

2.1.3. O fazer-se educadora de crianças pequenas nas instituições de educação infantil:

201

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5º Encontro:

Intenção: Continuar a reflexão sobre a imagem de criança e de infância presentes nas

concepções e nas práticas da colaboradoras

Na creche:

Com base na concepção de criança associada a anjo, a uma visão romântica de

infância, pretendemos nesse Encontro trazer elementos para reflexão sobre as concepções de

educação e de infância, balizadoras das práticas das educadoras. Sugerimos a reflexão sobre a

letra da música abaixo, provocando reflexões sobre a criança real que as educadoras se

relacionam cotidianamente nas instituições infantis. Ao ouvirem a música, de imediato as

colaboradoras foram se manifestando,

Minha História70

Ele vinha sem muita conversa, sem muito explicar

Eu só sei que falava e cheirava e gostava de mar

Sei que tinha tatuagem no braço e dourado no dente

E minha mãe se entregou a esse homem perdidamente

Ele assim como veio partiu não se sabe pra onde

E deixou minha mãe com o olhar cada dia mais longe

Esperando, parada, pregada na pedra do porto

Com seu único velho vestido cada dia mais curto

Quando enfim eu nasci minha mãe embrulhou-me num manto

Me vestiu como se eu fosse assim uma espécie de santo

Mas por não se lembrar de acalantos, a pobre mulher

Me ninava cantando cantigas de cabaré

Minha mãe não tardou a alertar toda a vizinhança

A mostrar que ali estava mais que uma simples criança

E não sei bem se por ironia ou se por amor

Resolveu me chamar com o nome do Nosso Senhor

Minha história é esse nome que ainda hoje carrego comigo

70 Letra de música em forma de versão de Chico Buarque gravada em 1970.

202

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Quando vou bar em bar, viro a mesa, berro, bebo e brigo

Os ladrões e as amantes, meus colegas de copo e de cruz

Me conhecem só pelo meu nome de Menino Jesus.

Procedendo à reflexão sobre a letra da música, as estagiárias abordam o tema

recuperando concepções de criança e a relação que o adulto com ela estabelece, na maioria

das vezes, desmerecendo suas capacidades,

Acho que nossa ação com a criança oscila entre o anjo e o cidadão. Sem querer julgamos

as crianças, suas famílias, às vezes sem ter informação sobre elas, sem compreendê-las.

(Bia)

Criança sabe das coisas, mas precisa ser moldada. Sei de um caso que um pai pediu para a

criança jogar o cinzeiro e ela jogou mesmo e não só as cinzas dos cigarros. (Maria da

Conceição)

Houve também a reflexão sobre a criança idealizada que se aprende nos cursos

de formação e que está muito distante da criança real que se apresenta todos os dias nas

instituições de educação infantil.

A relação com as famílias também mereceu destaque nas reflexões. Parece que a

busca ainda é por um modelo de família que não mais existe, nucleada em torno de um pai

provedor do sustento e de uma mãe que ficaria por conta da educação dos filhos, no lar. O

mundo se transformou, a mulher hoje acumula várias funções na família e na sociedade e os

modelos herdados de uma família nuclear patriarcal ainda permanecem.

Em seguida, passamos ao relato das práticas feito pelas educadoras, visando ainda

refletir acerca das imagens de criança. O relato abaixo serviu de problematização “de um dia

de trabalho” com crianças na faixa etária de três anos,

Iniciamos nosso dia sempre com a Normalização, depois a higiene e nesse dia li uma história com

fantoches. Observei dificuldade de concentração das crianças, depois fizemos uma atividade

203

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ralando giz para desenvolver a coordenação motora, depois elas almoçaram, dormiram e brincaram

um pouco à tarde até a hora de irem embora. (Ana Beatriz).

Tal relato foi objeto de problematização pelo sub-grupo proporcionando

condições para a reflexão sobre a função da creche que se coloca numa condição

preparatória à pré-escola e esta por sua vez, preparatória à um tipo de escola obrigatória,

ou seja, parece não haver espaço para a criança ser criança. Os modelos escolares são

referência para os professores de pré-escola.

Ritmos próprios da pré-escola e da escola obrigatória são impressos na rotina da

creche, como esperar para dormir, esperar todos acordarem para haver uma atividade

dirigida para todos, esperar para comer. Tempos da rotina regulados pela espera e/ ou

dirigismo pelas educadoras que fazem lembrar o tempo da escola formal. Um eterno vir-a-

ser, fazendo sentido à palavra aluno como aquele que precisa ser iluminado pelo outro, sem

brilho próprio.

Nesse processo de problematização, uma estagiária reflete sobre o caráter da

reprodução presente na instituição, de dirigismo institucional com as educadoras e destas, no

dirigismo das atividades com as crianças. As educadoras por sua vez, relevam o fato de que o

trabalho com crianças pequenas é penoso e envolve dimensões emocionais, afetivas que por

vezes, o educador não está preparado para enfrentar. A avaliação do dia feita pela estagiária

traduz a busca por uma coerência teórico-metodológica,

Acho que esse é um grupo em construção. Temos várias informações e pouca possibilidade

de trocar. Nossa obrigação é refletir constantemente sobre elas. Falar sobre o que se

acredita, só assim é que crescemos como educadoras. (Bia)

- Na pré-escola :

Na reflexão sobre a letra da música, as colaboradoras fizeram relações

com as crianças da escola e suas famílias, os valores, a condição atual das famílias na

sociedade e o papel da mulher. Reconhecem que a imagem de anjo ainda está presente em

204

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suas práticas com as crianças, considerando que isso tem como origem os rituais que

especialmente a igreja católica incutiu nas famílias. Avaliam que as festividades de maneira

geral, na escola e na família reforçam essa imagem de pureza, de santidade da criança.

Passamos em seguida aos relatos de práticas das educadoras, que a exemplo da creche,

observa-se uma imagem de criança irreal, com necessidades de criança que não conseguem

ser ‘lidas’ pelas professoras.

O relato de uma professora da pré-escola, revela essa condição, na expressão de

uma atividade que desenvolveu com seu grupo de crianças de quatro anos, manifestado em

seu Diário de Práticas,

Trabalhei com eles a história “Quem procura saci”, pois juntei as duas turmas devido ao

fato de minha parceira da sala ao lado ter faltado nesse dia e eles estarem com uma

professora substituta. Ás vezes tenho a impressão de que as crianças não sabem nada, elas

têm problemas de linguagem, não tem compreensão das idéias, nem ao menos seqüência

lógica. Elas são muito pequenas. (profa. Giovanna)

Ao procedermos com o grupo a problematização desse relato sobre as

concepções de educação infantil e de criança ali subjacentes, a própria professora se antecipou

em manifestar que naquele momento ela estava se dando conta de sua incoerência como

professora. Nesse caso específico, a mesma professora que anteriormente estava em conflito

sobre a relação teoria e prática, continua se questionamento e buscando coerência teórico-

metodológica. O conflito continua, agora mais relacionado à sua condição profissional, do

desmerecimento das capacidades das crianças,

Hoje eu me achei nesse grupo e nessa pesquisa. Há muitos anos faço registro

e só agora nesse momento percebo o como eu registro. Trabalho com uma

perspectiva de cidadão, mas sou mãezona, assistencialista. Está na hora do

professor deixar de ser vaquinha de presépio. Hoje eu fiquei mais rebelde.

(Profa. Giovanna)

205

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A linguagem, interior oferecendo suporte para a linguagem exterior, reflexiva,

carregada por um lado, de emoção pela descoberta e de outro, de co-responsabilidades, ao

saber que a mudança depende em grande parte do comprometimento pessoal.

Por sua vez, uma estagiária que fez o Estágio na sala desta professora, enfatiza,

No Estágio, não vi crianças tão pequenas assim. Elas já se apropriaram do espaço e da

rotina. Penso que elas são capazes de fazer mais coisas do que lhes é solicitado. Gabriela)

Em se tratando de construção de identidades, o outro desempenha papel

fundamental na construção da identidade de si, produzida no diálogo, nas interações, tecendo

sua própria consciência. As palavras da mesma estagiária ao final da reunião, avaliando-a, é

revelador da percepção de quem está se inserindo na profissão de forma crítica e

contextualizada, numa clara compreensão da complexidade da tarefa da educadora de

crianças pequenas,

Fiquei meio chocada com o que ouvi aqui hoje. Vi angústia nos olhos das professoras.

Acho que é difícil trabalhar com a educação infantil. (Gabriela)

O diário do professor como instrumento de análise do seu pensamento é uma

forma de diálogo consigo mesmo, possibilitando a explicitação de suas concepções e dos

dilemas, incertezas ou reflexões com que o professor se debate (Zabalza, 1994)71.

A articulação entre teoria e prática, momentos diferentes da formação

(universitária e contínua), olhares estranhados, porque distantes e não menos

comprometidos com a qualidade do trabalho educacional, tem representado férteis

possibilidades de formação dessas educadoras.

71 Oferecemos um pequeno roteiro para a realização do Registro de práticas, que poderia ser alterado pelas educadoras, caso julgassem conveniente.

206

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As colaboradoras reforçam ainda a idéia de que a pré-escola não está organizada

para as necessidades das crianças, desenvolvendo dessa maneira, uma crítica e consciência

profissional. Nesse sentido, uma professora assevera,

Há tempos nós sabemos que a pré-escola não está preparada para atender a criança, que ela

precisa de espaço para se movimentar, brincar, mas as políticas são feitas de cima para

baixo e não nos resta muito o que fazer. Acho que esse nível de debate que estamos tendo

aqui nunca tivemos na rede municipal. A escola hoje está perdendo o aluno para o mundo

externo porque não tem respostas para suas necessidades. Ele vem para um espaço sem

identidade com problemas de identidade. (profa.Paula)

Considerar a infância supõe resgatar a criança que cada uma foi, pensando suas

necessidades. Além disso, as culturas institucionais, e a tão solicitada autonomia profissional,

passa por responsabilidades, por tomada de decisões individuais e coletivas. Autonomia se

difere de rebeldia. As atitudes das educadoras podem favorecer ou bloquear mudanças.

Reclamar, sem alterar as práticas, numa atitude fatalista não colabora com as mudanças.

Pequenas mudanças são importantes e podem carrear, acumular forças para grandes mudanças

futuras. Nesse caso, a análise das práticas e das teorias que lhes dão suporte e a tomada de

consciência profissional, apresenta-se como condição fundamental para essas mudanças.

2.1.4. Os isolamentos

- Sexto Encontro:

Intencão: Refletir sobre as práticas tendo como referência a identificação das bases teóricas

que as sustentam; a importância dos instrumentos e meios de trabalho da educadora como a

observação, o planejamento, o registro e a avaliação e ainda possibilitar a identificação dos

incômodos e constrangimentos da prática.

Na creche:

Iniciamos com um debate sobre o primeiro tema, que não avançou devido a uma

certa apatia por parte das educadoras da creche.

207

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Nesse Encontro as educadoras apresentavam desmotivação e não trouxeram a

tarefa solicitada que eram os relatos de práticas daquelas educadoras que ainda não haviam

apresentado. Procedemos então a um balanço desses Encontros, resgatando suas finalidades,

procurando trazer à luz os impedimentos, as dificuldades que estariam ocorrendo e que

concorreriam para essa desmotivação. Após justificativas de cansaço, mudança de local da

creche, acúmulo de trabalhos, a leitura dessa situação feita pelas estagiárias foi surpreendente,

Acho que de maneira geral é complicado expor a sua prática, há sempre o medo da

avaliação pelo outro. Penso que isso justifica um pouco essa desmotivação. ( Elaine)

Acho que a desmotivação que estamos vendo hoje no grupo acontece por motivos externos

ao grupo: mudança da creche, acúmulo de tarefas. Não percebi desmotivação antes nesse

grupo. Todas têm apresentado grande interesse em participar.( Maria da Conceição)

Reconhecemos que nesse encontro quem mais aprendeu foi a pesquisadora/autora

deste trabalho. Nessa condição, o “insight” das estagiárias superou nossas expectativas. O

cuidado, a sensibilidade que elas tiveram em perceber para além do discurso, as dificuldades

de exposição das práticas, a insegurança quanto à avaliação do ‘outro’, os julgamentos de

certo/errado, sabendo existir no grupo uma idéia do chamado “saber competente”

representado pela Universidade. O movimento daquele grupo, do qual elas são participantes,

cúmplices nesse processo formativo, foi lido de maneira que atravessou as evidências. Esses

fatores, sem dúvida, favorecem a elevação da auto-estima das educadoras e potencializa este

trabalho construído em parceria, procedendo um reconhecimento do trabalho profissional que

ali acontece, sinalizando outros ritmos para o grupo. Mais uma vez o olhar de fora trazendo

elementos não habituados, olhares estranhados, para a percepção do real.

Processos subjetivos, redes que são entremeadas pela relação dialética de si/ do

outro/ do nós em processos sucessivos de interação, negociação e reestruturação. Com base

nesse episódio, agendamos o próximo Encontro com um prazo de trinta dias, período em que

a creche teria mudado de espaço físico e as educadoras estariam mais disponíveis para a

continuidade do trabalho.

208

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- Na pré-escola:

As colaboradoras iniciaram falando sobre os incômodos da prática:

relações interpessoais, falta de valorização e reconhecimento profissional, podendo ser

observável a consciência se formando sobre a responsabilidade de cada professora em seu

processo formativo, a relação com as famílias, a falta de apoio pedagógico. Parecíamos ter

aberto uma panela de pressão que quando estoura, não contabiliza suas dimensões, indo além

da atuação profissional de cada uma.

Avaliando o envolvimento das professoras da rede municipal nas ações de

formação desenvolvidas e as dimensões individuais e coletiva, uma professora relata,

O que me assusta é o grau de ignorância dos professores nas atividades de formação.

Durante as palestras que são oferecidas aos professores, ouve-se conversa o tempo todo.

Parece que a insatisfação é geral. Os professores aproveitam muito pouco. (profa. Mônica)

Outro incômodo que temos é a inclusão. Entrou uma criança surda-muda na minha turma e

fui avisada só quando a criança veio com a mãe já pra ficar na aula, ou seja, quais as

condições de incluir essa criança? (profa. Paula)

As reflexões sobre as teorias que dão sustentação às práticas proporcionou trazer

à tona os significados, os sistemas de representação das protagonistas, às heranças

institucionais do “habitus” contribuindo para avançar para um outro patamar, as práticas

pedagógicas. Ao relacionar as estruturas objetivas (campos sociais) às estruturas incorporadas

(“habitus”) compõe-se o espaço social de tomada de decisões e de disposição (Bordieu,1998)

que podem ser disparadores de mudanças. O debate sobre os incômodos da prática durou a

maior parte do tempo do Encontro. Ao final, refletimos sobre como as educadoras organizam

seu trabalho e quais ferramentas elas dispõem para isso.

Nessa reflexão o isolamento profissional parece ter sido determinante. As

professoras de pré-escola se ressentem de ter que trabalhar sem respaldo pedagógico e

material. As tentativas de mudanças já empreendidas por elas nesse sentido, serviram para

desmotivá-las ainda mais diante da burocracia e da falta de condições institucionais que

promovam mudanças. O desabafo final da professora revela esse quadro,

209

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Eu me sinto sozinha para trabalhar. Já tentei mudar o mobiliário, o espaço físico, mas as

dificuldades são tantas que acabamos desistindo. Acho que é frustração mesmo o que eu

sinto. (Profa. Giovanna)

Desmotivação, falta de valorização e reconhecimento profissional parecem ser

fatores desencadeadores de práticas não inovadoras que passam a ser vistas com outras lentes

pelas colaboradoras.

Se o aspecto do isolamento estava presente também para o sub-grupo da creche,

traduzidos na desmotivação e na apatia, parece tratar-se de dois tipos de isolamentos

diferentes. O isolamento da creche se apresenta como um isolamento centrado em si mesmo,

que não se amplia para além da instituição, justificado em parte pela profissionalidade pouco

definida das educadoras. Já o isolamento da pré-escola é um isolamento de professoras em

uma unidade educacional pertencente a uma rede de escolas municipais que compartilha

orientações e diretrizes comuns e que pertencem a uma categoria profissional de professores.

A intenção do Encontro, que foi definida no Encontro anterior, que era refletir acerca das

práticas profissionais com base nos instrumentos de trabalho das educadoras não foi

objetivada, dado a grande necessidade de manifestação dos incômodos e constrangimentos da

prática pelas educadoras.

2.1.5. As parcerias, cumplicidades e descontinuidades

Sétimo Encontro:

Intenção: Refletir sobre as concepções que dão suporte às práticas profissionais.

- Na pré-escola:

Nesse dia, em especial, realizamos primeiro o Encontro na pré-escola

devido ao adiamento dos Encontros para a organização da creche em um novo ambiente.

Iniciamos esse Encontro retomando o debate sobre as práticas e os registros. Começa a ficar

claro para as colaboradoras o ciclo: prática, teoria e prática. Toda prática tem uma teoria

210

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que a sustenta e que precisa ser revelada, podendo possibilitar sua transformação. A

professora enfatiza,

É a prática com a teoria e voltar à prática de novo. Isso é o que dá segurança para fazer

diferente. (profa. Giovanna)

As professoras se ressentem também da falta de condições para a realização de

algumas atividades indispensáveis para o trabalho, como o registro das práticas. Observam-se

cumplicidades entre as professoras no sentido de diminuir o isolamento institucional,

parcerias que se efetivam com base em afinidades pessoais e maneiras de encarar a educação

infantil.

Eu trabalho sempre junto com outra professora. Ela se afastou e veio uma substituta e o

meu trabalho também não fluiu. Já no segundo semestre ela voltou e o meu trabalho se

transformou. Então eu preciso me identificar com o outro, com o grau de compromisso que

ele tem. (profa. Giovanna)

Há também comparações com outras experiências profissionais que privilegiam o

coletivo, que oferecem apoio ao trabalho pedagógico. As formas de registro utilizadas deixam

a desejar, evidenciado relações institucionais marcadas pela descontinuidade e pelo

distanciamento,

Eu gostaria de anotar a evolução das crianças do meu jeito e não com as fichas que são

pedidas. Na rede municipal parece que é moda fazer determinadas coisas, mas não se

entende o porquê. Já vivemos outra experiência que nós fazíamos registro e ninguém

precisava cobrar. A gente sabia que os responsáveis estavam lá e se precisássemos

poderíamos recorrer a eles. É como uma mãe que está cuidando e se precisar ela ajuda.

(Profa. Mônica)

211

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As identidades que supõem relações, se intensificam em processos de

identificação de cumplicidades. Esses episódios reflexivos nos permitem acentuar a

necessidade de educar e cuidar do professor como se espera que ele educará e cuidará da

criança.

A moda, ou seja, orientações uniformes para o coletivo de educadoras de crianças

pequenas não suficientemente dialogadas, contrasta por vezes, com o modo de fazer,

maneiras encontradas pelas educadoras de pensar suas práticas. Reforçando essa idéia,

Kramer acentua que,

Os professores precisam de condições e de tempo para estudar. De tempo pago para o

trabalho de se qualificarem. E, se procede essa reflexão que faço, as políticas públicas,

voltadas à melhoria da qualidade da escola precisam assegurar o acesso dos professores a

bibliotecas, núcleos de leitura e discussão, grupos de estudo, no interior e como parte do

seu trabalho. E só o farão se e quando tiverem discernimento e sensibilidade política que

lhes permitam perceber que essas atividades podem mesmo ultrapassar os resultados de

treinamentos ou modalidades convencionais de formação em serviço. (Kramer, 1993,

p.192)

As professoras se ressentem da descontinuidade do trabalho, tanto na escola,

como na rede municipal como um todo. Isso provoca descontentamentos, desestímulo

profissional, faltando orientações balizadoras ao exercício profissional. As palavras de uma

professora revelam esse sentimento,

Acho que agora a gente começa a ver o outro lado das coisas. Não temos apoio para o

trabalho. Aqui na escola, de uma reunião para outra, parece que esquecemos das nossas

metas e estamos sempre começando do zero. É difícil!! (profa. Giovanna)

As estagiárias, por sua vez, refletem sobre como serão suas práticas profissionais

quando estiverem atuando com as crianças,

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Ouço tudo isso e fico me perguntando: como vou me sair? Comigo será diferente? Acho

que carregamos a teoria e estamos tendo acesso à prática. Unir as duas coisas não é fácil.

(Maria Eugênia)

Ao final do Encontro, uma professora avalia,

O que a gente conseguiu trocar nesse período que estamos juntas aqui é muito significativo.

A cada quinze dias temos uma injeção de ânimo e voltamos depois para aquela realidade.

(profa. Mônica)

- Na creche:

As educadoras retomam a reflexão sobre os registros das práticas e relatam

que os seus registros já foram mais extensos e hoje estão mais resumidos. O registro de como

a criança passou o dia, escrito na caderneta para as famílias, também é uma forma de registro

do desenvolvimento da criança. As estagiárias apontam que a reflexão sobre os registros e as

práticas têm favorecido mudanças em suas posturas. Passaram a observar mais, tanto crianças,

quanto elas próprias e as colegas. Consideram que o registro deixa uma marca que quando

voltamos para ler, já é provocadora de um outro olhar.

A descontinuidade das ações institucionais também se apresenta para a creche,

embora não tenha sido explicitamente manifestado pelas educadoras, devido sobretudo à alta

rotatividade de pessoal. Isso parece passar despercebido para o grupo, pois requer uma

análise que necessita de tempo também para ser construída. Tempo esse não possibilitado

para as educadoras que apresentam uma média de três anos de trabalho na instituição e saem

para buscar melhores condições de trabalho e de salário. Essa descontinuidade dificulta em

muito a consecução dos propósitos educacionais com as crianças e suas famílias e a

construção do coletivo de educadoras.

As estagiárias avaliam o envolvimento das educadoras, após o período de suspensão

dos Encontros,

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Achei que hoje as pessoas estavam mais motivadas. O novo espaço tem a ver com isso.

Hoje acho que se uniu teoria e prática. (Bia)

O tempo desses Encontros é muito curto. Uma hora e meia é pouco tempo. Ouvir, falar,

implica em ter um tempo para digerir tudo isso dentro de cada uma. (Maria da Conceição)

Tempo para aprender, ritmos singulares que se encontram. As colaboradoras

parecem se questionar acerca da função essencial da educação: o ensino e a aprendizagem e as

maneiras que cada um empreende nesse processo.

Promover um conhecimento na ação implica reconsiderar a atenção dada à

mesmice, as ações rotineiras, possibilitando reflexões que situem a estrutura organizacional,

os pressupostos teóricos que sustentam as ações, os valores e as condições de trabalho

profissional.

Diminuir a distância entre a teoria e a prática figura como intenção da maioria

dos programas de formação de educadores. Como então explicar a máxima de que na prática

a teoria é outra? Um passo significativo nessa direção seria considerar os educadores como

trabalhadores intelectuais, capazes de articular processo e produto do seu trabalho, criando

condições para a reflexão com vistas à emancipação humana e autonomia profissional (Lima

& Gomes, 2001).

As identidades profissionais passam também pelo questionamento do cotidiano,

pela revelação de suas implicações. Ancoradas em procedimentos de pesquisa, de

aproximação criteriosa com a realidade e ao mesmo tempo, de distanciamento para analisá-la,

de domínio de instrumentos como a observação, o registro, o planejamento e a avaliação, o

cotidiano passa a representar mais que evidências, possibilidades.

Nesse sentido, retomamos as idéias de Vaszques (1977) em sua fundamentação da

práxis criadora construída na articulação com a realidade social, conjugada por sua vez, à

praxis humana.

No caminho de construção das identidades profissionais, os isolamentos, pessoais

e profissionais, vão dando lugar às parcerias por afinidades e/ou identificações, como resposta

214

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às formas de organização institucionais, observando-se o apelo a um tempo de aprender que é

singular, pessoal e intransferível.

2.1.6. As auto-imagens profissionais

Oitavo Encontro:

Intenção: Promover o auto-retrato profissional, através da reflexão de como cada uma se vê

profissionalmente e como avaliam que a sociedade vê a educadora de crianças pequenas.

- Na creche:

Visando possibilitar a reflexão sobre as imagens internas e externas da profissão

de educadora de crianças pequenas, iniciamos solicitando que as colaboradoras

representassem através de desenhos como se vêem como educadoras de crianças pequenas e

como consideram que a sociedade as vêem. Consideramos que o desenho é uma maneira

indireta de comunicação e possibilitaria apontar elementos que a linguagem oral limitaria.

Houve algumas resistências na realização da tarefa, uma vez que essa forma de representação

não é comum entre adultos. Por esse motivo avaliamos também essa dificuldade,

transportando para a relação com a criança. Como desenvolver formas de representação com a

criança pequena se as educadoras não desenvolveram formas de representação em si mesmas?

Como potencializar a capacidade de representação da criança pequena que, como sabemos, é

sua linguagem privilegiada e o desafio da educação com essa faixa etária: a construção dos

sistemas de representação.

Uma estagiária busca as origens dessa dificuldade,

Vejo que alguns educadores querem que a criança faça belos desenhos. Como? Se a criança

está aprendendo a representar? Acho que nossa dificuldade se deve a falta de criatividade

que temos que veio desde a escola que não desenvolveu isso. Então pedir para os adultos

desenharem é difícil... (Elaine)

Após a realização do desenho, solicitamos que cada uma apresentasse ao grupo

sua representação, esclarecendo-o. Os símbolos desenhados sobre como se vêem foram:

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brincadeira de roda, coração, play-ground, pata e seus patinhos, figuras humanas juntas e

isoladas, borboleta, entre outros.

A maioria se desenhou de forma isolada de outros componentes do desenho,

revelando ainda o isolamento profissional que sentem nas instituições. Ao relatarem seus

desenhos revelam a condição de cuidadoras, de recreacionistas, uma dimensão lúdica na

relação com a criança.

Os símbolos desenhados sobre como a sociedade as vêem como educadoras de

crianças pequenas foram: caracol, espaço de lazer, figuras humanas em movimento,

brincadeira de roda, crianças sendo depositadas em uma caixa, babá, professora. Podemos

identificar nesses símbolos ainda o isolamento profissional e o conflito entre a educação e

os cuidados (babá ou professora?)

Relatam ressentimentos sobre como a família se relaciona com a creche, ainda

permeada de uma visão de tutela, de favor. A expressão de uma educadora revela essa

dimensão,

As mães quando vêem buscar as crianças ao final do dia costumam, perguntar: Meu filho

deu muito trabalho hoje? (Tina)

Reconhecemos que há um grande caminho a ser percorrido no que diz respeito à

compreensão da educação infantil como direito da criança e opção da família. No caso da

população mais empobrecida, a creche não se apresenta como opção e sim como uma

condição de sobrevivência.

Relacionando o como se vêem, com a maneira como a sociedade as vêem, salta

aos olhos o fato da educadora de crianças pequenas em creches ser uma profissão ainda muito

desvalorizada socialmente, isolada dos demais educadores, carecendo de identidade enquanto

categoria profissional. A dimensão de guarda e proteção fica explícita nas representações.

- Na pré-escola:

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As colaboradoras representaram como se vêem educadoras de crianças pequenas

através dos desenhos das figuras: entre a criança e o livro (mediadoras de conhecimentos);

professora em roda com as crianças (recreação, o lúdico); pessoas na praia em interação

(situações de desafios); entre a criança e os estudos (teoria e prática).

As figuras que representaram como a sociedade as vê na condição de educadora de

crianças pequenas, foram: professora à frente da lousa falando muito (reclamona,

desmotivada profissionalmente); babá carregando uma criança no carrinho (cuidadora);

duas crianças com o mesmo tamanho (a sociedade vê a educadora de crianças pequenas como

infantil); professora em um plano mais alto que as crianças (professora que ensina,

diferenciada das crianças).

Houve grande envolvimento das colaboradoras nessa atividade, de tal maneira que

prosseguimos desafiando-as em suas reflexões. Propusemos que o grupo refletisse sobre as

duas imagens representadas, a interna – como cada uma se vê profissionalmente – e a externa

– como a sociedade as vêem e o sentido que essas duas imagens têm para a identidade de cada

uma como educadora de crianças pequenas.

As colaboradoras consideram que existe um vácuo, um vazio, justificado pela

falta de integração entre escola e famílias, entre as próprias educadoras e a falta de autonomia

das escolas. A expressão do vazio parece expressar a condição da educação infantil hoje no

Brasil: um vazio, um terreno que precisa ser cultivado na interface das construções histórico-

sociais e profissionais de creche e de pré-escola, sem sobreposições, em permanente diálogo,

a favor das necessidades das crianças pequenas e de suas famílias e da qualificação

profissional das educadoras.

As avaliações ao final do Encontro, as colaboradoras apontam explicações e

alternativas para essa situação,

Precisamos encontrar um elo, caminhos para estreitar as imagens interna e externa. A chave

parece ser o trabalho em grupo, o coletivo da escola. (Profa. Mônica)

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O próprio professor não valoriza a profissão. Enquanto não houver respeito dos próprios

profissionais com a profissão, a sociedade também não a respeitará. Daí a pergunta comum:

mas você só dá aula, você não trabalha?” Nesse sentido, acho que o

estágio pode ajudar nesse respeito e valorização profissional, como esse trabalho que

estamos fazendo aqui. (estagiária- Gabriela)

“Agora eu entendo melhor o que os professores falam lá na Faculdade sobre o ciclo de vida

do professor. Se a escola fosse organizada de outra maneira, talvez o professor pesquisasse

mais, refletisse mais. Parece que as coisas vêm muito prontas, criando uma certa

acomodação de todos. (estagiária- Maria Eugênia)

Avaliações que apontam questões reveladoras de um novo patamar para a formação

de educadoras de crianças pequenas: diálogo, interinstitucional (entre creche e pré-escola),

formação de equipes de trabalho que tenham a prática como referência central no processo

formativo, valorização profissional (interna e externa) e uma organização institucional

dialógica, dinâmica e provocadora de mudanças.

2.1.7. As Relações Institucionais e as Necessidades Formativas das educadoras de

crianças pequenas

Nono Encontro:

Intenção: Reunir os dois sub-grupos de creche e de pré-escola possibilitando a construção de

relações interinstitucionais (creche e pré-escola), observando as Necessidades Formativas

dos sub-grupos.

O Encontro realizou-se na creche. As professoras da pré-escola não conheciam a

mesma. Apresentamos as dependências da creche para as professoras e estagiárias que não a

conheciam. As professoras da pré-escola surpreendem-se com as instalações, com o espaço

físico e com a disposição dos materiais. Após uma breve apresentação das colaboradoras, o

sub-grupo da creche apresentou o Levantamento Histórico realizado dando conta da origem

institucional privilegiadamente como necessidade da mãe trabalhadora. O sub-grupo da pré-

escola, da mesma forma, apresenta a conclusão do Levantamento Histórico não havendo um

consenso sobre a origem da instituição com uma explicação por parte da população local e

outra, da parte da Prefeitura Municipal. A reflexão do grupo pautou-se na perspectiva de

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entender que essas duas origens distintas marcam as trajetórias das duas instituições e em

muito, explica a imagem de criança que dá suporte às concepções e práticas das educadoras.

Consideram ainda a diferença organizacional entre a creche e a pré-escola. As

creches, sobretudo as assistenciais, recém trazidas para a área da Educação ainda apresentam

peculiaridades, singularidades, se comparadas às pré-escolas que se organizam dentro de um

sistema de ensino, articulados em uma rede municipal. Isso traz diferenças institucionais que

se evidenciam nas palavras das colaboradoras,

Nós achamos que a pré-escola precisa mudar, mas a coisa é mais complexa. Há toda uma

organização para a pré-escola ser da maneira que é. Não há estrutura que dê conta de uma

mudança e não serão cursos, palestras que mudarão essa organização. (profa. Paula)

Um certo fatalismo justificado para a não promoção de mudanças. Limites

institucionais que, na perspectiva de algumas professoras são intransponíveis, reforçam uma

atitude de imobilismo.

Em contraposição, uma estagiária amplia a perspectiva da visão da educadora,

Acho que todo educador em sua prática tem que ter sonhos. Temos que acreditar em algo.

Precisamos conhecer a criança, saber quem ela é, de onde ela vem. (estagiária-Bia)

Poderíamos analisar o contraponto feito entre professora e estagiária a partir do

ciclo de vida profissional do professor. Consideramos que os sonhos precisam

continuamente figurar no cotidiano das educadoras de crianças pequenas, porém

reconhecemos que o tempo na profissão conjugado às frustrações profissionais e os limites

institucionais colaboram para que esse ciclo de vida profissional apresente altos e baixos. As

estagiárias ao adentrarem na profissão pela porta do estágio, o fazem sem vícios, sem

bloqueios, contrastando com algumas profissionais que contam com uma prática profissional

consolidada, que não vêem a profissão no palco das possibilidades e sim, da fatalidade.

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Ao final, as colaboradoras avaliam o Encontro, relevando aspectos positivos e

negativos da origem e da estrutura das duas instituições, assumindo responsabilidades,

Com todo o pessimismo a gente vai à luta, como quando vocês relataram a luta da creche

que no início estava em um porão e agora está aqui nessa creche pensada para a criança

pequena. O sonhar é necessário. Essa troca entre creche e EMEI foi muito importante. Isso

faz a gente buscar sempre mais. Estar aqui na pesquisa foi uma decisão, uma escolha

minha. Outras professoras até poderiam participar, mas não quiseram. (profa. Mônica)

Auto-formação, novas concepções sobre creche e pré-escola construídas nos

contextos. Diálogos compartilhados, histórias que precisam ser contadas, recontadas e

ouvidas para a adubagem do terreno vazio, existente entre uma e outra. A assunção de uma

maneira de ver a formação que passa pela autonomia profissional e pela reconstrução de uma

imagem de criança,

Eu me recuso a não sonhar. Não quero me deixar vencer. O meu sonho ninguém tira.

Recebi uma criança que veio aqui da creche na época e eu nem quis conhecer a creche.

Achava que o problema dele era por ter vindo da creche. Depois fui entender que o

problema é mais complexo, tem a ver com a família, tem a ver com a gente mesma. Se

considerarmos o contexto de vida da criança, você percebe mais coisas, por exemplo que a

prioridade da pré-escola não é a criança. (profa. Giovanna)

Queria complementar o que a Giovanna falou, da importância do trabalho com as famílias,

da confiança construída. Percebo que isso falta na pré-escola e é muito valorizado na

creche. Talvez uma pudesse aprender com a outra. (estagiária-Gabriela)

A posição das estagiárias, nesse episódio, é a de inversão de papeis, de se colocar

no lugar do outro, conforme podemos subentender da expressão de uma delas,

Hoje foi uma reflexão sobre os diferentes olhares. Acho que mais do que olhar, ouvir e

sentir o ponto de vista de cada uma. Isso enriquece muito a nossa formação. (estagiária-

Maria da Conceição)

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Décimo Encontro:

Intenção: Refletir em conjunto, estagiárias, educadoras de creche e professoras de pré-

escola sobre as Necessidades Formativas de educadoras de crianças pequenas e avaliar os

Encontros de Pesquisa/Formação.

Esclarecemos inicialmente o nosso entendimento sobre Necessidades Formativas

como a expressão dos problemas e dificuldades percebidas nas práticas profissionais,

configuradas em um contexto determinado e que já trazem implícitas o desejo de mudanças e

de aprimoramento profissional.

Estrela & Leite (1999) esclarecem sobre o uso conceitual e metodológico de

Necessidades Formativas na formação de professores afirmando que duas definições

permeiam esse campo. A primeira expressaria os problemas, as carências, as dificuldades

presentes no decurso da ação docente. A segunda definição expressaria as realidades mutáveis

e dinâmicas como construções interpretativas dos professores entre os constrangimentos da

prática e o desejo de maior desenvolvimento profissional. Constatam que os dispositivos

implementados para a aferição das Necessidades Formativas de professores influenciam

decisivamente o tipo de necessidade identificada. Outra constatação é a da dificuldade dos

professores em conseguirem identificar suas necessidades, configurada em uma condição que

ignorância que impediria a percepção e os meios para superação das suas reais necessidades.

O Encontro foi realizado na EMEIEF e organizado em três sub-grupos mistos

integrando estagiárias, educadoras de creche e professoras de pré-escola e buscou sintetizar o

que, na opinião das colaboradoras, seriam as Necessidades Formativas de educadoras de

crianças pequenas que atuam em instituições de educação infantil.

Apresentamos a seguir as sínteses dos sub-grupos,

A educadora de crianças pequenas precisa entender o desenvolvimento da criança psíquico

e emocional e saber identificar suas necessidades. Precisa ter fundamentação teórica, se

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atualizando sempre com seu grupo de trabalho. Precisa fazer parte da sua rotina o estudo

individual e com as colegas. (Sub-grupo 1)

A educadora de crianças pequenas precisa conhecer a faixa etária de zero a seis anos para

saber identificar o desenvolvimento da criança e saber do seu dia-a-dia e ter empatia com

elas. Ter uma ótima relação com as famílias e buscar meios adequados para realizar o seu

trabalho, através de estudos constantes. (Sub-grupo 2)

A educadora de crianças pequenas precisa em primeiro lugar de disposição, de

disponibilidade e compromisso como educadora, com a sua profissão e com as crianças.

Saber reconhecer as necessidades delas e conseguir identificar as concepções teóricas

disponíveis para a educação da criança pequena; manter um ambiente prazeroso e

motivador para a criança utilizando o lúdico e saber descobrir caminhos para o seu

aperfeiçoamento. Estar aberta à mudanças e saber utilizar os meios e instrumentos

adequados ao seu trabalho. (Sub-grupo 3)

Aparecem nas sínteses dos sub-grupos as necessidades de atualização,

consubstanciada na leitura teórica das práticas, no crescente profissionalismo efetivado

através de uma rotina de estudos (individual e coletivo), aliado às características pessoais

de disponibilidade, compromisso profissional e institucional (criação de um ambiente de

trabalho motivador e animador do crescimento e desenvolvimento da criança e da própria

educadora de crianças pequenas) são justificadas como Necessidades Formativas das

educadoras de crianças pequenas, independente da instituição ser creche ou pré-escola.

Realizamos nesse momento do Encontro uma retrospectiva das finalidades da

investigação e a metodologia utilizada que privilegiou a Pesquisa/Formação. Evidenciamos

uma vez mais nosso propósito de entender os caminhos da construção das identidades de

educadoras de crianças pequenas, o tipo de pesquisa colaborativa e alguns fatores que

verificamos que facilitam a construção do coletivo de educadoras como o processo de

construção grupal, com vinculações e afinidades, com compromissos individuais e coletivos e

especialmente o potencial do estágio produzindo uma interpretação coletiva sobre os

contextos de trabalho, exercitando continuamente um diálogo entre teoria e prática,

culminando posteriormente na elaboração de um mini-projeto de formação das educadoras

das instituições estagiadas. No caso da pré-escola, o projeto desenvolvido ainda no ano de

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2002 pelas estagiárias trata das Intencionalidades e do Lúdico e na creche o projeto trata das

Intencionalidades e da importância da Arte no adulto e na criança.

Vale a pena relevar que o tema das intencionalidades no trabalho com a criança

pequena tem sido tema recorrente de pesquisa, “lidos” pelas estagiárias ao longo dos últimos

anos de desenvolvimento do Projeto Integrado de Estágio na Habilitação em Educação

Infantil. De maneira geral, observa-se que faltam elementos formativos para as educadoras

que lhes dêem condições de superar a idéia da mera ocupação das crianças com atividades.

Entendemos essa devolutiva do retorno das estagiárias à instituição de educação

infantil para o desenvolvimento do Mini Projeto de Formação, como uma extensão das ações

de formação desenvolvidas na universidade para as instituições que acolhem as estagiárias,

além de ser uma forma de colaborar com a formação contínua nessas instituições. Houve

então processos e produtos. Processos de reflexão, de amadurecimento, de exercício de uma

nova cultura de formação no interior das instituições e como produtos, os Mini-Projetos de

Formação das estagiárias e a presente tese de doutorado.

Ao final, as colaboradoras avaliaram os dez Encontros relacionando suas

expectativas iniciais e o que levam desse trabalho para cada uma pessoalmente, para a

profissão e para as instituições de educação infantil,

Vim para cá com muita vontade de aprender e acho que foi muito, muito produtivo mesmo.

Uma forma prática de formar, desde a maneira de organizá-lo, o horário e condições

adequadas para as participantes. (Bia-estagiária)

Houve muita troca e interação. Hoje eu sei o que são Necessidades Formativas de

educadoras de crianças pequenas. (Maria da Conceição-estagiária)

Houve muita troca. Não só o que acontecia aqui nas reuniões, mas estou me referindo ao

que acontecia lá na escola. Saíamos das reuniões sempre pensando e isso continuava na

escola, com colegas que não participavam dos Encontros. (profa. Mônica)

Percebo que amadureci bastante se comparada ao primeiro Encontro. Acho que esse

trabalho precisa continuar de alguma forma. (Maria Eugênia-estagiária)

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Trouxe muitas dúvidas e ansiedade e estou levando muita aprendizagem e alternativas.

(Gabriela-estagiaria)

Quando a gente se apropria das coisas, isso gera inquietações. É assim que eu me sinto.

(Bia-estagiária)

Sempre trouxe inquietações para os Encontros. Eu só tenho a agradecer. Foi um processo

intensivo e reflexivo, primeiramente pessoal e fui acalmando aos poucos minha ansiedade

no coletivo com as trocas que foram muito importantes. Isso tudo resultou numa outra

organização para a minha vida. (profa. Giovanna)

As avaliações acima refletem as intenções iniciais do trabalho de

Pesquisa/Formação. Ter as colaboradoras como parceiras, constituindo um coletivo que

poderá ser tomado como referência para ações de formação, privilegiando processos e

produtos, pessoais (trocas, amadurecimento, ansiedade, inquietações, dúvidas), profissionais e

institucionais (extensão da aprendizagem da pesquisa/Formação nas instituições de educação

infantil), reforçaram ainda mais a idéia de indissociabilidade.

2.2. O aprendizado dos Encontros de Pesquisa/Formação:

Décimo Primeiro Encontro:

Intenção: Apresentar para as colaboradoras os primeiros achados da Pesquisa/Formação,

submetendo-os às suas apreciações.

Reafirmamos para as colaboradoras a referência metodológica central da

investigação, qual seja, a tríade: pessoa, profissão e organização institucional. Parece que

estamos no limiar do tempo de programas de formação que dêem conta de só uma dessas

dimensões. Valorizar a pessoa – sujeito humano a serviço da formação de outros humanos-

criar condições de melhoria de sua auto-estima, de pertencimento, de reconhecimentos e de

confirmações explícitas de identidades (mutantes e mutáveis) necessariamente liga-se ao

desenvolvimento do profissional e este, ao organizacional. Além dessa valorização,

dimensionar o olhar sobre a profissão de educadoras de crianças pequenas, entendendo que é

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o olhar do outro que oferece elementos para que cada um se perceba pessoal e

profissionalmente, construindo suas identidades.

Parece ainda estar evidenciado na presente investigação, diferentes níveis de

construção de identidades para as colaboradoras dos sub-grupos de creche e de pré-escola. As

primeiras parecem se colocar nos limites da atuação concreta com a criança, sendo

despercebidas questões que envolvam uma crítica de suas práticas que ultrapasse esse limite.

No caso das professoras de pré-escola, observa-se uma clara percepção das contradições e

idiossincrasias presentes no cotidiano de trabalho.

Salientamos os grandes temas que apareceram na Pesquisa/Formação e que seriam

aprofundados no momento da análise final, e que mesmo separados, apresentam-se juntos nas

dimensões:

-Pessoal: As relações de gênero permeando a base de consolidação das identidades de

educadoras de crianças pequenas; a importância da apropriação do percurso formativo na

infância, na família e na escola, marcando as continuidades e rupturas, possibilitando

reflexões sobre a qualidade da educação nas instituições de educação infantil, temas esses que

implicam a análise de uma imagem de criança e de infância que se revelam nas concepções e

nas práticas; as razões que justificam a “escolha” profissional; o exercício do cuidar e educar

crianças pequenas e os saberes desenvolvidos na prática.

-Profissional e Institucional: Ao lado dos temas que caracterizam a dimensão pessoal, outros

temas se apresentam de forma indissociável e ajudam a explicar as identidades profissionais

de educadoras de crianças pequenas. São eles: a revelação das culturas institucionais de

creche e de pré-escola (os isolamentos, as parcerias e as descontinuidades); a valorização da

unidade educacional como local para a socialização e o desenvolvimento profissional; a

matriz identitária de educadoras de crianças pequenas associada à imagem de criança que

subjaz as concepções e práticas das colaboradoras; o fazer-se educadora de crianças pequenas

no exercício profissional pautada nas imagens de criança e nas funções da educação infantil

na sociedade atual; as auto-imagens profissionais construídas na intersecção entre a imagem

de si e a imagem que a sociedade tem da profissão, e por fim, as relações institucionais entre

creche e pré-escola configurando o campo da educação infantil.

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Foi possível observar nesse período da Pesquisa/Formação, alterações nas

posturas profissionais por parte das educadoras e nas práticas institucionais, na relação com os

pares, famílias e sobretudo, com as crianças. Na creche por exemplo, houve evidentes

mudanças na organização do espaço, na relação com as crianças diminuindo o tempo de

espera nas atividades e nas ações da coordenação pedagógica, traduzidas nas verbalizações

das educadoras, assim como nas observações informais que realizamos, por ocasião dos

Encontros. O grupo de colaboradoras da pré-escola por outro lado, vêm colocando em questão

algumas orientações institucionais que, segundo elas, estariam dissociadas do dia-a-dia de

trabalho com as crianças, além da descontinuidade nas ações organizativas da unidade e o

caráter público da instituição. Observa-se que a reflexão constante sobre as práticas, buscando

alternativas e re-significações para as mesmas, acabou por tornar-se também uma prática: a

consciência se auto-formando.

Isso nos faz ampliar o olhar sobre o cuidar e o educar, incluindo o socializar

como necessidades do desenvolvimento humano e não só das crianças pequenas, como

dimensões de nossa humana docência (Arroyo, 2000).

As Necessidades Formativas apresentadas nos procedimentos, relações e vínculos

construídos, mesmo que singular – longe de buscar generalizações – nos permite uma

aproximação com os diferentes tempos de formação/aprendizagens que não são nem lineares,

nem estáticos, que se constróem ao longo da vida.

Observamos que as colaboradoras encontram-se entre a reprodução de modelos e

as inquietudes acerca de suas práticas, revelando, mesmo que de forma não clara, a

insuficência da formação para o exercício educacional com crianças pequenas e as estagiárias

apresentam-se apreensivas quanto ao que serão e como serão como profissionais. Para além

da consideração das etapas de formação inicial e contínua, os tempos educativo, pedagógico

(produto/construtor de aprendizagens), político (orientações e diretrizes que se vinculam a

relações de poder) se articulam com as formas organizativas do trabalho pedagógico no

âmbito das creches ( que passam pela transição de se vincularem à área da Educação) e no

âmbito da pré-escola municipal que, pelo menos no caso em estudo, encontra-se sedimentada

em uma visão hierarquizada e dicotômica entre o pensar e o fazer.

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Em ambos os casos, parece ser necessária a revisão do papel dos chamados

“especialistas” de dentro e de fora da unidade educacional e sua interação com o coletivo de

educadores, redirecionando ou transformando uma cultura de formação contínua que parece

não ter nos educadores que atuam diretamente com as crianças, seu alvo principal, mesmo que

teoricamente esse seja o discurso.

Parece ainda necessária a definição de quem é a criança pequena – sujeito das

políticas públicas nessa área – com base nas construções histórico-sociais dos atendimentos

institucionais à criança pequena no Brasil. Não uma criança idealizada ou o aluno, mas uma

criança real e que têm nas instituições de educação infantil atendida uma dimensão de sua

formação humana. A definição sobre essa criança, a forma de acolhê-la e conseqüentemente,

a compreensão de infância, é base fundamental para a organização de programas de formação

de educadoras de crianças pequenas.

O estágio como elemento de ligação entre a teoria e a prática, costurando tempos e

construindo identidades implicando em desenvolvimento de aprendizagens mútuas e que têm

nos procedimentos de pesquisa e na participação nos sub-grupos de Pesquisa/Formação, a

possibilidade de proposição de alternativas profissionais e institucionais.

A presente Pesquisa/Formação poderá colaborar ainda no redimensionamento da

formação de educadoras de crianças pequenas no curso de Pedagogia, reavaliando os

propósitos da docência, da pesquisa e da relação entre instituição formadora (Universidade) e

as instituições de educação infantil.

Para além da quantidade de horas a ser exigida da estagiária, necessário se faz o

acompanhamento, a reflexão problematizada e propositiva, a devolutiva na forma de

conhecimentos construídos em parceria e a criação de outras redes de interações entre

Universidade (instituição formadora) e instituições de educação infantil, partilhando projetos

institucionais e interinstitucionais, delineando assim apostas que podem sinalizar um

redimensionamento para a formação inicial e a formação contínua ou, como nas palavras de

Pimenta (2002), um caminho da epistemologia da prática à práxis, construindo espaços

coletivos de colaboração.

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Sugerimos às colaboradoras que manifestassem suas opiniões acerca desses

“achados” e se os mesmos faziam sentido para elas. Por suas palavras,

Acho que esse trabalho trouxe muitas repercussões na minha prática. Acho que melhorei

minha escrita. Minhas avaliações hoje são de outra qualidade. (profa. Mônica)

Me senti refletida nesse trabalho, que não é mais seu. Agora é nosso. Me vi num raio-x.

(profa. Giovanna)

Hoje eu acho que tenho mais razões para questionar quando disserem: ‘não é para fazer

assim.’ Temos condições de perguntar: por que não? (profa. Paula)

Considero que a minha visão sobre creche foi totalmente modificada. (Gabriela-estagiária)

Palavras que reforçam nossas convicções, sendo reveladoras do esforço

empreendido ao longo da investigação – de uma mão de dupla direção – mergulhando nas

realidades das educadoras de crianças pequenas, esmiuçando suas identidades profissionais, e

ao mesmo tempo, partilhando saberes, experiências, promovendo um processo de formação,

de encontro entre educadoras. Um processo coletivo e coletivizado, de autorias e co-autorias.

Buscamos, ao longo dos Encontros criar condições para a emergência de uma

nova cultura formativa no interior das instituições de educação infantil participantes da

Pesquisa/Formação, no esforço de investigação, troca e de partilha presentes em seus

procedimentos.

A crença em que as demandas presentes no cotidiano dessas instituições

requerem de seus protagonistas respostas complexas, serviu como guia para as ações que

visaram promover um autodesenvolvimento reflexivo.

Observamos nos primeiros Encontros de Pesquisa/Formação que as estagiárias

observaram muito e pouco se manifestaram. Ao longo das reuniões elas foram se permitindo

apresentar idéias e opiniões, sendo co-partícipes do grupo e não somente observadoras, como

no início. Por outro lado, as educadoras, especialmente as da pré-escola valorizaram muito a

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presença das estagiárias em suas salas, atuando de maneira colaborativa. Houve um caso em

que aconteceu uma grande interação entre professora e estagiária. Em episódios que pudemos

presenciar das duas atuando juntas: professora e estagiária, tínhamos a impressão de que elas

já eram antigas companheiras de trabalho, tamanha foi a integração entre as duas.

Ao final dos Encontros de Pesquisa/Formação, a professora de pré-escola

abraçando-a, solicitou,

Vou pedir mais tempo para a Faculdade para você fazer estágio. Num instante o estágio

acabou. Vou sentir muito a sua falta! (Profa. Mônica e estagiária Gabriela)

Isso pode revelar a maneira como as estagiárias foram para as instituições e as

ferramentas pedagógicas de pesquisa que dispunham tais como a observação, o registro, a

análise de documentos e a entrevista aliado a uma sensibilidade e identidade profissional que

foi sendo construída e alimentada ao longo dos Encontros. Pode ser revelador também de

carências profissionais e institucionais manifestados nas dificuldades de produção do coletivo

de educadoras, que como sabemos serve para alimentar, fomentar reflexões produzindo

conhecimetnos comuns e co-responsabilizados. E por último, pode revelar a necessidade de

um outro profissional que atue diretamente com a professora na mesma sala, dividindo as

responsabilidades e tarefas cotidianas na educação e cuidados das crianças.

Outro propósito desse trabalho que era a complementariedade entre pesquisa e

formação parece fazer sentido para as colaboradoras,

Acho que esse é um espaço importante não só para a pesquisa, mas para a gente rever a

nossa prática. Acho que o tempo desses Encontros é muito curto. Poderia ter uma duração

maior. (profa. Paula)

Outro aspecto observado é que os diferentes contextos (dos sub-grupos) vão

possibilitando afunilar um mesmo foco para as questões relativas às práticas de trabalho com

as crianças.

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Eu andava meio desanimada, parecia que estava em um buraco sem fundo. Antes não

conseguia fazer um diagnóstico da situação, acho que só reproduzia. Agora parei para

pensar. (profa. Giovanna)

Estou gostando de saber o porquê das coisas, fazer o meu resgate profissional. O contato

com as estagiárias na sala de aula também é importante.( Profa. Mônica)

Toda troca enriquece. Aqui a gente aprende a falar e a ouvir. É uma troca interessante.

(Bia -estagiária)

As educadoras de maneira geral relataram curiosidade por um trabalho de

formação diferente do que conheciam (que não traz as coisa prontas) relevando a importância

dessa inversão apresentada na pesquisa: partir da realidade para mudar, tendo por base a

reflexão sobre a teoria e a prática, aliados à reflexão - objeto dos Encontros de Pesquisa/

Formação – numa evolução em espiral,

Trata-se de um trabalho estruturado, mesmo que não saibamos que caminhos ele vai tomar.

Muita coisa que aprendemos na Faculdade não se aplica na prática. O processo aqui é o

inverso: partir da realidade e ver como se pode transformar. (Bia –estagiária)

No final a gente fica pensando: seu eu tivesse aqui eu não faria isso. ( Gabriela –estagiária)

Hoje estou saindo daqui com nó triplo de marinheiro cego e sem muleta. Estou mais

enroscada do que quando entrei. (Profª Giovanna)

Voltando à expressão “colaborativa” relevada por Pimenta e colaboradores(2000)

e aprofundada por Monteiro (2002), temos a impressão de efetivar de fato uma ação

colaborativa, que supõe o labore, o trabalho, o exercício. Uma ação ação responsabilizada,

comprometida e alicerçada no diálogo permanente entre a teoria e a prática.

Nas palavras da estagiária, quando da socialização dos relatos autobiográficos,

observamos uma cumplicidade existente no coletivo do grupo, tendo como suporte vínculos

que começavam a ser construídos, aliados à apropriação de sua própria história de vida,

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Quando relatei para a turma do curso de Pedagogia lá na Faculdade, foi difícil para mim,

mas foi gratificante fazê-lo. Hoje aqui ao ouvir as colegas, vão surgindo outras questões

que tem a ver com a minha vida e a minha privacidade. Nem minhas filhas e o meu marido

puderam ler o meu Relato Autobiográfico quando eu estava fazendo-o em casa, pois

considero uma coisa minha. Achei tão interessante fazer isso que comprei depois diários

para as minhas filhas com chave e tudo e estou estimulando-as a escrever. ( Maria Eugênia

–estagiária)

A escuta – uma habilidade importante na formação de educadores, especialmente

de crianças pequenas – parece ter caráter fundamental em ações de formação dessa natureza,

Hoje foi o melhor Encontro que já fizemos. O relato de cada uma me fez pensar sobre o que

faria ou não faria com as crianças sob minha responsabilidade. Saber ouvir, saber esperar é

um exercício terapêutico para o nosso dia-a-dia diante da ansiedade que vivemos em nossa

sociedade. (Maria da Conceição –estagiária)

Acho que um grupo em construção é isso. De maneira geral temos muitas informações e

dificuldade para trocar. Nossa obrigação é a de refletir constantemente sobre isso, falar

sobre o que se acredita. Só assim é que crescemos como educadoras. ( Bia –-estagiária)

Várias foram as observações ao longo dos Encontros acerca da elaboração que os

tema ali tratados possibilitaram, podendo visualizarmos as significações produzidas pelas

colaboradoras sobre o pensar e o fazer, sobre suas condições enquanto profissionais, além de

tentarem buscar explicações para a situação da educação a qual estão inseridas.

O fato dos Encontros ocorrerem com o interregno de quinze dias possibilita

reflexões, ações modificadas e trocas entre as pares de educadoras. Vejamos o relato de uma

professora nesse sentido,

231

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Depois dessas reuniões eu fico muito inquieta. Fico pensando o tempo todo e isso acaba

refletindo na sala de aula. A gente não consegue chegar a uma conclusão. Parece que a

responsabilidade ou irresponsabilidade sobre o que acontece não é só da escola, é da rede

inteira, é do Estado, é do país. (profa. Mônica )

No encontro seguinte, essa mesma professora, ao ver a angústia de outra

professora no reconhecimento das incoerências de suas práticas com as crianças, faz a

diferença entre inquietação e angústia. Reconhece que não sente tanto sofrimento quanto a

colega manifesta e que lida com suas incoerências (próprias do ser humano) de outra forma.

Se permite ousar, inovar e ao mesmo tempo manter-se fiel às suas crenças.

Problematizamos esse episódio com o grupo, sobre a matriz que carregamos

acerca da compreensão do conhecimento, o papel das instituições educacionais e do professor

e sobretudo, as incertezas presentes nas ações e relações humanas em geral, e em especial, nos

processos formativos institucionais. Coloca-se hoje para a humanidade a certeza de que não

há certezas, de que o velho não dá mais respostas ao presente e o novo ainda não foi

descoberto (Nóvoa, 2001). Transitar nesses meandros implica em posicionamentos que uma

base epistemológica positivista – a base geral de formação de professores - encontra

dificuldades. Daí a necessidade da construção em processos formativos, de outros paradigmas

que dêem sustentação ao incerto porém não errado, ao inseguro porém não duvidoso,

proporcionando a elevação de patamares que nos auxiliem a visualizar outras formas de

ensinar e de aprender.

Os sub-grupos de Pesquisa/Formação possibilitaram que pensemos na

potencialidade da formação universitária e na formação contínua, na constituição de

Encontros dessa natureza que supõem para sua organização a construção de vínculos, de

debates, de explicitação de saberes, de partilha de projetos, de espaço para resolução de

problemas, oferecendo condições para a superação de práticas reprodutivistas, tendo a

reflexão permanente como base para a estruturação de compromissos, responsabilidades e

tarefas compartilhadas e especialmente, de mediação teórica com a prática. A constância, a

articulação e a busca de unidade, sem desconsiderar as diferenças, são outros fatores

importantes na construção de um coletivo de educadoras capaz de educar e educar-se.

232

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Caminhamos assim para o Capítulo 3 que pretende desenvolver de forma mais

acentuada, a triangulação dos dados para, em seguida, apresentar as conclusões e os

desdobramentos da investigação.

233

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Capítulo 3 A Pessoa, a Profissão de Educadora de Crianças Pequenas e as Instituições

de Educação Infantil

Mobilizar as dimensões pessoais nos espaços institucionais, equacionar a profissão à luz da pessoa (e vice-

versa), aceitar que por detrás de uma –logia (uma razão) há sempre uma – filia (um sentimento), que o auto e o

hetero são dificilmente separáveis, que (repita-se a formulação sartriana) o homem define-se pelo que consegue

fazer com o que os outros fizeram dele. (Nóvoa, 1995)

Pretendemos nesse capítulo recuperar alguns elementos centrais na construção de

identidades de educadoras de crianças pequenas, com base nas dimensões da pessoa, da

profissão e das instituições de educação infantil.

Em se tratando de Pesquisa Qualitativa, a análise foi se processando ao longo da

Pesquisa/Formação com elaborações descritivas e ao mesmo tempo interpretativas, das

informações recolhidas. Embora tivéssemos utilizado alguns procedimentos que favoreceram

a análise, esta foi se delineando ao ser feita. Foram emergindo várias categorias, expressas nos

capítulos antecedentes, que ofereceram condições para uma organização conceitual de

apresentação das informações.

Devido à grande variedade e singularidade presentes nessas informações, o que

buscamos apreender foram as significações dos informantes aos temas desenvolvidos.

Fizemos um itinerário metodológico de ir e vir, ou seja, recolhendo dados, reduzindo-os e/ou

ampliando-os para daí extrair conclusões, mesmo que temporárias, e voltando freqüentemente

aos próprios dados para novas verificações.

Ao apontar as dificuldades freqüentemente encontradas por pesquisadores

qualitativos no processo geral de análise, Gomes, Flores & Jiménez destacam que,

La singularidade de los procedimientos de análisis de datos es un proceso singular y

creativo, en el que as habilidades y tareas propias de todo proceso analítico es preciso unir

otras de carácter especial. De este modo, se contribuye a ensombrecer el panorama del

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análisis de dados cualitativos para aquéllos que por pimera vez se acercan a esta actividade,

pues planteamientos como los anteriores nos llevan a la impossibilidad de que cualquier

investigador pueda realizar de manera óptima las tareas de análisis. En cierto modo podria

pensarse que el análisis de datos cualitativos es un arte más que una técnica y, por tanto, su

aprendizage no está al alcance de todos. (Gomes, Flores & Jiménez, 1996, p. 202)

Vamos então à arte de analisar de maneira final os dados que obtivemos ao longo

da Pesquisa/Formação. Já tivemos oportunidade de mencionar os ganhos formativos desse

processo. Resta-nos nessa parte do trabalho, relevar os ganhos da pesquisa propriamente dita.

Consideramos que todas as participantes desse processo de Pesquisa/Formação se

beneficiaram, mesmo que de maneiras diferentes. As colaboradoras puderam exercitar atos de

ensino e atos de pesquisa com condições também diferenciadas. Nesse sentido, concordamos

com Charlot (2002) acerca da especificidade da pesquisa feita pelo pesquisador e pelos

professores. Para ele, o ato de ensino é político e global, enquanto o ato de pesquisa é mais

modesto, englobando o que é e o que não deve ser, buscando efetivar análises. O que difere

ainda o pesquisador do professor são as condições de produção e comunicação da pesquisa e o

fato do primeiro ser hierarquicamente superior ao segundo.

Dessa maneira, na condição de professora/pesquisadora tínhamos uma posição

privilegiada no grupo, nos colocando o desafio de mediar concepções, teorias e práticas que

nos ajudaram a identificar os caminhos na construção de suas identidades. Intencionamos

construir junto com as colaboradoras teorias que pudessem ser alcançadas pelas teorias das

práticas. Ao longo dos Encontros de Pesquisa Formação essa intenção ia ficando cada vez

mais explicitada. Ao fazer sentido, produzir significações, para elas parecia ser a senha para

adentrar nas teorias que careciam de explicações para que pudéssemos problematizá-las.

Fizemos uso de forma muito recorrente do uso da linguagem para efetivar essas explicações.

O sentido das palavras utilizado pelas colaboradoras em suas manifestações nos Encontros

eram motivo de questionamentos, de forma que pudéssemos sair das explicações genéricas e

superficiais e aprofundarmos de fato as teorias explicativas das práticas.

Consideramos importante elucidar a forma como vimos desenvolvendo a análise

nessa investigação. Temos como paradigma interpretativo de análise, o construtivismo,

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entendido aqui como construções partilhadas entre membros de um grupo, de uma sociedade,

de uma cultura. Permeado por uma perspectiva holística, apresenta algumas características

tais como a orientação naturalística, o caráter não intervencionista, a sensibilidade ao

contexto, a importância da perspectiva dos participantes, a orientação para os processos e para

a mudança, a coleta direta de dados, a importância da riqueza de dados descritivos, tendo o

investigador como principal instrumento, a flexibilidade do desenho da investigação, a análise

indutiva, a descoberta da compreensão e do significado e o tempo prolongado de presença do

investigador no terreno. Sendo assim, balizamos nossas análises em uma perspectiva

hermenêutica e dialética de descrição e interpretação, confrontando posições com vistas a

construção de “realidades de compromisso” (Oliveira-Formosinho, 2002).

Tentamos nos posicionar ao longo dessa experiência investigativa de maneira

aberta e curiosa, desenvolvendo uma sensibilidade para efetuar as leituras simbólicas

possíveis, provenientes dos contextos investigados.72

Mais do que explicar, objetivamos compreender os caminhos pelos quais as

educadoras de crianças pequenas constroem suas identidades profissionais. Stake (1998)

adverte que a validação dos dados é condição fundamental para a aceitação e valorização

científica em pesquisa de maneira geral, e em especial, em pesquisa qualitativa, considerando

isso como parte das responsabilidades do investigador, que deverá empreender esforço para

reduzir ao mínimo as falsas representações e interpretações. Nessa perspectiva, utilizaremos

para essa análise a forma da triangulação de dados, na mira da compreensão das significações,

cotejando com informações adicionais, longe porém de querer nessa análise, predizer um

único significado.

Stake recupera Denzin (1984) que identificou as seguintes estratégias para a

efetivação da triangulação: a triangulação das fonte de dados - utilizada para observar se o

fenômeno apresenta-se o mesmo em variados momentos da pesquisa, em variadas

circunstâncias; a triangulação do investigador – a observação de um outro investigador do

mesmo fenômeno. Trata-se nesse caso, de triangular interpretações – que tem suas raízes em

teorias que servem para explicar o real observado - a triangulação da teoria; por fim, a 72 O professor António Nóvoa em palestra dirigida a pesquisadores e proferida na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo no ano 2000, ao se referir à pressa de alguns pesquisadores qualitativos em chegar aos resultados que já estavam previamente anunciados, assim definiu essa conduta: “trata-se de torturar os dados até que eles confessem”. Sempre nos lembramos dessa máxima e nos acautelamos diante do processo de tratamento de dados qualitativos.

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triangulação metodológica – uma maneira de retornar aos registros anteriores, observando

outras informações. A triangulação obriga o pesquisador a revisar seus pontos de vista,

procurando tornar mais clara sua perspectiva de análise. Ele poderá fazer uso das estratégias

que melhor convier à pesquisa.

Consideramos que tentamos dar conta de alguma maneira nos capítulos

precedentes, da triangulação metodológica, ao adicionarmos os Encontros de

Pesquisa/Formação às narrativas das colaboradoras como forma de compreender os caminhos

de construção das identidades profissionais de educadoras de crianças pequenas. A

triangulação da teoria também foi se desenhando, à medida em que íamos dialogando com

autores, assinalando semelhanças, problematizando ou mesmo ampliando o panorama em

investigação.

Vamos nos ocupar nesse capítulo, da triangulação das fontes de dados, na

perspectiva das colaboradoras, além de continuar a triangulação teórica. Entendemos que a

triangulação de fontes de dados a partir das colaboradoras, poderá fornecer elementos

adicionais para a análise dos caminhos trilhados na construção da identidade profissional de

educadoras de crianças pequenas com base na pessoa, na profissão e na organização

institucional.

Consideramos que a decisão de triangular os sujeitos da pesquisa é importante

nessa investigação, devido às histórias de creche e pré-escola terem sido construídas em

terrenos separados e que passam agora a habitar o mesmo espaço – o espaço da educação

infantil. Esse histórico já era sabido por nós, resta-nos apresentar o que é novo e que foi

construído nesse processo colaborativo, ou seja, resgatar na imagem do vazio representada

por uma das colaboradoras as relações existentes entre um e outro atendimento institucional,

esmiuçar suas nuances, procurando compreender as formas de construção das identidades

profissionais das diferentes colaboradoras no amplo contexto da educação infantil brasileira.

Durante todo o processo da Pesquisa/Formação constatamos que a formação não é

cumulativa e sim “um trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas e de (re)construção

permanente de uma identidade pessoal. Por isso é tão importante investir na pessoa e dar um

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estatuto ao saber da experiência.” 73 Práticas e experiência – dois elementos relevantes na

construção de identidades profissionais, constatadas em vários episódios já enunciados na

presente pesquisa.

Buscamos desenvolver com as colaboradoras a tomada de consciência sobre si

mesmas, de suas relações com o mundo, com a profissão e com a instituição que desenvolvem

seu ofício, de maneira a que pudessem questionar e eventualmente modificar a forma como

construíram sua identidade pessoal em relação à profissão. Uma forma da transformação

pessoal produzir condições para a transformação das práticas.

Segundo Larrosa ( 2002) as práticas dos professores não se relacionam com o que

eles sabem, com suas competências profissionais, mas com o que eles são, com o valor e o

sentido que conferem à sua prática, com sua autoconsciência profissional. Trata-se de

produzir, capturar e mediar pedagogicamente alguma modalidade da relação da pessoa

consigo mesma, com o objetivo explícito de sua transformação. Ver-se de outro modo, dizer-

se, julgar-se de outra maneira, atuar sobre si mesmo é o que caracteriza a infinitude humana,

conseqüência da crítica e da liberdade.

Para o mesmo autor, a experiência é cada vez mais rara na sociedade que

vivemos. Ela difere da informação, e há um excesso de opinião devido à abundância de

informação, pela dinâmica e velocidade de que dispomos das mesmas. O tempo que temos na

sociedade da informação é curto para vivenciarmos as situações de forma plena, aliado ao

excesso de trabalho. O efêmero, o estímulo, as sensações e o consumismo são para ele,

inimigos mortais da experiência. A experiência viria na contra mão dessa condição que

vivemos nas sociedades modernas. A experiência como algo que aconteça com o ser humano,

que o toque, requer um gesto de interrupção,

Parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais

devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos

detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o

automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar

73 NÓVOA, A . A Formação de Professores e a Profissão Docente. In Os Professores e a sua Formação. Publ. Dom Quixote, Lisboa, 1992.

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sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, a arte do encontro, calar

muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço. (Larrosa,2002, p. 23)

Trata-se de uma experiência diferente de experimento, distante de suas

contaminações empíricas e experimentais. Se o experimento é genérico, a experiência é

singular, supondo uma abertura para o desconhecido, para o não previsível, requerendo

disponibilidade pessoal,

O sujeito da experiência é um sujeito “ex-posto”. Do ponto de vista da experiência, o

importante não é nem a posição (nossa maneira de pormos), nem a “o-posição” (nossa

maneira de opormos), nem a “imposição” (nossa maneira de impormos), mas a “ex-

posição”, nossa maneira de “ex-pormos”, com tudo o que isso tem de vulnerabilidade e de

risco. Por isso é incapaz de experiência aquele que se põe, ou se opõe, ou se impõe, ou se

propõe, mas não se “ex-põe”. É incapaz de experiência aquele a quem nada lhe passa, a

quem nada lhe acontece, a quem nada lhe sucede, a quem nada o toca, nada lhe chega, nada

o afeta, a quem nada o ameaça, a quem nada ocorre. (Larrosa, 2002, p.24/25).

Foi nosso propósito, especialmente nas narrativas e nos Encontros, criar as

condições para a promoção de experiências. Tanto as já vividas, que puderam ser

compartilhadas e re-significadas, como a própria experiência de Pesquisa/Formação.

Condição que nos fizeram compreender ainda mais a dimensão da ex-posição de que nos fala

Larrosa. Consideramos assim que sensibilizarmo-nos para essa compreensão é uma das

tarefas dos formadores de formadores, seja em que âmbito for que essa formação aconteça.

3.1. A tomada de consciência das dimensões pessoal e profissional

A pessoa e a educadora, ou seja, as dimensões pessoal e profissional, construídas

em diálogo, e a consciência sobre elas como um grande desafio a ser enfrentado por todos:

gestores de políticas de formação de educadores e os próprios educadores. Quando as

educadoras de creche, professoras de pré-escola e estagiárias tomam consciência dessas

dimensões, parece estar sendo sedimentado uma base, o trilho sob o qual a formação

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profissional possa se consolidar. Vejamos como essas reflexões vão se processando, nas

palavras das colaboradoras,

Hoje fica mais claro pra mim o por quê das coisas. Acho importante esse trabalho de

resgate profissional e me faz muito bem estar em contato com as estagiárias. (profa.

Mônica)

Hoje foi o melhor Encontro que já fizemos. O relato de cada uma me fez pensar sobre o que

faria ou não faria com as crianças. Saber ouvir, saber esperar para falar é um exercício

terapêutico para o nosso dia-a-dia, diante da ansiedade que vivemos em nossa sociedade. O

curso de Pedagogia foram os melhores anos da minha vida, como mãe, como profissional.

Hoje consigo entender mais os outros. (estagiária/Maria da Conceição)

Fazer o reato autobiográfico para mim foi como lavar a alma. O relato me ajudou a ver que

sou muito séria, que não consigo brincar com crianças. Minha educação foi muito rígida.

Isso tudo é fruto da minha infância. (estagiária/ Maria Eugênia)

Passam a tomar consciência sobre as razão das “escolhas” profissionais como

resposta à necessidades pessoais, que tinham uma matriz na infância, nas experiências

manifestadas em atos plenos de ex-posição, conforme nos ilustram as próprias colaboradoras,

Eu já tentei sair da área da Educação, fazer decoração de festas, ser vendedora. A verdade é

que eu não consigo não ser professora. (profa. Giovanna)

“Depois de fazer o relato autobiográfico percebi o por quê do bloqueio que tenho em

matemática. Apesar disso sempre gostei de brincar de escolinha e aos quinze anos já estava

trabalhando com evangelização de crianças na instituição assistencial mantenedora da

creche. (educadora/ Ana Beatriz)

“Acho que escolhi ser professora porque ir para a escola pra mim era a possibilidade de

poder brincar, porque era muito paparicada em casa. Via na professora uma mãe que eu

não tinha. As professoras naquela época eram muito boazinhas, permissivas. Tento ser

justa, coerente. Mas reconheço que não sei fazer isso direito, por isso estou aqui. (profa.

Giovanna)

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As histórias pessoais entrecruzadas com as histórias coletivas. Uma base

profissional construída na/pela condição feminina, portanto a dimensão do pertencimento à

história das mulheres em nossa sociedade. Novamente a identidade sendo produzida pelo

olhar do outro,

Ao ouvir as colegas fui pensando melhor sobre mim mesma. Tudo isso serve para fazermos

relações com a vida de cada uma. É muito bom isso. (profa/ Mônica)

A produção de uma reflexão mais aprofundada acerca da articulação entre teoria e

prática, num início de exercício profissional marcado por critérios que estão sendo

construídos no curso de Pedagogia e na participação na Pesquisa/Formação, em que a reflexão

tem lugar central. Reflexões sobre a pessoa que se é, a profissional que se deseja ser e a

qualidade da formação. Assim as estagiárias se manifestam,

Comecei a trabalhar em uma creche agora e eu tento ter uma prática coerente com o que

estou vendo aqui e estudando lá na Faculdade. Hoje eu me observo mais. Tem mudado

minha relação com as crianças, elas me beijam. Acho que é por que eu valorizo as

conquistas delas, eu falo para elas, por exemplo: ‘Que bom, hoje você comeu tudo!’

(estagiária Elaine)

As pessoas têm falado que eu estou mais triste. É duro ter um suporte teórico e não

poder usá-lo. (estagiária/ Maria da Conceição)

Hoje, o último dia destinado aos Encontros, acho que consigo pensar sobre a prática.

Percebo que estou mais madura. Precisarei continuar essas reflexões de alguma forma.

(estagiária/Maria Eugênia)

Um auto-exame que começa a fazer sentido, na visualização de uma concepção

de criança, de infância e de educação infantil que precisa ser modificada,

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Acho que as crianças precisam ser preparadas para a vida. Estou concluindo que tenho

preparado as crianças para a escola e não trabalhando a criança como ela é hoje. (profa.

Giovanna)

A inversão de papéis, proporcionada pelos Encontros de Pesquisa/Formação que

proporcionou a escuta, o ver o outro, um sujeito diferente de si, promovendo reflexos ou não

reflexos, pouca, muita ou nenhuma identificação com o que era trazido pelas colaboradoras e

pela professora/pesquisadora. Além desse exercício de produção do coletivo, por vários

momentos tivemos a oportunidade de indagar acerca da inversão de papéis, ou seja, como elas

atuariam se estivessem em funções de coordenação e/ou direção, responsáveis pela formação

das educadoras. Nesses momentos, se fazia necessária a descentração de seus pontos de vista

e ver o outro, com um outro olhar, não mais com o olhar de quem recebe passivamente

programas de formação, mas com o olhar de quem é também responsável por estes, um

verdadeiro exercício de ad-miração (ver de longe). Nessas situações, de início observamos um

silêncio inexplicável no grupo que aos poucos, foi dando lugar a explicações e sobretudo, a

posicionamentos, a ex-posições, identificando o lugar de onde falam. Os comentários abaixo

de duas colaboradoras servem para ilustrar esses fatos,

Temporariamente eu precisei me afastar da sala de aula para exercer outra função na escola

e tive saudades do trabalho, das crianças. Acho que é necessário isso, sair um pouco

daquela situação. Hoje eu tenho outra visão sobre a escola. (profa. Paula)

Hoje refletindo sobre o processo de grupo, acho que os professores pedem que alguém fale

por eles. Parecemos crianças.74 (profa Giovanna)

As professoras de pré-escola e as estagiárias parecem se situar no mesmo patamar

reflexivo, se diferenciando das educadoras de creche que vivenciaram um processo mais lento

no que se refere à dimensão profissional.

74 Nesse dia, havíamos refletido coletivamente sobre a etimologia da palavra aluno e o papel dos educadores na formação das crianças.

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Ao final dos Encontros, comumente uma educadora se sobressaia às demais pelo

envolvimento e participação, manifestando sua avaliação do dia. As outras duas educadoras se

restringiam a manifestar só o que era solicitado. Embora a adesão à participação na Pesquisa/

Formação tenha sido voluntária, ao longo dos Encontros fomos percebendo mudanças na

forma de envolvimento por parte das educadoras. Como já tivemos oportunidade de salientar,

compreendemos que houve mudanças nas práticas e nas posturas observadas diretamente no

trabalho com as crianças, porém no grupo, a participação apresentava-se diferenciada das

demais, como podemos constatar na expressão de uma delas,

Não estou a fim de falar hoje. Não pretendo trabalhar muito tempo em creche, quero partir

para outra coisa. (educadora/ Pâmela)75

No sub-grupo da creche, havia maior envolvimento das estagiárias que das

educadoras. Podemos avaliar esse episódio de duas formas. Primeiramente porque esses

Encontros ocorriam ao final de um dia intenso de trabalho e em segundo lugar, talvez pelo

fato das educadoras se acanharem diante das explicações e elaborações das estagiárias, que

envolviam saberes teóricos que elas ainda não se sentiam preparadas para manifestar.

Por outro lado, as práticas e a reflexão sobre elas, se situa em um terreno que

necessita de mediação para que haja reflexão. Compreendemos que no caso das creches, essa

mediação ainda não está suficientemente desenvolvida, daí suas manifestações se referirem

mais às práticas, sendo necessário então levar em conta essa diversidade em programas de

formação de educadoras de crianças pequenas

Consideramos também que a dimensão pessoal não pode ser transmitida,

necessitando ser construída. Nesse caso, não fazia parte do desejo profissional da educadora

permanecer trabalhando na creche. Isso pode revelar a dificuldade das educadoras de creche,

especialmente das creches assistenciais que apresentam alta rotatividade de pessoal em se

perceber como profissionais, considerando o trabalho uma ocupação profissional transitória e

que será substituída, tão logo consigam uma melhor atividade remunerada.

75 Até o final do ano de 2001, das três educadoras de creche, colaboradoras na pesquisa só restou uma. Duas saíram da instituição para trabalhar em outro local.

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Retomando Dubar (1997), em sua definição sobre identidades profissionais como

sendo “construções sociais que implicam a interação entre as trajetórias individuais e os

sistemas de emprego, de trabalho e de “, considerando os contextos e as condições de

Trabalho, entendemos que as educadoras de creche se situam em uma condição inferior às

professoras de pré-escola. Do ponto de vista dos momentos das identidades ou ciclos,

também definidos por Dubar (da construção da identidade, da consolidação e do

envelhecimento) as educadoras de creche parecem se situar juntamente com as estagiárias no

momento da construção, ou seja, na fase inicial, a fase de entrada na carreira profissional.

Essa realidade observada nas creches assistenciais se apresenta como um dificultador na

consolidação da profissão de educadora de crianças pequenas que requer, a exemplo de outras

profissões, um tempo para sedimentação em um terreno caracterizado socialmente por um

conjunto de práticas consubstanciada na cultura profissional.

Nesse sentido, Carrolo (1997) adverte que as identidades profissionais se

constituem em termos individuais e grupais. No plano individual ela se realiza ao longo da

carreira, sendo necessário um acompanhamento a longo prazo. No plano grupal, ela se vale da

cultura profissional, em poder assegurar a sobrevivência do grupo e a definição de estratégias

identitárias adaptadas a cada realidade histórica e social. Parece que nos dois planos as

educadoras de creche apresentam uma condição diferenciada.

Quanto às maneiras de ser e estar na profissão (Nóvoa, 1992) as profissionais da

creche e da pré-escola se situam em circunstâncias também diferenciadas. Para as educadoras

de creche, as questões que se apresentam na profissão se incluem em uma perspectiva mais

prática do que teórica, em que os saberes ligados aos cuidados com a criança se sobressaem

aos saberes teóricos, assim manifestados por elas: a maternagem, (paciência, amor, atenção,

segurança, osbervação) como sendo a base profissional das educadoras de creches, um fazer

reproduzido e pouco refletido, da maneira como aprendeu na família e na escola, ou seja, um

saber construído mais no âmbito privado do que público, próprio de uma profissão construída

no feminino. No caso da relação com a escola, as significações negativas, vinculadas ao

fracasso escolar individual se sobressaem. Levar em conta essas significações, parece

condição fundamental em programas de formação. Como proporcionar boas situações de

desenvolvimento e aprendizagem com as crianças pequenas, em creches e pré-escolas, se as

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próprias educadoras não tiveram acesso a essas situações de desenvolvimento e de

aprendizagem quando crianças?

As professoras de pré-escola manifestam-se de maneira diferente. Explicam o

que fazem, numa perspectiva mais teórica do que prática, tendo explicações para quase tudo o

que se refere ao fazer com a criança na pré-escola. Quando problematizadas acerca das

origens teóricas de suas práticas, na maioria das vezes, não conseguem perceber de fato as

teorias que as sustentam, mas de qualquer maneira as explicam com ações que desenvolvem a

cognição das crianças, mesmo considerando a insuficiência dessa concepção para a educação

infantil, que segmenta corpo e mente.

As estagiárias se colocam em uma condição reflexiva antes mesmo do exercício

profissional, examinando as práticas, tecendo elaborações teóricas, permeadas freqüentemente

pela consciência da sua condição e dos seus limites pessoais.

Para todas as colaboradoras, construir identidades profissionais que conjugue o

educar e o cuidar de crianças pequenas em instituições de educação infantil implica, em

possibilitar a re-significação dos saberes construídos ao longo da vida, na perspectiva de

estudante, podendo assim também re-construir a imagem de escola como local de

aprendizagens, de trocas, interações e de significações. Saberes invisíveis que necessitam ser

trazidos à luz da reflexão teórica e prática.

Paralelo à isso, a imagem de criança usuária dos serviços de educação infantil

também necessita passar por revista, assim como de suas famílias. Uma criança real, de

creche ou de pré-escola, no lugar da criança idealizada, originada de uma visão romântica

culturalmente associada a um ser desvalorizado, sem capacidades próprias. No caso das

famílias, observamos a necessidade de ampliação do conceito, conjugando tolerância,

respeito à diversidade e apoio profissional para o trabalho com estas. Uma revisão que requer

condições especiais de formação, que ultrapasse a reprodução de modelos e de técnicas, que

supere a dicotomia teoria e prática, promovendo condições para o exercício da práxis.

3.2. A tomada de consciência da dimensão institucional

245

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O apoio, o reconhecimento e a valorização profissional configuram uma

forma profissional de pertencimento. Quando isso não ocorre, parece existir um bloqueio,

práticas de manutenção do que já existe, sem motivação para mudanças. Reconhecer o outro

profissionalmente é admitir como certo suas práticas, suas atitudes, o que supõe a definição

do que seja certo ou errado no campo profissional. Na área da educação infantil no Brasil,

passamos por um momento de grande produção teórica sobre o trabalho com esse segmento

etário, porém com pouca penetração no universo das educadoras de crianças pequenas, que

quando têm acesso a tais produções, essas são apresentadas mais como modelos a serem

seguidos do que como alternativas a serem problematizadas e re-construídas para um saber-

fazer significativo para as educadoras, as crianças e suas famílias, a equipe de trabalho e o

entorno.

Isso parece indicar que os programas de formação carecem da consideração das

dimensões: pessoal, profissional e institucional. A concentração em ações nos limites do

trabalho profissional, aderindo a uma maneira de conceber a formação na perspectiva do

déficit, tratando-se de adicionar novos saberes cumulativamente aos saberes de domínio das

educadoras para resultarem em novas ações com as crianças, necessita ser revista.

Segundo Dubar,

A transação objetiva entre os indivíduos e as instituições é, antes de mais nada, aquela que

se organiza à volta do reconhecimento e do não-reconhecimento das competências, dos

saberes e das imagens de si que constituem os núcleos duros das identidades reivindicada.

(Dubar, 1997, p.188)

Sabemos que o ser humano, invariavelmente, necessita de reconhecimento pelos

seus atos e não só as crianças pequenas, essas muito mais, pela necessária construção de uma

identidade pessoal que se inicia nesse período e que se desenvolverá ao longo da vida. As

educadoras de crianças pequenas clamam pelo reconhecimento de suas ações para que possam

saber os limites do certo/errado, no intuito de fazerem melhor o seu trabalho. Anunciam assim

a busca por um ethos profissional, na forma de um fazer que pode ser recomendado ao outro.

Rios, colabora nessa compreensão quando nos apresenta que,

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No ‘ethos’ manifesta-se um aspecto fundamental da existência humana: a criação de

valores. Valorizar é relacionar-se com o mundo, não se mostrando indiferente a ele, dando-

lhe uma significação. Há valores de diversos tipos: afirmamos que algo é verdadeiro ou

falso, bonito ou feio, útil ou inútil, bom ou mau. São desse último tipo aqueles valores que

usamos para qualificar a conduta. È aí que se relacionam costume e valor. Tende-se a

qualificar como boa ou correta uma conduta que seja costumeira e a estranham, e mesmo a

qualificar de má, uma conduta a que não se está acostumado.(Rios, 2001, p.102)

As alternativas encontradas pelas educadoras, especialmente as professoras de pré-

escola, para fazer frente à condição institucional de falta de apoio, reconhecimento e

valorização profissional são as parcerias, as cumplicidades entre pares de colegas,

identificadas por elas como maneiras de sobreviverem às condições institucionais.

Sendo assim, as identidades vão sendo construídas nos limites da própria

existência. É Rios, ainda que nos ajuda a compreender melhor esse aspecto,

A identidade aparece, assim, como algo ‘construído’ nos limites da existência social dos

sujeitos. Somos o que somos porque ‘estamos numa determinada circunstância’. E não

podemos deixar de ressaltar que essa circunstância se configura de uma determinada

maneira porque ‘estamos nela’, e a construímos de maneira peculiar. Somos porque

estamos, ganhamos nossa identidade enquanto a construímos. (Rios, 2001, p.121)

As manifestações das colaboradoras vão no sentido de identificar os limites

institucionais que estão colocados para as creches e para as pré-escolas, relevando a falta de

autonomia dessas instituições para com os órgãos superiores, o que faz com que as

profissionais se sintam reproduzindo modelos, desenvolvendo ações mecânicas, respondendo

mais ao controle externo do que as necessidades internas, tanto no que se refere às condições

de exercício profissional, quanto às condições institucionais.

247

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A falta de apoio para o trabalho pedagógico com as crianças e suas famílias

também corresponde a mais um fator de constrangimento. Esse parece ser um fator relevante

encontrado pelos dois sub-grupos, da creche e da pré-escola.

Para as profissionais da creche, embora reconheçam a disponibilidade existente para

isso da parte da profissional que exerce essa função, consideram existir condições estruturais

que dificultam a plena efetivação de uma ação pedagógica com as educadoras que se

apresentam configuradas na jornada de trabalho que tem um tempo reduzido para a reflexão

individual e coletiva sobre o trabalho, na falta de condições materiais e sobretudo, na

formação ou na não formação requerida quando da seleção das educadoras.

Tais condições se não impedem, trazem embaraços cotidianos à atuação pedagógica,

dedicando-se parte do tempo do trabalho à resolução de dilemas práticos, causados por

improvisações e espontaneísmos, tempo esse que poderia ser utilizado para o

dimensionamento da ação epdagógica, de reflexões e encaminhamentos de soluções coletivas

às questões trazidas pelo cotidiano de trabalho, produzindo mudanças significativas para

todos os envolvidos.

As professoras da pré-escola ao se referirem à falta de autonomia, criticam a forma

com que os órgãos superiores da Secretaria da Educação se relacionam com as unidades

educacionais, caracterizado pela impessoalidade, pela distância nas relações interpessoais,

pela descontinuidade das políticas e pela falta de autonomia financeira das unidades. Os

professores, na perspectiva das professoras/colaboradoras, são os últimos a serem ouvidos, e

quando o são, seus desejos, preocupações e necessidades parecem não afetar as decisões

governamentais.

Tais percepções das colaboradoras de creche e de pré-escola nos induzem a pensar

nos modelos de formação de professores que estão pautadas as políticas nessa área, no âmbito

municipal, esfera de governo responsável pela educação infantil.

Pensar o desenvolvimento profissional aliado ao desenvolvimento organizacional

implica no reconhecimento dos contextos e a necessidade de um suporte organizacional.

Alguns estudos sobre esse tema têm considerado o caráter sistêmico do processo de melhoria

da escola, o que significa que uma parte influencia as outras partes, porém se não houver

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envolvimento e empenho dos professores, essa melhoria e inovação podem não se fazer sentir

(Oliveira-Formosinho, 2001).

É ainda Oliveira-Formosinho (op. cit) que nos apresenta um panorama dos

significados da formação centrada na escola, indicando pelo menos cinco vertentes utilizadas

para o estudo da formação de professores, que nem sempre representam uma estratégia

rigorosa de formação.

A primeira vertente seria a formação centrada na escola, vinculada ao contexto de

trabalho, e não à universidade, à instituição formadora dos formadores, acentuando-se a

dimensão física, do espaço da formação; a segunda seria a formação centrada na iniciativa

da unidade organizacional escola, acentuando a dimensão do agente institucional da

formação, escolas como unidades sociais e organizacionais com autonomia, vontade coletiva

e projetos próprios; a terceira seria a formação centrada nos professores, nos coletivos e na

sua inserção institucional na escola, acentuando-se a dimensão psicossocial dos processos de

formação; a quarta vertente seria a formação centrada nas práticas, inventariadas pelo

levantamento das práticas e das suas necessidades para a elaboração de um projeto de

formação, acentuando-se a dimensão dos saberes profissionais relevantes, ou seja, a dimensão

pedagógica; a quinta vertente consideraria a auto-organização dos professores na promoção

de sua própria formação, acentuando-se a dimensão político-cívica e/ou político-corporativa

do conceito.

Oliveira-Formosinho segue apontando alguns equívocos no que se refere à

formação centrada na escola. Um primeiro equívoco seria o deslocamento da universidade

para a escola, sem haver participação dos professores. Outro equívoco seria restringir a escola

aos seus muros, organizadas como fortalezas, sem diálogo com a comunidade local,

reconhecendo a autonomia relativa das escolas e o papel condutor do Estado na regulação da

educação, no que se inclui a formação de professores. Um último equívoco é a interpretação

da formação encerrada nos professores, sem o diálogo com o desenvolvimento profissional e

o desenvolvimento das crianças, correndo o risco de apontar para um desenvolvimento mais

corporativo do que profissional.

Consideramos que a perspectiva ecológica de formação que acentua a construção

de novas formas de desenvolvimento profissional e organizacional nos contextos em que

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emergem, oferecendo elementos para o entendimento da causalidade de forma recíproca e não

linear, se apresenta como uma alternativa de formação que não separa a pessoa, a profissão e

a instituição. A esse respeito, Oliveira-Formosinho, ao situar a experiência da Associação

Criança no apoio ao desenvolvimento profissional das educadoras de infância em Portugal,

nos ajuda a entender melhor essas perspectiva de formação,

Trata-se de criar, no processo, os saberes referidos às situações e aos problemas que,

porque melhor se aprendeu, permitam melhor ensinar.

Por isso se pode dizer que o desenvolvimento organizacional está inextricavelmente ligado

ao desenvolvimento profissional. Esta organização aprendente fomenta grupos aprendentes,

fomenta uma comunidade total de aprendizagem. (Oliveira-Formosinho, 2001, p.55)

Nesse sentido, é importante considerar a matriz de formação das educadoras de

creche e das professoras de pré-escola, caracterizada pela racionalidade. As educadoras da

creche valorizam os cursos que fizeram, que lhes ofereceram elementos de aplicação na

prática. Podemos realizar uma leitura dessa valorização como sendo um valor construído com

relação à qualidade dos cursos que realizaram até agora, que reconhecemos, em muito foi

desenvolvido pela escola básica e que as colaboradoras trazem de forma significativa em suas

memórias, marcando-as profissionalmente e, pela própria instituição de formação de

professores que, via de regra, primeiro apresenta uma teoria que só ao final poderá ser

aplicada à prática, como se fosse possível que a prática coubesse naquela teoria estudada.

Apresenta-se como necessária a superação desse paradigma de formação, dando lugar à

sedimentação de uma formação reflexiva, pautada em problematizações que cheguem à

matriz de formação das educadoras.

Já as professoras de pré-escola acentuam a distância existente entre suas

necessidades formativas e os programas de formação contínua de professores que apresentam-

se descontínuos, conformando uma cultura profissional dissociada nas dimensões pessoal,

profissional e institucional.

A relação interpessoal no ambiente de trabalho, é um dos fatores de

constrangimento acentuado pelas educadoras. As educadoras de creche parecem se ressentir

da forma como são definidas as ações administrativas não dialogando com as necessidades

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das educadoras, das crianças e suas famílias. Embora exista respeito às ações coletivas, elas

identificam uma distância nessas relações, ou seja, o administrativo desvinculado do

pedagógico. As professoras de pré-escola alegam ressentimentos da forma como as relações

humanas ocorre na instituição, favorecendo o isolamento pessoal e profissional, que termina

por se traduzir na qualidade da educação oferecida às crianças. Os sentimentos que estão

presentes e as reflexões nesse sentido, feitas pelas professoras são elucidativos dessa condição

institucional,

Acho que é frustração mesmo o que eu sinto, pois sempre a gente acaba esbarrando em

estruturas que impedem as mudanças. A gente começa a ver a verdade. Estou em conflito!

(profa. Giovanna)

Uma funcionária dessa escola falou um dia que não colocaria o filho aqui. Eu acho isso

muito grave porque as próprias professoras não acreditam no que fazem, ou fazem uma

coisa aqui e outra, na escola particular. (profa. Paula)

Babá ou professora? As educadoras de creche parecem se encontrar numa

bifurcação de caminhos entre as dimensões dos cuidados e da educação, priorizando o

primeiro. As professoras de pré-escola parecem estar mais situadas no campo da educação,

preocupadas com a preparação das crianças para o ensino formal, a escola obrigatória,

despercebendo as dimensões dos cuidados.

A imagem que a sociedade têm, das educadoras de criancas pequenas na

perspectiva das educadoras de creche, professoras de pré-escola e estagiárias, acompanha essa

mesma condição encontrada nas reflexões das colaboradoras, vendo-as às vezes como

cuidadoras, às vezes como professoras. Esse conflito que se reflete na pessoa, na profissão e

na própria instituição de educação infantil, carece de superação. Sem considerar as

construções sócio-histórias e culturais das duas instituições parece impossível uni-las, como

determina a política educacional vigente.

Olhando as necessidades manifestadas pelas colaboradoras de maneira geral,

consideramos que para conseguir juntar a educação e os cuidados no seu saber-fazer, as

educadoras de crianças pequenas precisam ser cuidadas e educadas, para que elas venham a

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fazer o mesmo com as crianças pequenas. Sem vivenciar espaços de promoção dessas

identidades, corre-se o risco de restringir o nível de desenvolvimento, seja o pessoal, o

profissional ou o institucional, quando sabemos que os três estão interligados.

Considerando que o ‘eu’ só pode ser identificado como tal no reconhecimento do

outro sobre o ‘eu’ que sou. (Dubar, 1995), acrescentamos ao educar e ao cuidar, o socializar.

Socializar as educadoras de crianças pequenas através de ações de formação que não

segmentem o pessoal, o profissional e o institucional, promovendo a unidade, garantindo-lhes

reconhecimentos recíprocos, constituídas na forma interativa em que as práticas e as

experiências possam colocar em questão as concepções pré-concebidas e sedimentadas, em

vários níveis formativos, na formação universitária ou na formação contínua, ou ainda no

diálogo entre as duas. A Pesquisa/Formação forneceu elementos importantes para pensarmos

a formação integrada nessa direção.

Apresentaremos a seguir as conclusões e a apresentação de sugestões para a

formação de professores e de educadoras de crianças pequenas.

Conclusão

Não quero faca

nem queijo. Quero fome.

(Adélia Prado, 1999)

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. Uma síntese provisória:

Ao concluir a Pesquisa/Formação, várias são as imagens que nos vêem à mente,

pois caminhos diferentes foram sendo delineados ao longo da investigação.

Se tínhamos como intenção apresentar o caminho empreendimento na construção

de identidades de educadoras de crianças pequenas, consideramos que o título da tese já

aponta o desenho desse caminho que vai do ‘eu’ ao ‘nós’, de um fazer solitário, para um fazer

solidário, compreendido nas suas dimensões: pessoal, profissional e institucional. Pessoas,

profissionais da educação de crianças pequenas e instituições de educação infantil (creches e

pré-escolas) foram construindo itinerários plurais no percurso dessas identidades.

Uma imagem que é para nós, bastante recorrente ao refletirmos sobre esses

caminhos, é a imagem de um jogo de percurso. Sendo um jogo de regras, o jogador avança

ou recua em direção à meta final do jogo que é chegar a algum lugar. Se é claro que as

instituições creche e pré-escola desenvolveram trajetórias e percursos em separado,

avançando ou recuando ao longo do tempo, trata-se de, nesse momento, refletirmos sobre o

lugar que queremos chegar.

Sendo a educação infantil um campo em construção, de conquista recente na

legislação brasileira, consideramos um avanço elevá-la ao status de primeiro degrau da

educação básica, mesmo que de atendimento não obrigatório. Sendo assim, o desafio que se

coloca nessa área é a definição sobre que infância estamos nos referindo, quais são as

instituições e as culturas que foram engendradas nesses itinerários, e sobretudo, sobre a

educadora de crianças pequenas, seus saberes e suas identidades. Se o professor é o

profissional indicado para trabalhar com a criança pequena, e se as instituições de educação

infantil estão vinculadas aos sistemas de ensino, cabe-nos qualificar esse profissional no

campo da educação, procurando revelar as histórias, pessoal, profissional e institucional que

são indissociáveis, para que se possa não só compreender o atual momento que estamos

vivendo nessa área, assim como apontar alternativas para o futuro, na perspectiva do caminho

a que se quer chegar.

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Entendemos que o caminho que queremos chegar é o caminho da melhoria da

qualidade do trabalho oferecido às crianças em instituições de educação infantil, o que

incide diretamente na qualificação da educadora de crianças pequenas como uma

profissional com condições de educar e cuidar essa criança, conforme preconizam as

determinações legais. Para que isso aconteça, ela própria carece de educação, cuidados e

de socialização profissional. Essa é a tese que defendemos. Compreender o caminho de

construção de suas identidades é um passo nessa direção.

A presente Pesquisa/Formação intencionou contribuir com a compreensão dessas

identidades e provocar um debate nessa área. Necessário para isso foi rastrear os contextos de

produção dessas identidades, seja no exercício profissional com as educadoras de creche e as

professoras de pré-escola, seja na formação universitária, por meio do estágio, ocasião em que

a estudante tem a oportunidade de tecer as primeiras impressões e adentrar no universo

profissional, construindo, desconstruindo ou revelando saberes e relações entre teoria e

prática. A promoção do diálogo entre as três instituições (creche, pré-escola e universidade)

revelou ser imprescindível e necessária, tanto para a formação universitária, quanto para a

formação contínua, num exercício de troca profícua. Buscou-se compreender essas

identidades no cenário mais amplo da infância brasileira e da formação dessas educadoras.

Fazer a opção por pesquisar as identidades de educadoras de crianças pequenas que

atuam em uma creche assistencial, uma pré-escola pública e com estagiárias de um curso de

nível superior que habilita para a docência na educação infantil, se justifica pelo fato da

pesquisa poder revelar a diversidade existente na produção dessas identidades que como

pudemos salientar ao longo do trabalho, são plurais. As creches assistenciais historicamente

representam a maior cobertura de atendimento para o segmento etário de zero a seis anos e se

originam de uma demanda mais diretamente ligada à área da mulher, da assistência social. As

educadoras que ali atuam, passam atualmente por um processo de inserção na área da

educação, implicando em práticas e rotinas de trabalho com as crianças, antes desconhecidas

por elas. As pré-escolas públicas surgem na perspectiva da prevenção do fracasso escolar

trazendo em sua organização e funcionamento, características marcadamente escolares. E por

fim, as instituições que formam educadores para atuar na educação infantil, prescindem da

revelação dessas identidades, desenvolvidas em ambientes separados, para poder formá-las

numa perspectiva da educação da infância, considerando a criança real de hoje, com direitos e

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cidadã, superando a visão romântica que os meios de comunicação e a sociedade, de maneira

geral, insistem em promover.

Dessa forma, entendemos que a educação infantil não é um bloco monolítico.

Para analisá-la, assim como as identidades de seus protagonistas, faz-se necessário revelar os

diferentes contextos, os lugares onde se constróem essas identidades, para dar conta do que

está estabelecido nas orientações oficiais,

Considerando a fase transitória pela qual passam creches e pré-escolas na busca por uma

ação integrada que incorpore às atividades educativas os cuidados essenciais das crianças e

suas brincadeiras. O Referencial pretende apontar metas de qualidade que contribuam para

que as crianças tennham um desenvolvimento integral de suas identidades, capazes de

crescerem como cidadãos cujos direitos à infância são reconhecidos. Visa, também,

contribuir para que possa realizar, nas instituições, o objetivo socializador dessa etapa

educacional, em ambientes que propiciem o acesso e a ampliação, pelas crianças, dos

conehcimentos da realidade social e cultural. (Carta do Senhor Ministro da

Educação/Referencial Curricular Nacional de Educação Infantil, 1998)

Procuramos utilizar uma metodologia e procedimentos metodológicos que

cumprissem uma função de pesquisa e de formação, considerando as colaboradoras como co-

partícipes e não como objetos de pesquisa. Os procedimentos metodológicos utilizados

tentaram dar conta de mais do que amplificar suas vozes, por meio das narrativas escritas e

orais, proporcionar uma vivência de coletivo de educadoras, contribuindo para a uma nova

cultura de formação no interior dessas instituições educacionais, possibilitando a aproximação

das educadoras: estagiárias, educadoras de creche e professoras de pré-escola, configurando

diferentes tempos de aprendizagem e provocando situações em que elas pudessem se ver na

condição de educadoras de crianças pequenas, independente de atuarem ou virem a atuar em

creches ou em pré-escolas. Dessa maneira, não pretendemos realizar um estudo sobre as

educadoras, mas com elas e por elas.

Identificamos como dificultadores no processo de revelação dessas identidades, o

fato do trabalho com a criança pequena, seja em creches ou em pré-escolas, estar muito

próximo daquele desenvolvido pelas famílias, impossibilitando por vezes, uma clara distinção

das funções institucionais da creche ou pré-escola e da família. A família poder assumir,

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juntamente com o Estado, a educação da criança pequena implica em rever papéis que

historicamente foram muito definidos em nossa cultura: para a criança, para a mulher e para a

família em si, para as instituições educacionais e para a educadora de crianças pequenas.

Tais papéis estão se modificando: a criança pequena é hoje compreendida como

um ser competente e capaz, um sujeito de direitos desde a gestação no útero materno, um ser

produtor de cultura, não mais um “infante” que precisa da voz do outro, do adulto para se

fazer perceber. A mulher brasileira, de maneira geral, avançou muito em relação à sua

independência e condições de profissionalização, em que pese que os extratos mais

empobrecidos da população, em especial, as famílias usuárias de creches, tenham a mulher

como o esteio familiar, na maioria das vezes cumprindo simultaneamente vários papéis de

educadora, de provedora do sustento familiar, entre outros. A família enquanto instituição

social, também passa por grandes transformações e a revisão dos papéis de homem, de mulher

e de criança se coloca na ordem do dia.

As instituições de educação infantil, inseridas na área da educação, também estão

passando por mudanças, na sua estrutura e funcionamento e na qualificação de seus

profissionais. Hoje subordinadas aos sistemas de ensino municipais, observamos experiências

que têm representado avanços, e em outros casos, retrocessos. Não foi o propósito deste

trabalho, realizar essa avaliação, mas sabemos que em alguns casos, a passagem das creches

para a educação, representou só a mudança do local oficial de subordinação institucional,

prevalecendo a idéia do “pobre para o pobre” ou do “filho bastardo” que teve requerido o

reconhecimento de sua paternidade e que passa a ser tolerado pelos filhos legítimos, nesse

caso, a pré-escola e a escola formal, que já se encontravam sob a guarda paterna, a área da

educação.

As culturas que foram e são produzidas tanto pela creche, quanto pela pré-escola

necessitam ser redimensionadas e trazidas à luz de uma reflexão sobre o que elas produziram

em seus profissionais de maneira geral, e para as crianças, alvo desses programas.

Considerando que “as identidades profissionais estão em permanente movimento,

como um lugar de conflitos, de maneiras de ser e de estar na profissão” (Nóvoa, 1992),

observamos neste trabalho, a existência de uma crise de identidade com relação às educadoras

de creche, as professoras de pré-escola e as estagiárias.

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As educadoras de creche, no caso do presente estudo, das creches mantidas por

instituições assistenciais, construíram um caminho isolado que as mantém confinadas aos

tempos e espaços institucionais, dificultando sua inserção na área educacional. Carregando

um perfil de maternagem, de atributos ligados diretamente aos cuidados com a criança,

atributos esses que se associam, de maneira geral, às origem institucional de guarda e

proteção, às precárias condições de trabalho e de exercício e de qualificação profissional

nessas instituições. Consideramos que os cuidados são necessários não só para a creche, assim

como para todas as instituições educativas, porém a redução do perfil profissional da

educadora de crianças pequenas aos cuidados, restringe a sua qualificação como educadoras.

As educadoras de creche seguem reproduzindo ações, traduzidas ora na forma de

imitação da professora, tal qual a imaginam, tendo a imagem da escola de caráter instrucional

como referência, uma vez que o entendimento do ‘educacional’ é o entendimento da

escolarização, ora manifestando-se como cuidadora, “tomando conta” das crianças, desviando

dessa maneira, sua função de educadora. A noção de pertencimento profissional fica

prejudicada nesse cenário ambíguo de tarefas. Sua identidade é tecida nessa trama em que os

saberes profissionais e a reflexão sobre a própria instituição educacional fica prejudicada,

devido à grande mobilidade de pessoal existente nessas instituições. O tempo médio de

trabalho das educadoras na instituição colaboradora era de três anos, um tempo muito curto

para a a sedimentação de uma cultura profissional, impedindo dessa maneira, a construção de

vínculos, de maneiras de se ver e de ser vista na profissão. Vale ressaltar que a tomada de

consciência sobre a instituição apresentou-se reduzida no caso das educadoras de creche, se

comparada às professoras de pré-escola, que apresentam uma cultura profissional

consolidada.

As professoras de pré-escola, por sua vez, também vivem uma crise de identidade

profissional, seja pela formação que receberam, que não lhes trouxe elementos para a

compreensão da criança real e de suas famílias, com as quais elas interagem todos os dias, que

acabou por transformarem-nas em preparadoras das crianças para a escola obrigatória, seja

pelas condições institucionais de trabalho que não privilegiam a formação em contexto, as

trocas e os processos coletivos de formação. Embora se situem em rede, uma rede de

instituições educacionais que lhes faculta a noção de pertencimento profissional, pois são

professoras de pré-escola, formadas para tal, contam com estabilidade profissional e com

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condições de trabalho superiores às educadoras de creches assistenciais, os isolamentos, a

desvalorização, o não reconhecimento profissional, a qualidade das relações interpessoais,

contribuem para que suas identidades encontrem-se em conflito.

E as estagiárias, aspirantes a educadoras de crianças pequenas, também se situam

em crise. Problematizam acerca da relação teoria e prática – o centro da produção de suas

identidades profissionais - apresentando-se preocupadas com o cenário multifacetado que

enfrentarão, no exercício profissional. Reconhecem que os saberes teóricos não dão conta da

complexidade da prática e se colocam no lugar das educadoras, buscando compreender as

razões que justificam suas ações, prevendo situações, conflitos que terão que administrar e

mudanças que terão que empreender nos planos pessoal, profissional e institucional.

As estagiárias apresentam grande sensibilidade na leitura da realidade de creches

e pré-escolas e das identidades profissionais de educadoras de crianças pequenas, realizadas

por ocasião do estágio, assim como nas problematizações em aula ou nos Encontros de

Pesquisa/Formação, em que tiveram a oportunidade de exercitar o “como se fosse”,

auxiliando-as na construção de saberes profissionais reais e não imaginários. Assumem, em

alguns casos, parcerias com as educadoras, vislumbrando maneiras de inverter a lógica do

ensinar e do aprender. Em algumas situações, não é a educadora que ensina, mas a que

aprende com a estagiária. Temporalidades distintas e sujeitos diferenciados, mas imbuídos do

mesmo propósito: a melhoria da qualidade da educação de crianças pequenas e da

qualificação profissional das educadoras.

No diálogo entre instituição de educação infantil e universidade, o presente

trabalho aponta que o estágio, que tem a pesquisa como eixo de formação, ocupa uma função

fundamental, como porta de entrada da identidade profissional, promovendo parcerias e

conjugando a relação teoria e prática, fomentando transformações nessa última e

possibilitando mudanças em teorias pré-concebidas. A análise acerca da pessoa, da

profissional que se deseja ser e da qualidade de sua formação, em interação com as práticas

profissionais, representa um marco decisivo na formação universitária e na formação contínua

das profissionais que atuam nas instituições de educação infantil.

Consideramos que todos os participantes foram beneficiados com o presente

trabalho, refletindo sobre as identidades, as concepções que norteiam as ações no âmbito do

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trabalho com a criança pequena e sobretudo, sobre as práticas. Proporcionar às estagiárias o

contato direto com as educadoras não só por ocasião do estágio, mas na participação dos

Grupos de Pesquisa/Formação, representou uma possibilidade de contato com a realidade

educacional nessa área, na condição de co-partícipes desse processo, possibilitando

sensibilizá-las para a diversidade, presente na realidade educacional que enfrentarão como

profissionais, vislumbrando competências profissionais de pesquisa e de formação que

aquelas realizadas na Universidade se mostram insuficientes. Temos aqui a dimensão da

prática que necessita ser reavaliada nos cursos de formação de professores.

As educadoras das duas instituições (creche e pré-escola) tiveram a oportunidade

de explicitar suas identidades, podendo delas se apropriar. Além disso, as narrativas e a

participação nos Grupos de Pesquisa/Formação puderam relevar os contextos, oferecer uma

nova dimensão acerca do ensinar e do aprender, tanto para as educadoras junto às estagiarias e

nos Grupos de Pesquisa/Formação, assim como com as crianças.

Para a professora/pesquisadora os ganhos foram muitos. De início, acreditávamos

na pesquisa-ação colaborativa e já desenvolvíamos ações nessa direção junto à creche

colaboradora, porém fazendo o caminho ao caminhar, fomos descobrindo a potencialidade

desse tipo de pesquisa no sentido de possibilitar o protagonismo de seus participantes, ao

mesmo tempo em que íamos dimensionando a diversidade de identidades imbricadas nesse

processo. Conforme os relatos apresentados ao longo do trabalho, fica evidenciado que todos

foram tocados, de uma maneira ou de outra. Esse toque, o desenvolvimento dessa

sensibilidade formativa representou para nós, uma grande experiência.

Pretendemos também com este esforço investigativo contribuir para a produção

de políticas públicas na área de formação de educadoras de crianças pequenas, buscando

aproximar as educadoras de creches e de pré-escolas em sua produção, visando superar a

imagem do vazio entre as duas instituições, representada pelas colaboradoras. Nessa

perspectiva, nosso entendimento de política pública é o mesmo de Collares (1996, p.67),

Uma política é pública quando é de domínio público; quando é publicamente estabelecida,

isto é, são explicitados a análise das diferentes necessidades, os instrumentos apra sua

percepção, os critérios para o estabelecimetno de prioridades etc.; não apenas explicitados,

mas ubmetidos à interlocução com os setores diretamente envolvidos com o seu campo de

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intervenção. Os projetos e ações que visam concretizar uma política pública devem

igualmente ser objeto de análise, críticas e debates; para tanto, sua fundamentação teórica,

seus objetivos reais, os resultados esperados e critérios de avaliação, sua forma de

implantação, devem também ser de domínio público.

Com relação à articulação entre Universidade e instituições educacionais, nossas

concepções são reforçadas por Zeichner (2000, p.11), em sua crítica ao excesso de

academicismo na Universidades e a necessidade de estreitar as relações com as escolas.

Apresentando o trabalho que desenvolvem na Universidade de Wisconsin (E.U. A. ), ele

afirma que,

Existem programas nos quais a comunidade possui um papel destacado e parte significativa

dos estudantes está aprendendo a ser professor trabalhando em comunidades, vivendo em

comunidades. A tradicional separação entre Formação de Professores e prática, assim como

a idéia de que os professores são meros implementadores, e não produtores de

conhecimento, estão sendo repensadas. É preciso superar a visão, historicamente

dominante, do professor como mero técnico.

Quanto ao ciclo de vida profissional, as educadoras de creche e as estagiárias

parecem se situar no início da carreira, na fase de construção da identidade profissional. As

professoras de pré-escola parecem se situar em uma fase de consolidação na carreira, algumas

em direção ao envelhecimento. Essa condição encontra justificativa nas condições de

trabalho, nos limites institucionais estabelecidos e na cultura profissional desenvolvida em

creches e pré-escolas, como tivemos oportunidade de ilustrar ao longo da Pesquisa/Formação,

sem desmerecer a dimensão pessoal que aí se coloca.

Compreendemos que as conclusões aqui apresentadas lançam luzes sobre a

integração das histórias pessoais, profissionais e institucionais, sobre as políticas públicas

para a faixa etária e sobretudo, luzes que incidem sobre a formação conjunta dessas

educadoras, independente se atuam ou atuarão em creches ou em pré-escolas.

Falar em educação da infância hoje é estimular a revelação de histórias que foram

produzidas em cenários separados. Integrá-las então, não é uma tarefa somente administrativa,

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ou de definição governamental, mas eminentemente de processo pedagógico, de formação

profissional.

Mas se é em situações de crise que o ser humano avança, repensando o antes, o

durante e o depois, em uma visão de processo, entendemos que é a própria crise que traz em

seu germe as explicações, as janelas para sua superação.

Passamos então a pontuar algumas dessas explicações, esboçadas ao longo do

trabalho. Vamos a elas:

⇒ Em primeiro lugar, a aproximação com o conceito de identidade profissional nos mostrou

que esse é um processo dinâmico, em movimento, a importância do papel das subjetividades,

da idéia central de pertencimento a um grupo profissional, do lugar que cada um se coloca no

mundo e na profissão. Salienta-se ainda a relevância da afetividade, das significações

construídas pelos sujeitos em relação e dos contextos em que estes se movimentam e se

relacionam. A maioria dos autores estudados, reforça a centralidade do reconhecimento como

condição para a produção de identidades. O olhar do outro é que oferece elementos para que

isso possa ocorrer. Esse olhar é sempre um olhar carregado de valores, de avaliações

construídas em um dado contexto cultural. No caso das instituições educacionais, esse

reconhecimento profissional, associado ao “ethos profissional” se apresenta como base de

sustentação das identidades sejam elas, pessoais, profissionais ou mesmo institucionais.

As identidades profissionais são tecidas na significação social da profissão, ou seja,

produzidas pela imagem interna que cada um tem da profissão que exerce, e da imagem

externa, aquela que a sociedade manifesta da profissão.

No caso das educadoras de crianças pequenas, a identidade profissional se refere a

capacidade de promoção de múltiplas interações, pelo pertencimento ou não a um grupo

profissional, pelos afetos e significações que caracterizam o trabalho com a criança pequena,

pela relação estabelecida com as crianças e suas famílias e especialmente, por uma nova

compreensão do ensinar e do aprender, associadas à reflexão permanente de suas práticas.

⇒ Em segundo lugar, o esmiuçamento do processo de construção dessas identidades

profissionais de educadoras de crianças pequenas, desenvolvido nesta investigação, apontou

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que as relações de gênero se apresentam como a base de constituição das identidades dessas

profissionais, como sendo uma atividade de entrega, de amor e de doação.

A educação de crianças pequenas, enquanto um campo profissional, parece ser,

para as colaboradoras, uma conseqüência natural de ser mulher, de ter sido formada na família

e na escola para essa finalidade. Relações de poder estão aí implicadas e que merecem ser

trazidas à luz da reflexão.

⇒ Em terceiro lugar, chamou-nos a atenção, os saberes invisíveis que essas educadoras

carregam e as idéias que constróem sobre o que fazem. Maneiras de entender a educação e a

escola, vinculadas, de maneira geral, a histórias de fracassos escolares, marcas mais negativas

do que positivas que a escola deixou na vida de cada uma, revelando uma distância entre as

necessidades da infância e as ações promovidas pela escola. Uma história de adaptações, de

rupturas e de descontinuidades, especialmente para as colaboradoras que frequentaram a pré-

escola, relacionando-a com a escola obrigatória.

A explicitação desses saberes invisíveis colaborou para a compreensão dessas

instituições no processo formativo de cada uma e em sua re-significação na condição de

educadoras.

Recuperar esse percurso formativo possibilitou um diálogo de cada uma consigo

mesma revelando as significações, as singularidades e os questionamentos. Ao procederem

um paralelismo sobre a criança que foram e a criança com quem trabalham, sobre o percurso

formativo que tiveram na família, na escola e na sociedade, foi desencadeado uma situação

similar a um espelho, um lugar para refletir imagens, de outrora ou atuais. Espelho como a

base de reflexão para a produção de identidades.

Entendida a formação como a ação que dá forma, como um processo

desenvolvido ao longo da vida e da carreira profissional, o estudo parece indicar que as ações

de formação, tanto a universitária, quanto a formação contínua, empreendidas pelos órgaõs

responsáveis, devem dizer diretamente respeito às necessidades e anseios profissionais das

educadoras, dialogando com as teorias que dão sustentação às suas práticas. Poder recuperar

em suas trajetórias formativas os saberes que estão submersos e que fazem sentido para as

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suas vidas, redimensionando-os e não reduzindo-os, também se apresentou como uma

estratégia importante neste trabalho.

As relações tecidas no âmbito da vida privada, justificadas pela influência de

amigos e/ou familiares e a possibilidade de ser professora, considerada uma ocupação de

significação social, são razões que as conduziram à profissão de educadoras de crianças

pequenas, mostrando o tateamento por vários caminhos até a definição profissional, numa

trajetória mista de estudos e trabalho, revelando dessa maneira, uma frágil “escolha

profissional”, cuja matriz encontra-se na infância delas próprias, como forma de re-significar

a educação que tiveram, ou ainda para reforçar a importância da infância e do prazer que o ser

criança representou em suas vidas.

A reflexão sobre essas relações, possibilitou que as colaboradoras pudessem ver e

ver-se e identificar os saberes que orientam suas ações. Da parte das educadoras de creche, os

saberes se relacionam à prática e são pouco refletidos. Da parte das professoras de pré-escola,

os saberes são descritos, porém pouco explicados teoricamente. Elas próprias salientam a

insuficiência da formação que tiveram para conseguirem exercer uma ação intelectual sobre

suas práticas. As estagiárias se apresentam numa postura reflexiva, antes mesmo do exercício

profissional. Tais saberes produzidos nesses diferentes conetxtos, reforçam a idéia de

pluralidades das identidades de educadoras de crianças pequenas.

As colaboradoras apresentam expectativas profissionais que nos ajudam a melhor

compreender os contextos de produção de suas identidades. Aspiram por valorização e

reconhecimento profissional, pela ampliação de conhecimentos sobre a criança e por ser mais

competentes. Apresentam como Necessidades Formativas a atualização, a existência de uma

rotina de estudos e o desenvolvimento de características pessoais de disponibilidade para o

trabalho com crianças pequenas, associados a um compromisso pessoal e institucional.

⇒ Em quarto lugar, a imagem de criança usuária dos serviços de educação infantil em

creches e pré-escolas, que de maneira geral, as colaboradoras trazem, colabora para

sedimentar uma identidade profissional baseada na tutela, na relação verticalizada de

comando e controle do adulto sobre a criança. Como pudemos evidenciar ao longo do

trabalho, essa imagem necessita ser revista, dando lugar a uma imagem de criança real, de

infância como construção social e que tem um lugar próprio na sociedade atual.

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O resgate das memórias possibilitou que as colaboradoras refletissem sobre a

imagem de criança que orienta suas ações e os limites e possibilidades pessoais no trabalho

com esse segmento etário, a partir da tomada de consciência sobre a criança que foram. Isso

evidenciou as condições e as transformações que a infância sofreu ao longo dos tempos,

relevando a importância do lúdico e das interações, as necessidades educativas e cuidativas

que tiveram, identificando adultos sensíveis que se vinculavam ao mundo da criança, de

presença qualitativa e promovendo condições para a criança ser criança. Esses qualificativos

também auxiliaram na reflexão acerca da educadora de crianças pequenas que cada uma é,

como se vê e como é vista pelos seus pares e pela sociedade, de maneira geral.

⇒ Em quinto lugar, chamamos a atenção para a função da educação infantil segundo as

diretrizes do Ministério da Educação, quais sejam, o educar e o cuidar. Como educar e cuidar

de crianças pequenas, se as próprias educadoras não foram cuidadas, educadas e socializadas

profissionalmente? Como educar e cuidar, se a creche historicamente sempre cuidou e a pré-

escola sempre intencionou escolarizar? As marcas negativas do ensino e da aprendizagem

que, em geral, as colaboradoras trazem, podem ser re-significadas, com vistas à produção de

uma nova visão sobre a educação, promotora do desenvolvimento humano, a serviço de

outros seres humanos e da humanização. Conforme nos lembra Arroyo,

Não nascemos humanos, nos fazemos. Aprendemos a ser. Reaprendemos que nosso ofício

se situa na dinâmica histórica da aprendizagem humana, do ensinar e aprender a sermos

humanos. Por aí reencontramos o sentido educativo do nosso ofício de mestre, docentes.

Descobrimos que nossa docência é uma humana docência. (Arroyo, 2000, p.53)

Nesse aspecto, a valorização da experiência vivida e a reflexão permanente sobre

as práticas, apresentam-se como maneiras privilegiadas de exercício formativo. O trabalho

com as narrativas e a constituição dos Grupos de Pesquisa-Formação colaboraram para isso.

Os isolamentos, as impessoalidades, a falta de autonomia e de apoio profissional,

visíveis constrangimentos observados pelas educadoras de crianças pequenas e “núcleos duros

das identidades”, segundo Dubar (1997) podem dar lugar a processos que possibilitem

reconhecimentos, valorização e apoio recíprocos, por meio da promoção do diálogo teórico

com as práticas e as experiências, realçando o contexto de produção de identidades,

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sedimentando valores profissionais construídos em diálogo entre creches, pré-escolas e

posteriomente, com as escolas de ensino fundamental. Criar espaços para a construção

conjugada e apoiada de uma cultura e uma pedagogia da infância, em busca de uma ética

capaz de não fragmentar e hierarquizar, nem as educadoras, nem as crianças pequenas.

Nas palavras de Oliveira-Formosinho (2001, p.136-137),

Há evidência crescente que uma cultura profissional colaborativa está relacionada com o

sucesso nos processos de mudança educacional (Hargreaves, 1996). É que um ingrediente

essencial para o desenvolvimento das culturas docentes é a crença de que os professores

precisam ser reconhecidos e apoiados para eles próprios poderem apoiar as crianças. (Hord

e Boyd, 1995)

Socializar profissionalmente as educadoras de crianças pequenas significa investir

na promoção de relações interperpessoais, exercidas por meio do respeito, do reconhecimento

profissional e sobretudo, da crença na potencialidade das educadoras e em suas capacidades

de mudança. Investir no coletivo de educadoras é um passo nessa direção: promotor de

manifestações, de vínculos afetivos e de confiança, de criação de condições de ver, ver-se e

rever-se, apoiadas sistematicamente em processos reflexivos, que possam sustentar as

transformações desejadas e a reinvenção de ações, conjugando processos formativos e de

intervenção. Socializar essas educadoras supõe a construção de vínculos, de relações de

confiança, nas pessoas e nos processos, promovendo encontros. Essa confiança inicialmente

individual e que, gradativamente pode avançar para uma confiança coletiva, pode oferecer

elementos de questionamentos à dependência de falsas certezas (Hargreaves, 1999), assim

como dos modismos de plantão.

Os Encontros de Pesquisa/Formação cumpriram o propósito de auxiliar na

socialização profissional das colaboradoras. As aprendizagens ali construídas colaboraram

com a noção de pertencimento profissional, com o reconhecimento do outro, com a melhoria

da auto-estima, a criação de parcerias, reflexões e mudanças de concepções e de práticas,

promovendo a extensão das reflexões e das mudanças para o coletivo de educadoras das

instituições colaboradoras, o amadurecimento pessoal e profissional e a apropriação de

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saberes e de experiências que após refletidas, puderam ser transformadas. Um espaço de

aprendizagem recíproca para as colaboradoras e para a pesquisadora, autora do presente

trabalho.

Além desses, há outros fatores, salientados ao longo deste trabalho, que podem

favorecer a tomada de consciência profissional e institucional, quais sejam, a revelação do

“habitus” presentes nas práticas das educadoras, refletindo sobre as ações rotineiras e a

sobrevivência de um passado ativo e reativado, contribuindo para salientar as significações, o

que faz sentido para as educadoras e ainda, a promoção do desmascaramento da herança da

institucionalização, revelando o caráter da historicidade e do controle. Para compreender a

instituição, necessário se faz a compreensão da produção da sua história (Sacristán, 1999).

Nesse sentido, o levantamento histórico da creche e pré-escola realizado pelas

colaboradoras, além de desenvolver as habilidades de pesquisa, possibilitou a compreensão

das histórias institucionais, que colaboram em muito na produção das identidades.

Se as identidades se constroem na dimensão relacional, estando em permanente

movimento e se os saberes são temporais, desenvolvidos ao longo do tempo, na vida e na

carreira profissional, os processos de socialização profissional colaboram para a produção e a

reconstrução desses saberes, estabelecendo um sistema de significações que vai do ‘eu’ ao

‘nós’, uma identidade de si, produzida na relação com o outro, a caminho do trabalho

coletivo. O sujeito entra em cena e, tornando-se consciente dos seus limites e potencialidades,

assim como da sua condição profissional e da instituição, pode modificar-se e auxiliar na

transformação do outro.

Tardif & Raymond (2000, p. 238) elucidam melhor esse processo,

É impossível compreender a questão da identidade dos professores sem inseri-la

imediatamente na história dos próprios atores, de suas ações, projetos e desenvolvimento

profissional. Nossas análises indicam que a socialização e a carreira dos professores não

são somente o desenrolar de uma série de acontecimentos objetivos. Ao contrário, sua

trajetória social e profissional ocasiona para eles custos existenciais (formação profissional,

inserção na profissão, choque com a realidade, aprendizagem na prática, descoberta de seus

limites, negociação com os outros etc.) e é graças aos seus recursos pessoais que eles

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podem encarar esses custos e suportá-los. Ora, é claro que esse processo modela a sua

identidade pessoal e profissional, e é vivendo-o por dentro, por assim dizer, que eles podem

tornar-se professores e considerar-se como tais aos seus próprios olhos.

⇒ Por último, destacamos a centralidade dos programas de formação de educadoras de

crianças pequenas, promovendo um diálogo entre a formação universitária e a formação

contínua que considerem as educadoras como sujeitos e protagonistas de seu processo

formativo, em condições de “ex-posição”, de fazer emergir a “ex-periência” a que se refere

Larossa (2002), em contraposição a modelos auto-aplicáveis à prática. Superar a racionalidade

técnica, em direção a outro paradigma de formação, que tenha a prática como fundamento da

reflexão. A experiência formativa que ora apresentamos revelou-se como uma atividade

integradora de ensino, pesquisa e extensão.

A partir dessas conclusões, apresentamos a seguir, as possíveis conseqüências dos

resultados da Pesquisa/Formação, como forma de sugestão às diferentes esferas de atuação de

formação de professores para atuar com crianças pequenas.

. As conseqüências da Pesquisa/Formação:

A Pesquisa/Formação apontou elementos no que se refere às identidades de

educadoras de crianças pequenas, que atuam e creches e pré-escolas, que são merecedores de

análise. Consideramos a complexidade dos processos formativos e a não linearidade dos

mesmos. As contribuições desta investigação servem como alerta e ao mesmo tempo como

sugestões para,

- O campo teórico da área da educação:

da formação de professores

√ Resgatar os saberes da experiência, reconhecendo que, em se tratando de educação de

adultos, esse é um fator que deve ser valorizado. Os saberes invisíveis que cada um traz,

construído no processo formativo na escola, na família e na sociedade, merece ser trazido à

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reflexão, para ser re-significado individual e coletivamente. A história de cada um é, ao

mesmo tempo, individual e social. Valorizar a experiência supõe valorizar a heterogeneidade

dos processos formativos, desenvolvendo interações;

√ Estimular a emergência de coletivos de educadores, seja nas instituições educacionais, seja

entre as instituições, decorrente da ação dos diferentes atores desses contextos, servindo para

promover processos de mudanças nas concepções e nas práticas profissionais. Trata-se de

construir coletivamente teorias que possam ser alcançadas pelas teorias que dão sustentação

às práticas. As mudanças pretendidas, estão diretamente relacionadas à socialização

profissional vivida nesses ambientes institucionais, no qual se produzem as identidades.

Trata-se de produzir “oficinas de aprendizado de ofício” no dizer de Arroyo (2000), recriando

espaços de trocas;

√ Entender a formação como um processo que se desenvolve ao longo da vida, que não se

inicia e nem termina na formação universitária;

√ Desenvolver uma perspectiva de formação que valorize o sujeito, a experiência e os

contextos, superando a perspectiva de aplicação de mudanças gestadas de fora pra dentro das

instituições educacionais, ou por experts.

. da formação de educadoras de crianças pequenas

√ Promover a reflexão sobre a diversidade existente hoje no trabalho em creches e pré-escolas

que construíram itinerários plurais e que hoje compõem a educação infantil, primeira etapa da

educação básica, identificando os saberes que subjazem as práticas das educadoras, situando-

nos nos percursos produzidos pela pessoa, pela profissão e pela instituição de educação

infantil em creches e pré-escolas;

√ Compreender que as identidades de educadoras de crianças pequenas foram produzidas

historicamente em contextos separados e que só recentemente iniciaram um diálogo,

necessitando de uma integração real que considere essa diversidade e que deve ser uma

responsabilidade de todos os envolvidos: gestores de políticas públicas, o coletivo de

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profissionais das instituições de educação infantis, as famílias envolvidas, as crianças

atendidas por essas instituições e gradativamente, a sociedade de maneira geral.

√ Compreender a especificidade dessa profissão, vinculada às características da criança

pequena;

√ Refletir acerca das relações de gênero, considerada a base de construção das identidades de

educadoras de crianças pequenas, identificando as relações de poder e o lugar de que as

educadoras/mulheres falam, na produção de suas identidades;

. das instituições de educação infantil:

√ Criar condições para que haja estabilidade profissional às educadoras, eliminando a

mobilidade atualmente existente, sobretudo nas instituições assistenciais;

√ Promover ações de formação que incidam sobre as dimensões: pessoal, profissional e

institucional;

√ Promover diálogos inter-institucionais, entre creche, pré-escola e escola de ensino

fundamental, e especialmente, entre instituições de educação infantil mantidas diretamente

pelo poder público e as instituições assistenciais, na perpsectiva de produzir políticas locais de

formação. A criança e as famílias são as mesmas que transitam pelos vários serviços

educacionais e a perspectiva de uma educação da infância supõe ações comuns e não

descontínuas, hierarquizadas e/ou propedêuticas;

√ Promover ações de formação que integrem de fato os profissionais que atuam em creches e

pré-escolas, e especialmente, as educadoras de crianças pequenas, resgatando e explicitando

os contextos de produção de suas identidades, dimensionando em um patamar não

segmentado as ações de educação e cuidados, tanto para as creches, quanto para as pré-

escolas

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√ Situar o olhar formativo no desenvolvimento humano, independente de as educadoras

atuarem em creches e pré-escolas, o que vale para a formação das educadoras e para a

educação a ser desenvolvida com as crianças;

- das instituições formadoras:

. da Universidade:

√ Rever o estatuto da prática nos cursos de formação de professores, criando as condições

estruturais para o redimensionamento dessas ações, promovendo ações coletivas com esse

propósito. Uma formação que valorize a experiência e a pesquisa sobre a prática pode trazer

elementos para o repensar do próprio ensino;

√ Reavaliar os propósitos da docência e da pesquisa, construídos na relação entre

universidade e instituições educacionais. Quem seriam de fato os formadores? Construir

vínculos com as escolas implica em reavaliar também a relação existente entre a teoria e a

prática;

√ Possibilitar a tomada de consciência dos estudantes sobre as razões que os levaram ao curso

de formação de professores, resgatando os saberes invisíves, relevando o saber da experiência

que os estudantes são portadores, visando re-significá-los numa perspectiva de formação

humana;

√ Possibilitar o acesso dos estudantes ao conhecimento e à cultura aprendida e a acumulada,

que não se restinge a cultura local, fortalecendo identidades culturais e estimulando a criação

cultural;

dos Programas de Estágio:

√ Assumir o estágio como uma atividade de teoria e prática que envolve pesquisa, com

métodos e instrumentos próprios, propiciando uma leitura da realidade observada nos

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ambientes de estágio, a ser problematizada. A complexidade do real necessita ser trazida à luz

das teorias em estudo para ser re-significada. A capacidade propositiva é outro aspecto a ser

estimulado nos programas de estágio, obejtivando uma qualidade formativa construída em

interação com a realidade, superando a visão de aplicação teórica das teorias desenvolvidas na

formação universitária. Faz-se necessário que o estudante, ao longo do curso, seja capaz de

propor alternativas de superação dos dilemas cotidianos enfrentados nas instituições

educacionais;

√ Estimular o estudante a trilhar o caminho da praxis, que supõe a articulação dialética entre o

saber teórico e o saber prático, constituindo-se em uma atividade criadora da prática, porque

inusitada, que só poderá ser construída pelo estudante em ação, com respostas possíveis e

viáveis, e não por simulações, ou somente por aproximações com a realidade;

√ Como parte integrante do Projeto Pedagógico da instituição formadora, os projetos de

estágio necessitam para sua realização, serem assumidos pelo conjunto dos professores e

estudantes do curso. Ao se inserirem na prática profissional, por intermédio do estágio, os

estudantes iniciam a construção de sua identidade profissional, precisando para isso de apoio

e suporte institucional;

√ Promover diálogo e interação com as instituições educacionais que acolherão os estagiários,

na forma de pactos de colaboração, sendo observadas as necessidades formativas do coletivo

de educadores da instituição colaboradora e a análise crítica das perspectivas de Formação

Contínua desenvolvidas pelos órgaõs gestores dessas políticas.

. dos Programas de Formação Contínua:

√ Considerar os professores como protagonistas de seus processos formativos, possibilitando-

lhes condições para a vivência de espaços promotores de identidades, na forma de auto-

organização na promoção de sua formação, criando as condições estruturais de tempo, espaço

e materiais, que favoreçam o seu desenvolvimento profissional;

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√ Possibilitar aos educadores o acesso ao conhecimento e à cultura aprendida e a acumulada,

que não se restinge a cultura local, fortalecendo identidades culturais e estimulando a criação

cultural;

√ Promover programas de formação considerando as reais necessidades formativas dos

educadores, superando a visão de discrepâncias ou do marketing (Rodrigues & Esteves,

1993), na busca de um modelo mais próximo à participação dos educadores na tomada de

decisões e produzindo de fato políticas públicas no diálogo e interlocução com os educadores,

com mecanismos de gestão que possibilitem a implantação das mesmas;

√ Desenvolver ações no sentido de revelar a força do “habitus” e da “institucionalização”

(Sacristán, 1999) que se fazem presentes nas práticas das educadoras, objetivando a

apropriação e a tomada de consciência dessas ações, com vistas à inovação e a mudanças;

√ Desenvolver tais programas diretamente nas instituições educacionais, dialogando e

construindo políticas de formação conjuntamente com os educadores, privilegiando ações

coletivas e protagonizadas por estes;

√ Promover ações que integrem as instituições públicas e assistenciais: creches e pré-escolas,

em redes ampliadoras de conhecimentos e de experiências, o que difere de enredamento, de

confinamento, que engessa em lógicas e parâmetros construídos isoladamente;

√ Repensar o papel dos chamados “especialistas” na mediação do processo formativo

desenvolvido nas instituições educacionais. Considerar o educador um protagonista desse

processo é considerá-lo um trabalhador capaz de pensar e fazer e não reproduzir ações que

foram pensadas por outros. Um intelectual crítico com competência para transformar não só a

sua prática, mas sobretudo, os contextos em que essas são produzidas. O apoio aos processos

formativos dos educadores, envolve a formação em contextos e a avaliação da perspectiva de

formação dos órgaõs gestores dos programas de formação contínua, observando os tempos

que estão implicados nesse caso. De maneira geral, o tempo político não coincide com o

tempo pedagógico. As mudanças em educação só ocorrem quando os educadores se

convencem disso, de forma indissociável nos planos pessoal, profissional e institucional.

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Ao apresentar o caminho construído pelas educadoras de crianças pequenas em suas

identidades, evidenciou-se a centralidade que a formação tem nessa construção. Sob esse

ponto de vista, fica o alerta, já apontado por Nóvoa (2001) de que toda formação é auto-

formação. O processo de aprender é de autoria e em grande parte, de responsabilidade do

sujeito, que pode querer ou não. Se isso serve para as crianças, deve servir também para os

adultos/ educadores em processo permanente de formação. Cabe a nós, formadores de

formadores, o papel de seduzi-los para a formação...

Para terminar, assim como iniciamos, é Adélia Prado (1991, p.157) quem afirma:

“Não quero faca nem queijo. Quero a fome”. Educar, cuidar e socializar a educadora de

crianças pequenas, significa olhá-las com outros olhos, olhos sensíveis que relevem a

diversidade das identidades, o que significa implicá-las, trazê-las ao centro da cena,

protagonizando suas histórias, co-responsabilizando-as, assim como se espera que façam com

as crianças.

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BOCA LIVRE e 14 BIS. Bola de Meia, bola de gude. Boca Livre sem limite. Letra de

Milton Nascimento e Fernando Brand. CD 1. Universal Music Ltda, 2000.

BUARQUE, Chico. Minha História.

JOYCE. Viver é afinar um instrumento.

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ANEXOS

Roteiro para as entrevistas individuais( com estagiárias)

I – Dados pessoais:

Nome:Natural de: Idade: Sexo:Endereço:Telefone:Endereço Eletrônico:

II – Escolaridade:

Cursou pré-escola? Ano:Ensino Fundamental: Ano de Conclusão:Ensino Médio: Ano de ConclusãoEnsino Superior: Opção pelo Curso de Pedagogia e no Centro Universitário da Fundação Santo André Cursou outro Curso Superior? Ano de Conclusão:Tipo de Instituição: Pública/ Privada

Outros Cursos e/ou Eventos realizados nos últimos cinco anos:

III – Experiência profissional:

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Experiência na área da Educação e nível (educação infantil, fundamental ou médio)Tempo de Trabalho:

IV - Expectativas com relação à profissão de educadora de crianças pequenas com relação às crianças, famílias, educadores, equipes de coordenação/ direção, políticas educacionais.

O que é ser um educador de crianças pequenas em instituições de educação infantil?Como você gostaria de ser uma educadora de crianças pequenas?O que ele precisa para exercer bem o seu ofício?Estando no exercício profissional, quais seriam os seus medos, receios, insatisfações? Como deveria ser a relação entre Creche e Pré-escola?

IV – Participação social:Participação em Agremiações, Sindicatos, Partidos Políticos, Igrejas etc.O que faz quando não está trabalhando ou estudando?Você desenvolve alguma atividade artiística? V – Razões para participação na Pesquisa/Formação:

Roteiro para as entrevistas individuais(com educadoras de creche e professoras de pré-escola)

I – Dados pessoais:

Nome:Natural de: Idade: Sexo:Endereço:Telefone:Endereço Eletrônico:

II – Escolaridade:

Cursou pré-escola? Ano:Ensino Fundamental: Ano de Conclusão:Ensino Médio: Ano de Conclusão:Ensino Superior: Qual? Ano de Conclusão: Cursou outro Curso Superior? Ano de Conclusão:Tipo de Instituição: Pública/ PrivadaOutros Cursos e/ou Eventos realizados nos últimos cinco anos:

III – Experiência profissional:

Experiência na área da Educação e nível (educação infantil, fundamental ou médio)Tempo de Trabalho:

Avaliação dom relação ao trabalho na unidade educacional:- Avaliação das ações de formação;

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- Projeto Pedagógico Educacional da unidade e sua participação nele;- Ações de Planejamento e Avaliação do trabalho na unidade e no sistema educacional

municipal;- Dificuldades e Facilidades presentes no cotidiano de trabalho: - Relações interpessoais no ambiente de trabalho:- Doenças que você teve nos últimos anos relacionadas ou não ao trabalho

IV - Expectativas com relação à profissão de educadora de crianças pequenas com relação às crianças, famílias, educadores, equipes de coordenação/ direção, políticas educacionais.O que é ser um educador de crianças pequenas em instituições de educação infantil?Como você gostaria de ser uma educadora de crianças pequenas?O que ele precisa para exercer bem o seu ofício?Quais são os seus medos, receios e insatisfações no trabalho?Como deveria ser a relação entre Creche e Pré-escola?

IV – Participação social:Participação em Agremiações, Sindicatos, Partidos Políticos, Igrejas etc.O que faz quando não está trabalhando ou estudando?Você desenvolve algum tipo de atividade artística? V – Razões para participação na Pesquisa/Formação:

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Roteiro para o Relato Autobiográfico(para estagiárias e educadoras)

Escreva livremente considerando os tópicos abaixo como indicadores de sua trajetória pessoal e profissional, lembrando o que foi significativo na sua vida.

- O período da Infância até a entrada na escola formal:. As necessidades de cuidados que você se lembra . As necessidades educacionais que você se lembra. Experiências institucionais antes da escola formal. Experiência familiar, grupos de socialização. Adultos que marcaram nesse período... Por quê?

- A escola formal:. Professores que marcaram... Por quê?. Formas de aprendizagem da linguagem escrita. Leituras significativas feitas na escola ou por ela orientada. Avaliação sobre a qualidade da educação básica que teve a oportunidade de fazer

- A “escolha” profissional:. Forma de ingresso na educação e na educação infantil. Razões que a fizeram “escolher” essa área

- Descrição de como foi realizar o Relato Autobiográfico

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Roteiro para Elaboração do Diário de Campo(para as Estagiárias)

I) Contextualização Geral da Instituição Educacional

. Organização Administrativa e de Apoio Educacional

. Organização Pedagógica

. Forma de relação da unidade: com os sistemas (de educação e/ou assistência social) com as famílias com o entorno. O Projeto Educativo e Pedagógico

II) Pauta de observação dos grupos etários de crianças

Com as crianças:. Descrição da rotina de atividades do dia. Formas de interação e participação das crianças nas atividades propostas: entre si/ com o educador-referência do grupo/ entre os diferentes grupos etários. Existência de conflitos: entre crianças/ crianças-educadores/ educadores-educadores/ educadores-famílias. Condutas do educador nesses episódios. Tempo e espaço para o desenvolvimento das atividades com as crianças. Formas de movimentação das crianças no ambiente institucional. Temas/assuntos que emergem do diálogo entre as crianças. Necessidades Cuidativas e Educativas apresentadas pelas crianças

Com os educadores:. Facilidades e dificuldades do educador na sua prática. Existência ou não de planejamento/norteador das ações com as crianças. Ações de planejamento e avaliação na instituição educacional. Necessidades Formativas dos educadores

Ao final das observações registradas no dia, efetuar os comentários pessoas precedidos de C.O . (Comentários do Observador)

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Sugestões para elaboração dos Registros Diários(para as educadoras das instituições de educação infantil)

1 ) Inicialmente sensibilizadas com um texto sobre a importância do Registro das práticas como instrumento reflexivo, foi solicitado que as educadoras trouxessem o registro que costumam realizar;- Utilizamos o texto “O Registro” - parte da obra de WARSCHAUER, Cecília. A Roda e o Registro: Uma parceria entre professor, alunos e conhecimento. RJ: Paz e Terra, 1996: 61-66.

2) Com base nos Relatos, sugerimos a leitura de três tipos de Diários (como organizador estrutural das ações com as crianças; como descrição das tarefas; como expressão das características das crianças e dos professores), buscando identificar o tipo de registro que cada uma realizava;- Utilizamos o texto “Primeiro Aspecto:Tipos de Diários” – parte da obra de ZABALZA, Miguel A . Diários de Aula: contribuctos para os dilemas práticos dos professores. Porto: Porto Editora: 110-111.

3) Sugerimos que após essa identificação, cada educadora procurasse aprimorar o Registro Diário das atividades na instituição com base nas intencionalidades do Registro das práticas, complementadas com os outros instrumentos de trabalho do educador: Observação,

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