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Wilson Martins - A Consciência da Crítica DOUGLAS MACHADO Sim, pode. Estou gravando, já! LOGOMARCA TRINCA FILMES L:B6 Série Literatura Brasil [ENQUANTO OUVE- SE O BARULHO DA MÁQUINA DE ESCREVER] Patrocínio [Pós-produção] CONSTRUTORA SUCESSO MARCELO ALMEIDA – CULTURA Uma realização TRINCA FILMES

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Wilson Martins - A Consciência da Crítica

DOUGLAS MACHADO

Sim, pode. Estou gravando, já!

LOGOMARCA

TRINCA FILMES L:B6 Série Literatura Brasil [ENQUANTO OUVE-SE O BARULHO DA

MÁQUINA DE ESCREVER]

Patrocínio

[Pós-produção]

CONSTRUTORA SUCESSO

MARCELO ALMEIDA – CULTURA

Uma realização

TRINCA FILMES

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DOUGLAS MACHADO [VOZ OFF]

Quando comecei a gravar este documentário eu já pensava em editar a abertura

usando o som do Wilson Martins trabalhando em sua maquina de escrever. [INSERT :

25 De Janeiro De 2012] Mas a imagem não seria uma tela preta. Eu imaginava uma

manhã em Curitiba ou Nova Iorque, fotografando a cidade através da janela de um

táxi. Tendo Wilson Martins a meu lado. Era o transporte que ele usava. A música

também já estava escolhida, eu tinha pensado em uma variação de um tema de

Brahms um dos compositores de sua preferência, mas infelizmente não tivemos tempo,

para gravar esta sequencia. Wilson Martins já não estava conosco.

[00:01:55] WILSON MARTINS - A CONSCIÊNCIA DA CRÍTICA

Av. João Gualberto, 1435-aptº 71

[Curitiba-PR]

[TILT UP]

DOUGLAS MACHADO

Eu assino o nome no crédito Wilson Martins, certo?

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WILSON MARTINS

Isto!

DOUGLAS MACHADO

O Sr. Pode falar para mim: Wilson Martins? [INSERT CRÉDITO: Wilson Martins – Crítico

Literário]

WILSON MARTINS

Wilson Martins...

DOUGLAS MACHADO

E o crédito que eu coloco? Crítico literário?

WILSON MARTINS

Crítico literário do jornal “O GLOBO”...

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DOUGLAS MACHADO [VOZ OFF]

Este foi o meu primeiro encontro com Wilson Martins [enquanto na tela aparece a data

na tela: 2 de janeiro de 2002]. Eu fui ao seu apartamento gravar uma entrevista sobre

o poeta H. Dobal. Era o primeiro documentário desta série sobre escritores brasileiros

que a gente realiza na Trinca Filmes.

DOUGLAS MACHADO

O Sr. quer colocar mais alguma coisa?

WILSON MARTINS

Não... (risos)

[INSERT: 11 de abril de 2003]

DOUGLAS MACHADO

Então, eu vou lhe pedir permissão só para ajustar o foco aqui...

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DOUGLAS MACHADO [VOZ OFF]

Em nosso segundo encontro, gravei um depoimento sobre o escritor Ariano Suassuna e

já tínhamos, naquele momento, começado a gravar um documentário sobre o próprio

Wilson.

[A CÂMERA PASSEIA PELO ESCRITÓRIO DE WILSON MARTINS, MOSTRANDO: OS

QUADROS NA PAREDE, UM BUSTO, LIVROS DE WILSON E ETC... ENQUANTO OUVE-SE

MUSICA CLÁSSICA]

WILSON MARTINS

Hoje eu estava dando uma espiadinha só para... [INSERT: 07 de janeiro de 2002] Mas,

lê... leia a... a dedicatória dele, ele esteve no hospital... há não sei por quanto tempo...

[INSERT CRÉDITO: MIGUEL SANCHES NETO]

A dedicatória é a você ou a...

WILSON MARTINS

A mim... a mim...a mim.

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MIGUEL SANCHES NETO

Nossa!

DOUGLAS MACHADO [VOZ OFF]

Convidei o Miguel para nos ajudar na gravação da entrevista principal com Wilson. A

equipe era pequena. Eu, Gardênia e o meu irmão Marden. Começamos ali um convívio

de quase dez anos antes desta montagem que vocês assistem.

WILSON MARTINS

Você bateu a foto?

MIGUEL SANCHES NETO

Bati!

WILSON MARTINS

Ah...

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DOUGLAS MACHADO

Está com você.

MIGUEL SANCHES NETO

Está!

DOUGLAS MACHADO

Fique à vontade, estou gravando direto.

MIGUEL SANCHES NETO

Ham! Tudo bem. Quando você vai escrever sobre um tema, então, você começa a juntar

material sobre aquele tema, buscar livros... Você desse um depoimento – mais ou

menos – do teu dia-a-dia como leitor profissional e como crítico literário.

WILSON MARTINS

É... eu acho que a informação, o conhecimento da bibliografia geral e não apenas da

bibliografia daquele tema que está sendo tratado no momento é a primeira obrigação

do crítico. O crítico tem que estar bem informado... e não só sobre literatura. Um dos

meus mandamentos íntimos que eu considero mais... é... vitais, mais importantes é o

seguinte: “Quem conhece só literatura, não conhece nem literatura.” Porque para

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saber literatura é preciso ter aquela... aquela... aquele substrato, aquele... pano de

fundo da cultura geral, do conhecimento, no caso, do conhecimento da historia do

Brasil e dos seus grandes homens, dos movimentos sociais... e assim por diante. Então

a obrigação de se informar e particularmente no que se refere a bibliografia, eu acho

que é o primeiro... mandamento do crítico.

[A CÂMERA PERCORRE A ESTRADA, DE DENTRO DO CARRO, ENQUANTO

WILSON TERMINA SEU DEPOIMENTO] Agora... O dia-a-dia do crítico literário, no meu

caso, pode ser chamado de “noite-a-noite”, porque... eu sempre leio deitado e... é o

momento em que eu leio, realmente, as obras destinadas à crítica. E... a partir desta...

desta... vamos dizer... desta... acumulação de... de... de... ideias de conhecimentos eu

chego a imaginar mais ou menos... o artigo que eu vou escrever sobre tais e tais livros

ou tais, ou tais autores.

Eu realmente eu não sei quase nunca o que vou escrever no artigo, mas

depende sempre da primeira frase, [INSERT CRÉDITO: Marden MACHADO] não é? A

primeira frase é aquela que me dá um... impulso necessário. Se eu não encontrar na

primeira frase... eu vou tratar de fazer outra coisa naquele dia porque realmente... é...

é... é o... vamos dizer... a abertura... a abertura da sinfonia, não é?

DOUGLAS MACHADO

Em 2011 fomos à Ponta Grossa gravar uma entrevista [INSERT: Ponta Grossa-PR] com

Miguel Sanches Neto. A ideia central era intercalar na montagem o depoimento do

Wilson Martins com esta conversa. Alinhavando também com os outros entrevistados

gravados em épocas diferentes para este documentário. No final, tivemos também à

nossa frente, uma variedade de texturas de imagem e de som, por conta de ter usado

diversos equipamentos ao longo da produção.

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MIGUEL SANCHES NETO

Wilson vem da escola francesa, ou seja, ele se formou numa tradição francesa, é...

anterior a década de 1950, [INSERT CRÉDITO: MIGUEL SANCHES NETO – escritor |

crítico literário] em que... havia uma preocupação de que o crítico, ele não devia dar

conta apenas de determinadas questões teóricas, mas ele devia dar conta da produção

intelectual de país ou de uma língua. Então, essa foi a ambição. O Wilson sempre dizia

que era uma ambição de louco, que a ambição dele e de tentar compreender o Brasil a

partir de sua produção literária e da sua produção intelectual no sentido mais amplo.

WILSON MARTINS

Bom, eu nos momentos de delírio [risos]. Me considero “O Lobo da Estepe”, quer dizer...

o grande solitário que não faz parte de grupo nenhum. Mas é claro que o grupo

espiritual existe, não é? Eu sou amigo íntimo de Euclydes da Cunha, do Joaquim

Nabuco, do Machado de Assis. É uma coisa... que se... não se pode negar. Em outras

palavras, eu coloco os meus “standards” , não é? Os meus gabaritos em um plano...

vamos dizer... mais ou menos... etéreo, se essa palavra não demasiada, ou permanente

de qualidade literária.

Porto Alegre – RS

DOUGLAS MACHADO

Assis, eu vou tirar tua cadeira, só para ela não...

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ASSIS BRASIL

Ah, claro. Para não ficar um elemento a mais.

12 de julho de 2008

MOACYR SCLIAR

E... Em cima da mesa não funciona?

DOUGLAS MACHADO

Não, porque pode... além de ser um peso, que eu fico com medo do vidro... aqui eu

posso controlar. E é um direcional...

MOACYR SCLIAR

Ah, ah... Eu entendo. Está bom.

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ASSIS BRASIL

No fundo, o escritor desconhece a sua própria obra, desconhece o que ela significa para

os outros, e só a crítica pode fazer isso. [INSERT CRÉDITO: Luiz Antônio de ASSIS BRASIL

– escritor] Por que, os outros, o leitor. Digamos, mesmo, um bom leitor, ele tem

dificuldade em dizer exatamente o quê a obra literária o... o... lhe provocou. Não é?

Então, normalmente ficam juízos como: “gostei”, “não gostei”, que... são interessantes.

Enfim, não é? É... Especialmente se são bons, não é? É... Mas o crítico literário diz o

porquê. A boa crítica literária faz isso, não é? O porquê o livro funcionou ou o livro não

funcionou.

MOACYR SCLIAR

Eu não tenho dúvida que a... crítica literária quando... [INSERT CRÉDITO: Moacyr

SCLIAR – escritor] Exercida da forma adequada, honesta, competente... ela é um

instrumento notável para... para melhorar a qualidade da... produção literária... e

também para educar o... publico leitor à respeito do que selecionar nesse verdadeiro

oceano de publicações em que... a gente vive atualmente.

ASSIS BRASIL

Então, o Wilson Martins consegue o equilíbrio, muito interessante, mas muito

interessante mesmo, entre: fazer uma crítica interna da obra, mas incluir essa obra

dentro de um sistema, dentro de uma tradição, dentro de uma cultura, digamos assim,

não é? Mostrando... que o escritor é... eles não é de hoje é, ele é...é... ele está

escrevendo hoje, mas ele está inserido, em uma... em uma... corrente em um...

“contínuo”, não é? Que vem já... que já tem milênios, não é? Ele não é o primeiro

escritor, nem será o último, não é? Então isso... Wilson Martins consegue, não é?

Consegue essa proeza, é... tão, tão, tão difícil de ser encontrada.

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MIGUEL SANCHES NETO

Todo mundo identifica o crítico, como uma pessoa que sente prazer em ver a coisa

ruim, em achar os defeitos. Mas... eu queria saber: Qual é o verdadeiro prazer do

crítico?

WILSON MARTINS

O verdadeiro... no...no... no meu caso, eu falo por mim, não é? Para mim é... o crítico

é... ao contrário do que se pensa, não é o homem que procura o joio no trigo é o

homem que procura o trigo no joio. Porque, não há... não há... nada mais... é...

agradável do que: realmente descobrir um bom autor e um bom livro e poder... fazer

então, um elogio, sem nenhuma prescrição, sem nenhuma...reserva. Agora a ideia de

que o crítico é obrigado, ou pelo menos tem gosto em escrever verdades impopulares. É

verdadeira, apenas se excluirmos essa ideia de que o crítico tem prazer nisso, eu

pessoalmente não tenho nenhum prazer em: escrever contra um livro ou contra um

autor. Mas tenho o dever, sinto-me no dever de escrever, se for o caso, e fazer uma

crítica desfavorável, e ai eu faço com a maior crueza, com a maior isenção, sem me

preocupar muito com... com a... repercussão que aquilo pode ter é... entre os leitores

ou entre os amigos. E no meu caso particular até ocorre uma circunstancia curiosa

que... aqueles que apenas me conhecem, de leitura e não pessoalmente, tem a ideia de

que eu sou... um velho muito ranzinza e... cheio de... de... de... preconceitos, e assim

por diante. Velho sim, eu concordo, agora... preconceitos eu já... já... já é uma coisa a

ser... é... estudada, porque eu... resisto, sinceramente, eu resisto, por atitude pessoal, a

ter preconceitos e a... alimentar, por exemplo, preconceitos contra autores e obras. Eu

muitas vezes elogio autores de quem... pessoalmente, eu não gosto. E muitas vezes sou

obrigado a escrever, ar... artigos é... relativamente desfavoráveis sobre pessoas muito

agradáveis que eu conheço, e assim por diante.

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MOACYR SCLIAR

Eu acho que o Wilson Martins ele tem uma coerência implacável. Ele diz as coisas que

tem que ser ditas, não é? Agora... nem todo mundo de ouvir as coisas que precisam ser

ouvidas, não é? A...a... sobretudo na área literária que é... que é uma... que é uma área

na qual ululam os egos gigantes, não é? Então, evidentemente, vai ter... seus inimigos,

não é? [Curitiba - PR] É como os profetas do antigo testamento, não é? Que diziam a

verdade doesse a quem doesse, e pagavam um preço por isso.

[JOSÉ CARLOS FERNANDES FALA ENQUANTO APARECE A IMAGEM DA FACHADA DE

UMA CAFETERIA/LANCHONETE ONDE A ENTREVISTA FOI CONCEDIDA]

4 de agosto de 2011

JOSÉ CARLOS FERNANDES

Muitos alunos de universidade começaram a pedir é... o telefone dele. E eu liguei para

ele um dia e falei a... a...: [INSERT CRÉDITO: José Carlos FERNANDES – Jornalista]

“Wilson, eu posso passar o teu... o teu... o teu telefone?” ele falou: “Posso! Eu escrevo

em um jornal, e quem escreve em um jornal não pode negar a palavra para ninguém.”

Aquilo me comoveu muito, por que essa ideia da figura pública, da figura... do jornal

como coisa pública também. Foi um grande prazer ter ido na casa dele, a gente fez uma

foto dele rindo, não é? De propósito, mesmo, na sacada, que era um pouco essa

provocação, é... é... “Olha, o Wilson não é esse cara sisudo, é... maldoso, mal amado,

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trancado dentro de um apartamento, é... é... é tentando destruir alguém.” Ele é um

cara é... de muito bem com a vida e nessa dia ele disse a frase que eu já repeti um

milhão de vezes, não é? “O crítico nunca erra.” “O crítico nunca se engana.” Não é? E eu

acho isso de uma sabedoria, de uma, de uma... coisa muito safa essa frase dele, mas

talvez tenha sido a melhor frase dita sobre crítica cultural em todos os tempos. Não é?

Foi dessa... nessa entrevista que ele disse.

WILSON MARTINS

Eu escrevo realmente é... por um sistema misto, que é: parte à mão e parte a máquina.

Em outras palavras, eu faço uma parte do texto à mão, depois passo a maquina e

continuo à mão e passo a máquina de novo e guardo aquele primeiro... rascunho...

“datiloscunho” para... uma revisão final e aí sim, passo a limpo tudo para... mandar

para o jornal.

MARCIO RENATO DOS SANTOS

Teve um momento em que quebrou o fax dele. [INSERT CRÉDITO: Marcio Renato dos

SANTOS – Jornalista] Ele pediu para eu encontrar um fax similar e comprar o fax para

ele e levar até a casa dele... e arrumar alguém para instalar. Porque ele... até o fim da

vida, até 2010, ele não... ele não entrou no computador, não é? Ele usou a máquina de

escrever elétrica e ele enviava os artigos, não é? Com os textos dele por... por fax. Então

o fax foi um... um instrumento dele. E ele brincava às vezes, não é? Com essa... às

vezes... porque ele era de um outro tempo e ele... ele chamava disquete... de

“disqueta”. Ele brincava assim, ele entendia como que... hoje neste momento, nem tem

mais disquete. Mas essa questão da internet, como se transmite o dado pela internet...

Ele... meio que... hesitava, “mas como é que meu texto – que ele escrevia aqui – vai

pela internet? ” Então, ele preferia... ele confiava mais no fax mesmo, não é?

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DOUGLAS MACHADO

Te dava muito trabalho? O que te causava o fato dele te mandar por fax os textos?

JOSÉ CARLOS FERNANDES

A... a gente...

DOUGLAS MACHADO

Porque nós estamos falando de uma época da internet,

JOSÉ CARLOS FERNANDES

É...

DOUGLAS MACHADO

... onde as pessoas mandam por e-mail, não é? Mas ele trabalhava de uma outra

forma.

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JOSÉ CARLOS FERNANDES

A gente... a gente tinha medo de errar, não é? Como aconteceu várias vezes. Ele me

ligou algumas vezes, muito educadamente, e disse assim: “Olha... eu pediria que

vocês... tomassem mais cuidado... e tal.” Porque era digitado, não é? O texto era

digitado no... lá no jornal e daí... imagina o digitador era uma pessoa que tinha pouco...

pouca instrução e errava muita coisa. E a gente botava o fax, do lado... do... da... da...

da primeira impressão. Da primeira prova e ia... conferindo, não é? Tentando identificar

ali os erros para não acontecer. Então ali vinha... vinha uma história de um... de um

cuidado muito grande com o Wilson... Martins, não é? Para não... para não acontecer...

E eu ligava para ele, não é? Ele já sabia o dia do fechamento... dai eu ligava e

perguntava “Wilson é... é assim mesmo... eu fiquei numa dúvida aqui numa frase...”

Mas ele dizia para acrescentar isso ou aquilo, um pronome, um advérbio...

MIGUEL SANCHES NETO

No Brasil há uma... havia e ainda continua havendo um esporte... no meio literário que

é... o esporte “falar mau do Wilson Martins”, não é? Em todos os lugares que a gente

vai... que a gente ia... sempre tem alguém para fa... falar mau do Wilson Martins.

Geralmente alguém que recebeu uma avaliação negativa do... do... do livro que acaba

falando mal do Wilson Martins. E eu mesmo cheguei a falar mal do Wilson Martins

antes de... conhecê-lo pessoalmente. Eu... não concordava com as opiniões que ele

tinha sobre poesia contemporânea, principalmente as opiniões que ele tinha sobre o

Paulo Leminski e...então, antes de conhecer o Wilson Martins eu já lia os seus artigos

é... utilizava alguns de seus livros, mas quando é... a partir de 1994 eu já fazendo crítica

literária militante, o quer dizer com crítica literária militante, que dizer que é a crítica

literária semanal que... a gente faz nos jornais. Eu... caiu nas minhas mãos um dos

pontos de vista que estava sendo... lançado e eu... li aquele... foi a primeira vez que eu

li uma coletânea de artigos de jornal do Wilson Martins do começo ao fim e eu fiquei

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deslumbrado e eu falei ”Meus Deus, o que esse está fazendo, dentro da cultura

brasileira, ninguém vez até agora.” Então, foi a partir da reunião dos artigos de crítica

dele... é que eu percebi a importância de toda a outra produção do Wilson Martins: “A

História da Inteligência”, da “A Crítica Literária no Brasil”, de um “Brasil Diferente” que

são os ensaios que tem, digamos, mais uma cara de ensaio.

WILSON MARTINS

O ponto de vista, é... que se deve manter é o seguinte: não ter a menor preocupação

com a repercussão dos seus juízos,... dos seus julgamentos. É fazer aquilo com

sinceridade, jogar aquilo... é... um... em um ambiente publico na... para os leitores e

simplesmente aguardar, porque se aquilo estiver certo, algum dia ficará provado que

está e se não estiver certo... temos que nos resignar na condição humana, não é? De

que o crítico também não... escapa, não é?

MIGUEL SANCHES NETO

O que a gente vê é que a tua temperatura, ou ela é fria, ou ela é quente. Ela é quente

quando você diz os elogios com todos os adjetivos, sem nenhum medo de usar os

adjetivos.

WILSON MARTINS

É verdade.

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MIGUEL SANCHES NETO

E quando ela é fria, quando você diz também todos os adjetivos negativos...

WILSON MARTINS

Gelados.

MIGUEL SANCHES NETO

Gelados, não é? Eu queria que você falasse um pouco sobre crítica e temperatura.

WILSON MARTINS

É que eu... é que eu nunca fico em cima do muro realmente, não é? Eu me

comprometo, é... é... essa... se há alguma coisa... que possa ser elogiada na minha

crítica, e que é ... uma crítica comprometida pessoalmente. Eu me comprometo com os

meus julgamentos, de forma que quando se trata de elogiar, eu acho que faz parte até

de uma... certa nobreza do ofício: elogiar sem reservas, não é? Quer dizer, “isto aqui é

um grande escritor, é um grande livro” e assim por diante. Mas também quando se

trata de uma crítica desfavorável é um dever moral, dizer que aquele é um autor bom

por isto e por aquilo e... entre parênteses, não basta dizer que o livro é bom ou mau,

não é? É preciso dizer por que aquele livro é bom ou mau. E quando se trata de um livro

que me agrada, como crítico literário, eu tenho que expor as minhas razões e também

com franqueza, porque... eu já cheguei... depois de tantos anos... de trabalho, eu

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cheguei a uma conclusão curiosa... É que a crítica... vamos dizer... medianamente

desfavorável desagrada da mesma forma maneira que a crítica inteiramente

desfavorável. Então, para não... correr este risco apenas para a meia verdade é melhor

correr para a verdade inteira. Porque, realmente, uma crítica desfavorável, pelos meus

cálculos é... científicos, desagrada em cada semana, vamos dizer, uma média de 15 a

20 pessoas que é... o próprio autor, os seus amigos, a... sua família e assim por diante e

os outros críticos que, por acaso, já elogiaram aquele livro, mas esse é o risco da

profissão e que se deve correr alegremente, eu acho que é uma coisa que deve... correr

até com espírito esportivo. Eu escrevo isto, e agora vocês se arranjam, não é?

[IMAGENS DO CRISTO REDENTOR]

Rio de Janeiro-RJ

[IMAGENS DA BAÍA DE GUANABARA]

9 de dezembro de 2008

[ESCRITÓRIO]

[00:20:38]

[INSERT CRÉDITO: Gardênia CURY]

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DOUGLAS MACHADO

Eu posso nesse momento, na montagem... Sim, pode tirar... tentar cortar para ele

trabalhando

JOSÉ MARIO PEREIRA

O Wilson Martins é um homem... é... um ser essencialmente ético. [INSERT CRÉDITO:

José Mario PEREIRA-editor (TopBooks)] Toda a crítica dele é... ditada por um princípio

ético. Ele é... não se deixa levar: por amizades, por... ele não se deixa tomar por...

nenhum gesto que não seja... o exame frio do texto. Entende? Então, ele vai

construindo, a impressão que eu tenho é que ele... não se importa muito com o que...

dizem/escrevem sobre ele. Ele vai fa... ele ri. Eu já li ao telefone, quero deixar esse

depoimento aqui, que eu já li ao telefone vários textos contra Wilson Martins, alguns de

ataque até pessoal que não chegam a ele lá em... Eu já li e ele...a atitude dele não

muda o tom na conversa no telefone e ele ri... e diz... às vezes ele faz um único

comentário que ele faz é assim: “Oh, o camarada está brabo.”

AFFONSO ROMANO DE SANT’ANNA

Olha o caso do Wilson é um caso único na literatura ocidental [INSERT CRÉDITO:

Affonso Romano de SANT’ANNA - escritor]. Eu acho que não existe um país no mundo,

que eu saiba, um crítico que tenha durante sessenta anos escrito sistematicamente.

Dando uma cobertura do que é a cultura de seu tempo. Aliás, o Wilson não faz só

crítica de literatura. Ah... “A História da Inteligência Brasileira” dele, é uma história da

cultura é... brasileira. Ele trata de... livros que extrapolam a literatura. Portanto, é uma

atividade... muito mais ampla. Que pode até, reverter num... num problema maior,

porque ele vai ter mais... desafetos, não é? Ele está... contestando... está mexendo

com... com vários assuntos, é... problemáticos e é uma coisa que eu diria é... é... o... há

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um enfoque errado a respeito dele que eu espero que um dia seja sanado de uma vez

por todas. É... a minha geração se acostumou muito com estes três grandes críticos que

eram: Antônio Cândido, o Afrânio Coutinho e o Wilson Martins. Detalhe: Antônio

Cândido, que é uma pessoa notável, fez crítica, realmente, só durante uns dois ou três

anos. É um ensaísta, um historiador, não é crítico, quanto mais, não é? O Afrânio

Coutinho, nunca fez crítica na verdade, ele fez crítica da crítica, quer dizer a metacrítica.

O Wilson é o único que fez sistematicamente esse trabalho, bem, muito superior ao

trabalho de Álvaro Lins... é de Anselmo Góis e Lima, portanto ele esta mais exposto.

Esse é o fato, ele está mais exposto. E essa é a grande virtude dele também.

Curitiba-PR

MIGUEL SANCHES NETO

E você descobriu vários autores. Eu queria que você falasse sobre alguns dos autores

que você foi o primeiro a dizer: - Não, esse, realmente, é um mestre, esse é um grande

escritor. Aquelas opiniões que tomaram dianteira em relação a recepção da obra no

Brasil.

WILSON MARTINS

É ai há... até um certo prazer sádico, não é? É... Você perceber que um autor foi

desconhecido ou foi mal interpretado e de repente poder escrever “Não, isso não é

assim, este homem é um grade escritor.” Ou um homem completamente desconhecido

que... que realmente apareceu e ninguém prestou atenção, por exemplo, o José J.

Veiga, eu fui talvez o primeiro crítico... o primeiro crítico de um grande jornal que era o

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“Estado de São Paulo” a escrever um artigo extremamente favorável sobre “Os

Cavalinho de Platiplanto” e... a partir desse momento. Então, todo mundo,

praticamente, começou a achar que de fato era um grande livro e que ele era um

grande contista. O... Outro dia numa declaração até aos jornalistas o Moacyr Scliar

declarou isso, que... quando saiu o seu primeiro livro, e que estava sendo

absolutamente ignorado, eu escrevi um grande elogio no “Estado de São Paulo”, nesse

temo o jornal onde eu escrevia, e... o... o elogio... desinibido, realmente, favorável ao

livro e... tentando identificar aquele tipo de humor do Moacyr Scliar é... introduz nos

seus contos e assim por diante. E ele declarou há pouco tempo a... aos jornalistas o

seguinte que... foi uma surpresa extraordinária que ele recebeu, em ter sido elogiado

por um crítico não só completamente desconhecido é... não amigo dele de nome, nem

de longe, num grande jornal brasileiro, que era “O Estado de São Paulo”, de forma que

ele recortou aquilo e guardou no... bolso do paletó e andava pela cidade, de vez em

quando consultava aqueles elogios, para ver se... se é, se, realmente, era verdade, não

é? E é... outras vezes eu tenho opiniões é... vamos dizer... arriscadas, que são mal

recebidas e que depois de um tempo, que é o meu grande aliado, o tempo é...

comprova que eu estava certo, por exemplo, eu escrevi que o Guimarães Rosa, na

verdade, não era um romancista, ele era um contista, e que “O Grande Sertão” , na

verdade, é uma série de contos é... ligados uns aos outros por justaposição, mas não...

não formam um romance. E isso foi muito mal recebido e mais uma prova de que eu

era um perfeito imbecil em matéria de crítica literária, mas muitos anos depois eu li

uma entrevista famosa... a... uma... um crítico alemão, ele declarou exatamente isso,

“eu não sou um romancista, eu sou um contista, eu sou um homem que escreve contos”

e assim por diante, imagina a alegria com que eu li isso, muito anos depois de ter sido

anatematizado pelos outros críticos.

MARCIO RENATO DOS SANTOS

Eu lembro só agora... que você me perguntou, que você fez essa pergunta, eu lembrei

da estante dele, eu lembro que tinha Guimarães Rosa, e eu uma dia perguntei para ele

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se ele gostava... ele falou que era um dos que ele relia... assim como Machado... assim

como tinha livro do Miguel e do Pelegrini que eu lembro na estante dele. Aquilo não era

uma grande biblioteca, era uma parede só e ali ficava o absolutamente essencial.

MIGUEL SANCHES NETO

[INSERT CRÉDITO: Miguel SANCHES NETO – escritor |crítico literário] Ele vivia sempre

cercado livros, agora... era um homem que não tinha... apego material ao livro, eu

acho isso uma coisa legal para falar, que geralmente quando você tem um cara que

gosta muito de livro, um bibliófilo, ele não quer que risque o livro, ele quer guardar o

livro muito bem. Os livros do Wilson Martins, depois eu posso até procurar, eu tenho

alguns que ele me deu, é... eram... eram anotações... feitas à caneta, caneta vermelha

como se fosse um professor fazendo... a correção... do trabalho, ele abria os livros sem

maior respeito, quebrava a lombada dos livros, e... ele tinha assim, uma... é... o apresso

era... pelo que o livro trazia, não... era o apresso... não era o fetiche pelo objeto livro,

pela mercadoria livro.

MARDEN MACHADO

Tem alguns livros que tu mostrou para gente, não é? Que terminou participando

também, não é? Editando... Você pode mostrar para a gente?

MARCIO RENATO DOS SANTOS

Vamos... Vamos lá! [LEVANTANDO DA CADEIRA]

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MARDEN MACHADO

Vamos lá, dá uma olhada neles?...

MARCIO RENATO DOS SANTOS

[SE DIRIGINDO À ESTANTE DE LIVROS] O que é interessante é que eu moro nessa casa

aqui, ele é... a acho q a umas cinco quadras, de onde o... o Wilson morava, não é?

DOUGLAS MACHADO

É bem pertinho mesmo.

MARCIO RENATO DOS SANTOS

É bem pertinho e... eu sempre morei muito longe dele, não é? Eu sempre morei, assim,

É... uma distancia, ás vezes, mais de uma hora. [MOSTRANDO OS LIVROS NA ESTANTE]

É, aqui nessa prateleira, a gente vê os livros da coleção “Brasil Diferente”, não é? Que

foi a coleção...

MARDEN MACHADO

Editado...

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MARCIO RENATO DOS SANTOS

Editado pelo Miguel Sanches Neto, na época que era diretor-presidente da Imprensa

Oficial do Paraná... entre 1999 e 2002. Aí a gente teve uma grande felicidade, não é?

Ideia do Miguel de fazer uma homenagem ao Wilson, aqui o “Mestre da Crítica”.

DOUGLAS MACHADO OFF

Esse livro foi nos 80 anos, não é?

MARDEN MACHADO OFF

80 anos.

MARCIO RENATO DOS SANTOS

Foi. Foi. Ele...

MARDEN MACHADO OFF

Comemorando os 80 anos dele.

MARCIO RENATO DOS SANTOS

É. Foi um livro com várias contribuições...

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DOUGLAS MACHADO OFF:

Tem um texto do Luiz Antonio de Assis Brasil também.

MARCIO RENATO DOS SANTOS

Do Scliar...

DOUGLAS MACHADO OFF:

Do Scliar também...

MARCIO RENATO DOS SANTOS

A gente teve também... A gente viu... É... Aparecer ali pela imprensa – já em 2003, uma reedição do “Brasil Diferente”. A gente vê aqui em cima, é a... Os originais aqui do...

DOUGLAS MACHAO OFF

Ponto de Vista.

MARCIO RENATO DOS SANTOS

Ponto de Vista, não é? Coleção que ele reuniu toda crítica dele. Até...

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MARDEN MACHADO

Você teve um trabalho especial no... Nesse livro.

MARCIO RENATO DOS SANTOS

É... No 15º, ele fez uma dedicatória aqui.

DOUGLAS MACHADO OFF:

Você pode ler?

MARCIO RENATO DOS SANTOS

“Para o Marcio, excelente editor e amigo ainda mais excelente. Abraços, Wilson Martins. 24 de 07 de 2004.”

DOUGLAS MACHADO OFF

2004.

MARCIO RENATO DOS SANTOS

E tem ainda na sequência a continuação desse projeto, como...

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DOUGLAS MACHADO OFF

Pela Topbooks esse, não é?

MARCIO RENATO DOS SANTOS

O Zé Mário daí da Topbooks pegou e decidiu dar prosseguimento, não é? A... Ao...

DOUGLAS MACHADO OFF:

Ao Ponto de Vista.

MARCIO RENATO DOS SANTOS

Ao Ponto de Vista, com outro titulo. Mudou de editora, vira Ano Literário. Também tem dois volumes.

DOUGLAS MACHADO OFF

E ali eu vejo “A História da Inteligência Brasileira”, não é? Primeira edição.

MARCIO RENATO DOS SANTOS

É...

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MARDEN MACHADO OFF

Não, e esse era a coleção dele, não é?

MARCIO RENATO DOS SANTOS

Dele... Aconteceu alguma...

DOUGLAS MACHADO OFF:

Essa era... Eram os livros dele?

MARCIO RENATO DOS SANTOS

Dele. É. Eu tinha uma... Eu comprei uma coleção dessas - até em uma feira de livros, aqui em um sebo. Não sei se era sebo, onde...

Uma nova, e daí... Acho que eu não lembro qual era o serviço, trabalho... Projeto. Eu sei que eu acabei deixando na casa dele... Por exemplo, aqui. É... Esse aqui é uma edição mais nova, mas a gente acabou trocando os volumes. E eu acabei ficando com os dele. Está bem...

DOUGLAS MACHADO OFF

Bem aberto.

MARCIO RENATO DOS SANTOS

Aberto...

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MARDEN MACHADO OFF

Manuseado.

MARCIO RENATO DOS SANTOS

Manuseado. Era... Acabou ficando comigo, e eu acabei não devolvendo. Enfim, a gente trocou de exemplares, não é? E eu fiquei com uma raridade aqui, não é? Também vale a pena mostrar, que na época da Imprensa Oficial do Paraná, a gente fez uma parceria com a editora Francisco Alves para reeditar “A Crítica Literária no Brasil” - que era um livro dele que estava esgotado, em dois volumes. Que aqui ele recupera toda a crítica literária desde o inicio, não é? No Brasil.

DOUGLAS MACHADO OFF

De certa maneira fica impossível pesquisar sobre a literatura brasileira sem passar pelo Wilson Martins, não é?

MARCIO RENATO DOS SANTOS

É difícil. Se você fizer essa opção de não mencioná-lo, você está - de certa forma, excluindo, não é? Um olhar, e um olhar muito rico de uma pessoa que se dedicou, não é? Ele nasceu nos anos 20, dedicou desde o começo de sua atividade de leitor, a essa atividade crítica.

MIGUEL SANCHES NETO

Uma coisa muito marcante para mim... Que eu tenho pensado recentemente sobre isso, é... De onde vem o estilo do Wilson Martins, de onde vem o olhar do Wilson Martins? Cada vez eu me convenço mais que vem de um livro formador – que para ele... Ele dizia que tinha sido a leitura mais importante da vida dele. Feita no Ginásio Paranaense, em

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Curitiba, quando ele ainda era aluno, que foi “Os Sertões” do Euclides da Cunha. Eu acho que o olhar do Wilson Martins sobre o Brasil, ele é um olhar que vem do olhar do Euclides da Cunha sobre o Brasil, não é? Primeiro, o Wilson nunca aceitou que se lesse “Os Sertões” como um romance. Ele sempre persistiu “Os Sertões é um ensaio”. “Os Sertões” é um livro que tenta pensar o Brasil a partir de um determinado fato que é Canudos. E eu acho que foi aquela... Os valores da geração do Euclides da Cunha foi essa preocupação de entender o Brasil do Euclides da Cunha que ele leva adiante – de outra maneira, com uma outra linguagem, mas eu acho que aquilo formatou o intelectual que ele veio a ser na sequencia, não é? Esse olhar para o Brasil. Por isso, ele tinha... Eu acho que ele tinha algo de nacionalista dentro da sua postura, dentro da sua preocupação. Ele é o critico brasileiro que mais se preocupou com o Brasil.

DOUGLAS MACHADO OFF

Esse é o trecho, esse é o...

MIGUEL SANCHES NETO

Sobre o Euclides da Cunha.

DOUGLAS MACHADO OFF

Sobre o Euclides da Cunha, escrito pelo Wilson Martins.

MIGUEL SANCHES NETO

Pelo Wilson Martins...

“Tudo isso faz com que Euclides da Cunha tenha ficado, acima de qualquer outro, na literatura brasileira, como o criador de um estilo. E nessa linha que vai exercer, de 1902 aos nossos dias, o que eu chamaria não a sua influência, mas sua presença. Com efeito, o autor e o livro logo se transformaram em mito da vida literária, com todas as

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consequências aterrorizantes que tal coisa comporta; a presença avassaladora jamais se transmudou realmente em influência. Para que esta última se exerça, é preciso que seja mais liberatória e reveladora do que despótica e imperativa; em outras palavras, segundo um postulado conhecido, a influência nada cria, mas desperta as potencialidades latentes nos espíritos que a sofrem.”

O Euclides foi, assim, a figura, realmente, que formatou esse olhar do Wilson sobre o Brasil e sobre a cultura brasileira. Essa preocupação... É... Em entender o país e também, essa preocupação vernácula, essa preocupação com a linguagem que o Wilson Martins também sempre teve. Muitas vezes eu ouvi críticas ao Wilson Martins, dizendo o seguinte: “Ah, ele tem uma linguagem do século XIX”. Ele tem uma linguagem próxima dessa do Euclides da Cunha, não com os mesmos termos e com a mesma... Raridade dos termos, mas é uma linguagem mais densa, digamos. Que vem dessa sua leitura amorosa do Euclides da Cunha. Foi a leitura que realmente formou o critico literário.

DOUGLAS MACHADO OFF

Ok, então... Está gravando!

[34:34] 08 de julho de 2008

[WILSON MARTINS ABRE UMA PASTA AZUL COM DIVERSAS FOTORAFIAS QUE IRÁ MOSTRAR NO DOCUMENTÁRIO]

WILSON MARTINS

Esta foto foi tirada na Praça Osório em Curitiba, em 2006 durante a Feira do Livro, na qual eu fui homenageado, porque deram a uma das ruas da Feira o meu nome. Estou aqui em companhia da minha mulher, Anni, e do meu amigo, Eduardo Rocha Virmond.

Vê se continua mais...

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Rua Wilson Martins... (risos)

DOUGLAS MACHADO OFF

Aqui mesmo em Curitiba?

WILSON MARTINS

Aqui mesmo em Curitiba.

Aqui estou durante o Congresso Latino-Americano de Literatura em São Paulo sendo cumprimentado no momento em que recebia o prêmio, justamente de “Melhor Crítico Literário” em 1972.

Aqui só tem cara dele. (risos)

Essa é uma foto mais antiga, na qual eu estou cercado pelos meus estudantes na Universidade de Wisconsin, nos Estados Unidos.

DOUGLAS MACHADO OFF

Em que época, Sr. Wilson, essa foto foi tirada? Mais ou menos em que década?

WILSON MARTINS

28 de abril de 1962.

Esta aqui é a mesma foto do centro, do chamado “Memorial Latino-Americano”... “Memorial da América Latina”!

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DOUGLAS MACHADO OFF

Em São Paulo.

WILSON MARTINS

Em São Paulo, 1993, quando recebi o grande prêmio de “Crítica Literária”, de 1992.

Aqui da esquerda para a direita, nós temos: Wilson Martins; o meu editor Queiroz de São Paulo, que editou toda a História da Inteligência Brasileira, que já é falecido; e aqui é a Rachel de Queiroz, e aqui é a Sra. Martins.

DOUGLAS MACHADO OFF

Esta foto é o Sr. também, não é?

WILSON MARTINS

Como é?

DOUGLAS MACHADO OFF

Esta que está aí, em preto e branco.

WILSON MARTINS

Essa é... Imagina. Nem tem data. Foi no tempo de Dom João V disseramI, pela minha cara.

Mais uma. Aqui está: Wilson Martins ao lado do carvão pintado pelo Guido Viaro. (risos).

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DOUGLAS MACHADO OFF

O nome do pintor?

WILSON MARTINS

O nome do pintor... É.

Aqui é na Universidade de Nova Iorque, durante uma reunião em que eu estou ao lado da diretora do departamento Espanhol e Português, chamada Helena Anderson. Isso em 1987. Esse de novo, cumprimentado durante a cerimônia em uma Universidade de Nova Iorque. Estou sendo cumprimentado pelo professor Warren que já faleceu. Isso no gabinete do Presidente da Universidade.

Eu. Eu. [FALA WILSON A VER FOTOS SUAS SOZINHO]

Aqui na Academia Brasileira de Letras.

DOUGLAS MACHADO OFF

Nélida Piñon, que está aí do lado.

WILSON MARTINS

É, Nélida Piñon. Está recebendo... Eu estou recebendo o prêmio “José Ermírio de Morais” pelo conjunto da obra, isto em 1997.

Essa é a Dona Anna Martins. Eu e a Dona Anna Martins, num jantar em Atenas, Grécia, em 1978. Esse aqui é um casal muito conhecido internacionalmente.

Só vocês que me fazem remexer nisto. (risos) Se eu tivesse tempo e jeito, eu organizava essas fotografias, mas não há possibilidade de eu fazer isso.

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DOUGLAS MACHADO OFF

Mas pelo menos o Sr. as mantém, não é?

WILSON MARTINS

É.

[AO SOM DE UM PIANO A IMAGEM DA WASHINGTON SQUARE PARK]

[39:28] Washington Square [Nova Iorque – EUA]

[IMAGEM DE CRIANÇAS BRINCANDO NO PARQUE – O SOM DO PIANO CONTINUA]

[39:49] DOUGLAS MACHADO OFF

Como foi o seu primeiro encontro com o Wilson Martins [INSERT: 9 de novembro de 2011] ainda como aluno? Quer dizer, vamos relembrar um pouquinho esse primeiro encontro com ele.

KENNETH KRABBENHOFT

Muito bem! Eu lembro muito bem o primeiro encontro com o Wilson, [INSERT: Universidade de Nova Iorque] que tinha uma presença muito impressionante, não é? Isso foi em 1977. Então, eu entrei [INSERT: Kenneth KRABBENHOFT – Professor de

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Literatura (Portuguesa e Espanhola)] e tinha um escritório, aí ocupando a maior parte do escritório com prateleiras de livros do solo até o teto. Todos com livros arranjados com uma perfeição extraordinária. Depois eu descobri que estavam organizados cronologicamente por país e por língua – que já deveria ser uma espécie de revelação sobre a personalidade, sobre a mentalidade do Wilson. Ele sentava atrás, e não se levantava porque era incapaz, não é? Por causa do seu defeito físico...

E me convidou para entrar e tomar um assento. E lá estava com um livro na mão, quando abri a porta ele estava lendo. Então, sempre que eu fui falar com ele, tinha um livro na mão. Era um livro que ele pegava das prateleiras. Agora, eu sei perfeitamente bem que ele já tinha lido aquele livro, pelo menos uma vez. Que ele sem dúvida já tinha escrito alguma coisa importante sobre aquele livro. Mas aí estava na maior... No maior folego, não é? Descansando, lendo um livro. O que para mim dizia, depois de conhecê-lo por algum tempo, que ele não era um critico literário por obrigação nem para ganhar a vida, mas era um... Era o amor dele. Quer dizer, ele tinha uma paixão intragável pela literatura, em todas as suas formas.

[SOM DO PIANO NOVAMENTE, IMAGEM DES RUAS DE NOVA IORQUE].

KENNETH KRABBENHOFT OFF

E logo eu soube depois, quando ele me falou sobre o trabalho que fez [INSERT: Biblioteca Pública de Nova Iorque] na Biblioteca Pública, que ele ia lá, imagina, de táxi e passava todo o dia lá.

KENNETH KRABBENHOFT

Eu não sei quantas horas ele trabalhava semanalmente. Umas 40, 50... Quer dizer, era um homem, eu não diria – como dizemos em inglês “Workaholic” – mas ele era um homem muito teimoso. Ele, por exemplo, quando ensinava, ele tinha uma carpeta com páginas de notas, e ele lia. Não improvisava. Lia, mas como conhecia a matéria tão bem era como se improvisasse, entendeu? Então, era um jeito... Mas isso também dá a impressão de ser uma coisa um pouco antipática, mas no fundo não era, porque ele estava sempre procurando manter contato com o aluno. E por superior que ele fosse

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nos seus conhecimentos, eu sempre tive a impressão que ele me tratava como um igual. Ele não ensinava tanto como que partilhava seu entusiasmo e seus conhecimentos sobre a literatura. E o único requerimento do aluno, para ter êxito e sucesso na aula dele era, também, ter esse interesse.

DOUGLAS MACHADO OFF

E as aulas eram ministradas em português ou em inglês?

KENNETH KRABBENHOFT

Em português.

[VOZ DE WILSON MARTINS]

WILSON MARTINS OFF

E nesse período é que tive então o tempo oferecido pela Universidade para poder estudar e escrever a “História da Inteligência Brasileira”. Servindo-me dos recursos fabulosos das diversas bibliotecas universitárias do país e da Universidade Pública... Da Biblioteca Pública de Nova Iorque.

WILSON MARTINS

Que tem uma biblioteca brasileira comparável a de São Paulo, senão a Nacional do Rio de Janeiro e mais as que obtinha da Biblioteca do Congresso, de Washington e de outras bibliotecas estaduais. De forma que eu tive a minha disposição, realmente –

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num acaso extremamente feliz, todo material bibliográfico de que eu precisava para fazer esse livro. A minha intenção inicial, meu plano que eu não revelava a ninguém, senão me prendiam, me mandavam para o hospício, era ler todos os livros brasileiros jamais publicados, desde 1500. E passei uma grande parte, mas logo verifiquei que não era possível, e ainda hoje lendo meu livro, encontro tais e tais livros que não consegui ler, não achei, assim por diante.

[NOVAMENTE COM O SR. KENNETH KRABBENHOFT]

KENNETH KRABBENHOFT

É por isso que eu digo: o mundo dele era um mundo de ideias, de textos. E a “História da Inteligência Brasileira” é a prova, não é? Quem mais escreveu um livro sobre a história intelectual de um país, de uma cultura em base aos livros publicados ano após ano? É uma ambição quase inacreditável, a ideia desse livro.

WILSON MARTINS

Até vou contar uma história, já que hoje estamos em veia de confidencias, não é? Vou contar uma coisa curiosa que quando eu estava preparando a “História da Inteligência Brasileira” eu não me limitei a ler livros e mais livros e mais livros, embora essa fosse realmente a minha obsessão mais séria. Mas eu procurei viajar por aquela parte do Brasil que eu não conhecia, porque eu precisava saber coisas absolutamente desligadas da literatura e da vida intelectual, por exemplo: Como é que as pessoas andam na rua?

Falavam muito, por exemplo, no Teatro Amazonas [INSERT: Theatro AMAZONAS (Manaus – AM)], mas era preciso ir ver o Teatro Amazonas, não basta olhar as fotografias. Então, a pessoa entra no Teatro Amazonas e tem aquele deslumbramento. Não espera que aquele teatro como aquele estivesse em plena selva amazônica, quer dizer, “aquilo” foram brasileiros que fizeram realmente, não? Então, este... Como se diz...

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MIGUEL DE SANCHES NETO OFF:

Uma percepção física mesmo!

WILSON MARTINS

Uma percepção física e este quadro variado de paisagens e de caras de pessoas, de maneiras de andar na rua, de conversar, reações das multidões e assim por diante. Tudo isso não tem penetração nenhuma no meu livro, mas teve em mim quando escrevi o livro, não? Então, essa preparação é que eu acho muito importante.

MIGUEL DE SANCHES NETO

Ele foi um dia à Bahia e [INSERT: Miguel SANCHES NETO – escritor, crítico literário] foi recebido na Bahia pelo Jorge Amado e foram jantar em um determinado restaurante. E o Jorge Amado falou “Oh, vou te mostrar um terreiro. Quero te mostrar um terreiro, para você conhecer como é que funcionam as religiões aqui na Bahia e tal, aqui em Salvador.”. E foram de carro até um determinado local em Salvador. Só que era um morro muito acentuado e o Wilson não podia subir pelos problemas que ele tinha de locomoção. Então, o Jorge Amadou pegou-o, colocou no pescoço, entrou por baixo das pernas, colocou o Wilson no pescoço e subiu o morro para mostrar o que era o terreiro. E o Wilson Martins terminava essa história, que ele contava para a gente, dizendo o seguinte: “E foi então, que a crítica literária andou sobre a literatura brasileira” (risos). “Porque o Jorge Amado era a literatura brasileira e eu era a crítica literária.”

[CONTINUAÇÃO DA ENTREVISTA FEITA POR MIGUEL SANCHES NETO À WILSON MARTINS]

MIGUEL SANCHES NETO OFF

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Quem é Wilson Martins pelo próprio Wilson Martins? Falar quem você acha que você é, não é? E qual é a tua família espiritual na crítica literária brasileira, na grande crítica literária brasileira, não é? Do século XIX e do começo do século XX?

WILSON MARTINS

A minha vontade é responder como Eça de Queiroz, não é? “Eu sou um pobre da Póvoa do Varzim”. (risos). Eu sou um pobre homem que nasceu na Penha, em São Paulo e fiz depois esse percurso por uma fazenda de café, e depois minha família se mudou para Curitiba, aqui então começou essa história toda que nós falamos. E, sinceramente, olhando-me assim, na medida do possível do lado de fora, eu não acho que houvesse ou tenha havido nada de extraordinário na minha carreira, a não ser essa paixão pela literatura e pela leitura, não é? Num discurso que há muito anos fiz em São Paulo, eu disse isso, que o crítico só deve ter uma paixão, que é a paixão literária, e de fato esta paixão eu tenho. Mas a... Do ponto de vista, assim mais profissional, digamos assim, meu grandes nomes íntimos, assim, em matéria de crítica literária, são, antes de mais nada, um francês que se chamava Albert Thibaudet – que aliás está ate um pouco esquecido na França, mas é um dos grandes escritores franceses injustiçados por está esquecido. Agora, passando para o Brasil, passando para um momento de maior maturidade intelectual, eu acho que na formação brasileira, na crítica brasileira, o homem que eu ainda acho o mais consanguíneo comigo mesmo, é José Veríssimo. Eu não sou tão pessimista, tão tenebroso como José Veríssimo, mas eu gosto muito da sua seriedade, seriedade até um pouco maciça, um pouco chata, mas que era um realmente um homem que acreditava no que estava fazendo. Isso contra aquelas estripulias do Sílvio Romero, que também são muito engraçadas, muito divertidas de ler, mas a gente percebe que não tem aquele peso especifico que tinha a crítica do José Veríssimo. E mais tarde, já quando eu mesmo já estava fazendo crítica, apareceu um vulto extremamente deslumbrante que era o Álvaro Lins. O Álvaro Lins, quando veio para o Rio fazer crítica literária foi um assombro, o Carpeaux o chamava de tribuno, era um tribuno da crítica literária e era um homem que fazia e desfazia reputações. Uma crítica do Álvaro Lins, uma crítica semanal do Álvaro Lins no Correio da Manhã, decidia o destino de muitos escritores. E como ele estava ligado, por amizade a José Olympio, a editora de José Olympio, que era a editora mais importante no momento, era o centro vivo da literatura brasileira, a gente pode imaginar a influência que ele teve naquele instante. E em São Paulo, não sou de admirações exclusivas, não é? Mas em São Paulo eu era muito ligado e admirador de Sérgio Milliet, a quem eu substituí no Estado de São Paulo, e Antonio Candido, grande revelação da crítica brasileira nos anos 40, quando ele surgiu em um jornal que se chamava Folha de São Paulo – eu creio, naquele tempo e na revista Clima. Havia até uma ideia não escrita, que havia uma sucessão: Tristão de

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Ataíde, Álvaro Lins e Antonio Candido. Cada um substituindo sucessivamente os anteriores e fora outros escritores, naturalmente, que praticavam a crítica esporadicamente, mas entre os profissionais eu acho que foram esses os que estavam mais próximos de mim, não é?

MIGUEL DE SANCHES NETO

Eu conheci o Wilson ele já com uma idade bastante avançada, portanto eu conheci o Wilson já é... Não estava na plenitude das suas condições físicas. Mas eu conheci o Wilson Martins ainda usando bengala, não é? Por conta dos seus problemas de locomoção porque ele teve paralisia infantil. Ele usava uma aparelhagem de ferro nas pernas para poder andar, mas ele andava com bengala. Então, eu o conheci andando de bengala. Logo em seguida, em 1996 por aí, o Wilson Martins começou a usar muletas, mas ele ainda se locomovia de forma independente e no final, passado algum tempo ele foi para a cadeira de rodas, ali por 2000, mais ou menos, ele entrou em cadeira de rodas. 2001, talvez. Ele só se locomovia com cadeira de rodas. Ele relutou muito para usar a cadeira de roda, e um dia eu falei...

Eu tinha uma relação muito franca com ele, até ele... Pouco conversava sobre os problemas físicos dele, mas eu sempre provocava essa conversa sobre os problemas físicos.

“Você tem que começar a usar a cadeira de rodas, porque senão você vai ficar muito preso, não vai conseguir mais andar”.

Ele dizia:

“No dia que eu sentar em uma cadeira de rodas, eu vou me entregar.”

Ao contrário, ele começou a usar a cadeira de rodas e viveu ainda dez anos, praticamente, com cadeira de rodas, não é? Então, eu acompanhei todo esse processo da bengala para a muleta, da muleta para a cadeira de rodas, mas o momento realmente que eu senti que ele estava frágil foram os últimos encontros em que ele começou, realmente, a definhar fisicamente no sentido de diminuir a massa corporal. Ele foi ficando menor, quase desaparecia dentro da cadeira. Isso foi um choque muito grande, quando eu percebi, falei: “Não, ele está com a massa muscular... a massa corporal muito pequena e eu acho que é o fim”.

DOUGLAS MACHADO OFF

...Mas seguia trabalhando...

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MIGUEL DE SANCHES NETO

Seguia trabalhando, seguia trabalhando. Ele acordava religiosamente de madrugada, ele começava a ler de manhãzinha. Ele lia até às onze horas da noite. Ele nunca se entregou.

[IMAGEM DE WILSON MARTINS ESCREVENDO EM SUA MAQUINA DE ESCREVER]

MARCIO RENATO DOS SANTOS

O Wilson parou de publicar as crônicas... As resenhas na Gazeta. Então, a gente sabia que alguma coisa estava...

DOUGLAS MACHADO OFF

Grave...

MARCIO RENATO DOS SANTOS

Grave. E a sensação...

Eu estava na casa dos meus pais, eu recebi o telefonema de manhã, do Oscar Rocker contando: “Olha Marcio, o Wilson morreu. O Wilson Martins morreu. É uma pena. A gente sabe que você é amigo dele, e tudo. [INSERT: Marcio Renato dos SANTOS – jornalista]. E hoje, você fica com essa tarefa do texto de homenagem”. Daí, eu fui para o enterro e demorou para entender que ele morreu. Acho que até hoje, eu ando assim... É algo que eu não absorvi direito, pela amizade...

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[IMAGEM DE WILSON ESCREVENDO NA SUA MAQUINA DE ESCREVER NOVAMENTE]

WILSON MARTINS

Você não está gravando o que eu escrevo, não é?

DOUGLAS MACHADO OFF

Não.

[WILSON RI, E COMPLETA].

WILSON MARTINS

É que eu estou escrevendo bobagem aqui.

DOUGLAS MACHADO OFF

É? Está certo!

WILSON MARTINS

Em novembro vai sair melhor, porque eu estarei com os dedos mais...

DOUGLAS MACHADO OFF

Sim, gravamos mais um pouco em novembro.

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[NARRAÇÃO DE DOUGLAS MACHADO]

DOUGLAS MACHADO OFF

Não pude ir em novembro. Remarcamos a gravação para março do ano seguinte, próximo ao seu aniversário. Infelizmente, o estado de saúde do Wilson já estava bastante delicado. No dia 30 de janeiro de 2010, recebi as ultimas informações sobre ele através dos tweets escritos pelo Miguel Sanches Neto. Perdemos naquela data o nosso mestre da crítica.

WILSON MARTINS

Foi bom fazer isso porque minha maquina, agora, apareceu um defeito aqui.

[O SOM DO PIANO COMEÇA AO PASSO QUE MIGUEL SANCHES NETO COMEÇA SUA NARRAÇÃO]

[55:33] [INSERT: 15h47min – 30 de janeiro de 2010]

MIGUEL SANCHES NETO

Internado no Hospital Nossa Senhora das Graças, em Curitiba, em estado de coma profundo, o mestre e amigo Wilson Martins.

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[55:42] [INSERT: 15h51min]

MIGUEL SANCHES NETO

Com coluna semanal de crítica, desde a década de 1940, Wilson Martins continuou na ativa até semanas atrás.

[56:01] [INSERT: 15h53min]

MIGUEL SANCHES NETO

Critico independente, afastado da vida literária, escreveu o maior ensaio sobre a cultura nacional: A História da Inteligência Brasileira.

[56:13] [INSERT:15h55min]

MIGUEL SANCHES NETO

Seus artigos reunidos em 15 volumes de Ponto de Vista, e dois de O Ano Literário, continuou seu estudo maior sobre os brasileiros.

[56:29] [INSERT: 15h58min]

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MIGUEL SANCHES NETO

Ateu, ganhando um São Miguel, perguntou a vocação do santo, sabendo que era os das causas difíceis, falou rindo: “É com esse mesmo que vou”

[56:44] [INSERT:16h02min]

MIGUEL SANCHES NETO

Wilson nasceu em São Paulo em 1921, mudou-se para Curitiba em 1930. Juiz, professor da Universidade Federal do Paraná, crítico do Estadão, Globo, Jornal do Brasil e Gazeta do Povo.

[57:02] [INSERT:16h04min]

MIGUEL SANCHES NETO

Em 1962 vai para os Estados Unidos, professor entre outras, da Universidade de Nova Iorque onde se aposentou em 1991, voltando para Curitiba.

[57:14] [INSERT:16h06min]

MIGUEL SANCHES NETO

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Wilson fez da leitura e da crítica um exercício de vitalidade.

[57:25] [INSERT: 20h55min]

MIGUEL SANCHES NETO

Morreu meu mestre e amigo: Wilson Martins. Está sendo velado na Capela Três, cemitério Luterano em Curitiba, ao lado do Estádio Couto Pereira.

[IMAGENS DA ESTANTE DE LIVROS DE WILSON MARTINS]

[58:04]

Vinte dias depois, morre Anna Schmidt Martins.

Viveram mais de 60 anos juntos.

Não tiveram filhos.

[58:38]

WILSON MARTINS – A CONSCIÊNCIA DA CRÍTICA

[APÓS OS CRÉDITOS]

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[01:00:34]

MIGUEL DE SANCHES NETO

Ele tinha uma gulodice pela vida, não é? Que se ficava muito claro pela própria comida. Ele gostava muito de comer, ele gostava muito de comer. Ele tinha uma “boca boa” como a gente se diz, não é? Para comida. E ele nesses almoços, assim umas das coisas, assim, interessantes... Tem frases que a gente nunca esquece, não é? Quando ele acabava, por exemplo, de comer, ele comia maravilhosamente bem, ele sempre terminava com a seguinte frase: ”Ai, ai. Ui, ui. – Disse o Barão da Avenida Paraná”. Que era ele próprio, que morava na Avenida Paraná. Quer dizer, era sinal que o restaurante era muito bom e que a comida era muito boa, e que ele estava satisfeito. E ele sempre tirava porções dos pratos das pessoas da mesa, e ele sempre dizia: “Me deixa experimentar um pouco esse bacalhau que você está comendo”. “Essa tua carne está com uma cara muito boa, me dê um pedacinho dela”. Outra frase também que eu nunca vou me esquecer, ele dizia assim: “Pegue um pão para mim, com essas tuas lívias mãos” (risos). Que era uma brincadeira entre nós, não é? Quer dizer, podia pegar com a mão mesmo a comida e dá com a mão para ele. Era uma santa ceia.